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CONHECIMENTOS ESPEFICOS DIRETOR DE ESCOLA A Educação Escolar – Atuais Tendências E Exigências: Currículo E O Pleno Desenvolvimento Do Educando: Saberes Necessários Para O Desenvolvimento De Competências Cognivas, Afevas, Sociais E Culturais 01 A Construção De Uma Escola Democráca E Inclusiva Que Garanta O Acesso, A Permanência E Aprendizagens Efevas, Significavas E Relevantes 09 A Qualidade Social Da Educação Escolar E A Educação Para A Diversidade Numa Perspecva Mulcultural 22 A Formação Connuada Dos Profissionais Da Educação Centrada Nas Prácas Docentes Adotando A Metodologia Da Ação-Reflexão-Ação E Construindo Competências Que Qualificam Suas Prácas. Avaliação, Recuperação Paralela E Decisões Pedagógicas 24 Relação Professor-Aluno, Escola-Comunidade 26 A Educação Escolar Como Direito E Dever Do Estado E O Ensino Fundamental – Obrigatório E Gratuito, Como Direito Subjevo 27 Financiamento Da Educação 28 Concepções Filosóficas Da Educação 32 Relação Educação - Sociedade – Cultura 33 Tendências Pedagógicas Na Práca Escolar 37 Planejamento, Metodologia E Avaliação Do Processo Ensino / Aprendizagem 37 Lei De Diretrizes E Bases 38 Administração Escolar E Transformação Social 54 As Teorias Da Educação E Os Problemas Da Marginalidade 55 Parcipação Da Comunidade Na Gestão Democráca Da Escola Publica 56 O Planejamento Educacional E A Praca Dos Educadores 57 Cidadania – O Que As Escolas E Os Jovens Estão Fazendo Por Ela 60 A Indisciplina Na Sala De Aula 61 Avaliação Escolar E Seus Problemas 63 A Criança Enquanto Ser Em Transformação. Concepções De Desenvolvimento: Correntes Teóricas E Repercussões Na Escola 66 A Psicologia Do Desenvolvimento E Da Aprendizagem 70 Planejamento E Currículo Na Escola 70 Estatuto Da Criança E Do Adolescente 70 Modernidade E Educação 107 Parâmetros De Qualidade Em Educação Infanl, Ensino Fundamental E EJA 109 ECA 109 Diretrizes Educacionais Para Cidade 109 Educação Especial Na Perspecva Inclusiva 119 Lei Orgânica Do Município 125 Lei Municipal Da Educação N 5786/2015. Plano Municipal De Educação 152

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  • CONHECIMENTOS ESPEFICOSDIRETOR DE ESCOLA

    A Educação Escolar – Atuais Tendências E Exigências: Currículo E O Pleno Desenvolvimento Do Educando: Saberes Necessários Para O Desenvolvimento De Competências Cognitivas, Afetivas, Sociais E Culturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01A Construção De Uma Escola Democrática E Inclusiva Que Garanta O Acesso, A Permanência E Aprendizagens Efetivas, Significativas E Relevantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09A Qualidade Social Da Educação Escolar E A Educação Para A Diversidade Numa Perspectiva Multicultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22A Formação Continuada Dos Profissionais Da Educação Centrada Nas Práticas Docentes Adotando A Metodologia Da Ação-Reflexão-Ação E Construindo Competências Que Qualificam Suas Práticas. Avaliação, Recuperação Paralela E Decisões Pedagógicas . . . . . . . . . . . . . 24Relação Professor-Aluno, Escola-Comunidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26A Educação Escolar Como Direito E Dever Do Estado E O Ensino Fundamental – Obrigatório E Gratuito, Como Direito Subjetivo . . . . . . . . 27Financiamento Da Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28Concepções Filosóficas Da Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32Relação Educação - Sociedade – Cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33Tendências Pedagógicas Na Prática Escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37Planejamento, Metodologia E Avaliação Do Processo Ensino / Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37Lei De Diretrizes E Bases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38Administração Escolar E Transformação Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54As Teorias Da Educação E Os Problemas Da Marginalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55Participação Da Comunidade Na Gestão Democrática Da Escola Publica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56O Planejamento Educacional E A Pratica Dos Educadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57Cidadania – O Que As Escolas E Os Jovens Estão Fazendo Por Ela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60A Indisciplina Na Sala De Aula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Avaliação Escolar E Seus Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63A Criança Enquanto Ser Em Transformação. Concepções De Desenvolvimento: Correntes Teóricas E Repercussões Na Escola . . . . . . . . . . 66A Psicologia Do Desenvolvimento E Da Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70Planejamento E Currículo Na Escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70Estatuto Da Criança E Do Adolescente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70Modernidade E Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Parâmetros De Qualidade Em Educação Infantil, Ensino Fundamental E EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109ECA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Diretrizes Educacionais Para Cidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Educação Especial Na Perspectiva Inclusiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119Lei Orgânica Do Município . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125Lei Municipal Da Educação N 5786/2015. Plano Municipal De Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152

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    CONHECIMENTOS ESPEFICOSDIRETOR DE ESCOLA

    A EDUCAÇÃO ESCOLAR – ATUAIS TENDÊNCIAS E EXI-GÊNCIAS: CURRÍCULO E O PLENO DESENVOLVIMEN-TO DO EDUCANDO: SABERES NECESSÁRIOS PARA O

    DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS COGNITIVAS, AFETIVAS, SOCIAIS E CULTURAIS.

    As tendências pedagógicas brasileiras foram muito influen-ciadas pelo momento cultural e político da sociedade, pois foram levadas à luz graças aos movimentos sociais e filosóficos. Essas formaram a prática pedagógica do país.

    Os professores Saviani (1997) e Libâneo (1990) propõem a reflexão sobre as tendências pedagógicas. Mostrando que as prin-cipais tendências pedagógicas usadas na educação brasileira se dividem em duas grandes linhas de pensamento pedagógico. Elas são: Tendências Liberais e Tendências Progressistas .

    Os professores devem estudar e se apropriar dessas tendên-

    cias, que servem de apoio para a sua prática pedagógica. Não se deve usar uma delas de forma isolada em toda a sua docência. Mas, deve-se procurar analisar cada uma e ver a que melhor con-vém ao seu desempenho acadêmico, com maior eficiência e qua-lidade de atuação. De acordo com cada nova situação que surge, usa-se a tendência mais adequada. E observa-se que hoje, na prá-tica docente, há uma mistura dessas tendências.

    Deste modo, seguem as explicações das características de cada uma dessas formas de ensino. Porém, ao analisá-las, deve-se ter em mente que uma tendência não substitui totalmente a an-terior, mas ambas conviveram e convivem com a prática escolar.

    1) Tendências Liberais - Liberal não tem a ver com algo aberto ou democrático, mas com uma instigação da sociedade capitalis-ta ou sociedade de classes, que sustenta a ideia de que o aluno deve ser preparado para papéis sociais de acordo com as suas ap-tidões, aprendendo a viver em harmonia com as normas desse tipo de sociedade, tendo uma cultura individual.

    1.1) Tradicional -Foi a primeira a ser instituída no Brasil por motivos históricos. Nesta tendência o professor é a figura cen-tral e o aluno é um receptor passivo dos conhecimentos con-siderados como verdades absolutas. Há repetição de exercícios com exigência de memorização.

    1.2) Renovadora Progressiva - Por razões de recomposi-ção da hegemonia da burguesia, esta foi a próxima tendência a aparecer no cenário da educação brasileira. Caracteriza-se por centralizar no aluno, considerado como ser ativo e curioso. Dis-põe da ideia que ele “só irá aprender fazendo”, valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social. Aprender se torna uma atividade de des-coberta, é uma autoaprendizagem.O professor é um facilitador.

    1.3) Renovadora não diretiva (Escola Nova) – Anísio Teixeira foi o grande pioneiro da Escola Nova no Brasil.É um método cen-trado no aluno. A escola tem o papel de formadora de atitudes, preocupando-se mais com a parte psicológica do que com a so-cial ou pedagógica. E para aprender tem que estar significativa-mente ligado com suas percepções, modificando-as.

    1.4) Tecnicista – Skinner foi o expoente principal dessa cor-rente psicológica, também conhecida como behaviorista. Neste método de ensino o aluno é visto como depositário passivo dos conhecimentos, que devem ser acumulados na mente através de associações. O professor é quem deposita os conhecimentos, pois ele é visto como um especialista na aplicação de manuais; sendo sua prática extremamente controlada. Articula-se direta-mente com o sistema produtivo, com o objetivo de aperfeiçoar a ordem social vigente, que é o capitalismo, formando mão de obra especializada para o mercado de trabalho.

    2) Tendências Progressistas - Partem de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação e é uma tendência que não condiz com as ideias implantadas pelo capitalismo . O desenvolvimento e popularização da análise marxista da sociedade possibilitou o desenvolvimento da tendência progressista, que se ramifica em três correntes:

    2.1) Libertadora – Também conhecida como a pedagogia de Paulo Freire, essa tendência vincula a educação à luta e organi-zação de classe do oprimido. Onde, para esse, o saber mais im-portante é a de que ele é oprimido, ou seja, ter uma consciência da realidade em que vive. Além da busca pela transformação social, a condição de se libertar através da elaboração da cons-ciência crítica passo a passo com sua organização de classe. Cen-traliza-se na discussão de temas sociais e políticos; o professor coordena atividades e atua juntamente com os alunos.

    2.2) Libertária – Procura a transformação da personalidade num sentido libertário e autogestionário. Parte do pressuposto de que somente o vivido pelo educando é incorporado e utiliza-do em situações novas, por isso o saber sistematizado só terá re-levância se for possível seu uso prático. Enfoca a livre expressão, o contexto cultural, a educação estética. Os conteúdos, apesar de disponibilizados, não são exigidos pelos alunos e o professor é tido como um conselheiro à disposição do aluno.

