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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA Programa de Pós-Graduação em Agricultura Tropical CONHECIMENTO DOS ÍNDIOS KAIABI SOBRE ABELHAS SEM FERRÃO NO PARQUE INDÍGENA DO XINGU, MATO GROSSO, BRASIL WEMERSON CHIMELLO BALLESTER CUIABÁ MT 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA

Programa de Pós-Graduação em Agricultura Tropical

CONHECIMENTO DOS ÍNDIOS KAIABI SOBRE ABELHAS SEM FERRÃO NO PARQUE INDÍGENA DO XINGU, MATO

GROSSO, BRASIL

WEMERSON CHIMELLO BALLESTER

CUIABÁ – MT 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA

Programa de Pós-Graduação em Agricultura Tropical

CONHECIMENTO DOS ÍNDIOS KAIABI SOBRE ABELHAS SEM FERRÃO NO PARQUE INDÍGENA DO XINGU, MATO

GROSSO, BRASIL

WEMERSON CHIMELLO BALLESTER Engenheiro Agrônomo

Orientador: Prof. Dr. MÁRCIO DO NASCIMENTO FERREIRA

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Agricultura Tropical da

Universidade Federal de Mato

Grosso, para obtenção do Título

de Mestre em Agricultura Tropical.

CUIABÁ – MT 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA

Programa de Pós-Graduação em Agricultura Tropical

CERTIFICADO DE APROVAÇÃO Título: CONHECIMENTO DOS ÍNDIOS KAIABI SOBRE ABELHAS SEM

FERRÃO NO PARQUE INDÍGENA DO XINGU, MATO GROSSO, BRASIL

Autor: WEMERSON CHIMELLO BALLESTER

Orientador: Prof. Dr. MÁRCIO DO NASCIMENTO FERREIRA

Aprovado em 18 de Dezembro de 2006. Comissão Examinadora:

Prof. Dr. MÁRCIO DO NASCIMENTO FERREIRA FAMEV/UFMT

Orientador

Prof. Dr. Sebastião Carneiro Guimarães FAMEV/UFMT

Prof. Dr. Alberto Dorval FENF/UFMT

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CONHECIMENTO DOS ÍNDIOS KAIABI SOBRE ABELHAS SEM FERRÃO NO PARQUE INDÍGENA DO XINGU, MATO GROSSO, BRASIL

RESUMO – As abelhas sem ferrão desempenham um papel significativo na

alimentação, religião, mitos, ritos, crenças e também na medicina de vários

povos do mundo. Esta pesquisa teve como objetivo registrar o conhecimento

que os índios Kaiabi possuem sobre as abelhas sem ferrão. Os objetivos

específicos foram verificar o número de etnoespécies de abelhas sem ferrão

conhecidas pelos Kaiabi, a utilidade dos produtos fornecidos pelas abelhas,

algumas características ecológicas de etnoespécies, além da classificação

morfológica das abelhas, na visão desse povo. O estudo foi desenvolvido na

aldeia Kwarujá, localizada no Parque Indígena do Xingu, região norte do

estado de Mato Grosso e realizado no ano de 2001. Foram cinco meses de

trabalho de campo, onde se utilizou técnicas de coleta de dados

etnocientíficos. O Parque encontra-se em área de transição ecológica, entre

o Cerrado do Centro-Oeste e a Floresta Amazônica, apresentando espécies

animais e vegetais dos dois ecossistemas. Como resultado desta pesquisa

foi registrado 27 etnoespécies de abelhas sem ferrão reconhecidas pelos

Kaiabi. Os Kaiabi identificam também preferências das abelhas por

ambientes com maior diversidade de plantas e animais; indicam espécies

vegetais preferidas pelas abelhas para nidificação e espécies vegetais

utilizadas para a alimentação; reconhecem diferenças nas estratégias de

defesa das abelhas, na quantidade, densidade, coloração e gosto dos méis.

A estrutura morfológica das abelhas recebe nomes na língua Kaiabi que, na

maioria das vezes, correspondem a partes do corpo humano.

Palavras-chave: etnoentomologia, índios Kaiabi, abelhas sem ferrão

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KNOWLEDGE OF KAIABI INDIANS ON STINGLESS BEES AT PARQUE INDÍGENA DO XINGU, MATO GROSSO, BRAZIL ABSTRACT – Stingless bees play a significant role in the feeding, religion, myths,

rites, beliefs, as well as in the medicine of several peoples worldwide. This

research aimed to record the knowledge possessed by Kaiabi Indians on stingless

bees. The specific objectives were to identify the number of stingless-bee

ethnospecies known to the Kaiabi, the usefulness of products provided by bees,

some ecological characteristics of ethnospecies, in addition to a morphological

classification of these bees, as viewed by this people. The study was conducted at

the Kwarujá village, located at Parque Indígena do Xingu (Xingu Indian

Reservation), in the northern region of the State of Mato Grosso, Brazil, in the year

2001. The research consisted of five months of field studies, during which

ethnoscientific data collection techniques were used. The Reservation is located in

an ecological-transition area, between the Central-Western Cerrado and the

Amazon Rainforest, with animal and plant species of both ecosystems. Twenty-

seven stingless-bee ethnospecies recognized by the Kaiabi were recorded as a

result of this research. The Kaiabi also identify bee preferences for environments

with greater diversity of plants and animals; indicate plant species preferred by the

bees for nest building and plant species used for feeding; acknowledge differences

in the defense strategies of bees, as well as in honey quantity, density, color, and

taste. The morphological structures of bees receive names in the Kaiabi language

that frequently correspond to parts of the human body.

