congresso radio evolution, em braga a rádio entre a...

67
JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 48 Out/Dez 2011 >> 2,50 Euros A festa dos PrémiosGazeta2010 TEMA 1 Congresso Radio Evolution, em Braga A rádio entre a evolução e a revolução TEMA 2 Congresso de História dos Media e do Jornalismo Com um olho no passado dos media e outro no presente das democracias ENTREVISTA Ana Sofia Fonseca e Sofia Lorena Livros Sites Memória

Upload: duongminh

Post on 18-Nov-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 48 Out/Dez 2011 >> 2,50 Euros

A festa dos PrémiosGazeta 2010

TEMA 1Congresso Radio Evolution, em Braga

A rádio entrea evolução e a revolução

TEMA 2Congresso de História dos Media e do Jornalismo

Com um olho no passado dos mediae outro no presente das democracias

ENTREVISTAAna Sofia Fonseca e Sofia Lorena

Livros Sites Memória

01_capa_48:01_capa_48.qxd 28-11-2011 12:39 Page 1

02:Layout 1 19-05-2011 9:56 Page 1

Director

Direcção Editorial

Conselho Editorial

Grafismo

Secretária de Redacção

Propriedade

Tratamento deimagem

Impressão

Tiragem deste número

Redacção,Distribuição,

Venda eAssinaturas

Mário Zambujal

Eugénio AlvesFernando Correia

Fernando CascaisFrancisco MangasJosé Carlos de VasconcelosManuel PintoMário MesquitaOscar Mascarenhas

José Souto

Palmira Oliveira

CLUBE DE JORNALISTASA produção desta revista sóse tornou possível devido aosseguintes apoios:l Caixa Geral de Depósitosl Lisgráfical Fundação Inatell Vodafone

Pré & PressCampo Raso, 2710-139 Sintra

Lisgráfica, Impressão e ArtesGráficas, SACasal Sta. Leopoldina,2745 QUELUZ DE BAIXO

Dep. Legal: 146320/00ISSN: 0874 7741Preço: 2,49 Euros

2.000 ex.

Clube de JornalistasR. das Trinas, 1271200 LisboaTelef. - 213965774 Fax- 213965752e-mail:[email protected]

N.º 48 OUTUBRO/DEZEMBRO 2011

SUMÁRIO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS

DO CLUBE DE JORNALISTAS

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

6

12

18

50

60

66

TEMA 1CONGRESSO RADIO EVOLUTION,EM BRAGAInvestigadores e profissionais juntaram-se em Bragapara reflectirem sobre a rádio. A migração para asplataformas digitais e móveis e o que isso significa parao futuro do meio dominaram a maior parte das inter-venções e estudos apresentados. Mas entre o receio dealguns e o entusiasmo de muitos, ninguém tem dúvi-das: a Internet é onde a rádio tem que estar. Por LuísBonixe

TEMA 2CONGRESSO DE HISTÓRIADOS MEDIA E DO JORNALISMOO 1º Congresso Internacional de História dos Media edo Jornalismo, organizado pelo Centro de InvestigaçãoMedia e Jornalismo (CIMJ) nos dias 6 e 7 de Outubro,na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas daUniversidade Nova de Lisboa, provou que já pas-saram… à história os tempos em que este debate sefazia entre amigos, sempre poucos e sempre os mes-mos. Por Carla Baptista

ENTREVISTAAna Sofia Fonseca e Sofia LorenaPor Carla Baptista

JORNAL

[30] Prémios Gazeta

[40] Golfe Por Valdemar Afonso

[42] Livros Por Maria José Mata, Alexandre Manuel e Ana Jorge

[46] Sites Por Mário Rui Cardoso

MEMÓRIABreve história da imprensa desportivaem PortugalPor Francisco Pinheiro

AS VARIEDADESA primeira revista impressa no BrasilPor Luis Guilherme Pontes Tavares

CRÓNICAPor Ribeiro Cardoso

JJ|Out/Dez 2011|3

Colaboram neste número

Alexandre Manuel (U. AUTÓNOMA; C.I.E.S/ISCTE)

Ana Jorge (U.N.L., C.I.M.J.)

Carla Baptista (FREELANCER, UNL, CIMJ)

Francisco Pinheiro (C.E.I.S.20 DA U. COIMBRA))

José Frade (FOTOJORNALISTA FREELANCER)

Luís Bonixe (FREELANCE; E.S.E. DE PORTALEGRE; C.I.M.J.)

Luís G. Pontes Tavares (INVESTIGADOR BRASILEIRO)

Maria José Mata (E.S.C.S./ FREELANCE)

Mário Rui Cardoso (RTP – ANTENA 1)

Patrícia Contreiras (C.I.M.J.)

Ribeiro Cardoso (JORNALISTA)

Valdemar Afonso (JORNALISTA)

03_sumario_48:03_sumario_48.qxd 29-11-2011 12:07 Page 3

Assinatura anual > 4 números: > 10 Euros

( I N C L U I P O R T E S D E C O R R E I O )

Nome...........................................................................................................................Número de Contribuinte.........................................................................................Morada........................................................................................................................Código postal............................Localidade..............................................................Contactos.................................../........................................./......................................Profissão (fac.).....................................................Idade (fac.)...................................Desejo assinar a JJ com início no nº ......................................................................Para o respectivo pagamento envio cheque nº.....................................................Banco...........................................................................................................................Data.............................. Assinatura.....................................................................

Clube de Jornalistas - R. das Trinas, 127 r/c - 1200 857 Lisboa

JJ – Jornalismo e JornalistasA única revista portuguesaeditada por jornalistasexclusivamente dedicada aojornalismo

Indispensável para estudantes,professores, investigadores etodos os que se interessam pelojornalismo em Portugal e nomundo

Pretende ter um acesso fácil e seguro à JJ?

Assine a nossa revista, recebendo em sua casa, regularmente, os quatro números que editamos por ano,num total de 256 páginas, por apenas 10 euros,bastando enviar-nos os elementos constantesdo cupão junto

Dossiês l análises l entrevistas l notícias l recensõesl crónicas l comentários l memóriasImprensa l Rádio l Televisão l Jornalismo digitall Fotojornalismo l Cartoon

Ao longo de mais de dez anos, a JJ tem-se afirmado, quer nassalas de redacção quer nas universidades, como umaferramenta fundamental para todos os que pretendem estarinformados sobre a reflexão e o debate que, no país e noestrangeiro, se vão fazendo sobre o jornalismo e os jornalistas.

Assine a JJ

Uma edição doClube de Jornalistas

Rua das Trinas, 127 r/c 1200 857LisboaTelef. 213965774e-mail: [email protected]

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 40 Outubro/Dezembro 2009 >> 2,50 Euros

PED

RO

CU

NH

A

TEMA A REPORTAGEM NA RÁDIOEntre o investimentoe a ameaça

ENTREVISTA MINO CARTA ANÁLISE MÉDIA E PUBLICIDADE MEMÓRIA ADOLFO SIMÕES MÜLLER

4|Out/Dez 2011|JJ

04_NOVA:04_NOVA.qxd 28-11-2011 12:41 Page 4

A Lisgráfica imprime mais de 15 milhões de exemplares por semana de revistas, jornais,

listas telefónicas e boletins.A Lisgráfica é a maior indústria gráfica da Península Ibérica. Apenas na área de publicações, é responsável pela impressão de mais de 100 títulos diferentes. O que significa dizer que todos os dias a maioria dos portugueses tem contacto com os nossos produtos.

05.qxp 09-06-2010 16:23 Page 1

6|Out/Dez 2011|JJ

Congresso Radio Evolution, em BragaA rádio entre a evoluçãoe a revoluçãoInvestigadores e profissionais juntaram-se em Braga para reflectiremsobre a rádio. A migração para as plataformas digitais e móveis e oque isso significa para o futuro do meio dominaram a maior parte dasintervenções e estudos apresentados. Mas entre o receio de alguns e oentusiasmo de muitos, ninguém tem dúvidas: a Internet é onde arádio tem que estar.

Texto Luís Bonixe

Se ainda houvesse dúvidas sobre a predomi-nância da tecnologia nos estudos sobre arádio, o congresso Radio Evolution, organiza-do pelo ECREA (European CommunicationResearch and Education Association) e pela

Universidade do Minho, tratou de esclarecer essa realida-de.

O evento juntou investigadores e profissionais devários países da Europa, do Canadá e do Brasil e tornou-se claro que é a migração da rádio para as plataformasdigitais que preocupa a maioria daqueles queestudam a rádio.

Seja enquanto ameaça ao que hoje se co -nhece como rádio, seja como plataforma com-plementar à rádio hertziana, a Internet e aqui-lo que ela fornece que se possa parecer comrádio – podcasts, sítios de partilha e escuta demúsica etc. – esteve presente numa quantida-de assinalável de comunicações e sessões ple-nárias apresentadas durante o congresso.

Desde as questões relacionadas com asaudiências, passando pelas emissoras locais,pelas universitárias, pelas comunitárias ouabordando a programação e a informação, o enfoque foiquase sempre o mesmo: o que significam estes dias para arádio?

“Podem significar uma evolução ou uma revolução”,explicou Guy Starkey presidente da secção de investiga-ção em rádio do ECREA [Ver entrevista nestas páginas].Tal como ao longo da história, é a determinante tecnológi-ca que condiciona estados e níveis de evolução na rádio.

“No caso do Reino Unido isso está a passar-se de formamais rápida que noutros países. Actualmente teremos umterço de ouvintes através de meios digitais o que é muitobom, mas noutros países isso está a passar-se mais deva-gar. Neste caso é uma evolução. O que é uma revolução é,por exemplo, o modo como a rádio se está a actualizar uti-lizando a tecnologia e plataformas multimédia” , explicouGuy Starkey.

Jean-Jacques Cheval, investigador francês com umavasta obra no campo da rádio, lembrou por sua vez que a

rádio sempre esteve ligada à tec-nologia e que tem sido essa ligaçãoque tem permitido à rádio desem-penhar um papel muito importan-te nos campos político e social. Naintervenção que fez durante ocongresso, o investigador referiu-se ao papel da rádio e como estafoi utilizada para fins políticos porvárias personalidades ao longo dahistória, como são os casos deRoosevelt ou Hitler. Cheval lem-brou também que a rádio foi extre-

mamente importante para a implementação e consolida-ção da democracia em vários países, referindo-se em par-ticular ao caso da Revolução do 25 de Abril em Portugal.

Num contexto de mudança, questionou Cheval, qualvai ser o papel da rádio nos acontecimentos do planeta? Oinvestigador não deu uma resposta e começou por admi-tir que a imagem prevalece hoje sobre outras formas decomunicação. “O 11 de Setembro não foi um acontecimen-

TEMA 1

O presente vai mostrando algumas tendências daquilo que pode ser um bom casamento entre a rádio tradicional e as novas formas digitais de comunicação e interação.

06_Tema_1:06_Tema_1.qxd 28-11-2011 12:42 Page 6

JJ|Out/Dez 2011|7

to para a rádio, pois teve um impacto visual muito gran-de”, referiu Cheval, mas lançou um desafio: que se olhecom atenção para o que se passou no caso do terramotono Japão e para os recentes acontecimentos no norte deÁfrica, casos nos quais, a seu ver, a rádio teve um papelrelevante.

É, pois, num contexto de incerteza quanto ao futuromas em que o presente vai mostrando algumas tendênciasdaquilo que pode ser um bom casamento entre arádio tradicional e as novas formas digitais decomunicação e interacção que o meio radiofóni-co se move.

Armand Balsebre, autor do livro de referênciapara o estudo da rádio “La LenguageRadiofonica”, defendeu que num plano comuni-cacional onde predominam as expressõesvisuais, o som também pode desempenhar umpapel muito importante. Basta para isso, conside-rou Balsebre, que haja qualidade e criatividadesonora nas histórias que são contadas. “A rádio tem quetrabalhar o talento, o talento com som. Porque - defendeuo autor espanhol - o som é o melhor meio para contar his-tórias”.

A ENCRUZILHADA DO JORNALISMO SONOROOra, é justamente contar histórias o que os jornalistas darádio fazem. Todos os dias e várias vezes ao dia. Tambémno campo da informação radiofónica os tempos são demudança e isso ficou bem patente no estudo que umaequipa de investigadores espanhóis apresentou.

María del Pilar Martinez-Costa, Elsa Moreno e Avelino

Amoedo, todos da Universidade de Navarra e com traba -lho na área da informação radiofónica, explicaram que háuma espécie de revolução na redacção da Cadena Ser. Osinvestigadores analisaram os processos de convergênciana produção noticiosa nas redacções hertziana e online daCadena Ser.

Uma primeira observação do estudo compara os mode-los de redacção da rádio antes e depois da convergência.

Para os investigadores, antes, aredacção era hierárquica, estáti-ca e piramidal e passou paraum modelo descentralizado eversátil no qual os editores doonline e da rádio tradicionalestão no centro, gravitando emseu torno as diversas secçõesda rádio: desporto, redessociais, programação, etc.

O modelo convergentemantém os tradicionais turnos de trabalho, mas enfatizaas sinergias entre jornalistas das versões hertziana e digi-tal da rádio. Os jornalistas recebem, de acordo com osautores, o treino e formação suficientes para trabalharempara as duas plataformas. A criação de um editor multi-média, que tem a função de decidir quais os temas queserão disponibilizados em ambas as plataformas represen-ta para os autores do estudo um sinal do processo de con-vergência que está em curso na Cadena Ser.

Na política que está a ser seguida pela emissora espa -nhola, as redes sociais assumem também um papel rele-vante, tendo motivado a criação de um departamento

“A rádio tem que trabalhar o talento, o talento com som. Porque o som é o melhor meio para contar histórias”. (A. Balsebre)

Armand Balsebre

06_Tema_1:06_Tema_1.qxd 28-11-2011 12:42 Page 7

8|Out/Dez 2011|JJ

para os média sociais que tem por objectivo gerir oscomentários colocados pelos utilizadores, disponibilizaros títulos no Twitter e responder a questões levantadaspelos ouvintes através do Facebook.

Apesar desta revolução organizacional pela qual aCadena Ser está a passar, admitem os autores, o onlineainda não representa a principal plataforma da rádio. Aprioridade ainda está na versão tradicional, cenário que évisto com naturalidade uma vez que se trata de um pro-cesso que está em curso e que implica a mudança de roti-nas de produção.

No que diz respeito às principais rádios de informaçãoportuguesas, o cenário é ligeiramente diferente, a começarpela política relativamente às redes sociais,pois apesar de TSF, Antena 1 e RR estarem avincar cada vez mais a sua presença noFacebook e Twitter, ainda não possuem depar-tamentos próprios para o efeito.

TSF, RR e Antena 1 utilizam as redessociais, referiu Luís Bonixe na comunicaçãoque apresentou, sobretudo para divulgaremas notícias que já foram emitidas nos noticiá-rios da rádio e que estão disponíveis no site.Na mesma investigação, o autor concluiu queas redes sociais, em particular o Facebook,representam para as rádios de informaçãouma excelente plataforma para a abertura darádio aos seus ouvintes. Os utilizadores comentam, suge-rem notícias, dão informações e criticam a rádio utilizan-do o Facebook. No entanto, o feed-back que recebem darádio é muito reduzido. Efectivamente, os jornalistas ouos responsáveis pelas emissoras, raramente, ou nunca,entram na discussão ou respondem aos comentários quesão colocados pelos utilizadores.

A PERCEPÇÃO DA INTERNETHá, portanto, ainda um trabalho a realizar no modo comoos jornalistas em geral, e os da rádio em particular, olhampara a Internet e para quilo que ela pode trazer de vanta-joso para o seu trabalho.

É isso que uma equipa de investigadores daUniversidade do Porto está a estudar.

O objectivo é perceber como os profissionais vêem ainfluência da Internet nas práticas jornalísticas. O estudoinquiriu 30 jornalistas de quatro redacções de rádio emPortugal: TSF. Antena 1, Renascença e ainda do extintoRádio Clube Português.

Isabel Reis, uma das investigadoras do projecto, expli-cou que os jornalistas de rádio consideram que a Internettem uma influência positiva no jornalismo, no entantoconsideram que a rapidez, característica muitas vezesassociada à Internet, não é muito relevante no caso darádio.

Por outro lado, os jornalistas inquiridos revelaram quecontinuam a privilegiar as rotinas tradicionais, como o uso

do telefone, para contactar com asfontes, apesar de reconhecerem aInternet como uma boa ferramen-ta para procurar informação.

A Internet é ainda vista pelosjornalistas da rádio portuguesacomo uma boa plataforma para adistribuição de informação con-textualizada. No entanto, revela oestudo, no plano ético os jornalis-tas consideraram que a Internetaumenta o volume de informaçãodifícil de confirmar e têm dúvidasque a interactividade possa fazer

do jornalismo uma profissão mais credível aos olhos dopúblico.

O que parece muito claro para os jornalistas da rádioportuguesa é que “jornalismo do cidadão” e blogues nãosão jornalismo sério. Apesar disso, responderam os jorna-listas, as estações de rádio devem migrar para a Internetcomo forma de sobrevivência.

Essa migração passa pelo aproveitamento das poten-cialidades que a Internet pode oferecer à rádio e que seconstituam como uma vantagem. Fábio Ribeiro, douto-rando na Universidade do Minho, comparou os progra-mas com participação dos ouvintes na Antena 1 e TSF everificou que há diferenças entre eles no que diz respeitoao uso da Internet.

Conclui o estudo que o Fórum TSF é menos conserva-

TEMA 1 Congresso Radio Evolut ion

A redacção era hierárquica, estática e piramidal e passou para um modelo descentralizado e versátil no qual os editores do online e da rádio tradicional estão no centro.

06_Tema_1:06_Tema_1.qxd 28-11-2011 12:42 Page 8

JJ|Out/Dez 2011|9

dor no que diz respeito ao uso de ferramentas online, umavez que para participar no programa já não é necessárioutilizar apenas o telefone. A Antena Aberta é, neste aspec-to, menos abrangente.

Um outro estudo, apresentado por Nair Silva, douto-randa na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, con-clui que as principais rádios de informação portuguesasestão ainda longe de aproveitarem as potencialidades daInternet. A autora comparou os sites da TSF, Antena 1, RRe do extinto Rádio Clube Português com a BBC e concluiuque o site britânico é mais simples e apresenta “maior line-aridade na exposição das notícias e uma larga arquitectu-ra que dispõe tudo o que o ouvinte/utilizador necessitasem sobrecarregar o olhar. Um siterenovado e que fomenta a relaçãocom o ouvinte, à semelhança doque acontecia com a rádio tradi-cional, ao abrir a sua porta deentrada e fazer com que se sintaem contacto com a estação”.

Há, portanto, um enormecampo a desbravar no que diz res-peito à investigação científicasobre a rádio em Portugal. Nessesentido, uma equipa de investiga-dores do Centro de Estudos deComunicação e Sociedade daUniversidade do Minho, lideradapor Madalena Oliveira, vai pôr em prática o projecto deinvestigação intitulado “Net Station: shaping rádio forWeb environment” com o objectivo de “perspectivar arádio no contexto da Internet e os novos formatos narrati-vos do som adequados a ambientes de maior interacção”.

MAIS VÍDEO NO NOVO SITE DA RENASCENÇANuma altura em que assinala 75 anos de existência, aRádio Renascença associou-se ao Congresso RadioEvolution e aproveitou para renovar o seu site.

As alterações efectuadas são notórias e passam sobretu-do por uma maior presença do vídeo nos conteúdos infor-mativos. Trata-se, afinal de contas, da colocação em práti-ca de uma ideia que tem vindo a ser reafirmada pelos seus

responsáveis há algum tempo e que passa por criar noseio da RR uma webtv.

Essa aposta ficou agora muito mais clara com o site RRV+ Informação. Trata-se de um site alojado no Sapo quedisponibiliza conteúdos informativos em vídeo produzi-dos na redacção da Renascença.

O lançamento de um jornal em PDF, o Página 1, ou atransmissão em directo com vídeo da visita de Bento XVI,em 2010, são dois exemplos do que de mais interessante ogrupo r/com tem feito no campo da informação online. Arenovação do site e a aposta no vídeo vêm por isso nasequência da política que está a ser seguida na emissoracatólica.

Também na TSF ocorreram mudanças nofinal do Verão, embora menos visíveis para oscibernautas. João Paulo Menezes é agora oeditor multimédia da rádio de informação, oque no entanto não vai implicar mudançassignificativas no site.

A prioridade, conforme explica, vai para a“integração, cada vez maior, entre as duasredacções, tentar fazer com que haja cada vezmais contributos do offline, seja ao nível detextos seja de fotos ou vídeos. Vamos deixar asnovidades para mais tarde”.

Esta será a principal aposta, uma vez que,refere João Paulo Menezes, “no caso da TSFdetecto uma indesejável separação entre as

duas redacções, explicada por vários factores, sobretudohistóricos. Acredito que seja possível inverter”.

Para o editor online da TSF, a Internet é o sítio ondecada vez mais ouvintes estão e por isso “nós temos de láestar”. E estar online significa adequar a mensagem aomeio uma vez que “o que funciona bem na rádio tende afuncionar mal na web, porque há características que não sepodem transpor directamente; por isso precisamos de pro-curar enriquecer os textos do site com outros elementos”.

A Interactividade, conclui João Paulo Menezes, é “outrodos pontos em que podemos tirar partido da presença naWeb. A web é por natureza interactiva. Cada vez mais. Enós não só não devemos ter medo como devemos tirarpartido”.

Para os jornalistas da rádio portuguesa “jornalismo do cidadão” e blogues não são jornalismo sério. Apesar disso, as estações de rádio devem migrar para a Internet como forma de sobrevivência.

JJ

06_Tema_1:06_Tema_1.qxd 28-11-2011 12:43 Page 9

JJ - O que se está a passar com a rádio? É uma revolução ou

uma evolução?

Guy Starkey – Bom, pode ser uma revolução e uma evolu-ção. Está-se a passar muita coisa na rádio. Umas devagar,outras muito rapidamente. O que se está a passar muitodevagar é que a rádio está a passar para a transmissãodigital. No caso do Reino Unido está a ser mais rápido doque noutros países. Actualmente teremos um terço deouvintes através de meios digitais, o que é muito bom,mas noutros países isso está a passar-se mais lentamente.Neste caso é uma evolução.

O que é uma revolução é, por exemplo, o modo comoa rádio se está a actualizar utilizando a tecnologia eplataformas multimédia. Muitas rádios já permitem quepossamos ouvir nos telemóveis, mas não apenas ouvir,como interagir com a rádio de diferentes modos. E claro,a Internet. Muitas rádios estão na Internet já não apenascom a grelha de programação mas com outras possibili-dades como ouvir um programa que foi emitido na se -mana passada, por exemplo. As rádios também estão aconstruir comunidades através das redes sociais. Porisso, as rádios estão a fazer um uso muito extenso daWeb. JJ – Então há um futuro para a rádio? Pergunto-lhe isto por-

que vários académicos e profissionais dizem que a rádio

estará morta dentro de 5 ou 10 anos. O que pensa disso?