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    CONHECIMENTOS ESPEFICOSDIRETOR DE ESCOLA

    2.3) “Crítico-social dos conteúdos” ou “Histórico-Crítica” - Tendência que apareceu no Brasil nos fins dos anos 70, acen-tua a prioridade de focar os conteúdos no seu confronto com as realidades sociais, é necessário enfatizar o conhecimento his-tórico. Prepara o aluno para o mundo adulto, com participação organizada e ativa na democratização da sociedade; por meio da aquisição de conteúdos e da socialização. É o mediador entre conteúdos e alunos. O ensino/aprendizagem tem como centro o aluno . Os conhecimentos são construídos pela experiência pes-soal e subjetiva.

    Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), ideias como de Piaget, Vygotsky e Wallon foram mui-to difundidas, tendo uma perspectiva sócio-histórica e são in-teracionistas, isto é, acreditam que o conhecimento se dá pela interação entre o sujeito e um objeto.

    Fonte: https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho--docente/tendencias-pedagogicas-brasileiras.htm

    uente alvo da atenção de autoridades, professores, gesto-res, pais, estudantes, membros da comunidade. Quais as razões dessa preocupação tão nítida e tão persistente? Será mesmo importante que nós, profissionais da educação, acompanhemos toda essa discussão e nela nos envolvamos? Não será suficiente deixarmos que as autoridades competentes tomem as devidas decisões sobre o que deve ser ensinado nas salas de aula?

    Para examinarmos possíveis respostas a essas perguntas, talvez seja necessário esclarecer o que estamos entendendo pela palavra currículo, tão familiar a todos que trabalhamos nas escolas e nos sistemas educacionais. Por causa dessa familia-ridade, talvez não dediquemos muito tempo a refletir sobre o sentido do termo, bastante frequente em conversas nas escolas, palestras a que assistimos, textos acadêmicos, notícias em jor-nais, discursos de nossas autoridades e propostas curriculares oficiais.

    À palavra currículo associam-se distintas concepções, que derivam dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento . Diferentes fatores socioeconômicos, políticos e culturais contribuem, assim, para que currículo venha a ser entendido como: (a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;

    (b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vivi-das pelos alunos;

    (c) os planos pedagógicos elaborados por professores, esco-las e sistemas educacionais;

    (d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os processos de avaliação que terminam por in-fluir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos dife-rentes graus da escolarização.

    Sem pretender considerar qualquer uma dessas ou de outras concepções como certa ou como errada, já que elas refletem variados posicionamentos, compromissos e pontos de vista teóricos, podemos afirmar que as discussões sobre o currículo incorporam, com maior ou menor ênfase, discussões sobre os conhecimentos escolares, sobre os procedimentos e as relações sociais que conformam o cenário em que os conhe-cimentos se ensinam e se aprendem, sobre as transformações que desejamos efetuar nos alunos e alunas, sobre os valores que desejamos inculcar e sobre as identidades que pretende-

    mos construir. Discussões sobre conhecimento, verdade, po-der e identidade marcam, invariavelmente, as discussões sobre questões curriculares (Silva, 1999).

    Como estamos concebendo, então, a palavra currículo nes-te texto? Procurando resumir os aspectos acima mencionados, estamos entendendo currículo como as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a re-lações sociais, e que contribuem para a construção das identi-dades de nossos/as estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas.

    Por esse motivo, a palavra tem sido usada para todo e qual-quer espaço organizado para afetar e educar pessoas, o que ex-plica o uso de expressões como o currículo da mídia, o currícu-lo da prisão etc. Nós, contudo, estamos empregando a palavra currículo apenas para nos referirmos às atividades organizadas por instituições escolares. Ou seja, para nos referirmos à escola.

    Cabe destacar que a palavra currículo tem sido também uti-lizada para indicar efeitos alcançados na escola, que não estão explicitados nos planos e nas propostas, não sendo sempre, por isso, claramente percebidos pela comunidade escolar. Trata-se do chamado currículo oculto, que envolve, dominantemente, atitudes e valores transmitidos, subliminarmente, pelas rela-ções sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar. Fazem parte do currículo oculto, assim, rituais e práticas, relações hierárquicas, regras e procedimentos, modos de organizar o espaço e o tem-po na escola, modos de distribuir os alunos por grupamentos e turmas, mensagens implícitas nas falas dos (as) professores (as) e nos livros didáticos. São exemplos de currículo oculto: a forma como a escola incentiva a criança a chamar a professora (tia, Fu-lana, Professora etc.); a maneira como arrumamos as carteiras na sala de aula (em círculo ou alinhadas); as visões de família que ainda se encontram em certos livros didáticos (restritas ou não à família tradicional de classe média).

    Que consequências tais aspectos, sobre os quais muitas ve-zes não pensamos, podem estar provocando nos alunos? Não seria importante identificá-los e verificar como, nas práticas de nossa escola, poderíamos estar contribuindo para um currículo oculto capaz de oprimir alguns de nossos (as) estudantes (por razões ligadas a classe social, gênero, raça, sexualidade)?

    Julgamos importante ressaltar que, o papel do educador no processo curricular é, assim, fundamental. Ele é um dos grandes artífices, queira ou não, da construção dos currículos que se ma-terializam nas escolas e nas salas de aula.

    Qualquer que seja a concepção de currículo que adotamos, não parece haver dúvidas quanto à sua importância no processo educativo escolar. Como essa importância se evidencia? Pode-se afirmar que é por intermédio do currículo que as “coisas” acon-tecem na escola. No currículo se sistematizam nossos esforços pedagógicos. O currículo é, em outras palavras, o coração da es-cola, o espaço central em que todos atuamos, o que nos torna, nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis por sua elaboração. O papel do educador no processo curricular é, assim, fundamental. Ele é um dos grandes artífices, queira ou não, da construção dos currículos que se materializam nas esco-las e nas salas de aula . Daí a necessidade de constantes discus-sões e reflexões, na escola, sobre o currículo, tanto o currículo formalmente planejado e desenvolvido quanto o currículo ocul-

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    CONHECIMENTOS ESPEFICOSDIRETOR DE ESCOLA

    to. Daí nossa obrigação, como profissionais da educação, de par-ticipar crítica e criativamente na elaboração de currículos mais atraentes, mais democráticos, mais fecundos.

    Nessas reflexões e discussões, podemos e devemos recor-rer aos documentos oficiais, como a Lei de Diretrizes e Bases, as Diretrizes Curriculares Nacionais, as Propostas Curriculares Estaduais e Municipais. Neles encontraremos subsídios funda-mentais para o nosso trabalho . Podemos e devemos também recorrer aos estudos que vêm sendo feitos, em nosso país, por pesquisadores e estudiosos do campo. Tais estudos têm-se in-tensificado, principalmente a partir da década de 1990, têm sido apresentados em inúmeros congressos e seminários, bem como publicados em periódicos de expressiva circulação nacional.

    Recentes análises desses estudos destacam como as preo-cupações dos pesquisadores têm-se deslocado das relações entre currículo e conhecimento escolar para as relações entre currículo e cultura (Moreira, 2002). Que aspectos têm provoca-do essa virada? Por que o foco tão forte em questões culturais? Resumidamente, cabe reconhecer, hoje, a preponderância da esfera cultural na organização de nossa vida social, bem como na teoria social contemporânea .

    Stuart Hall (1997), conhecido intelectual caribenho radica-do na Grã-Bretanha e um dos fundadores do centro de pesqui-sas que foi o berço dos Estudos Culturais, na Universidade de Birmingham (Inglaterra), é especialmente incisivo nessa pers-pectiva.

    Por bem ou por mal, a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica no novo milênio. Não deve nos surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma política cultural.

    Ainda, é inegável a pluralidade cultural do mundo em que vivemos e que se manifesta, de forma impetuosa, em todos os espaços sociais, inclusive nas escolas e nas salas de aula. Essa pluralidade frequentemente acarreta confrontos e conflitos, tornando cada vez mais agudos os desafios a serem enfrenta-dos pelos profissionais da educação. No entanto, essa mesma pluralidade pode propiciar o enriquecimento e a renovação das possibilidades de atuação pedagógica.

    Antes, porém, de analisarmos as relações entre currículo e cultura, examinaremos o outro tema central das discussões sobre currículo – o conhecimento escolar . Procuraremos realçar sua importância para todos os que se envolvem no processo curricular e destacaremos o processo de sua elaboração em di-ferentes níveis do sistema educativo. Subjacente aos nossos co-mentários está a crença de que a escola precisa preparar-se para

    Cultura, diversidade cultural e currículo

    O que entendemos pela palavra cultura? Talvez seja útil esclarecermos, inicialmente, como a estamos concebendo, já que seus sentidos têm variado ao longo dos tempos, particular-mente no período da transição de formações sociais tradicionais para a modernidade (Bocock, 1995; Canen e Moreira, 2001). Acreditamos que tal esclarecimento pode subsidiar a discussão das relações entre currículo e cultura.

    O primeiro e mais antigo significado de cultura encontra-se na literatura do século XV, em que a palavra se refere a cultivo da terra, de plantações e de animais. É nesse sentido que entende-mos palavras como agricultura, floricultura, suinocultura.

    O segundo significado emerge no início do século XVI, am-pliando a ideia de cultivo da terra e de animais para a mente humana. Ou seja, passa-se a falar em mente humana cultivada, afirmando-se mesmo que somente alguns indivíduos, grupos ou classes sociais apresentam mentes e maneiras cultivadas e que somente algumas nações apresentam elevado padrão de cultura ou civilização. No século XVIII, consolida-se o caráter classista da ideia de cultura, evidente na ideia de que somente as classes privilegiadas da sociedade europeia atingiriam o nível de refina-mento que as caracterizaria como cultas.