Keywords: ethnoentomology, Kaiabi Indians, stingless bees

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ÍNDICE Pg

1 INTRODUÇÃO 6 2 REVISÃO DE LITERATURA 8

2.1 Abelhas sem ferrão 8 2.2 Os índios Kaiabi 9 2.3 Etnociência 112.3.1 Etnoentomologia 132.4 Metodologia Participativa em Pesquisas Etnocientíficas 152.4.1 Questões a serem consideradas pelo pesquisador 15

2.4.2 Técnicas de coleta de dados 162.4.2.1 Pajés como informantes chave 17

3 MATERIAL E MÉTODOS 183.1 Técnicas Empregadas na Coleta dos Dados 18

4. RESULATDOS E DISCUSSÃO 214.1 Identificação, Comportamento e Usos os Produtos das

Abelhas sem Ferrão 21

4.1.1 Espécies Vegetais Utilizadas pelas Abelhas na Nidificação e Alimentação 25

4.2 Representação Biogeográfica das Abelhas na Aldeia Kwarujá 25

4.3 Aspectos Morfológicos das Abelhas 285. CONCLUSÕES 306 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 31

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1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de pesquisas junto a populações tradicionais

começou a ganhar impulso a partir de 1950. O conhecimento indígena

passou a ser estudado e a ser considerado por alguns cientistas como

etnociência.

Para POSEY (1983a) a etnociência explora a percepção do

conhecimento do homem em sua adaptação a determinados ambientes e

estuda como a população interage com todos os aspectos do ambiente

natural. Isto inclui a fauna, a vegetação, solo, tipos de ambientes, além das

particularidades locais e aspectos espirituais.

O enraizamento milenar das sociedades indígenas nos diversos

ecossistemas possibilitou-lhes um acúmulo de conhecimentos botânicos e

zoológicos que as tornaram capazes de elaborar técnicas sofisticadas de

manejo destes recursos naturais, obtendo um aproveitamento ecológico de

grande diversidade biológica (POSEY, 1993).

Algumas pesquisas indicam que a polinização das florestas tropicais,

como no Brasil, é realizada em grande parte por insetos. KERR et al. (1996)

atribuem a polinização de 40% a 90% das árvores nativas brasileiras às

abelhas sem ferrão, mostrando que estes insetos são importantes e

fundamentais para a formação de boas sementes, mantendo assim a

diversidade nas florestas úmidas e evitando a perda significativa do banco

genético das florestas nativas.

Esta pesquisa tem como objetivo registrar aspectos do conhecimento

que os índios Kaiabi, do Parque Indígena do Xingu, possuem sobre as

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abelhas sem ferrão. Para a apresentação das informações o trabalho foi

dividido em três partes: a primeira aborda a revisão da literatura com

informações sobre as abelhas sem ferrão, aspectos da etnografia dos índios

Kaiabi, conceitos e trabalhos sobre etnociência/etnoentomologia e as

técnicas de coleta de dados utilizadas. A segunda faz um apanhado do

material e da metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa. Por

fim, faz-se a apresentação dos resultados alcançados incluindo número de

etnoespécies de abelhas sem ferrão conhecidas pelos índios Kaiabi,

utilidade dos produtos fornecidos por elas, características ecológicas de

algumas etnoespécies, classificação morfológica da abelha sem ferrão na

visão Kaiabi.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Abelhas sem ferrão

As abelhas sem ferrão são consideradas abelhas sociais e

pertencentes à subfamília Meliponinae, sendo conhecidos também como

meliponíneos. Ocorrem com muita diversidade em toda região tropical do

Planeta e também ocupam áreas de clima temperado subtropical. No Brasil

existem mais de 200 espécies diferentes (ROUBIK, 1989).

Os ninhos dessas abelhas são encontrados em locais bastante

diversos como formigueiros abandonados, raízes de árvores, cavidades

existentes nos troncos e galhos, além de construírem ninhos subterrâneos.

Algumas espécies fazem seus ninhos em cupinzeiros e outras em

formigueiros ativos (POSEY, 1987). Os meliponíneos utilizam diversos materiais para a construção dos

seus ninhos. A cera, produzida pela própria abelha, juntamente com resinas

de árvores, denominada por NOGUEIRA-NETO (1997) de cerume, é

utilizado para a construção de favos, potes de mel e entradas de ninhos.

Além do cerume para a construção de entradas dos ninhos, algumas

espécies utilizam o barro misturado com resinas de árvores denominado

geoprópolis (NOGUEIRA-NETO, 1997). Os potes, que armazenam o mel e o

pólen, são pequenos reservatórios feitos de cerume ou cera pura,

geralmente de forma oval e construídos fora da região das crias, ou às vezes

encostadas nela, apresentando tamanhos variados (NOGUEIRA-NETO,

1970).

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Os meliponíneos exercem diversas atividades como, construir e

manter os ninhos, abastecer os mesmos de alimentos, defenderem seus

enxames com estratégias diferenciadas, comunicar com outros membros da

colônia, etc., além de desempenharem um importante papel ecológico nos

ecossistemas brasileiros através da realização da polinização de inúmeras

espécies vegetais (NOGUEIRA-NETO, 1997). 2.2 Os índios Kaiabi Os Kaiabi são um povo de língua da família tupi-guarani, originários

das regiões dos rios dos Peixes (MT) e médio Teles Pires (PA). As primeiras

notícias desta etnia aparecem em 1915 no Relatório da Expedição Rondon

(GRUMBERG, 1970). Naquela época, a principal atividade econômica na região era a

extração de borracha, onde ocorreram muitos conflitos com os seringueiros

subordinados a empresas seringalistas. Tal contato dizimou

aproximadamente 2/3 da população kaiabi original (SENRA et al., 2004).

O “boom da borracha” em 1942 e o início das atividades da

Companhia Colonizadora Noroeste Mato-grossense LTDA (CONOMALI), na

perspectiva do surgimento de novas cidades em terras Kaiabi, segundo

(GRUMBERG, 1970), foram os fatores decisivos para o abandono de muitas

famílias Kaiabi da área ancestral indo habitar as regiões do Parque Indígena

do Xingu.

Em 1955 criou-se a “Operação Kaiabi”, idealizada pelos irmãos Villas-

Boas, onde ocorreu a transferência de parte dos Kaiabi para o Parque

Indígena do Xingu. Esta transferência foi percebida na época como única

forma de preservar a integridade Kaiabi frente às pressões econômicas.

Entretanto, os Kaiabi que migraram, tiveram que se adaptar à nova realidade

ambiental e cultural pois, várias espécies de animais e vegetais importantes

para sua dieta, para sua cultura material, para fins medicinais, rituais e

outras, não ocorriam no Parque Indígena do Xingu (ATHAYDE, 1999).

