condução coercitiva de testemunhas no inquérito policial militar

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POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DIRETORIA DE ENSINO E INSTRUÇÃO ESCOLA SUPERIOR DE POLÍCIA CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHAS NO IPM Leandro Augusto Rasteiro Alexandre Moreira Soares Adriano de Siqueira Bulhões Fabrício Fernandes da Silva Moça Cláudio Andrade Sucupira Perini Carlos Henrique Felix da Silva Trabalho apresentado em cumprimento a exigência da matéria de Direito Constitucional.

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O presente trabalho visa questionar a legalidade da condução coercitiva de testemunhas no IPM

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Page 1: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRODIRETORIA DE ENSINO E INSTRUÇÃO

ESCOLA SUPERIOR DE POLÍCIACURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS

CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHAS NO IPM

Leandro Augusto RasteiroAlexandre Moreira SoaresAdriano de Siqueira BulhõesFabrício Fernandes da Silva MoçaCláudio Andrade Sucupira PeriniCarlos Henrique Felix da Silva

Trabalho apresentado em cumprimento a exigência da matéria de Direito Constitucional.

NITERÓI2008

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AGRADECIMENTOS

À Deus, Pai de todos, que está acima de todos, que age para todos e em todos,

nosso criador, que juntamente com seu filho unigênito Jesus, são responsáveis por

nossas vitoriosas trajetórias na vida e nesta bicentenária Polícia Militar do Estado do

Rio de Janeiro.

Para nossos pais, por terem sido responsáveis por garantir com muito amor, carinho

e esforço, a nossa chegada até aqui.

Ao prof. Antonio Calegari, pela dedicação e humildade com que nos conduziu até

esta obra final, agindo como mestre e orientador de conteúdo e pelas sábias lições

ministradas, bem como pelo exemplo da eterna busca do aprimoramento do saber

intelectual.

Ao Exmo Sr. Dr. Juiz de Direito Marcius, a Exma. Sra. Dra. Juiza de Direito Ana

Paula, a Ilma. Sra. Dra. Promotora de Justiça Isabella e a Ilma Sra. Dra. Defensora

Pública Cláudia, que do alto de suas funções e apesar do pouco tempo que lhes é

disponível, prontamente nos atenderam, nos orientaram e nos estimularam a

prosseguir com este trabalho.

A todos que, direta e indiretamente colaboraram para a conclusão deste trabalho.

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Dedicamos este trabalho as pessoas que estiveram ao nosso lado nesta jornada,

pelo apoio que nos foi dispensado, nos momentos mais difíceis e pelo sentimento de

compreensão em virtude da dedicação demandada nesta empreitada, estejam estas

pessoas ao nosso lado, entre nós ou não.

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Page 4: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

SUMÁRIO

1- Introdução.......................................................................................5

2- Poder discricionário ........................................................................6

3- Princípio da razoabilidiade .............................................................6

4- Uso e abuso de poder ....................................................................7

5- Testemunhas...................................................................................9

6- Direitos fundamentais da pessoa humana......................................10

7- Entrevista com os membros do poder judiciário estadual

ligados a Auditoria Militar do Estado do RJ sobre a condução

coercitiva de testemunhas....................................................................11

7.1- Entrevista com a Defensora Pública da AJMERJ...................11

7.2- Entrevista com a Promotora de Justiça da AJMERJ...............13

7.3- Entrevista com o Juiz de Direito da AJMERJ..........................16

6 - Conclusão......................................................................................18

7 - Referências bibliográficas..............................................................19

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Page 5: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

1. INTRODUÇÃO

O Oficial da Polícia Militar tem que ter em mente que nossa

Sociedade a cada dia que passa vem se desenvolvendo e que no mundo atual não

cabem mais ações que não estejam adequadas ao profissionalismo e amparadas

pela legislação vigente, principalmente a lei suprema do país, a nossa Constituição

Federal.