Guy Starkey - Eu acho que ninguém pode dizer isso, por-que o Mundo pode acabar dentro de 5 anos…

Nos anos 60, algumas pessoas diziam que a televisãoiria matar a rádio e isso não aconteceu. Acho que o queagora pode matar a rádio é nos esquecermos que a rádiotem inúmeras forças. Uma das grandes forças da rádio éque podemos nos envolver com a rádio. A rádio pode serum complemento simplesmente porque a podemos escu-tar quando estamos a fazer outra coisa qualquer. A rádio éo único meio que podemos consumir enquanto conduzi-mos o carro, enquanto nos deitamos, enquanto nos reuni-mos com outras pessoas… Talvez na maior parte destassituações não estejamos a ouvir rádio, mas se há algo quenos interessa começamos a prestar muita atenção ao que arádio está a emitir. A rádio tem um grande potencial para

continuar a existir. Outros média requerem muita danossa atenção e talvez muitos desses média não consigamsobreviver. O que quer que vá acontecer, nós continuare-mos a ter apenas 24 horas por dia e se eu tiver que“Twitar”, e se eu tiver que fazer muitas outras coisas querequerem muita atenção, talvez eu não vá ter tempo paratodas elas, mas continuarei a ter tempo para ouvir rádioenquanto estou a fazer outras coisas.JJ – E o jornalismo radiofónico? De acordo com o que aca-

bou de dizer, existem blogues, redes sociais que competem

todos pelo mesmo. Então qual será o papel do jornalismo na

rádio?

Guy Starkey – Muita gente fala do jornalismo do cidadãoe que não precisamos de jornalismo profissional, porqueum dia teremos tantos cidadãos jornalistas que não pre-cisaremos do jornalismo enquanto profissão. Bom, segostamos da ideia do jornalismo do cidadão, como enca-ramos a possibilidade do cidadão-cirurgião? Se precisa-mos de uma cirurgia ao cérebro vamos querer quealguém sem treino nos faça essa operação? Não, não meparece. Eu acredito que teremos sempre necessidade dejornalismo profissional que terá autoridade e no qual aspessoas poderão confiar. Desde que as pessoas precisemde informação confiável, irão sempre procurar jornalis-mo profissional, apesar de haver outras fontes de infor-mação. O jornalismo tem uma regulação que nos ajuda,por exemplo, a distinguir de outras formas como a pro-paganda. Por isso, o jornalismo terá sempre um objecti-vo a cumprir.JJ – Em que ponto está a investigação em rádio na Europa?

Guy Starkey – É sempre bom ter pessoas de vários paísesque se juntam, conversam e descobrem que no seu paísse estão a fazer coisas que no meu país também se estãoa fazer. Por isso, é muito bom poder partilhar esse trabal-ho. Podemos perceber que há coisas que foram trabalha-das no seu país que também têm interesse para mim.Estamos a falar da criação de um corpo de investigaçãona Europa que representa um valor para todos, incluin-do os profissionais da rádio. Por isso, eu entendo que ainvestigação em rádio é muito importante e vai conti-nuar no futuro.

10|Out/Dez 2011|JJ

Guy Starkey à JJ“A rádio tem um grande potencialpara continuar a existir”No futuro poderemos não ter tempo para outros media, mas teremossempre para ouvir rádio

TEMA 1 Congresso Radio Evolut ion

JJ

06_Tema_1:06_Tema_1.qxd 28-11-2011 12:43 Page 10

JJ|Out/Dez 2011|11

“Desde que as

pessoas

precisem de

informação

confiável, irão

sempre procurar

jornalismo

profissional,

apesar de haver

outras fontes de

informação.”

06_Tema_1:06_Tema_1.qxd 28-11-2011 12:43 Page 11

12|Out/Dez 2011|JJ

Congresso de Históriados Media e do Jornalismo

Com um olhono passado dos media e outro no presentedas democraciasO 1º Congresso Internacional de História dos Media edo Jornalismo, organizado pelo Centro de InvestigaçãoMedia e Jornalismo (CIMJ) nos dias 6 e 7 de Outubro,na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas daUniversidade Nova de Lisboa, provou que jápassaram… à história os tempos em que este debate sefazia entre amigos, sempre poucos e sempre os mesmos.Há cada vez mais pessoas a investigarem o passado dejornais, rádios e televisões, convictas de que as formasde articulação dos media com a sociedade, a política e astecnologias são uma chave vital para a compreensão dosprocessos de transição e mudança social.

Texto Carla Baptista Fotos Patrícia Contreiras

Amaioria dos estudantes que assistiu aosdois dias de debate - distribuído por 10 ses-sões temáticas e duas plenárias, para alémda sessão de abertura, em que usou dapalavra Nelson Traquina, presidente do

CIMJ - ficou convencida que a história não se ocupa só deobjetos de estudo empoeirados.

A comunicação apresentada por Alberto Arons deCarvalho, docente na FCSH, e Paulo Faustino, investiga-dor do CIMJ e presidente da Media XXI, é um bom exem-plo de como o olhar histórico ajuda a fundar as decisõesdo presente e a elaborar recomendações para o futuro. Osdois analisaram as políticas públicas, modelos de apoio e

respetivos impatos dos incentivos estatais atribuídos aosmedia regionais e locais portugueses.

A conclusão principal foi a de que os apoios, tanto dire-tos (por exemplo, verbas para aquisição de equipamento)como indiretos (o incentivo à leitura de jornais regionaisatravés do porte pago) ajudaram a modernizar as empre-sas ao nível da qualidade e da visibilidade do seu produ-to final, mas não melhoraram a sua performance econó-mica.

Nalguns casos, as empresas mais apoiadas foram asque tiveram piores resultados financeiros. Os autoresrecomendam que a lógica destes apoios seja pensada deforma mais abrangente, focada na inovação, na partilha

TEMA 2

12_Historia:12_Historia.qxd 28-11-2011 12:45 Page 12

JJ|Out/Dez 2011|13

de conhecimentos e na dinamização de uma indústriacriativa que possa incluir todos, mesmo aqueles que, porjá serem menos competitivos, ficam (quase) sempre defora.

A história do jornalismo em Portugal saiu mais ricadeste congresso, seja pelo contributo de comunicaçõesmais teóricas, centradas na análise de processos de transi-ção (ilustrado pela desigual, mas progressiva, "ocupação"das bancadas da Assembleia Nacional por mulheres, cujasimplicações foram estudadas por Ana Cabrera), seja poroutras intervenções centradas em personagens cuja acçãoe biografia fizeram a diferença no seu tempo (um dosnomes recordados foi o de Maria de Lourdes Pintassilgo,

por Carla Martins), em títulos singulares (um bom exem-plo são os jornais humorísticos que floresceram durante aI República, inventariados pelo director da HemerotecaMunicipal de Lisboa, Álvaro de Matos) ou em episódiospouco conhecidos (como as "purgas" ou "saneamentos"nos meios de comunicação social levados a cabo já depoisdo 25 de Abril, analisados pela historiadora Maria InáciaRezola; a importância dos conflitos ocorridos na RádioRenascença a partir de 30 de Abril de 1974 para a defini-ção do novo regime, apresentado por Paula BorgesSantos; o papel das mulheres jornalistas que foram pio-neiras, salientado por Maria João Silveirinha e IsabelNobre Vargues, da Universidade de Coimbra; ou a inten-

12_Historia:12_Historia.qxd 28-11-2011 12:45 Page 13

14|Out/Dez 2011|JJ

sa conflitualidade que se viveu nos jornais portuensesdurante o PREC, tema introduzido por Helena Lima, daUniversidade do Porto).

São apenas alguns exemplos de um encontro que pro-curou estabelecer pontes com a Espanha e o Brasil, convi-dando investigadores desses países para refletirem sobremomentos comuns da história. Marialva Barbosa, daUniversidade Tuiuti do Paraná, evocou o caminho percor -rido desde o momento funda-dor para a instauração daimprensa no Brasil, o ano de1808, com a publicação daGazeta do Rio de Janeiro, até àfase em que os jornais se trans-formaram naquilo que chamoude "fábricas de notícias".

As imagens que aquelainvestigadora mostrou de impo-nentes edifícios-sede de jornaisque, na viragem do século XIXpara o século XX se tornaram símbolos de modernidade napaisagem urbana das principais cidades brasileiras, têmmuito em comum com a história de títulos portugueses,como o Diário de Notícias e o Século, em Lisboa; o Primeirode Janeiro ou o Jornal de Notícias, no Porto.

Vários professores espanhóis trouxeram à FCSH umareflexão sobre o papel desempenhado pela imprensadurante a transição naquele país, num processo que temalgumas semelhanças (e muitas diferenças) com a situaçãovivida em Portugal durante o período marcelista.

Jaume Guillamet, da Universidade Pompeu Fabra, deBarcelona, traçou o caminho que a Espanha percorreudesde a promulgação da lei de 1966, ainda durante o regi-me de Franco, que suprimiu a censura prévia sem contu-do ter abolido o controle governamental sobre os jornais,

até às eleições de 1977 e a consequente aprovação daConstituição de 1978, momentos que permitiram, e só aí,a instauração de um regime democrático.

Rafael Quirosa, da Universidade de Almería, introduziuainda mais matizes, ao referir que não existiu unanimidadena imprensa espanhola em torno da ideia de democratiza-ção: se alguns jornais foram apoiantes activos e até prota-gonistas e impulsionadores desse processo, outros foram

forças conservadoras e bloqueadoras. Salientouque, ao contrário da revolução portuguesa, ademocracia chegou à Espanha por via de umanegociação gradual, planeada e conduzida por eli-tes políticas, com reflexos importantes nas formasde cobertura jornalística então encetadas.

Os jornalistas e o seu processo histórico deprofissionalização também foram sujeitos cen-trais deste congresso, com diversas comunicaçõesa abordarem momentos importantes dessa lutaque se travou em várias frentes. Uma delas foi nocampo da formação profissional, e vários investi-

gadores abordaram a questão do ensino do jornalismocomo uma reivindicação antiga da classe.

Renato Mendes apresentou um resumo do que foi oatribulado processo de entrada dos jornalistas portugue-ses na universidade, com a criação, em 1979, da primeiralicenciatura em Comunicação Social, na FCSH. O contex-to histórico era o do V Governo Constitucional, lideradopor Maria de Lourdes Pintassilgo, e o curso inseria-senum movimento de investimento e reforço das ciênciassociais e humanas em Portugal, entre elas as ciências dacomunicação. Mas a designação de "comunicação social",porventura errada face aos conteúdos vincadamente teóri-cos (de natureza semiológica e filosófica mais do que jorna-lística) que essa primeira licenciatura advogava, criaramequívocos entre os jornalistas portugueses, na altura ainda

TEMA 2 Congresso de Histór ia dos Media e do Jornal ismo

O encontro procurou estabelecer pontes com a Espanha e o Brasil, convidando investigadores desses países para refletirem sobre momentos comuns da história.

12_Historia:12_Historia.qxd 28-11-2011 12:45 Page 14

JJ|Out/Dez 2011|15

muito divididos pelo rescaldo da revolução de Abril. Outra fonte importante de legitimação social foram os

consensos, árduos e lentos, que os jornalistas foram sendocapazes de construir em torno da ideia de autoregulação.Carlos Camponez, da Universidade de Coimbra, fez umresumo em 5 fases desse processo, desde 1933 até à actuali-dade, demonstrando como, sendo verdade o lugar comumque é dizer-se que os jornalistas em Portugal não têm umaverdadeira tradição de autoregulação, já exis-tem mais de meio século de lutas, definições einstituições que definiram a face de consensoséticos e deontológicos decisivos para a afirma-ção da profissão.

Para aquele investigador, o período deco-rrido entre 1990 a 2010 foi o mais paradoxal,marcado pela liberalização do setor dosmedia, pela intenção do Estado de se desvin-cular das questões ético-profissionais, pelaerosão da representatividade do Sindicato dosJornalistas (que, até aí, representava a grandemaioria dos profissionais) e pela emergência de novosmecanismos reguladores, hetero e auto, como a EntidadeReguladora da Comunicação Social e a Comissão daCarteira Profissional de Jornalista.

O encontro provou o vigor da história dos media e dojornalismo, que não é mais o parente pobre das disciplinasque se cruzam com as ciências da comunicação. Mesmosub-áreas mais específicas, como a história da ilustração,da gravura ou da fotografia de imprensa são hoje em diaalvo de interesse por parte de grande número de estudan-tes, alguns muito jovens e fazendo a sua formação em dis-ciplinas como a história de arte.

Afonso Cortez-Pinto apresentou uma comunicaçãosobre o Notícias Ilustrado, uma publicação dirigida porLeitão de Barros no final da década de 20 do século XX,

demonstrando como o uso de uma técnica pioneira emPortugal na altura, a rotogravura, permitiu a "invenção" ea progressiva experimentação de conceitos como a fotore-portagem e a fotomontagem, revigorando o género da"revista ilustrada", que rapidamente se tornou um sucessode vendas e de popularidade.

Outros participantes trouxeram um contributo para ahistória da rádio, casos de Carlos Canelas, do Instituto

Politécnico da Guarda, que recor-dou a Rádio Altitude, fundada em1946, como a emissora radiofónicalocal mais antiga de Portugal; e deLuís Bonixe, da Escola Superior deEducação de Portalegre, que sedebruçou sobre duas estaçõesemblemáticas, em momentos dis-tintos, da história da rádio portu-guesa: o Rádio Clube Português,nos anos 60, e a TSF, nos anos 80.

Nelson Ribeiro, da UniversidadeCatólica Portuguesa, focou as relações entre a BBC ePortugal durante a II Guerra Mundial, quando aquela esta-ção inglesa transmitiu para o país em ondas curtas notíciassobre o conflito. A investigação de Nelson Ribeiro demons-tra como Salazar interferiu nessas transmissões, influencian-do a contratação e a demissão de funcionários da secçãoportuguesa e garantindo a supressão de assuntos queferiam a ideologia do regime.

No final do encontro, em jeito de balanço, alguém naassistência comentou que a crise no jornalismo tambémirá ter reflexos nas investigações históricas que, no futuro,se vierem a fazer: cada vez mais virtual, efémero e des-alentado, que vestígios ficarão deste novo jornalismo paraque, daqui a uns anos ou uns séculos, poderem vir a ins-pirar as futuras gerações?

O encontro provou o vigor da história dos media e do jornalismo, que não é mais o parente pobre das disciplinas que se cruzam com as ciênciasda comunicação.

JJ

Investigadores portugueses, espanhóis

e brasileiros, e também com a presença

de muitos estudantes, participaram

nos dois dias de debate

12_Historia:12_Historia.qxd 28-11-2011 12:45 Page 15

16|Out/Dez 2011|JJ

Novo livro da coleçãoMedia e JornalismoJornais, Jornalistas e Jornalismo. Séculos XIX-XX, novo livro da coleçãoeditada pelo CIMJ e Livros Horizonte, coordenado por Ana Cabrera,foi apresentado numa sessão em que o pioneirismo de JoséTengarrinha foi sublinhado.

«Trata-se, no seu conjunto, de um valio-so contributo para a história da nossaimprensa e do nosso jornalismo, reu-nindo estudos que contemplam umvasto período temporal, que vai

desde meados do s. XIX até ao pós-25 de Abril. E sãocontributos como este, tal como outros já publicados emlivro ou em revistas, que a pouco e pouco nos vão per-mitindo ir construindo uma imagem cada vez mais com-pleta da evolução da nossa imprensa e do nosso jorna-lismo”, afirmou Fernando Correia na sessão de apresen-tação.

Imagem esta, continuou, “que, mais tarde ou maiscedo, nos levará, dizendo melhor, nos imporá, a concre-tização de uma aspiração que, no íntimo, cada um denós acalenta: a construção, necessariamente coletiva, deuma história da imprensa e do jornalismo em Portugal.”

O livro inclui textos de Ana Cabrera (jornais Espectro eQuadrante), Jorge Pedro Sousa(Eduardo Coelho e o Diário deNotícias), Álvaro Costa de Matos (jor-nais Pátria e 57 e biografia do jornalis-ta Adolfo Simões Müller), FernandoCorreia e Carla Baptista (vespertinosDiário Ilustrado, Diário Popular, Diáriode Lisboa e A Capital), Helena Lima(Jornal de Notícias) e ainda um texto deJorge Borges de Macedo sobre episte-mologia da informação.

Na sua intervenção, Fernando Correia fez questão desalientar que, “aqui e agora, neste nosso 1º Congresso,se impõe uma referência muito especial áquele que, jus-tificadamente, podemos considerar o pioneiro dos estu-dos modernos, e com base científica, sobre a história daimprensa portuguesa. Não é por acaso que quase todosnós, os que investigamos e escrevemos sobre este domí-nio, em algum ou alguns dos nossos trabalhos, tenha-mos sentido a necessidade de consultar e citar a Históriada Imprensa Periódica Portuguesa, cuja 1ª edição é de 1965e a 2ª, revista e aumentada, de 1989.”

Depois de fazer uma breve resenha da vasta obra deTengarrinha nesta área de investigação e de recordaralgumas traves mestras das linhas orientadoras do seutrabalho, Fernando Correia concluiu:

“Eis as razões pelas quais, a pretexto do lançamentodeste livro, me parece justo e oportuno, eu diria mesmoindispensável, evocar aqui José Tengarrinha – que aliás,

segundo sei, se encontra atualmente,com os seus quase 80 anos, a traba -lhar arduamente no seu próximolivro.

“Evocá-lo, no sentido em que, dealgum modo, o poderemos conside-rar o patrono, ausente e simbólico,deste 1º Congresso. Evocá-lo, final-mente, para, com o nosso aplauso,lhe prestar a homenagem que justa-mente merece.”

TEMA 2 Congresso de Histór ia dos Media e do Jornal ismo

JJ

12_Historia:12_Historia.qxd 28-11-2011 12:45 Page 16

17:Layout 1 28-11-2011 12:47 Page 1

18|Out/Dez 2011|JJ

Ana Sofia Fonseca e Sofia Lorena à JJ

No príncipioeram as históriasTexto Carla Baptista Fotos José Frade

ENTREVISTA

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 18

JJ|Out/Dez 2011|19

Duas das premiadas com o Prémio Gazeta de Jornalismo, 2010, AnaSofia Fonseca (na categoria Televisão, com a reportagem “O meunome é Portugal”, exibida pela SIC) e Sofia Lorena (na categoriaImprensa, com uma série de reportagens sobre o Iraque publicadasno Público), atribuído pelo Clube de Jornalistas, falaram com a JJsobre os desafios e as alegrias que resultam do exercício do jornalismoem tempos de crise económica, mudança tecnológica e busca denovos modos de relação com o público.

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 19

20|Out/Dez 2011|JJ

JJ - Este desafio de falarmos, a três vozes, sobre o exercício

do jornalismo, é confortável para vocês?

Sofia Lorena (SL) – Falar sobre jornalismo, falamos todosentre nós, vamos falando. Mas a parte de estar do “outrolado”, numa situação formal de entrevista, não me é natu-ral. Ana Sofia Fonseca (ASF) – É muito mais fácil colocarquestões e insistir nesta coisa que às vezes acho que é umbocadinho esquecida, que é perguntar “o porquê”. Paramim é impossível estar do outro lado sem pensar: “qual éa pergunta que vem a seguir”.

JJ - Os jornalistas falam muito da sua profissão?

ASF - Talvez todas as classes profissionais sejam assim,mas os jornalistas têm tendência para discutir muito.SL - É perfeitamente possível que essa discussão não sefaça tanto como se deveria fazer. Instalam-se rotinas eautomatismos e eu desconfio que nem toda a gente…Estava a lembrar-me do curso do Comité [Committee ofConcerned Journalists, sediado em Washington]. Tive umaconversa, num grupo de jornalistas, com uma amiga queachava que o processo de selecção devia ser algo quepremiasse o bom jornalismo. Um critério desses seriaarriscado, porque o essencial para se fazer um cursodaqueles é estar aberto ao autoquestionamento e eutenho medo que nem todos os bons jornalistas tenhamessa disponibilidade. Teria medo que acabasse por se tor-nar um desperdício. Na minha carta de motivação, escre-vi algo como “pode parecer estranho, mas eu não tenho tempopara pensar no que estou a fazer, gostava de ter duas semanacom voçês aí, a pensar”. No ritmo louco da redação, em queos meios são cada vez menos e as solicitações são cadavez mais, é fácil perder esse exercício que tem de ser per-manente.ASF - Não é estranho um jornalista não estar disposto aquestionar-se? O debate de ideias é inerente à profissão.Quando isso não acontece, é sinal que algo grave está apassar-se. Infelizmente, sei que acontece. Basta conhecerum bocadinho das redações para perceber que, muitasvezes, as pessoas acabam por cair na pior das rotinas.

JJ - O tempo para conversar e pensar desapareceu do quoti-

diano dos jornalistas?

ASF – Antigamente, as pessoas saiam juntas da redacçãoe acabavam por ir jantar, beber um copo, faziam tertúliasem que se debatia muito o jornal, o país, a vida, o mundo!Noto que esse hábito se perdeu. Quando comecei na pro-fissão, uma das coisas que me fascinou no jornalismo foi omundo que trazia consigo. SL - Uma coisa que me assustou no Público, quando entrei,é que não havia um único espaço onde as pessoas seencontrassem, só tinha tinha secretárias, escadas…

JJ – Sobravam os degraus…

SL - Dentro do edificio, quem conversa são os fumadores,

porque há salas de fumo. A Teresa de Sousa, uma fumado-ra convicta, diz que na sala de fumo se resolvem muitascoisas. É assustador, porque esse espaço não existe e issodiz algo sobre o nosso quotidiano. As tertúlias depois dojornal, eu percebo que já não seja possível. Depois de 13ou 14 horas de trabalho, tu queres é ir deitar-te. Já nemconsegues falar …ASF - O modo de estar na profissão é diferente. O jorna-lismo está cada vez mais industrializado e subordinado auma lógica empresarial. Só ainda não “picamos” o ponto.SL - Não tenho uma ideia tão pessimista. Na redaçãoonde estou há 10 anos, por causa da necessidade de nosreinventarmos, nos últimos anos houve vários momentosem que a redação foi chamada a contribuir com ideiaspara mudar o jornal.

JJ – As pessoas participam?

SL - A generalidade das pessoas, sim. Os mais jovens par-ticipam mais.

JJ – Estão mais motivados?

SL – Quando eu cheguei ao Público, o pessimismo já exis-tia, portanto, se calhar, os jornalistas inventaram o pessi-mismo. O jornalismo tem enfrentado desafios tão pesadosde sobrevivência de modelo económico, acho que a nossacrise precede a crise geral e isso justifica que existam pes-soas de uma determinda faixa etária que estão cansadas.Já só querem que o jornal não feche antes do fim da suavida profissional.