Segundo ATHAYDE (1999) uma espécie vegetal que representava

importante fonte de proteína com alto valor nutritivo é a castanha-do-pará

(Bertholletia excelsa) denominada por eles de (y’wa ete – fruto verdadeiro).

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GRUMBERG (2004) cita outros recursos florestais utilizados como fonte de

alimento, que estão ausentes no Parque Indígena do Xingu, como o patauá

(Oenocarpus bataua), o cacau (Theobrona cacao) e o açaí (Euterpe

precatoria). Já o marajá (Bactris sp.) e a siriva (Bactris macana) eram

usados para confecções de artesanatos e arcos, respectivamente.

Na área ancestral existia maior diversidade e quantidade de

mamíferos e aves. Com relação à pesca o quadro se inverte, pois o Xingu

apresenta maior diversidade e abundância de peixes (ATHAYDE, 1999). ATHAYDE (1999) comenta que, se por um lado os Kaiabi sentem falta

do seu ambiente ancestral, por outro lado sabem que é no Xingu que

conseguirão viver sem grandes conflitos e manter sua cultura e seus

conhecimentos tradicionais.

Atualmente os Kaiabi vivem na Reserva Tatuy do Rio dos Peixes

(MT), na Terra Indígena Kururuzinho (PA), próximo ao Rio Teles Pires e

também no Parque Indígena do Xingu, sendo esta última localidade, a área

de estudo desta pesquisa. É importante destacar que a população cresce a

cada ano (SCHMIDT, 2001). Os Kaiabi do Parque Indígena do Xingu vivem em uma área de

transição das savanas e florestas semideciduais mais secas ao sul para a

floresta ombrófila amazônica ao norte com presença cerrados, campos,

florestas de várzea, floresta de terra firme em terras pretas arqueológicas

(ATHAYDE, 1999).

Através dos trabalhos de SCHMIDT (2001) e SENRA et al. (2004),

pôde-se observar que as classificações de ambientes que compõe o sistema

Kaiabi são semelhantes aos utilizados no sistema convencional da ciência,

ou seja, considera-se a altura do dossel, incidência de luminosidade,

ocorrência de determinadas árvores como plantas indicadoras, tipos de solo,

entre outros.

a) Ka’areté: Representa uma floresta de terra firme, com árvores altas

e maior diversidade florística se comparado a outras formações do Parque.

É composto por três extratos arbóreos, sendo que o inferior é pouco

desenvolvido facilitando o deslocamento no seu interior. É neste ambiente

que aparecem trilhas para os deslocamentos mais longos, para caçar,

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coletar plantas medicinais, coletar mel, extrair madeiras para a construção

das casas, etc...

Uma espécie vegetal indicadora deste ambiente tanto para os kaiabi

como para a ciência, é o jatobá (Hymenaea sp.) denominada juta’yp. Sua

casca é utilizada para confecções de canoas e seu fruto é consumido in

natura.

b) Yapopet: Floresta de várzea, área sujeita a inundações sazonais

durante as estações chuvosas que vão de novembro a março. Ocorre nas

imediações da toda a calha do rio principal e seus afluentes. Este tipo de

ambiente fornece madeira para confecções de cabos de machado e de

enxada, fibras para amarrações das casas, lenha para fins doméstico e

também muito utilizado para a pesca nas estações chuvosas, onde o peixe

se torna escasso.

c) Ko: É a denominação das áreas de roça. No calendário agrícola

Kaiabi, não interessa o mês em si, mas sim os avisos da natureza para o

início dos trabalhos da roça. Por exemplo, o aparecimento de borboletas nas

margens dos rios denominadas pelos Kaiabi de pana-pana e o

amarelecimento e queda das folhas da árvore yag yp, indicam que o rio não

subirá mais. A floração da árvore tameju yp é um sinal que em breve as

chuvas começarão, portanto deve-se queimar a roça. Quanto as dimensões,

as roças apresentam um padrão de aproximadamente seis mil metros

quadrados, podendo haver roças maiores, porém os Kaiabi nunca fizeram

roças muito grandes. A roçada é feita em aproximadamente três dias de

trabalho, podendo contar com a mão-de-obra familiar ou também com

convidados. Segundo SENRA et al. (2004) são cultivadas 154 variedades de

plantas para fins de alimentação, onde o destaque fica para o amendoim

Kaiabi com 26 variedades. Há uma seqüência identificável desde a roça de

ciclo curto, passando pelo pomar, estágios de sucessão mais avançados até

a floresta secundária.

d) Kofet: É uma denominação genérica que representa o primeiro

estágio sucessional após dois ciclos de cultivos agrícolas. Após este período

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continua-se colhendo mandioca, algodão, pimenta, cará, mamão, banana,

entre outras. Esta área é utilizada para caça e coletas. Para os Kaiabi as

árvores muag yp, makawa yp e jateta yp são indicadoras deste ambiente.

e) Ju: Área de campo sujeita a inundação sazonal. Na época das

chuvas este ambiente é utilizado para pesca com arco e flecha e na época

da seca é utilizado para coleta de frutas como o murici.

GRUMBERG (1970) apresenta a economia Kaiabi baseada no cultivo

de uma grande variedade de plantas e uma coleta diversificada. A produção

primária de alimentos é proveniente do cultivo da terra; da caça de

mamíferos, aves, anfíbios e répteis; da pesca e da coletas de frutas, de

cogumelos e de méis.

O mel é um alimento muito apreciado por este povo. O mais

valorizado entre os Kaiabi, segundo GRUMBERG (1970) é o da abelha

denominada tapé’wa. Se um enxame é descoberto durante uma expedição

de caça e/ou coleta, seu mel é propriedade da pessoa que observou

primeiro. Geralmente a árvore é derrubada e aberta com o machado,

expondo os favos de mel que são espremidos com as mãos e colocados em

recipientes feitos com folhas de banana-brava. Se o enxame estiver

nidificado em árvores bem grossas, os Kaiabi constroem um andaime com

pequenas árvores, ramos e cipós para a coleta do mel.

2.3 Etnociência VIERTLER (2002) ilustra a história da etnociência como sendo o

entrecruzamento principal de duas ciências: A Antropologia e a Biologia.

POSEY (1983) salienta que a etnociência estuda a interação de uma

determinada população com o ambiente em que vive, incluindo a fauna,

vegetação, solo e tipos de ambientes, além de particularidades locais e

aspectos espirituais.

