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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CONDIÇÕES DA AÇÃO OU CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO PENAL? UMA CRÍTICA À TEORIA GERAL DO PROCESSO ANA CAROLINA DE MELO Itajaí (SC), junho de 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CONDIÇÕES DA AÇÃO OU CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO PENAL? UMA CRÍTICA À

TEORIA GERAL DO PROCESSO

ANA CAROLINA DE MELO

Itajaí (SC), junho de 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CONDIÇÕES DA AÇÃO OU CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO PENAL? UMA CRÍTICA À

TEORIA GERAL DO PROCESSO

ANA CAROLINA DE MELO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Fabiano Oldoni

Itajaí (SC), junho de 2011

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AGRADECIMENTO

Chegada ao fim uma etapa importante em minha trajetória, nada mais justo do que agradecer a todos os que direta ou indiretamente tiveram alguma participação para que esse momento se fizesse presente. Assim, agradeço aos meus pais por sempre incentivarem meus estudos, e a minha avó pela motivação que sempre destinou a mim. Obrigada por me incentivarem, torcerem por mim e estarem ao meu lado nessa caminhada. Agradeço também ao professor Fabiano Oldoni, por me orientar neste trabalho de conclusão curso e também por tudo que me ensinou na graduação sendo em classe ou no estágio que tive o prazer de participar. Não poderia deixar de mencionar aqui também os amigos, que tive a oportunidade de fazer ao longo do curso e estiveram comigo todos os dias, o companheirismo de vocês foi fundamental. Muito obrigada.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos que assim como eu amam o direito, acreditam nele e sonham contribuir para que ele se aperfeiçoe a cada dia e alcance todo aquele que dele precisar.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), junho de 2011

Ana Carolina de Melo Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Ana Carolina de Melo, sob o título,

Condições da Ação ou para o início do Processo Penal? Uma crítica a Teoria

Geral do Processo, foi submetida em 10 (dez) de junho de 2011 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Prof. MSc. Fabiano Oldoni

(orientador), Prof. MSc. Airto Chaves Jr. (examinador) e Profª. MSc. Pollyanna

Maria da Silva (examinadora), e aprovada com a nota ________,

(_______________).

Itajaí (SC), junho de 2011

Prof. MSc. Fabiano Oldoni Orientador e Presidente da Banca

[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo Ed. Edição Cit. Citada Ob. Obra P. Página Vol. Volume CRFB Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988. CP Código Penal – Decreto Lei 2.848, de

07 de dezembro de 1940. CPC Código de Processo Civil – Lei 5.869,

de 11 de janeiro de 1973. CPP Código de Processo Penal – Decreto

lei 3.689, de 03 de outubro de 1941.

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ação

Direito potestativo concedido pelo Estado de acudir aos tribunais para formular a

pretensão acusatória.1

Condições da ação

Categorias lógico-jurídicas, existentes na doutrina e, muitas vezes, na lei, como

em nosso direito positivo, que, se preenchidas, possibilitam que alguém chegue à

sentença de mérito. 2

Direito Material

É o direito que estabelece as regras jurídicas que devem incidir nas relações

entre os homens, quando tais relações não tenham por fito a realização de outras

regras. 3

Direito Subjetivo

É a expectativa de um bem da vida garantida pela vontade da lei. 4

Elementos da ação

Identificadores da demanda, a fim de que a mesma possa ser distinguida de

outras já propostas ou que ainda sejam propostas. 5

1 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . 4 ed. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2009. v. 1, p. 341. 2 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil . 11 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 230. 3 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil . Rio – São Paulo: Forense,

1978. v.1. p. 45. 4 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil . 2 ed. São Paulo: Saraiva,

1965, v. III. p.3. 5 MENNA, Fábio de Vasconcellos. Processo Civil . 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.

45.

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Processo

Meio determinado por normas jurídicas, pelo qual o Estado poderá exercer o

poder da jurisdição. 6

É uma das formas de se resolverem conflitos de interesse.7

Processo Penal

Ramo do direito público que se ocupa da forma e do modo pelos quais os órgãos

estatais encarregados da administração da justiça concretizam a pretensão

punitiva, por meio da persecução penal e conseqüente punição dos culpados.8

Processo Civil

É no processo civil que se discute e resolver acerca de um conflito que se refere

ao direito civil.9

Teoria Geral do processo

É a parte da ciência do direito que estuda o direito processual. 10

6 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 36. 7 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal . 2 ed. Campinas:

Millennium, 2000, p. 8. 8 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 38-39. 9 SCHÖNKE, Adolfo. Derecho Procesal Civil . Barcelona: Labor S.A 1950, p.14. 10 GOLDSCHMIDT, James. Teoria General Del Proceso . Barcelona: Labor S.A, 1936, p. 14.

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RESUMO ........................................................................................... XI

INTRODUÇÃO ................................................................................. 12

CAPÍTULO 1 ........................................ ............................................ 14

O DIREITO DE PUNIR E O DIREITO DE AÇÃO ............ .................. 14

1.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PUNIR ................ ........................................ 14 1.1.1 O DIREITO DE PUNIR NA GRÉCIA ...................................................................... 16 1.1.2 O DIREITO DE PUNIR ROMANO ......................................................................... 18 1.1.3 O DIREITO DE PUNIR GERMÂNICO .................................................................... 20 1.1.4 O DIREITO DE PUNIR CANÔNICO ...................................................................... 22 1.1.5 O DIREITO DE PUNIR MODERNO ....................................................................... 24

1.2 O DIREITO DE AÇÃO ............................. ....................................................... 26 1.2.1 TEORIAS SOBRE O DIREITO DE AÇÃO ............................................................... 27 1.2.2 CARACTERÍSTICAS E CONCEITO DA AÇÃO ........................................................ 30

1.3 CONDIÇÕES DA AÇÃO OU PARA O INÍCIO DO PROCESSO .................... 32

CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................ 35

OS ELEMENTOS E AS CONDIÇÕES PARA O ÍNICIO DO PROCESSO SEGUNDO A TEORIA GERAL DO PROCESSO ....... . 35

2.1 OS ELEMENTOS DA AÇÃO .......................... ................................................ 35 2.1.1 PARTES ......................................................................................................... 37 2.1.2 CAUSA DE PEDIR ............................................................................................ 38 2.1.3 PEDIDO .......................................................................................................... 41

2.2 AS CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO ........ .............................. 42 2.2.1 LEGITIMIDADE................................................................................................. 44 2.2.2 INTERESSE PROCESSUAL ................................................................................ 46 2.2.3 POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO ............................................................... 49

CAPÍTULO 3 ........................................ ............................................ 52

AS CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO PENAL ...... ..... 52

3.1 A SUPERAÇÃO DA TEORIA GERAL DO PROCESSO ....... ......................... 53 3.1.1 LEGITIMIDADE................................................................................................. 53 3.1.2 INTERESSE ..................................................................................................... 54 3.1.3 POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO ............................................................... 56

3.2 AS CONDIÇÕES GERAIS PARA O INÍCIO DO PROCESSO P ENAL .......... 57

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3.2.1 PRÁTICA DE FATO APARENTEMENTE CRIMINOSO – FUMUS COMMISSI DELICTI .... 58 3.2.2 PUNIBILIDADE CONCRETA ............................................................................... 60 3.2.3 LEGITIMIDADE DE PARTE ................................................................................. 61 3.2.4 JUSTA CAUSA ................................................................................................ 63

3.3 AS CONDIÇÕES ESPECÍFICAS PARA O INÍCIO DO PROCE SSO PENAL 65

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ................................ 68

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ..................... 70

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RESUMO

A presente monografia questiona se as denominadas

“condições da ação”, vem a condicionar realmente o direito de ação em si ou se

estão relacionadas ao processo que se desenvolve posteriormente ao

ajuizamento da ação. Com o objetivo de dar base a tal debate, fez-se um estudo

acerca do histórico do direito de punir referente aos gregos, romanos,

germânicos, o direito canônico e o moderno. Ao passo que também foram

analisadas as características do direito de ação de acordo com a doutrina

processual, classificando-o como autônomo, abstrato, subjetivo e público. Na

seqüência foram comentados os elementos da ação, sendo eles as partes, o

pedido e a causa de pedir, assim como as condições para o início do processo,

tais quais a legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido. Ao final,

foram abordadas as condições para o início do processo penal, demonstrando

que nem todas as condições referentes ao processo civil, emprestadas ao

processo penal realmente se encaixam com perfeição, devendo ser respeitadas

as categorias jurídicas próprias do processo penal extraídas do próprio a partir da

análise das causas de rejeição da acusação, sendo elas, a prática de fato

aparentemente criminoso, a punibilidade concreta, a legitimidade de parte e a

justa causa. Por fim conclui-se que as condições são para o início do processo e

não da ação como a doutrina tradicional costuma chamar, uma vez que o direito

de ação é incondicionado, podendo qualquer pessoa do povo, assim como o

Ministério Público ajuizar ações perante o Poder Judiciário estando este obrigado

a dar uma resposta a tal provocação.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo das

condições da ação relacionadas ao processo penal.