JJ – Talvez os mais novos estejam mais mobilizados para

participar em processos de mudança porque não têm memó-

ria de um tempo sem crise no jornalismo.

SL – Sentem-se mais interpeladas pelo desafio, porque vaiacompanhá-las a vida toda. Sabemos que as formas de jorna-lismo que praticamos hoje já não vão existir daqui a uns anos.Queria sublinhar que no Público tem havido alguns processosque obrigam as pessoas a pensar. Não sei se estes momentosde discussão coletiva mais aberta existem em todas as redaçõ-es … o que não quer dizer, depois, que as nossas opiniõessejam tidas ou achadas, muita discussão se perde. ASF – Estamos a viver um momento complicado mas eulembro-me que há dez ou 11 anos, nas escadas do Público,precisamente, já se falava dos despedimentos, dos proble-mas, da ideia que o jornal em papel ia acabar… Portanto,nada disto é tão novo quanto possa parecer.SL – Sim, eu vivo vom a crise desde o início.ASF – Crise já é uma palavra familiar.SL – Uma palavra velha.ASF – Nós já crescemos profissionalmente no contextodas mudanças no jornalismo. A resposta depende muitodas pessoas, se tens ou não vontade, se deixaste ou não arotina vincar-te. O dia-a-dia marca, deixa rugas, será quedeixaste que essas rugas saissem do rosto e ficassem maisprofundas? Quando falo em rugas não é no sentido de

ENTREVISTA Ana Sof ia Fonseca e Sof ia Lorena

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 20

JJ|Out/Dez 2011|21

ASF - O modo de estar na profissão é diferente. O jornalismoestá cada vez mais industrializado e subordinado a uma lógicaempresarial. Só ainda não “picamos” o ponto.

SL - Não tenho uma ideia tão pessimista. Na redação onde estouhá 10 anos, por causa da necessidade de nos reinventarmos, nosúltimos anos houve vários momentos em que a redação foichamada a contribuir com ideias para mudar o jornal.

SL - Estamos a viver um momento complicado mas eu lembro-me que há dez ou 11 anos, nas escadas do Público, precisamente,já se falava dos despedimentos, dos problemas, da ideia que ojornal em papel ia acabar… Portanto, nada disto é tão novoquanto possa parecer.

ASF - Sempre me lembro da palavra “impossível” aplicada atudo: é preciso fazer cortes, já ninguém lê jornais, nada depensar em fazer isto e aquilo. Enquanto freelancer, ainda pior,não é? Nunca havia possibilidade. Se há uma boa história paracontar, tenho que mostrar que é uma boa história. Às vezesconsigo, outras não.

Ana Sofia Fonseca Sofia Lorena

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 21

22|Out/Dez 2011|JJ

idade, mas no sentido do peso do dia-a-dia. Acho que secontinuares com os porquês todos às voltas na cabeça,continuas a debater o jornalismo, a pensar a organizaçãodo sítio onde trabalhas e a forma como podes fazer as coi-sas diferentes e melhores. SL - Com maior ou menor esforço, toda a gente faz isso.A diferença é, quando essas tais rugas se instalam, as pes-soas têm tendência para criticar mais do que para pensarem alternativas.

JJ – Voltando a uma das máximas do curso do CCJ, a forma

de contar uma história muda bastante colocando o foco na

solução e não no problema.

SL - O que faz realmente a diferença é passar da crítica,da repetição do “isto está mal!” para uma atitude maisconstrutiva. Estava a lembrar-me, há pouco quando fala-vas dos despedimentos que sempre existiram, quandoentrei no Público também já se dizia que não havia dinhei-ro para viajar …era uma inevitabilidade, não havia! A ver-dade é que eu já fiz umas quantas viagens e nunca acredi-tei que fosse possível deixar de haver dinheiro para viajar.Não há, mas vai havendo. ASF - Sempre me lembro da palavra “impossível” aplica-da a tudo: é preciso fazer cortes, já ninguém lê jornais,nada de pensar em fazer isto e aquilo. Enquanto freelancer,ainda pior, não é? Nunca havia possibilidade. Se há umaboa história para contar, tenho que mostrar que é uma boahistória. Às vezes consigo, outras não. Mas não posso cru-zar os braços, é preciso ir à luta. Enquanto freelancer, fuipara Timor, fui para a Bósnia, fui para o Quénia, fui paratantos sítios em alturas que nunca eram boas, sem fundode maneio, sem nenhuma daquelas coisas que parecemóbvias para quem trabalha numa redação mas que paramim são uma novidade.

JJ - Voçês trabalham em contextos profissionais diversos,

não só porque o meio é diferente – um jornal e uma televi-

são - mas também porque a Sofia Lorena está numa redac-

ção, tem pessoas com quem discute directamente o trabal-

ho, algumas com capacidade de decisão direta sobre ele. A

Ana Sofia é freelancer, responde também a uma hierarquia,

mas de forma mais episódica. Gostas de ser freelancer?

ASF - Ah, completamente!

JJ – Em que medida esse estatuto interfere na tua relação

com a profissão?

ASF - Eu já sou freelancer há muito tempo, sempre foi umaopção porque acho que me habituei um bocadinho a estaliberdade aparente de poder fazer mais os temas quegosto e investir mais tempo no trabalho. É uma liberdadeaparente porque acabo por trabalhar ainda mais horas doque se estivesse fixa num sítio. Todas aquelas noções deferiados, fins de semana, férias, desapareceram completa-mente! Acho que perdi esse domínio do tempo que noinício era tão atrativo. Em termos de hierarquias, neste

momento trabalho muito com a SIC, e portanto falo com adirecção de informação.

JJ – Hoje em dia fala-se em jornalismo e em jornalistas sem

redacção. A redacção, enquanto espaço humano e físico,

ainda é importante para o jornalismo?

SL - Acho que sim…

JJ - Refiro-me não só ao lugar onde há pessoas que nos

dizem o que fazer e distribuem serviços, mas também um

local de trocas de saberes e experiências que durante tan-

tos anos, na história da profissão, funcionou como o único

espaço de socialização dos jornalistas, onde se aprendiam

as regras e os valores.

SL – Sim, é a ideia da força do coletivo e do conjunto. Porisso hesitei um pouco, porque essa razão que faz a forçada redação está a perder importância, há cada vez menospessoas envolvidas. A redação do Público ainda é isso, mascada vez menos. Enquanto as redações forem espaços quejuntam experiências, saberes e contextos diferentes, uni-dos por um conjunto de regras e por uma ética, faz senti-do defendê-las. Durante o jantar de entrega do PrémioGazeta, falei deste assunto com o Adelino Gomes, a propó-sito dos cursos de Ciências da Comunicação, e do fato dehaver cada vez menos jornalistas formados noutras áreas.Ainda existe a ideia de que as redacções têm de ser umconjunto de muitas coisas e pessoas diversas e só assim éque fazem sentido.

JJ – Quais são as ameaças?

SL – Existe um risco de extinção, com os mais velhos a sai-rem e os mais novos a não entrarem... Se percebermos quea nossa mais valia é precisamente termos esta tradição, einvestirmos nisso, podemos continuar a fazer sentidomais algum tempo. Não sei até quando, porque não seicomo é que o jornalismo vai evoluir.

JJ - Há uma previsão de um autor norte-americano, Philip

Meyer, num livro chamado Vanishing Newspapers, de que o

jornalismo em papel acaba em 2043.

ASF – Também há quem diga que o mundo acaba em2012…Não acredito nisso. Enquanto houver histórias,haverá jornalismo, e algum jornalismo continuará a sercontado no papel.SL - O mundo é muito grande. Não estamos todos namesma fase de desenvolvimento. A democracia está a che-gar a uma série de países agora mesmo. O jornalismo, nes-ses países, ainda não cumpre o seu papel, e há-de vir acumprir. Para eles, provavelmente, a fase boa vai começarquando nós já estamos em declínio. ASF - As coisas são cíclicas, aos períodos de crise sucedemperíodos de bonança. O jornalismo está a atravessar umafase muito feia, mas é um pilar da democracia e da socie-dade e por isso terá sempre de existir. A não ser que, real-mente, o mundo em que nós vivemos mude radicalmente.

ENTREVISTA Ana Sof ia Fonseca e Sof ia Lorena

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 22

JJ|Out/Dez 2011|23

SL – O jornalismo pode coexistir com os blogues, com os twiters, com osposts nas redes sociais e com todas as formas que qualquer pessoa tem hojede se expressar publicamente, ainda bem que existem! Mas não setransformam em jornalismo apenas porque existem no espaço público.

ASF – O jornalismo tem uma série de regras e tem princípios éticos. Tambémnão acho que os blogues e as outras formas de comunicação sejam umaameaça, tudo pode coexistir. As redações talvez voltem a ganhar importânciaporque são os tais espaços orientadores e definidores da acção dos jornalistas,onde estão os saberes, as vidas, os mundos diferentes.

SL - O mundo é muito grande. Não estamos todos na mesma fase dedesenvolvimento. A democracia está a chegar a uma série de países agoramesmo. O jornalismo, nesses países, ainda não cumpre o seu papel, e há-devir a cumprir. Para eles, provavelmente, a fase boa vai começar quando nós jáestamos em declínio.

ASF - As coisas são cíclicas, aos períodos de crise sucedem períodos debonança. O jornalismo está a atravessar uma fase muito feia, mas é um pilarda democracia e da sociedade e por isso terá sempre de existir. A não ser que,realmente, o mundo em que nós vivemos mude radicalmente.

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 23

24|Out/Dez 2011|JJ

JJ - O que, pensando bem, é possível…

ASF – A necessidade de contar histórias é inerente ao serhumano, nós crescemos com o “era uma vez” e isso fazparte da nossa natureza. Nas sociedades modernas, o jor-nalismo é um bocadinho este “era uma vez” aplicado àrealidade, tem esta função importante de denúncia, deobservação e de alerta, de trazer para casa e de pôr à dis-cussão. Isso é muito valioso. Por muito que o mundomude, e acho que não devemos ter medo das mudanças,enquanto houver homens e mulheres, haverá jornalismo.

JJ – Uma parte do problema tem sido conseguir garantir o

convívio e, ao mesmo tempo, a sobrevivência do jornalismo

com outras formas de comunicação que ocupam o mesmo

espaço.

SL – O jornalismo pode coexistir com os blogues, com ostwiters, com os posts nas redes sociais e com todas as for-mas que qualquer pessoa tem hoje de se expressar publi-camente, ainda bem que existem! Mas não são jornalismo,até podem ser, eventualmente, se alguém as fizer cum-prindo determinadas regras e com determinados níveisde qualidade. Mas não se transformam em jornalismoapenas porque existem no espaço público. ASF – O jornalismo tem uma série de regras e tem prin-cípios éticos. Também não acho que os blogues e as outrasformas de comunicação sejam uma ameaça, tudo podecoexistir. Voltando à nossa conversa anterior sobre as reda-ções, talvez voltem a ganhar importância porque são ostais espaços orientadores e definidores da acção dos jorna-listas, onde estão os saberes, as vidas, os mundos diferen-tes. Mesmo sendo freelancer, sempre senti que nunca mepoderia distanciar totalmente das redações, ou pelomenos dos espaços de redação que existem fora da reda-ção.SL – Quando a redação não existe, inventa-se!

JJ – Há pouco disseste que passaste um boa parte do jantar

do Prémio Gazeta a falar com o Adelino Gomes…Não ficas-

te sentada ao lado do Presidente da República?

SL – Sim…

JJ – A conversa com ele não correu bem?

SL – Digamos que não foi muito produtiva.

JJ - Isso leva-me à questão sobre a relação dos jornalistas

com o poder político e institucional e com os poderosos em

geral. É um aspeto comum às duas, o fato de não procura-

rem muito os poderosos. Gostam mais de se misturar com

as pessoas comuns. É uma intenção política?

SL – Digo muitas vezes que ainda bem que há jornalistasdiferentes de mim, porque senão os jornais não vendiammesmo nada. Mas eu, de fato, teria alguma dificuldade emfazer um jornalismo em que tivesse de ir buscar essa rela-ção de proximidade com o poder. Gosto de tentar chegaràs pessoas de uma maneira que é impossível quando a

pessoa diante de ti está sempre rodeada por uma muralhadefensiva. ASF – Há ali tanta capa, tanta máscara, é tudo muito ins-titucional.SL - O jornalismo tem esse lado institucional que a mimnão me diz nada. Não tenho nada a obsessão da cacha, danotícia, do dar antes dos outros. ASF - Eu também nunca tive! SL - Mas fico felicíssima por haver imensa gente que tem,porque sei que os jornais vivem disso e é essencial. Nascoisas em que faço tudo para as conseguir, não é só por-que sei que me vai dar muito gozo, é também porque nósganhamos todos se aquela história sair dali e chegar aoutras pessoas. Isso não tem nada a ver com conseguirque o ministro tal tenha um deslize à minha frente ou medê uma grande cacha. A coisa mais aproximada que tenhodessa relação são os embaixadores com quem ocasional-mente me encontro. Já entrevistei alguns governantes,por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, massão experiências pontuais, ligadas a temas que trato desdesempre. ASF - A mim parece-me importante dar voz e espaço aquem, normalmente, não os tem. Todos nós, enquantocidadãos, temos a ganhar se conhecermos como é que osoutros vivem ao nosso lado, e tanto pode ser na rua abai-xo da minha como ser no Afeganistão ou no Hawai. Éimportante percebermos quem são os outros habitantesdestes mundos com os quais nos cruzamos. Escrutinar opoder é necessário, muitas das notícias vêm daí, mas umdos perigos do jornalismo, a meu ver, passa por umaexcessiva proximidade com o poder…SL – É uma relação dificílima de gerir.ASF – Dá-se excessiva importância aos press releases, àsconferências de imprensa… O papel das agências decomunicação deveria despertar uma discussão entre jor-nalistas, questionarmos se muitas vezes não ultrapassamo seus limites e interferem demasiado no jornalismo.SL – Quando digo que teria muitas dificuldades, achomesmo que não conseguiria, é porque vem este pacotecheio de coisas e a gestão disto tudo, das relações com aspessoas que estão no poder, com as fontes de informação,com as agências de comunicação, é muito complicado.Quem consegue fazer isto tudo bem feito merece todo omeu respeito!ASF – Se calhar é defeito meu, mas desconfio sempremuito. Faz-me imensa confusão estas relações, vejo que éuma coisa que tem aumentado. Insisto no aspeto dasagências de comunicação porque as vejo em todas as árease cada vez com mais poder e capacidade de ocupar espa-ço nos jornais, em todo o lado!

JJ - O poder tornou-se tão fértil a gerar decisões, anúncios e

medidas que, basicamente, os jornalistas andam atrás e

relatam. O poder não é especialmente hábil, não precisou

sequer de usar muita violência ou muita inteligência para

ENTREVISTA Ana Sof ia Fonseca e Sof ia Lorena

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 24

JJ|Out/Dez 2011|25

conseguir esta ausência de confrontação. Qual é a vossa

impressão?

SL – É verdade, e é muito mau que assim seja. Não soujornalista de política mas, por natureza, vou seguindo odebate político, e fico muitas vezes abismada com declara-ções que são proferidas e que não são questionadas. Bastaa minha pouca memória política para saber que aquilonão faz sentido, contradiz algo que aquela pessoa já disseou não é verdade. Isso perdeu-se. Perdeu-se, não sei sealguma vez existiu de forma sistematizada. Mas é funda-mental, é a essência do jornalismo. São apresentadasmedidas como coisas originais quando já outros as tinhamapresentado, são ditas coisas e criados fatos políticos quetoda a gente divulga sem apurar como nasceram e queinteresses estão escondidos atrás. Dou um exemplo recen-te, relacionado com as eleições na Madeira: saíu como sefosse uma grande notícia que Pedro Passos Coelho não iafazer campanha ao lado de Alberto João Jardim.Aparentemente, não é costume um líder do PSD fazercampanha na Madeira!ASF – Os políticos ou alguém por eles ganhou demasiadacapacidade para colocarem a informação que querem nosmedia. Isso é perigoso.SL – Existe um problema de falta de tempo mas tambémexiste um problema de práticas erradas. Está instituídoque, se o primeiro ministro diz uma coisa, nós vamos acorrer ouvir o que dizem os outros partidos. Porque é quenão havemos de passar meia hora a olhar exactamentepara aquilo e a pensar se faz sentido, se é verdadeiro, se éoriginal?… Obter a prova dos factos devia ser o nosso tra-balho permanente. ASF - O jornalismo não é correr para todas as conferên-cias de imprensa. Deve distanciar-se desses acontecimen-tos fabricados pelo poder político e económico, para vermelhor, para questionar. A atitude devia ser: “Agora vousair daqui e vou ver se isto é verdade!”.SL – Saber se é verdade e tentar perceber os impatos. Seráque existem estudos que provem que os resultados destasmedidas vão ser realmente aqueles que estão a ser divul-gados? O debate tem de ser mais profundo! ASF – Os jornais ficam muito pela rama e o futuro passapor irem mais à raíz dos problemas. Têm de oferecer maisao leitor, ao ouvinte, ao telespetador…SL – Claro que há dez anos já se dizia isto e agora estamosaqui a repetir o mesmo.

JJ – Se calhar temos de continuar a repetir, porque ainda não

fomos bem sucedidos.

SL – Tenho a sensação que há aqui uma falta de aprendi-zagem. Há muito tempo que existe gente a alertar para ouso abusivo dos diretos nos telejornais. No entanto, cadavez mais se pratica a loucura e a vertigem do direto! Sãosituações que vão no exacto sentido oposto daquilo que areflexão sobre o jornalismo recomenda.ASF – Isso acontece mesmo depois do trauma do desastre

da queda da ponte de Entre-os-Rios. Ficou na história dojornalismo Português como um mau momento, em quealguns jornalistas não hesitaram em perguntar “como é quese sente?” a pessoas que tinham acabado de perder a famí-lia inteira e metade da aldeia!

JJ – “Como é que sente?” é a a pior pergunta do mundo?

ASF - A mim causa-me uma certa urticária …SL – É das mais colocadas, certamente! Pode haver pio-res…

JJ – Vou arriscar a pior pergunta do mundo: como é que se

sentiram a ganhar o Prémio Gazeta?

SL/ASF: ...

JJ – As más perguntas geram silêncios, não é ?

ASF – Foi muito bom, porque me faz acreditar que real-mente é possível contar histórias. Ando cansada de ouvirdizer : “Ah, ninguém quer saber. Ah, isso é muito caro. Ah, issoocupa muito tempo” e estes prémios são importantes no sen-tido de ajudar a melhorar o jornalismo, são um incentivotambém para quem tem poder de decisão se sentir estimu-lado a apostar em histórias que dão trabalho e demoramtempo. SL - Foi muito bom porque eu queria voltar ao Iraque hásete anos, desde que lá tinha estado, batalhava anualmen-te para que me deixassem ir e finalmente houve o pretex-to dos 20 anos do Público. Foi o único trabalho da minhavida em que não escrevi enquanto estive fora. Não man-dei nada enquanto estive no Iraque. Quando voltei, escre-vi duas reportagens por dia, não exactamente com calma,mas com alguma distância. Uma novidade deste trabalhoé que foi a primeira experiência que tive de verdadeirapartilha de trabalho com um fotógrafo. Foi um trabalhoque me marcou muito e foi bom vê-lo reconhecido. Já medisseram várias vezes que não havia dinheiro para viajare que as agências tinham mais pessoas e faziam melhor doque nós e não fazia sentido investirmos nestas coisas. OPrémio Gazeta vem dizer que faz sentido. Contar históriassignifica contá-las onde quer que elas existam. ASF – O meu nome é Portugal é uma reportagem de alma.Conheci o João Sabadino Portugal no âmbito de um outrotrabalho, fui falar com ele por causa de um programa doHistórias com Gente Dentro cujo tema era a família. Ao fimde dois minutos, pensei “Meu Deus, que vida é esta?”. Nofim daquilo pensei: “é impossível alguém chegar aos 37 anosnesta situação. Tenho de o ajudar como puder”. Foram muitosmeses intensos, em que iamos para o Governo Civil, ouiamos para o Ministério, estávamos sempre a ir para qual-quer sítio preencher papéis... As conquistas começarampor conseguir que ele falasse, conseguir que os antigosfuzileiros falassem, conseguir recuperar documentos, con-seguir descobrir pessoas, conseguir testemunhas … acaba-mos por nos tornar uma equipa, cada pequena conquistafoi sempre vivida por todos!

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 25

26|Out/Dez 2011|JJ

JJ - A reportagem tem dois movimentos: por um lado, ir para

dentro dos lugares, das pessoas, em busca de proximidade

e de profundidade; por outro, ganhar distância crítica e olhar

sem envolvimento emocional. Como é que lidam com esta

dificuldade da reportagem? A reportagem da Ana Sofia

Fonseca que ganhou o Prémio Gazeta implicou uma grande

proximidade e já disseste que a relação com aquela pessoa

se manteve fora do trabalho. No caso da Sofia Lorena, a dis-

tância geográfica ajuda a inscrever distância entre ti e os

sujeitos das histórias que contas?

SL - Há uns anos não conseguia que a distância chegasse… Eu não sei bem teorizar sobre isto, encontrei um equilí-brio qualquer com o ir fazendo. Lembro-me que, no início,acontecia-me muitas vezes encontrar histórias quedeviam ter sido contadas, e não consegui contá-las porqueficavam demasiado próximas. Aconteceu-me isso a pri-meira vez que estive no Iraque, em 2003. Digo a brincarque as melhores histórias, eu não as escrevi, porque crieirelações com pessoas, com coisas que estavam a acontecere depois não sabia, do ponto de vista jornalístico, o quehavia de fazer com aquilo. ASF – Não é pensado, é orgânico. SL - … O meu organismo há–de ter percebido que tinhaque se defender um bocadinho melhor, porque eu nãopodia chegar sempre como cheguei daquela primeira via-gem ao Iraque – foi o primeiro sítio em que estive algumtempo e em que convivi com situações complicadas, 5 ou6 semanas chegam para as coisas te marcarem. Não tenhoproblema nenhum em dizer que me emocionei ou quesenti o sofrimento do outro. No caso das reportagens doprémio, em todas elas, está qualquer coisa que eu senti, ouuma imensa admiração por algumas daquelas pessoas,algumas inquietaram-me, outras preocuparam-me, e nãoacho que isso tenha mal nenhum. Consegui arranjar umamaneira de escrever sobre elas, apesar destes sentimentos,não é independentemente deles, é apesar deles, porqueexistem na mesma. ASF – É óbvio que eu não consigo ser indiferente. Não énada pensado, aliás, de forma consciente acho que deviater mais distanciamento, mas acontece! Há uma série depessoas com quem fiz histórias e continuo a relacionar-mecom elas. SL – A distância não é só emocional mas poder pensarcomo é a melhor maneira de contar a história. Isso é difí-cil de fazer no próprio dia, pensar na montagem daspeças…ASF - Eu até tenho medo de pensar muito sobre isto por-

que acho que vou perder esta capacidade de criar a distân-cia para contar aquela história; nesse momento, sou muitofria e objectiva. Há ali um momento, é como se subisse oudescesse um degrau e dali consigo colocar-me como obser-vadora, distanciada, e conto a história. No início era maisdifícil. Lembro-me de um caso, estava com o fotógrafoJordi, a fazer uma reportagem sobre trabalho infantil noPerú, que saiu na Única do Expresso, baseado na acção de

uma ONG que defendia o direito ao trabalho infantil. Seaquelas crianças não trabalhassem, a vida delas ainda seriapior e o que eles faziam era tentar que elas trabalhassemem trabalhos mais leves, que fossem à escola. Era uma rea-lidade muito difícil e havia uma miúda de 10 anos queficou logo muito próxima de mim, andávamos a viajar háseis semanas, estávamos numa povoação sem nada. Acriança estava doente e acabou por ser operada a segurar-nos nas mãos… lembro-me da expressão do Jordi, no hos-pital, olharmos um para outro e do Jordi dizer “isto era afotografia” e eu responder “pois era.”. Nem ele pegou namáquina, nem eu peguei na caneta. Aquele momentoficou ali.

