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II Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Teorias e práticas na Arquitetura e na Cidade Contemporâneas Complexidade, Mobilidade, Memória e Sustentabilidade Natal, 18 a 21 de setembro de 2012 1 Conforto térmico e habitação de interesse social: uma proposta adequada à realidade do município de Macaíba/RN Thermal comfort and social housing: an appropriate proposal to the reality of the city of Macaíba/RN, Brazil El confort térmico y la vivienda social: una propuesta adecuada a la realidad de la ciudad de Macaíba/RN, Brasil 1 Verner Max Liger de M. MONTEIRO Mestrando em Arquitetura e Urbanismo; professor substituto do DARQ-UFRN; [email protected]. 2 Maísa Fernandes Dutra VELOSO Doutora em Urbanismo, Geografia e Organização do Território; professora do DARQ-UFRN; [email protected]. 3 Aldomar PEDRINI PhD em Arquitetura; professor do DARQ-UFRN; [email protected]. RESUMO Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que abrange a temática do conforto térmico em habitação de interesse social, de forma aplicada a uma intervenção urbanística e arquitetônica em terreno situado na região central da zona urbana de Macaíba/RN. Refletir sobre o papel do projeto e da utilização de materiais construtivos alternativos na busca por melhores resultados de desempenho é um dos seus principais objetivos. A hipótese é que, através da mudança de parâmetros de projeto e da escolha apropriada de materiais, é possível obter melhores resultados de desempenho térmico, sem aumentos substanciais nos custos finais de construção. A partir do modelo de edificação projetado, foi construído um quadro analítico comparativo entre três diferentes propostas de habitações modelos de conjuntos habitacionais, no qual é avaliada a questão do desempenho térmico das edificações, e também são abordadas as variáveis espaciais de projeto, materiais construtivos e custos. Os resultados finais confirmam as hipóteses gerais estabelecidas no início da pesquisa, tendo sido possível quantificar os resultados e identificar que a importância do projeto e da utilização dos materiais construtivos são equivalentes, e que, se somados, levam a ganhos de desempenho térmico em potencial. PALAVRAS-CHAVE: Habitação de Interesse Social; Conforto Térmico; Projeto de Arquitetura e Urbanismo. ABSTRACT This article presents the results of a survey that covers the topic of thermal comfort in social housing, so applied to an architectural and urban intervention in land situated in central urban area of Macaíba / RN,

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Conforto térmico e habitação de interesse social: uma proposta adequada à realidade do município de Macaíba/RN

Thermal comfort and social housing: an appropriate proposal to the reality of the city

of Macaíba/RN, Brazil

El confort térmico y la vivienda social: una propuesta adecuada a la realidad de la ciudad de Macaíba/RN, Brasil

1 Verner Max Liger de M. MONTEIRO Mestrando em Arquitetura e Urbanismo; professor substituto do DARQ-UFRN; [email protected].

2 Maísa Fernandes Dutra VELOSO Doutora em Urbanismo, Geografia e Organização do Território; professora do DARQ-UFRN; [email protected].

3 Aldomar PEDRINI PhD em Arquitetura; professor do DARQ-UFRN; [email protected].

RESUMO Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que abrange a temática do conforto térmico em habitação de interesse social, de forma aplicada a uma intervenção urbanística e arquitetônica em terreno situado na região central da zona urbana de Macaíba/RN. Refletir sobre o papel do projeto e da utilização de materiais construtivos alternativos na busca por melhores resultados de desempenho é um dos seus principais objetivos. A hipótese é que, através da mudança de parâmetros de projeto e da escolha apropriada de materiais, é possível obter melhores resultados de desempenho térmico, sem aumentos substanciais nos custos finais de construção. A partir do modelo de edificação projetado, foi construído um quadro analítico comparativo entre três diferentes propostas de habitações modelos de conjuntos habitacionais, no qual é avaliada a questão do desempenho térmico das edificações, e também são abordadas as variáveis espaciais de projeto, materiais construtivos e custos. Os resultados finais confirmam as hipóteses gerais estabelecidas no início da pesquisa, tendo sido possível quantificar os resultados e identificar que a importância do projeto e da utilização dos materiais construtivos são equivalentes, e que, se somados, levam a ganhos de desempenho térmico em potencial.

PALAVRAS-CHAVE: Habitação de Interesse Social; Conforto Térmico; Projeto de Arquitetura e

Urbanismo.

ABSTRACT This article presents the results of a survey that covers the topic of thermal comfort in social housing, so applied to an architectural and urban intervention in land situated in central urban area of Macaíba / RN,

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Brazil. Reflecting on the role of design and use of alternative building materials in the search for better performance is one of its main goals. The hypothesis is that by changing design parameters and the appropriate choice of materials, it is possible to obtain better results in thermal confort, without substantial increases in the final construction costs. From model building designed, built an analytical comparison between three different models of housing proposed housing, which is evaluated the question of the thermal performance of buildings, and also deals with the spatial variables of design, construction materials and costs. The final results confirm the general hypotheses set at the start of the study, it was possible to quantify the results and identify the importance of design and use of building materials are equivalent, and that, if combined, lead to gains in thermal performance potential. KEY-WORDS: Social housing; Thermal Confort; Architectural Design and Urban Planning.

