condomÍnios fechados: proximidade, vizinhanÇa e … · teórica do que prática. para durkheim...
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CONDOMÍNIOS FECHADOS: PROXIMIDADE, VIZINHANÇA E INTER-
RELAÇÕES SOCIOCOMUNITÁRIAS
Sérgio Ricardo Oliveira Martins Ronaldo Lisboa Gomes
Lais Cristina de Oliveira
UFMS/[email protected]
INTRODUÇÃO
O individualismo e o isolamento social, que marcam a vida urbana
contemporânea, de fato não favorece o sentido de interdependência e vizinhança que
poderiam advir da convivência e coabitação territorial. No entanto, a comunidade, ainda
que idilicamente represente um refúgio em meio à vida urbana pressionada por formas
de violência, pela insegurança e pelo medo, parece resistir e se manter como aspiração
humana. Uma forma “moderna” e mercantil de oferecer “recantos de segurança” está na
construção de condomínios residenciais fechados. “Fortificados” e cada vez mais
afastados, os condomínios materializam e territorializam o desejo de viver com mais
tranquilidade, todavia, realizado apenas pelos que podem pagar.
Um condomínio fechado, ainda que se entenda como forma de segregação
residencial, constitui uma vizinhança espacial, implicando compartilha territorial.
Pressupõe-se aqui que a proximidade espacial propicie entre os moradores (não em sua
totalidade, nem com a mesma intensidade) a formação de relacionamentos mais
estreitos. Esta é a hipótese a ser verificada por esta pesquisa, cujo objetivo é analisar a
proximidade ou convivência espacial enquanto fator de relacionamentos primários.
Para esta verificação foi selecionado um grande condomínio residencial da
cidade de Campo Grande. Trata-se do Village Parati Residencial I, um condomínio
horizontal fechado de 2.256 casas de 40 e 50 m2, que ocupa uma área de 412.908 m2. O
levantamento de dados foi realizado por meio de entrevistas estruturadas em uma
amostra aleatória de 75 domicílios, ou 5% das casas ocupadas1. A coleta foi realizada
por meio de um questionário com questões sobre tempo de moradia, composição e
renda familiar, motivações da opção pelo condomínio fechado e relações de vizinhança.
Para a tabulação de dados, utilizou-se o Sphinx Survey (um software de pesquisa para
análise de dados quantitativos). As entrevistas foram feitas com um morador adulto no
próprio domicílio, mediante consentimento livre e esclarecido.
ESPAÇO URBANO, MODERNIDADE E O FENÔMENO COMUNITÁRIO
A dinâmica relacional humana, ante os desafios colocados pelas vicissitudes da
modernidade, cuida para que os fenômenos societários se (re)configurem em arranjos
socioespaciais diversos. Em uma realidade na qual comportamentos, atitudes e valores
individualistas cada vez mais parecem orientar as relações humanas, esmaecendo e
sufocando o sentido de vizinhança, persistiria com alguma significância o fenômeno
comunitário? Pressupõe-se neste trabalho que a comunidade sobrevive e seus princípios
estão presentes na tessitura dos relacionamentos interpessoais cotidianos.
A comunidade é um fenômeno societário mais complexo do que sua relação
dicotômica com a sociedade. Sua natureza orgânica e fraterna a definiria como oposta à
impessoalidade e artificialidade que marcam as relações na sociedade (TÖNNIES,
1947). Esta distinção axiomática entre comunidade e sociedade é certamente mais
teórica do que prática. Para Durkheim (1978), na sociedade a ligação entre seus
membros é orgânica, decorrente da divisão social do trabalho. Na comunidade, a ligação
entre as pessoas é mecânica, direta e sem intermediação. Assim, os relacionamentos
primários são marcados pela intimidade, já os secundários, intermediados por papéis ou
funções sociais desempenhadas por indivíduos “anônimos”. A comunidade é
precisamente caracterizada pelo predomínio dos relacionamentos primários sobre os
secundários (ÁVILA ET AL, 2000). Entre sociedade e comunidade mudaria o balanço
entre os dois tipos de relacionamentos. No cotidiano, comunidade e sociedade não são
fenômenos isolados ou delimitados com precisão e clareza. Relacionamentos primários 1 O levantamento está em processo, razão pela qual esta quantidade de entrevistas será ampliada até 10% das casas ocupadas no condomínio, afim de alcançar maior abrangência nas três fases do empreendimento.
e secundários se imbricam nas relações entre as pessoas, na dinâmica formação,
evolução e desintegração de grupos societários.