Esse Oficial tem a missão, entre inúmeras outras, de ser

Encarregado de IPM e tem que procurar estudar e pesquisar as Leis para que não

acabe cometendo um abuso de Autoridade na ânsia de cumprir com suas

obrigações na busca da verdade ou da elucidação de um crime militar.

Temos pouca Doutrina a respeito de crimes militares e processo

penal militar e talvez alguns oficiais tenham dúvidas sobre a condução coercitiva de

testemunhas no IPM, tema deste trabalho.

Dispõe o artigo 9º do Código de Processo Penal Militar que o

inquérito policial militar é a apuração sumária de fato que, nos termos legais,

configure crime militar, e de sua autoria.

Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de

ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.

Um dos elementos mais importantes é a prova testemunhal, apesar

de que não deva ser vista como prova absoluta, até mesmo porque não podemos

nos esquecer de que a testemunha pode sofrer pressões pelas partes envolvidas no

inquérito ou no processo.

No IPM não há um número limite, mínimo ou máximo, de

testemunhas a serem inquiridas. O encarregado deverá inquirir todas as pessoas

que souberem ou tiverem informações importantes sobre a infração penal

investigada.

Não podemos permitir que a herança ditatorial reinante no Brasil,

presente em um Código de Processo Penal escrito muito antes de nossa

Constituição, ofusque as conquistas de nossa Constituição Cidadã, tampouco venha

constranger a tentativa de incorporar a dimensão legalista da nossa Lei Maior às

ações dos nossos agentes públicos.

Nesse contexto, o presente trabalho tem como escopo defender que

o ato administrativo de condução coercitiva no curso do Inquérito Policial Militar

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Page 6: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

deverá estar de acordo com os princípios norteadores da Constituição Federal de

1988 (CF/88) que definem os direitos fundamentais da pessoa humana e que tal

medida se ajuste aos ditames da nossa Lei Maior desde que emanados do Poder

Judiciário, haja vista a proteção da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

2. PODER DISCRICIONÁRIO

Conforme nos ensina Hely Lopes Meirelles Poder discricionário não

pode ser confundindo com Poder Arbitrário. Onde a discricionariedade é a liberdade

de ação administrativa dentro dos limites da lei; arbítrio é ação contrária opu

excedente a lei.

Tem se portanto que a discricionariedade é sempre relativa e parcial,

pois deve atender aos princípios da competência, forma e da finalidade do ato. Ou

seja, o administrador deverá ter competência legal para praticá-lo; dever´pa

obedecer a forma legal para sua realização; e deverá atender à finalidade legal de

todo ato administrativo, que é o interesse público. Caso não sejam atendida uma ou

mais das presentes condicionantes da execução do ato discricionário, este passa a

ser arbitrário e ilegal, portanto.

Temos que o poder discricionário dá ao administrador uma certa

liberdade para “sentir” a realidade dos fatos e decidir o que convém e o que não

convém ao interesse coletivo. Permitindo aos órgãos executivos agir

discricionariamente, quanto aos aspectos em que a Lei permite opção.

3. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Segundo Gordillo (1977:183-184), "a decisão discricionária do

funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta

e expressa, se é ´irrazoável´, o que pode ocorrer, principalmente, quando:

a) não dê os fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou;

b) não leve em conta os fatos constantes do expediente ou

públicos e notórios, ou

c) não guarde uma proporção adequada entre os meios que

emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de

uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se

deseja alcançar".

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Page 7: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1989:37-40) dá maior realce

a esse último aspecto ao afirmar que, pelo princípio da razoabilidade, "o que

se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder

Público, de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente

para um satisfatório atendimento dos interesses públicos". Ele realça o

aspecto teleológico da discricionariedade; tem que haver uma relação de

pertinência entre oportunidade e conveniência, de um lado, e a finalidade, de

outro. Para esse autor, "a razoabilidade, agindo como um limite à discrição na

avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e

proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica;

agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se

conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja

atingida".