RESUMEN:

Este artículo presenta los resultados de una encuesta que abarca el tema de confort térmico en la vivienda social, por lo que se aplica a una intervención arquitectónica y urbana en terrenos situados en el casco urbano de Macaíba/RN, Brasil. Al reflexionar sobre el papel del diseño y el uso de materiales de construcción alternativos en la búsqueda de un mejor rendimiento es uno de sus principales objetivos. La hipótesis es que al cambiar los parámetros de diseño y la elección adecuada de materiales, es posible obtener mejores resultados en calor, sin aumentos sustanciales en los costes de construcción finales. Desde la construcción del modelo diseñado, construido de un análisis comparativo entre los tres diferentes modelos de vivienda de vivienda propuesto, el cual se evalúa la cuestión del rendimiento térmico de los edificios, y también se ocupa de las variables espaciales de diseño de materiales de construcción, y los costos. Los resultados finales confirman las hipótesis generales que figuran al comienzo del estudio, fue posible cuantificar los resultados y determinar la importancia del diseño y el uso de materiales de construcción son equivalentes, y que, combinados, llevan a las ganancias en el potencial de rendimiento térmico.

PALABRAS-CLAVE: Vivienda de Interés Social, confort térmico, diseño arquitectónico y urbano.

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito de uma dissertação de mestrado profissional, voltada para a temática da habitação de interesse social, com ênfase em demandas de conforto térmico existentes na realidade atual do município escolhido para a intervenção, Macaíba/RN.

As questões relacionadas ao conforto térmico em habitação de interesse social são na grande maioria das vezes esquecidas, pelo que se observa na histórica trajetória brasileira de produção de habitação para a população de baixa renda. Talvez a explicação para essa questão seja que a adoção de um projeto de bom desempenho térmico está equivocadamente relacionada ao aumento significativo de custos unitários na habitação.

O projeto de arquitetura tem um papel muito importante nesse contexto. Tratando-se de um tema no qual os recursos são tão escassos, é na etapa de planejamento do projeto em que se podem obter maiores ganhos do ponto de vista de desempenho térmico. A simples adoção de diretrizes considerando as normas atuais de desempenho térmico em edificações já seria o suficiente para obter ganhos significativos em projetos de baixo custo. Indo além dessa estratégia, testar as certificações por métodos prescritivos e de simulação subsidiaria ainda

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mais o desenvolvimento da ideia, embasando cada vez mais a tomada de decisões por parte dos arquitetos projetistas.

Um dos principais aspectos de Sustentabilidade que pode ser incorporado a uma Habitação de Interesse Social em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, é o do Conforto Térmico. Essa premissa pode ser levada em consideração partindo do princípio que construções dessa natureza apresentam, na maioria dos casos, orçamentos bastante restritos. Nessa perspectiva, as estratégias mais eficientes são o recurso à ventilação natural e a escolha de materiais construtivos de bom desempenho térmico, especialmente se considerado o clima quente-úmido, que caracteriza o município de Macaíba, no estado do Rio Grande do Norte.

Nesse contexto, é importante destacar as principais características climáticas das regiões quentes e úmidas, quais sejam:

Alta umidade do ar;

Baixas flutuações diárias e sazonais da temperatura;

Intensa luminosidade.

Nessas regiões, o desconforto é causado pela alta temperatura associada à alta umidade do ar, que dificultam as trocas de calor entre a pele do ser humano e o ar, deixando a pele úmida. O efeito da velocidade do ar no conforto térmico depende da temperatura e umidade do ar ambiente, assim como da vestimenta e das características fisiológicas do usuário. Dessa maneira, somente se pode obter alívio do desconforto em função da pele úmida através da desumidificação da mesma, o que pode ser alcançado através da manutenção de uma velocidade do ar suficiente sobre o corpo (GIVONI, 1998, p.18).

De acordo com Bittencourt (2005), as edificações devem evitar ganhos de calor provenientes da radiação solar que atinge o envelope da construção e dissipar o calor produzido internamente. Nesses casos, o resfriamento é a principal meta do projeto arquitetônico, enquanto que o aquecimento é muito raro. O conforto térmico depende em alto grau do movimento do ar e da alta prevenção de ganhos de calor. Segundo Szokolay (apud TRINDADE, 2006), o projetista deve procurar aproximar ao máximo a temperatura interna da externa, promovendo o resfriamento fisiológico da pele através da ventilação natural.

Considerando os aspectos decisórios durante o processo criativo de um projeto, os ganhos de resultado no ambiente construído podem ser determinantes para classificar uma edificação como confortável ou não confortável.

De forma objetiva, para se chegar um bom resultado de conforto térmico em regiões quentes e úmidas, Givoni (1998) aponta os principais detalhes de projeto que devem ser observados:

1. Leiaute da edificação;

2. Orientação dos ambientes principais e das aberturas;

3. Tamanho e detalhamento das janelas e portas;

4. Organização e subdivisão do espaço interno;

5. Sombreamento das aberturas e paredes;

6. Provisão de varandas e balcões;

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7. Tipo de coberta e seus detalhes;

8. Propriedades térmicas e estruturais das paredes e da coberta;

9. Paisagismo do entorno;

Enquanto que o papel climático dos materiais é minimizar ganhos de radiação solar do interior da edificação durante o dia e maximizar a taxa de resfriamento durante o início da noite e as demais horas da madrugada, a função da ventilação cruzada é de atingir índices suficientes para promover renovações do ar na edificação, na busca de maximizar a desumidificação da pele dos usuários, buscando situa-los na zona de conforto sem a necessidade da utilização de estratégias ativas (como o ar condicionado).