Seu objetivo é indagar se as condições são da ação ou para

o início do processo, assim como analisar se as tais condições utilizadas pelo

processo civil podem ser integralmente emprestadas ao processo penal

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando sobre os

primórdios do direito de punir, onde se abordará desde o período compreendido

pela justiça privada até o ponto em que o direito de punir passa a ser

intermediado pelo Estado. Neste Capítulo também serão abordadas

características do direito de ação, sendo ele finalizado pelas condições para o

início do processo, objetivando dar embasamento para uma melhor compreensão

dos capítulos seguintes.

No Capítulo 2, serão expostos os elementos e as condições

para o início do processo, em concordância com a teoria geral do processo.

Momento assim em que será reconhecido quem são as partes, o que é a causa

de pedir, o pedido e suas formas, assim como mencionado as condições para o

início do processo, especificamente a possibilidade jurídica do pedido, o interesse

de agir e a legitimidade.

No Capítulo 3, restarão apresentados os motivos pelos quais

as condições da ação inerentes a teoria geral do processo não devem ser

compartilhas pelo processo penal, demonstrando assim as condições gerais e

específicas de acordo com o processo penal.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre as condições para o início do processo penal.

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13

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

� A Teoria Geral do Processo não se aplica na sua

integralidade ao Processo Penal.

� O direito de ação é incondicionado. As condições são

para o início do processo.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

O DIREITO DE PUNIR E O DIREITO DE AÇÃO

Neste primeiro capítulo discorrer-se-á sobre as origens do

direito de punir, uma análise que percorrerá desde a justiça privada até o direito

de punir estatal, passando pelas características do direito de ação e finalmente

pelas condições para o início do processo, buscando um aporte teórico que possa

sustentar os capítulos seguintes.

Para tratar da evolução do direito de punir, entendeu-se ser

indispensável o registro dos principais fatos históricos do referido tema através

dos tempos.

Esses cuidados foram tomados para que a matéria em

estudo seja, para quem a lê, fonte esclarecedora e assim de fácil entendimento.

1.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PUNIR

O ser humano sempre viveu em permanente estado de

associação na busca incessante do atendimento de suas necessidades básicas,

anseios, conquistas e satisfação. E desde os primórdios violou as regras de

convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia, tornando

inexorável a aplicação de uma punição. Sem dúvida, não se entendiam as

variadas formas de castigo como se fossem penas, no sentido técnico-jurídico

que hoje possuem, embora não passassem de embriões do sistema vigente.

Inicialmente, aplicava-se a sanção como fruto da libertação do clã da ira dos

deuses, em face da infração cometida, quando a reprimenda consistia, como

regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte.11

11 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito penal : parte geral: parte especial. 6. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 68.

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15

Conforme Moura Teles12 “a primeira fase da evolução do

Direito Penal, denominada Vingança Privada, mostra um ‘Direito Penal’ praticado

pelo próprio ofendido ou pelo que dele se apiedasse a quem ficava reservado o

direito de voltar-se contra o ofensor, sem nenhuma limitação.”

Na visão de Anibal Bruno13, foi a vingança privada um fato

presente entre os grupos mais primitivos, onde tribos exerciam o ato de vingar

determinada agressão, realizadas por membros de outra tribo, ou que assim

fosse interpretado, uma vez que as crenças na magia ocupavam grande espaço

entre o entendimento arcaico de tais grupos.

Havia uma desproporção entre o revide e a ofensa

praticada, fator este responsável por enfraquecer, debilitar e até extinguir as

famílias e grupos envolvidos em virtude de lutas acirradas que ocorriam. Surge,

assim, o talião, primeira conquista no campo repressivo.14

Conquista também muito importante foi a composição, onde

o ofensor comprava do ofendido ou de seus familiares, com moeda, gado, vestes,

armas etc., o direito de não ser repreendido, assegurando-se assim a sua

impunidade.15

Posteriormente teve início a fase da vingança divina, onde,

de acordo com Mirabete16:

O Direito Penal impregnou-se de sentido místico desde seus primórdios, já que se devia reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social. O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação.

12 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral. Arts. 1º a 120, São Paulo: Atlas, 2004. v. 1. p. 55. 13 BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral. Introdução, normal penal, fato punível.5 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005. t. 1. p. 33. 14 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1. p. 20-21. 15 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal . p. 21. 16 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1. p. 17.

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16

Segundo Cernicchiaro17, em virtude do poder que detinham

de tipificar a conduta e aplicar a lei, eram os sacerdotes magistrados da época. A

veracidade do que era imposto aos que praticavam condutas tidas por adversas

se fundamentava na vontade divina, que inspirava o legislador tanto na criação da

lei quanto em sua aplicabilidade.

Conforme ensina Mirabete18:

Com a maior organização social, atingiu-se a fase da vingança pública. No sentido de se dar maior estabilidade ao Estado, visou-se à segurança do príncipe ou soberano pela aplicação da pena, ainda severa e cruel. Também em obediência ao sentido religioso, o Estado justificava a proteção ao soberano que, na Grécia, por exemplo, governava em nome de Zeus, e era seu intérprete e mandatário. [...] Em fase posterior, porém, libertou-se a pena de seu caráter religioso, transformando-se a responsabilidade do grupo em individual (do autor do fato), em positiva contribuição ao aperfeiçoamento de humanização dos costumes penais.

A partir destas considerações acerca das origens do Direito

Penal e seguindo a linha dessa evolução, adentra-se no mundo mais sólido dos

tempos históricos, onde já existem documentos que nos guiam através da

evolução e será exposto como civilizações de grande relevância para a história do

direito se comportavam em relação ao processo penal.

1.1.1 O Direito de Punir na Grécia

Na Grécia, retratavam os filósofos, que a punição mantinha

seu caráter sacro e seguia representando forte tendência expiatória e intimidativa.

Assim, no início prevalecia a vingança de sangue que deu espaço posteriormente

ao talião e à composição.19

Eram características do Processo Penal ateniense, a

participação direta dos cidadãos no exercício da acusação e jurisdição, a

17 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Estrutura do Direito penal . 2 ed. São Paulo: José Bushatsky,

1976, p. 13. 18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 17. 19 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito penal : parte geral: parte especial. p. 69.

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17

oralidade e a publicidade dos debates. Os delitos de maior gravidade que

atentassem contra a cidade eram denunciados ante a Assembléia do Povo ou do

Senado, cabendo a eles indicar o cidadão que deveria proceder à acusação.20

Nesse sentido ensina Tourinho Filho21 sobre o processo

penal ateniense:

Apresentada a acusação, as provas e prestado o juramento, o Arconte procedia à prelibação da seriedade da acusação e designava o Tribunal competente, convocando as pessoas que deveriam constituí-lo. No dia do julgamento, falava, por primeiro, o Acusador, inclusive inquirindo suas testemunhas. Em seguida a Defesa.

Conforme Vélez Mariconde22 “os juízes punham-se na

posição puramente passiva de árbitros de uma luta leal entre as partes; afinal,

votavam sem deliberar. A decisão era tomada por maioria de votos. Quando havia

empate, o acusado era absolvido.”

Os Tribunais atenienses de maior importância eram os da

Assembléia do Povo, a qual se reunia com exclusividade com objetivo de julgar

crimes políticos de elevada gravidade, não gozando o acusado de garantia

alguma. Havia o Tribunal Areópago, competente para julgar homicídios

premeditados, incêndios, enfim, todo crime a que se cominasse pena capital. O

Tribunal dos Éfetas, competente para julgar homicídios involuntários e não

premeditados. Por fim o Tribunal dos Heliastas, que exercia a jurisdição comum.23

Seguindo com o estudo do histórico do direito de punir

passa-se a expor o que pensavam os romanos sobre o tema.

20 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1.

p. 79. 21 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 79-80. 22 MARICONDE, Vélez. Estudios de derecho procesal penal. Universidade de Córdoba, 1956. v.

1. p. 16. 23 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 80.

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18

1.1.2 O Direito de Punir Romano

O Direito Romano, dividido em períodos, contou de início

com a prevalência do poder absoluto do chefe de família (pater familias),

aplicando as sanções que bem entendesse ao seu grupo. Na fase do reinado,

vigorou o caráter sagrado da pena, firmando-se o estágio da vingança pública. No

período republicano, perdeu a pena o seu caráter de expiação, pois se separou o

Estado e o culto, prevalecendo, então, o talião e a composição. Havia, para tanto,

a possibilidade de se entregar um escravo para padecer a pena no lugar do

infrator, desde que houvesse a concordância da vítima – o que não deixava de

ser uma forma de composição.24

De acordo com Galdino apud Moura Teles25:

A palavra crimen referia-se aos crimes de natureza pública e delictum aos de natureza privada. A principal pena pública era a de morte, denominada supplicium, cominada para os crimes de traição à nação, de morte do cidadão livre, o chamado parricidium, de incêndio, de falso testemunho, de suborno do juiz e de sátira injuriosa.