O princípio da razoabilidade, sob a feição de proporcionalidade entre

meios e fins, está contido implicitamente no artigo 2°, parágrafo único, da Lei n°-

9.784/99, que impõe à Administração Pública: adequação entre meios e fins, vedada

a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas

estritamente necessárias ao atendimento do interesse público (inciso VI);

observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados

(inciso VIII); adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de

certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados (inciso IX); e também

está previsto no artigo 29, § 2º, segundo o qual “os atos de instrução que exijam a

autuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes”.

4. USO E ABUSO DE PODER.

Todo agente público, político ou administrativo, exerce poder

administrativo conforme a sua investidura legal e sua esfera de competência. Sua

autoridade é prerrogativa da função pública exercida e está inserida nas funções do

órgão público a que se integra.

Estes agentes devem ter em mente o que prescreve a Constituição,

mais especificamente o art. 37 que prevê o princípio da impessoalidade da

administração pública, ou seja, os atos administrativos são imputáveis não aos

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Page 8: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

funcionários que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do

qual age o funcionário, por conseguinte, o administrado não se confronta com o

funcionário que executou o ato, mas com a entidade cuja vontade foi manifestada

por ele.

O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de

direito público outorgada aos agentes do Estado. Cada um destes terá a seu cargo a

execução de certas funções. Devem eles exerce-las, pois que seu exercício é

voltado para beneficiar a coletividade. Ao fazê-lo, dentro dos limites que a lei traçou,

pode dizer-se que usaram normalmente os seus poderes.

Uso de poder, portanto, é a utilização normal, pelos agentes

públicos, das prerrogativas que a lei lhes confere.

Usar normalmente o poder é empregá-lo segundo as normas legais,

a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público.

Os poderes administrativos são outorgados aos agentes do Poder

Público para lhes permitir atuação voltada aos interesses da coletividade e estes

poderes são irrenunciáveis e devem ser obrigatoriamente exercidos pelos titulares.

O abuso de poder é quando se emprega o mesmo fora da lei, sem

utilidade pública. O poder é confiado ao administrador público para ser usado em

benefício da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem

estar social exigir. É a conduta ilegítima do administrador quando atua fora dos

objetivos expressa ou implicitamente traçados na lei.

A utilização desproporcional do poder, os empregos arbitrários da

força, da violência contra o administrado, constituem formas abusivas do uso do

poder estatal, não toleradas pelo Direito.

O abuso de poder pode se apresentar na forma ostensiva, como a

truculência ou dissimulada como o estelionato ou encoberta na aparência ilusória

dos atos legais. Em qualquer desses aspectos o abuso de poder é sempre uma

ilegalidade invalidadora do ato que a contém.

O abuso de poder segundo Hely Lopes Meirelles poderá ocorrer na

forma comissiva ou omissiva. São capazes de afrontar a lei e causar lesão a direito

individual do administrado, asseverando também que “a inércia da autoridade

administrativa ocorre quando o agente deixa de executar determinada prestação de

serviço a que por lei está obrigado, lesa o patrimônio jurídico individual”.

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Page 9: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

Nem sempre o poder é utilizado de forma adequada pelos agentes

do Estado. Como a atuação destes deve sujeitar-se aos parâmetros legais, a

conduta abusiva não pode merecer aceitação no mundo jurídico, devendo ser

corrigida na via administrativa ou judicial. A utilização do poder, portanto, deve

guardar conformidade com o que a lei dispuser.

O comportamento abusivo de autoridades públicas só pode ser

eficazmente combatido pelo instrumento do controle, seja qual for o poder estatal em

que seja exercido. A ausência de controle rende ensejo a prática de abuso de poder.

Necessário se torna a criação de mecanismos adequados a identificação do abuso e

de seu autor, bem como das conseqüências jurídicas a uqe estará sujeito o

responsável pela ilegalidade.