Para LÉVIS-STRAUSS (1970) esta íntima relação das populações

com os ambientes em que vivem e nos quais se organizam, nos permite

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compreender a lógica de um ecossistema equilibrado e suas interações

físicas e biológicas.

A esse respeito, transcreve-se a definição de etnoecologia

apresentada por (MARQUES, 2002).

“Etnoecologia é o campo da pesquisa (científica) transdisciplinar que

estuda os pensamentos (conhecimentos e crenças), sentimentos e

comportamentos que intermediam as interações entre as populações

humanas que os possuem e os demais elementos do ecossistema que as

incluem, bem como os impactos ambientais daí decorrentes.”

Quando o prefixo etno é utilizado antes do nome de uma disciplina

acadêmica, por exemplo, etnoentomologia, MARTIN (1995) mostra que

pesquisadores desta área estão buscando as percepções de uma

determinada sociedade dentro do contexto acadêmico da entomologia. Os

conceitos de etnoecologia e etnociência vêm sendo utilizados por vários

pesquisadores que trabalham com populações tradicionais. Os trabalhos de

SCHIMIT (2001), VIERTLER (2002), MARQUES (2002) e POSEY (1979),

demonstram a importância do conhecimento tradicional na interlocução com

a sociedade acadêmica. Embora os estudos nesta área sejam novidade,

começam a aparecer pesquisadores interessados no desenvolvimento de

pesquisas de cunho etnocientífico (RODRIGUES, 2005). Estudando o conhecimento dos índios Guarani-M’byá sobre abelhas

sem ferrão, RODRIGUES (2005) concluiu que muitas vezes o

etnoconhecimento é coerente com o conhecimento científico. Destaca ainda

que o conhecimento dos índios poderá contribuir para a re-introdução de

espécies polinizadoras na região de Mata Altântica, onde os Guarani vivem.

2.3.1 Etnoentomologia Estudos de COSTA-NETO (2004), demonstram que os insetos são

um importante recurso alimentar para mais de três mil etnias em todo o

mundo, apresentando alto valor nutritivo por serem ricos em proteínas,

lipídeos, aminoácidos, sais minerais e vitaminas. RAMOS-ELORDUY (2000)

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revela que o maior grupo de insetos comestíveis é o dos coleópteros,

conhecidos popularmente como besouros, seguidos pelos ortópteros (grilos,

gafanhotos) e pelos lepidópteros (borboletas e mariposas).

A utilização de formigas Atta sexdens como alimento para os povos

indígenas é muito comum. Segundo DUFOUR (1987) cada formigueiro, no

auge da produção, pode fornecer entre 10 e 16 quilos das mesmas. Elas são

consumidas crua ou torradas pelos índios Guarani (RODRIGUES, 2005) e

entre os Enawene Nawe, que habitam a região noroeste do estado de Mato

Grosso, as formigas são consumidas de forma in natura ou assadas e

socadas em pilão e misturadas na massa de mandioca que se faz o beiju

(MENDES, 2001).

Pupas de uma vespa do gênero Polistes são consumidos pelos índios

Chuh, da Guatemala que acreditam que a ingestão dos olhos pigmentada

dessa espécie lhes dará poderes procriativos, gerando crianças com olhos

grandes (RODRIGUES, 2005). O consumo esporádico de pupas de vespas

também ocorre entre os Enawene Nawe (MENDES, 2001).

As larvas de abelhas têm grande utilização como alimento e no

preparo de receitas destinadas ao uso medicinal tradicional entre os índios

Guarani (RODRIGUES, 2005). Entre os Enawene Nawe se observou o

consumo de crias de abelhas, onde na hora da coleta de mel na mata,

“habilmente os índios retiram os favos contendo as crias que são

consumidas no local, ou então, dependendo da quantidade, são levadas

para a casa e levadas diretamente ao fogo por alguns minutos” (MENDES,

2001). Segundo COSTA NETO (2004),

“os estudos de etnoentomologia podem estimular novas idéias a serem

investigadas pela ciência, especialmente no que diz respeito à utilização

medicinal e alimentar de insetos. O seguimento de linhas de pesquisa que

enfatizem o potencial entomoterápico e protéico desses animais representa

uma importante contribuição à questão da biodiversidade e abre

possibilidades para a valorização econômica de espécies que são tidas

como sem valor”.

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Estudos realizados por CAPPAS e SOUZA (1995), mostram que o

povo Maya também estabeleceu uma importante interação com as abelhas

sem ferrão, relacionando esses insetos às questões religiosas, além de

realizarem melhoramento genético para o aumento da produção de mel.

No Brasil e no mundo, POSEY (1987) se tornou referência ao

aprofundar suas pesquisas etnoentomológicas demonstrando a profunda

relação dos índios Kayapó com as abelhas e vespas. Essa etnia conhece 56

etnoespécies de abelhas e utilizam técnicas sofisticadas de manejo de

enxames na natureza. Uma das técnicas utilizadas é a construção de uma

plataforma com degraus para alcançar enxames que nidificam em árvores

altas e com troncos grossos. Geralmente são abertos buracos nas árvores

para a extração de mel, deixando partes de crias, pólen e mel para o re-

estabelecimento do enxame.

2.4 Metodologia Participativa em Pesquisas Etnocientíficas 2.4.1 Questões a serem consideradas pelo pesquisador Segundo VIERTLER (2002) devido à complexidade do processo de

comunicação intercultural, ficou evidenciado a necessidade de estadias mais

numerosas e prolongadas nas comunidades a serem estudadas, pois

estreita o relacionamento do pesquisador e seus informantes. Neste

contexto de profunda amizade e respeito ocorre não só um envolvimento

racional, mas também afetivo entre o pesquisador e algumas famílias ou

pessoas.

Outro ponto fundamental que deve ser considerado em pesquisas

etnocientíficas é que em sociedades tradicionais, o saber sempre aparece

interligado a um fazer, e uma vivência prática. No caso de investigações

etnobotânicas a classificação de plantas só faz sentido para os informantes

se for construído através de práticas sociais, como o trabalho do cultivo da

terra, preparação de comida, etc. (VIERTLER, 2002).

