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CONDIÇÕES DE TRABALHO E VIDA COTIDIANA DOS DOCENTES NA
INTERIORIZAÇÃO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS
Sueli Maria do Nascimento1
RESUMO Objetiva refletir sobre as condições de trabalho e de vida cotidiana dos docentes nos campi interiorizados das universidades federais, a partir dos programas de expansão e reestruturação da educação superior pública, tendo como referência singular de pesquisa a implantação do Campus Arapiraca da UFAL. Apresenta como argumento central que a escassez de estrutura elementar para suprir as demandas profissionais e as necessidades pessoais (sociais) rotineiras dos docentes nos municípios do interior compromete a qualidade do ensino superior público. Deste modo, procura pontuar o debate acerca da precarização do trabalho docente, tangenciando as implicações na formação profissional universitária. Palavras-chave: Interiorização do ensino superior público. Trabalho docente. Formação profissional universitária. ABSTRACT The objective is to reflect on the conditions of work and daily life of teachers in the federal universities campuses installed in countryside, through the federal programs of expansion and restructuring of public higher education, and the singular reference research deploying Campus Arapiraca UFAL. It presents as a central argument that the shortage of elementary structure to provide the professional demands and and personal (social) needs in the municipalities compromise the quality of public higher education. Thus, pointing up the debate about casualization of teaching work, the tangent repercussions and implications on university training. Keywords: Public higher education in countryside. Teaching work. University training.
1 Estudante de Pós-Graduação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail:
1. INTRODUÇÃO
Este artigo intenciona contribuir para o desvelamento e dimensionamento das
condições de trabalho e de vida cotidiana dos docentes, particularmente no processo de
expansão do ensino superior público, sob a batuta e com financiamento do governo federal,
considerando o contexto e o discurso da interiorização como perspectiva de
desenvolvimento (local e regional) sustentável.
Mais precisamente a partir do “Programa de Expansão da Educação Superior
Pública do MEC – 2004/2006”, criado em 2003 e do “Programa de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – REUNI”, instituído em 2008, nos quais o argumento
da promoção do desenvolvimento é acentuado.2
Sob orientação da perspectiva crítico-dialética, marxista, em face à temática, ao
objeto e ao objetivo definidos no escopo deste estudo, é pertinente e relevante a
qualificação da categoria docente, no setor da educação superior do serviço público federal,
como classe trabalhadora, situando sua atividade ocupacional na divisão social e técnica do
trabalho.
A educação superior pública, objeto particular deste estudo, é tomada como
produto de consumo coletivo, em que pese não se realizar na esfera imediata do consumo
privado, mas se tratando de serviço voltado para a reprodução material da força de trabalho.
O trabalho docente é, assim, analisado no contexto das reformas políticas que
acompanham as transformações no mundo do trabalho, no processo de reestruturação
produtiva e de acumulação flexível.
É, deste modo, abordada a intensificação do trabalho docente na universidade
pública brasileira, a partir da problematização das atuais condições de reprodução
institucional mercantil e pragmática.
Para a finalidade deste artigo, atribui-se maior relevo às novas técnicas de
gerenciamento, interpretadas como importante carga social, segundo sugere Freire (2000, p.
2 No balanço da gestão da educação 2003-2010 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010), diz-se
explicitamente: “objetivo de expandir o sistema de universidades federais brasileiras com vistas a ampliar o acesso ao ensino superior, reduzir as desigualdades regionais e formar recursos humanos para pesquisa, pósgraduação e desenvolvimento científico e tecnológico.” Neste sentido, justifica-se a implantação do Programa de Expansão da Educação Superior Pública do MEC – 2004/2006, criado em 2003, bem como do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, em 2008: “[...] a expansão das universidades federais constituiu-se em uma das principais metas do Ministério da Educação pensadas em conexão com os grandes impasses e dilemas que devem ser superados pelo Brasil nas próximas décadas, entre os quais se sobressaem a superação das desigualdades e a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de conciliar crescimento econômico com justiça social e equilíbrio ambiental. As universidades federais foram chamadas a interagir com as vocações e as culturas regionais, repartindo o saber e a tecnologia com toda a sociedade. A interiorização foi uma das principais diretrizes norteadoras do mapa da expansão com foco voltado para as necessidade e vocações econômicas de cada região.” (grifos nossos)
171), dada a repercussão das reformas gerenciais do Estado nos serviços públicos
brasileiros.