5. TESTEMUNHAS

Testemunha é toda pessoa estranha ao litígio, que depõe sobre suas

percepções sensoriais, a respeito de fatos que constituem objeto do processo.

Apesar de ser conceituado o testemunho por alguns autores como “a prostituta das

provas”, por outros como “os olhos e ouvidos da Justiça”, ou ainda “olhos que vêem

e ouvidos que não escutam”, sua credibilidade em face do livre convencimento do

juiz na avaliação da prova, é considerada na proporção do conjunto das provas

produzidas e como não há prova absoluta, o testemunho também tem valor relativo,

não somente quanto a seu conteúdo, como também levando-se em consideração a

idoneidade de quem o presta.

6. DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA

Os agentes públicos no cumprimento de seu dever de preservação

da ordem pública devem se manter alertas para que em nome desta ordem pública

não venham a praticar arbitrariedades e tampouco desrespeitar direitos

fundamentais da pessoa humana assegurados pela Constituição Federal.

Devemos observar quando na confecção do IPM, especialmente

quanto à inquirição de testemunhas que há um limite muito tênue entre

discricionariedade e arbitrariedade.

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Que fique claro que a condução coercitiva determinada pelo

encarregado de IPM não encontra guarida na ordem constitucional vigente, cuja

ação de qualquer agente público, especialmente na seara penal e penal militar, deva

respeitar a liberdade e a dignidade da pessoa humana como valores da nossa Lei

Maior.

Há uma necessidade de se analisar os dispositivos legais sob a ótica

da Constituição Federal, notadamente o respeito à dignidade da pessoa humana, à

liberdade e à justiça como corolário do Estado Democrático de Direito, “... destinado

a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o

bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias." (Preâmbulo da Constituição Federal).

A República Federativa do Brasil tem como um dos seus

fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e garante a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade e à segurança (art. 5º, caput).

Qualquer dispositivo legal deve obediência aos princípios e normas

estabelecidos na CF/88.

O mandado de condução coercitiva expedido por autoridade policial

atenta contra os princípios da liberdade de locomoção e da dignidade da pessoa

humana, haja vista a possibilidade de se utilizar da violência física e psicológica para

conduzir sujeitos de direitos sem que o Poder Judiciário aprecie a ameaça ou lesão

desses direitos (art. 5º, XXXV), sob o pretexto da auto-executoriedade dos atos

administrativos de Poder de Polícia. Ressalte-se também que é assegurado ao

indiciado, ao ofendido e às testemunhas ficarem em silêncio quando da oitiva (art.

5º, LXIII).

O silêncio, no inquérito policial, não tem valor probatório, mas

informativo, não melhora ou piora a situação dos possíveis envolvidos na infração

penal. Então seria constitucional uma autoridade policial forçar/constranger uma

pessoa a sair de sua residência ou trabalho ou aonde se encontrar e conduzi-la a

uma sede policial militar para prestar esclarecimentos quando a Carta Magna lhe

reserva o direito de permanecer calado?

Acreditamos que não. Somente o Poder Judiciário tem tal

competência. Portanto, a autoridade policial, dentro do regime democrático e de

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direito hoje postos, solicitaria ao Poder Judiciário o competente mandado de

condução coercitiva.

A nossa carta Magna garante a inviolabilidade do direito à liberdade

de locomoção. Privar alguém desse direito só seria permitido quando do flagrante

delito ou por ordem judicial escrita e fundamentada (art. 5º, XLI), precisamente à

pessoa do agente ativo.

7. ENTREVISTA COM OS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL LIGADOS A AUDITORIA MILITAR DO ESTADO DO RJ SOBRE A CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHAS.

A presente entrevista tem por objetivo tão somente apresentar,

dentro do trabalho, os diferentes pontos de vista sobre o tema acima, a partir

daqueles que operam o Direito na prática:

7.1. Entrevista com a Ilma. Sra. Dra. Cláudia Valéria Taranto, Defensora

Pública da AJMERJ:

membro da Defensoria Pública desde 1994;

atuando na AJMERJ por aproximadamente 8 anos;

As repostas da presente entrevista nos foram entregues prontas pela Ilma

entrevistada.