JJ - No jornalismo existem tantas emoções como razões.

Isso leva-me a outra pergunta que estava na proposta inicial

para esta conversa, saber se existe um jornalismo no femi-

nino. A pergunta faz sentido para vocês?

ASF – Não sinto que, por ser mulher, tenha uma formadiferente de olhar ou contar uma história. É óbvio que oshomens e as mulheres são diferentes na sua natureza, masnão penso que isso seja uma marca no trabalho. SL - Tenho quase a certeza que, se fizer uma lista de repór-teres de imprensa portugueses e lhes tapar o nome, o lei-tor não consegue dizer se o texto foi escrito por uma mu -lher ou por um homem. Na secção internacional doPúblico, neste momento, há um homem. Nós tentamostratá-lo bem para ele não fugir. A sociedade é feita dehomens e mulheres, portanto, o jornalismo também deveser feito por homens e mulheres. Sei que há estudos quesustentam a ideia de que as mulheres estão mais predis-postas para ouvir mulheres, para contar histórias de mu -lheres, mas não sei se isso será assim...ASF – Talvez no terreno exista essa diferença.SL – Mas no terreno… eu vou muito para países muçul-manos e, ao contrário do senso comum, acho sempre quesou uma privilegiada e tenho imensas vantagens em sermulher, porque entro na casa das pessoas e falo comtodos, homens e mulheres. Os homens, nalguns sítios, sóconseguem chegar aos homens, porque as mulheres nãoaparecem. Confirmei isso desta vez que fui ao Iraque como Nuno Santos, só apareciam os homens, as crianças e asmulheres velhas. Foi a única dificuldade de viajar com umhomem.

JJ – Trabalham as duas para media tradicionais, digamos

assim, um jornal impresso, uma televisão generalista…

SL - Eu também trabalho para o site do Público.

JJ – A minha pergunta era justamente a de saber até que

ponto as narrativas jornalísticas multimedia vos atraem e se

as integram no vosso quotidiano de jornalistas.

SL – Sim. Aliás, com as reportagens sobre o Iraque, arran-jamos uma forma diferente de apresentar o trabalho nosite. Criámos o diário de viagem, que só existiu online, as

ENTREVISTA Ana Sof ia Fonseca e Sof ia Lorena

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 26

JJ|Out/Dez 2011|27

ASF - O jornalismo não é correr para todas as conferências deimprensa. Deve distanciar-se desses acontecimentos fabricados pelopoder político e económico, para ver melhor, para questionar. A atitudedevia ser: “Agora vou sair daqui e vou ver se isto é verdade!”.

SL – Saber se é verdade e tentar perceber os impatos. Será que existemestudos que provem que os resultados destas medidas vão serrealmente aqueles que estão a ser divulgados? O debate tem de sermais profundo!

SL – Quando digo que teria muitas dificuldades, acho mesmo que nãoconseguiria, é porque vem este pacote cheio de coisas e a gestão distotudo, das relações com as pessoas que estão no poder, com as fontes deinformação, com as agências de comunicação, é muito complicado.Quem consegue fazer isto tudo bem feito merece todo o meu respeito!

ASF – Se calhar é defeito meu, mas desconfio sempre muito. Faz-meimensa confusão estas relações, vejo que é uma coisa que temaumentado. Insisto no aspeto das agências de comunicação porque asvejo em todas as áreas e cada vez com mais poder e capacidade deocupar espaço nos jornais, em todo o lado!

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 27

28|Out/Dez 2011|JJ

ENTREVISTA Ana Sof ia Fonseca e Sof ia Lorena

SL - Não tenho problemanenhum em dizer que meemocionei ou que senti osofrimento do outro. No casodas reportagens do prémio, emtodas elas, está qualquer coisaque eu senti, ou uma imensaadmiração por algumasdaquelas pessoas, algumasinquietaram-me, outraspreocuparam-me, e não acho queisso tenha mal nenhum.

ASF - A criança estava doente eacabou por ser operada asegurar-nos nas mãos… lembro-me da expressão do Jordi, nohospital, olharmos um paraoutro e do Jordi dizer “isto eraa fotografia” e eu responder“pois era.”. Nem ele pegou namáquina, nem eu peguei nacaneta. Aquele momento ficouali.

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 28

JJ|Out/Dez 2011|29

foto-legendas, animamos as fotografias com sons, tentá-mos fazer coisas mais multimedia.

JJ – Pensam sempre em algo específico para o online?

SL - Muitas vezes tenho ideias mas não tenho ninguémque as trabalhe comigo, não tenho um infográfico, e acabopor fazer uma coisa mais limitada. ASF - Quando penso numa história, é natural pensar quepode ser contada em diversas linguagens. Eu comecei naescrita, a televisão para mim é uma novidade. Muitasvezes olho para uma reportagem televisiva como se afosse escrever, olho para o pequeno pormenor, para osapato, para o brinco, para a forma de falar, para os trejei-tos … os pequenos pormenores que numa história escritapodem dar o início do texto. A minha descoberta pessoalnesta passagem para a televisão foi que nós podemos con-tar histórias em diferentes linguagens, sem perder nada. Enão temos que respeitar as regras estabelecidas, fazercomo os outros, não!SL – Estamos numa fase de completa experimentação.ASF – A história é que me manda na forma da narrativa enós temos que nos moldar um bocadinho à história, quan-do a estamos a contar. É um desafio poder contá-la emvárias linguagens. Permite-nos jogar com mais coisas, nãodesperdiçar o som, não desperdiçar a imagem, escreverpermite-me não desperdiçar aquele outro pormenor quetem outra força se for escrito. Aqui há uns meses assineiuma rúbrica semanal na revista Única, chamada “PrincesaDiana”, porque era sempre a história de uma mulher foto-grafada com uma máquina que é a Diana, daí o título. Eufazia tudo, desde o texto, à fotografia, ao pequeno vídeo,e aquilo permitiu-me uma partilha diferente com a entre-vistada em causa. Não acho que o jornalista deva fazertudo, naquele caso fotografava com a lomo e filmava como iphone, esse era o conceito.

JJ – Disseste que por vezes queres fazer coisas para o onli-

ne mas não existem infográficos disponíveis. O jornal ainda

não pensa nos conteúdos multimedia como uma prioridade?

SL - Pensa, pensa … mas entre o pensar e os recursos queexistem e o investimento que se faz, vai uma diferençagrande. A mim a internet nunca me assustou, no sentidoem que eu ouvi colegas muito preocupados com a ideia deque isto era só duplicar trabalho. O Público online começoupor ser uma redação diferente, há uns anos que deixou deser assim e somos cada vez mais incentivados a fazer umpouco de tudo. No jornal houve muita discussão internasobre este tema porque há muitas ideias mas depois nãohá formação adequada e há muitos riscos que se correm.Se eu escrevo bem e dou o meu nome por isso, não queropassar várias horas a tirar fotografias, porque fotografomal e isso seria mau para mim e para os leitores…ASF – Eu falei de uma rúbrica semanal …SL – Sim, numa rubrica é perfeitamente viável. Na últimagreve geral [2010] eu fiz greve e ofereci-me para trabalhar

na cobertura da greve. Calhou-me a madrugada, a partirdas 8 da noite andei atrás da CGTP, e levei uma câmarapara fazer também peças para o site, portanto eu ia escre-ver para o site, eventualmente os meus textos poderiam irpara o papel ou não. As pequenas entrevistas que graveicom a câmara de vídeo, não as consegui usar para escre-ver os textos, porque não tive tempo para ver as imagens,tirar as notas, e muito menos editar as imagens. Sentiimensa dificuldade em coordenar aquilo tudo. Já tiveoutras experiências, já fiz uma entrevista que saiu no site eno papel, a Aminatu Haidar, a activista sarauí, e os outrosjornalistas até brincaram, porque eu apareci com um fotó-grafo e com um câmera. Mas três pessoas é o mínimo parafazer aquilo bem, não é? Fiz a entrevista, escrevi para opapel, editei a entrevista para o site, ajudei a montar, esco -lhi as fotos com o Rui… quer dizer, isto é o mínimo dosmínimos. Eu sempre gostei de imagens, aliás na faculdadefiz tantas cadeiras de cinema como fiz de jornalismo, esinto que é bom existir esta plataforma que torna isso pos-sível. Mas temos que fazer isto de uma forma que nãoponha em causa o respeito pelos princípios e regras dojornalismo, nem os nossos níveis de qualidade.ASF – Eu não acho que um jornalista deva fazer tudosozinho, pelo contrário. A história é para ser contada emequipa. Não sei filmar nem tenho pretensão nenhuma desaber. A história tem de ser contada de forma diferente,aproveitando as mais valias de cada meio de comunica-ção. Só consegues fazer isso se tiveres uma equipa, umrepórter de imagem e um repórter fotográfico. SL - No Público havia, enfim, ainda há, uma relação dealgum atrito entre as pessoas que fazem o jornal no site eas que fazem o jornal em papel. Ouvi muitas vezescomentários do género: “fiz isto tudo e no site ninguémpuxou por isto”. Quer dizer, o site somos nós todos e achoque demorou um bocado até as pessoas perceberem isso.

JJ – A conversa já vai longa. Falta alguma coisa importante?

SL - Uma das tendências que me indigna é a tentativa defazer dos jornalistas administradores, convencendo-osque têm de ter em conta o facto de não haver dinheiro.Faz-se pressão junto dos editores, por exemplo, para queeles planeiem o trabalho das secções em função dessaescassez. O papel dos jornalistas e dos editores é precisa-mente pensar no que deve ser feito independentementedo dinheiro que existe. Nós não podemos ser administra-dores. Podemos ser racionais, pensar na maneira de fazerdeterminado trabalho com menos custos - e já o fazemosnaturalmente porque queremos que as nossas propostassejam aprovadas, queremos poder fazer as reportagensque julgamos importantes ou interessantes - mas nãopodemos deixar que a falta de dinheiro se instale na nossacabeça como ideia que domina tudo. Já assisti a casos emque esta lógica levou jornalistas a desistirem antes de ten-tarem. E isso é a inversão total das nossas prioridades e dalógica de jornalismo. JJ

18_Entrevista:18_Entrevista.qxd 28-11-2011 14:01 Page 29

30|Out/Dez 2011|JJ

A Festa dos Gazeta 2010

“Éessencial meditarmos sobreo que foi bom e que hoje émau no jornalismo que

fazemos…", lembrou Adelino Gomesna cerimónia de entrega dos PrémiosGazeta 2010. O veterano jornalista,que recebeu das mãos do Presidenteda República o troféu Gazeta deMérito sublinhou, perante o aplausodas dezenas de jornalistas econvidados presentes, a suapreocupação quer pela "precariedadelaboral" que afecta a classe quer pelo"lugar secundário que a ética e oinconformismo ocupam nasredacções."

Apresentada por Dina Soares, acerimónia iniciou-se com a entregados galardões aos diversospremiados. A Patrícia Duarte,directora-executiva do semanárioRegião de Leiria, foi entregue o GazetaImprensa Regional por FelicianoBarreiras Duarte, Secretário deEstado dos Assuntos Parlamentares,cabendo a Cavaco Silva e a Faria deOliveira, presidente da CGD, aentrega dos restantes prémios aClara Silva, jornal i (GazetaRevelação); Sofia Lorena, Público,Gazeta de Imprensa; Carlos Júlio,TSF, Gazeta de Rádio; Ana SofiaFonseca, SIC, Gazeta de Televisão;Rodrigo Cabrita, Global Imagens,Gazeta de Fotografia; e AdelinoGomes, Gazeta de Mérito.

Mário Zambujal, presidente daDirecção do Clube de Jornalistas,abriu a série de intervenções compalavras de gratidão para a CGD,entidade patrocinadora dos "maisprestigiados prémios de jornalismo"existentes em Portugal e para apresença do Chefe de Estado que,frisou, "honra e dignifica esta festade consagração do bom jornalismo".O presidente do CJ assinalou, ainda,o trabalho do Júri, confrontado,

nesta edição dos Gazeta, comdezenas de trabalhos de diferentesgéneros jornalísticos apresentados aconcurso. A situação actual dojornalismo português foi tema, poroutro lado, do discurso de MárioZambujal que desafiou a classe adebater, em futuro congresso, osproblemas e realidades da profissão.

Patrícia Duarte, do Região deLeiria, saudou, em breves palavras, ainiciativa do Clube e deu conta daimportância e crescimento daquelesemanário, líder na região, com umaredacção profissional e tiragem -sublinhou - superior a alguns diáriosnacionais.

Convidada, igualmente, a usar dapalavra, Clara Silva, GazetaRevelação, agradeceu o prémioatribuído, o apoio que o seu jovemjornal lhe concedeu e a suaimportância para prosseguir numaprofissão que já teve melhores dias.

FARIA DE OLIVEIRA

"O jornalismo sériotem de ser cada vezmais criterioso…"

“Em primeiro lugar, queroagradecer, em nome doConselho de Administração

da Caixa Geral de Depósitos, apresença do Senhor Presidente daRepública e de Sua Mulher nesteevento. É uma honra e umasatisfação para todos nós.

Em 2º lugar, reitero, à semelhançado que fiz nos anos anteriores, oapreço da CGD por esta iniciativalouvável do Clube, dereconhecimento do melhor que ojornalismo português anualmenteproduz e o agrado com que

mantemos esta parceria, associando-nos à atribuição dos Prémios Gazetado Jornalismo, este ano com umadiversificação pelos diversos génerosjornalísticos que abriu novas e maisamplas possibilidades departicipação.

Ocorre esta cerimónia nummomento de grande apreensão, demuitas interrogações sobre o futuro,de baixas expectativas: a austeridadee a diminuição do nível de vida terãode prevalecer nos próximos anos.

Sabemos que a superação dagrave crise que estamos a viver, queexige sem dúvida enorme rigor, masonde o rasgo, a criatividade e otalento são fundamentais para oencontro das saídas mais céleres eeficazes, passa principalmente pelodesempenho colectivo e individualdos portugueses.

As crises resultam,fundamentalmente, dedesajustamentos da realidade - nocaso vertente, deriva do facto determos vivido durante mais de umadécada acima da riqueza quecriámos. Agora, temos de proceder aexigentes ajustamentos e reformas, edevemos transformar esta fase deausteridade numa oportunidade,que não podemos desperdiçar, deconstruir uma economia competitivae um país mais desenvolvido esocialmente justo.

Mas, o dinamismo da nossa era, ada globalização, vem produzindooutro facto potenciador de outro tipode crises: as mudanças de valoresmorais e culturais, numafragmentação crescente. Não é fácil aadaptação a estas alterações. Nofundo, importará preservar osvalores culturais e morais que noscaracterizam como nação e estaraberto à inevitável renovaçãovirtuosa que resulta dos movimentos

Jornal | Prémios Gazeta 2010

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:47 Page 30

JJ|Out/Dez 2011|31

Fotografia de grupo com os premiados. Em baixo, Faria de Oliveira, presidente da CGD, no uso da palavra

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:47 Page 31

32|Out/Dez 2011|JJ

sociais e da aculturação dos novosvalores.

Neste contexto, o jornalismoatravessa, também ele, novos eenormes desafios

Os jornalistas são os grandesinformadores e formadores deopinião. Daí, a sua enormeimportância na vida social e política,e a relevância crescente do rigor e daqualidade no jornalismo, seja deinformação, de opinião, de formação,de debate, de denúncia, deentretenimento, de ilustração.

Ora, a acrescer às situações quereferi, as tecnologias, a NET e asredes sociais, vieram introduzirfactos relevantíssimos: a rapidez nacirculação da informação e aproliferação de opiniões - das maisconsistentes, fundamentadas ecriativas, às mais ignorantes,disparatadas e, até, com intuitosmanipuladores.

Estes factos vieram trazer à gestãoda comunicação problemas dedecisão difíceis: por exemplo,publicar ou não uma notíciarecebida, sem ter tempo para obteruma confirmação cabal da suaveracidade. Um conflito entre rigor eoportunidade. Sempre com aresponsabilidade subjacente,perspectivando as consequências deum erro. O jornalismo sério tem deser cada vez mais criterioso e tersempre presente o sentido ético.

Outro exemplo: a tendência -chamemo-la assim - a que assistimos,talvez crescente: muitas vozes, porvezes de comentadores que sejulgam avalizados, opinam sobrematérias que conhecem ou percebemmuito pouco: afirma-sesimplesmente o que se ouviu dizer(mesmo que de pessoascredenciadas, só que…com agendaspróprias), correndo-se o risco deerrar e de …desinformar.

Num jornalismo de qualidade, osentido crítico e a ponderação sãofactores essenciais.

Por outro lado, é um facto que oscursos universitários de jornalismo

criaram condições para uma maiorpreparação, especialmente a técnicados profissionais do jornalismo. Masesta formação universitária terá deser temperada com a experiência, apreparação cultural, a cultura geral,os conhecimentos adquiridos dosmais velhos, que continuam aconstituir elemento fundamental daqualidade do jornalismo.

A atribuição dos Prémios Gazetareveste-se, pois, nos nossos dias deuma importância talvez ainda maiorque no passado. Destinando-se aassinalar o mérito do trabalhodesenvolvido, apontam para ojornalismo de excelência.Distinguem-se o bom jornalista, ogrande jornalista. A referência.

Para terminar, quero felicitar ospremiados pela distinção que hojereceberam, fruto do mérito do seutrabalho e das suas competências ecapacidades.

E agradecer a vossa presençaneste convívio e nesta festa."

CAVACO SILVA

"Estou aqui pelasboas notícias…"

Numa intervenção deimproviso e bem-humorada,Cavaco Silva começou por

valorizar as boas notícias e aquelesque melhor as produziram nosprémios Gazeta. "Estou aqui -disse -pela boa notícia que é a qualidadedos trabalhos produzidos porjornalistas cujo mérito é hoje aquipublicamente reconhecido, mastambém pela qualidade dostrabalhos, como o júri mencionou, demuitos outros que concorreram eque não foram premiados".

Numa intervenção ao estilo dospresidentes norte-americanos nojantar anual com os correspondentesna Casa Branca, Cavaco Silvasublinhou que a constância da suapresença nesta cerimónia a equiparaao 25 de Abril, ao Dia de Portugal, ao

5 de Outubro e à abertura do anojudicial. "Quem diria", ironizou.

Cavaco Silva saudou ainda apresença de Mário Zambujal naqualidade de presidente do Clube deJornalistas, com o seu "optimismo" e"jovialidade", o que o levou aconsiderar, com humor, que "não háum limite de mandatos no Clube dosJornalistas".

Cavaco Silva saudou a CGD, "queapesar da alteração na composiçãoda sua administração manteve opatrocínio aos Prémios Gazeta", edeixou, no mesmo estilo bem-humorado, e em alusão àsdificuldades financeiras do CJ, umaideia para uma linha de crédito."Não sei se na Caixa Geral deDepósitos existirá ou não uma linhade crédito para financiar opagamento de quotas dos jornalistasao clube, de qualquer forma, é umaideia que posso aqui lançar…",apesar de poder chocar "com asrestrições ao crédito que têm vindo aser referidas com grande frequênciana imprensa".

O PR referiu-se também aoaumento do número de categoriasnos prémios Gazeta, que passaram aincluir a distinção de mérito,imprensa, rádio, televisão, fotografia,revelação e imprensa regional."Graças a Deus, há alguma coisa emexpansão no nosso País", disse.

O Presidente não quis deixar deestar presente porque gosta de"valorizar as boas notícias",ignorando as "fortes razões" para"pedir escusa" da sua presença nojantar: um dia em que bateu o"recorde" de 12 audiênciasconcedidas a embaixadores, mais aaudiência com o primeiro-ministro,na véspera de uma viagem e daconcorrência do jogo da Dinamarcacom Portugal.

"Nos tempos que correm, nóssomos diariamente bombardeadospor notícias negativas sobre asituação portuguesa e a situação daEuropa. Estando aqui, ganho aesperança que haja uma atençãomais frequente em relação a casos de

Jornal | Prémios Gazeta 2010

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:47 Page 32

JJ|Out/Dez 2011|33

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva e, em baixo, Adelino Gomes

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:47 Page 33

34|Out/Dez 2011|JJ

sucesso que existam no nosso país epossam aumentar as boas notícias",afirmou, felicitando, em seguida, osjornalistas premiados e com votos deque se mantenham na rota daqualidade e do rigor. "O paísagradece", disse.

ADELINO GOMES,GAZETA DE MÉRITO

“A primeira lealdadedo jornalismo é paracom os cidadãos…”

Oque quero dizer-vos queconsidero importante, nosbreves minutos que me

cabem? Que nasci e cresci nafortaleza jornalismo. E que issosignifica reconhecer ter exercido amaior parte da minha actividadeprofissional numa cultura dearrogância, que tendia a subordinaros direitos de quem nos lia, nosouvia, nos via ao nosso direito a

escrever, a dizer, a mostrar, da formaque entendíamos ser a mais correcta.

Mas quero dizer-vos também quenão gostava de ver o jornalismotransformado numa ilusória torrentede informação que toda a genteproduz e em que tudo vale e tudotem o mesmo valor: notícias eestados de alma; a disciplina deverificação convivendo com o boato;a assinatura de par com oanonimato.

Dizer-vos que não gostava de vero marketing sentado na redacção. Eo jornalismo transformado numimenso News of the World em queum empresário, um grupo deeditores ou mesmo uma redacção searrogam o direito de seleccionar,produzir, manipular e até inventaros factos que hão-de relatar emfunção do impacto que terão juntoda sua clientela, isto é, em função deproveitos comerciais, e/ou deinteresses governamentais,económicos ou outros quaisquer.