Tendo como referência singular de pesquisa a implantação do Campus Arapiraca
da UFAL, no agreste alagoano, procura-se pontuar o debate acerca da precarização do
trabalho docente. Neste sentido, põe-se em questão tanto as condições institucionais para o
desempenho de sua produção intelectual/acadêmica quanto as condições ambientais que
configuram os meios de reprodução social deste trabalhador, em termos de relações
familiares e afetivas, bem como, de cuidados pessoais.
Conclui-se que a questão do desenvolvimento se manifesta significativamente de
modo negativo para o bom desempenho do trabalho docente. Em outras palavras, a
sensação de desproteção faz atribuir ao local de trabalho e moradia a percepção de
inospitalidade em face da deficitária cobertura e do baixo padrão de qualidade na oferta de
serviços públicos e até privados, minimamente no âmbito dos direitos sociais à saúde,
educação e lazer (incluindo o acesso à cultura), bem como, a prestação de serviços públicos
essenciais de interesse local, de competência municipal, como o transporte coletivo3.
Assim, a escassez de estrutura elementar para suprir as demandas profissionais
e as necessidades sociais rotineiras nos municípios do interior, comprometem a qualidade
do ensino superior público, uma vez que a carga social do trabalho docente provoca
desgastes à sua saúde e tolhem sua capacidade de produção.
2. VIDA COTIDIANA E TRABALHO DOCENTE
Particularmente no Brasil, no curso do processo de “extenso e intenso
movimento de reformas, com o objetivo de produzir um novo pacto social pragmático e nova
sociabilidade reducionista e coisificante, a “sociabilidade produtiva”” (SILVA JÚNIOR,
SGUISSARDI E SILVA, 2010, p. 11), a produção docente se traduz, pois, num trabalho
imaterial e superqualificado, o qual vem cada vez mais se tornando produtivo.
Segundo Pagotto (1996 apud COSTA, 2000, p. 104), “o critério de classificação
do que seja produtivo ou improdutivo, material ou imaterial é aquele que permite entrever a
subsunção das atividades específicas em questão às normas de organização da produção
capitalista. O que importa é que estão cada vez mais integrados no trabalho coletivo.”
N'O Capital, Marx (2011) rejeitou a caracterização de Adam Smith acerca do
trabalho produtivo caracterizado apenas pela produção de bens materiais e pela
lucratividade. Tal concepção excluía as atividades criadoras de bens materiais porém não 3 O artigo 30, inciso V, da Constituição Federal, determina como competência dos municípios
“organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”. (grifo nosso)
lucrativas, assim como, principalmente, aquelas que não criam bens materiais, como os
serviços, cuja utilidade se consome no ato imediato de sua execução.
Contrapondo-se às teses de Smith, Marx incluiu determinados tipos de serviços
no conceito de trabalho produtivo, porém, não realizou um estudo mais acurado sobre os
serviços em geral. Sua contribuição teórica revelou atividades que não produzem bens
materiais e que são imprescindíveis no processo de produção, as quais devem ser
consideradas produtivas, como é o caso do transporte, armazenagem e distribuição de
mercadorias.
Ao tempo que desvelou importante lacuna teórica, Marx deixou ainda questões
não resolvidas – porque ainda não contemporâneas a ele, as quais geraram e geram
controvérsias entre teóricos marxistas. Em relação aos serviços educacionais, por exemplo,
devido, talvez, à sua exiguidade em seu tempo, a análise de Marx ficou incompleta.