É preciso também que o pesquisador considere a existência de certas

entidades sobrenaturais, inacessível a verificação científica ocidental

(VIERTLER, 2002). Neste sentido, SUIÁ (2002) afirmou que seu povo tem

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regras para respeitar cada ser vivo que existe na natureza, interagindo com

aspectos espirituais:

“Todos os recursos naturais tem vida, tem seus espíritos. Por

exemplo: pedra, aves, vento, peixes, barro, todos tem vida. Por isso, nós

respeitamos os recursos naturais, porque eles têm seus espíritos e são

seres vivos”.

2.4.2 Técnicas de coleta de dados

Existem várias técnicas de coleta de dados sobre a fala dos

informantes, sendo muitas delas, disponibilizadas pela antropologia

(MINAYO, 1998).

O questionário é a técnica mais fechada à coleta de dados

etnocientíficos. O pesquisador o elabora antes de ir para o campo,

embasado em conceitos e teorias científicas priorizando os dados científicos.

Em outro extremo está a técnica de observação participante, onde o

pesquisador se dedica à participação nas várias atividades de interesse dos

pesquisados. A técnica de entrevistas está entre os dois extremos,

ocorrendo uma relação de comunicação mais equilibrada entre a visão do

pesquisador e a dos informantes (VIERTLER, 2002).

A técnica da entrevista é mais flexível quando comparado com a

técnica de aplicação do questionário, pois além da diferença no tipo de

linguagem, as peculiaridades culturais dos informantes podem ser

abordadas (BECKER, 1994). Segundo o mesmo autor as entrevistas se

organizam da seguinte forma: Nas entrevistas estruturadas todos os tópicos

são fixados antes do contato com os informantes. Nas entrevistas

parcialmente estruturadas alguns pontos fixos podem sofrer um

redirecionamento, conforme o andamento da entrevista, e nas entrevistas

não estruturadas, o diálogo entre o pesquisador e o informante é livre, pois

quanto mais o informante falar, mais informações serão obtidas de acordo

com sua própria visão de mundo.

No caderno de campo, são feitas observações e impressões

subjetivas, relacionadas ao dia-a-dia da comunidade, podendo não confirmar

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previsões baseadas em teoria científicas. As representações gráficas, como

desenhos e mapas, são muito úteis servindo para ensinar pessoas mais

jovens da comunidade e o próprio pesquisador (MARQUES, 2002).

2.4.2.1 Pajés como informantes chave

Em pesquisas etnocientíficas fica evidente a importância da tentativa

de aproximação do pesquisador com o(s) pajé(s). KAIABI (2002) descreve a

importância dos pajés na transmissão do conhecimento deste povo.

“Na filosofia indígena, todos os seres que existem no mundo têm vida

e espírito. (...) A sociedade não indígena não consegue compreender o que

são os espíritos dos seres e sua importância (...) (...) Nós índios

conseguimos conhecê-los, sabe como? Para isto nós temos o pajé que

visualiza o mundo espiritual e transmite o conhecimento e a importância

deste mundo (...)”.

IKPENG (2002) diz que os pajés ensinam a manejar os seres vivos.

“Os pajés de todas as etnias são os cientistas de cada povo. Eles que se

comunicam com os espíritos dos seres vivos e ensinam para as pessoas

que não são pajés como cada ser vive e como pode manejar os seres vivos”

De acordo com POSEY (1987), entre os índios Kayapó todos

especialistas de abelhas são “xamãs”. Foram eles que conceberam o

“modelo natural” da organização social desses índios, baseando-se na

observação da ordenação social dos himenópteros.

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3 MATERIAL E MÉTODOS

O estudo1 foi realizado no Parque Indígena do Xingu, localizado ao

norte do estado de Mato Grosso, mais particularmente na aldeia Kwarujá do

povo Kaiabi. A região dos formadores do rio Xingu está situada ao sul do

Parque, entre as coordenadas 10º 30’e 14º 30’ Latitude Sul e 51º 30’ e 55º 30’

Longitude Oeste onde se encontram os rios Von den Stein, jatobá, Ronuro,

Batovi, Kurisevo e Kuluene, sendo este o principal formador do Xingu, ao se

encontrar com o Batovi-Ronuro (SCHMIDT, 2001). Segundo classificação de

Köppen, o clima regional é caracterizado pelo tipo tropical chuvoso, com

chuvas bem distribuídas durante o ano (em média 1600 mm anuais), e

tropical úmido, com uma estação seca mais prolongada. As chuvas se

concentram nos períodos de setembro a abril, com as máximas nos meses

de novembro e dezembro, atingindo 2000 mm anuais (ATHAYDE, 1999).

A classe de solo que predomina na região é o Latossolo Vermelho-

Amarelo. Outras classes ocorrentes são: areias quartzosas, podzólicos em

relevos acidentados, latossolos arenosos, solos litólicos e áreas que sofrem

inundações periódicas (SCHMIDT, 2001).

3.1 Técnicas Empregadas na Coleta dos Dados

1 Este estudo foi desenvolvido a partir do projeto de alternativas econômicas executado pelo Instituto Socioambiental – ISA. O projeto desenvolve ações de apicultura e meliponicultura, no contexto do Programa Xingu, com objetivo de formar técnicos das etnias Kaiabi, Suiá, Ikpeng, Trumai e Yudjá. O ISA é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 1994. O Instituto tem como objetivo de defender bens e direitos sociais, relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. O ISA produz estudos que promovam a sustentabilidade socioambiental, divulgando a diversidade cultural e biológica do país.

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Para a realização desta pesquisa, foram realizadas várias visitas à

aldeia Kwarujá no ano de 2001, totalizando cinco meses de trabalho de

campo, oportunidade em que, participando da vida cotidiana dos índios,

coletou-se os dados com uso de metodologia participativa.