Assim sendo, para habitações de interesse social situadas em climas quentes e úmidos, o conforto térmico é função da ação combinada de várias estratégias e detalhes de projeto, os quais podem ser resumidos em três grandes ações às quais as demais estão condicionadas: uso correto de materiais e sistemas construtivos da envoltória, sombreamento das fachadas/aberturas e resfriamento passivo dos ambientes internos por meio da ventilação cruzada.

2 SOBRE A SITUAÇÃO HABITACIONAL NO MUNICÍPIO DE MACAÍBA/RN

Dentro da realidade atual da intervenção do poder público em programas habitacionais no município de Macaíba/RN estão o “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV) e o “Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social” (PSH).

O primeiro, lançado pelo governo federal como uma das iniciativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), surgiu com a pretensão de beneficiar um milhão de famílias em todo o país. De acordo com a Portaria que regulamenta o MCMV, são atribuídos os papéis de cada ator ou participante do programa, no qual os principais agentes diretos pela concretização do programa são: o poder público municipal, que é responsável pelo cadastro e contemplação das famílias; a Caixa Econômica Federal (CEF), como órgão financiador, aprovador e fiscalizador das obras e projetos; e as empresas de construção civil, encarregadas de apresentar à CEF projetos de produção de empreendimentos para alienação dos imóveis e executar os projetos aprovados. Ainda de acordo com a referida Portaria, o valor máximo para uma casa produzida pelo programa MCMV no estado do Rio Grande do Norte é de R$ 37.000,00.

Contudo, no programa MCMV, o papel da prefeitura municipal é de mero cadastrante das famílias, não tendo influência sobre o projeto, a não ser no que diz respeito ao atendimento dos parâmetros legais estabelecidos pela legislação urbanística municipal no momento do licenciamento da obra.

As amarras impostas ao custo total e à área construída do projeto da unidade habitacional do programa MCMV não contribuem para a busca de melhores soluções espaciais, estéticas e de conforto, resultando em produtos praticamente idênticos em um país de regiões de climas tão diversificados. Caberia uma reflexão, por parte do poder público federal, acerca da real necessidade da imposição de tais limites.

Em função da maior quantidade de agentes envolvidos na implementação do MCMV, existe maior rigor nesse programa do que no PSH. Não se sabe até que ponto esse aspecto é positivo,

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pois a cartilha do programa MCMV estabelece muitas restrições ao exercício projetual das unidades habitacionais. Por outro lado, o programa PSH aponta para liberdades na aplicação de normas questionáveis por parte do poder público municipal, por ser este o órgão que projeta as unidades habitacionais, as fiscaliza e também as licencia.

O programa habitacional PSH, uma iniciativa também do governo federal, foi regulamentado pela Medida Provisória (MP) n° 2.212, datada de 31 de agosto de 2001, posteriormente revogada pela Lei nº 10.998, de 15 de dezembro de 2004, e tem como objetivo, por meio da ação e apoio do poder público para construção habitacional para famílias de baixa renda, viabilizar o acesso à moradia adequada aos segmentos populacionais de renda familiar mensal bruta mínima de R$ 150,00 e máxima de R$ 900,00 para localidades urbanas e rurais. Os subsídios são concedidos no momento em que o cidadão assina o contrato de crédito habitacional junto às instituições financeiras habilitadas a operar no programa. Os cidadãos são beneficiados em grupos organizados pelos governos do Distrito Federal (DF), estados e municípios.

O PSH oferece subsídio destinado diretamente à complementação do preço de compra/venda ou construção das unidades residenciais, o que varia basicamente de acordo com a localização do imóvel e com o projeto apresentado. O valor máximo de financiamento é de R$ 10.861,12, tendo o imóvel valor de venda máximo de R$ 28.000,00. Dessa forma, de acordo com a regulamentação do programa, o restante do valor é subsidiado pelo poder público municipal e/ou estadual, de forma a viabilizar a construção das habitações.

Essa realidade se faz presente no último pacote representativo de habitações, lançado em agosto 2010, em que 200 habitações foram autorizadas e que até o momento se encontram em fase de construção.

Apesar disso, ainda verifica-se no município a ocorrência de ocupação irregular de áreas públicas e privadas, especificamente na zona de expansão urbana, em loteamentos onde a ocupação do solo ainda não está consolidada. Fenômenos como este, fazem com que o poder municipal tome providências para conter a ocupação desordenada do território, acelerando a requisição por moradias.

O processo de construção dessas edificações utiliza um projeto padrão, comumente adotado por prefeituras do estado do Rio Grande do Norte1. Esse procedimento traz sérios problemas de implantação relativos principalmente a aspectos de conforto térmico, no que tange a quesitos como a captação de ventilação natural e a absorção de calor da edificação.

