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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder

Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Configuração da Violência Psicológica Intrafamiliar em Belém do Pará

Adelma Pimentel (UFPA) Palavras chave: Violência; Pesquisa qualitativa; Casal. ST 20 – Juventudes, gênero e violência.

A Lei Maria da Penha, nº 11340/06, em setembro de 2008 completará dois anos. A lei

tipifica a violência doméstica e familiar; estabelece as formas de violência domestica contra a

mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. (BRASIL, 2008, p.9). Sua

implantação tem provocado questionamentos e uma repercussão intensa na subjetividade masculina,

na medida que, os maridos/esposos/companheiros não entendem que podem ser presos

preventivamente, pois a lei alterou o Código Penal sendo superada a aplicação de penas

pecuniárias. Os atos violentos, classicamente interpretados como de repercussão unicamente

privada, agora, são da esfera policial e judicial.

A violência doméstica é um tipo de delito que requer tribunais e penas diferenciadas, pois

nem sempre o homem1 que a comete é um “criminoso”, do tipo que circula na cidade, gerando

violência coletiva, em busca de apropriar-se dos bens materiais aos quais não tem acesso,(...) A

violência na cidade se insere na rede de criminalidade moderna (DELLA CUNHA, 2004, p 65). O

homem que comete violência domestica se insere na rede, (...) da vinculação do poder a um gênero

(o masculino). (BRAUNER & DE CARLOS, 2004, p. 136). A temática faz parte do projeto

investigação das percepções da masculinidade e feminilidade atravessadas pela violência

intrafamiliar (PIMENTEL, 2008ª, 2008b, PIMENTEL & SILVA, 2008c, PIMENTEL e SILVA,

2008 d ).

Concepção de subjetividade

Homens se tornam homens na e pela convivência com outros homens e com mulheres. A

configuração da identidade requer figuras significativas como suportes para o desenvolvimento e

aprendizagens.

Subjetividade é, (...) Um sistema complexo de significações e sentidos subjetivos

produzidos na vida cultural humana (GONZALEZ-REY, 2002,p.36). Os níveis constitutivos dos

processos de subjetivação individual são: condição subjetiva; síntese da historia pessoal, social

desenvolvimento na sociedade produzindo sentidos e significações, e ação/transformação da

subjetividade social, entendida como sistema de relações estruturais, dialógicas de comunicação.

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Acerca da subjetividade do homem que vive detido ou apenado em uma instituição

prisional, é pertinente observar que o cárcere é um lugar polissêmico e multifacetado, (...) A

identidade é criada a partir de diferenciações progressivas entre o “eu” e o não “eu”, nas

experiências com o próprio corpo, com os objetos do mundo físico e com as pessoas do círculo de

relações psicossociais do sujeito. (MERISSE et al. 1996:71)

Método

Relato de pesquisa qualitativa realizada na DEAM, em Belém do Pará. Foram aplicados 10

questionários a homens com escolaridade nível fundamental, primeiro e segundo graus, todos

incompletos. As questões abordaram a perspectiva de masculinidade; o modelo de configuração da

subjetividade masculina, a expressão afetiva dos sentimentos e a conformação das idéias acerca da

virilidade. Dentre os procedimentos, realizei pesquisa bibliográfica, documental e observação

participante, para conhecer a estrutura e o funcionamento da assinatura dos dirigentes da instituição

e dos sujeitos para o consentimento de pesquisa; preencher protocolos próprios ao objeto e objetivo

da pesquisa, e entrevistas coletivas.

Todos os informantes tiveram sua identidade preservada e a pesquisa atendeu as

deliberações do Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da UFPA. A composição da

amostra foi orientada tomando por base, Turato (2003) que asseverou o caráter intencional e a

indicação de informantes pela rede de contato dos pesquisadores.