    O sentido de cultura, que ainda hoje a associa às artes, tem suas origens nessa segunda concepção: cultura, tal como as eli-tes a concebem, corresponde ao bem apreciar música, literatu-ra, cinema, teatro, pintura, escultura, filosofia.

    Será que não encontramos vestígios dessa concepção tanto em alguns de nossos atuais currículos como em textos que se escrevem sobre currículo? Para alguns docentes, o estudo da literatura, por exemplo, ainda tende a se restringir a escritores e livros vistos como clássicos . Para alguns estudiosos da cultura e da educação, os grandes autores, as grandes obras e as gran-des ideias deveriam constituir o núcleo central dos currículos de nossas escolas .

    Já no século XX, a noção de cultura passa a incluir a cultura popular, hoje penetrada pelos conteúdos dos meios de comu-nicação de massa. Diferenças e tensões entre os significados de cultura elevada e de cultura popular acentuam-se, levando a um uso do termo cultura que se marca por valorizações e avaliações. Será que algumas de nossas escolas não continuam a fechar suas portas para as manifestações culturais associadas à cultura popu-lar, contribuindo, assim, para que saberes e valores familiares a muitos (as) estudantes sejam desvalorizados e abandonados na entrada da sala de aula? Poderia ser diferente? Como?

    Um terceiro sentido da palavra cultura, originado no Ilumi-nismo, a associa a um processo secular geral de desenvolvimento social. Esse significado é comum nas ciências sociais, sugerindo a crença em um processo harmônico de desenvolvimento da hu-manidade, constituído por etapas claramente definidas, pelo qual todas as sociedades inevitavelmente passam . Tal processo acaba equivalendo, por “coincidência”, aos rumos seguidos pelas socieda-des europeias, as únicas a atingirem o grau mais elevado de desen-volvimento. Há ainda reflexos dessa visão no currículo? Parece-nos que sim. Em alguns cursos de História, por exemplo, as referências se fazem, dominantemente, às histórias dos povos “desenvolvidos”, o que nos aliena dos esforços e dos rumos seguidos na maioria dos países que formam o chamado Terceiro Mundo

    Em um quarto sentido, a palavra “culturas” (no plural) cor-responde aos diversos modos de vida, valores e significados compartilhados por diferentes grupos (nações, classes sociais, grupos étnicos, culturas regionais, geracionais, de gênero etc.) e períodos históricos. Trata-se de uma visão antropológica de cultura, em que se enfatizam os significados que os grupos com-partilham, ou seja, os conteúdos culturais. Cultura identifica-se, assim, com a forma geral de vida de um dado grupo social, com as representações da realidade e as visões de mundo adotadas por esse grupo .

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    CONHECIMENTOS ESPEFICOSDIRETOR DE ESCOLA

    Quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de significados, construídos, ensinados e aprendi-dos nas práticas de utilização da linguagem.

    A palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilha-dos em um grupo .

    Finalmente, um quinto significado tem tido considerável im-pacto nas ciências sociais e nas humanidades em geral . Deriva da antropologia social e também se refere a significados com-partilhados.

    Diferentemente da concepção anterior, porém, ressalta a dimensão simbólica, o que a cultura faz, em vez de acentuar o que a cultura é. Nessa mudança, efetua-se um movimento do que para o como. Concebe-se, assim, a cultura como prática so-cial, não como coisa (artes) ou estado de ser (civilização).

    Nesse enfoque, coisas e eventos do mundo natural exis-tem, mas não apresentam sentidos intrínsecos: os significados são atribuídos a partir da linguagem. Quando um grupo com-partilha uma cultura, compartilha um conjunto de significados, construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da linguagem. A palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e com-partilhados em um grupo. São os arranjos e as relações envolvi-das em um evento que passam, dominantemente, a despertar a atenção dos que analisam a cultura com base nessa quinta perspectiva, passível de ser resumida na ideia de que cultura representa um conjunto de práticas significantes. Não será per-tinente considerarmos também o currículo como um conjunto de práticas em que significados são construídos, disputados, rejeitados, compartilhados? Como entender, então, as relações entre currículo e cultura?

    Se entendermos o currículo, como propõe Williams (1984), como escolhas que se fazem em vasto leque de possibilidades, ou seja, como uma seleção da cultura, podemos concebê-lo, também, como conjunto de práticas que produzem significados. Nesse sentido, considerações de Silva (1999) podem ser úteis. Segundo o autor, o currículo é o espaço em que se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes significados sobre o social e sobre o político. É por meio do currículo que certos grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua “verdade”. O currí-culo representa, assim, um conjunto de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significados no espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais. O currículo é, por consequência, um dispositivo de grande efeito no processo de construção da identidade do (a) estudante.

    Não se mostra, então, evidente a íntima relação entre cur-rículo e cultura? Se, em uma sociedade cindida, a cultura é um terreno no qual se processam disputas pela preservação ou pela superação das divisões sociais, o currículo é um espaço em que esse mesmo conflito se manifesta. O currículo é um campo em que se tenta impor tanto a definição particular de cultura de um dado grupo quanto o conteúdo dessa cultura.

    O currículo é um território em que se travam ferozes com-petições em torno dos significados. O currículo não é um veículo que transporta algo a ser transmitido e absorvido, mas sim um lugar em que, ativamente, em meio a tensões, se produz e se reproduz a cultura. Currículo refere-se, portanto, a criação, re-criação, contestação e transgressão (Moreira e Silva, 1994).

    O currículo é um campo em que se tenta impor tanto a de-finição particular de cultura de um dado grupo quanto o conteú-do dessa cultura. O currículo é um território em que se travam ferozes competições em torno dos significados.

    Como todos esses processos se “concretizam” no currículo? Pode-se dizer que no currículo se evidenciam esforços tanto por consolidar as situações de opressão e discriminação a que cer-tos grupos sociais têm sido submetidos, quanto por questionar os arranjos sociais em que essas situações se sustentam. Isso se torna claro ao nos lembrarmos dos inúmeros e expressivos relatos de práticas, em salas de aulas, que contribuem para cris-talizar preconceitos e discriminações, representações estereoti-padas e desrespeitosas de certos comportamentos, certos estu-dantes e certos grupos sociais. Em Conselhos de Classe, algumas dessas visões, lamentavelmente, se refletem em frases como: “vindo de onde vem, ele não podia mesmo dar certo na escola!”.

    Ao mesmo tempo, há inúmeros e expressivos relatos de práticas alternativas em que professores (as) desafiam as re-lações de poder que têm justificado e preservado privilégios e marginalizações, procurando contribuir para elevar a autoesti-ma de estudantes associados a grupos subalternizados.

    Ou seja, no processo curricular, distintas e complexas têm sido as respostas dadas à diversidade e à pluralidade que marcam de modo tão agudo o panorama cultural contemporâneo .

    Cabe também ressaltar a significativa influência exercida, junto às crianças e aos adolescentes que povoam nossas salas de aula, pelos “currículos” por eles “vividos” em outros espa-ços socioeducativos (shoppings, clubes, associações, igrejas, meios de comunicação, grupos informais de convivência etc.), nos quais se fazem sentir com intensidade muitos dos comple-xos fenômenos associáveis ao processo de globalização que hoje vivenciamos .

    Nesses outros espaços extraescolares, os currículos tendem a se organizar com objetivos distintos dos currículos escolares, o que faz com que valores como padronização, consumismo, indi-vidualismo, sexismo e etnocentrismo possam entrar em acirrada competição com outras metas, visadas por escolas e famílias. Vale perguntar: como temos, nas salas de aula, reagido a esse “confuso “panorama em que a diversidade se faz tão presen-te”? Como temos nos esforçado para desestabilizar privilégios e discriminações? Como temos buscado neutralizar influências “indesejáveis”? Como temos, na escola, dialogado com os “cur-rículos” desses outros espaços?

    Em resumo, o complexo, variado e conflituoso cenário cul-tural em que estamos imersos se reflete no que ocorre em nos-sas salas de aula, afetando sensivelmente o trabalho pedagógico que nelas se processa .

    Como temos considerado, no currículo, essa pluralidade, esse caráter multicultural de nossa sociedade? Como articular currículo e multiculturalismo? Que estratégias pedagógicas po-dem ser selecionadas?

    Sem pretender oferecer respostas prontas a serem aplica-das em quaisquer situações, move-nos a intenção de apresentar alguns princípios que possam nortear a construção coletiva, em cada escola, de currículos que visem a enfrentar alguns dos de-safios que a diversidade cultural nos tem trazido. Fundamenta-mo-nos, nesse propósito, em estudos, pesquisas, práticas e de-poimentos de docentes comprometidos com uma escola cada

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    vez mais democrática. Nossa intenção é convidar o profissional da educação a engajar- se no instigante processo de pensar e desenvolver currículos para essa escola .

    Desejamos, com os princípios que vamos sugerir, intensifi-car a sensibilidade do (a) docente e do gestor para a pluralida-de de valores e universos culturais, para a necessidade de um maior intercâmbio cultural no interior de cada sociedade e entre diferentes sociedades, para a conveniência de resgatar manifes-tações culturais de determinados grupos cujas identidades se encontram ameaçadas, para a importância da participação de todos no esforço por tornar o mundo menos opressivo e injusto, para a urgência de se reduzirem discriminações e preconceitos.