1. Existe alguma forma de constrangimento ou abuso de poder na condução

coercitiva de testemunhas no curso do IPM?

É desafiador sugerir um ponto de vista tão divergente sobre o tema

consolidado, mas não unânime, no cotidiano de abnegados Delegados de polícia e

Encarregados de Inquéritos Policiais Militares, na doutrina e jurisprudência pátrias.

O combate ao crime, a falta de estrutura no nosso aparelho de

Segurança Pública, notadamente das nossas Polícias, aliado à herança ditatorial

reinante no Brasil impede, na maioria das vezes, as conquistas da Constituição

cidadã, bem como constrange a tentativa de incorporar a dimensão holística da

nossa Lei maior às ações dos nossos agentes públicos.

Nesse sentido, o parágrafo único do art. 201 do CPP discrimina: “se

intimado para esse fim (perguntado sobre as circunstâncias da infração),

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deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido a

presença da autoridade”. (grifos nossos)

No mesmo sentido, o art. 260, caput: “se o acusado não atender a

intimação para interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato, sem ele,

não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua

presença.”(grifos nossos)

Pois bem, a leitura fria desses dispositivos legais não importa em

flexibilização ou interpretação. A autoridade policial, dentro de suas atribuições

legais, tem a faculdade jurídica de expedir mandado de condução coercitiva para o

acusado, as testemunhas e até mesmo o ofendido compareçam à respectiva

delegacia ou OPM para prestar os esclarecimentos devidos.

Entretanto, essa concepção restritiva não encontra mais guarida na

ordem constitucional vigente, cuja ação de qualquer agente público, especialmente

na seara penal, deva respeitar a liberdade e a dignidade da pessoa humana como

valores supremos da nossa Lei Maior.

Em assim sendo, entendo que há sim forma de constrangimento na

condução coercitiva de testemunhas e outros sujeitos envolvidos no curso do IP ou

IPM, vez que, à frente da Constituição de 1988, institui-se o Estado Democrático de

Direito, “...destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a

liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade pluralista e sem- preconceitos, fundada

na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias...” – preâmbulo da Constituição da República de 1988.

2. Qual a orientação majoritária do Tribunal de Justiça sobre o tema?

Claramente, percebe-se a contradição entre os dispositivos do CPP

e do CPPM e a garantia do direito à liberdade do cidadão. O que adiante a nossa

CF garantir à liberdade se o CPP e CPPM (normas infraconstitucionais) a cerceia

sob pretexto da apuração da infração penal em processo administrativo, sem

contraditório e a ampla defesa?

Dessa forma, a orientação a ser seguida, é que os dispositivos do

CPP e do CPPM devam ser interpretados e aplicados sob a ótica da Constituição

Federal de 1988, até porque, a Constituição Federal é absolutamente Superior sobre

as demais normas, e dela irradiam-se os subseqüentes dispositivos legais.

Portanto, nossa Constituição é rígida e, como conseqüência, é a lei fundamental e

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Page 13: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade nela encontra fundamento e só dela

confere poderes e competências governamentais.

Nesse mesmo diapasão, qualquer dispositivo legal deve obediência

aos princípios e normas estabelecidos na CF/88.

A República Federativa do Brasil tem como um dois seus

fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III) e garante a inviolabilidade

direito à vida, à liberdade e à segurança (art. 5°, caput).

Assim, não é nosso objetivo pormenorizar o conteúdo dos princípios

constitucionais citados, entretanto, acreditamos que o mandado de condução

coercitiva expedido por autoridade policial atenta contra os princípios da liberdade

de locomoção e da dignidade da pessoa humana, haja vista a possibilidade de se

utilizar violência física e psicológica para conduzir sujeitos de direitos sem que o

Poder Judiciário aprecie a ameaça ou lesão desses direitos (art. 5°, XXXV), sob o

pretexto da auto-executoriedade dos atos administrativos.