Com a expansão do setor de serviços nos países capitalistas, em especial dos
serviços sociais, importa assumir esse estudo, dada a sua abrangência e a larga ocupação
da força de trabalho aí empregada na produção e reprodução do capital nacional e em
escala mundial.
Esse introito é indispensável, uma vez que se almeja compreender a razão de
ser da expansão do serviço público de ensino superior, a fim de refletir sobre a intensificação
do trabalho e as condições de desempenho (produção intelectual) e de permanência
(vivência) saudável dos trabalhadores docentes nas unidades interiorizadas das
universidades federais.
Parte-se do pressuposto que a política neoliberal, posta em marcha no Brasil
desde a última década do século XX, projeta a mercantilização de todas as esferas da vida
social potencialmente lucrativas, de modo a reproduzir e ampliar o capital. Salienta-se,
então, a relação mercantil que se estabelece entre o serviço público e o setor produtivo
capitalista, haja vista a finalidade expressa nos programas de governo voltados para o
ensino superior, ou seja, o propósito de promover o desenvolvimento local e regional, como
estratégia de desenvolvimento nacional sustentável, nos moldes da globalização neoliberal,
conforme se interpreta aqui.
É, pois, constatado, de acordo com Costa (2000, p. 109), que a expansão dos
serviços sociais voltados para o atendimento das necessidades de reprodução da força de
trabalho e da sua família, no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo
[…] expressa a complexa e contraditória tensão entre a sua existência como um serviço que tem um valor de uso social e coletivo e a possibilidade de serem transformados em um serviço cuja utilidade social passa a depender da geração de lucros, isto é, da sua mercantilização.
Em outras palavras, Costa (2000, p. 109) evidencia que, no capitalismo
monopolista, no processo de transição das necessidades de reprodução “do campo das
necessidades individuais para o campo das necessidades produtivas”, surgem os serviços
constituídos a partir de “uma especial fusão entre o público e o privado”. Isto explicaria o
crescimento das funções do Estado no setor de serviços, como também revelaria a
incorporação crescente da lógica e da racionalidade da produção capitalista na prestação dos serviços […] alterando substancialmente os padrões de incorporação da força de trabalho, […] na ampliação do leque das ocupações, nos critérios de aferição da produtividade e na especificação de novas tarefas e especialidades. (COSTA, 2000, p. 110)
Aproximando os argumentos até aqui expostos ao debate acerca do ensino
superior público, Lacaz (2010, p. 53) atribui a esse fenômeno a caracterização de um
capitalismo organizacional nas instituições públicas de ensino superior ou capitalismo
acadêmico, isto é, a penetração dos princípios empresariais na gestão do serviços que “vem
alterando profundamente o processo de trabalho na esfera pública”. Destaca-se, nesse
contexto, a preocupação com a eficiência.
Contudo, além da eficiência há de se tomar em conta, sobretudo, a saúde do
trabalhador em decorrência das condições específicas de cada atividade exercida pelos
servidores públicos, mas, indo além: conhecendo e reconhecendo toda carga social de
trabalho que circunscreve sua cotidianidade laboral.
O conceito de carga social é burilado por Freire (2000), a partir da perspectiva de
trabalho-saúde-doença apanhada em Laurell e Noriega. A referida autora toma, assim, o
aspecto do desgaste, compreendido como “perda da capacidade potencial e/ou efetiva
corporal e psíquica” (LAURELL e NORIEGA, 1989, p. 115 apud FREIRE, 2000, 170)
originado de várias cargas negativas inerentes ao trabalho4, específicas de cada processo
singular e sempre relacionadas ao ambiente de trabalho.
Além dos tipos de cargas negativas do trabalho indicados por Laurell e Noriega,
quais sejam: físico, químico, biológico, mecânico, fisiológico e psíquico, Freire (2000, p. 171)
introduz a dimensão da carga social:
[…] gerada e alimentada através das expressões das relações sociais da sociedade capitalista, manifestadas na organização e processo de trabalho, aí reproduzindo, de um modo concentrado e mais evidente, a desigualdade, o autoritarismo, a privação do poder de mudar as condições de agressão física e psíquica à saúde e a coerção sob todas as formas, decorrentes da posição sócio-política do trabalhador na divisão do trabalho na empresa […].