Considera-se aqui que a comunidade seja constituída por um grupo de pessoas
que interagem e coabitam com base na reciprocidade de relações, compartilhando
objetivos e meios comuns, estabelecida e delimitada territorialmente (FERNANDES,
1973 e BUBER, 1987). Neste sentido, uma comunidade só se forma e evolui
territorializada, dinamizando-se em interações socioespaciais.
Para Bauman (2003), há uma impossibilidade constitutiva da comunidade na
atualidade (“modernidade líquida”), haja vista as tensões da vida urbana e moderna, que
oscilam entre a liberdade e o medo. Para Spinelli Júnior (2006), sociologicamente ante a
modernidade atual, o termo perdeu seu caráter delimitado, assumindo significativa
“plasticidade identitária”. Albuquerque (1999) discute os efeitos da “modernidade”, em
especial das crenças associadas ao progresso material e ilimitado, sobre os
comportamentos e sentimentos das pessoas, que desta forma experimentam o medo da
violência e a insegurança da vida urbana, os “custos humanos da modernidade”.
Em Simmel (1987), a modernidade é simbolizada pela metrópole e pelo
dinheiro, que juntos reproduzem e diversificam as relações cada vez mais
individualizadas e impessoais, eis o que caracteriza essencialmente o modo de vida
urbano e moderno. Neste contexto, as necessidades humanas ocorrem para muito além
das fundamentais2, pois ampliadas pela indução onipresente ao consumo e mediadas por
um “livre” exercício da subjetividade. Comportamento individualizado e relações cada
vez mais impessoais teriam orientado a vida urbana moderna para um sentido oposto ao
sentido agregador, moralmente comprometido, pessoal e íntimo da comunidade. Eis
porque, para Tönnies (1947), a sociedade moderna teria emergido sobre a vida
comunitária (fatual ou idealizada) cada vez mais sufocada pelos “prazeres” e “negócios”
da vida urbana moderna. Tal visão dicotômica, de uma sociedade moderna e vitoriosa
sobre uma comunidade arcaica e decadente, desvia de uma questão mais importante e 2 Na ótica do desenvolvimento a escala humana, há nove necessidades humanas fundamentais: subsistência, procriação, proteção, comunicação, entendimento, participação, ócio, identidade e liberdade. Todas seriam inerentes ao ser humano e independentes de qualquer aspecto que os diferencie. (Cf: MAX-NEEF, M., ELIZALDE, A., HOPENHAYN, M. Desarrollo a Escala Humana: una opción para el futuro. Londres: CEPAUR, 1986.).
mais pertinente, qual seja a persistência do fenômeno comunitário em um contexto
claramente adverso. Entende-se que decadente é o ideal comunitário, de um idílico
desejado, que de fato não pode ser mais que uma abstração teórica.
Durkheim (1978) parece ter percebido que a comunidade subsistiria na
interdependência da vida social moderna e urbana, que individualiza e interliga em uma
trama funcionalizada pela divisão social do trabalho. A comunidade está então nos
“cantos” familiares e íntimos da vida cotidiana, mas ainda assim como fenômeno
controverso e confrontado, por isso mesmo resistente e real, representativo de valores
pautados pela amizade, confiança, interdependência e proximidade física e relacional.