Durante todo o trabalho foi utilizada a técnica de observação

participante, na qual, através de contatos diretos com a comunidade

estudada, buscava-se informações com base somente nas observações,

sempre seguidas de anotações no caderno de campo. Na aplicação desta

técnica alguns pontos mereceram destaques:

- acompanhar os índios em diversas atividades como: caçar, pescar, jogar

futebol, queimar roças, buscar produtos nas roças e participar de coletas

extrativistas de mel;

- realizar capturas de enxames de abelhas sem ferrão, visando implantar a

criação na aldeia Kwarujá;

- participar de conversas informais com moradores da aldeia sobre assuntos

não ligados aos objetivos da pesquisa

No decorrer da pesquisa, mais precisamente no período de

30/10/2001 a 03/11/2001, foi realizado um evento na aldeia Kwarujá

denominado “ecologia das abelhas”. Nesta ocasião buscou-se conhecer,

com mais precisão, o número das etnoespécies de abelhas sem ferrão

conhecidas pelos Kaiabi, algumas características ecológicas das abelhas e

usos dos produtos oferecidos por elas. Para a coleta destes dados utilizou-

se a técnica de entrevistas livres e também de entrevistas parcialmente

estruturadas.

Outra técnica utilizada para conhecer a percepção dos índios com

relação à distribuição das abelhas sem ferrão nas unidades de paisagem no

entorno da aldeia, foi o mapeamento participativo, seguindo a metodologia

de SCHMIDT (2001). Inicialmente foram realizadas reuniões com a

comunidade para explicar os objetivos da elaboração do mapa, as atividades

previstas e onde se pretendia chegar com esta ferramenta.

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Através de descrições orais sobre a localização dos córregos, rios,

lagoas, os caminhos utilizados nos variados tipos de ambientes, pôde-se

esboçar, em um quadro negro, o desenho preliminar do mapa que, por sua

vez, subsidiou o mapa definitivo em papel canson.

As pessoas mais velhas da comunidade que participaram ativamente

das discussões e tiveram um papel importante em reunir a comunidade em

torno das atividades do projeto de pesquisa. Os mais jovens, por serem mais

familiarizados com o uso do papel, facilitaram o trabalho de desenho e

pintura do mapa, sempre acompanhado pelos mais velhos.

Com o mapa elaborado e a lista de etnoespécies de abelhas sem

ferrão conhecidas, pôde-se então, cruzar os dados e obter, na percepção

indígena, a distribuição das etnoespécies nas unidades de paisagens.

Para a coleta de dados sobre os recursos vegetais que as abelhas

utilizam para se alimentarem e nidificarem foi utilizada a técnica de

entrevista estruturada. A identificação taxonômica das espécies vegetais, já

muito conhecidas na região, foi realizada através de literatura (LORENZI,

1992) e (ATHAYDE, 1999).

As espécies de abelhas identificadas pelo taxonomista Prof. Dr.

Moure encontra-se na coleção entomológica da Universidade Federal do

Paraná.

O professor indígena Sirawã Kaiabi serviu de intérprete e formulava

as perguntas na língua Kaiabi, para os dois principais informantes Arupá

Kaiabi e Tuiaraiyp Kaiabi. As respostas traduzidas da língua Kaiabi para o

português foram gravadas em fitas K-7 e posteriormente transcritas.

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4. RESULATDOS E DISCUSSÃO

4.1 Identificação, Comportamento e Usos os Produtos das Abelhas sem Ferrão

Dentre as 27 espécies conhecidas pelos Kaiabi, sete foram

identificadas cientificamente: Melipona (michmelia) oblitescens

(COCKERELL, 1919), Tetragona clavipes (FABRICIUS, 1804), Tetragonisca

angustula (LATREILLE, 1811), Frieseomelitta varia (LEPELETIER, 1836),

Scaptotrigona postica (LATREILLE, 1807), Oxytrigona flaveola

(FRIESE,1900), Tetragona truncata (MOURE, 1971). Neste trabalho,

constatou-se a presença de uma etnoespécie de abelha sem ferrão ainda

não classificada pela ciência, denominada pelos Kaiabi de Jawakanguu.

Portanto, com base no resultado da identificação taxonômica, pode-se

afirmar que as espécies de abelhas sem ferrão citadas, são encontradas no

estado do Mato Grosso, contribuindo assim com os estudos de levantamento

da biodiversidade de abelhas na região amazônica que, segundo

PINHEIRO-MACHADO (2002), são incipientes.

A denominação na língua indígena e alguns aspectos dos usos e

restrições dos produtos e comportamento das abelhas, na visão Kaiabi, são

apresentados na Tabela 1.

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TABELA 1. Usos, restrições e comportamento das abelhas na perspectiva Kaiabi

Nome indígena Nome científico Comportamento Usos dos produtos Marumaré Scaptotrigona

postica Morde e corta o cabelo, muito brava, produz pouco mel

Crias, mel e pólen são apreciados para consumo. No mês de julho o pólen é mais doce.

Tata´eit Oxytrigona flaveola

Solta líquida que queima a pele

Apenas o mel é consumido como alimento e retirado com fogo

Myju´ieit Sem identificação taxonômica

Comumente encontram-se vários enxames em uma mesma árvore.

Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo Produz muito mel nos meses de setembro a novembro

Y´wauu Sem identificação taxonômica

Muito agressiva, produz bastante mel e prefere a árvore de jatobá para nidificar externamente

Apenas o mel é consumido como alimento

Mamangairowas

ing

Melipona (michmelia) oblitescens

Morde e seu pêlo dá coceira, produz bastante mel de coloração escura, coleta fezes de onça

O mel e o pólen são consumidos. O mel é utilizado para tosse e gripe. A cera é utilizada na confecção de artesanatos

Jawakanguu Espécie nova Morde e seu pêlo dá coceira, produz bastante mel. É considerada parente da Melipona (michmelia) oblitescens

O mel e o pólen são consumidos

Jatei´i Tetragonisca angustula

Muito mansa, produz pouco mel e geralmente é encontrada em árvores mortas caídas no chão

Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo. O mel é utilizado como antitérmico e dores de garganta

A´yapyj Sem identificação taxonômica

Gosta de entrar nos olhos Seu mel é apreciado somente no mês de agosto, pois na época das chuvas seu mel é amargo