Esse conceito é tomado aqui como importante chave argumentativa para análise
das condições de vida e de trabalho dos docentes no processo de expansão e interiorização
4 A expressão carga de trabalho, de acordo com Jussara Brito (1991, p. 39 apud FREIRE,
2000, p. 171), “não deve ter a conotação necessariamente de peso e dificuldade mas como demandas do processo de trabalho”, articulando-se as noções de carga, desgaste e risco.
das universidades federais, haja vista a intensificação e precarização do trabalho docente de
um modo geral, ante as reformas educacionais pautadas no gerencialismo próprio do
modelo neoliberal de reestruturação produtiva.
Ao assinalar a mercantilização das atividades de ensino, pesquisa e extensão
nas IES públicas (federais e estaduais) como relevante aspecto que caracteriza a
precarização do trabalho docente, Bosi (2006) refere-se à intensificação do ensino como
resultante da crescente privatização e direcionamento empresarial da ciência, tecnologia,
pesquisa e desenvolvimento, os quais têm convertido recursos públicos em condições de
aparelhamento e potencialização da capacidade de reprodução do capital. Esse processo
tem sido orquestrado pelos principais órgãos de fomento: CNPq, CAPES e as Fundações
Estaduais de Apoio à Pesquisa.
Nesse cenário, na área das humanidades recebe-se menor aporte financeiro
para desenvolver o trabalho acadêmico o que remete, no mais das vezes, à privatização dos
meios de produção do trabalho através do auto-investimento em suas próprias condições de
trabalho. Isto ocorre em razão do perfil de persquisa desenhado nos editais institucionais
que acabam ditando o padrão para a produção acadêmica em geral (ou seja, repercutem no
ensino e na extensão – em alguns casos, até na gestão): a qualidade da produção é
mensurada pela quantidade da produção e pela capacidade de captação de recursos
agregados ao seu salário e à própria instituição. Bosi (2006, p. 54-55) interpreta, então, que
“a esse aspecto financeiro de forte apelo e impacto ideológico” alinha-se “uma
ressocialização dos docentes de acordo com o padrão produtivista”, levando à combinação
de instrumentos ideológicos do capital voltados para o convencimento e conversão
obstinada ao trabalho: “competição”, “empreendedorismo” e “voluntarismo”.
Tratando das peculiaridades do trabalho acadêmico, Alcadipani (2011, p. 346)
atribui à academia a analogia com uma fábrica de sardinhas, em alusão ao aprisionamento
do pensamento e à pressão institucional e financeira que submetem a produção intelectual e
a difusão do conhecimento. Destacam-se algumas de suas impecáveis observações a
respeito da contradição entre a atividade gerencial cotidiana e o trabalho docente,
“principalmente no que concerne à questão do uso do tempo”.
Em relação ao baixo padrão remuneratório dos professores, “apesar da sua
importância social”, Alcadipani (2011, p. 346) replica:
[…] O pagamento pouco atrativo tendia a ser compensado pela liberdade de pensar, a ausência de hierarquia formal rígida, as menores pressões externas, o prazer de ensinar e pesquisar, a liberdade do próprio tempo. […] Porém, a invasão da lógica gerencial nas organizações educacionais está gerando um habitat bastante inóspito para o acadêmico de vocação.
Segundo Freire (2000, p. 171-172):
[…] essa falta de poder para mudar a situação caracteriza uma das expressões da
carga social […] aproximando-se do processo de alienação social no espaço de
trabalho. Esse tipo de desgaste é caracterizado principalmente pela atrofia da
capacidade de reagir e buscar a mudança das condições de agressão, pelo
trabalhador, fragilizando-o individual e coletivamente e, ao mesmo tempo,
alimentando o fatalismo, a descrença e a desmotivação para o trabalho e para o
autocrescimento.