Houve sempre (ainda que hojetalvez mais do que ontem) uma

relação tensa entre a razão editorial ea razão empresarial. Numa muitointeressante reflexão, vertida emlivro recente, José Luís Garcia vê osjornalistas na posição ambígua de"funcionários de uma indústria" e de"funcionários da humanidade". Nocumprimento do primeiro papel,buscam o lucro; no segundo, criam etransmitem "informações e formasde conhecimento consideradasrelevantes para a própriaconstituição da comunidade políticae do todo social".

Trata-se de um desafio tremendoa uma classe profissional e a cadaum de nós, individualmente. Pormim, nunca senti problemas emtrabalhar numa indústria e emajudá-la a prosperar. Mas procureinunca esquecer o vasto mundo quedá sentido e é razão de ser destaactividade; e que a primeira lealdadedo jornalismo é para com oscidadãos (como estabelecem oscélebres princípios do Comitee ofConcerned Journalists, animado porKovach e Rosenstiel).

Jornal | Prémios Gazeta 2010

Sofia Lorena, Gazeta de Imprensa

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:47 Page 34

JJ|Out/Dez 2011|35

O presidente do CJ, Mário Zambujal, lembrou a urgência de um novo congresso de jornalistas

Patrícia Duarte, directora-executiva do semanário Região de Leiria, recebe o prémio Gazeta Imprensa Regional, entregue por Feliciano

Barreiras Duarte, Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:47 Page 35

36|Out/Dez 2011|JJ

Jornal | Prémios Gazeta 2010

A cerimónia daentrega dos PrémiosGazeta foi pretextopara um agradávelconvívio entre asdezenas de jornalistase convidadospresentes

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:48 Page 36

JJ|Out/Dez 2011|37

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:48 Page 37

38|Out/Dez 2011|JJ

Concordo que é importante, que édidáctico, que é essencialmeditarmos sobre o que foi bom eque hoje é mau no jornalismo quefazemos. Preocupam-me muito, porexemplo, a precariedade laboral, porum lado, mas também o lugarsecundário que a ética e oinconformismo ocupam nasredacções.

Mas penso que é justo atentarmostambém no que foi mau e hoje ébom no jornalismo. Por exemplo:todos os dias leio, ouço, vejo peçasde excelente jornalismo escritas,ditas, apresentadas por excelentesjornalistas das novas gerações. Ostrabalhos distinguidos pelo Clube deJornalistas nos últimos anos - e destavez, outra vez - são disso prova.

Quero dizer-vos, com a autoridade(etária) de quem começou a trabalharnum tempo em que vários escreviamainda à mão, nas redacções; em que ogravador portátil era ainda um tijoloroufenho cujos sons os técnicosresistiam em passar para fita e emque as imagens não conheciam aindaa cor; em que não havia nemcomputadores, nem telefonesportáteis, nem internet, nemYouTube, nem Facebook nem Twitter,

Quero dizer-vos que acredito queos novos media representam umaoportunidade e umaresponsabilidade extraordinárias

para a cidadania e para o jornalismo.A oportunidade de assistirmos àemergência de uma linguagem decomunicação e informação universalsem precedentes, na qual todossomos/seremos, simultaneamente,produtores e destinatários deinformação.

E a responsabilidade depreservarmos, nesse novo bazarcomunicacional, a componente deserviço público da produçãojornalística enquanto tal: o queimplica apostar na qualidade,servida por uma curadoria efectivaque contextualize e forneça sentidoàs escolhas informativas.

Porque, como dizia recentementeum crítico de media norte-americano, Jonathan Alter, só comconteúdos de qualidade a cidadaniapode tomar decisões racionais…Cominformação de qualidade -interessante mas também relevante.Não com a prevalência daquilo a queCarl Bernstein, um dos doisjornalistas do caso Watergate,designava muito recentemente, por"espectáculo e triunfo da cultura daidiotia", expressão em que abarcavatalk-shows e notícias sobrecelebridades.

Quarenta e cinco anos depois,continuo orgulhoso e agradecido àsociedade por me ter deixado entrare permanecer nesta profissão. E

continuo a acreditar num conjuntode direitos/deveres que, para mim,para lá de todas as evoluçõestecnológicas, continuam a defini-la edevem ser preservadas: A liberdadee a independência crítica. Acredibilidade. E aquilo a quechamarei a decência (que implica umprofundo sentido deresponsabilidade e de respeito pelointeresse público e pelos direitos dooutro - seja ele um cidadão, umacomunidade, uma cultura, outrogénero, outras raças, outros povos).

A terminar: Agradeço ao júri estadistinção - a que não se concorre,como sabem. É certo que, por razõescompreensíveis, os júris tendem aatribuí-la a gente em final decarreira. Não me ofendo por meestarem a lembrar assim,publicamente, a minha idadeprofissional. E a sugerirem - aindaque delicada e tão simpaticamente -que será hora de partir. Partir dosprémios, concordo. Da intervençãopública, se não se importam, não.

E por intervenção pública querosignificar: o direito à opinião e outrasformas de contribuir para melhorar oestado da nossa profissão - queconstitui, como sabem, na melhor dasua tradição histórica, uma formainestimável de contribuir paramelhorar, escrutinando-o, o estadoda cidade e do mundo.

Jornal | Prémios Gazeta 2010

Carlos Júlio, Gazeta de Rádio Clara Silva, Gazeta Revelação e Rodrigo Cabrita, Gazeta de

Fotografia, com Faria de Oliveira

JJ

30a38_PREMIOS:30a38_PREMIOS.qxd 29-11-2011 12:48 Page 38

39:Layout 1 28-11-2011 12:49 Page 1

40|Out/Dez 2011|JJ

Portugal ficou em 4º lugar nasexta edição do EuropeanMasters of Golfplaying

Journalists (EMGJ), que se disputouno percurso do Porto Santo(Madeira) e reuniu 80 jogadores deoito países.

O Clube de Jornalistas, queapoiou a organização do torneio,participou pela primeira vez nesteMasters Europeu e patrocinou osprémios da Golden Island Cup, otorneio que reuniu osacompanhantes de todas asdelegações.

O EMGJ, que se realiza de doisem dois anos, foi criado em 1999 pelaAssociação de Jornalistas daHolanda, que organizou as duasprimeiras edições, decorrendodepois na Itália, Áustria e Espanha.Actualmente a Associação Europeiareúne as Associações de Jornalistasde 12 países.

Portugal, que participou pelaprimeira vez em 2009 em Marbella(Espanha), como convidado,apresentou a sua candidatura à sextaedição, que o Porto Santo Golfeaceitou receber e que foi um sucessototal. O clima e as excelentescondições do campo desenhado porSeveriano Ballesteros contribuirampara uma boa semana de golfe e deconvívio entre os profissionais dosoito países.

Neste torneio, cada jogador pagaa respectiva deslocação e oalojamento, enquanto a organizaçãolocal se responsabiliza apenas pelocampo e todo o programa social.

A Áustria, que dominou desdeinício, ganhou o 6º Masters com oagregado de 459 pontos (233-226),ficando a Itália, que era a detentorado título europeu, em segundo lugarcom 452 (211-241). No segundo diade prova a Alemanha melhorou eultrapassou Portugal, ficando com

435 pontos.Os portugueses, que em 2009

ficaram em 7º lugar, terminaramagora em 4º com 405 pontos (201-204), com uma equipa constituídapor jornalistas e colaboradores dejornais nacionais, regionais,televisões e publicaçõesespecializadas..

Em 5º lugar ficou a Suécia,seguida da França, Espanha eHolanda.

Na classificação individual aitaliana Prisca Taruffi (filha de umantigo campeão italiano de Fórmula1) ganhou com 54 pontos, enquantoem Net triunfou o austríaco AndreasRichter com 65.

Os prémios do Clube deJornalistas foram entregues aos

vencedores da Golden Island Cup:Paulo Silva (Gross), Marie-LuisePastor (Nett) e Ondina Vital(Senhoras).

A próxima edição do Masters daEuropa será em 2012 em Berlim ouColónia, organizada pela DMGG(Deutschen Medien GolfGesellschaft).

Entretanto no próximo anoPortugal irá organizar, em princípiono Algarve, a segunda edição doquadrangular europeu de Jornalistasde Golfe com Portugal e Espanha eoutras duas selecções a designarentre as várias candidatas. Aprimeira edição realizou-se emEspanha (Almeria) com vitória daequipa anfitriã.

Valdemar Afonso

Jornal|Golfe

Masters de Jornalistas:Portugal em 4º lugar

JJ

40_Golfe:40_Golfe.qxd 28-11-2011 14:04 Page 40

1961 - O ano Horrívelde Salazar ANTÓNIO LUÍS MARINHO Col. Temas&Debates, Círculo de

Leitores, 2011, 245 pp.

Texto Maria José Mata

Concentrar o olhar naspáginas da imprensade há cinquenta anos

atrás é um exercíciopedagógico sempreinteressante. O passado,materializado em palavras eimagens, parece ali quaseomnipotente na capacidadede explicação de algunsacontecimentos que ficarampara a História, ou não fosseo jornalismo um dos seusprincipais agentes enarradores.

Esta "crónica", em formade livro, dos dias e dostempos idos de 1961, passaem revista os principaisacontecimentos sociais,culturais e políticos de então,mostrando as razões pelas quais oseu autor, Luís Marinho, considerater sido esse "o ano horrível deSalazar".

O prefácio, escrito por AntónioBarreto, traça exemplarmente ocontexto social da década: osportugueses eram geralmentepobres, as taxas de analfabetismo emortalidade infantil elevadas faceaos padrões ocidentais, a saúdepública era acessível a poucos, aemigração estava em crescendo. Mas"A partir desta década, a sociedadeabriu-se, os portugueses ficaram umpouco menos provincianos eobscuros. Iniciou-se a década demaior crescimento económico dahistória do país. Os costumescomeçaram mudar e a aproximar-sedos padrões europeus." (p.9). Em1961, "simbolicamente terminou umaera".

A contextualização mais alargadadesse "ponto de viragem" é umapreocupação do autor. Logo na

introdução do livro, LuísMarinho relembra o clima deGuerra Fria então vivido, asprimeiras viagens espaciais, arenovação da Igreja Católicacom as encícilicas de JoãoXIII, a democratização dageneralidade dos regimespolíticos europeus (àexcepção de Portugal eEspanha) e a descolonizaçãoprogressiva nos paísesafricanos sob a alçada deoutras potênciasadministrantes.

Tendo em conta echamando sempre a atençãopara o acirrado controle dosmeios de comunicação porparte dos censores na altura,grande parte do livro éilustrada com páginas detítulos como o Diário Popular,Século, Flama, O SéculoIlustrado e Diário de Notícias ecom excertos dos pivôs doTelejornal referentes aosacontecimentos mais

significativos desse ano. Excertos dostextos - notícias, crónicas,reportagens, críticas - , quadroscronológicos, dados estatísticos,mapas e fotografias completam osrecursos que permitem ao leitorseguir o fio condutor da narrativa esustentar a interpretação dos factos.Esta aposta revela-se extremamenteelucidativa, convidando-nos aperder o olhar pelas fotos e pelostítulos que encabeçam as peçasjornalísticas e acicatando acuriosidade para a leitura destas,leitura essa nem sempre conseguidadada a reduzida dimensão dasreproduções e/ou a paginação dasmesmas (uma pena!).

Nesse périplo de leitura podemosver desde anúncios publicitários deelectrodomésticos a reportagenssobre as férias balneares dos (aindapoucos) portugueses que a elastinham então direito, passando pelobilhete de cinema que assinala aestreia de Ben Hur no Monumentalou pelo selo dos correios americanos

Jornal|Livros

42|Out/Dez 2011|JJ

Esta "crónica", em formade livro, dos dias e dostempos idos de 1961,passa em revista osprincipaisacontecimentos sociais,culturais e políticos deentão

42_livros:42_livros.qxd 28-11-2011 14:06 Page 42

JJ|Out/Dez 2011|43

com a imagem de Elvis Presley, umadas figuras paradigmáticas do rock,um novo estilo musical que seafirmava do outro lado do Atlânticoe que chegaria ao nosso país, mesmosob a vigia da censura e o desprezoda crítica tradicional. Paralelamente,vamos interiorizando os factos: noPortugal de então, a maioria dashabitações não tinha energiaeléctrica nem água canalizada, atelevisão era ainda um bem de luxo ea sua aquisição motivo de notícia. Oprimeiro supermercado foiinaugurado em Maio, o mesmo mêsem que é aberto ao trânsito oprimeiro troço da auto-estrada doNorte com uma extensão de 23km. Aamenizar o tom geralmente negativodas estatísticas e dos acontecimentos,um oasis: em 31 de Maio o Benficaconquistava a Taça dos CampeõesEuropeus de Futebol, um feitoinédito para o futebol português, amerecer a capa d'O Século Ilustrado,aqui reproduzida.

Por entre estes e outros assuntos,que soam longínquos, algumasnotícias sugerem uma estranhafamiliaridade com o presente...Senão vejamos: protestos contra oaumento da electricidade em 30% nacidade do Porto (Diário Popular, emJaneiro), protestos contra opagamento de portagens (DiárioPopular, em Maio) e em junho ostaxistas eram autorizados a andar emmangas de camisa por causa docalor...

Mas são os acontecimentospolíticos, pela gravidade e cadênciacom que se vão sucedendo, quemerecem o maior destaque. Ateimosia e resistência de Salazar emrelação à descolonização seria levadaao extremo e o início da guerra noUltramar foi inevitável: primeiroAngola, em Fevereiro, depois Guinée Moçambique, foram palcos deconflito armado, a traduzir oconfronto ideológico que já secomeçara a desenhar quer nasrelações de Portugal com o exterior(a oposição da ONU, dos EUA e daInglaterra, velho aliado histórico, à

política colonial portuguesa, são asmais marcantes) quer dentro dopróprio regime (a tentativa de golpede Botelho Moniz, foi dissoexemplo). A invasão (conseguida) deGoa, Damão e Diu por parte daUnião Indiana viria a por a nú afragilidade militar portuguesa e ainflexibilidade de um chefe deGoverno que meses antes incitava àguerra em África fazendo avançar astropas "depressa e em força". Atomada do navio Santa Maria, odesvio de um avião da TAP paraespalhar panfletos da oposição sobreLisboa e, já no final do ano, atentativa de assalto ao quartel deBeja na qual foi morto osubsecretário do Exército, viriam acompletar o ciclo de escolhos a queSalazar sobreviveu com mossa,levando o seu amigo CardealCerejeira, em carta enviada noúltimo dia de 1961, aquireproduzida, a pedir a Deus: "queEle te conforte, console, ilumine eguarde".

Organizado por meses, o livro dá-nos, de forma cronológica econtextualizada, uma ideia clara dodesenrolar dos acontecimentos aolongo do ano. E termina,simbolicamente, com o grandepoema de Ruy Belo, "A mão noarado". "Feliz aquele que administrasabiamente/ a tristeza e aprende areparti-la pelos dias/ Podem passaros meses e os anos nunca lhe faltará(...)".

Quando Timor-Lestefoi uma Causa JOÃO MANUEL ROCHACoimbra: MinervaCoimbra, 2011

Bastidores (silenciosos) do fazerjornalístico

Texto Alexandre Manuel

Resultado de uma dissertaçãono âmbito do Mestrado emComunicação, Cultura e

Tecnologias da Informação do

ISCTE - Instituto Universitário deLisboa, Quando Timor Leste Foi umaCausa, de João Manuel Rocha,sendo embora o reencontro comuma causa que, de repente e quaseinesperadamente, passou a causada generalidade dos mediaportugueses, é, no entanto, bastantemais que isso.

Trata-se, na prática, da leituraaprofundada do modo como, emdeterminado momento e peranteacontecimentos especiais,designadamente de conflito, começae acaba o distanciamento doprofissional da informação;acontecem as colisões com os rituaisda objectividade; e os jornalistas,ainda que preocupados em ouvir aspartes em confronto, parecem, noentanto, sentir a necessidade de seidentificar com as posições que"veiculam de modo vago",repensando (redefinindo?) algumasdas regras do próprio jornalismo. Ouseja, independentemente de seremagentes do clima de emoção ou tãosomente dele se fazendo eco, osprofissionais da informaçãoaproveitam a oportunidade para, nodizer curioso de autores, comoDaniel Dayan ou Elihu Katz,"renovar um voto de lealdade aosvalores centrais da comunidade" emque vivem (eles também sãomembros da sociedade para a qualescrevem); demonstrar que o seupapel não tem que ser sempreantagónico e, sobretudo, peranteacontecimentos maiores econsensuais, mostar que "podemmoldar-se às variações do estado deespírito do público", actuando "comovox populi".

Dividida em duas partes, aprimeira, predominantementeacadémica, é dominada porenquadramentos teóricos, comespecial incidência em questõescomo o agendamento e atematização, a escolha do corpus(dois jornais ditos "de referência", oDiário de Notícias e o Público) e amobilização de instrumentoscapazes de explicar a

42_livros:42_livros.qxd 28-11-2011 14:06 Page 43

44|Out/Dez 2011|JJ

preponderância e oscontornos assumidos porTimor-Leste nos fluxosnoticiosos, aquando doreferendo que conduziu àindependência doterritório e dosacontecimentossangrentos que se lheseguiram (final do Verãode 1999). Em análise,concretamente, osfactores (os denominados"valores-notícia") quefazem com que umacontecimento, numdeterminado momento,seja ou não notícia,mereça ser mais oumenos noticiado.

Na segunda parte daobra, em que académico eprofissional dainformação cruzamsaberes e experiências(parece pressentir-se, porvezes, o perpassar dealguma saborosaconflitualidade), a par da análise doconfronto das "opções editoriais comas práticas "institucionais"estatutariamente assumidas" poraqueles jornais, João Manuel Rochadebruça-se ainda e detalhadamentesobre questões essenciais à causa dainformação. De referir,designadamente, o mimetismo dosprofissionais face aos órgãos decomunicação social onde trabalham;a conciliação entre a emoção e ainformação; a ocasional marcação daagenda política por parte da "opiniãopública"; o carácter construído danotícia (entre a divulgação e apromoção de acontecimentos) ouainda a opção escudada doconsenso, a "esfera do consenso" deque falava Daniel Hallin, a propósitodo tratamento jornalístico dado àguerra do Vietname pelas televisõesamericanas.

Estamos, na prática, perantequestões que povoam os "bastidoressilenciosos do fazer jornalismo". Aque, no caso, se poderiam juntar

ainda duas outrasclaramente presentes nocaso de Timor: ounanimismo e odenominado jornalismode causas, ou seja, aqueleque, segundo CarlosChaparro, parece ter porfinalidade primeira "adifusão de ideias oudoutrinas (portantocausas)" visando "acçõesde convencimento àadesão".

Como escreve CristinaPonte, em prefácio quevai bastante além daspalavras de circunstânciae das explicaçõesdesnecessárias que, comrazoável frequência,costumam acompanhareste tipo de textos,estamos, de facto, perante"uma obra fascinante,bem escrita e bemestruturada, técnica eempiricamente": porque,

explica aquela professora daUniversidade Nova de Lisboa, tem"o fôlego de uma pesquisa de fundo"que, indo além das leituras eexperiências vividas pelosprofissionais destacados no local,constitui ainda (sobretudo) um olhar"direccionado para os bastidoressilenciosos do fazer jornalístico",designadamente a "(de)marcação dosespaços onde e como noticiar".

PS: Mercê da paixão de IsabelGarcia (editora) e do saberpublicamente reconhecido de MárioMesquita (director), a colecção"Comunicação" da MinervaCoimbra,onde se integra este trabalho,constitui caso exemplar depersistência e de qualidade. São 14anos de vida (quantas, entretanto,nasceram e morreram?) e 56 títulospublicados. Com a curiosidadeacrescida de mais de 90 por centoserem assinados por autoresportugueses. Talvez, no entanto, sejachegado o tempo de algumarejamento gráfico.

Jornal|Livros

Trata-se, na prática, daleitura aprofundada domodo como, emdeterminado momento eperante acontecimentosespeciais,designadamente deconflito, começa e acabao distanciamentodo profissionalda informação

42_livros:42_livros.qxd 28-11-2011 14:06 Page 44

JJ|Out/Dez 2011|45

A Televisão e o Serviço PúblicoEDUARDO CINTRA TORRESLisboa, Fundação Francisco Manuel dos

Santos, 2011, 105 pp.

Texto Ana Jorge

Num momento em que oserviço público de televisãoe o seu operador se

encontram no centro de debate,Eduardo Cintra Torres apresenta umensaio que pretende contribuir paraque o país encontre uma forma decumprir a "função de 'cimento social'ligando os cidadãos de umacomunidade nacional" sem onerardemasiado Estado e contribuintes.Inserido na colecção da FundaçãoFrancisco Manuel dos Santos, queinclui outros títulos dedicados apensar a sociedade e a política nonosso país, o ensaio está escrito deuma forma acessível ao cidadãocomum, propósito que se notatambém nos preços da colecção.

Numa primeira parte, o professoruniversitário e crítico de televisão,publicidade e media traça asprincipais mudançastecnológicas na área doaudiovisual e dos media,assinalando como, em temposde convergência crescente, atelevisão não é apenas atecnologia, mas também e cadavez mais os conteúdos. CintraTorres analisa em seguida ahistória da televisão emPortugal para sublinhar como,tendo surgido sob um regimeditatorial, a televisão públicaportuguesa não mais se livrouda dependência face ao poderpolítico. Se, em resposta aoaparecimento dos canaisprivados, a RTP adoptoumaiores inovações ao nívelinformativo, actualmente,devido às pressões sobre oscustos, os noticiários sãoesticados, embora menos doque nos privados, cominformação que ultrapassa ointeresse público, e não há

suficientes espaços para reportagem edocumentários nem capacidade paraintroduzir novas agendas.

O autor sustenta, assim, que não háuma informação independente nemdiversificada na RTP. O modelo semi-comercial que foi adoptado implicauma procura de audiências quejustifica que o entretenimento ocupeum terço da emissão da RTP1 e que ainformação ocupe o segundo lugar. Noentanto, os custos não páram deaumentar, ao mesmo tempo que asreceitas de publicidade diminuíram,para um serviço público que, no fundo,não é assegurado, defende. A existênciade nove canais, representando 200horas de emissão diária, deve serrepensada, particularmente os dois desinal aberto, através de privatização,fusão ou extinção de um deles.