A formação e manutenção de relações afetivas no espaço urbano atual, sem
embargo, parece pouco ultrapassar o âmbito familiar. A busca por relações de amizade e
confiança, todavia, estão associadas a necessidades tão fundamentais quanto a própria
subsistência, como a identidade, comunicação, afeto e, claro, a proteção. Esta última,
especialmente, se expressa na busca por segurança e certamente constitui um imperativo
cotidiano. O urbano, mais amplo e complexo, tornou-se o espaço sui generis da
mercantilização, em que a vida e as relações são mediadas pela produção e consumo de
mercadorias. Carlos (2007) mostra que é essencialmente na mercantilização do próprio
espaço urbano, sobretudo o acesso e uso deste para fins de moradia, que residem as
distintas formas de segregação. Os condomínios fechados são precisamente espaços
segregados, de moradias valorizadas por infraestruturas e equipamentos de conveniência
lazer e segurança. Mediadas pela individualidade que caracteriza a satisfação das
necessidades, via capacidade (desigual) de consumo de mercadorias, as referências e os
valores relacionais no cotidiano urbano sofreram um deslocamento de consciência e
práticas: do sentido da existência coletiva e interdependente à vida individualizada e
independente. É nesta atomização da vida urbana que reside a sensação de medo e
insegurança, explorado por Bauman (2003) em sua crítica à comunidade idealizada e
desejada. Para este autor, esta dependência do indivíduo, em meio a uma coletividade de
“estranhos”, de desconhecidos que moram ao lado, em relação à sua (in)capacidade
financeira acaba por produzir ou reforçar a insegurança da qual ele deseja escapar.
Uma forma “moderna” e mercantil de explorar esse medo e insegurança que
marcam a vida urbana atual é oferecer “recantos de segurança”. Neste sentido, a
construção de condomínios residenciais fechados, “fortificados” e cada vez mais
afastados, materializa e territorializa a pretensão de viver com segurança e
tranquilidade. Em tal situação, supõe-se aqui que a proximidade física e comunhão de
necessidades e interesses condominiais favoreçam, em alguma medida, a formação de
laços de amizade e relacionamentos do tipo primários. É o que se analisará a seguir.
CONDOMÍNIO FECHADO: PROXIMIDADE E RELACIONAMENTOS
É fato que a opção pela moradia em condomínio fechado reúne, em uma
convivência territorial compartida, pessoas que em geral não se conhecem. Pode-se
supor que a proximidade física (coabitação) e a compartilha de interesses e necessidades
favoreçam a formação de relacionamentos primários entre moradores, consubstanciando
um claro “efeito vizinhança”.
O condomínio selecionado foi o Village Parati que ocupa uma área de 412.908
m2, com 2.256 casas entre 40 e 50 m2, das quais 1.826 já foram vendidas, porém ainda
não totalmente ocupadas. O empreendimento, iniciado em 2009 e já totalmente
construído, é o maior condomínio de casas conjugadas da América Latina e está situado
em bairro que passou por rápida transformação nos últimos anos, a cerca 5 km ao sul do
centro de Campo Grande3.
3 Esses e outros dados técnicos do condomínio Village Parati podem ser obtidos no endereço: http://www.pdg.com.br/campo-grande/parati/village-parati-residencial-i
Figura 1 – Condomínio Village Parati (compilação em 10/07/2013, recorte em 20/06/2014).
O empreendimento é economicamente acessível, possibilitando o acesso a
moradores com renda familiar bem varável, inclusive as de até 2 salários mínimos,
cerca de 25% dos entrevistados (gráfico 1).
Renda familiar
25,0%
17,5%40,0%
5,0%5,0%
7,5%Até 2 s.m.
Mais de 2 e menos 3 s.m.
De 3 a menos de 5 s.m.
De 5 a 10 s.m.
Acima de 10 s.m.
Sem resposta
Gráfico 1 – Entrevistados segundo a renda familiar.
É importante considerar que no condomínio estudado, pelos dados levantados
até o momento e expressos no gráfico 1, não se observou uma diferenciação muito
significativa, de vez que uma maior distância socioeconômica tende a anular o efeito
vizinhança propiciado pela proximidade espacial. Para Ribeiro (2008), em situações de
coabitação entre pessoas socialmente muito distintas ocorre uma combinação entre
proximidade física e distanciamento social. Neste sentido, para o autor, a proximidade
espacial não gera proximidade social, a formação de vizinhança, pode até mesmo
aprofundar a relação de dominação entre “socialmente distantes”.
No caso em estudo, como a diferenciação social não é tão significativa, já que os
que ganham até 5 salários mínios representam 82,5% dos entrevistados, a proximidade
(vizinhança espacial) favorece a tessitura de relacionamentos pessoais diretos, sobretudo
considerando que a coabitação condominial significa a compartilha de necessidades,
recursos e objetivos. Para ir além de mera suposição, os dados a seguir mostram uma
correlação que permite analisar o efeito da proximidade no condomínio estudado.