A interpretação de Pinto e Silva et al. (2012, p. 381) referente à autonomia
controlada e adoecimento docente complementa e melhor esclarece o que se quer
argumentar acerca da “sentimentos de desesperança em relação às possibilidades de
transformação da organização do trabalho nos sistemas educacionais”:
A alienação e a utilidade predominam no cotidiano das práticas nas escolas e nas universidades. Tornam-se elementos fundamentais da heterogestão, da intensificação e precarização do trabalho e do adoecimento e/ou estresse do professor. Os professores universitários tendem a desenvolver uma auto-imagem enaltecida, a qual os instiga ao produtivismo acadêmico e à busca por prestígio, com conseqüências prejudiciais à vida sócio-familiar, à saúde e às relações de trabalho. Os da Educação Básica, por sua vez, apresentam sentimentos de abandono e de desprezo frente ao descaso ao qual são submetidos, ao mesmo tempo em que sofrem e adoecem por serem destituídos dos meios objetivos de atingir os desempenhos e metas proclamados.
É nesse sentido que o argumento central deste artigo se pauta na evidência de
que a intensificação e precarização do trabalho, dada a escassez de estrutura elementar
para suprir as demandas profissionais e as necessidades pessoais (sociais) rotineiras dos
docentes nos municípios do interior, comprometem a qualidade do ensino superior público,
dificultando a realização da pretensa finalidade social da instituição universitária.
A partir dessas reflexões, serão abordadas a seguir os desafios do trabalho
docente nas universidades públicas federais, no contexto da interiorização.
3. DESAFIOS DA DOCÊNCIA NA INTERIORIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA
Das 63 universidades federais hoje existentes5, 18 foram criadas ou implantadas
a partir de 2003, no bojo do processo de reforma universitária, contemplando novas
instituições e transformação de faculdades ou centros universitários em universidades.
Em termos percentuais, o governo federal terá alcançado o feito de expandir e
interiorizar 117% das universidades federais e, portanto, de incluir 141% de municípios com
abertura de oportunidades para acesso à formação universitária.
Todo esse processo tem ocorrido de modo planejado, em ciclos de expansão, a
saber (FORPLAD, 2008): 1) Primeiro Ciclo – Expansão para o Interior – 2003/2006; 2)
5 Conforme pesquisa na base de dados do Sistema e-MEC. Disponível em:
<http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 25 maio 2014. Chave de busca em “Consulta Textual”: IES / Categoria Administrativa / Pública Federal.
Segundo Ciclo – Expansão com Reestruturação – 2007/2012 – REUNI (Decreto 6.096 de
24.04.2007 – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais); 3) Terceiro Ciclo – Expansão com ênfase nas interfaces
internacionais – 2008/20106.
Particularmente, situando desafios das universidades contemporâneas no
processo de globalização, o Projeto de Interiorização da UFAL (UFAL, 2005, p. 2) corrobora
com a perspectiva mundial de necessária reforma acadêmica em afinidade com a propalada
revolução informacional e tecnológica e respectiva reestruturação produtiva e reforma do
Estado.
Tavares e Ramalho Filho (2008, p. 230-231) destacam algumas “relevantes
transformações positivas” no agreste, em sua maior parte referentes às mudanças
endógenas à própria universidade, no que diz respeito à inovação do modelo pedagógico, à
forma de seleção dos docentes, à otimização de recursos escassos e à mobilidade e
aproveitamento curricular pelos discentes. Quanto à contribuição para desenvolvimento
local, entretanto, a ênfase recai sobre a atração de estudantes de quase metade dos
municípios do estado (50 dos 102 municípios alagoanos), além de pessoas originárias de
municípios vizinhos dos estados de Sergipe e Pernambuco, “o que demonstra não só a
expansão do ensino superior, mas também sua democratização”.