As edificações são construídas nos locais determinados pela prefeitura, seja em áreas onde normalmente existe uma maior carência por moradias, seja por estratégia política. O fato é que não existem muitas reservas de áreas públicas, ficando o município obrigado a realizar obras em áreas reservadas para o uso institucional ou promovendo a desapropriação de terrenos privados.

Os conjuntos habitacionais atualmente executados pela prefeitura de Macaíba seguem o projeto modelo do novo conjunto habitacional de 60 casas que está sendo atualmente executado pela prefeitura.

1 De acordo com a arquiteta e urbanista Larissa Leiros, integrante do corpo técnico da Secretaria Municipal de infra-

estrutura de Macaíba.

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Figura 1 – Implantação do conjunto de 60 casas da prefeitura. Fonte: Secretaria de Ifraestrutura de Macaíba, 2007.

Figura 2 – Planta baixa de habitação modelo para conjunto habitacional de 60 casas. Fonte: Secretaria de Ifraestrutura de Macaíba, 2007.

Avaliando a implantação do conjunto, percebe-se que o desenho urbano trilha pela via oposta ao que é recomendado como boas estratégias de conforto térmico para uma habitação situada em clima quente e úmido. Sua orientação segue azimute de 135 graus em relação ao norte, quando o recomendado por norma seria 90 ou 270 graus, e o formato de planta se aproxima do compacto, quando o mais recomendado seria alongado.

Em relação ao quesito sombreamento das fachadas e aberturas, o que se percebe é que a dimensão do beiral, de 30 cm, praticamente não permite que seja exercida a função desejada. Com relação à captação de ventilação natural do exterior da edificação, as esquadrias

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constantes no projeto são bastante pequenas e não possuem ao menos regulagem para permitir passagem de ventilação e controle de privacidade. Essas deficiências do projeto são reflexo direto do valor que se emprega na obra.

A seguir, são apresentados resultados de simulação da condição de ventilação natural por meio de Computacional Fluid Dynamics (CFD) para o conjunto e para a unidade habitacional modelo da prefeitura, respectivamente.

Figura 3 – Ventilação a 135º (predominante) na altura do centro das janelas. Fonte: Elaboração do autor, 2011.

Os resultados apresentados apontam para um modelo que nitidamente despreza aspectos de conforto, tomando como objetivo principal a construção de uma edificação que considera estritamente o alcance de custos muito baixos (R$ 14.835,79 por unidade habitacional, em uma unidade habitacional com 46,67m² de área construída, representados pela utilização de materiais e aplicação de técnicas construtivas tradicionais). Tal valor representa, à época, uma proporção de R$ 317,88/m² de área construída. Como os terrenos constituem, na maioria das habitações executadas pelo programa PSH, contrapartida dos poderes municipal e estadual (há poucos casos em que a contrapartida pode ser do beneficiário), o custo do imóvel acaba sendo apenas o valor da obra.

Se comparados o valor da obra da unidade habitacional executada pelo programa PSH com o valor praticado pelo programa MCMV, tem-se que o valor deste último, R$ 1.057,00/m², equivalente a três vezes o valor do primeiro. Apesar desse valor considerar a compra do terreno, ainda assim o valor destinado a cada unidade habitacional é muito baixo no caso do PSH, o que limita o projeto ao deixar de incorporar importantes itens de qualidade no resultado final da habitação.

Vale salientar que na época em que o orçamento da casa modelo do conjunto de 60 casas da prefeitura foi elaborado, a quantia de R$ 14.835,79 representava um valor menor que o dos dias atuais em razão da inflação acumulada no intervalo de três anos. A variação percentual ocorrida de dezembro de 2008 a dezembro de 2011 do Custo Unitário Básico da construção civil (CUB), para categoria de Habitação de Interesse Social, foi de 40,96 pontos percentuais2. Essa correção corresponde a um valor atualizado de R$ 20.912,52.

2 De acordo com o Sinduscon-RN. Disponível em: www.cub.org.br

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Avaliando a realidade do programa habitacional aplicado a Macaíba, é possível constatar que parece haver, por parte do poder público, certo comodismo em aplicar um projeto que vem “funcionando” para eles pelos benefícios apresentados em obra, sem que necessariamente seja o melhor produto que poderia ser extraído das possibilidades orçamentárias disponíveis, sobretudo em termos de conforto e de qualidade estética das habitações.

3 BUSCANDO UMA PROPOSTA ARQUITETÔNICA TERMICAMENTE CONFORTÁVEL

Avaliando a realidade da situação habitacional atual do município de Macaíba/RN, constata-se que os equívocos persistem de um da implantação de um conjunto para o outro, havendo uma clara necessidade de sofrer uma alteração e adequação a um novo conceito de projeto.

É nesse contexto que surge a proposta de um conjunto habitacional, em terreno do município, para a implantação de 50 unidades habitacionais de interesse social enfatizando os preceitos normativos na busca por um bom resultado de conforto térmico.