    O objetivo maior concentra-se, cabe destacar, na contextua-lização e na compreensão do processo de construção das dife-renças e das desigualdades. Nosso propósito é que os currículos desenvolvidos tornem evidente que elas não são naturais; são, ao contrário, “invenções/construções” históricas de homens e mulheres, sendo, portanto, passíveis de serem desestabilizadas e mesmo transformadas. Ou seja, o existente nem pode ser acei-to sem questionamento nem é imutável; constitui-se, sim, em estímulo para resistências, para críticas e para a formulação e a promoção de novas situações pedagógicas e novas relações sociais .

    Princípios para a construção de currículos multicultural-mente orientados assemos aos nossos princípios. Insistimos, inicialmente, na necessidade de uma nova postura, por parte do professorado e dos gestores, no esforço por construir currículos culturalmente orientados. Propomos, a seguir, que se reescre-vam os conhecimentos escolares, que se evidencie a ancoragem social desses conhecimentos, bem como que se transforme a escola e o currículo em espaços de crítica cultural, de diálogo e de desenvolvimento de pesquisas . Esperamos que nossos prin-cípios possam nortear a escolha de novos conteúdos, a adoção de novos procedimentos e o estabelecimento de novas relações na escola e na sala de aula .

    A necessidade de uma nova postura

    Elaborar currículos culturalmente orientados demanda uma nova postura, por parte da comunidade escolar, de abertura às distintas manifestações culturais. Faz-se indispensável superar o “daltonismo cultural”, ainda bastante presente nas escolas. O professor “daltônico cultural “é aquele que não valoriza o “ar-co-íris de culturas “que encontra nas salas de aulas e com que precisa trabalhar, não tirando, portanto, proveito da riqueza que marca esse panorama”. É aquele que vê todos os estudantes como idênticos, não levando em conta a necessidade de estabe-lecer diferenças nas atividades pedagógicas que promove (Stoer e Cortesão, 1999).

    O daltonismo cultural a que nos referimos se expressa, por exemplo, na visão da professora de uma escola normal que de-sencoraja uma pesquisadora interessada em compreender o tratamento dado, na escola, a questões referentes a racismo na formação docente. “Lamento, mas aqui você não terá material para seu estudo . Não temos problema nenhum de racismo aqui . Eu, por exemplo, ao entrar em sala, trato todos os meus alunos como se fossem brancos” (Paraíso, 1997). O daltonismo é tão intenso que chega a impedir que a professora reconheça a pre-sença da diversidade (e de suas consequências) na escola.

    Em casos como esse, pode ser útil, em um primeiro momen-to, buscarmos sensibilizar o corpo docente para a pluralidade e para a diversidade. Como fazê-lo? Que estratégias empregar nessa tarefa, para que se possa ter a maior adesão possível dos que ainda não perceberam a importância de tais aspectos?

    Nessa perspectiva, é importante articular o aprofundamen-to teórico com vivências de experiências em que os/as profis-sionais da educação são convidados/as a se colocarem situação “e analisar as suas próprias reações. Como se sentiriam e reagi-riam, por exemplo, se, como algumas pessoas negras ainda têm sido, fossem impedidos (as) de entrar pela “porta da frente” em um edifício residencial ou em um hotel de luxo?

    Outra estratégia possível diz respeito ao resgate de histórias de vida e análise de estudos de caso reais, trazidos pelos pró-prios educadores ou registrados em pesquisas realizadas sobre tal temática. Talvez alguns docentes se estimulem a apresentar e a discutir situações em que se viram, eles próprios, discrimi-nados, ou em que presenciaram pessoas sendo depreciadas e desrespeitadas. Como se comportaram nesses momentos?

    Em resumo, a ruptura do daltonismo cultural e da visão mo-nocultural da dinâmica escolar é um processo pessoal e coletivo que exige desconstruir e desnaturalizar estereótipos e “verda-des” que impregnam e configuram a cultura escolar e a cultura da escola .

    Após a adoção de uma nova postura frente à pluralidade, outros princípios e propósitos podem mostrar-se úteis na for-mulação dos currículos. Vejamos alguns deles.

    O currículo com um espaço em que se reescreve o conhe-cimento escolar

    Sugerimos que se procure, no currículo, reescrever o conhe-cimento escolar usual, tendo-se em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos em sua produ-ção. No processo de construçãodo conhecimento escolar, que já abordamos, se “retiram” os interesses e os objetivos usualmen-te envolvidos na pesquisa e na produção do conhecimento de origem (Terigi, 1999). O conhecimento escolar tende a ficar, em decorrência desse processo, “asséptico”, “neutro”, despido de qualquer “cor” ou “sabor”.

    O que estamos desejando, em vez disso, é que os interesses ocultados sejam identificados, evidenciados e subvertidos, para que possamos, então, reescrever os conhecimentos. Desejamos que o aluno perceba o quanto, em Geografia, os conhecimentos referentes aos diversos continentes foram construídos em ínti-ma associação com o interesse, de certos países, em aumentar suas riquezas pela conquista e colonização de outros povos. Em conformidade com essa proposta, encontram-se já numerosos (as) professores (as) de História que não mais se contentam em ensinar aos (às) estudantes apenas a visão do dominante, do vencedor. Já se fazem frequentes, em suas aulas na escola fun-damental, discussões como: o Brasil foi descoberto ou invadido pelos portugueses?

    Sugerimos que se procure, no currículo, reescrever o conhe-cimento escolar usual, tendo-se em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos em sua produ-ção. Discutidos por docentes e alunos (as), o que faz brotar uma análise bem mais lúcida dos diferentes e conflitantes motivos implicados nos fatos históricos, antes vistos como “objetivos” e

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    tratados com base em uma única versão, aceita sem questiona-mento . A consequência é que a análise se amplia e se enriquece pelo confronto de pontos de vista.

    Além dessa ampliação da análise, muitos docentes têm também procurado incluir no currículo outras Histórias: a das mulheres, a dos povos indígenas, a dos negros, por exemplo. Tais inclusões preenchem algumas das lacunas mais encontra-das nas propostas curriculares oficiais, trazendo à cena vozes e culturas negadas e silenciadas no currículo . Segundo Torres Santomé (1995), as culturas ou vozes dos grupos sociais mino-ritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas de poder costumam ser excluídas das salas de aula, chegando mes-mo a ser deformadas ou estereotipadas, para que se dificultem (ou de fato se anulem) suas possibilidades de reação, de luta e de afirmação de direitos.

    Cabe evitar atribuir qualquer caráter exótico às manifesta-ções culturais de grupos minoritários. Ademais, sua presença no currículo não deve assumir o tom fortuito, turístico, tão criticado por Torres Santomé (1995). É preciso que os estudos desenvolvi-dos venham a catalisar, junto aos membros das culturas negadas e silenciadas, a formação de uma autoimagem positiva.

    Para esse mesmo propósito, pode ser útil a discussão, em diferentes disciplinas, dos rumos de diferentes movimentos so-ciais (negros, mulheres, indígenas, homossexuais), para que se compreendam e se acentuem avanços, dificuldades e desafios. Líderes desses grupos podem ser convidados a participar das atividades. Exposições e cartazes podem ilustrar trajetórias e conquistas .

    Cabe esclarecer que não estamos argumentando a favor do efeito Robin Hood (McCarthy, 1998), segundo o qual se tira de um para dar ao outro, ou seja, não estamos recomendan-do que simplesmente se substitua um conhecimento por outro. O que estamos sugerindo é que se explorem e se confrontem perspectivas, enfoques e intenções, para que possam vir à tona propósitos, escolhas, disputas, relações de poder, repressões, silenciamentos, exclusões.

    O trabalho com notícias difundidas pela mídia, frequente-mente derivadas de leituras distintas e até mesmo contraditórias dos fatos, assim como com músicas, vídeos e outras produções culturais, permite ilustrar com clareza os confrontos que preten-demos ver explicitados. Examinando diferentes interpretações, os (as) alunos (as) poderão melhor perceber, por exemplo, os objetivos e os jogos, por vezes escusos, implicados em muitas medidas de nossos políticos e governantes.

    A leitura crítica de jornais permite também verificar como, na França, se tenta impedir que meninas muçulmanas frequen-tem as salas de aula usando seus véus. A justificativa é que as es-colas francesas são seculares e que os símbolos religiosos, por-tanto, devem ser banidos de suas práticas. Proibições similares têm ocorrido também na Alemanha, vetando-se às professoras o uso do véu . O que não se divulga é como tal medida acaba por solapar importante elemento da identidade dessas jovens, desrespeitando o direito à diferença que deve pautar toda socie-dade que se quer democrática, plural e inclusiva.

    Ou seja, a compreensão dos diferentes pontos de vista envolvidos na contenda permite que o (a) aluno (a) descons-trua o olhar do poder hegemônico e infira que outros olhares descortinam outros ângulos, outras razões, outros interesses. Leva-o (a) a compreender melhor alguns dos elementos que

    promovem a persistência, no mundo de hoje, do ódio, da vio-lência, do racismo, da xenofobia, do fundamentalismo. Não será indispensável que a escola procure denunciar e colocar em xeque essa persistência?

    Professores dos primeiros anos do ensino fundamental podem também estimular o (a) aluno (a) a reescrever conhe-cimentos, saberes, mitos, costumes, lendas, contos. Inúmeras histórias infantis, por exemplo, têm sido reescritas com base no emprego de pontos de vista distintos dos usuais. O caso dos Três Porquinhos pode surpreender se a figura do Lobo representar o especulador imobiliário que tão bem conhecemos. As atitu-des da Cigarra e da Formiga podem ser reavaliadas, tendo-se em mente a forma como se concebem e se organizam trabalho e lazer na sociedade contemporânea. O desfecho do passeio de Chapeuzinho Vermelho à casa da avó pode ser outro, caso imaginemos novos perfis e novas relações para os personagens da história (Garner, 1996, 1999). Ou seja, de novos patamares podemos perceber novos horizontes, novas trajetórias, novas possibilidades .