Os questionários foram apostos na cadeia da DEAM, em aplicação coletiva na área

destinada ao banho de sol. O espaço é um lugar apertado, fedido e quente, confirmando as

ponderações acerca da sanidade (...) A partir do período imperial, tem inicio uma preocupação com

a salubridade das prisões brasileiras, que são consideradas lugares sujos, insalubres, úmidos e

fétidos. (Fonseca, 2006, p.535). O preenchimento se deu com os homens em pé e de cócoras, devido

à ausência de cadeiras e mesa. Após sintetizar os dados obtidos na aplicação dos questionários,

voltei ao campo e realizei várias entrevistas coletivas, que nomeei Entrevista confrontativa, cujo

objetivo é acompanhar o fluxo do relato. Defino-a como a escuta que checa, imediatamente à

expressão, às posições e os fundamentos que constituem as idéias dos informantes. A estrutura da

mesma implica: ouvir/questionar/refletir/reformular.

Por norma de segurança, determinada pela Secretaria de Estado, a cela permaneceu aberta,

e a coleta se deu sob a vigilância policial,

A prisão, local de execução da pena, é ao mesmo tempo local de observação dos indivíduos punidos. Em dois sentidos. Vigilância, é claro. Mas também conhecimento de cada detento, de seu comportamento, de suas disposições profundas, de sua progressiva melhora; as prisões devem ser concebidas como um local de formação para um saber clinico dos condenados. (FOUCAULT, 1987, pp,208-9)

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Dois detentos2 funcionaram como apoio, auxiliando-me na distribuição e recolhimento do

TCLE e dos questionários. Após o preenchimento, chequei as respostas com vistas a verificar se

havia questões não preenchidas e para decifrar as letras pouco legíveis. Para as analises, recorri à

literatura que trata da subjetividade masculina, gênero e paternidade, cotejando os dados na medida

das possibilidades hermenêuticas. A organização dos resultados foi por temáticas.

Resultados e discussão

Perfil do grupo

Faixa etária: 28 a 50 anos. 10 Homens com educação primária e secundária incompletas.

Destes, 4 abrangem o intervalo etário dos 23 aos 29 anos; 3 pertencem ao de 31 aos 30 anos, e 3

integram o dos 45 aos 50 anos.

Compreensão da violência

Q1. Eu creio que seja, tratar as pessoas mal, bater, tentar humilhar alguém; eu acho que isso é a violência; Q.2. Tentar bater nos outros, achar que é melhor, muitos quebram a cara. Eu já vi muita gente, na minha área, mal começava a confusão, caia logo ali. Q3. A rua me ensinou, se chegar comigo eu bato logo, porque paciência não é pra qualquer um. Nada me assusta, eu sempre espero o que vier, eu sempre tou preparado. Eu achei que quando eu caísse aqui, eu ia encontrar um grupo – ah, tu bate em mulher, agora eu quero ver tu bater em homem. E eles iam ver que eu ia botar pra brigar aqui dentro, ou até me tirar, ou eu sair desmaiado. Até onde eu agüentar, mas tanto faz, mulher, homem. Eu revidei uma coisa que eu levei. Q.4.O que entendia? Eu vim a entender dessa lei agora. Eu não entendo de lei de homem pra mulher. Eu revidei pra ver o que ia acontecer. Eu cai aqui e não to arrependido. Q5.Bater; acho que até esculhambar muito forte; também fazer coisas, pegar pessoa forçada, etc. Essas coisas que a gente pode descobrir ainda. Só de tentar ir pra cima de uma pessoa, já ta com violência. Só da pessoa já colocar aquilo dentro dele, que vai fazer aquilo, se colocar de fora, como fazer, digamos uma ação, claro que ele vai colocar em prática. Aquilo também vira uma violência, se não souber se controlar.

Nestas falas podemos identificar a descrição de indicadores das violências psicológica,

física, e sexual; bem como uma referencia, estereotipada, da paciência como um traço qualificador

da subjetividade feminina. Por fim, também é importante aludir que no discurso de Q5, há a

sugestão da intencionalidade como um elemento instituinte da ação violenta.