Marapypit Tetragona clavipes

Carrega cera na pata, morde e enrosca no cabelo

Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo

Akykyeit Sem identificação taxonômica

Morde forte Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo

Eiryakã Tetragona truncata

Mansa e produz mel azedo

Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo

Akawut Sem identificação taxonômica

Mansa e produz pouco mel

Apenas o mel é consumido como alimento

Ywypyeit Sem identificação taxonômica

Eirywy Sem identificação taxonômica

Ë encontrada em até 2 metros de profundidade, produz pouco mel

Apenas o mel é consumido como alimento

A´waruu Sem identificação taxonômica

Muito brava e corta o cabelo. O mel é retirado com fogo

Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo

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Nome indígena

Nome científico Comportamento Usos dos produtos

Kawintaj´uu Lestrimelitta sp. 1 Produz bastante mel de gosto azedo e espesso

Mel tóxico. A cera quando queimada é utilizada para espantar mosquito

Kawinta´ii Lestrimelitta sp. 2 Produz bastante mel de gosto azedo e espesso

Mel tóxico. A cera quando queimada é utilizada para espantar mosquito

Y´wau wai Sem identificação taxonômica

Pequena, mansa e produz pouco mel

Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo

Eju Sem identificação taxonômica

Muito agressivo e possui ferrão. Seu mel é doce e produz bastante

O mel que é consumido é retirado com fogo

Kupia’eit Sem identificação taxonômica

Nidifica dentro de cupinzeiros e produz pouco mel

Apenas o mel é consumido

Tymãkapemeit Frieseomelitta varia Abelha mansa, produz bastante mel, prefere nidificar em árvores secas e no alto

Seu mel denso é muito apreciado. As crias e pólen são consumidos

Jukyratyfet Sem identificação taxonômica

Abelha mansa e produz bastante mel

Seu mel é consumido principalmente no mês de outubro

Tape’wá Sem identificação taxonômica

Abelha brava, enrosca no cabelo, morde forte. Produz bastante mel. Esta etnoespécie prefere ambientes com características mais amazônicas

Crias, mel e pólen são apreciados para o consumo

Tapeowari Sem identificação taxonômica

Abelha mansa e não produz mel

Ajurusing Sem identificação taxonômica

Nidifica em cupinzeiros aéreos, produz bastante mel

O mel é consumido

Curuneit Sem identificação taxonômica

Nidifica em cupinzeiros terrestres e produz mel amargo

O mel não é consumido, pois apresenta odor desagradável

Eiratapap Sem identificação taxonômica

Produz mel ruim, faz vomitar

O mel não é consumido

Os índios Kaiabi observaram o hábito anti-higiênico a espécie

Melipona (michmelia) oblitescens, coletando fezes de onça. De fato algumas

espécies de abelhas sem ferrão utilizam excrementos de vertebrados para

usá-los em determinadas estruturas dos ninhos. Algumas espécies de

abelhas sem ferrão utilizam também fezes de humanos e animais para

construção do batume, estrutura que delimita os ninhos. Fato este

observado também por NOGUEIRA-NETO (1997), com relação às espécies

Trigona spinipes e Melipona rufiventris que coletaram excrementos de

vertebrados para construção externa de ninhos aéreos e para o revestimento

da colméia, respectivamente.

Para os Kaiabi, os méis das espécies Lestrimelitta spp são perigosos.

Certa vez, um cacique Kaiabi ingeriu este mel e sofreu um encolhimento dos

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dedos da mão direita. Pelo acontecimento ele recebeu o nome desta abelha,

Kawinta´ii. NOGUEIRA-NETO (1997) refere-se ao saburá (pólen misturado

com mel) da abelha Lestrimelitta sp. e espécies afins, como tendo

propriedades tóxicas aos seres humanos e que jamais devem ser

consumidas. Ainda de acordo com este autor, o Padre Anchieta em 1.560,

escreveu uma carta ao seu superior dizendo haver uma abelha chamada

eiraquietá, cujo ninho apresenta numerosas bocas de entradas e que

“quando se chupa toma as juntas do corpo, encolhe os nervos, ocasiona

dores e tremores, provoca vômitos e relaxa o ventre”.

Entre os Kaiabi, GRUMBERG (1970) destaca quatro etnoespécies de

abelhas, sendo a Tape’’wá a mais valorizada. Em aldeias do povo Kaiabi

localizadas no Rio Manito, a oeste do Parque, onde as características

florestais são mais de espécies amazônicas, existe a ocorrência e a criação

desta etnoespécie em colméias racionais. Entre os Kaiabi da aldeia Kwarujá,

é clara a intenção de uma tentativa de aclimatação da etnoespécie Tape’wá,

pois no Rio Xingu ela não ocorre.

O povo Kaiabi da aldeia Kwarujá também faz uso de crias, de 11

etnoespécies, na sua alimentação cotidiana. Fato este observado entre os

povos Guarani (RODRIGUES, 2005), Enawene-Nawe (MENDES, 2001) e

Kayapó (POSEY, 1987). Geralmente os Kaiabi consomem as crias nos

locais onde os enxames são explorados, e, caso sobre, são levadas as suas

residências para consumo posterior.

Os kaiabi fazem usos dos méis das espécies de abelhas Tetragonisca

angustula e Melipona (michmelia) oblitescens como medicinais.

CORTOPASSI-LAURINO & GELLI (1991) pesquisaram e comprovaram

ações antibactericidas em méis das espécies de abelhas Tetragonisca

angustula, Tetragona clavipes, Melipona subnitida,Melipona scutelaris e

Melipona quadrifasciata. Segundo NOGUEIRA-NETO (1997) os méis das

espécies Melipona compressipes, Melipona quadrifasciata, Scaptotrigona

bipunctata, Scaptotrigona postica e Tetragonisca angustula mostraram um

poder antibacteriano de no mínimo grau 4 em uma escala de 5 graus.

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4.1.1 Espécies Vegetais Utilizadas pelas Abelhas na Nidificação e Alimentação

Para ROUBIK (1989) a maioria das espécies de abelhas sem ferrão

depende de ocos das árvores para construir seus ninhos, enquanto uma

minoria nidifica no solo ou constrói ninhos aéreos. Esta informação é

coerente com a visão Kaiabi, pois das 27 etnoespécies, apenas cinco

etnoespécies não nidificam em ocos de árvores. Como forma de localizar

enxames na natureza, para posteriormente explorá-los, os índios Kaiabi

procuram espécies vegetais que as abelhas utilizam para nidificação, e que

são apresentadas a seguir: canelão (Lauraceae - Ocotea guianensis),

arapari (Mimosaceae - Macrolobium acaciaefolium), itaúba (Lauraceae –

Mezilaurus itauba), buriti (Arecaceae - Mauritia sp.), jatobá (Caesalpinaceae

– Hymenaea sp.) e a peroba (Apocynaceae – Aspidosperma sp.)