    O que estamos sugerindo é que nos situemos, na prática pedagógica culturalmente orientada, além da visão das culturas como inter-relacionadas, como mutuamente geradas e influen-ciadas, e procuremos facilitar a compreensão do mundo pelo olhar do subalternizado. No currículo, trata-se de desestabilizar o modo como o outro é mobilizado e representado. “O olhar do poder, suas normas e pressupostos, precisa ser desconstruído” (McCarthy, 1998).

    Ou seja, trata-se de desafiar a ótica do dominante e de pro-mover o atrito de diferentes abordagens, diferentes obras literá-rias, diferentes interpretações de eventos históricos, para que se favoreça ao (à) aluno (a) entender como o conhecimento social-mente valorizado tem sido escrito de uma dada forma e como pode, então, ser reescrito. Não se espera, cabe reiterar, subs-tituir um conhecimento por outro, mas sim propiciar aos (às) estudantes a compreensão das relações de poder envolvidas na hierarquização das manifestações culturais e dos saberes, assim como nas diversas imagens e leituras que resultam quando cer-tos olhares são privilegiados em detrimento de outros .

    Nessa perspectiva, é importante que consideremos a escola como um espaço de cruzamento de culturas e saberes. A escola deve ser concebida como um espaço ecológico de cruzamento de culturas (Pérez Gómez, 1998). A responsabilidade específica que a distingue de outros espaços de socialização e lhe confere identidade e relativa autonomia é exatamente a possibilidade de promover análises e interações das influências plurais que as diferentes culturas exercem, de forma permanente, sobre as novas gerações.

    O responsável definitivo da natureza, do sentido e da con-sistência do que os alunos e as alunas aprendem em sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas que se produz na escola, entre as propostas da cultura crítica, alojada nas disciplinas científicas, artísticas e filosóficas; as de-terminações da cultura acadêmica, refletidas nas definições que constituem o currículo; os influxos da cultura social, constituída pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões do co-tidiano da cultura institucional, presente nos papéis, nas nor-mas, nas rotinas e nos ritos próprios da escola como instituição específica; e as características da cultura experiencial, adquirida individualmente pelo aluno através da experiência nos inter-câmbios espontâneos com seu meio (Pérez Gómez, 1998).

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    Conceber a dinâmica escolar nesse enfoque supõe repensar seus diferentes componentes e romper com a tendência homo-geneizadora e padronizadora que impregna suas práticas. Para Moreira e Candau (2003), a escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neu-tralizá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto, abrir espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar.

    A escola precisa, assim, acolher, criticar e colocar em con-tato diferentes saberes, diferentes manifestações culturais e diferentes óticas. A contemporaneidade requer culturas que se misturem e ressoem mutuamente, que convivam e se mo-difiquem. Que se modifiquem modificando outras culturas pela convivência ressonante. Ou seja, um processo contínuo, que não pare nunca, por não se limitar a um dar ou receber, mas por ser contaminação, ressonância (Pretto, 2005).

    O currículo como espaço de reconhecimento de nossas identidades culturais

    Um aspecto a ser trabalhado, que consideramos de espe-cial relevância, diz respeito a se procurar, na escola, promover ocasiões que favoreçam a tomada de consciência da construção da identidade cultural de cada um de nós, docentes e gestores, relacionando-a aos processos socioculturais do contexto em que vivemos e à história de nosso país. O que temos constatado é a pouca consciência que, em geral, temos desses processos e do cruzamento de culturas neles presente. Tendemos a uma visão homogeneizadora e estereotipada de nós mesmos e de nossos alunos e alunas, em que a identidade cultural é muitas vezes vis-ta como um dado, como algo que nos é impresso e que perdura ao longo de toda nossa vida. Desvelar essa realidade e favorecer uma visão dinâmica, contextualizada e plural das identidades culturais é fundamental, articulando-se as dimensões pessoal e coletiva desses processos. Constitui um exercício fundamental tornarmo-nos conscientes

    Constitui um exercício fundamental tornarmo-nos cons-cientes de nossos enraizamentos culturais, dos processos em que misturam ou se silenciam determinados pertencimentos culturais, bem como sermos capazes de reconhecê-los, nomeá--los e trabalhá-los.

    Como favorecer essa tomada de consciência? Alguns exercí-cios podem ser propostos, buscando-se criar oportunidades em que o profissional da educação se estimule a falar sobre como percebe a construção de sua identidade. Como vêm sendo cria-das nossas identidades de gênero, raça, sexualidade, classe so-cial, idade, profissão? Como temos aprendido a ser quem so-mos, como profissionais da educação, brasileiros (as), homens, mulheres, casados (as), solteiros (as), negros (as), brancos (as), jovens ou idosos (as)?

    Nesses momentos, tem sido bastante frequente a afirma-ção “nunca pensei na formação da minha identidade cultural”, ou então “me considero uma órfã do ponto de vista cultural”, expressão usada por uma professora jovem, querendo se referir à dificuldade de nomear os referentes culturais configuradores de sua trajetória de vida.

    A socialização em pequenos grupos, entre os (as) educado-res (as), dos relatos sobre a construção de suas identidades cul-turais pode se revelar uma experiência profundamente vivida,

    muitas vezes carregada de emoção, que dilata tanto a consciên-cia dos próprios processos de formação identitária do ponto de vista cultural, quanto a sensibilidade para favorecer esse mesmo dinamismo nas práticas educativas que organizamos. Nesses processos, podemos nos dar conta da complexidade envolvida na configuração dos distintos traços identitários que coexistem, por vezes contraditoriamente, na construção das diferenças de que somos feitos (Moita Lopes, 2003).

    O currículo como espaço de questionamento de nossas re-presentações sobre os “outros”

    Junto ao reconhecimento da própria identidade cultural, outro elemento a ser ressaltado relaciona-se às representa-ções que construímos dos outros, daqueles que consideramos diferentes. As relações entre nós e os outros estão carregadas de dramaticidade e ambiguidade. Em sociedades nas quais a consciência das diferenças se faz cada vez mais forte, reveste-se de especial importância aprofundarmos questões como: quem incluímos na categoria nós? Quem são os outros? Quais as im-plicações dessas questões para o currículo? Como nossas repre-sentações dos outros se refletem nos currículos?

    Esses são temas fundamentais que estamos desafiados a trabalhar nas relações sociais e, particularmente, na educação. Nossa maneira de nos situarmos em relação aos outros tende a construir-se em uma perspectiva etnocêntrica. Quem são os nós? Tendemos a incluir na categoria nós todas aquelas pessoas e aqueles grupos sociais que têm referenciais semelhantes aos nossos, que têm hábitos de vida, valores, estilos e visões de mundo que se aproximam dos nossos e os reforçam. Quem são os outros? Tendem a ser os que entram em choque com nossas maneiras de nos situarmos no mundo, por sua classe social, et-nia, religião, valores, tradições, sexualidade etc.

    Como temos entendido esse outro? Para Skliar e Duschat-zky (2001), principalmente de três formas distintas: o outro como fonte de todo mal, o outro como sujeito pleno de um gru-po cultural, o outro como alguém a tolerar.

    A primeira perspectiva, segundo os autores, marcou predo-minantemente as relações sociais durante o século XX e pode se revestir de diferentes formas, desde a eliminação física do outro, até a coação interna, mediante a regulação de costumes e moralidades. Nesse modo de nos situarmos diante do outro, assumimos uma visão binária e dicotômica. Em um lado separa-mos os bons, os verdadeiros, os autênticos, os civilizados, cultos, defensores da liberdade e da paz. Em outro, deixamos os outros: os maus, os falsos, os bárbaros, os ignorantes e os terroristas. Se nos identificamos com os primeiros, o que temos a fazer é eliminar, neutralizar, dominar ou subjugar os outros. Caso nos sintamos representados como integrantes do polo oposto, ou internalizamos a nossa maldade e nos deixamos salvar, passan-do para o lado dos bons, ou nos confrontamos violentamente com eles .

    Como essa primeira perspectiva se traduz na escola? Mos-tra-se presente quando: (a) atribuímos o fracasso escolar dos (as) alunos (as) às suas características sociais ou étnicas; (b) diferenciamos os tipos de escolas segundo a origem social dos (as) estudantes, considerando que alguns têm maior potencial que outros e, para desenvolvermos uma educação de qualidade, não podemos misturar estudantes de diferentes potenciais; (c)

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    nos situamos, como professores (as), diante dos (as) alunos (as), com base em estereótipos e expectativas diferenciadas segundo a origem social e as características culturais dos grupos de refe-rência; (d) valorizamos exclusivamente o racional e desvaloriza-mos os aspectos afetivos presentes nos processos educacionais; (e) privilegiamos somente a comunicação verbal, desconside-rando outras formas de comunicação humana, como a corporal, a artística etc.

    Ao considerarmos o outro como sujeito pleno de uma mar-ca cultural, estamos concebendo-o como membro de uma dada cultura, vista como uma comunidade homogênea de crenças e estilos de vida. O outro, ainda que não seja a fonte de todo mal, é diferente de nós, tem uma essência claramente definida, dis-tinta da que nos caracteriza. Na área da educação, essa visão se expressa, por exemplo, quando nos limitamos a abordar o outro de forma genérica e “folclórica”, apenas em dias especiais, usualmente incluídos na lista dos festejos escolares, tais como o Dia do Índio ou Dia da Consciência Negra .