O processo de projetação passou por uma fase sequencial de amadurecimento que compreendeu quatro estudos tipológicos, nos quais foram ponderados os aspectos envolvidos em cada uma das soluções. A sequência de evolução do partido inicia-se com a proposta de casas térreas individualmente isoladas; a segunda proposta aponta para um partido de casas térreas geminadas em fita; a terceira a possibilidade de casas duplex geminadas duas a duas, e por fim, a proposta de casas térreas geminadas duas a duas. O resultado final do modelo de habitação a ser aplicado no conjunto habitacional é o de casas geminadas duas a duas, com apenas um pavimento, distribuídas linearmente na quadra.

Figura 4 – Implantação do conjunto habitacional proposto. Fonte: Elaboração do autor, 2011.

O partido urbanístico dessa proposta conta com sistema viário no sentido Leste-Oeste, e lotes no sentido norte-sul. Apesar da orientação dos lotes não ser a mais recomendada, as edificações estão orientadas no sentido transversal, adquirindo assim a orientação ideal. Outra estratégia adotada visando uma melhor distribuição dos ventos no conjunto urbanizado foi o desencontro entre os alinhamentos verticais dos lotes. Dessa forma, as esteiras de vento de

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cada edificação se distribuem de uma forma a não interferir as edificações adjacentes, contribuindo para a recuperação da incidência e velocidade do vento originais da região.

Quanto ao projeto da unidade habitacional, esta ocupa um lote padrão de formato 9,30m de frente por 12,50m de fundo, totalizando 116,25 m² de superfície ortogonal. Alguns lotes possuem dimensão um pouco menor, em razão da não ortogonalidade do desenho urbano, mas nunca inferiores a 104,00 m², área mínima exigida pela Lei de Parcelamento do Solo de Macaíba. Os recuos são de 3,00 metros de frente, e 1,50m de lateral/fundos, estando uma das laterais geminada.

Figura 5 – Perspectiva isométrica de duas habitações. Fonte: Elaboração do autor, 2011.

Figura 6 – Planta baixa das unidades habitacionais geminadas duas a duas.

Fonte: Elaboração do autor, 2011.

Cada habitação possui área construída total de 44,78 m², onde estão dispostos os seguintes cômodos: sala/cozinha, área de serviço, banheiro social, dois dormitórios e circulação. A distribuição espacial definitiva foi definida de maneira a gerar possibilidades de ampliações futuras, além de se contemplar outros itens de ordem técnica e cultural, como a generosa área de integração de sala com cozinha, onde são encontradas as maiores ocorrências de reuniões sociais.

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Quanto à delimitação do lote de cada habitação, a execução dos muros está limitada às laterais e fundos do lote, fazendo com que seja possível a utilização da vaga de garagem em forma de baia, onde o veículo possa ser estacionado em sentido paralelo ao da via. A proposta é que seja maximizada a interação com o meio urbano, tal como ocorre no Conjunto Habitacional da prefeitura, fazendo com que os moradores tenham ligação direta do espaço privado para o espaço público.

Figura 7: Perspectiva a partir da via pública. Fonte: Acervo dos autores, 2012.

Figura 8: Perspectiva a partir dos fundos do lote de duas unidades habitacionais..

Fonte: Acervo dos autores, 2012.

A simulação de ventilação natural e de simulação térmica, mecanismo de confirmação das diretrizes aplicadas ao projeto, foram realizadas pelo mesmo software, porém utilizando dois modelos diferentes. Como as máquinas dos dias atuais não possibilitam a rodagem de uma simulação de CFD em que estejam presentes todas as 50 casas do conjunto habitacional deste estudo, construídas internamente parede a parede, a simulação foi dividida em duas partes:

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uma referente ao conjunto como um todo, onde cada casa é um componente sólido completamente fechado e simplificado, sendo que, após a rodagem, são verificados os campos de pressão absoluta em cada face do modelo; e outra de uma casa isolada, em que é possível a modelagem das paredes para verificação do escoamento do ar interno.

Conforme afirma Bittencourt (2005), a diferença de pressão é a força motriz para a ventilação. Com essa constatação, é possível predizer que onde ocorrer essa diferença haverá movimento de ar no interior daquele ambiente. A partir disso, encontradas as diferenças de pressão a partir dos resultados extraídos pelo Design Builder 2.2, é possível entender como funcionará o movimento de ar no projeto.

Figura 9 – Campos de pressão a 135º (ventilação predominante) na altura do centro das janelas, tanto para o conjunto como para a unidade habitacional isolada.

Fonte: Elaboração do autor, 2011.

A quadra 01 do conjunto habitacional, situada mais acima e à esquerda do conjunto, é a mais prejudicada, apresentando menores diferenças de pressão entre entrada e saída de ventos.

Os resultados apresentados mostram, de uma maneira geral, altas taxas de renovação de ar, que se mantém entre 60 e 120 trocas de ar por hora na maior parte das horas do ano. Isso se reflete na remoção da carga térmica adquirida pela edificação durante o dia através de sua envoltória, suprindo às horas em que se faz necessário o conforto com ventilação.

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Materiais e sistemas construtivos empregados

A escolha dos materiais foi determinada pela influência dos seguintes fatores, em ordem de importância variável de acordo com o material e sua localização: propriedade térmica, propriedade geométrica (o caso das portas e janelas, por exemplo, que podem trazer, em razão de sua geometria, resultado térmico bom ou ruim) qualidade estética e segurança.