Em Roma a distinção dos órgãos competentes para julgar os

crimes era feita entre a delicta publica (crimes contra a segurança da cidade) e

delicta privada (infrações menos gravosas). Quanto a esta última, o Estado

desempenhava o papel de árbitro visando a solução do litígio existente entre as

partes envolvidas, agindo conforme as provas apresentadas. Ao passar do tempo

o processo penal privado foi sendo deixado de lado e o processo penal público

ganhou considerável espaço.26

Em Roma, referente ao processo penal público, percebe-se

que na Monarquia o poder de julgar não era limitado. Bastava a notitia criminis

para que próprio magistrado pudesse realizar as investigações. Tal fase

preliminar denominava-se inquisitio. Feitas as investigações a pena era imposta

24 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal . 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 14. 25 TELES, Ney Moura. Direito penal : parte geral. p. 56. 26 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 14.

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19

pelo Magistrado. No entanto, ao acusado não restavam garantias, sendo o arbítrio

dos Juízes ilimitado, processo este chamado de cognitio. 27

Sobre o arbítrio do juiz ensina Florêncio de Abreu apud

Tourinho Filho28:

Para moderar o arbítrio do juiz, surgiu a provocatio ad populum, com intenso colorido de apelação, concedida pela célebre “Lex Valeria de Provocatione”. O condenado tinha a faculdade de recorrer da decisão para o povo reunido em comício. O Magistrado que proferia a condenação, embasado nas provas coligidas durante a inquisitio, devia apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão. Via-se, destarte, quase na posição de acusado, trazido à barra do tribunal popular para defender as próprias sentenças, não obstante as suas atribuições de presidente do comício.

Conforme ensina Tourinho Filho29, “pouco adiantava a

provocatio ad populum, pois somente os civis romanus podiam fazer uso de tal

remédio.”

Posteriormente com a chegada da República, ensina

Mirabete30, “surgiu a justiça centurial, em que as centurias, integradas por

patrícios e plebeus, administravam a justiça penal em um procedimento oral e

público e, excepcionalmente, os julgamentos pelo Senado, que a podia delegar

aos questores.”

No último século da República surgiu a “accusatio”, nova

forma de procedimento, que entregou a administração da justiça nas mãos de um

tribunal popular, formado primeiramente por Senadores e posteriormente por

cidadãos.31

27 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 81. 28 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 81. 29 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 81. 30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 15. 31 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 15.

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No desenrolar da história e chegado o tempo do Império em

Roma, a accusatio foi perdendo seu espaço e cedendo lugar a uma nova forma

de procedimento: a congnitio extra ordim. 32

Sobre a congnitio extra ordim, leciona Tourinho Filho33:

Os poderes do magistrado, diz Manzini, foram invadindo a esfera das atribuições já reservadas ao acusador privado, a tal extremo que, em determinada época, se reuniam no mesmo órgão do Estado (Magistrado) as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao Juiz. De fato, ao tempo da accusatio o processo não podia ser iniciado sem acusação. Esta era, com efeito, uma condição e obstáculo para o exercício do poder repressivo. Com o abastardamento dos costumes, houve uma indiferença dos cidadãos, e muitos delitos ficaram impunes pela sua inércia.

No procedimento da cognitio extra ordinem segundo

Mirabete34, “fez-se introduzir, então, a tortura do réu e mesmo de testemunhas

que depusessem falsamente e a prisão preventiva. Pode-se apontar tal

procedimento como a base primordial do chamado sistema inquisitivo.”

Assim, finalizada a exposição sobre como era a organização

do processo penal em Roma e suas alterações ao longo dos tempos, passamos

ao direito germânico.

1.1.3 O Direito de Punir Germânico

De natureza consuetudinária, caracterizou-se pela vingança

privada e pela composição, havendo, posteriormente, a utilização das ordálias ou

juízos de Deus (provas que submetiam os acusados aos mais nefastos testes de

culpa – caminhar pelo fogo, ser colocado em água fervente, submergir num lago

com uma pedra amarrada aos pés -, caso sobrevivesse, seriam inocentes, do

contrário, a culpa estaria demonstrada, não sendo preciso dizer o que terminava

32 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 15. 33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 82. 34 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 15.

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ocorrendo nessas situações) e também dos duelos judiciários, onde terminava

prevalecendo a lei do mais forte.35

Sobre o tema explica Tourinho Filho36:

Entre os germânicos houve, também, a distinção entre crimes públicos e crimes privados. A justiça, para os primeiros, era administrada por uma Assembléia presidida pelo rei, príncipe, duque ou conde. A confissão tinha um valor extraordinário. Se o réu confessasse, seria condenado. Feita a acusação, era o réu citado para comparecer ante a Assembléia.

De acordo com Pertile, apud Tourinho Filho37, “o ônus da

prova não incumbia ao autor, mas sim ao réu, que devia demonstrar sua

inocência, sob pena de ser condenado.”

A respeito das provas, comenta Mirabete38, vigoravam:

As ordálias ou juízos de Deus (prova de água fervente, do ferro em brasa, do fogo etc.), bem como os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios, pessoalmente ou através de lutadores profissionais. Era absolvido o acusado que suportasse as ordálias ou vencesse o duelo.”

Sobre o juízo de Deus leciona Tourinho Filho39:

Quanto ao juízo de Deus, segundo Manzini, não era propriamente uma prova, mas uma devolução a Deus da decisão sobre a controvérsia, sua prática foi demais generalizada. Conforme as pessoas, realizava-se, como Juízo de Deus, o duelo judicial: se o acusado vencesse, seria absolvido, pois era inocente. Havia outros Juízos de Deus, chamados, posteriormente, purgationes vulgares, como o da “água fria” e o da “água fervente”. O primeiro consistia em arremessar o acusado à água: se submergisse, era inocente; se permanecesse à superfície, era culpado. O outro consistia em fazer o réu colocar o braço dentro da água fervente e, se, ao retirá-lo, não houvesse sofrido nenhuma lesão, era inocente... Pelo juízo de deus do “ferro em brasa”, devia o acusado segurar por algum tempo um ferro incandescente; caso não se queimasse, era inocente...

35 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito penal : parte geral: parte especial. p. 70. 36 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 83. 37 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 83. 38 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 15. 39 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 84.

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Acerca do procedimento ensina Mirabete40, “o procedimento

era acusatório, regido pelos princípios da oralidade, imediatividade, concentração

e publicidade”.

Visto como era o funcionamento do processo penal sob a

perspectiva germânica, na seqüência será demonstrado como era de acordo com

o direito canônico.

1.1.4 O Direito de Punir Canônico

Entre o período compreendido pelo direito romano e

germânico e o direito moderno apareceu o Direito Canônico que implicou em forte

influência do cristianismo sobre a legislação penal.41

Sobre o direito canônico, ensina Moura Teles42:

Primeiramente, procurou estabelecer um sistema de penas mais suave e moderado, com a abolição da pena de morte. Suas penas eram espirituais e temporais, aquelas consistindo em penitências e na excomunhão, todas com o sentido da retribuição do mal realizado, mas igualmente voltadas para o arrependimento do réu, chamadas, por isso, penas medicinales.

De acordo com Fragoso43 o direito canônico, “proclamou a

igualdade de todos os homens, acentuando o aspecto subjetivo do crime”.

No início a jurisdição eclesiástica surge como instrumento

destinado a defender os interesses da Igreja e retirar os clérigos da jurisdição

secular. Até o século XII, não havia juízo sem acusação (processo acusatório),

onde aquele que acusasse outrem deveria apresentar aos Bispos ou

encarregados da função jurisdicional a acusação em forma escrita e as provas a

40 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 15. 41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 18-19. 42 TELES, Ney Moura. Direito penal : parte geral. p. 57. 43 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito penal: parte geral. 13 ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1991, p. 33.

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respeito da acusação feita. A calúnia era punida e não era possível processar o

acusado que não estivesse presente.44

No século seguinte, entretanto, segundo os ensinamentos

de Mirabete45, “estabeleceu-se o procedimento inquisitivo, com denúncias

anônimas e foram abolidas a acusação e a publicidade do processo. Tentava-se

abolir as ordálias e os duelos judiciários, mas se estabelecia a tortura, a ausência

de garantia para os acusados, o segredo.”

Neste sentido ensina Tourinho Filho46 que “o Juiz procedia

ex officio e em segredo. Os depoimentos das testemunhas eram tomados

secretamente. O interrogatório do imputado era precedido ou seguido de torturas.”

A respeito das garantias do acusado ensina ainda o autor

supracitado47:

Nenhuma garantia era dada ao acusado. Uma simples denúncia anônima era suficiente para se iniciar um processo. Não se permitia defesa, sob a alegação de que esta poderia criar obstáculos na descoberta da verdade... O Santo Ofício (Tribunal da Inquisição), instituído para reprimir a heresia, o sortilégio etc., era por demais temido.

A penitenciária para o cumprimento de penas privativas de

liberdade originou-se no direito canônico, servindo para substituir as penas mais

graves. 48

Por sim, na intenção de defender a fé, semeava-se a

indignidade e a covardia, onde por vezes a pena do delito era menos grave que a

tortura. 49

44 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 84. 45 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 16. 46 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 84-85. 47 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 84-85. 48 TELES, Ney Moura. Direito penal : parte geral. p. 58. 49 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p.85.

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Seguindo com o histórico do direito de punir passamos

agora ao direito moderno.