    Já a expressão o outro como alguém a tolerar convida tanto a admitir a existência de diferenças quanto a aceitá-las. Nessa admissão, contudo, reside um paradoxo. Se aceitamos, por prin-cípio, todo e qualquer diferente, deveríamos aceitar os grupos cujas marcas são comportamentos antissociais ou opressivos, como os racistas. Que consequências a adoção dessa perspecti-va pode ter para a prática pedagógica? Julgamos que a simples tolerância pode nos situar em uma posição débil, evitando que tomemos posição em relação aos valores que dominam a cultura contemporânea. Pode impedir que polemizemos, levando-nos a assumir a conciliação como valor último. Pode incentivar-nos a não questionar a “ordem”, vendo-a como comportamentos a se-rem inevitavelmente cultivados.

    Poderíamos acrescentar outras formas de nos situar diante dos outros. No entanto, acreditamos que a tipologia proposta por Skliar e Duschatzky (2000) expressa as posições mais pre-sentes na nossa sociedade hoje, evidenciando a complexidade das questões relacionadas à alteridade e à diferença.

    O que desejamos destacar é que o modo como concebe-mos a condição humana pode bloquear nossa compreensão dos outros. Portanto, é importante promovermos processos educa-cionais nos quais identifiquemos e desconstruamos nossas su-posições, em geral implícitas, que não nos permitem uma apro-ximação aberta e empática à realidade dos outros (Taylor, 2001).

    O currículo como um espaço de crítica cultural

    Apresentamos agora outro princípio, fortemente relacio-nado aos anteriores: sugerimos que se expandam os conteúdos curriculares usuais, de modo a neles incluir alguns dos artefa-tos culturais que circundam o (a) aluno (a). A ideia é tornar o currículo um espaço de abrir as portas, na escola, a diferentes manifestações da cultura popular, além das que compõem a chamada cultura erudita .

    A intenção é que a cultura dos estudantes e da comunida-de possa interagir com outras manifestações e outros espaços culturais como museus, exposições, centros culturais, música erudita, clássicos da literatura. Se aceitarmos a inexistência, no mundo contemporâneo, de qualquer “pureza cultural” (McCar-thy, 1998), se pretendermos abrir espaço na escola para a com-plexa interpenetração das culturas e para a pluralidade cultural,

    tanto as manifestações culturais hegemônicas como as subalter-nizadas precisam integrar o currículo e ser objeto de apreciação e crítica. Talvez fosse útil, para o desenvolvimento do que sugeri-mos, que discutíssemos, na escola, com que recursos podemos contar em nossa comunidade e como fazer para que outros re-cursos venham, de alguma forma, a tornar-se familiares a nossos (as) alunos (as).

    Nessa perspectiva, há um ponto que desejamos destacar. Ao intentarmos transformar a escola em um espaço cultural, estamos convidando cada professor (a), como intelectual que é, a desem-penhar o papel de crítico (a) cultural. Estamos considerando que a atividade intelectual implica o questionamento do que parece inscrito na natureza das coisas, do que nos é apresentado como natural, questionamento esse que visa, fundamentalmente, a mostrar que as coisas não são inevitáveis. A atividade intelectual centra-se, assim, na crítica da cultura em que estamos imersos. Como se expressa essa atividade na prática curricular?

    Julgamos que cabe à escola, por meio de suas atividades pe-dagógicas, mostrar ao aluno que as coisas não são inevitáveis e que tudo que passa por natural precisa ser questionado e pode, consequentemente, ser modificado. Cabe à escola levá-lo a com-preender que a ordem social em que está inserido define-se por ações sociais cujo poder não é absoluto. O que existe precisa ser visto como a condição de uma ação futura, não como seu limite. Nossos questionamentos devem, então, provocar tensões e de-safiar o existente (Moreira, 1999). Podem não mudar o mundo, mas podem permitir que o aluno o compreenda melhor. Como nos diz Bauman (2000), “para operar no mundo (por contraste a ser ‘operado’ por ele) é preciso entender como o mundo opera”.

    A crítica de diferentes artefatos culturais na escola pode, por exemplo, levar-nos a identificar e a desafiar visões estereotipadas da mulher propagadas em anúncios; imagens desrespeitosas de homossexuais difundidas em programas cômicos de televisão; preconceitos contra povos não ocidentais evidentes em desenhos animados; mensagens encontradas em revistas para adolescen-tes do sexo feminino (e da classe média) que incentivam o uso de drogas, o consumismo e o individualismo; estímulos à eroti-zação precoce das meninas, visíveis em brinquedos e programas infantis; presença e aceitação da violência em filmes, jogos e brin-quedos. Outros exemplos poderiam ser citados, reforçando-nos o ponto de vista de que os produtos culturais à nossa volta nada têm de ingênuos ou puros; ao contrário, incorporam intenções de apoiar, preservar ou produzir situações que favorecem certos grupos e outros não. Tais artefatos, como se tem insistentemente acentuado, desempenham, junto com o currículo escolar, impor-tante papel no processo de formação das identidades de nossas crianças e nossos adolescentes, devendo constituir-se, portanto, em elementos centrais de crítica em processos curriculares cultu-ralmente orientados .

    O currículo como um espaço de desenvolvimento de pes-quisas

    Como intelectual que é, todo (a) profissional da educação precisa comprometer-se com o estudo e com a pesquisa, bem como posicionar-se politicamente. Precisa, assim, situar-se frente aos problemas econômicos, sócio-políticos, culturais e am-bientais que hoje nos desafiam e que desconhecem as fronteiras entre as nações ou entre as classes sociais. Sem esse esforço, será

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    impossível propiciar ao (à) aluno (a) uma compreensão maior do mundo em que vive, para que nele possa atuar autonomamen-te. Sem esse esforço, será impossível a proposição de alternativas viáveis, decorrentes de reflexões e investigações cuidadosas e ri-gorosas . Daí a necessidade de um posicionamento claro e de um comprometimento com a pesquisa.

    Será possível e desejável que nós, profissionais da educação infantil e do ensino fundamental, venhamos a nos envolver com pesquisa? Julgamos que sim. Propomos que todo (a) profissional da educação venha, de algum modo, a participar de pesquisas so-bre sua prática pedagógica ou administrativa, sobre a disciplina que ensina, sobre os saberes docentes, sobre o currículo, sobre a avaliação, sobre a educação em geral, sobre a sociedade em que vivemos ou sobre temas diversificados (não incluídos no currícu-lo). Consideramos que gestores e docentes precisam organizar os tempos e os espaços escolares para abranger as atividades de pesquisa aqui propostas. É fundamental que, nesse esforço, se verifiquem os recursos necessários e os recursos com que se pode contar . A comunidade em que a escola se situa pode e deve participar tanto do planejamento como da implementação dos estudos . A Secretaria de Educação deve ser chamada a colaborar .

    A pesquisa do (a) professor (a) da escola básica certamente difere da pesquisa levada a cabo na universidade e nos centros de pesquisa, o que, entretanto, não a torna inferior. A participação em pesquisa pode mesmo contribuir para que o trabalho do pro-fissional da educação venha a ser mais valorizado.

    Estamos defendendo, em resumo, que se torne o currículo, em cada escola, um espaço de pesquisa. A pesquisa, concebida em um sentido mais amplo, reiteramos, não está restrita à uni-versidade. Como professores (as) /intelectuais que atuamos na escola, precisamos enfrentar esse desafio, tornando-nos pesqui-sadores (as) dos saberes, valores e práticas que ensinamos e/ou desenvolvemos, centrando nosso ensino na pesquisa. Nesse pro-cesso, poderemos aperfeiçoar nosso desempenho profissional, poderemos nos situar melhor no mundo, poderemos, ainda, nos engajar na luta por melhorá-lo. Nesse processo, poderemos des-pertar nos alunos e nas alunas o espírito de pesquisa, de busca, de ter prazer no aprender, no conhecer coisas novas. Não devería-mos, então, começar, já na próxima reunião de professores (as) de nossa escola, a refletir sobre como tornar o currículo um espaço de estudos e de pesquisas? Estamos certos de que essa discussão pode ser extremamente estimulante e proveitosa. (Texto adapta-do de Glória Regina Graçano Soares. Mestre em Educação).

    A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DEMOCRÁTICA E INCLUSIVA QUE GARANTA O ACESSO, A PERMANÊN-CIA E APRENDIZAGENS EFETIVAS, SIGNIFICATIVAS E

    RELEVANTES.

    A proposta de educação inclusiva fundamenta-se numa fi-losofia que aceita e reconhece a diversidade na escola, garan-tindo o acesso a todos à educação escolar, independentemente de diferenças individuais. O valor principal que norteia a ideia da inclusão está calcado no princípio da igualdade e diversida-

    de, concomitante com as propostas de sociedade democrática e justa. Fundamenta-se na concepção de educação de qualidade para todos, respeitando a diversidade dos alunos e realizando o atendimento às suas necessidades educativas. Isso implica adaptações diante das diferenças e das necessidades individuais de aprendizagem de cada aluno.

    Uma das possibilidades de construção da escola inclusiva é a aproximação dos sujeitos (comunidade interna e externa), diante da descentralização do poder, a municipalização pode proporcionar a aproximação da comunidade e da escola . Sendo a gestão escolar democrática e participativa responsável pelo envolvimento de todos que, direta ou indiretamente, fazem parte do processo educacional. Assim, o estabelecimento de objetivos, a solução de problemas, os planos de ação e sua exe-cução, o acompanhamento e a avaliação são responsabilidades de todos .

    A gestão escolar democrática e participativa proporciona à escola se tornar mais ativa e suas práticas devem ser refletidas na e pela comunidade. A participação, em educação, é muito mais do que dialogar, é um processo lento, conflituoso, em que conhecer os conflitos e saber mediá-los torna-se fonte precípua. Por isso, é necessário ouvir pais, comunidade e órgãos de repre-sentação . Esses são caminhos que devem ser trilhados para a construção da educação inclusiva .