O silêncio, no IP ou IPM, não tem valor probatório, mas informativo;

nem melhora ou piora a situação dos possíveis envolvidos na infração penal, de

forma genérica. Então, indaga-se: seria constitucional uma autoridade policial forçar

/constranger uma pessoa a sair de casa ou trabalho ou aonde se encontrar e

conduzi-la a uma DP ou Unidade Militar para prestar esclarecimentos quando a

Carta Magna lhe reserva o direito de ficar calada?

Acredito que não. Somente o Poder Judiciário tem tal competência.

Assim, a autoridade policial, dentro do regime democrático e de direito hoje postos,

solicitaria ao Poder Judiciário o competente mandado de condução coercitiva.

A CF, ressalte-se mais uma vez, garante a inviolabilidade do direito à

liberdade de locomoção. Privar alguém desse direito só seria permitido quando do

flagrante delito ou por ordem judicial escrita e fundamentada (art. 5°, XLI),

precisamente à pessoa do agente ativo.

3. Em que casos pode, ou deve ser, realizada a condução coercitiva de

testemunhas no curso do IPM?

Como já dito acima, em nenhum caso, salvo se em flagrante delito

alguém pode ser conduzido à autoridade policial, ou por ordem expressa da

autoridade judicial competente.

Concluindo, tentamos passa a V. as. Uma visão mais humana dessa

conturbada questão, notadamente, da condução coercitiva de pessoas para

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Page 14: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

prestarem esclarecimentos, informações e testemunhos na elucidação das infrações

penais e/ou militares e da respectiva autoria.

Portanto, entendemos que somente ao Poder judiciário é dada a

competência constitucional para expedir tal mandado cerceador da liberdade de

locomoção e altamente constrangedor. Alie-se, ainda, a ineficácia da condução

coercitiva no curso dos inquéritos policiais, haja vista o direito de permanecer calado

e os diversos mecanismos de coleta de provas realizada pela polícia científica,

atualmente em todos em bastante evidência. E, desta forma, os dispositivos do CPP

e do CPPM devem ser interpretados e aplicados sob a ótica da Constituição Federal

de 1988.

7.2. Entrevista com a Ilma. Sra. Dra. Isabella Pena Lucas, Promotora

de Justiça da 1ª Promotoria da AJMERJ:

membro do Ministério Público desde 2000;

atuando na AJMERJ desde 2004;

as respostas nos foram apresentadas de forma oral, pela Ilma entrevistada.

Entende a Ilma entrevistada que deve ser aplicada uma “analogia

limitada” do previsto no art. 301 do CPPM, onde se lê: “Art. 301. Serão observadas

no inquérito as disposições referentes às testemunhas e sua acareação, ao

reconhecimento de pessoas e coisas, aos atos periciais e a documentos,

previstas neste Título, bem como quaisquer outras que tenham pertinência

com a apuração do fato delituoso e sua autoria.” (grifo nosso)

Que permite trazer ao inquérito o previsto nos artigos abaixo do

mesmo dispositivo legal:

Art. 347. As testemunhas serão notificadas em decorrência de

despacho do auditor ou deliberação do Conselho de Justiça, em que será

declarado o fim da notificação e o lugar, dia e hora em que devem comparecer.

Comparecimento obrigatório

§ 1º O comparecimento é obrigatório, nos termos da

notificação, não podendo dele eximir-se a testemunha, salvo motivo de força

maior, devidamente justificado.

Falta de comparecimento

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Page 15: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

§ 2º A testemunha que, notificada regularmente, deixar de

comparecer sem justo motivo, será conduzida por oficial de justiça e multada

pela autoridade notificante na quantia de um vigésimo a um décimo do salário

mínimo vigente no lugar. Havendo recusa ou resistência à condução, o juiz

poderá impor-lhe prisão até quinze dias, sem prejuízo do processo penal por

crime de desobediência.