Assim, Eduardo Cintra Torresdissocia o serviço público do seuoperador actual, RTP, cuja gestãocritica fortemente, para apontar paraum serviço público de conteúdos, queresponda às mudanças tecnológicas,sociais e políticas. Advoga umoperador pequeno, independente e

sem publicidade, aberto aoutros produtores, e quevalorize a produção nacional, ainovação ao mesmo tempo quese preservam conteúdosmainstream, a aposta na ficçãoliterária, música, cinema oudocumentários que não têmlugar nos canais privados.Quanto à informação, reclamaum reforço da suaindependência, que passatambém por uma reforma aonível da regulação e porconferir mais poder aoprovedor e conselho deopinião.

Cintra Torres, queentretanto integrou o grupode trabalho para definir oserviço público de televisão,oferece neste pequeno livrouma visão fundamentadasobre o rumo que advoga paraa televisão pública emPortugal.

Eduardo Cintra Torresdissocia o serviço públicodo seu operador actual,RTP, cuja gestão criticafortemente, para apontarpara um serviço públicode conteúdos, queresponda às mudançastecnológicas, sociais epolíticas

JJ

42_livros:42_livros.qxd 28-11-2011 14:06 Page 45

46|Out/Dez 2011|JJ

Jornal|SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

www.editorandpublisher.com/Columns/Article/Editorial—How-Newspapers-Can-Profit-From-Tablets—-and-Do-It-Without-News-Content

Tablets: a luz no fundo do túnel?

Serão os tablets a peçaque faltava parainverter a tendência

de perda de circulação ereceitas dos jornais? Umaprojecção da Forrester Research(www.forrester.com/rb/research)autoriza a pensar que assimserá. Essa estimativa diz-nosque, já em 2015, haverá 82milhões de americanos naposse de um tablet. E que asreceitas das vendas onlinedeverão continuar aaumentar – cresceram 12,6%,em 2010, para 176,2 milmilhões de dólares,prevendo-se que cheguemaos 278,9 mil milhões, em2015. Sendo que quem faz assuas compras na Web epossui um tablet – apenas 9%,por enquanto – afirma queprefere utilizar esse aparelhoem vez do computador ou dosmartphone, dada a proximidade com a experiência defolhear um catálogo de vendas. Admite-se, pois, que uma equação que combine comércioelectrónico, buyerlogs (agregadores de publicidade paratablets) e apps de notícias possa resultar, a médio prazo,muito favorável para os jornais e revistas. Porém, seránecessário dobrar um verdadeiro cabo das tormentas:desenraízar a ideia de que tudo é gratuito, na Internet.Um estudo desenvolvido pelo Pew Research Center’sProject For Excellence in Journalism(www.journalism.org/analysis_report/tablet), em colaboraçãocom o Economist Group (www.economistgroup.com),concluiu que a maior parte dos americanos que possuemum tablet (11% da população adulta, nesta altura)consome avidamente todo o tipo de materiaisinformativos: notícias, comentários ou artigos de fundo.Mas não quer pagar por isso. É sintomático que aprocura de notícias seja das actividades mais populares

nos tablets – três em cada dezutilizadores destes aparelhosafirmam mesmo quepassaram a dar mais atençãoàs notícias do queanteriormente – mas só 14%tenham aceitado pagar porconteúdos noticiosos. Edesses, 23% fizeram-no deforma indirecta, porque jápossuíam subscrições dejornais ou revistas queincluíam o acesso digital. Dereferir, igualmente, que entreos que descarregaram apps denotícias, 83% não o teriamfeito não fosse o facto de asmesmas serem gratuitas oumuito baratas. Daqui se concluindo que,como se afirma no site do PewResearch Center’s Project ForExcellence in Journalism, “opotencial de receita para as

notícias nos tablets pode serlimitado”. Seja como for, outros dados existem, noestudo, que permitem alimentar a perspectiva optimista:o número daqueles que aceitaram pagar por conteúdosnoticiosos para tablets é ainda escasso mas não pára decrescer; o perfil do detentor de um tablet é alguém demeia idade, com instrução superior e rendimentoelevado, portanto alguém que lê notícias com frequência;e os utilizadores destes aparelhos tendem a abandonaros noticiários televisivos e a optar pela leitura ou audiçãodas informações em texto ou podcast, nos tablets. Outro dado a merecer atenção, no estudo do PewResearch Center’s Project For Excellence in Journalism, éaquele que nos indica que, apesar de o browser continuara ser a ferramenta principal da pesquisa noticiosa,mesmo nos tablets, as apps de notícias recolhem apreferência daqueles que consomem informação deforma mais ávida. O que significa que os jornais erevistas devem apostar em apps próprias para os tablets.

46a49_SITES:46a49_SITES.qxd 28-11-2011 14:17 Page 46

www.ojr.org/ojr/people/robert/201110/2027/

Onde houver uma manifestação,o jornalismo falhou

Robert Niles defende, na Online Journalism Review,a tese de que movimentos como o Tea Party ouOccupy Wall Street nasceram de uma espécie de

sentimento de orfandade relativamente aos media. Nocaso do protesto que tomou a praça financeira de NovaIorque, Niles recorda um artigo que escreveu, um anoantes, também na OJR, no qual alertava os meios decomunicação para o facto de estarem a esquecer asquestões laborais e diz que a situação não mudou. Ojornalismo económico, nos EUA, continua a “concentrar-se excessivamente na cobertura daquilo a que osmanifestantes do Occupy Wall Street chamam ‘o 1%’ – apercentagem de indivíduos que mais ganham no país.Há uma obsessão com a classe gestora e as flutuaçõesdiárias dos mercados accionistas”, afirma. Os restantes99% sentem que não têm voz, porque os jornalistas“olham frequentemente para a perspectiva dos que têma propriedade – e raramente para o ponto de vista dotrabalho, daqueles que são arrendatários ou pedememprestado”. Robert Niles identificou um problema semelhante no TeaParty. As primeiras manifestações no Mall, emWashington, foram desvalorizadas e os participantescaricaturados como “racistas e opositores semi-letrados

de um novo Presidente negro”. As sondagens, hoje,mostram que os adeptos do movimento são,basicamente, a ala conservadora do Partido Republicanoapresentando-se sob uma nova bandeira. Porém, noinício, “quase todos os elementos do Tea Party queconheci eram vítimas do colapso da bolha imobiliária.Eram agentes imobiliários, corretores hipotecários eoutros que sofreram perdas avultadas, num momentoem que os bancos que financiaram os seus negócios – eque os pressionaram a fazer esses negócios – já estavam aser resgatados pela administração federal. Estavamloucos por cairem sozinhos, enquanto os bancos estavama ser salvos”, afirma Niles.A expressão nacional que o Tea Party acabou por alcançarfoi devida à actuação da Fox News (www.foxnews.com), queaproveitou o movimento e amplificou-o com finspolíticos. Mas na sua origem esteve um “sentimentopartilhado por milhões de americanos de que as suasfrustrações não estavam a ser reconhecidas, muito menosouvidas e atendidas pelos media nacionais e as elitespolíticas”. Em suma, escreve Robert Niles, perante umamanifestação talvez os jornalistas devam questionar-se:“qual é a história que estamos a perder?”

JJ|Out/Dez 2011|47

46a49_SITES:46a49_SITES.qxd 28-11-2011 14:17 Page 47

48|Out/Dez 2011|JJ

Jornal|Sites

www.cjr.org/the_audit/the_shorter-form_journal.php

O que Murdoch fez do Journal

Q ue a primeira página do Wall Street Journal(www.wsj.com) sofreu uma mudança, com achegada de Rupert Murdoch e o afastamento

de Marcus Brauchli, em 2007, foi uma evidência logona altura. De resto, Murdoch nunca escondeu a suapreferência por histórias mais curtas na capa. MasRyan Chittum dá, na Columbia Journalism Review, amedida exacta dessa mudança. Recorrendo a gráficos

detalhados, Chittum traça o retrato evolutivo daprimeira página do Journal, entre 2002 e 2011. E osresultados são surpreendentes. Os artigos com maisde 1500 caracteres cairam de 600, em 2002, para poucomais de 200, em 2011. A queda foi mais pronunciada apartir de 2007. Naturalmente, os artigos com mais de1500 caracteres aumentaram, de 450 para 900. Quantoàs histórias mais longas, acima de 2500 caracteres,foram 210, em 2002, e praticamente desapareceram daprimeira página. Uma tendência observável ao longode todo o corpo do jornal. Admitindo que não é o tamanho que garante aqualidade de uma história, Ryan Chittum lamenta, noentanto, que a primeira página do Journal já não seja “opadrão para a escrita e reportagem de economia enegócios”, estatuto que manteve “ao longo dedécadas”, quando “transformava notícias emnarrativas de não-ficção, todos os dias, duas vezes pordia”. “Na maior parte das vezes, as notícias não eramsó algo que tu tinhas de ler. Eram algo que tu queriasler. Algo entre um longo artigo de jornal e um texto derevista. Algo que se diluiu ou mesmo desapareceu”,escreve.

46a49_SITES:46a49_SITES.qxd 28-11-2011 14:17 Page 48

JJ|Out/Dez 2011|49

Odiário britânico Guardian decidiu dar a conheceraos leitores todo o processo de produção denotícias, em tempo real. O jornal abriu um site

onde disponibiliza a agenda, as propostas doscorrespondentes, as notícias que estão a ser trabalhadasno momento e até os resultados das discussões entrejornalistas e editores sobre os caminhos a dar àshistórias. Na prática, só os embargos e as eventuais“cachas” permanecem sob reserva. As informações são

apresentadas sob a forma de documentos de trabalhoque estão em constante mudança e dos quais constamligações para as contas de Twitter dos jornalistas queestão encarregues das histórias. O objectivo é reforçarnos leitores um sentimento de proximidade com ojornal, envolvendo-os, ao mesmo tempo, na produçãodas notícias, sempre que sintam que têm algo de válidoa acrescentar à história. Uma experiência que nos deixanuma forte expectativa sobre os resultados.

www.guardian.co.uk/help/insideguardian/2011/oct/10/guardian-newslist

Guardian abre as portase pede ajuda aos leitores

Pela quarta vez, desde que entrou emfuncionamento, em 2007, a BBC Trust –organismo que superintende o serviço público

britânico de rádio e televisão – pediu uma avaliaçãoindependente dos níveis de objectividade de umacobertura jornalística efectuada pelo serviço. Desta vez,ordenou-se a avaliação da cobertura da “PrimaveraÁrabe”, que ficará a cargo de Edward Mortimer, antigodirector de comunicação da ONU e perito em MédioOriente. Mortimer examinará todos os materiais derádio, televisão e Internet que foram produzidos sobre

as revoltas quecomeçaram na Tunísia ese estenderam aoEgipto, Líbia, Bahrein,Síria e Iémen. Tem umano para apresentar osresultados. Àsemelhança do queocorreu nas três vezes anteriores, a ideia de fazer estaavaliação nasceu no próprio seio da BBC Trust e não foimotivada por qualquer queixa ou crítica.

http://www.bbc.co.uk/bbctrust/news/press_releases/october/arabspring_impartiality.shtml

BBC Trust manda avaliar coberturada ‘Primavera árabe’

46a49_SITES:46a49_SITES.qxd 28-11-2011 14:17 Page 49

50|Out/Dez 2011|JJ

Breve história da imprensadesportiva em PortugalO leitor, ao ver o título deste artigo, teve certamente como primeirareacção pensar que este vai ser mais um texto dedicado a dissecara história, já longa, de jornais como A Bola ou Record. Ou então que otexto se irá centrar sobre o discurso futebolístico na imprensadesportiva.

Francisco Pinheiro1

Mas não. Longe disso, embora não sepossa falar obviamente do percurso dojornalismo desportivo português, nasegunda metade do século XX, sem sefalar destes dois periódicos ou da

influência do futebol no discurso jornalístico desportivoportuguês.

No entanto, convém lembrar o leitor que o mais antigodestes dois jornais, A Bola, surgiu apenas em 1945. Digo«apenas» porque o primeiro jornal desportivo português(Jornal dos Caçadores) apareceu 70 anos antes, em 1875. Ealém do relevo desta data, convém também esclarecer já oleitor que este não foi um campo jornalístico pouco fértil,bem pelo contrário. Entre 1875 e 2000 criaram-se 940 publi-cações desportivas2. Número verdadeiramente impressio -nante e, quase, inexplicável, num país com baixos índices deleitura de jornais e com elevados níveis de analfabetismo aolongo desses 125 anos. E, não menos importante, num paíscujas elites intelectuais olhavam para o desporto de formapejorativa, associando-o ao dito «povinho» e catalogando-ocomo um mero fenómeno de massas, como as telenovelas,pouco digo de estudos históricos. Feito este primeiroesclarecimento, convém fazer um segundo. Este texto nãoirá tentar falar dos 940 periódicos, tarefa impossível de fazernum único artigo, como o leitor poderá facilmente com-preender. Tentará, isso sim, traçar um panorama geral daevolução da imprensa desportiva portuguesa.

Caracterização históricaNesse extenso período de 125 anos, entre 1875 e 2000, ahistória da imprensa desportiva portuguesa assentou emtrês grandes linhas programáticas: a mais importante foi ados periódicos desportivos de índole generalista, ou seja,que apresentavam um noticiário sobre diversos desportos,

surgindo em Portugal um total de 310 títulos desse género;uma segunda linha programática foi a dos periódicosdesportivos de cariz especializado, dedicados unicamentea uma ou duas modalidades desportivas, com um total de282 títulos; depois, os periódicos ligados a clubes einstituiç ões desportivas, donde emanaram 336 publicações– foram também encontrados 12 periódicos, entre 1907 e1942, que se podem definir como desportivos e cuja linhaprogramática assentava no desporto e nas artes (o noti-ciário abrangia desporto, literatura, teatro e cinema).

O início da construção deste edifício do jornalismodesportivo em Portugal remonta, como já referi, ao últimoquartel do século XIX, assentando numa imprensa desporti-va especializada, de cariz tradicional (emanou da tauro-maquia, caça, tiro) e educativa (ginástica), alargando-sepouco depois às modalidades elitistas do ciclismo e automo-bilismo – a imprensa diária generalista, de teor liberal, dariatambém o seu contributo para as primeiras fundações desseedifício, sobretudo através do Diário Illustrado (Lisboa,1872). Os primeiros alicerces do jornalismo desportivo,lançados pelo campo dos periódicos especializados, teriamcomo efeito natural a necessidade de criar sustentáculosinformativos mais sólidos e abrangentes, precursores deuma ideia de desporto que conciliasse, num mesmo espaçode diálogos (o periódico), os diferentes imaginários discur-sivos, como eram os casos dos interesses gerais versus osparticulares; amadorismo versus profissionalismo; interes -ses nacionais versus interesses locais; as questões de género(masculino versus feminino); ou as identidades (o desportoenquanto espaço de representação nacional).

Começou-se a falar destas questões a partir do momen-to em que se criou um jornalismo desportivo generalistade qualidade (a partir da primeira década do século XX),capaz de olhar para uma realidade globalizante à volta dofenómeno desportivo, rompendo com as tradicionais

MEMÓRIA

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:22 Page 50

JJ|Out/Dez 2011|51

O futebol ganha presença na imprensa

desportiva a partir da década de 1910

A morte do maratonista português Francisco

Lázaro, nos Jogos Olímpicos de Estocolmo-

1912, foi uma verdadeira tragédia nacional

O aparecimento da Selecção Nacional de

Futebol, em 1921, contribuiu para a consoli-

dação da imprensa desportiva

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:22 Page 51

52|Out/Dez 2011|JJ

visões, fechadas e seccionadas, à volta da actividadedesportiva em Portugal. Como o Gráfico 1 ilustra, aevolução da imprensa periódica desportiva portuguesapautou-se por uma linha heterogénea, patenteando ummisto de crescimento regular (entre as décadas de 1870 e1910 e as de 1960 e 1990), com uma fase de profundasassimetrias (entre os anos 1920 e 1950), apresentando, astrês retóricas programáticas, evoluções distintas, emboraeditorialmente complementares.

Gráfico 1 – Evolução da Imprensa Periódica Desportiva

Portuguesa por Décadas

A evolução da imprensa desportiva generalista foi umdos principais factores que condicionou o processo evolu-tivo geral da imprensa desportiva portuguesa, ditando asinflexões e os momentos de apogeu – como na década de1920, em que os periódicos desportivos generalistasestiveram na origem de 107 das 166 publicações desporti-vas criadas em Portugal (ver Gráfico 1), sendo criado nestaaltura o primeiro diário desportivo português, o Diário deSport (Porto, 1924). A linha genealógica deste género deimprensa começou a formar-se, de modo sustentado, apartir da revista Tiro e Sport (Lisboa, 1904 -1913), periódi-co que conjugava um jornalismo desportivo eclético e dequalidade, uma Redacção inclusiva e polivalente, umgrafismo cuidado, uma alargada rede de correspondentes(nacionais e internacionais), um fotojornalismo inovadore uma dinâmica editorial e organizacional promotora deuma ideia de desporto na sociedade portuguesa. Estaspreocupações editoriais estavam intimamente rela-cionadas com a necessidade, cronicamente latente naimprensa desportiva portuguesa, de igualar os modelosde qualidade apresentados pelas publicações europeiasdo género, principalmente o modelo francês.

Ao longo do século XX, apesar da fugacidade crónica dosperiódicos desportivos em Portugal – formando-se aintransponível barreira temporal dos três meses de edição(530 periódicos publicaram somente um a dez números eunicamente 14 teriam mais de mil edições) –, a herança edi-torial construída pelo Tiro e Sport, na década de 1900, seriaperpetuada ao longo do século XX por um restrito leque de

periódicos, centralizados nos dois principais núcleosurbanos de Lisboa (dos 940 periódicos, 515 surgiram na ca -pital) e Porto (com um total de 100 periódicos desportivos),seguindo-se Coimbra (34 periódicos desportivos), Açores(27), a província ultramarina de Angola (23), Setúbal (19) e aMadeira (14). A herança matricial do Tiro e Sport seria con-tinuada, em Lisboa, por O Sport de Lisboa (1915-1934), OsSports (1919-1945), Stadium (1932-1951), A Bola (1945),Mundo Desportivo (1945 -1980), Record (1949) e Gazeta dosDesportos (1981-1995) e, na Cidade Invicta, pelo Sporting(1921-1953), O Norte Desportivo (1934-1983) e O Jogo (1985).Fora da dupla centralidade urbana de Lisboa e Porto, masnum âmbito discursivo mais regionalista, embora igual-mente doutrinal, publicaram-se A Voz Desportiva (Coimbra,1926-1975), o Correio Desportivo (Funchal, 1926-Século XXI)e o Angola Desportiva (Luanda, 1930-1971).

Este restrito grupo de periódicos assumiu-se como ocentro irradiador de ideias, saberes e exemplos, confluin-do nele todo o género de estratégias, quer as de índoleagregadora (definição laboral, independência e isençãojornalística, associativismo de classe, condutas doutrinais,solidariedade profissional, combatividade à censura,imaginário nacional e internacional), quer as de cariz con-correncial e fracturante (amadorismo vs. profissionalismo,guerra Norte-Sul, antagonismos individuais, editoriais,desportivos e empresariais).

Apesar da centralidade noticiosa de Lisboa (55 por centodos jornais desportivos surgiram na capital) e, num segun-do nível, do Porto, a imprensa periódica desportiva só ga -nhou uma verdadeira dimensão nacional com a prolifer-ação de uma imprensa periódica desportiva regional, a par-tir do final da década de 1910 (assente num modelo indivi -dualizado de proprietário, director e editor, habitualmenteligado ao mundo tipográfico). Esta fase marcaria tambémuma primeira inversão na postura editorial dos fazedores dejornalismo desportivo, sobrepondo, pela primeira vez, anotícia à doutrina (apologética e defensora de uma ideia dedesporto, como forma de regenerar o homem português) –definia-se um duplo papel para a função do jornalistadesportivo: repórter e doutrinário, numa visão identitáriaque marcaria a sua acção discursiva ao longo do século XX.

A realidade da imprensa desportiva especializada, emtermos evolutivos, foi distinta à generalista (ver Gráfico 1),apresentando maior instabilidade editorial e volubilidade,fruto das profundas mudanças nos hábitos sociais edesportivos ao longo do século XX. O histórico binómiotemático formado pela caça e pesca (com um total de 27periódicos), o ciclismo (18 periódicos) e, sobretudo, a tauro-maquia (44 periódicos) e o automobilismo (39), sem esque-cer o motociclismo (12) e os desportos motorizados (11),foram os principais eixos temáticos em que assentou o tra-jecto deste género de imprensa, geralmente criadora depublicações em formato revista, ilustradas e fundadas porum grupo de entusiastas da modalidade, mantendo empermanência uma postura doutrinal – de forma a pro-

MEMÓRIA Breve histór ia da imprensa desport iva em Portugal

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:22 Page 52

JJ|Out/Dez 2011|53

Em 1924 surgiu o primeiro jornal diário

desportivo

Em 1925 surgiu um jornal desportivo para cri-

anças

A revista Sporting foi uma das principais vozes

desportivas da cidade do Porto entre os anos

1920 e 1950

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:23 Page 53

54|Out/Dez 2011|JJ

mover a sua área temática, num duplo objectivo: cativarmais praticantes e leitores. A partir da década de 1960, assis-tiu-se a um gradual crescimento da imprensa desportivaespecializada, confirmado ao longo dos anos 1980 e 1990,consequência directa da crescente redefinição empresarialdo campo mediático e do jornalismo desportivo emPortugal, e do próprio meio publicitário à volta dodesporto. O futebol, tema dominador no discurso desporti-vo, contou apenas com pouco mais de uma dezena de pe -riódicos especializados entre 1875 e 2000, o que em medidase explica pela sua hegemónica presença e cobertura noti-ciosa nas páginas da imprensa desportiva generalista.

Um outro espaço de criação de periódicos desportivosrelacionou-se com a actividade editorial dos clubes e dasinstituições desportivas (incluindo as de índole académi-co), tornando-se um campo dominador, em termos mera-mente numéricos, entre as décadas de 1930 e 1970, assen-tando essa hegemonia na necessidade recorrente dosclubes defenderem os seus interesses e informarem. Mas,este acto de informar, não era isento, nem independente enem sempre ideologicamente doutrinal. Apresentava-separcial e sectário, destinado a um adepto, simpatizante ouindivíduo que comungava e partilhava de um mesmoobjectivo comum, ligado a um determinado clube ouinstituição. Apenas o espaço clubista e institucional ligadoao futebol, temática hegemónica em Portugal, conseguiusolidez nos seus projectos editoriais.

Linhas doutrinaisO periódico desportivo, enquanto «teatro de represen-tações»3 da sociedade portuguesa, contém, na suadesmontagem discursiva e doutrinal, um vasto leque deheranças culturais (Nunes, 2001: 321), algumas de carizancestral, adaptadas a esta nova realidade: o desporto. Asideias construídas nas páginas dos jornais desportivosportugueses reflectiram, antes de tudo, uma visãonacional, determinada pelo imaginário português pre-sente no período histórico em que foram produzidas. Emgeral, a ideia de Portugal alternou entre os sentimentos deregeneração e os de decadência, num dilema crónicoentre um presente doloroso e a herança de um passadoglorioso (o das Descobertas, pejado de glórias e heróis).Os sentimentos de esperança e regeneração surgiam, deforma recorrente, em épocas de mudança política, comosucedeu logo após 1910, 1926 e 1974, enquanto os discur-sos negativistas e decadentistas eram produzidos nasfases em que imperava a desilusão, provocada pelo fracas-so das expectativas geradas à volta da mudança, com omundo da política a ser apontado, permanentemente,como a causa da decadência nacional.