    O papel da gestão escolar na construção da escola inclusiva

    O diretor deve ser o principal revigorador do comportamen-to do professor que demonstra pensamentos e ações coopera-tivas a serviço da inclusão. É comum que os professores temam inovação e assumam riscos que sejam encarados de forma ne-gativa e com desconfiança pelos pares que estão aferrados aos modelos tradicionais. O diretor é de fundamental importância na superação dessas barreiras previsíveis e pode fazê-lo através de palavras e ações adequadas que reforçam o apoio aos profes-sores. (SAGE, 1999).

    Sage (1999) analisa a relação entre o gestor escolar e a edu-cação inclusiva, reconhece que a prática dessa educação requer alterações importantes nos sistemas de ensino e nas escolas. Para o autor, os gestores escolares são essenciais nesse proces-so, pois lideram e mantêm a estabilidade do sistema. As mudan-ças apontadas para a construção da escola inclusiva envolvem vários níveis do sistema administrativo: secretarias de educação, organização das escolas e procedimentos didáticos em sala de aula. “O papel do diretor é de importância vital em cada nível, e diferentes níveis de pessoal administrativo estão envolvidos”.

    O primeiro passo, segundo suas recomendações, é cons-truir uma comunidade inclusiva que englobe o planejamento e o desenvolvimento curricular; o segundo passo do processo é a preparação da equipe para trabalhar de maneira cooperativa e compartilhar seus saberes, a fim de desenvolver um programa de equipe em progresso contínuo; o terceiro passo envolve a criação de dispositivos de comunicação entre a comunidade e a escola; o quarto passo abrange a criação de tempo para reflexão sobre a prática desenvolvida.

    O papel do diretor em provocar as mudanças necessárias do sistema em cada nível – o setor escolar central, a escola e cada turma – é essencialmente um papel de facilitação. A mudança não pode ser legislada ou obrigada a existir. O medo da mudança

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    não pode ser ignorado. O diretor pode ajudar os outros a encara-rem o medo, encorajar as tentativas de novos comportamentos e reforçar os esforços rumo ao objetivo da inclusão. (SAGE, 1999).

    O autor destaca que a burocracia, nas escolas, reduz o poder de decisão dos professores, provocando serviços despersonaliza-dos e ineficientes, impedindo a consolidação do modelo de traba-lho cooperativo essencial para a educação inclusiva. Acrescenta que o desenvolvimento da equipe proporciona a oportunidade de identificar lideranças na unidade escolar, o que encoraja a ajuda mútua entre os professores e assim reforça comportamentos coo-perativos. O gestor escolar pode colaborar com o estabelecimen-to da colaboração, no ambiente escolar, com o aprimoramento do contato e da interação entre os professores e demais funcio-nários. Enfatiza que o gestor escolar é o grande responsável para que a inclusão ocorra na escola, abrindo espaços e promovendo trocas de experiências importantes, desenvolvendo uma gestão democrática e participativa dentro, é claro, de suas possibilidades e de acordo com o contexto em que atua na comunidade, favore-cendo a formação e a consolidação de equipes de trabalho.

    Para a consolidação da atual proposta de educação inclusiva, é necessário o envolvimento de todos os membros da equipe es-colar no planejamento dos programas a serem implementados. “Docentes, diretores e funcionários apresentam papéis específi-cos, mas precisam agir coletivamente para que a inclusão escolar seja efetivada nas escolas” (SANT’ANA, 2005).

    A autora afirma caber aos gestores escolares tomar as pro-vidências de caráter administrativo necessárias à implementação do projeto de educação inclusiva. Acrescentamos a essa ideia que as providências pedagógicas também envolvam o trabalho do gestor escolar, uma vez que sua prática articula os aspectos admi-nistrativos e pedagógicos.

    O gestor escolar que se propõe a atuar numa prática inclusiva envolve-se na organização das reuniões pedagógicas, desenvolve ações relacionadas à acessibilidade universal, identifica e realiza as adaptações curriculares de grande porte e fomenta as de pe-queno porte, possibilita o intercâmbio e o suporte entre os profis-sionais externos e a comunidade escolar .

    “Diante da orientação inclusiva, as funções do gestor escolar incluem a definição dos objetivos da instituição, o estímulo à ca-pacitação de professores, o fortalecimento de apoio às interações e a processos que se compatibilizem com a filosofia da escola” (SANT’ANA, 2005).

    Prieto (2002) afirma que os gestores escolares devem con-centrar esforços para efetivar a proposta de educação inclusiva. Isso implica união de discursos referentes à democratização do ensino e aos princípios norteadores da gestão na escola . A educa-ção inclusiva só será realidade no Brasil quando as informações, os recursos, os sucessos e as adaptações inter-relacionarem as esferas federais, estaduais e municipais, proporcionando um rela-cionamento intenso entre União, Estados e municípios.

    A autora analisa que a troca de informações profissionais é imprescindível à melhoria da qualidade educacional, assim, a ação pedagógica refletida, individual ou coletivamente, possibilita a articulação e construção de uma nova prática.

    Carvalho (2004) aponta alguns dos caminhos para a constru-ção da escola inclusiva: valorização profissional dos professores, aperfeiçoamento das escolas e do pessoal docente, utilização dos professores das classes especiais, trabalho em equipe, adap-tações curriculares. Em suas palavras:

    As escolas inclusivas são escolas para todos, implicando num sistema educacional que reconheça e atenda às diferenças individuais, respeitando as necessidades de qualquer dos alu-nos. Sob essa ótica, não apenas portadores de deficiência se-riam ajudados e sim todos os alunos que, por inúmeras causas, endógenas ou exógenas, temporárias ou permanentes, apresen-te dificuldades de aprendizagem ou no desenvolvimento.

    Destacamos que não é apenas o gestor que apoia seus professores, mas esses também servem de apoio para a ação da equipe de gestão escolar. Adaptar a escola para garantir a educação inclusiva não se resume apenas a eliminar as barrei-ras arquitetônicas dos prédios escolares; é preciso ter um novo olhar para o currículo escolar, proporcionando a todos os alunos o acesso aos processos de aprendizagem e desenvolvimento.

    À gestão escolar cabe muito mais do que uma técnica, cabe incentivar a troca de ideias, a discussão, a observação, as com-parações, os ensaios e os erros, é liderar com profissionalismo pedagógico. Cada escola tem sua própria personalidade, suas características, seus membros, seu clima, sua rede de relações. (TEZANI, 2004) .

    Consideramos que a educação inclusiva necessita propor-cionar, em suas práticas cotidianas, um clima organizacional fa-vorável que estimule o saber e a cultura, proporcionando aos alunos o desenvolvimento de conhecimentos técnicos, éticos, políticos, humanos, para que se tornem emancipados e autô-nomos. Acreditamos que isso só será possível se houver uma gestão escolar capaz de enfatizar os processos democráticos e participativos no cotidiano escolar. Há, portanto, a necessidade de promover uma mudança social e educacional, abandonando práticas individualizadoras e fomentando a ação coletiva.

    A escola inclusiva é receptiva e responsiva, mas isso não de-pende apenas dos gestores e educadores, são imprescindíveis transformações nas políticas públicas educacionais. Garantir a construção da escola inclusiva não é tarefa apenas do gestor es-colar, mas esse tem papel essencial neste processo.

    Para Aranha (2001), a inclusão é a aceitação da diversida-de, na vida em sociedade, e também é a garantia do acesso das oportunidades para todos. Portanto, não é somente com leis e textos teóricos que iremos assegurar os direitos de todos, pois esses, por si mesmos, não garantem a efetivação das ações no cotidiano escolar.

    Rodrigues (2006) afirma ser um desafio ao exercício da pro-fissão do diretor a proposta de educação inclusiva, pois este pro-fissional não é um técnico (no sentido de aplicar técnicas norma-lizadas e previamente conhecidas), um funcionário (que executa funções enquadradas por uma cadeia hierárquica previamente definida). “A profissão de gestor escolar exige imensa versatili-dade, dado que se lhe pede que aja com grande autonomia e seja capaz de delinear e desenvolver planos de intervenção com condições muito diferentes. Para desenvolver esta competência tão criativa também uma formação profissional”.

    Completa que a aquisição de competência para a gestão inclusiva só poderá ser adquirida por meio de uma prática con-tinuada, reflexiva e coletiva, pois a educação inclusiva é o resul-tado do comprometimento com a educação de todos os alunos e de toda a escola. É preciso uma escola toda para desenvolver um projeto de educação inclusiva.

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    A educação inclusiva só se efetivará nas unidades escolares se medidas administrativas e pedagógicas forem adotadas pela equipe escolar, amparada pela opção política de construção de um sistema de educação inclusiva . A educação escolar será me-lhor quando possibilitar ao homem o desenvolvimento de sua capacidade crítica e reflexiva, garantindo sua autonomia e inde-pendência .

    O que dizem os documentos oficiais?

    Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às neces-sidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de quali-dade a todos através de um currículo apropriado, arranjos orga-nizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. (BRASIL, 1997).

    A relação entre a gestão escolar e a educação inclusiva é uma proposta nova de trabalho e pode ser observada em alguns documentos oficiais (nacionais e internacionais). Em alguns ca-sos, essa relação não está explícita; mas nas entrelinhas dos do-cumentos .

    Nossa proposta foi realizar, então, um estudo dos documen-tos que consideramos relevantes e que garantem o processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular e que mencionem o papel da gestão escolar de forma processual.

    Iniciaremos a análise das relações entre gestão escolar e a educação inclusiva com a Declaração Universal dos Direitos Hu-manos, promulgada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. A mesma estabelece, no Artigo 26, que a educação é um direito de todos; deve ser gratuita; o ensino fundamental (elementar) obrigatório o ensino técnico e profissional generalizado e o ensino superior aberto a todos em plena igualdade .