Que tratam da condução coercitiva durante o processo, e não

durante o inquérito.

Tal analogia limitada, ocorreria pois no entendimento da Ilma

Promotora, a condução coercitiva não é plenamente acolhida pela Constituição

Federal de 1988, já que o CPPM é anterior e inferior a CF/88.

Há ainda de se levar em consideração outros aspectos da questão.

Muitas vezes as testemunhas já se sentem amedrontadas ou

intimidadas por terem de depor em um inquérito, a condução coercitiva só iria

agravar ainda mais a sensação de intimidação das testemunhas.

Mas não se deve deixar de considerar que um inquérito sem

testemunhas pode acabar por tornar-se um inquérito vazio, por isso é essencial uma

forma de trazer a apreciação do encarregado o depoimento das testemunhas.

Por isso entende a Ilma Dra que a condução coercitiva de

testemunhas poderia ocorrer de forma comparada as demais medidas cautelares,

mesmo sendo ato ordinário, onde, caso o encarregado avaliasse ser essencial para

elucidação do fato, o depoimento de uma testemunha, que o citado venha a

presença do M.P., solicitar que seja expedido o referido mandado de condução, ou

seja, ocorreria mediante solicitação judicial.

7.3 Entrevista com Exmo Sr Dr Juiz de Direito da Costa Ferreira, da 2ª

Vara da Infância e da Juventude:

Magistrado desde 1999;

Atuou como Juiz da AJMERJ, por aproximadamente 7 anos, até março de 2008.

As respostas nos foram apresentadas de forma oral pelo Exmo Entrevistado.

O Exmo Juiz de Direito, iniciou a entrevista posicionando-se contra a

condução coercitiva de testemunhas durante o inquérito por parte do encarregado.

15

Page 16: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

Uma vez que na fase investigativa não foi oferecida denúncia crime

contra ninguém, portanto, o bem maior a ser protegido nesse caso são os direitos

individuais das testemunhas no inquérito.

Caso haja a necessidade insuperável de fazê-lo que o seja através

de solicitação judicial ao M.P.

O inquérito visa embasar o Juízo no oferecimento ou não da

denúncia, por isso, tem o encarregado o dever de instruir adequadamente o

inquérito, ou seja, tem o dever de tentar ouvir todas as testemunhas, mas caso

alguma testemunha tenha deixado de ser ouvida no curso do inquérito, é obrigação

do encarregado fazer constar em seu relatório que a testemunha “X” deixou de ser

ouvida, mas é essencial para o esclarecimento dos fatos, dando base para que seja

iniciado o processo e que tal testemunha seja ouvida no curso do processo, ainda

que seja necessário ao Magistrado, aí sim, determinar a condução coercitiva da

referida testemunha.

Deixando claro que entende ser prerrogativa do Judiciário, avaliar a

real necessidade de tal ato, e executá-lo.

Entende que na fase de inquérito a condução coercitiva da

testemunha fere os direitos individuais consagrados na Constituição Federal de

1988, e poderia gerar uma ação cível ou criminal contra o encarregado.

Já em fase processual o bem a ser preservado é o interesse da

coletividade, em punir um crime, que se torna um bem maior em detrimento da

proteção individual dos envolvidos no processo.

O Exmo entrevistado também fez questão de enfatizar que o

Magistrado não se pronuncia no inquérito.

Destacou ainda que o constrangimento causado por uma condução

coercitiva poderia aumentar ainda mais a sensação de medo da testemunha.

Em relação a pergunta formulada de qual seria a orientação

majoritária do Tribunal de Justiça sobre o tema, respondeu que a AJMERJ por se

tratar de um juízo único, facilita muito o trabalho do Magistrado, uma vez que cuida

de tema muito específico do Direito, gozando de “relativa” independência, em

relação ao T.J. que deixa o tratamento do Direito Militar a cargo daqueles que o

operam diretamente, ou seja, os membros da AJMERJ.