Ao longo do século XX, a imprensa periódica desportivaportuguesa preconizou uma ideia de desporto globalizante(numa espécie de matriz olímpica, à escala local e nacional),quer em relação ao indivíduo, quer à sociedade, potenci-

adora de um novo ambiente social, ambicionando a for-mação de um novo Homem português, cujas qualidadesdeveriam copiar as do homem desportivo, assumindo-se odesporto como um dos motores da transformação. Era re -gular, e potenciado, o aparecimento e a valorização da figu-ra do herói desportivo, que encarnava as qualidades dessetão desejado novo Homem – um dos primeiros modeloscriados no imaginário português foi o atleta FranciscoLázaro, no início da I República, sendo a sua morte nosJogos Olímpicos de Estocolmo-1912 utilizada para fins depropaganda política –, em oposição ao tradicional indiví-duo, moldado no conservadorismo do fado, da educaçãofradesca, da desorganização, do mar e da taberna.

Os discursos da imprensa periódica desportiva foramtambém dominados pelo sentimento de pequenez relativa-mente a Portugal, identificando-se, por isso, com os dilemasexistenciais dos povos e nações, geográfica e demografica-mente, pequenas. Porém, o sentimento que nos levava anutrir afeição pelos países pequenos (como a Finlândia) erao mesmo que nos empurrava para ambicionar ser como asnações poderosas, posição ocupada nos Descobrimentos. OPortugal apresentado nos jornais desportivos era um paísque convivia mal com a sua pequenez, ambicionando sercomo os países europeus poderosos4, apelando por isso àadopção dos processos de sucesso anglo-saxónicos, princi-palmente os germânicos – neste contexto imaginário, asideias de progresso e de força foram acarinhadas naimprensa desportiva, sempre que não tivessem um fimestritamente bélico, numa apologia ao industrialismo comoforma de modernizar a decrépita sociedade portuguesa.

A popularização das ideias de desporto e educação físi-ca foram apontadas como fórmulas explicativas da superi-oridade das nações europeias mais poderosas, assumindoa prática desportiva diversos sentidos: promover apreparação física entre o cosmos masculino; criar novosespaços de emancipação feminina; abrir novas dimensõesde afirmação das nações através da competição; reforçaras relações internacionais e a visibilidade de Portugal naEuropa e no Mundo. Esta conjuntura doutrinal estariapresente de forma recorrente na evolução memorial daimprensa desportiva portuguesa.

Reflexões em abertoEntre 1875 e 2000, os media assumiram um papel central naconstrução das identidades sociais da sociedade contem-porânea, através dos seus discursos e formas culturaisdominantes – as sociedades modernas passaram a vivergrande parte da sua experiência cultural através dos media(Thompson, 1990: 68). E o discurso mediático produzidonão só passou a influenciar as atitudes, os valores e os com-portamentos das audiências, como construiu «o self de umaforma normalizadora e normativa» (Seidman, 1997: 48). Nocaso português, no entanto, tem sido dada poucaimportância ao estudo dos processos sociais e culturais que

MEMÓRIA Breve histór ia da imprensa desport iva em Portugal

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:23 Page 54

JJ|Out/Dez 2011|55

A Eco dos Sports foi uma das mais impor-

tantes revistas desportivas ilustradas

A imprensa desportiva francesa foi sempre o

grande referencial

Os Sports contribuiu para a profissionalização

do jornalismo desportivo português

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:23 Page 55

56|Out/Dez 2011|JJ

ligam media e desporto, isto apesar da enorme importânciae relevância que o desporto (nomeadamente o futebol)desempenha na sociedade portuguesa. Esse relevo socialfez com que o periódico desportivo, enquanto objecto deleitura e discussão, fosse predominante na leitura jornalís-tica ao longo do século XX. Mas o espaço português dereflexão académica, produtor de saberes e de compreensão,manteve-se afastado do estudo histórico sobre media edesporto ao longo do século XX. Este afastamento torna-seainda mais surpreendente se tivermos em conta que umagrande parte da relação dos indivíduos com o desporto, emespecial o futebol, passou gradualmente a ser, nas últimasdécadas, profundamente mediatizada, ou seja, vividaatravés dos media: como fica patente no sucesso editorialdos jornais desportivos, nas emissões desportivas de rádio(cujos primeiros relatos de futebol começaram em 1935) enas transmissões televisivas dedicadas ao desporto (emespecial ao futebol, iniciadas em 1958). E não podemosesquecer que o crescimento do próprio desporto portuguêsesteve umbilicalmente dependente do apoio da imprensadesportiva – os media moldaram, em grande medida, ocaminho que o desporto tomou na sociedade portuguesa.

A ideia de desporto, nas últimas décadas do século XX,passou a ser largamente sustentada, tal como um vastoconjunto de outras actividades, pelas indústrias dosmedia, «as quais não estão simplesmente envolvidas natransmissão e apoio financeiro de formas culturais pre-existentes, mas também na transformação activa dessasformas» (Thompson, 1990: 163). Por exemplo, no tocanteaos discursos dos media sobre a nação5 e a identidadenacional, tornou-se célebre o trabalho de BenedictAnderson (1983), que demonstrou o papel central daimprensa no processo de imaginação da comunidade-nação, ou seja, dos Estados-nação, apresentando-se os dis-cursos desportivos, produzidos nos media, como umobjecto de enorme importância nesse campo de análise.No caso português ganharia relevância o estudo sociológi-co de João Nuno Coelho (2001) sobre o discurso de naçãoe identidade nacional nas páginas do jornal desportivo ABola, entre 1945 e o final do século XX.

Como qualquer texto jornalístico ou literário, os jornaisdesportivos oferecem representações, versões, visões darealidade. Porém, no caso da imprensa desportiva por-tuguesa é fundamental percebermos que essas represen-tações da realidade atingiram, durante o século XX, largosmilhões de indivíduos – isto num País em que os índices deleitura foram sempre, e continuam a ser, reduzidos.Algumas dessas representações centraram-se no próprioPaís e nos seus habitantes, constituindo-se em narrativassobre Portugal e os portugueses, sobre as suas supostas ca -racterísticas, ou seja, sobre as chamadas idiossincrasias de«ser português», mas também sobre o valor do País relativa-mente aos outros. No fundo, os jornais desportivos pro-duzem discursos sobre a identidade e ao fazerem-no pro-duzem identidade e cultura, num sentido lato. Neste ponto

de reflexão, não podemos esquecer que a cultura «tem pelomenos dois sentidos, e um dos sentidos é o que se refere aotecido de significados e imagens que permitem a um grupode pessoas a sua coabitação dentro de um espaço; o outro éum sentido mais reflexivo, e digamos assim, mais cons -ciente, que é o da produção de objectos que se referem aesse tecido de significados» (Cabral, 1993: 21). Os jornaisdesportivos fazem parte destes dois sentidos de que falaJoão Pina Cabral, uma vez que são uma forma de produçãode conhecimento sobre a realidade portuguesa, não só adesportiva, porque é impossível compartimentar a infor-mação e o conhecimento. A narrativa jornalística desporti-va apresenta várias leituras da realidade e teve no séculoXX um grande impacto dada a enorme capacidade dechegar aos indivíduos, de forma massificada.

Conclusões gerais A identificação de 940 periódicos desportivos em Portugal,entre 1875 e 2000, permite perfeitamente afirmar que ojornalismo desportivo foi no século XX uma das principaisáreas da informação especializada, quer em termos detiragens e vendas, quer na centralidade discursiva popu-lar, assumindo três grandes dinâmicas ao longo dahistória: uma primeira assente num jornalismo genera -lista (anos 1920 e 1930), uma segunda à volta da infor-mação clubista e institucional (década de 1950) e uma ter-ceira centrada nos periódicos especializados (anos 1980 e1990). A sua adaptabilidade gráfica, emotividade discursi-va ou capacidade organizativa contribuíram para a con-solidação do periódico desportivo junto do leitor por-tuguês (infantil, juvenil e adulto, sobretudo na dimensãomasculina, com a presença, residual, do feminino).

Quanto ao papel do jornalista desportivo, este sofreutrês fases evolutivas. Entre o final do século XIX e a décadade 1910, assumiu o triplo papel de participante no actodesportivo, fazedor de notícias e patrocinador do periódi-co, adoptando a dualidade de jornalista e doutrinário, pro-movendo a causa desportiva, em prol do benefício social.No início da década de 1920, com a proliferação dos pe -riódicos desportivos generalistas, reflexo da popularizaçãoda ideia de desporto (em especial do futebol), um poucopor todo o País, o jornalista desportivo passa a ter ao seudispor um maior volume noticioso, ocupando mais tempocom o trabalho de repórter do que com as questões doutri-nais, embora estas continuem a perpetuar-se nas linhas edi-toriais dos periódicos, como forma de legitimação moral esocial da ideia de desporto. A partir do início dos anos 1940,a linha geradora de novos periódicos, dedicados a pro-mover a ideia de desporto, termina definitivamente, man-tendo-se, no entanto, o espírito de missão pela causadesportiva, que só viria a ser abandonado na segundametade da década de 1970, quando as sociedades comerci-ais (vocacionadas para um princípio de lucro) começaram adominar a propriedade dos periódicos desportivos.

MEMÓRIA Breve histór ia da imprensa desport iva em Portugal

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:23 Page 56

JJ|Out/Dez 2011|57

O surgimento da rádio, em 1935, alterou

alguns dos hábitos da imprensa desportiva,

como viria a suceder a partir de 1957 com a

televisão

A publicidade deu os primeiros

passos nos campos de futebol

na década de 1930. «Usem

Sabonete Taipas» era a men-

sagem publicitária exibida

nesta faixa durante um jogo em

1933

Política e futebol. Em 1933, a

promessa de Salazar em constru-

ir um estádio nacional foi recebi-

da com euforia

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:23 Page 57

58|Out/Dez 2011|JJ

Um outro aspecto importante foi a memória colectivadas redacções dos periódicos desportivos, a qual se man-teve e perpetuou, ao longo do século XX, pela transmissãode saberes entre as várias gerações de jornalistas, existindouma dialéctica permanente, nem sempre positiva, entreuma nova geração, ávida de protagonismo e celebridadesocial, e uma velha geração, conhecedora do passado dodesporto e das cambiantes vivenciais do mundo desporti-vo. Em termos evolutivos, a primeira geração de jornalistasdesportivos, a dos «pioneiros», construiu a notícia desporti-va até finais da década de 1910, seguindo-se a geração dos«mestres» até à década de 1950, sucedendo-se uma geraçãomarcada pela herança desses mesmos «mestres» durante osanos 1960 e 1970, herança que só desapareceu com a chega-da de uma nova geração de jornalistas desportivos na déca-da de 1980, pouco receptiva aos valores do passado e mar-cada pela assunção do total profissionalismo redactorial nojornalismo desportivo português.

Relativamente às questões temáticas abordadas nosjornais desportivos, o futebol só ganha o estatuto de temadominador a partir de meados da década de 1910, com ojornalismo desportivo a ser nitidamente marcado pelaabertura e o encerramento da época futebolística, temáti-ca avassaladora nos discursos sociais e familiares, graças àpopularização dos principais clubes portugueses (SLBenfica, Sporting CP e FC Porto) e ao papel unificador daSelecção Nacional de Futebol a partir de 1921. À volta dofutebol, e dos seus principais clubes, iria desenvolver-se onoticiário (e as tiragens) da imprensa desportiva genera -lista de referência ao longo do século XX, dominando obinómio escândalo vs. moral, numa retórica de «quantomaior o escândalo, maiores as vendas», seguindo-se aesses momentos de conflitualidade (encarnados emtemáticas como a guerra Norte-Sul, as agressões aos jor-

nalistas ou corte de relações entre periódicos) os apelos àcalma e os editoriais moralistas e de defesa do bom nomedo futebol e da causa desportiva. O periódico desportivo,além de produtor de discurso textual, apresentou tradi-cionalmente um extraordinário cariz visual, promovendouma memória desportiva fotográfica desde os primórdios,prolongando-se pelo século XX, sublinhando-se as ino-vadoras revistas Foto Sport (Lisboa, 1924), Eco dos Sports(Lisboa, 1926-1928), Stadium (Lisboa, 1932-1951), SportIlustrado (Lisboa, 1957-1959) e Mundial (Lisboa, 1996-2000), entre outras.

O periódico desportivo, nas suas facetas de narrador eilustrador do mundo desportivo, teve necessidade decriar regularmente os seus heróis, figuras essenciais naedificação das identidades desportivas, quer ao nível dosclubes, quer no patamar da identidade nacional, princi-palmente durante o período do grande Portugal ultra-marino – para isso também contribuiu a imprensadesportiva do Ultramar, muito activa em Angola eMoçambique. O mundo do futebol foi um espaço privile-giado e fértil para a descoberta de heróis, surgindo tam-bém, ocasionalmente, ídolos nacionais nos campos doatletismo e do ciclismo. E o estatuto de semideus nacionalsó ganhou uma dimensão feminina (sempre muito pre-sente na imprensa desportiva), embora de cariz episódico,nas décadas de 1980 e 1990, altura em que o heróidesportivo português voltou a centrar-se em si mesmo eno culto da personalidade, afastando-se do estatuto deexemplo social e promotor da causa desportiva.

A censura (no período do Estado Novo), a auto-censurae o mundo das pressões internas e externas nas Redacçõesforam também três dimensões presentes na evolução daimprensa periódica desportiva portuguesa. Os periódicosdesportivos tiveram que se adaptar a cada uma dessas

MEMÓRIA Breve histór ia da imprensa desport iva em Portugal

Mulher e

desporto.

Embora

tipicamente

masculina, a

imprensa

desportiva

sempre

promoveu o

desporto

feminino

A Stadium

foi a revista

desportiva

ilustrada mais

relevante do

século XX

português

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:23 Page 58

JJ|Out/Dez 2011|59

realidades (entre 1926 e 1974 sofreram um controlo efecti-vo por parte dos serviços da censura, com multas regularespor incumprimento dos regulamentos impostos à impren-sa), estabelecendo dialécticas próprias, nos diferentesmomentos temporais e espaços de representação.

A história do periódico desportivo português foi aindadeterminada pela história do jornalismo desportivo nosdiários de informação generalista (a partir do século XIX), narádio (desde a década de 1930) e na televisão (na esfera estatale pública entre os anos 1950 e 1980, entrando na dimensão datelevisão privada a partir da década de 1990). Cada um des -ses espaços informativos determinou uma nova faceta para ojornalista desportivo, que na segunda metade do século XXdeixaria definitivamente o caminho do amadorismo (remu-neratório e laboral) para enveredar pelos trilhos do profis-sionalismo (melhores remunerações e estatuto profissional) edo associativismo (consolidando uma ideia de classe na déca-da de 1960 e o direito a ter carteira profissional de jornalista),acompanhando a própria transformação do desporto, comorealidade familiar, em «desporto-espectáculo», com asaudiências como nova e determinante realidade.

O exemplo estrangeiro serviu quase sempre como referen-cial permanente para a imprensa periódica desportiva por-tuguesa, nas suas mais variadas vertentes, desde questõeseditoriais, gráficas ou temáticas, até à escolha de títulos. Aimprensa desportiva francesa assumiu-se como o principalmodelo para a imprensa desportiva portuguesa (com oL’Auto (Paris, 1903-1945), depois rebaptizado de L’Équipe(Paris, 1946-Actualidade), como principal referencial), recor-rentemente preocupada em igualar os patamares qualitativos(em grafismo, papel e jornalísticos) da imprensa francesa.

EpílogoO estudo da imprensa periódica desportiva portuguesaentre 1875 e 2000 se por um lado permitiu delimitar tem-poralmente o fenómeno e contabilizar a sua real influên-cia (940 periódicos), abriu igualmente novas portas deinvestigação, em diferentes âmbitos históricos, como são odesporto, os media, as identidades, as instituições, asbiografias desportivas e jornalísticas, o espaço dos heróis,o colonialismo, a sociedade, a política ou a cultura (arelação entre o desporto e a literatura-teatro-cinema éuma dessas divisões em aberto). Este trajecto evolutivoaqui analisado não inclui uma realidade – a Internet –alteradora das dinâmicas tradicionais da imprensa pe -riódica, existindo nesse novo campo exploratório umvasto espaço de análise, embora ainda na dimensão inter-pretativa do ensaio, devido à falta de distanciamentohistórico. As novas realidades empresarias no campo dosmedia, as diferentes facetas do «desporto-espectáculo» oua especialização, cada vez mais dominante, do jornalismodesportivo, constituem também vertentes a explorar, numcontexto, como o português, cada vez mais receptivo aestudos no âmbito da realidade desportiva.

BIBLIOGRAFIA l Anderson, B. (1983). Imagined Communities.Londres: Verso.l Cabral, J. P. (1993). Existe uma cultura portugue-sa? In V. O. Jorge & A. S. Silva (Eds.). Existe umacultura portuguesa? Lisboa: Difel.l Coelho, J. N. (2001), Portugal, A Equipa de TodosNós – Nacionalismo, Futebol e Media, Porto,Edições Afrontamento.l Coelho, J. N. & Pinheiro, F. (2002). A Paixão doPovo: História do Futebol em Portugal. Porto:Edições Afrontamento.l Hargreaves, J. (1986). Sport, Power and Culture.Cambridge: Polity Press.l Lourenço, E. (1991), O Labirinto da Saudade.Lisboa: Dom Quixote.l Nunes, M. F. (2001). Imprensa Periódica Científica(1772-1852). Lisboa: Estar Editora.l Pinheiro, F. (2006). A Europa e Portugal naImprensa Desportiva. Coimbra: MinervaCoimbra. l Pinheiro, F. (2011). História da ImprensaDesportiva em Portugal. Porto: EdiçõesAfrontamento.l Thompson, J.B. (1990). Ideology and ModernCulture. Cambridge: Polity Press.l Seidman, S. (1997). Relativizing Sociology. In E.Long (Ed.), From Sociology to Cultural Studies.Londres: Blackwell Press.

NOTAS1) Historiador e investigador de pós-doutoramentono CEIS20 (Centro de Estudos Interdisciplinares doSéculo XX), na Universidade de Coimbra, combolsa da FCT – Fundação para a Ciência e aTecnologia. Mais informações sobre o autor emwww.ceis20.uc.ptemail: [email protected]) Este artigo apresenta algumas das linhas mestrasda obra História da Imprensa Desportiva emPortugal, da autoria de Francisco Pinheiro, publica-da pelas Edições Afrontamento em 2011. 3) Burke, P. (1992). O mundo como teatro. Estudosde antropologia histórica. Lisboa: Difel.4) Nesta dualidade sentimental está presente oprincípio de «descentragem» permanente dos por-tugueses da sua própria realidade, abordada naobra reflexiva de Eduardo Lourenço (1991: 73).5) Outra obra importante neste campo foi Sport,Power and Culture, escrita por Hargreaves, na qualdefendia a ideia de que os media eram «a maisimportante instituição reprodutora da unidadenacional» (1986: 154).

JJ

50_Memoria desportiva:50_Memoria desportiva.qxd 29-11-2011 12:23 Page 59

60|Out/Dez 2011|JJ

As VariedadesA primeira revista impressa no Brasil

As Variedades ou Ensaios de Literatura é a primeira revista impressa noBrasil. Essa primazia baiana é mais um item do legado que nos deixouo empresário de origem portuguesa Manoel Antonio da Silva Serva.Ele a imprimiu há cerca de 200 anos, em janeiro de 1812. Circularamapenas três números, o último, duplo, em março de 1812. A únicacoleção localizada por quem estudou As Variedades ou Ensaios deLiteratura permanece em Salvador e enriquece o valioso acervo daFundação Clemente Mariani.

Texto Luis Guilherme Pontes Tavares*

OGoverno do Estado da Bahia, através daFundação Pedro Calmon, órgão subordina-do à Secretaria da Cultura, em parceria coma Associação Bahiana de Imprensa – ABI –,a Empresa Gráfica da Bahia – Egba – e o

Núcleo de Estudos da História dos Impressos da Bahia –Nehib – trabalha no projeto de uma nova edição fac-similiarda revista. O propósito dos parceiros é lançar o produto emjaneiro do próximo ano de modo a comemorar o bicentená-rio da primeira revista brasileira.

Lhes informo neste início de conversa que houve umaedição fac-similar anterior. Em 1982, o Arquivo Público doEstado da Bahia, quando o dirigia a pesquisadora AnnaAmélia Vieira Nascimento, publicou no primeiro número dasérie “Documentos e Estudos de História e Literatura daBahia: inéditos e reimpressos” o título A primeira revista lite-rária brasileira: As Variedades ou Ensaios de Literatura que con-siste do fac-símile da coleção da revista e do texto introdutó-rio da autoria do bibliófilo Renato Berbert de Castro, a quemcoube a iniciativa do volume.

Coleção raríssima Há dois textos fundamentais que informam sobre a primei-ra revista brasileira: “A primeira revista brasileira (1812), AsVariedades ou Ensaios de Literatura, da Bahia” do historiadormineiro Hélio Vianna. É o primeiro capítulo do seu livro

Contribuição à história da imprensa brasileira (1812-1869), publi-cado em 1945 pela Imprensa Nacional, e a “Introdução” donúmero 1 da série do Arquivo Pública já referida. O primei-ro antecede o outro em quase 40 anos, de modo que o biblió-filo agrega ao estudo pioneiro de Hélio Vianna informaçõesque corrigem um ou outro equívoco.

Tanto o professor Hélio Vianna quanto o bibliófiloRenato Berbert de Castro tiveram em mãos e examinaram ovolume encadernado que contém a coleção de As Variedades.Hélio Vianna o examinou quando a obra raríssima aindapertencia ao historiador fluminense Francisco Marques dosSantos. Renato Berbert de Castro examinou o mesmo volu-me após o colecionador o doar ao Instituto Geográfico eHistórico da Bahia quando esteve ali por ocasião do ICongresso de História da Bahia realizado em 1949. Atéprova em contrário, é o volume que ora integra o acervo daFundação Clemente Mariani, em grande parte adquirido dobibliófilo Renato Berbert de Castro.