Todavia, desde os primeiros anos da implantação do Campus Arapiraca, os
mesmos autores também já apontavam dificuldades, que identificaram como desafios.
Davam-se conta de que a inovação pedagógica/curricular, proposta por um núcleo restrito
de planejadores, não seria posta em prática sem resistência da parte de professores
formados nos padrões tradicionais. Advertiam para as tensões geradas entre os docentes e
a administração superior da UFAL, em razão das condições deficitárias de infraestrutura.
Constatavam a dificuldade de adaptação dos docentes, principalmente daqueles originários
de outras regiões do país, aos locais de instalação das unidades interiorizadas, bem como, o
isolamento e a dificuldade de construção de um espaço coletivo de debate acerca dos
projetos pedagógicos comuns de cursos do mesmo eixo temático entre docentes residentes
em localidades distintas (especialmente entre Penedo, Arapiraca e Viçosa) (TAVARES e
RAMALHO FILHO, 2008, p. 232).
Apesar dessas constatações, além do Campus Arapiraca, uma segunda etapa
de interiorização da UFAL teve prosseguimento, expandindo-se para o sertão do estado,
6 Informações atualizadas, através de pesquisas diversas na internet, dão conta de que já
estão em funcionamento as 4 universidades planejadas no terceiro ciclo de expansão: Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA, Foz do Iguaçu-PR; Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, Santarém-PA; Universidade Luso Afro-Brasileira- Universidade – UNILAB, Redenção-CE; e Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS.
com a implantação do REUNI, em 2010. Instalou-se, então, o Campus do Sertão, com sede
no município de Delmiro Gouveia e mais uma unidade educacional no município de Santana
do Ipanema.
O longo período de greve dos docentes e técnico-administrativos das IFES, entre
maio e setembro de 2012, ensejou amplos debates de toda a comunidade acadêmica da
UFAL, incluindo os três segmentos: discentes, docentes e técnico-administrativos, de todas
as unidades acadêmicas dos três campi (A. C. Simões, Arapiraca e Sertão). Ergueu-se,
naquela ocasião, um cenário propício para, de algum modo, avaliar o processo de expansão
e interiorização da universidade.
Um importante “produto” elaborado pelos docentes e encaminhado pela
Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas – ADUFAL ao Sindicato
Nacional dos Docentes do Ensino Superior – ANDES-SN foi o Dossiê UFAL (ADUFAL,
2012), cuja versão final foi aprovada na assembleia de docentes do dia 11 de julho de 2012.
Nesse documento, fruto de discussões e reflexões realizadas em plenárias locais desde o
ano anterior (2011), foram apontados os principais nós críticos e demandas prioritárias que
constituíram a pauta local geral da UFAL, como também as reivindicações específicas dos
campi e unidades educacionais do interior.
Em síntese, buscou-se apresentar, a partir de uma experiência específica,
cuidadosamente documentada pela associação sindical dos docentes da UFAL, alguns dos
percalços vividos por esses trabalhadores tanto no âmbito interno da instituição universitária
como nas relações sociais mais amplas dentro dos municípios interioranos onde estão
instaladas suas unidades educacionais.
Em termos das implicações na formação profissional universitária, Alcadipani
(2011, p. 346-347) informa que ele (em conjunto com Ricardo Bresker), desde 1999, tem
advertido “que as faculdades e universidades brasileiras passavam por um nítido processo
de McDonaldização” e a situação só se agravou com o passar do tempo. O autor ainda
afirma: “O modelo gerencial passou a ser visto como a solução para os problemas das
organizações educacionais. […] os alunos passaram a ser vistos como clientes e os cursos
como produtos”. Completando o raciocínio: “A transformação do aluno em cliente
transformou o professor em um mero prestador de serviços, […] subtraindo dele as funções
de educador e o forçando a ser um 'animador de auditório'”. E para concluir: “[...] a lógica do
ensino-aprendizagem é subvertida pela lógica do consumo-satisfação que, muitas vezes,
destoa da formação de um sujeito reflexivo e maduro”. Trocando em miúdo: “A
consequência mais típica é o estabelecimento dos 'pactos de mediocridade' em que o aluno
finge que aprende e o professor que ensina”.