Os kaiabi indicam algumas espécies importantes na alimentação das

abelhas: café-bravo (Euphorbiaceae - Mabea fistulifera), crendiúva

(Ulmaceae – Trema micrantha), jacareúba (Clusiaceae – Calophyllum

brasiliense), inajá (Arecaceae – Maximilliana maripa), buritizinho ( Arecaceae

– Mauritiella sp.), ipê-amarelo (Bignoniaceae – Tabebuia caraíba), o

mutambo (Sterculiaceae - Guazuma ulmifolia), a mangaba (Apocynaceae -

Hancornia speciosa), o assa-peixe (Vernonia spp.), a macaúba (Arecaceae -

Acrocomia aculeata), a bacaba (Arecaceae - Oenocarpus spp.) e o Ipê

amarelo (Bignoniaceae - Tabebuia spp.). Algumas plantas da roça também

são melíferas, como a fava (Papilionaceae - Phaseolus lunatus), urucum

(Bixaceae - Bixa orellana), a mandioca (Euphorbiaceae - Manihot esculenta)

e o milho (Poaceae - Zea mayz),

4.2 Representação Biogeográfica das Abelhas na Aldeia Kwarujá Entre os índios Kaiabi da aldeia Kwarujá, o mapeamento indicou cinco

diferentes ecossistemas. São eles: Ka’arete (mato alto de terra firme), Kofet

(capoeira), Yapopet (mata de várzea), Ju campo e Ko (roça)

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FIGURA 2 – Mapeamento dos ecossistemas na aldeia Kwarujá. As abelhas

desenhadas na legenda são decorativas

A partir do mapeamento participativo, pôde-se observar a distribuição

geográfica das abelhas sem ferrão nas cinco unidades de paisagens,

conforme Tabela 2.

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TABELA 2. Etnoespécies de abelhas sem ferrão e seus locais de ocorrência

conforme os índios Kaiabi da aldeia Kwarujá

Abelha Ka’arete mato alto de terra

firme

Kofet capoeira

Yapopet mata de várzea

Ju campo

Ko roça

Eiratapap X Ajurusing X X Curuneit X X X Kupia’eit X Tapeowari X X X Tymãkapemeit X Jukyratyfet X X Tape’wá X X Marumaré X X X Tata´eit X X X Myju´ieit X X X Y´wauu X X Mamangairowasing X X X Jawakanguu X X X Jatei´i X X X A´yapyj X X Marapypit X X X X Akykyeit X Eiryakã X X X Akawut X X Ywypyeit X Eirywy X X A´waruu X X X Kawintaj´uu X X X Kawinta´ii X X X Y´wau wai X X Eju X

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Segundo DOUBE e WARDHALGH (1991) a estrutura da vegetação

influencia diretamente na composição da fauna local, onde suas

características como, luminosidade, temperatura e umidade, entre outras,

atuam diretamente na biologia das espécies, dando suporte para

reprodução, nidificação, forrageamento e desenvolvimento.

Os Kaiabi percebem que as etnoespécies de abelhas Ywypyeit,

Akykyeit e Eirywy, são específicas das unidades de paisagem Ka’areté,

indicando a necessidade de um ambiente mais úmido e com maior

diversidade de espécies vegetais. Por este fato, essas abelhas

provavelmente sirvam de indicadores biológicos de ambientes. Pela análise

dos dados pode-se observar a preferência das abelhas pelo Ka’areté e a

menor incidência das abelhas, segundo os índios, ocorre em áreas alteradas

como o Ko.

Trabalhos como de Tschrntke et al. (1998) e Morato (2004)

encontraram uma correlação entre riqueza e abundância de espécies de

abelhas solitárias entre os ambientes estudados, ressaltando o efeito direto

da perturbação da vegetação sobre os insetos. Na perspectiva Kaiabi

também existe a correlação entre o número de espécies de abelhas sem

ferrão e a complexidade do ambiente, onde em ambientes alterados, o

número de espécies diminui drasticamente

4.3 Aspectos Morfológicos das Abelhas

As estruturas morfológicas das abelhas recebem nomes na língua

Kaiabi que, na maioria das vezes, correspondem aos da parte do corpo

humano. Alguns, entretanto, são utilizados especificamente para a

morfologia do inseto. Na Figura 3 são apresentadas as estruturas

morfológicas nomeadas na língua Kaiabi e na Tabela 3 a correspondência

dos termos em português.

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FIGURA 3. Estrutura morfológica da abelha na língua Kaiabi.

TABELA 3. Correspondência dos nomes das estruturas morfológicas das

abelhas na língua Kaiabi e em português

Nome Kaiabi Nome Português

Iakang Cabeça Eirarea Olho composto

eai’i Ocelos Opejop Antena

Ijuru Mandíbula Iku Glossa Ete Tórax

Ipepo Asa anterior Ipepoi’i Asa posteriror Ijywa Fêmur Ifwã Tarso

Tymakang Corbícula api’a Abdome

api’aap Placa tergal

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5. CONCLUSÕES

1. Os Kaiabi são entomofágicos.

2. Na percepção dos índios Kaiabi, as espécies de abelhas sem ferrão estão

associadas ao tipo de vegetação.

3. O maior número de etnoespécies de abelhas sem ferrão está inserido em

ambientes com maior diversidade de espécies vegetais. Três etnoespécies

de abelhas são específicas deste ambiente.

4. Reconhecem diferenças nas estratégias de defesas das abelhas sem

ferrão na quantidade, densidade, coloração e gosto dos méis, além de

apontarem mel da espécie Lestrimelitta como perigoso para a saúde

7. Os Kaiabi Identificam seis espécies vegetais utilizadas pelas abelhas para

nidificação e 16 espécies vegetais utilizadas para a alimentação.

8. Verificou-se um conhecimento detalhado dos índios kaiabi sobre a

morfologia das abelhas

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6 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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