1.1.5 O Direito de Punir Moderno

É no século XVIII, especificamente em sua segunda metade,

no período conhecido por período humanitário do Direito Penal onde se

encontram as sementes do processo penal moderno. Visando humanizar a

justiça, através da conciliação entre a legislação penal, as exigências da justiça e

os princípios da humanidade.50

Sobre o período humanitário, Magalhães Noronha51:

Intérprete desse anseio foi Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Nasceu em Milão, em 1738. [...] Escreveu seu famoso livro Dei delitti e delle pene (dos delitos e das penas), que tanta repercussão iria causar. Não era um jurista, mas filósofo, discípulo de Rousseau e Montesquieu. Sua obra assenta-se no contrato social e logo, de início, chama a atenção para as vantagens sociais que devem ser igualmente distribuídas, ao contrário do que sucedia.

Conforme Mirabete52, são os seguintes os princípios básicos

pregados pelo filósofo que, não sendo totalmente original, firmou em sua obra os

postulados básicos do Direito Penal moderno, muitos dos quais adotados pela

Declaração dos Direitos do Homem, da Revolução Francesa:

1. Os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem apenas uma parcela de sua

liberdade e direitos. Por essa razão, não se podem aplicar penas que atinjam

direitos não cedidos, como acontece nos casos da pena de morte e das

sanções cruéis.

50 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 16. 51 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal . p. 24. 52 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 20.

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2. Só as leis podem fixar as penas, não se permitindo ao juiz interpretá-las ou

aplicar sanções arbitrariamente.

3. As leis devem ser conhecidas pelo povo, redigidas com clareza para que

possam ser compreendidas e obedecidas por todos os cidadãos.

4. A prisão preventiva somente se justifica diante de prova da existência do crime

e de sua autoria.

5. Devem ser admitidas em Juízo todas as provas, inclusive a palavra dos

condenados (mortos civis).

6. Não se justificam as penas de confisco, que atingem os herdeiros do

condenado, e as infamantes, que recaem sobre toda a família do criminoso.

7. Não se deve permitir o testemunho secreto, a tortura para o interrogatório e os

juízes de Deus, que não levam à descoberta da verdade.

8. A pena deve ser utilizada como profilaxia social, não só para intimidar o

cidadão, mas também para recuperar o delinqüente.

Sobre aplicação das penas assim se manifesta Cesare

Bonesana apud Magalhães Noronha53, sintetizando-a em poucas palavras:

De tudo o que acaba de ser exposto, pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo, mas conforme ao uso, que é legislador ordinário das nações: É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada em lei.

Após o Código de Napoleão, de 1808, mantida a tripartição

de tribunais é organizada a administração da Justiça na França, cabendo ao

Ministério Público exercer a ação penal pública. Posteriormente instala-se um

processo penal que estabelece um sistema representado por um misto entre

inquisitivo e acusatório, que teve reflexos por toda Europa.54

53 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal . p. 25-26. 54 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p.16.

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Assim, finalizo o histórico do presente trabalho com uma

frase Beccaria55:

Percorramos a História e constataremos que as leis, que deveriam constituir convenções estabelecidas livremente entre homens livres, quase sempre não foram mais do que o instrumento das paixões da minoria, ou fruto do acaso e do momento, e nunca a obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido orientar todas as ações da sociedade com esta finalidade única: todo o bem-estar possível para a maioria.

Por fim, após ter-se analisado a evolução do direito de punir

e como procediam em relação a ele os gregos, os romanos, os germânicos e a

igreja, chega-se ao processo penal moderno. Agora passamos ao estudo do

direito de ação, suas condições e características.

1.2 O DIREITO DE AÇÃO

A ação é um direito subjetivo processual motivado pela

existência de um litígio, civil ou penal, em virtude de uma pretensão insatisfeita,

que permite a aquele cuja exigência não foi atendida peça que o Estado

interceda.56

Conforme Mougenot57, “o direito de ação constitui o direito

(ou poder) que tem o acusador de, dirigindo um pedido ao Poder Judiciário,

provocar sua manifestação sobre esse pedido.”

Com a abolição da autodefesa, coube ao Estado a função

jurisdicional. Uma vez proibido aos particulares fazer justiça com as próprias

mãos é no Estado que se busca a aplicação da devida sanção contra aquele que

violou um direito. 58

55 BECCARIA, Cesare Marchesi di. Dos Delitos e das Penas . São Paulo, 2002, p. 15-16. 56 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito processual penal . São Paulo: Saraiva, 1980. v.2.

p.4. 57 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 175. 58 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 290.

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Conforme ensina Mirabete59, “o particular, ou seja, qualquer

pessoa tem o direito de invocar a prestação jurisdicional do Estado já que a este

cabe administrar a justiça.”

O direito de ação encontra fundamento no art. 5º, inciso

XXXV da CF, no capítulo referente aos direitos e garantias fundamentais, onde

diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito”.60

Conforme Bastos Martins apud Mirabete61:

Destaca-se, assim, a função jurisdicional do Estado, realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das partes.

Na definição de Aury Lopes Jr. 62 o direito de ação é um:

“direito potestativo [...] concedido pelo Estado [...] de acudir aos tribunais para

formular a pretensão acusatória.

A ação é, pois, um direito de natureza pública, que pertence

ao indivíduo, como pessoa, e ao próprio Estado, enquanto administração, perante

os órgãos destinados a tal fim.63

1.2.1 Teorias Sobre o Direito de Ação

Diversas teorias têm sido formuladas para definir a natureza

jurídica do direito de ação.

A seguir, embora ainda divergentes tais teorias, será

estabelecida a evolução das idéias expostas pela doutrina.

59 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p.85. 60 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 291. 61 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p.86. 62 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . 4 ed. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v.1. p. 341. 63 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 86.

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Em uma concepção tradicional, herança dos romanos,

Couture afirmava que se tratava a ação do próprio direito material, substancial,

contra determinada violação. 64

E ainda de acordo com Couture65: “Para a ciência do

processo, a dissociação entre o direito e a ação é algo semelhante ao que a

dissociação do átomo representou para a física”

Já Savigny dizia que ação e direito material constituíam a

mesma coisa. O direito de agir seria um direito de ordem privada, uma relação

entre as partes em razão de um negócio estabelecido.66

De acordo com Mirabete67:

[...] esse conceito privativista da ação passou, porém a ser veementemente combatido com a polêmica que se estabeleceu entre Windscheid e Muther. Windscheid passou a afirmar que a ação não é o direito exigido em juízo, mas o poder de exigir algo de outrem, o poder de pretender alguma coisa de alguém, criando assim o conceito de pretensão.

Já Muther apresentou a distinção entre o direito lesado e o

direito de agir. De acordo com ele a ação não seria um direito do autor em

desfavor do réu, mas verdadeiro direito contra o Estado e este é que tem direito

contra o réu.68

No entanto, Adolph Wach demonstrou a autonomia do direito

de ação e afirmou ser a ação um direito concreto de agir, que só competiria

aquele que tivesse razão. A pretensão de proteção do direito é de natureza

pública dirigindo-se por um lado contra o Estado e por outro contra a parte

contrária.69

64 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 86. 65 COUTURE, Eduardo. Introdução ao Processo Civil . Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1951,

p.21-22. 66 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 86. 67 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 86. 68 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 259. 69 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 260.

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Simplificando, explica Couture70: “duas diretrizes

fundamentais apareceram no pensamento de Wach. A primeira é o caráter

público da ação. A segunda é o seu caráter concreto.

Wach apud Tourinho Filho71, afirmava:

[...] o direito de ação estava condicionado à existência de um direito material ou de um interesse. Para se exercer o direito de ação era necessário houvesse um direito material violado ou um interesse juridicamente protegido, donde concluir que o direito de ação era um direito à sentença favorável.

Logo, sob o ponto de vista concreto Wach salientava “só

existe ação quando a demanda é julgada procedente. 72

Na seqüência de acordo com Mirabete73: “Chiovenda e

Weisman surgiram então com a teoria de que a ação é um direito potestativo.”

Conforme os ensinamentos de Menna74: “O direito

potestativo [...] é aquela espécie de direito ao qual não corresponde nenhuma

dever jurídico”.

Para concluir, Degenkolb e Plósz disseram ser a ação como

um direito abstrato, ou seja, um poder jurídico independente do fundamento da

pretensão.75

De acordo com a referida teoria, não importa a existência do

direito material, o réu não pode impedir que o autor ajuíze a ação. Independe o

70 MEDEIROS, Hortêncio Catunda de. Esquema de teoria geral do processo . 3 ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 1998, p. 27. 71 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 299. 72 COUTURE, Eduardo. Fundamentos do Direito Processual Civil . São Paulo: Saraiva & Cia,

1946, p. 31. 73 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 87. 74 MENNA, Fábio de Vasconcellos. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.42. 75 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 87.

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direito de ação do direito material, que pode não existir quando da propositura da

ação.76

Em síntese, Couture sobre a teoria de Degenkolb e Plósz77:

“existe um direito de agir em juízo ainda quando não se tenha um direito subjetivo

válido”.

Assim, uma vez que foram expostas as teorias sobre o

direito de ação, passa-se a análise do próximo tópico que tratará sobre as

características da ação para ao final conceituá-la.