Verificou-se que a quantidade de moradores conhecidos pelos entrevistados aumenta
com o tempo de moradia, já que 42,5% dos que conhecem 6 ou mais moradores, ao passo que a
totalidade dos que conhecem nenhum ou apenas um morador estão há 6 meses ou menos no
condomínio (tabela 1). É claro que um maior tempo de moradia resulte em um maior
conhecimento e relação com os vizinhos. Em que pese os traços de subjetividade do morador,
quanto a sua maior ou menor disposição e facilidade de se relacionar e criar novas amizades, é
coerente afirmar que a proximidade espacial tem um peso importante na tessitura, quantidade e
qualidade, das relações com a vizinhança.
Tabela 1 – Tempo de moradia em relação à quantidade de moradores conhecidos
Qtde de moradores conhecidos
Tempo de moradia no condomínio
Até 6 meses
De 7 meses a 1 ano
De 1,1 a 2 anos
De 2,1 a 3 anos
De 3,1 a 5 anos
5,1 ou mais anos
TOTAL
0 ou 1 2 ou 3 4 ou 5 6 ou 7 8 a 10 + de 10 TOTAL
7,5% 5,0% 7,5% 2,5% 0,0% 0,0% 22,5%
2,5% 0,0% 2,5% 0,0% 0,0% 0,0% 5,0%
0,0% 20,0% 10,0% 12,5% 12,5% 12,5% 67,5%
0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 2,5% 2,5% 5,0%
0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
10,0% 25,0% 20,0% 15,0% 15,0% 15,0% 100%
Dos moradores conhecidos buscou-se identificar os que são vizinhos, ou
seja, os que moram no entorno imediato dos entrevistados, segundo o tempo de
moradia. Metade dos que tem 0 ou 1 morador conhecido como vizinho estão há até
6 meses morando no condomínio, enquanto 67,5% dos vizinhos foram registrados
pelos moradores com 1 ano ou mais de moradia (tabela 2).
Tabela 2 – Tempo de moradia no condomínio em relação à quantidade de moradores
vizinhos conhecidos
Qtde de moradores vizinhos conhecidos
Tempo de moradia no condomínio
Até 6 meses
De 7 meses a 1 ano
De 1,1 a 2 anos
De 2,1 a 3 anos
De 3,1 a 5 anos
5,1 ou mais anos
TOTAL
0 ou 1 2 ou 3 4 ou 5 6 ou 7 8 a 10 + de 10 TOTAL
15,0% 5,0% 2,5% 0,0% 0,0% 0,0% 22,5%
2,5% 2,5% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 5,0%
12,5% 25,0% 12,5% 2,5% 2,5% 12,5% 67,5%
0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 5,0% 0,0% 5,0%
0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
30,0% 32,5% 15,0% 2,5% 7,5% 12,5% 100%
Outro dado importante, que reforça a importância da proximidade, conjugada ao
tempo de moradia, está no fato de que a quase totalidade dos moradores com os quais os
entrevistados tem maior contato pessoal é formada por vizinhos. Sem dúvida, um maior
contato pessoal com vizinhos atende ao desejo de mais segurança e tranquilidade. Não é
por outra razão que 62,5% dos entrevistas afirmaram manter contato diário com seus
vizinhos mais próximos (gráfico 2).
Frequência de contato com os vizinhos mais próximos
12,5%
25,0%
12,5%7,5%
42,5%
Raramente
1 a 2 vezes por semana
3 a 4 vezes por semana
5 ou 6 veses por semana
Todos os dias da semana
Gráfico 2 – Entrevistados segundo a frequência de contato com os vizinhos mais
próximos.
Sem embargo, a segurança foi o motivo mais importante para 70% dos
entrevistados optarem pela moradia em condomínio fechado (gráfico 3). Está claro que
a busca por segurança, no contexto urbano contemporâneo, tem sido apontada como a
principal motivação pela compra da moradia em condomínios. Em que pesem os
estudos que questionam o discurso “antiurbano” do medo da violência, não há dúvida
que a busca por segurança e tranquilidade pesa significativamente nesta decisão. Não
obstante, Low (2001) vê no consumo dos gated communities (condomínios fechados)
como meio de segregação de classe. No mesmo sentido, Mendes e Viana (2009)
questionam a real segurança nos condomínios, que seriam adquiridos muito mais pela
“distinção social” que representam. Por segurança ou distinção social, a opção crescente
pela moradia isolada ou segregada em condomínios fechados se expressa na reprodução
cada vez maior e variada deste segmento imobiliário em Campo Grande4.