Como estratégia de agilidade de execução da obra e de redução dos resíduos produzidos, foi escolhido como sistema de fundação o radier, que tem a função de fundação e contra piso, proporcionando uma rápida locação da obra e preparação para recebimento da superestrutura, que é compreendida pelas vedações e paredes estruturantes da edificação.

O processo executivo desta solução de embasamento estrutural compreende na locação e definição de seu perímetro, colocação da forma no solo com tábuas, colocação da tubulação de instalações elétricas e hidrossanitárias, seguido de compactação do solo e posterior concretagem. Durante esse processo, ainda são determinados os espaços ocupados pelas paredes de alvenaria pré-moldada, que serão encaixadas no segundo momento da construção. Depois de concluída a fundação, é dada sequência à concepção da superestrutura.

Para as paredes foram escolhidos os painéis pré-moldados de argamassa armada e tijolo de oito furos, para as vedações externas situadas no sentido norte-sul, para as demais foi escolhido o material Painel Wall, da fabricante Eternit, por conta da rapidez de execução e do formato das paredes, derivados de questões formais. É importante destacar que as alvenarias pré-fabricadas já contemplam todo o encaminhamento das instalações hidrossanitárias e elétricas, incluindo conduítes e caixas de interruptores e tomadas, assim como o quadro elétrico de disjuntores, de onde o usuário poderá controlar os circuitos elétricos.

O processo executivo acontece com o auxílio de guindastes, onde são montadas as alvenarias pré-moldadas, que se encaixam na fundação de concreto. O restante da vedação da edificação, em Painel Wall, é aparafusado diretamente na fundação e em perfis metálicos verticais auxiliares já inclusos pelo fabricante Eternit, conforme ilustrado pela figura a seguir.

A propriedade transmitância térmica do Painel Wall é 2,54 W/(m2.K), enquanto que a dos painéis de alvenaria pré-moldadas em tijolo de oito furos é 2,48 W/(m2.K), se aproximando bastante, gerando uniformidade de coeficientes térmicos da envoltória da edificação.

O momento posterior da obra é a instalação das esquadrias e estrutura de madeira de suporte da coberta, onde também é feita toda a instalação elétrica (fiação) e hidráulica (tubulação, registros de gaveta, reservatório superior, sanitário, tanque e bancadas).

As esquadrias escolhidas foram de geometria do tipo Tabicão (venezianas horizontais móveis de 10cm de altura), feitas em madeira do tipo Jatobá. Refletem os preceitos da norma NBR 15.220-3 e da literatura pesquisada durante o desenvolvimento da dissertação, que recomendam a utilização de grandes aberturas para ventilação, com a utilização de mecanismo de controle, para gerar o máximo de renovações de ar no ambiente ao mesmo tempo em que gera proteção solar e contra chuvas, quando necessário.

Para a fase seguinte, de instalação da cobertura, foi escolhida a telha do tipo sanduíche de poliuretano de 30 mm com revestimento de alumínio, do tipo Isotelha, fabricante Isoeste, material que dispensa laje e forro por ter revestimento da parte inferior em alumínio branco.

Os principais critérios para a escolha dessa telha foram a baixa transmitância térmica e a alta

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refletância, em razão da coberta ser o elemento que mais interfere na captação de carga térmica da edificação, em razão de Macaíba estar situada em latitude próxima à linha do equador. A transmitância térmica apresentada pelo fabricante da telha é de 0,97 W/(m2.K), enquanto que a da telha colonial de barro, de acordo com a NBR 15.220-3 é de 4,60 W/(m2.K).

Na sequência, foi avaliado o quesito velocidade de execução, considerando que são telhas grandes, de dimensão 1,00x7,00 metros, que podem ser instaladas em uma habitação desse porte em questão de poucas horas, barateando assim o custo da mão-de-obra.

A última fase é a pintura e acabamento do piso, em cimento queimado, trazendo regularidade - uma vez que é feito em cima da fundação radier - baixo custo e rapidez, além de não gerar desperdício de material, como quando se utiliza pisos, que geram trinchos em demasia.

Figura 10: Vista explodida das duas edificações com ênfase para os materiais utilizados. Fonte: Acervo dos autores, 2012.

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4 COMPARANDO PROJETOS E ANALISANDO RESULTADOS

Antes de avaliar comparativamente os resultados que cada projeto apresentou, é importante compreender o critério utilizado para a medição das condições de conforto térmico adotado para mensurar o desempenho térmico de cada habitação estudada. Para isso, é apresentada a seguir a metodologia aplicada.

Metodologia de predição de desempenho térmico

No caso da avaliação de desempenho térmico em climas quentes e úmidos, especificamente em habitações de interesse social, onde não se utilizam estratégias de resfriamento ativo, torna-se necessária, de acordo com Negreiros (2010), a aplicação de outro critério porque não há consumo de energia diretamente relacionado ao desempenho térmico da edificação.

Portanto, como forma de mensurar o desempenho térmico de cada UH presente nesta pesquisa, foi aplicado o modelo de avaliação desenvolvido pela dissertação de Negreiros (2010), que faz análise de métodos de predição de desempenho térmico de habitação em clima quente e úmido, com condicionamento passivo.