Considerações finais

Das modalidades de violência, a física foi a mais citada. Sugere que fez parte da

aprendizagem dos meninos. O comportamento violento, destes homens, com instrução reduzida,

cultura massificada, pouco dialogo e economicamente desfavorecidos, pareceu forjada, entre outros

fatores pela inadequada interpretação que fizeram das orientações feitas pela mãe, tias, irmãs. Por

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exemplo: controle dos impulsos agressivos; resistência ativa e bruta à abordagem de outro homem,

na rua. Obviamente que não se trata de apontar culpadas, porém de observar que a socialização dos

meninos é orientada ambiguamente.

A incidência da modalidade psicológica e simbólica entre os informantes é bastante

confirmada, isto é todos sabem humilhar, desqualificar, xingar; enquanto que a moral e a

patrimonial não foram destacadas Talvez, a inabilidade verbal do homem, a recorrência a força

física, a falta de paciência, a vontade de romper com a sensação de inferioridade ante a sua mulher

sejam fundamentos da incidência da violência física.

As idéias da virilidade permanecem clássicas; ao pênis são atribuídas as funções de: a)

afirmação da masculinidade; b) prazer; c) reprodução.

Há uma inegável alteração na configuração da subjetividade masculina; porém, não é

possível afirmar ou tratar os homens a partir da idéia universal que a “crise” da masculinidade é

vivenciada por todos. Os homens integram grupos e constroem culturas, que por sua vez juntam-se

a cultura ocidental, configurando uma teia, um caldo, um emaranhado que ao ser conhecido, desvela

os mecanismos de adoecimento e permite criar projetos para o ajustamento criativo, uma forma de

integração entre a necessidade individual, a ética do cuidado, solidariedade coletiva.

Referências

BRASIL (2008). Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Brasília.

BRAUNER, Maria Cláudia Crespo & DE CARLOS, Paula Pinhal (2004) A Violência Intrafamiliar sob a perspectiva dos direitos humanos, direitos humanos e adoção, Em, MALUSCHKE, G.; BÜCHER-MALUSCHKE, J; HERMANNS, K. Direitos humanos e violência: desafios da ciência e da prática. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauers,

DELLA CUNHA, D. B. Violência urbana, segurança pública e direitos humanos.(2004) Em:

MALUSCHKE, G.; BÜCHER-MALUSCHKE, J; HERMANNS, K. Direitos humanos e violência: desafios da ciência e da prática. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauers,

FONSECA, Karina Prates (2006). (Re) Pensando o crime como uma relação de antagonismo entre seus autores e a sociedade. Psicologia Ciência e Profissão, 26(4)

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GONZÁLEZ-REY, Fernando Luis (2002). Pesquisa Qualitativa Em Psicologia: Caminhos e Desafios, SP, Thomsom/Pioneira.

MERISSE, Antonio..et al. – Lugares da infância:reflexões sobre a história da criança na fábrica, creche e orfanato. SP: Arte & Ciência, 1996.

PIMENTEL, Adelma(2008a) Cuidado paterno: enfrentamento da violência. SP: Summus.

______. (2008b) Projeto de pesquisa: estudo da subjetividade masculina e feminina: violência, conjugalidade e paternidade. Belém, UFPA/Núcleo de pesquisas fenomenológicas.

PIMENTEL, Adelma & SILVA, Cibely Ferreira (2008c).violência psicológica contra a mulher em Tucuruí-pa: pesquisa em gestalt-terapia. Belém: UFPA Núcleo de pesquisas fenomenológicas.

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______. (2008d).violência psicológica contra a mulher paraense. Belém: UFPA/Núcleo de pesquisas fenomenológicas.

TURATO, Egberto.(2003) Tratado de metodologia de epsquisa clinico qualitativa. RJ: Petrópolis, Vozes.

1 A Lei Maria da Penha estende seus mecanismos a todas as formas de orientação sexual. A referencia para julgamento é a relaação intima de afeto estabelecida. (Brasil, 2008, p. 17. Cap. I, art. 5º , III) 2 Fiz um contato prévio com ambos em momento anterior em que foram entrevistados.