Motivação da moradia em condomínio
17,5%
7,5%
70,0%
5,0%
Valor do imóvel/aluguel
Localização
Segurança
Infraestrutura
Outro motivo
Nada a declarar
Gráfico 3 – Entrevistados segundo a motivação principal para moradia em
condomínio fechado.
Não se tem dúvida de que o aumento dos condomínios fechados reforça os
problemas provocados pela especulação imobiliária no espaço urbano, impactando
sobre a configuração espacial de fixos e fluxos, alterando a relação e o comportamento
das pessoas, tanto intra quanto extramuros. Contraditoriamente, as “ilhas de segurança”,
além de aprofundar e tornar ainda mais visível as desigualdades sociais, podem até
resultar em aumento da criminalidade e violência urbana (MENDES e VIANA, 2009).
Parece que, ironicamente, o “refúgio fortificado” reproduz próximo (e não raro dentro)
de si os mesmos problemas dos quais quer se distanciar.
4 A forte e recente expansão de condomínios verticais e horizontais em Campo Grande pode ser dimensionada por números como: 5 a 6 mil unidades residenciais lançadas somente a partir de 2011. Ademais, tal “explosão residencial” ocorre a olhos vistos (fonte: Rede de Obras, revista digital disponível em: < http://www.aecweb.com.br/cont/m/rdo/a-explosao-do-residencial-em-campo-grande_5677>.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se nesta pesquisa analisar a proximidade espacial enquanto gerador de
relacionamentos primários (predominantes em comunidades) entre moradores de um
condomínio fechado. Adotou como pressuposto teórico a necessidade humana de
estabelecer relações de vizinhança, no intuito de atender ao desejo de viver com mais
segurança e tranquilidade.
Em que pesem as críticas ao discurso do “medo da cidade”, da insegurança tão
presente na vida urbana contemporânea, ao objetivo deste estudo importa mais
compreender a tessitura de laços relacionais que possam promover (ou recuperar) o
sentido de vizinhança, sem dúvida, esmaecido ante a promoção mercantilizada da
individualidade via consumo.
Os resultados das entrevistas mostraram que a proximidade propicia novas
amizades, relacionamentos que se produzem e se estreitam na coabitação e convivência
cotidianas. Sem dúvida, a compartilha de espaços, problemas e objetivos levam
igualmente a alguma dose de aproximação social. Essas observações são, todavia, ainda
preliminares, de vez que o levantamento de dados deve alcançar maior densidade, a fim
de abranger maior número de domicílios no condomínio em estudo.
É importante ressaltar que não se considera aqui que a proximidade espacial seja
fator suficiente de comunitarização, ou seja, de formação de uma comunidade. De fato,
relações primárias podem até mesmo prescindir da proximidade espacial entre as
pessoas. Acredita-se, tal como Santos (2006, p. 216), que a proximidade em um “[...]
território compartido impõe a interdependência como práxis”, que leva ao sentido da
existência comunitária. Um condomínio fechado não pode ser considerado uma
comunidade em si, senão por um reducionismo conceitual. Todavia, a convivência com
base na proximidade espacial, ainda que seja esta imposta pelas circunstâncias
condominiais, favorece os relacionamentos primários sem nenhuma pretensão de torna-
los predominantes.
O lugar, enquanto condicionante e resultado da apropriação afetivo-simbólica de
ações e objetos espaciais, presentifica-se na essência da territorialidade em meio urbano.
No lugar, o fenômeno comunitário parece resistir e se sustentar, replicando-se em
articulações e conexões constituídas para enfrentar os problemas inerentes à vida urbana
moderna. Neste sentido, condomínios fechados seriam performances sociocomunitárias,
isto é, de arranjos socioespaciais em que princípios comunitários e societários se
mesclam e oscilam no cotidiano relacional dos moradores, diante da convivência e
compartilha de problemas e objetivos comuns.
REFERÊNCIA
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