O método consiste em extrair resultados obtidos em simulação ou medição, hora a hora, durante todo o ano, da temperatura radiante média e da temperatura do ar, para um determinado ambiente da edificação. Estas temperaturas alimentam uma planilha elaborada por Negreiros (2010), que resulta em um gráfico no qual pode visualizar, ao longo do dia durante todo o ano, a distribuição das faixas de temperatura, onde são apresentadas as seguintes sensações: desconforto ao frio, conforto, conforto com ventilação e desconforto ao calor.

Figura 11: Exemplo de gráfico para análise de avaliação de desempenho térmico. Fonte: Negreiros, 2010 (publicação autorizada pela autora).

Análise comparativa

Este item foi destinado ao estudo comparativo entre três modelos de habitação, derivados dos

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estudos realizados por este trabalho, com a finalidade de fazer uma verificação de desempenho geral de cada edificação.

Os modelos de habitação a serem comparados estão listados a seguir, com sua respectiva caracterização:

Tipo “A”: Projeto de edificação executada pela prefeitura em seu último programa de conjunto habitacional de 60 casas, que possui uma área construída de 46,67 m², de distribuição predominantemente compacta, com a aplicação de materiais e sistemas construtivos tradicionalmente aplicados na região.

Tipo “B”: Projeto de edificação proposta, que está contemplada em conjunto habitacional de 50 casas, com área construída de 44,78 m², de distribuição predominantemente alongada, em formato de “L”, com a aplicação de materiais e sistemas construtivos tradicionalmente aplicados na região. Há uma particularidade em relação à cobertura, considerando que as perspectivas ilustram inclinação de 10%. É necessário pequeno ajuste de geometria das empenas para que se adaptem a uma inclinação de 25%, necessária para a correta montagem de cobertura de colonial de barro.

Tipo “C”: Projeto de edificação proposta, sendo geometricamente idêntico ao tipo “B”, com área construída de 44,78 m², porém, com a aplicação de materiais e sistemas construtivos não tradicionais aplicados na região. Os materiais alternativos são a telha de poliuretano, para a cobertura; e alvenaria pré-moldada armada e Painel Wall, para as paredes de vedação.

O objetivo é comparar os três tipos de habitação, verificando individualmente quais são os pontos mais relevantes em um projeto de Habitação de Interesse Social (HIS), principalmente aqueles relativos ao conforto térmico, estabelecendo conclusões acerca de cada critério que está sendo avaliado.

Os critérios utilizados para compor o estudo comparativo são: projeto, materiais da envoltória, custo, desempenho térmico e desempenho de ventilação natural. Chegou-se à determinação dessas variáveis através do que foi estudado no referencial teórico e na problemática do tema HIS no município de Macaíba, no contexto do desenvolvimento da dissertação. Esses estudos apontaram para fatores importantes como redução de custos, rapidez de execução e desempenho térmico na Zona Bioclimática 8.

Foi criado um quadro comparativo com todos os critérios de comparação e o desempenho de cada um dos três tipos de habitação classificados, a seguir:

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Quadro 1: Comparativo de modelos de habitação

INFORMAÇÕES DE PROJETO DESEMPENHO TÉRMICO E DE VENTILAÇÃO NATURAL

TIPO “A”

ÁREA CONSTRUÍDA: 46,67 m²

MATERIAIS DE ENVOLTÓRIA: Cobertura de Telha cerâmica

Paredes de alvenaria moldada in loco

CUSTO: R$ 20.912,52

14.835,39x40,96% (R$448,09 por m²)

Frio: 0,00% Conforto: 69,82% Conforto com ventilação: 26,13% Calor: 4,05%

Taxa de renovação de ar dominante: 01 a 60 ACH

TIPO “B”

ÁREA CONSTRUÍDA: 44,78 m²

MATERIAIS DE ENVOLTÓRIA: Cobertura de Telha cerâmica

Paredes de alvenaria moldada in loco

CUSTO: R$ 23.424,99

(R$523,77 por m²)

Frio: 2,18% Conforto: 71,21% Conforto com ventilação: 23,78% Calor: 2,83%

Taxa de renovação de ar dominante: 60 a 120 ACH

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TIPO “C”

ÁREA CONSTRUÍDA: 44,78 m²

MATERIAIS DE ENVOLTÓRIA: Cobertura de Telha sanduíche

de poliuretano Paredes de alvenaria pré-

moldada e Painel Wall

CUSTO: R$ 27.253,79 (R$608,61 por m²)

Frio: 1,46% Conforto: 78,34% Conforto com ventilação: 20,07% Calor: 0,13%

Taxa de renovação de ar dominante: 60 a 120 ACH

Observando-se o custo de cada habitação, pode se perceber que, de uma maneira geral, o modelo de projeto de habitação Tipo “C” é, de fato, mais caro que o Tipo “A”, chegando a uma variação orçamentária de aproximadamente 23%. Os principais fatores que causaram a alta no preço final foram também aqueles que propiciaram, em grande parte, aumento na eficiência térmica da edificação.

As esquadrias, por exemplo, foram itens que tiveram quantidade mais do que dobrada quando se comparam o Tipo “A” aos Tipos “B” e “C”. A elevação da metragem quadrada de janelas no projeto até se atingir a taxa de 40% da área de piso propiciou alto índice de renovação de ar nos ambientes e manutenção de uma velocidade do ar suficiente para o aumento da sensação de conforto térmico nos ambientes.