Pressupõe-se, assim, que, dadas a conjuntura e o cenário do ensino superior
brasileiro nessa primeira década do século XXI, os processos de inserção discente e as
condições de trabalho docente, não há ou são parcos os estímulos e incentivos plausíveis
para se desenvolver o aprendizado para uma práxis qualificada de interação professor-aluno
satisfatória, no sentido de um processo de formação profissional competente.
Neste sentido, Iamamoto (2007, p. 432) alude à defesa da universidade
“direcionada aos interesses da coletividade e enraizada na realidade regional e nacional.
[…] uma instituição voltada à qualificação de profissionais com alta competência, para além
das necessidades do capital e do mercado.”
Revelada a situação singular no Campus Arapiraca da UFAL e a peculiaridade
no processo de desgaste laboral da categoria docente em termos da carga social
eminentemente aviltante, há de se ressaltar a necessária continuidade de mobilização e
organização, que paulatina e gradualmente vem alcançando – ainda que parcos – alguns
resultados positivos no âmbito intra-institucional.
Todavia, as condições de trabalho e vida cotidiana destacadas evidenciam que o
desafio da docência nas paisagens do interior transcende a inospitalidade acadêmica
referida por Alcadipani (2011, p. 346). A inospitalidade local, municipal e estadual, para além
dos muros da universidade, corrobora a propensão à fuga daqueles que potencialmente
poderiam contribuir para transformações substanciais, numa perspectiva de
desenvolvimento sustentável oposta ou humanamente diferente daquela perseguida pelo
Estado capitalista.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tomou-se como ponto de partida e de chegada a discussão acerca das
condições de trabalho e de vida cotidiana dos trabalhadores da educação em nível
universitário e no serviço público, no contexto da interiorização.
Em termos metodológicos de apreensão e exposição do conhecimento, foram
consideradas: 1) a perspectiva de totalidade das relações de trabalho na sociedade
capitalista, tomando como núcleo discursivo as condições de produção e reprodução social
do capital; 2) as particularidades do trabalho no setor de serviços, em seu caráter produtivo,
chamando a atenção para a mercantilização do ensino superior público no Brasil como
estratégia de desenvolvimento, os rebatimentos na precarização do trabalho docente e as
singularidades do trabalho docente numa experiência de interiorização da UFAL; 3) as
implicações para uma formação profissional universitária de boa qualidade.
As condições de realização do trabalho docente no ensino superior público
(federal), bem como, as condições de vida cotidiana, isto é, de moradia, de transporte, de
alimentação, de lazer, de vivência cultural, de qualificação permanente, de cuidados
pessoais e familiares de modo geral foram contrastadas com as paisagens do interior.
A título de conclusão provisória – e talvez precipitada, identifica-se uma
escassez de estrutura elementar nas esferas produtivas e reprodutivas do labor acadêmico,
pondo em xeque a realização da pretensa finalidade da instituição universitária declarada no
projeto de interiorização, ou seja: atuar como vetor de desenvolvimento estadual e regional,
fortalecendo-se enquanto instituição pública, gratuita e inovadora, acompanhando a
dinâmica global e os avanços científicos, mantendo seu compromisso com a sociedade que
lhe dá suporte e contexto, aperfeiçoando sua atividade e ampliando sua inserção social
através da expansão para o interior (UFAL, 2005).
Quanto à formação profissional universitária, cabe destacar a defesa e a
crescente qualificação do ensino superior público e gratuito.
As condições de vida cotidiana, particularmente no interior, são, entretanto,
fatores determinantes da condição de trabalho dos docentes, que repercutem na qualidade
da formação profissional e da produção do conhecimento no âmbito das universidades
federais.
REFERÊNCIAS
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