1.2.2 Características e Conceito da Ação

A primeira característica elencada é a autonomia, uma vez

que o direito de ação não se confunde com o direito subjetivo material em que se

baseia a pretensão deduzida em juízo. Tem a ação vida própria, diversa do direito

material a que está atrelada.78

Segundo Frederico Marques apud Mirabete79:

Além de autônomo, o direito de ação é um direito abstrato, que investe seu titular da faculdade de invocar o poder público, por meio dos órgãos judiciários, para compor uma lide e atender, se possível, a pretensão insatisfeita de que este se origina.

Ainda quanto ao caráter abstrato do direito de ação, pode-se

acrescentar o que menciona Mougenot80:

Essa característica da ação penal é, também, decorrente da autonomia do direito de ação em relação ao direito material. [...] Qualquer pessoa que tenha capacidade de agir poderá exercer o direito de ação, ainda que nenhuma violação a direito tenha ocorrido. A circunstância de que o autor da ação não tenha razão,

76 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito processual penal . p. 09. 77 COUTURE, Eduardo. ob. cit. p. 36. 78 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 87. 79 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 87. 80 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 177.

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ou de que não se tenham preenchido os requisitos necessários para que obtenha a tutela pleiteada, não obsta à concretização do direito de ação, uma vez que em todos esses casos o Poder Judiciário estará obrigado a manifestar-se, ainda que seja para decidir contra o autor da ação, ou para declarar extinto o processo sem julgamento do mérito. É, pois, direito abstrato porque independe do provimento jurisdicional, seja ele favorável ou desfavorável, justo ou injusto.

Neste sentido, ainda sobre a abstração do direito de ação,

Freire apud Montenegro Filho81: “existe um direito abstrato de agir em juízo,

mesmo que não se possua o direito substancial que se pretende tornar efetivo em

juízo”.

Conforme ensina Mirabete82, além de autônomo e abstrato é

também o direito de ação, “um direito subjetivo, porque o titular pode exigir do

Estado-Juiz a prestação jurisdicional.”

E é direito público porque serve para a aplicação do direito

público, que é o de provocar a atuação jurisdicional. 83

Ainda quanto as características da ação ensina Mougenot84:

A ação penal é direito público, porquanto, do ponto de vista subjetivo, é exercido em face do Poder Público (Estado), e, do ponto de vista objetivo, contém uma pretensão de elevada relevância social (uma pretensão punitiva, fundada e, direito material penal). Além disso, o direito de ação é sempre exercido em face do Estado, já que tem por objetivo último provocar a aplicação do direito penal material a um fato concreto.

Neste sentido, Montenegro Filho85: “Público, pois se

relaciona com o Estado, que emerge como sujeito passivo da relação gerada com

o exercício do direito de ação, passando a ser o devedor da prestação

jurisdicional pleiteada.”

81 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil . 4 ed. São Paulo: Atlas, 2007. v.

1. p. 110. 82 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 87. 83 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal . p. 87. 84 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 176-177. 85 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 176-177.

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Diante de tais características pode-se adotar a definição de

ação fornecida por Vicente Greco Filho86: “Ação é o direito subjetivo público de

pleitear ao Poder Judiciário uma decisão sobre uma pretensão”.

Ainda sobre o conceito de ação ensina Silva Pacheco87:

“Ação, pois, é o direito de invocar a jurisdição, de instaurar o processo, de pedir a

prestação jurisdicional do Estado”.

Para complementar segue a definição de ação segundo

Fernando da Costa Tourinho Filho: “Ação é o direito subjetivo de se invocar do

Estado-Juiz a aplicação do direito objetivo a um caso concreto.” 88

Por fim Lima Freire89: “ação é o direito a um pronunciamento

do Estado, terceiro imparcial, diante de um pedido formulado pelo autor, e não o

direito a uma sentença favorável, pois, nesta última hipótese, não haveria

verdadeira autonomia da ação”.

Finda a análise acerca das características do direito de

ação, exposto seu caráter público, subjetivo, autônomo e abstrato passa-se ao

estudo do próximo tópico que tratará das condições da ação ou para o início do

processo.

1.3 CONDIÇÕES DA AÇÃO OU PARA O INÍCIO DO PROCESSO

Apesar de a expressão “condições da ação” ser amplamente

aceita pela doutrina processual, o direito de ação em si não depende de

condições, uma vez que qualquer pessoa do povo, bem como os órgãos do

Ministério Público, podem ajuizar ações livremente diante o Poder Judiciário,

86 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro . São Paulo: Saraiva, 2003, p. 75. 87 PACHECO, José da Silva. Curso de teoria geral do processo . Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.

205. 88 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal . p. 262. 89 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação . 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2001, p.50.

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ficando o órgão obrigado a conceder uma resposta ao autor em virtude da

provocação, ainda que seja para negar seguimento à ação.90

Assim, de acordo com o autor supracitado91:

Ao contrário do que ditava a doutrina tradicional, não é propriamente o exercício do direito de ação que é condicionado e sim o direito de que o movimento desencadeado pelo ajuizamento da ação se desenvolva, por meio do processo, em direção a um julgamento de mérito.

Nesse sentido, disse Liebman apud Mougenot92 que as

condições da ação seriam... “condições essenciais para o exercício da função

jurisdicional com referência à situação concreta deduzida em juízo”.

Sobre o tema conforme Aury Lopes Jr (p. 351) “é necessário

compreender que o direito de ação é um ‘direito de dois tempos’.”

Assim, de acordo com o autor acima citado:

No primeiro momento, estamos na dimensão constitucional do poder de invocar a tutela estatal. Esse poder [...] é completamente incondicionado. Ou seja, não existem condições para que a parte o exerça e tampouco possibilidades de impedir seu exercício. Não há como impedir ou proibir alguém de ajuizar uma queixa-crime ou de o Ministério Público oferecer uma denúncia. Essa é a dimensão constitucional, abstrata e incondicionada desse direito.

[...]

Mas existe o segundo momento, de natureza não mais constitucional, mas sim processual penal. É no plano processual que se pode efetivar ou não a tutela postulada, obter ou não a resposta jurisdicional almejada, movimentar ou não a máquina estatal. Aqui sim podemos falar em condições da ação, no sentido de que constituem condições que subordinam o nascimento do processo.

Em outros termos de acordo com Mougenot93:

90 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 178. 91 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 178. 92 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 178. 93 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 178.

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34

Toda ação ajuizada é formada por dois pedidos. O primeiro

deles refere-se ao direito material sobre o qual versa a ação e o segundo consiste

em requerer que seja constituída a relação jurídica processual. No entanto,

somente após o atendimento do segundo pedido é que passa a ser possível a

apreciação do primeiro. 94

Ensina Mougenot95 embasado no que disse Liebmann “as

questões referentes ao processo em si são prejudiciais à apreciação do pedido

referente ao direito material e nesse sentido, efetivamente condicionam [...] a

atuação da jurisdição com relação a esse pedido.”

O pedido relacionado ao direito material constitui o mérito da

demanda. Assim, quando analisado pelo julgador, enseja a chamada decisão de

mérito. No entanto, para que tal decisão seja proferida, seja para acolher ou

desacolher o pedido, se faz necessário o preenchimento de certas condições,

sem as quais o processo será extinto sem que o mérito seja resolvido. Tais

condições é que são, imprecisamente, tidas por “condições da ação.96

Sobre o tema sinteticamente, as condições da ação não se

tratam de condições para a existência do direito de agir, mas sim para o seu

regular nascimento do processo. 97

Assim, conclui-se o primeiro capítulo da presente

monografia, passando-se ao estudo do segundo capítulo que tratará dos

elementos e as condições para o início do processo segundo a teoria geral do

processo.

94 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 178. 95 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 178. 96 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 179. 97 JARDIM, Afrênio Silva. Direito Processual Penal . 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 95.

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CAPÍTULO 2

OS ELEMENTOS E AS CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO SEGUNDO A TEORIA GERAL DO PROCESSO

No primeiro capítulo pôde-se visualizar o histórico do direito

de punir ao longo dos tempos, bem como as teorias, conceito e características da

ação. Justifica-se esse procedimento porque se considera de suma importância a

explicação desses fatos para o entendimento do que será abordado agora.

Também deve ficar claro que este trabalho parte da

premissa de que o direito de ação não é condicionado e as chamadas “condições

da ação” devem ser entendidas como condições para o início do processo.

Neste segundo capítulo serão apresentados os elementos e

as condições para o início do processo, conforme ensina a teoria geral do

processo. Portanto, será identificado quem são as partes, o que é a causa de

pedir, o pedido e suas formas, assim como de acordo com as condições para o

início do processo, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e quem

tem legitimidade para pleitear determinado direito.

2.1 OS ELEMENTOS DA AÇÃO

As ações diferenciam-se umas das outras em virtude de

determinados elementos que as identificam. Por meio deles é possível

individualizar e comparar as demandas, possibilitando verificar se são idênticas

ou não. 98

98 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 89.

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Sobre os elementos da ação ensina Albuquerque Rocha99

que estes são importantes:

Para podermos distinguir uma ação da outra, o que é imprescindível para resolvermos adequadamente importantes problemas processuais, tais como, entre outros, o da competência, conexão, continência, litispendência, coisa julgada, modificação do pedido ou da causa de pedir etc.