Porém, é importante destacar que o excesso de custo que está sendo gerado pelos projetos de Tipos “B” e “C” se reflete em altos ganhos de desempenho térmico, reduzindo consideravelmente as horas de calor que o usuário da habitação terá durante o ano, reduzindo também a quantidade de horas em que se é necessário utilizar a ventilação natural ou artificial no interior da edificação, para que dessa forma possa se alcançar condições de conforto adequadas ao usuário.

Analisando os resultados gerais apresentados no quadro comparativo para as habitações do Tipo “B” e “C”, pode-se perceber que a utilização de materiais tradicionais impulsionou a

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alteração de duas outras variáveis: o custo e o desempenho térmico.

O Tipo “B” ficou R$ 3.799,16 mais barato, se comparado com o Tipo “C”. Essa diferença de custo representou, de forma direta, uma grande diferença de desempenho térmico em favor da última, resultando em uma edificação melhor adaptada à Zona Bioclimática 8, ligada à escolha dos materiais. Isso se reflete em maior satisfação dos usuários, como também um menor consumo de energia na unidade habitacional, seja pelo uso de mecanismos de resfriamento ativos, ou pela maior utilização de luz artificial, através do acendimento de lâmpadas.

Uma constatação importante que pôde ser verificada durante a elaboração dos orçamentos e simulações foi a de que, criando um modelo derivado do Tipo “B”, denominado de “B-1”, substituindo-se a cobertura de telha cerâmica pela telha tipo sanduíche de poliuretano, resulta em custo global da edificação de R$ 23.568,55. Este valor representa uma economia de 13,5% no valor total se comparado com o Tipo “C”, mantendo o mesmo desempenho térmico, uma vez que a alvenaria possui a mesma transmitância térmica do Painel Wall, adotado pelo Tipo “C”. Porém, destaca-se que há uma grande perda em relação à rapidez da execução e à limpeza do canteiro de obras, uma vez que a alvenaria executada no local produz mais resíduos que o Painel Wall e a alvenaria armada pré-fabricada.

No que diz respeito à ventilação natural, tem-se que os resultados dos tipos “B” e “C” são iguais, por se tratar de projeto com mesma geometria, orientação e esquadrias, não tendo a alteração dos materiais da envoltória interferência na ventilação natural. Enquanto que a casa Tipo “A” apresenta, na maioria das horas do ano, taxa que varia entre 1 e 60 trocas de ar por hora, nos Tipos de habitação “B” e “C” esse número é maior que 120 na maior parte do ano.

Em face aos dados expostos e ao que foi analisado, cabe a este estudo concluir que a diferença de custo representada pelos dois últimos modelos de projeto é de fundamental importância na temática de Habitação de Interesse Social, e deve ser considerada como extremamente positiva pelo poder público, para que possa tomar decisões em razão do aumento das horas de conforto que podem ser oferecidas, reduzindo quase que completamente as horas de calor sentidas pelo usuário, onde seria necessária a utilização de Condicionadores de Ar.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A natureza comparativa do estudo foi de grande importância no desenvolvimento e conclusão do trabalho, uma vez que permitiu a verificação, em um quadro resumido, de como se encontra a situação atual das habitações modelos e como esta pode ser alterada, por meio de novos projetos, novos materiais e um aumento orçamentário dentro dos limites previstos pelos programas habitacionais, para uma alternativa mais eficiente do ponto de vista de vários aspectos, estando entre os principais o melhor rendimento de conforto térmico, a melhor qualidade espacial e um resultado estético mais refinado.

Por fim, chegou-se à conclusão de que para se obter melhores resultados quantitativos em Habitação de Interesse Social é necessário que o arquiteto tenha a liberdade de associar soluções de projeto aos materiais mais recomendados para cada situação, a fim de se possibilitar uma busca por resultados de desempenho térmico mais adequados à condição climática do local, sem deixar de considerar aspectos orçamentários e de infraestrutura urbana das cidades em que serão instalados conjuntos habitacionais de interesse social.

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6 REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-3 - Desempenho térmico de edificações. Parte 3: Zoneamento bioclimático brasileiro e diretrizes construtivas para habitações unifamiliares de interesse social. Rio de Janeiro, 2005.

BITTENCOURT, Leonardo Salazar; CÂNDIDO, C. Introdução à ventilação natural. Maceió: EDUFAL, 2005.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Cartilha do programa “Minha casa, minha vida”. Disponível em: <http://www1.caixa.gov.br/download/index.asp> Acesso em: 05 out. 2011.

DESIGNBUILDER SOFTWARE LTD. DesignBuilder. 2000-2005.

GIVONI, B. Climate considerations in buildings and urban design. New York: John Wiley e Sons, 1998.

NEGREIROS, Bianca de Abreu. Análise de métodos de predição de desempenho térmico de habitação em clima quente-úmido, com condicionamento passivo. (2010). Mestrado - Programa de Pósgraduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010.

OLIVEIRA, A. G. D. Proposta de método para avaliação do desempenho térmico de residências unifamiliares em clima quente-úmido. (2006). Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.