    A educação é afirmada pelo documento como fator essen-cial à expansão da personalidade humana e reforço dos direitos do ser humano, pois só assim esse será capaz de compreender, tolerar e realizar laços de amizade com seus pares e com as de-mais nações, promovendo assim a manutenção da paz.

    O último item sobre educação do documento ressalta que cabe aos pais o direito de escolher o gênero de educação a da-rem aos seus filhos. O documento é importante para ressaltar a educação como direito de todo cidadão, sendo gratuita e obriga-tória no ensino fundamental (elementar) sem discriminação de raça, cor, credo ou deficiência.

    Ao continuarmos nosso estudo, durante a Conferência de Goten realizada, em 1990, na Tailândia, foi promulgada a Decla-ração Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 1990). Par-ticiparam da assinatura do documento e se comprometeram, com suas diretrizes, vários países, inclusive o Brasil. A diretriz que norteia o conteúdo do documento consiste em satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de todos os alunos.

    A proposta de universalização do ensino com qualidade e redução da desigualdade, tornam-se fatores seminais à educa-ção: o combate da discriminação, o comprometimento com os excluídos, a satisfação das necessidades básicas de aprendiza-gem das pessoas com deficiência e a garantia do acesso ao siste-ma educativo regular.

    Diante da proposta que demanda atenção referente à qua-lidade da educação atendendo a diversidade, procuramos loca-lizar, no documento citado, o que é dito sobre o papel da gestão escolar: respeito à diversidade e fortalecimento de alianças com as autoridades educacionais para proporcionar a educação com equidade. “Novas e crescentes articulações e alianças serão ne-cessárias em todos os níveis: entre todos os subsetores e formas de educação, reconhecendo o papel especial dos professores, dos administradores e do pessoal que trabalha em educação...” (BRA-SIL, 1990).

    O documento apresenta o gestor escolar como um dos res-ponsáveis a promover o fortalecimento de alianças para a pro-moção da educação para todos. Não desresponsabilizando os governos: federal, estadual e municipal quanto ao oferecimento de recursos humanos e materiais para consolidação da proposta .

    Merece destaque, diante do fio condutor do trabalho, o item 19 do documento: “III – melhor capacitação dos administradores públicos e o estabelecimento de incentivos para reter mulheres e homens qualificados no serviço público” (BRASIL, 1990).

    Sabemos que a capacitação tem um papel precípuo para se dar uma resposta educativa à altura das exigências da atualidade e, neste ponto, o documento enfatiza que a formação continuada dos educadores é essencial para oferecer uma resposta educativa com qualidade .

    O item 24 do documento apresenta a prioridade de aperfei-çoar a capacidade gerencial, assim, “tanto o pessoal de supervisão e administração quanto os planejadores, arquitetos de escolas, os formadores de educadores, especialistas em currículo, pesquisa-dores, analistas etc. são igualmente importantes para qualquer estratégia de melhoria da educação básica” (BRASIL, 1990).

    Concluímos – com o estudo da Declaração Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 1990) – que são apontados os su-jeitos responsáveis pela mudança e a necessidade da formação em exercício para todos os envolvidos no processo de garantia das necessidades básicas de aprendizagem para todos.

    A Conferência Mundial de Salamanca (Espanha) destacou, entre outros elementos: acesso e qualidade relativamente à edu-cação. Esta conferência foi realizada em 1994, sendo promulgada a Declaração de Salamanca: sobre princípios, política e prática em educação especial (BRASIL, 1997). Assinaram-na e se compro-meteram, com suas diretrizes, vários países, inclusive o Brasil. A diretriz que norteia esse documento baseia-se na criação de con-dições para que os sistemas de ensino possibilitem a construção de escolas inclusivas .

    Reafirma o compromisso com a educação para todos e re-conhece a necessidade de alterações nos sistemas de ensino e nas escolas para que a educação inclusiva se efetive. Diante desta perspectiva, a gestão escolar tem papel fundamental, pois deve colaborar para o desenvolvimento de procedimentos adminis-trativos e pedagógicos mais flexíveis; uso racional dos recursos instrucionais; diversificação das opções de aprendizagem; mobi-lização de auxílios; desenvolvimento de ações que proporcionem o relacionamento dos pais, da comunidade e da escola. “Uma ad-ministração escolar bem sucedida depende de um envolvimento ativo e reativo de professores e do pessoal e do desenvolvimento de cooperação efetiva e de trabalho em grupo no sentido de aten-der as necessidades dos estudantes” (BRASIL, 1997).

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    Aos gestores escolares, segundo o documento, cabe a res-ponsabilidade de promover atitudes positivas e cooperativas entre a comunidade interna e externa da escola com relação à educação inclusiva .

    No item (c), Recrutamento e Treinamento de Educadores, encontramos a especificação de se privilegiar a preparação apropriada de todos os educadores para que o progresso da educação inclusiva se concretize. Essa proposta de formação deveria ocorrer nos cursos de graduação e em programas de educação continuada ou em serviço, assim, o conhecimento e habilidades requeridas dizem respeito principalmente à boa prática de ensino e incluem a avaliação de necessidades espe-ciais, adaptação do conteúdo curricular, utilização de tecnologia de assistência, individualização de procedimentos de ensino no sentido de abarcar uma variedade maior de habilidades, etc. (BRASIL, 1997).

    Os programas de formação para a educação inclusiva, de acordo com o documento, deveriam exercitar a autonomia e as habilidades de adaptação do currículo no sentido de aten-der às necessidades especiais dos alunos. Conforme Carneiro (2006), esses itens abordam claramente o papel dos diretores como agentes promotores da inclusão, criando condições de atendimento adequado a todas as crianças transformando a ad-ministração escolar em uma gestão participativa e democrática, em que toda a equipe escolar seja responsável pelo bom anda-mento da escola e pela satisfação das necessidades de todos os alunos .

    Ao avançarmos no estudo, em 20 de dezembro de 1996, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 9394/96 (BRASIL, 1996), que avança na área da educação es-pecial destinando um capítulo específico para esta modalidade de ensino e estabelecendo que o ensino do aluno, com necessi-dade educacional especial, aconteça preferencialmente na rede regular de ensino .

    O Artigo 58 estabelece que a educação especial deve ser oferecida no ensino regular para os alunos com necessidades educacionais especiais. O Artigo 59 estabelece a reorganização social para atendimento das pessoas com igualdade, quanto às mais complexas e diversas diferenças, físicas ou cognitivas.

    A questão da diversidade está estabelecida na referida Lei, uma vez que garante o acesso e a permanência de todos na es-cola. Faz referência à valorização dos profissionais da educação e à gestão democrática como uma das propostas para valoriza-ção dos profissionais da educação.

    Na Lei (BRASIL, 1996), encontramos a regulamentação da gestão democrática das escolas públicas e a transformação do Projeto Político-Pedagógico delineando-se como um instrumen-to de inteligibilidade e fator de mudanças significativas. O Artigo 14 estabelece os princípios da gestão democrática, pois garante “a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola”. Com o estabelecimento da Lei, é expressa a participação de todos na elaboração do Projeto Po-lítico-Pedagógico da unidade escolar. Desta monta, acreditamos que, quando todos participam e se sentem responsáveis bem como compromissados com aquilo que fazem, concretiza-se a construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico da unidade escolar. O primeiro passo efetivo deve garantir a gestão demo-crática e participativa como um dos possíveis caminhos à cons-trução da escola inclusiva .

    A gestão democrática e participativa pressupõe a constru-ção coletiva do Projeto Político-Pedagógico da escola, por se tra-tar de um trabalho conjunto. Conforme estabelecido, na LDBEN (BRASIL, 1996), a participação na construção coletiva do docu-mento está assegurada, pois reconhece a escola como espaço de autonomia .

    Para Silva Júnior (2002), o Projeto Político-Pedagógico “in-dicará as grandes linhas de reflexão e de consideração mante-nedoras de suas etapas de trabalho; consubstanciará os valores e critérios determinantes das ações a serem desenvolvidas nos diferentes núcleos da prática escolar”.

    Construir coletivamente o Projeto Político-Pedagógico da unidade escolar é proporcionar aos profissionais a oportunidade de exercitar a participação e de valorizar a autonomia da escola.

    Carneiro (2006) afirma que o projeto pedagógico não pode se constituir como um fim em si mesmo. Ele é verdadeiramente o início de um processo de trabalho .

    A partir do projeto pedagógico a escola vai estruturando seu trabalho, avaliando e reorganizando suas práticas. Mais uma vez o papel do gestor se apresenta em destaque, uma vez que para estruturar, avaliar e reorganizar as práticas educativas é ne-cessária uma liderança firme capaz de buscar os caminhos para tais encaminhamentos .

    O Projeto Político-Pedagógico é o somatório dos valores que os membros da unidade escolar têm. As escolas com uma prática qualitativamente superior são aquelas que construíram tal docu-mento de maneira coletiva e participativa. Colocar em prática o Projeto Político-Pedagógico da unidade escolar é um processo de ação-reflexão-ação que exige a participação de todo o colegiado.

    A proposta de construção coletiva do Projeto Político-Pe-dagógico é, portanto, fundamental para consolidação da gestão democrática e participativa na unidade escolar e assim constru-ção da escola inclusiva, bem como o papel do gestor norteará esse processo, uma vez que ele é corresponsável pelo estabe-lecimento de uma rede de relações adequadas para que todos possam ter autonomia e participação.

    A questão da autonomia merece destaque por estar em evidência na LDBEN (BRASIL, 1996). Para Silva Júnior (2002), “a constituição da autonomia da escola pela via do projeto pedagó-gico, supõe a existência de