A jurisdição, quando provocada ou quando esgotada, atua

apenas uma vez, resolvendo definitivamente a lide, sendo proibida a repetição da

causa. Ocorrendo qualquer das hipóteses, [...] a demanda repetida deve ser

julgada extinta sem se apreciar o mérito por que aqueles são fatos impeditivos do

prosseguimento do processo.100 (parafrasear)

Conforme dispõe o artigo 267, inciso V do Código de

Processo Civil, “extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa

julgada.”

De acordo com Montenegro Filho101, “a ação judicial, [...]

sempre expressa os elementos informadores, que se revelam importantes, [...]

para evitar que uma ação seja julgada mais de uma vez [...].

Ainda sobre os elementos da ação sugere Calamandrei102

que sejam estes equiparados aos “dados pessoais” da demanda.

Conforme Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco103:

É tão importante identificar a ação, que a lei exige a clara indicação dos elementos identificadores logo na peça inicial de qualquer processo, ou seja: na petição cível (CPC, art. 282, incs.

99 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.

189. 100 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 89. 101 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil . p. 131. 102 CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil . Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina

Fernandez Barbiery. Campinas: Bookseller, 1999, p. 225. 103 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo . 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 261.

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II, III e IV) ou trabalhista (CLT, art. 840, § 1º) e na denúncia ou queixa-crime (CPP, art. 41).

A doutrina considera como elementos constitutivos da ação

as partes, a causa de pedir e o pedido, passamos a analisá-los.

2.1.1 Partes

Autor e réu são as partes da ação, ocupando assim a

posição de sujeito ativo e passivo da demanda. O autor caracteriza-se por ser

aquele que pede em nome próprio, ou cujo nome é pedida a prestação

jurisdicional. 104

Sobre o autor, define o art. 2º do CPC, “nenhum juiz prestará

a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos

e forma legais.”

De acordo com Menna105, “as partes, autor e réu, [...]

possuem interesse na demanda [...], pois envolvidos no caso concreto, devem

sustentar suas respectivas teses, possibilitando ao magistrado o julgamento da

lide.”

Em um processo uma mesma pessoa poderá litigar com

qualidades distintas, ou seja, em nome próprio, no interesse próprio; em nome

próprio, sobre interesse alheio, sendo substituto processual; por intermédio de

outrem, que será seu representante.106

Conforme ensina Albuquerque Rocha107:

Ao analisarmos as condições de exercício da ação, veremos que o autor se caracteriza [...] pelo fato de ser aquele que instaura o processo através de sua manifestação de vontade, à qual o

104 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 190. 105 MENNA, Fábio de Vasconcellos. ob. cit. p. 45. 106 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 89. 107 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 190.

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sistema jurídico outorga o poder de determinar as partes e, bem assim, a matéria sobre que versa a atividade processual.

Neste sentido o art. 472 do CPC textualiza em sua primeira

parte:

“A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”

Conforme ensina Montenegro Filho108, “o dispositivo em

exame revela a importância da identificação das partes do processo, para

estabelecer quem será atingido pelos efeitos da sentença judicial proferida no

processo instaurado”.

Assim, o autor é a pessoa que pede a prestação jurisdicional

do Estado e o réu a pessoa contra quem, ou em face de quem, se pede essa

prestação.109

Agora se passa ao estudo de outro elemento de grande

importância para a ação, a causa de pedir.

2.1.2 Causa de Pedir

A expressão “causa de pedir” diz respeito as razões, ou

causas, com base nas quais o ator considera ter direito a um determinado bem na

vida e, por isto, de poder obtê-lo por meio da prestação jurisdicional do Estado.110

Ensina Menna111, “a causa de pedir é o resultado da

somatória dos fatos com a fundamentação jurídica do pedido”.

Conforme Liebman apud Greco Filho112:

108 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. p. 133. 109 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. p. 190. 110 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. p. 191. 111 MENNA, Fabio de Vasconcellos. ob. cit. p. 46. 112 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 90-91.

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A causa da ação é o fato jurídico que o autor coloca como fundamento de sua demanda. É o fato do qual surge o direito que o autor pretende fazer valer ou a relação jurídica da qual aquele direito deriva, com todas as circunstâncias e indicações que sejam necessárias para individuar exatamente a ação que está sendo proposta e que variam seguindo as diversas categorias de direitos e de ações.

Conforme Montenegro Filho113, “esse elemento refere-se ao

fato que dá origem ao ingresso da ação [...], não segundo a interpretação do

autor, mas como realmente se passou, incluindo a fundamentação jurídica [...]”.

O Código de Processo Civil, em seu artigo 282, inciso III,

estabelece, “a petição inicial indicará: o fato e os fundamentos jurídicos do

pedido”.

Já o Código de Processo Penal, em seu artigo 41, indica que

a denúncia e a queixa deverá conter, sob pena de inépcia (art. 395, I, CPP), a

descrição dos fatos com todas as suas circunstâncias.

Em virtude disso, percebe-se que no direito processual

brasileiro, a causa de pedir é formada pelo elemento fático e a qualificação

jurídica que deles decorre, abrangendo, assim a causa de pedir próxima e a

causa de pedir remota.114

Ainda conforme ensina o autor supracitado115, “causa de

pedir próxima são os fundamentos jurídicos que justificam o pedido, e a causa de

pedir remota são os fatos constitutivos.”

A esse respeito, podem ser apontadas duas teorias, a da

substanciação e da individuação.

A teoria da substanciação é a adotada pelo Código de

Processo Civil, e sobre o tema ensina Albuquerque Rocha116:

113 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 90-91. 114 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 91. 115 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 91. 116 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. p. 192.

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A causa de pedir consiste nos fatos fundamentadores da situação jurídica afirmada no processo pelo autor. [...] Portanto, para essa teoria a causa de pedir é constituída pelo fato ou fatos da vida que, previstos na hipótese de incidência de uma ou mais normas jurídicas, são suscetíveis de produzir o efeito jurídico previsto na conseqüência dessas normas e pretendido pelo autor.

Sendo assim, conforme a teoria acima mencionada exige-se

a descrição dos fatos dos quais decorre a relação de direito para a propositura da

ação; Idéia esta que se contrapõe ao que prega a teoria da individuação, a qual

bastaria a afirmação da relação jurídica fundamentadora do pedido para a

caracterização da ação.117

Seguimento os ensinamentos de Greco Filho ainda118:

É importante, também, acrescentar que integra a causa de pedir como indispensável, em qualquer caso, o fato praticado pelo réu que seja contrário ao direito afirmado pelo autor e que exatamente esclarece o interesse processual, a necessidade de recorrer ao Judiciário. Cada fato diferente possibilita uma nova ação, se perdurar a possível lesão do direito do autor.

Então, nas palavras de Albuquerque Rocha119 “a causa de

pedir da ação, [...] não consiste apenas nos fatos constitutivos da situação jurídica

afirmada, mas, também, nos que violam, [...] ou põem em dúvida essa situação.”

De acordo com Montenegro Filho120:

A causa de pedir limita a atuação do magistrado no processo, sabido que o art. 128 do CPC agasalha a regra segundo a qual “o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhes defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.

Assim, pode-se afirmar que a causa de pedir é composta por

fatos da realidade através dos quais nasce uma situação jurídica e pelos fatos

que ferem e ameaçam a situação jurídica posta em juízo.121

117 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 93. 118 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 91-92.. 119 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 193-194. 120 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil . p. 136.

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Para concluir os elementos da ação, passamos ao estudo do

pedido, sua tipificação e modalidades.

2.1.3 Pedido

Conforme o ensinamento clássico da doutrina, pedido

abrange o bem da vida pretendido com a ação judicial e a correspondente

resposta judicial, em sua espécie esperada. 122

Simplificadamente, de acordo com Menna123 pedido é: “o

objeto da ação”.

Por isso o pedido pode ser entendido de dois modos: a)

pedido imediato e b) pedido mediato. 124

De acordo com Albuquerque Rocha125, “o pedido imediato é

a espécie de provimento jurisdicional requerido ao Estado.”

Neste sentido, ensina Greco Filho126, que o pedido mediato

é aquele que “consiste no bem jurídico pretendido”.

Sobre o pedido ensina Montenegro Filho127:

[...] a todo pedido relativo ao direito material em disputa (pedido mediato) corresponde um pedido de prestação jurisdicional (pedido imediato), reclamado para a concessão da primeira espécie, o que se materializará através de uma sentença condenatória, declaratória, constitutiva etc.

Ao pedido refere-se o artigo 282, inciso IV do Código de

Processo Civil, dispondo que “a petição inicial indicará: o pedido, com as suas

especificações”.

121 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 194. 122 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil . p. 137. 123 MENNA, Fabio de Vasconcellos. ob. cit. p. 45. 124 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 191. 125 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 190. 126 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 90.

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Assim, diante do exposto percebe-se que se trata o pedido

de um elemento fundamental para individualizar a ação.128

Os elementos identificadores da ação, além de

indispensáveis para a individualização da ação, conforme comentado aparecem

em diversas aplicações práticas ao longo do processo, ou seja, a causa de pedir

ou o pedido fundamentam a conexão de causas e a continência; a causa de pedir

justifica, quando idêntica à de outra causa, o litisconsórcio voluntário e o pedido

delimita objetivamente a sentença [...].129

Concluída a análise sobre os elementos identificadores da

ação, passa-se ao estudo das condições para o início do processo.