8. CONCLUSÃO

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Page 17: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

A Corporação exige cada vez mais de seus profissionais,

principalmente de seus Oficiais, pois como profissionais da área de Segurança

Pública devemos nos aprimorar para que possamos prestar um serviço de qualidade

para nossa Sociedade Fluminense.

Concluímos esse trabalho a partir de uma visão mais humana da

atividade policial militar, notadamente, da condução coercitiva de pessoas a

prestarem esclarecimentos, informações e testemunhos na elucidação das infrações

penais militares e da respectiva autoria.

Fica claro que não podemos deixar nos levar somente pelo princípio

da auto-executoriedade do poder de polícia, em nossa sociedade atual, onde a

população vê o poder público com desconfiança, uma vez que como o próprio nome

já diz, a condução coercitiva pode ser vista pela testemunha mais como uma forma

de intimidação do que como os meios legais para se chegar à autoria de um crime.

Conforme exposto anteriormente devemos levar em consideração o

poder discricionário e o princípio da razoabilidade a fim de atender preceitos

constitucionais de proteção ao indivíduo.

Ponderamos que somente ao Poder Judiciário é dada a competência

constitucional para expedir tal mandado cerceador da liberdade de locomoção e

altamente constrangedor. Bem como, asseveramos a ineficácia da condução

coercitiva no curso do inquérito policial militar, haja vista o direito de permanecer em

silêncio, além do depoimento “vazio”, que uma testemunha coagida, mesmo sob o

risco de perjúrio, pode praticar. Porque não lembrar que o Encarregado de IPM

poderá se utilizar de diversos mecanismos de coleta de provas realizada pela Polícia

Científica.

Vemos ainda a partir das respostas do Exmo Sr Dr Juiz de Direito

Marcius da Costa Ferreira, titular da 2ª. Vara da Infância e Juventude, e da Ilma Sra

Dra Promotora de Justiça e da Ilma Sra Dra Defensora de Justiça, ambas da

AJMERJ, nas entrevistas acima, que já é do entendimento daqueles que operam o

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar, a aplicação nos inquéritos e

processos da justiça militar justamente na forma do exposto no corpo do trabalho e

ainda nas conclusões acima, é imprescindível ressaltar que os três membros do

judiciário apesar de atuarem em situações teoricamente antagônicas, mas ainda

assim complementares, concordaram plenamente entre si, tanto na fundamentação

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teórica como na aplicação dos princípios e direitos administrativos e constitucionais,

reforçando que a prática do direito, apesar de ainda não ser uma doutrina

plenamente estabelecida, já é esta.

Ante a toda proposição acima nas respostas dos entrevistados fica

claro o embasamento legal e doutrinário utilizados por eles para esse modelo de

aplicação da Lei, na forma de não conduzir coercitivamente testemunhas, pois tal

ato constrange a testemunha, anulando com isso o atendimento do bem jurídico a

ser tutelado por tal ato administrativo, uma vez que o ato perde sua capacidade de

atender ao interesse público, ele não perde sua legalidade, mas perde totalmente

sua eficácia, tornando sem sentido sua auto-executoriedade.

Se ele não é eficaz, e portanto perdeu sua auto-executoriedade,

mas mantém sua legalidade, como aplicá-lo se cabe ao agente público, pelo

princípio da indisponibilidade e da legalidade, agir no interesse da coletividade?

Tal aplicação se faz por analogia conforme já explicado, mediante

solicitação ao judiciário.

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Page 19: Condução Coercitiva de Testemunhas No Inquérito Policial Militar

8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

27.ed. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2001.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal.13 ed. São Paulo, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

CARVALHO, José dos Santos Filho. Manual de Direito Administrativo. 15 ed. Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,

2006.

PMERJ. Manual de Inquérito Policial Militar.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Editora

Atlas, 2007.

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