O volume tem o aspecto de cópia muito bem feita porcausa da intervenção restaurativa que o historiador e cole-cionador Francisco Marques dos Santos encomendou aobibliógrafo Tancredo de Barros Paiva. A mancha gráfica estápreservada e lê-se bem quase tudo. O historiador HélioVianna e o bibliófilo Renato Berbert de Castro concordamque o volume que chegou aos nossos dias foi organizadopor Manoel Antonio da Silva Serva em 1814, conforme afolha de rosto, com o que restaura dos exemplares do núme-

MEMÓRIA

60a64:60a64.qxd 28-11-2011 14:21 Page 60

JJ|Out/Dez 2011|61

60a64:60a64.qxd 28-11-2011 14:21 Page 61

62|Out/Dez 2011|JJ

ro 1, de janeiro de 1812, e do número duplo – 2 e 3 – demarço de 1812. O número 1 tem 30 página e o númeroduplo (2/3), 67. O primeiro número fora vendido por 560Réis e o número duplo, por 1$120 (hum mil e 120 Réis). Osdois estudiosos não revelam quanto Silva Serva cobrou em1814 pela coleção encadernada. Um detalhe interessante éque a folha de rosto do volume estampa símbolos daMaçonaria.

O historiador Hélio Vianna recolheu no número de 06 demarço de 1812 do Idade d’Ouro do Brazil a explicação do reda-tor (Diogo Bivar?) pelo atraso dos números 2 e 3 de AsVariedades:

O Redator do Periódico denominado As Variedades ouEnsaios de Literatura previne o Respeitável Público desta Cidadee em especial dos srs. Assinantes que benignamente se têm pres-tado para a compra do mesmo Periódico que tendo sido atacadode grave enfermidade, que por ora o tolhe da menor aplicação ecuidado literário, há-de por tal sofrer alguma demora a publica-ção dos folhetos pertencentes aos meses de fevereiro e março, quecontudo se acham redigidos e acabados. No entretanto que oRedator se restabelece completamente, espera ele que o númerodas assinaturas, até aqui muito limitado, se aumentará conside-ravelmente, a fim de que se indenize, pelo menos, das despesas deimpressão, único meio de assegurar a publicação regular de escri-tos desta natureza. O Redator previne outro sim (sic) os srs.Assinantes atuais, e os que de novo concorrerem, que se pela con-tinuação do seu impedimento atual, ou por efeitos de outro qual-quer que possa sobrevir, for obrigado a sobrestar na publicação doPeriódico, ou a abrir mão de sua empresa, ele fará restituir aossrs. Assinantes o que exatamente lhes for devidopelas assinaturas que têm adiantado na conformi-dade do Prospecto da Obra e do Aviso inserido noFolheto de Janeiro.

A tiragem pequena (quantos exemplares?) ea falta de cuidado ao longo do tempo autorizamacreditar que o volume de As Variedades quepertence à Fundação Clemente Mariani seja,senão o último, um dos últimos que ainda resta.Colabora com essa hipótese a constatação feitapelo historiador Hélio Vianna: a revista nãoaparece em listas do século XIX e do início doséculo XX, tais como o Catálogo da coleção de espé-cimes de jornais e demais periódicos brasileiros orga-nizada para figurar na exposição comemorativa do 1ºCentenário da Imprensa Periódica como contribuiçãoda Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, de 1908,assim como fora omitida também, em 1907, da“prestimosa Biblioteca Brasiliense”, obra organi-zada pelo bibliófilo José Carlos Rodrigues.Registre-se que a Bahia remeteu exemplares deperiódicos baianos para a exposição de 1908 naBiblioteca Nacional, o que reforça a suposição de que não sedispunha aqui do volume que somente em 1949 passou aintegrar o acervo do Instituto Geográfico e Histórico da

Bahia devido a doação do historiador Francisco Marquesdos Santos.

Conforme a “Introdução” de Renato Berbert de Castropara a publicação de 1982 patrocinada pelo Arquivo Públicodo Estado da Bahia, os sumários dos três números são oseguinte:

Traz o número 1 da revista a seguinte matéria: “Sobre a felici-dade doméstica”, de p. 1 a 15; “Da navegação entre os antigos”, dep. 15 a 21; “Costumes e usos do México (extrato da Viagem de Mr.Thierry)”, de p. 21 a 25; “Instrucção militar”, de p. 25 a 26;“Brioso desafio”, de p. 26 a 27; “Anecdotas e bos ditos”, de p. 27 a39, e “Rasgos de esperteza” de p. 29 a 30.

Consta desse número duplo [2 e 3] da revista baiana o últimoque foi publicado, 67 páginas, contendo os seguintes trabalhos:“Quadro demonstrativo ou chronologia da philosophia antiga”, dep. 1 a 34; “Theoria nova e curiosa sobre a origem dos gregos”, de p.34 e 35; “Das sciencias e das bellas letras”, de p. 36 a 40;“Observações sobre a política”, de p. 41 a 45; “Da bondade”!, de p.45 a 49; “Da conversação”, de p. 50 a 51; “Continuação dos costu-mes e usos do México (extracto da Viagem de Mr. Thierry)”, de p.52 a 60; “Doutrinas militares. Necessidades de entrar cedo no ser-viço”, de p. 60 a 62; “Anecdotas e bos ditos”, de 62 a 67, e “Erratas”,p. 67.

Pouquíssimos leitoresRecapitulemos que o empresário Manoel Antonio da SilvaServa chegou de Portugal em 1797 com autorização da

Corte para atuar no comércio deSalvador, inclusive com a missãode representar a Real Fábrica deCarta de Jogar. O casal Cybelle eMarcello de Ipanema, no clássicoA tipografia na Bahia, abre a hipóte-se de que o comerciante estava naBahia desde 1788 ou 1789, masnão cabe aqui enveredar por estaquestão que requer, como outrastantas sobre o tema, mais e maisestudos. Certo é que Silva Serva,nos primeiros anos do século XIX,era um dos “homens de bem” daCapital, membro da administra-ção da Irmandade da Devoção doSenhor do Bom Jesus do Bonfim,com prestígio suficiente junto aogovernador geral da Bahia, domMarcos de Noronha e Brito, o 8ºConde dos Arcos, para beneficiar-se do trâmite rápido do pedido

que fizera para instalar em Salvador a primeira tipografia.Em 13 de maio de 1811, Manoel Antonio da Silva Serva

inaugurou sua oficina tipográfica no Morgado de Santa

MEMÓRIA As Variedades

Em 13 de maio de 1811,Manoel Antonio da Silva Serva (chegado dePortugal em 1797 com autorização da Corte para atuar no comércio de Salvador, inclusive com a missão de representar a Real Fábrica de Carta de Jogar.) inaugurou sua oficina tipográfica no Morgado de Santa Bárbara, ampla construção do século XVII.

60a64:60a64.qxd 28-11-2011 14:21 Page 62

JJ|Out/Dez 2011|63

Bárbara, ampla construção do século XVII localizada noComércio, próxima ao que veio a ser a Praça da Inglaterraapós os sucessivos aterros da orla vizinha. Na ocasião, dis-tribuiu o prospecto em que anunciava para o dia seguinteo lançamento do primeiro jornal baiano. No dia 14 demaio, estreou o Idade d’Ouro do Brazil, o primeiro jornal deSalvador, dando início a tormentosa relação entre o veícu-lo e os assinantes que atrasavam ou nãohonravam o pagamento. Silva Servapublicava com frequência o apelo paraos pagamentos. Apesar disso, ele teve aaudácia de, em janeiro de 1812, lançar arevista As Variedade ou Ensaios deLiteratura, destinada ao mesmo pequenopúblico constituído de autoridades,comerciantes e donos de engenho.

É surpreendente a informação dobibliófilo Renato Berbert de Castro noseu livro A primeira Imprensa da Bahia esuas publicações de que Silva Servacomercializava a assinatura do Idaded’Ouro do Brazil no Rio de Janeiro, capi-tal do Reino e sede da Corte, cidade naqual o príncipe regente dom João fun-dara desde 13 de maio de 1808 aImpressão Régia. Audaz e determina-do, Silva Serva, que fabricava prelo etipos móveis, que fizera de sua tipo-grafia a primeira escola de ArtesGráficas da Bahia, que tentara implan-tar uma fábrica de papéis em Salvador para aproveitara fartura de folha de bananeira, fez quatro viagens aoRio de Janeiro para comercializar livros, periódicos,outros impressos e encomendas gráficas. Da última, em1819, não retornou e foi ali enterrado.

O bibliófilo Renato Berbert de Castro localizou no Riode Janeiro, encartado na coleção do Idade d’Ouro do Brazilrelativa aos anos de 1811 e 1812 que pertence ao InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro, o prospecto com o qualSilva Serva colocava à venda a assinatura de As Variedadesou Ensaios de Literatura. O texto, no que se refere ao conte-údo pretendido para o novo periódico, é semelhanteàquele que figura no número um da revista e que constado capítulo que Hélio Vianna dedica a As Variedades no seuContribuição à história da imprensa brasileira:

(…) Reflexões profundas sobre as virtudes sociais e os costu-mes, algumas novelas de escolhido gosto moral, extratos de via-gens, resumo da história antiga, pedaço de Autores clássicos querem prosa, quer em verso, anedotas curiosas, tudo, em uma pala-vra, que pode compreender-se na expressão geral de Literatura,são os materiais de que o Redator se há de servir para que estacompilação, que pelo correr do tempo se ampliará a alguns ramosdos conhecimentos científicos propriamente ditos.

O mesmo prospecto roga para que o futuro assinante

não desampare a publicação:

Se o amor da Pátria e o gosto das Letras suscitou ao Redator aideia de uma tarefa de tamanho peso, ele espera igualmente que oRespeitável Público desta cidade, por efeito daqueles sentimentos depatriotismo e de generosidade de que tem dado tão repetidas provas,se prestará a acolhe-la de boa mente, auxiliando e assegurando a

sua publicação pela concorrência de umgrande número de assinaturas, que for-neçam o fundo indispensável para a suaimpressão, sem cuja antecipada certezanão é possível de empreender, e menosde levar avante semelhantes trabalhos.O preço de cada folheto se fixa em 480réis para os assinantes, pagos adianta-dos de 3 em 3 meses, e para os que o nãoforem se venderá a 560 réis.

É sempre bom relembrar a liçãoda professora doutora MariaBeatriz Nizza da Silva que nos ensi-na, em mais de um dos seus livros,que à época do Idade d’Ouro doBrazil e de As Variedades a termino-logia aplicada aos periódicos identi-ficava jornal como publicação literá-ria e gazeta com noticiosa. Portantoo Idade d’Ouro, nos oitocentos, erauma gazeta; e As Variedades, um jor-nal. A terminologia modificou-se

com o passar do tempo e o que outrora era gazeta passou aser jornal e o que era jornal passou a ser revista. Daí porquerevista é o termo que, há algum tempo, define melhor o quefoi As Variedade ou Ensaios de Literatura.

O redator aprisionadoAssim como Manoel Antonio da Silva Serva, também DiogoSoares da Silva de Bivar não está biografado. Esses dois por-tugueses constituíram a dupla de sustentação de AsVariedades. Um como publisher, o outro como redator. TantoHélio Vianna, como Renato Berbert de Castro, Marcelo eCybelle de Ipanema e Maria Beatriz Nizza da Silva apontamDiogo de Bivar como o redator da revista. Ocorre que suatarefa era executada por trás das grades. Ele permaneceupreso no Forte de São Pedro até 1821, condenado que fora,por Portugal, ao degredo sob a acusação de traição. Teria sealiado aos franceses quando se deu, a partir de 1807, a ocu-pação napoleônica. Por trás das grades, Bivar não apenasauxiliava Silva Serva, como pode casar-se e constituir famí-lia.

Diogo Soares da Silva Bivar nasceu em Vila de Abrantes,no leste português, em 06 de fevereiro de 1785, conformeapurou Hélio Vianna. E morreu no Rio de Janeiro em 10 deoutubro de 1865. Viveu, portanto, 80 anos. Seu filho Luis de

Audaz e determinado, Silva Serva, que fabricava prelo e tipos móveis, que fizera de sua tipografia a primeira escola de Artes Gráficas da Bahia, que tentara implantar uma fábrica de papéis em Salvador para aproveitar a fartura de folha de bananeira, fez quatro viagens ao Rio de Janeiro para comercializar livros, periódicos, outros impressos e encomendas gráficas. Da última, em 1819, não retornou e foi ali enterrado.

60a64:60a64.qxd 28-11-2011 14:21 Page 63

64|Out/Dez 2011|JJ

Bivar escreveu que o pai era descendentee de Rodrigo Diazde Bivar, o famoso El Cid Campeador, de Castela, que foidecisivo na expulsão dos mouros do território espanhol.Bivar desembarcou no Brasil como degre-dado, conseguiu reverter a decisão daCorte portuguesa e foi por ela nomeadopara tarefas de censor na Bahia e no Riode Janeiro.

Portugal o condenara ao degredo eter-no em Rios de Sena, em Moçambique, nacosta leste da África. O navio que o con-duzia ancorou no porto de Salvador(quando?) e ele foi recolhido ao Forte deSão Pedro. Fora acusado de jacobinismo ede que teria apoiado o oficial francês Jean-Andoche Junot, o famoso general Junot,que, na ocupação, veio a ser nomeadoduque de Abrantes e governador dePortugal. Bivar formou-se em Direito naUniversidade de Coimbra. Sua fama dehomem ilustrado atravessou as grades enão tardou transformá-lo em auxiliar deSilva Serva. O bibliófilo Renato Berbert deCastro e o historiador Hélio Vianna oapontam como um dos redatores do Idaded’Ouro do Brazil, onde dividiria o trabalho com o padreIgnacio José de Macedo. A historiadora Maria Beatriz Nizzada Silva não afirma, mas, como informamos acima, reconhe-ce que Bivar foi o redator de As Variedades.

Insisto em acrescentar informações sobre Diogo de Bivarporque sua acensão ao círculo dos “homens de bem” daBahia da primeira década do século XIX revela, dentreoutras pistas, a possível ausência de quadros minimamenteletrados para executar a tarefa que lhe coube. O bibliófiloRenato Berbert de Castro localizou vários documentos rela-tivos a Bivar, dentre os quais aqueles relativos ao casamentodele com Violante Ceo e Lima. Foi necessária a autorizaçãodo príncipe dom João, de modo que o conde dos Arcos,governador geral da Bahia, trocou correspondência com oconde de Aguiar, ministro da Corte. Dom João autorizou em05 de outubro de 1812 o enlace, que se deu, conforme oLivro de Casamento da Vitória (1802-1866), em 24 dedezembro do mesmo ano.

Renato Berbert de Castro registrou o apelo que Bivar fezem 1814 ao príncipe regente para que lhe autorizasse “apassear fora do forte”. Isso, todavia, não comoveu o condedos Arcos, que, segundo o bibliófilo e pesquisador, nada fezpara que a decisão fosse favorável. Em 1818, após tratativasneste sentido, a condenação de degredo perpétuo emMoçambique foi comutada para o degredo na Bahia.Somente em 26 de março de 1821, o príncipe regente deci-diu devolver Bivar “ao pleno gozo da sua plena liberdade, ereintegrado em todas as honras e direitos que tinha e per-deu por sentença”.

Não devo me alongar mais a respeito de Diogo Soares da

Silva de Bivar, mas acrescento que ele e Violante tiveram trêsfilhos, todos baianos. Rodrigo Soares Cid de Bivar nasceuem 1812, ops, pelo visto Violante casou grávida. Esse primei-

ro filho do casal formou-se emMedicina na Universidade deAberdeen, na Escócia. O segundofilho, Luiz Garcia Soares de Bivar(1813-1901), foi, segundo o diciona-rista J. F. Velho Sobrinho citado porHélio Vianna, funcionário público eativo jornalista, pois “raro foi o jor-nal do Rio de Janeiro em que nãoescreveu”. Foi o diretor do jornal ARegeneração. Por fim, a filha únicaViolante Atabalipa Ximenes deBivar e Velasco (1817-1875) veria aser a primeira jornalista brasileira,tendo assumido em 1852 a direçãodo Jornal das Senhoras e, em 1873,fundado o semanário O Domingo,ambos no Rio de Janeiro.

Encerro com a sensação deperda que abate a quantos porven-tura tenham ingressado no vastomundo das buscas em arquivos e

bibliotecas. Quanta riqueza a humanidade perdeu ao longode sua trajetória com a ação perversa do tempo, da água, dofogo, dos insetos e dos homens sobre os suportes de infor-mação. Lamento a descontinuidade de milhares de periódi-cos baianos ao longo do tempo, situação que neste instanteme leva a cumprimentar este Instituto Geográfico eHistórico da Bahia pela manutenção e regularidade da suaRevista, a mais antiga revista baiana em circulação.

* Palestra pronunciada, na tarde de 12 de julho de 2011,no Ciclo de Debates 200 anos da Mídia na Bahia, realiza-do pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB..

Referências bibliográficasl CASTRO, Renato Berbert de. A primeira Imprensa da Bahiae suas publicações. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia,1969.l A primeira revista literária brasileira: As Variedades ou Ensaiosde Literatura. N. 1, Série Documentos e Estudos de Históriae Literatura da Bahia: inéditos e reimpressos. Salvador:Arquivo Público do Estado da Bahia, 1982 l IPANEMA, Marcelo & Cybelle de. A tipografia na Bahia.Série Origens das Artes Gráficas e da Imprensa no Brasil.Rio de Janeiro: Instituto de Comunicação Ipanema, 1977.l SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A primeira gazeta da Bahia:Idade d’ouro do Brasil. São Paulo: Cultrix; Brasília: INL, 1978.l VIANNA, Helio. Contribuição à história da Imprensabrasileira. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.

MEMÓRIA As Variedades

Diogo Soares da Silva de Bivar, o redator da revista, desempenhava a sua tarefa por trás das grades. Ele permaneceu preso no Forte de São Pedro até 1821, condenado que fora, por Portugal, ao degredo sob a acusação de traição. Teria se aliado aos franceses quando se deu, a partir de 1807, a ocupação napoleônica. Por trás das grades, Bivar não apenas auxiliava Silva Serva, como pode casar-see constituir família.

JJ

60a64:60a64.qxd 28-11-2011 14:21 Page 64

PUB_MEDIAJORMAL_Pag47:PUB_MEDIAJORMAL_Pag47.qxd 28-11-2011 12:53 Page 45

66|Out/Dez 2011|JJ

Contudo, bem pior é o buracodemocrático de que não se fala – masno qual assentou e floresceu o regimejardinista, acarinhado por todos os

líderes do PSD nacional que sempre aplaudirama ‘eficácia’ do senhor da ilha que, em todas as‘eleições’, arrebanha mais ou três ou quatrodeputados para o laranjal.

Os grandes responsáveis pela craterademocrática e financeira madeirense são, porém,os sucessivos titulares do lisboeta Poder Central -por incompetência, conivência ou simplesencolher de ombros. Se tivessem actuado, comoestavam obrigados, com a Constituição na mão eo regime democrático no coração, o sistemajardinesco teria morrido à nascença.

E já agora, convém não esquecer asresponsabilidades de muitos jornalistas ecomentadores que sempre se puseram de joelhosperante o tiranete. Rever hoje entrevistas feitas porprofissionais de renome deveria ser obrigatórionos cursos de jornalismo – para se aprender o queos jornalistas não devem, nem podem, fazer.

O REVERSO DA MEDALHA. Jardim tem umarelação com os media que se situa no domíniodo patológico. Não se liberta das suasfrustrações no jornalismo e tem uma visãoinstrumental da informação. Vive obcecado comas notícias que saem e com aquelas que, na suaimaginação, podem sair. E não olha a meios paratingir os seus fins.

Chegado ao poder pela mão da Igreja e peloterror da FLAMA (lembram-se?), apropriou-sede jornais e rádios locais, pressionou, ameaçou einsultou jornalistas, pôs processos judiciais adezenas deles, cortou publicidade a jornaisprivados, inventou conspirações jornalísticascontra a Madeira, nunca admitiu uma crítica e,gastando a rodos dinheiro público, mantémainda hoje e distribui gratuitamente o únicodiário português estatizado, verdadeiro orgão depropaganda do regime.

Mas isto não lhe chegava. Jardim precisavaque a sua imagem de tigre de papelultrapassasse as fronteiras da ilha. E conseguiu-o: anda há mais de três décadas nas primeiraspáginas dos media nacionais.

Pergunto: pelas suas ideias brilhantes, pela

seu arejado pensamento político, por lhe serreconhecido prestígio e autoridade? Não.Apenas porque recorre, obsessivamente, aoconflito e a tiradas bombásticas, exóticas eapalhaçadas, sabendo de antemão que jornais ejornalistas, ávidos de sencionalismo, entrariamno jogo alegremente. Só que ignorava o reversoda medalha: conhecido pelos piores motivos,tem na testa um selo de menoridade e tornou-se, irremediavelmente, num político rafeiro deâmbito regional.

A OBRA. Com 35 anos de autonomia política,governo próprio e grossas transferências deLisboa, a que se juntam 25 anos de generososfundos comunitários, a Madeira modernizou-sepor fora mas não se desenvolveu por dentro.

Isto é: tem vias rápidas, túneis e marinas, queimpressionam turistas e jornalistas apressados -mas apesar de nenhuma região do país terrecebido, proporcionalmente, tanto dinheiro doexterior, a Madeira, ao fim de 35 anos de maioriasabsolutas do PSD-M, continua, como antes, umadas regiões mais atrasadas de Portugal, com omaior número de pobres, a maior percentagemde analfabetos e de abandono escolar, as maioresdesigualdades sociais, o maior número defuncionários públicos. Sem indústria, semagricultura, sem pesca, mantém um desempregoe uma emigração maciços.

Hoje, a Região Autónoma da Madeira é tudomenos autónoma, e o ‘modelo dedesenvolvimento’ imposto por Jardim umfracasso total. Afogada num mar de dívidas,totalmente dependente do exterior, a ilha aindapor cima vive num simulacro de democracia: aAssembleia Legislativa é uma caricatura deParlamento; as eleições não decorrem emcondições de igualdade; as perseguiçõespolíticas e pessoais são uma constante; e asubsídio-dependência e o compadrio, por umlado, e o medo, por outro, são dois traçosdominantes no dia-a-dia.

Sem esquecer o buraco financeiro, é com esteoutro buraco, muito maior e mais relevante, queos jornalistas, os comentadores e os políticosdeviam estar profundamente preocupados edele falar sem cessar, pois, em verdade vosdigo, esta é que é a verdadeira obra de Jardim.

A obra de Jardim e os jornalistas Hoje, destapado oficialmente o buraco financeiro da Madeira, toda a gente bate noAlberto João. E só se perdem as que caem no chão. Ali vivem escassos 260 milhabitantes, pelo que nunca tão poucos deveram tanto. Comparativamente, asituação é muito mais grave do que a da Grécia.

RIBEIROCARDOSO

CRÓNICA

JJ

66_cronica48:66_cronica48.qxd 28-11-2011 14:21 Page 66

39:Layout 1 28-11-2011 12:51 Page 1