2.2 AS CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO

No tópico acima foram identificados os elementos da ação,

explicado quem são as partes e a importância da causa de pedir e do pedido para

o prosseguimento da ação. O exposto anteriormente é de grande contribuição

para o entendimento do que será abordado agora.

Neste tópico serão estudadas as condições para o início do

processo, sendo elas a legitimidade, o interesse processual e a possibilidade

jurídica do pedido, requisitos indispensáveis para que o réu possa se posicionar

acerca da situação jurídica trazida pelo autor.

Recorda-se que neste tópico as condições serão analisadas

a partir da Teoria Geral do Processo.

Sobre as condições para início do processo iniciamos com

as palavras de Albuquerque Rocha130, “[...] o Estado só se dispõe a exercitar sua

128 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 194. 129 GRECO, Vicente Filho, 1943. ob. cit.. 92-93. 130 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 195.

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atividade jurisdicional quando a situação jurídica firmada no processo satisfaz,

preliminarmente, um mínimo de requisitos”.

As condições da ação,131 são condições para que

legitimamente se possa buscar o provimento jurisdicional. Tal exigência está

relacionada ao princípio da economia processual, ou seja, percebendo o juiz que

a tutela jurisdicional requerida não poderá ser concedida, não será eficaz a

atividade estatal, motivo pelo qual deve ser negada. No entanto, mesmo que a

resposta do juiz não ultrapasse a pronúncia de carência da ação (porque não se

configuraram as condições da ação), terá se exercitado a função jurisdicional.132

De acordo com Medeiros133 as condições da ação, “são

condições de direito material necessárias ao pronunciamento do órgão

jurisdicional sobre o objeto da ação”.

Ensina Marques134 sobre as condições da ação, “chamam-

se condições da ação os elementos e requisitos necessários para que o juiz

decida do mérito da pretensão, aplicando o direito objetivo a uma situação

contenciosa.”

Assim, os vínculos existentes entre o direito de ação e a

pretensão, formam uma relação de instrumentalidade, que nos levam a concluir

que o exercício da ação está sujeito à existência de três condições que são: a

legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido. ”135

131 Leia-se condições para o início do processo toda vez que aparecer a expressão “condições da

ação” em alguma citação. 132 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo . 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 258. 133 MEDEIROS, Hortencio Catunda de. Esquema de Teoria Geral do Processo . 3 ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 1998, p. 18. 134 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal . 2 ed. Campinas:

Millennium, 2000, p.353. 135 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 76.

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2.2.1 Legitimidade

A legitimidade é a regularidade do poder de demandar de

determinada pessoa sobre determinado objeto. Não é permitido propor ações

sobre todas as lides. Em regra quem pode demandar são aqueles que forem

sujeitos da relação jurídica de direito material levada a juízo.136

De acordo com o artigo 6º do CPC, “ninguém poderá

pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

Sobre a legitimidade ensina Albuquerque Rocha137:

A legitimidade para agir consiste, fundamentalmente, em saber, no caso concreto, quem pode promover a ação, e contra quem, ou em face de quem, pode ser movida. Responde, pois, à questão de saber quem é que pode agir em juízo como autor e réu. Portanto, a legitimidade para agir diz respeito à titularidade ativa e passiva da ação.

A princípio o titular da ação é apenas aquele que se diz

titular do direito subjetivo material motivo pelo qual pede tutela, podendo ser

demandado apenas o titular da obrigação correspondente. 138

De um modo geral, entende a doutrina que o sujeito

legitimado para promover a ação é o titular do direito que se faz valer em juízo, e

o legitimado para ser réu, ou seja, para sofrer os efeitos da ação, é o sujeito

passivo desse direito.139

Conforme ensina Greco Filho140, “a regra geral é a de que

está autorizado a demandar quem for o titular da relação jurídica, dizendo-se,

então, que a legitimação é ordinária”.

136 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 77. 137 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 198. 138 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 198. 139 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 198. 140 GRECO, Vicente Filho, 1943. ob. cit., p. 77.

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Ensina Chiovenda141 sobre a legitimidade, “é a identidade da

pessoa do autor com a pessoa a quem a lei favorece [...] e a identidade da

pessoa do réu com a pessoa a quem é contrária a vontade da lei [...].”

O CPC exige expressamente a legitimidade como condição

da ação, dispondo em seu artigo 3º, “Para propor ou contestar a ação é

necessário ter interesse e legitimidade”.

O que o código quer dizer é que a legitimidade é requisito

que deve estar presente no pólo ativo (autor) e no pólo passivo (réu), ou seja, não

pode o juiz decidir o pedido senão em face e na presença de autor e réu

legítimos.142

De acordo com Greco Filho143, “há casos, [...], em que texto

expresso de lei autoriza alguém que não seja o sujeito da relação jurídica de

direito material demandar. Nestes casos, diz-se que a legitimação é

extraordinária.”

Neste sentido ensina Montenegro Filho144 que na

legitimação extraordinária, “o autor do processo não se confunde com o titular do

direito material disputado pelas partes em litígio”

Ainda de acordo com o autor supracitado145, pode-se

mencionar como exemplo determinada situação que envolva o Ministério Público

uma vez que “a instituição pleiteia o reconhecimento da existência de um direito

difuso [...] pertencente não a ele [...]”.

A Constituição Federal de 1988 ampliou a legitimação a

diversas entidades para a defesa de direitos supra-individuais, podendo-se citar

como exemplos, o artigo 5º, inciso LXX, “o mandado de segurança coletivo pode

141 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil . 2 ed. São Paulo: Saraiva,

1965, p. 178. 142 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 78. 143 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 77. 144 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil . p. 122. 145 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil . p. 122.

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ser impetrado por” e XXI, “as entidades associativas, quando expressamente

autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou

extrajudicialmente”. Assim como o artigo 129, inciso III, “São funções

institucionais do Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação civil

pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de

outros interesses difusos e coletivos”, etc. 146

Abordaremos agora outro requisito que é condição para o

exercício da ação, o interesse processual.

2.2.2 Interesse Processual

A condição para o início do processo em análise baseia-se

na premissa de que, tendo embora o Estado o interesse no exercício da

jurisdição, não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade

se possa extrair algum resultado útil.147

Ensina Menna148 que, “o requisito consiste em ser a

prestação jurisdicional buscada pelo autor necessária e útil, [...] a ação só será

admitida se a atuação do Estado-Juiz for a única, [...] capaz de assegurar ao

demandante a satisfação da pretensão [...]”.

De acordo com Marques149, “para que haja interesse de agir,

é necessário que o autor formule uma pretensão adequada, ou seja, um pedido

idôneo a provocar a atuação jurisdicional”.

Nesse sentido Greco Filho150:

o interesse processual é [...], a necessidade de se recorrer ao Judiciário para a obtenção do resultado pretendido, independentemente da legitimidade ou legalidade da pretensão.

146 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 260. 147 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo . p. 259. 148 MENNA, Fabio de Vasconcellos. ob. cit. p. 44. 149 MARQUES, José Frederico. ob. cit. p.355. 150 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 80.

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Para verificar-se se o autor tem interesse processual para a ação deve-se responder afirmativamente à seguinte indagação: para obter o que pretende o autor necessita da providência jurisdicional pleiteada?

Na avaliação do interesse de agir a indagação feita não é

sobre a legitimidade do pedido ou sua moralidade, uma vez que deve

primeiramente ser necessário, ou seja, o autor não teria como conseguir o mesmo

resultado por outro meio extraprocessual.151

Conforme ensina Albuquerque Rocha152:

O interesse de agir da mesma forma como a legitimidade para agir, é avaliado com base nas afirmações do autor. E dizemos isto justamente porque a afirmação do autor de que a situação jurídica foi violada, ou está ameaçada de violação, é a única realidade objetiva de que o juiz dispõe para verificar, desde logo, se há ou não interesse de agir e, em conseqüência, admitir ou não a ação. De maneira que, se o autor afirma que a situação jurídica foi violada ou está ameaçada de violação, justificado está seu interesse de agir, ou seja, justificada está a necessidade de proteção jurisdicional do Estado, vez que não poderá, com suas próprias forças, tutelar essa situação jurídica, proibida, como é, a justiça privada.

De maneira geral, o interesse nasce perante uma resistência

que alguém oferece para a efetiva satisfação da prestação de outrem. Há ainda,

interesse quando a lei exige expressamente que o judiciário intervenha.153

Conforme ensina Albuquerque Rocha154, “parte da doutrina

afirma não ser suficiente a violação, ou ameaça de violação, da situação jurídica

para configurar-se o interesse de agir”.

Ensina o autor supracitado155 que:

A doutrina diz que é, igualmente, indispensável que o autor peça o remédio adequado à situação afirmada, ou seja, peça a prestação

151 GRECO, Vicente Filho, 1943. ob. cit. p. 80-81. 152 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 205. 153 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. 81. 154 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 205. 155 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 205-206.

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jurisdicional adequada à realização da situação jurídica afirmada e, bem assim, escolha o processo e o procedimento idôneos à obtenção da proteção jurisdicional pedida. Assim, o interesse de agir compreenderia não só a necessidade da prestação jurisdicional, mas também sua adequação à realização dessa situação jurídica afirmada e, bem assim, a idoneidade do processo e do procedimento escolhidos para obter a prestação jurisdicional.

Como exemplo de adequação pode-se citar o que diz Greco

Filho156, “Se alguém [...], for esbulhado em sua posse, fará pedido inadequado,

faltando-lhe interesse, se pleitear a declaração de que é proprietário.”

No exemplo dado, o pedido correto seria de devolução da

posse. Obviamente que a existência de interesse não traduz a idéia de que o

autor tenha razão na demanda. Essa análise dependerá de outros

questionamentos que aí sim demonstrarão se o judiciário protegerá tal

situação.157

Assim, percebe-se que o interesse de agir surge da

necessidade de obter do processo a proteção de determinado interesse

substancial, presumindo-se que tal interesse tenha sido lesionado e que seja

idôneo o provimento pleiteado.158

De acordo com Montenegro Filho159, “o interesse deve se

fazer presente e permanecer durante toda a tramitação do processo, até a

sentença de mérito, ou seja, deve ser um interesse atual.”

Concluída a abordagem sobre o interesse processual,

passamos agora a terceira e última condição da ação, a possibilidade jurídica do

pedido.

156 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 81. 157 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. 82. 158 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto procesuale civile . Milano: Giuffré, 1957, p. 122. 159 MONTEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil . p. 124.

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2.2.3 Possibilidade Jurídica do Pedido

A terceira condição para o início do processo é a

possibilidade jurídica do pedido que consiste na formulação de uma pretensão,

em tese, existente na ordem jurídica, ou seja, que a ordem jurídica brasileira

preveja a providência pretendida pelo interessado.160

Nas palavras de Baptista161 possibilidade jurídica do pedido

é a “previsibilidade, pelo direito objetivo, de pretensão exarada pelo autor”.

Conforme Cintra, Grinover e Dinamarco162:

Às vezes, determinado pedido não tem a menor condição de ser apreciado pelo Poder Judiciário, porque já excluído a priori pelo ordenamento jurídico sem qualquer consideração das peculiaridades do caso concreto. Nos países em que não há o divórcio, será juridicamente impossível um pedido de sentença com o efeito de dar às partes o status de divorciado; essa demanda será desde logo repelida, sem que o juiz chegue a considerar quaisquer alegações feitas pelo autor e independentemente mesmo da prova dessas alegações. Outro exemplo [...] invocado pela doutrina é o das dívidas de jogo. [...] Nesses exemplos, vê-se que o Estado se nega a dar a prestação jurisdicional, considerando-se, por isso, juridicamente impossível qualquer pedido dessa natureza.

Segundo Greco Filho163, a finalidade prática da existência da

presente condição da ação “está em que não é conveniente o desenvolvimento

oneroso de uma causa quando desde logo se afigure inviável [...].”

Conforme dispõe o artigo 295, inciso III do Código de

Processo Civil, “a petição inicial será indeferida: quando o autor carecer de

interesse processual”. De acordo com o autor supracitado, tal artigo “tem por

objetivo prático evitar a atividade jurisdicional inútil.” 164

160 GRECO, Vicente Filho, ob. cit. p. 83-84. 161 BAPTISTA, Ovídio. Teoria Geral do Processo Civil . Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1983, p. 111. 162 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo . p. 259. 163 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. 85.. 164 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. 85.

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No entanto, não é necessário que o fato motivador do autor

recorrer a prestação jurisdicional esteja explicitamente previsto em uma norma

jurídica, uma vez que a proteção desse direito pleiteado pode não decorrer

diretamente da lei, mas de outras fontes formais do direito. 165

Segundo Albuquerque Rocha166, “o fundamental é que não

se trate de situação ou interesse ao qual o ordenamento jurídico, expressamente,

negue proteção”.

Sobre o tema ensina Greco Filho167:

Cabe observar que a rejeição da ação por falta de possibilidade jurídica deve limitar-se às hipóteses claramente vedadas, não sendo o caso de se impedir a ação quando o fundamento for injurídico, pois, se o direito não protege determinado interesse, isto significa que a ação deve ser julgada improcedente e não o autor carecedor da ação. Assim, por exemplo, se alguém pede o despejo, em contrato de locação residencial, por motivo não elencado na Lei do Inquilinato e isto for, afinal, verificado, o juiz deverá julgar a ação improcedente e não o autor carecedor da ação. Isto porque o pedido era juridicamente possível (despejo), mas seu fundamento não está amparado pela lei.

Nesse sentido complementa Menna168, “não se pode

confundir impossibilidade jurídica do pedido com improcedência do pedido, pois,

se improcedente, o pedido é juridicamente possível [...]”.

É importante esclarecer que a expressão “possibilidade

jurídica do pedido” deve ser analisada em sentido amplo, envolvendo não apenas

a idéia de possibilidade jurídica do objeto pleiteado, como também a origem do

objeto e de seus sujeitos.169

Assim, conclui-se que é indispensável para o início do

processo a legitimidade das partes, que haja interesse processual ao pleitear a

manifestação judicial e por fim que o pedido seja possível juridicamente, uma vez

165 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 197. 166 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 197. 167 GRECO, Vicente Filho, Direito processual civil brasileiro. p. 86. 168 MENNA, Fabio de Vasconcellos. ob. cit. p. 45. 169 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo . p. 197.

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que sendo ele protegido pelo ordenamento jurídico contará com a apreciação do

magistrado.

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CAPÍTULO 3

AS CONDIÇÕES PARA O INÍCIO DO PROCESSO PENAL

Após terem sido expostas no segundo capítulo as condições

para o início do processo, tendo como base a teoria geral do processo nos

deparamos agora com o terceiro capítulo, onde serão analisadas as condições

gerais e específicas para o início do processo penal.

Sobre o tema, iniciamos o capítulo com uma fábula,

adaptada por Carnelutti apud Aury Lopes Jr.170 que critica o fato de o processo

penal não possuir categorias jurídicas próprias:

Era uma vez três irmãs, que tinham em comum, pelo menos, um dos progenitores: chamavam-se a ciência do direito penal, a ciência do processo penal e a ciência do processo civil. E ocorreu que a segunda, em comparação com as demais, que eram belas e prósperas, teve uma infância e uma adolescência desleixada, abandonada. Durante muito tempo, dividiu com a primeira o mesmo quarto. A terceira, bela e sedutora, ganhou o mundo e despertou todas as atenções.

Percebe-se que o processo penal, como a Cinderela,

sempre precisou fazer uso das roupas de sua irmã, roupas estas feitas para a

irmã (o processo civil) e não para ele, de acordo com as suas medidas e

necessidades. 171

Como adverte Coutinho172, “teoria geral do processo é

engodo; teoria geral é a do processo civil e, a partir dela, as demais”.

170 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 33. 171 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 33. 172 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A lide e o Conteúdo do Processo penal . Curitiba:

Juruá, 1989, p. 119.

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De acordo com Aury Lopes Jr. trata-se de “um erro [...]

pensar que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias

do processo civil, como se fossem as roupas da irmã mais velha, cujas mangas

se dobram, para caber na irmã preterida.” 173

Assim, há chegada a hora de diferenciar as duas irmãs

processuais, através do entendimento de que o processo penal possui categorias

jurídicas próprias e que não deve mais fazer uso das roupas da irmã. 174

3.1 A SUPERAÇÃO DA TEORIA GERAL DO PROCESSO

A doutrina do direito processual costuma dividir as condições

da ação em legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido. Porém, na

busca de ajustar tais condições ao processo penal ultrapassam-se os limites,

ficando ele sem uma resposta adequada. 175

Passa-se assim a analisar tais conceitos importados do

Processo Civil e aplicados ao Processo Penal.

3.1.1 Legitimidade

Como mencionado no capítulo anterior a legitimidade

consistirá em existir previsão legal para que as partes que figuram no processo

ocupem suas respectivas posições processuais ativa e passivamente. 176

No direito processual penal brasileiro, em um primeiro

momento, é o Ministério Público aquele que tem legitimidade ativa para propor

ação penal pública condicionada ou incondicionada, havendo previsão

173 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 35. 174 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 35. 175 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 351. 176 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 179.

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Constitucional (art. 5º, inciso LIX) e também no CPP (art. 29) de o ofendido ou

herdeiros ajuizarem ação privada caso o Ministério Público não o faça. 177

No entanto, como ensina Galluzzi dos Santos178, “sempre

será do Estado o direito de penalizar o autor da conduta, mesmo quando a ação

não for pública”.

Assim, esse é um conceito que pode ser aproveitado pelo

processo penal, pois se trata de exigir uma vinculação subjetiva, pertinência

subjetiva, para o exercício da ação processual penal. 179

3.1.2 Interesse

De acordo com Aury Lopes Jr.180: “Para ser aplicado no

processo penal, o interesse precisa ser completamente desnaturado na sua

matriz conceitual.”

Lá no processo civil, é visto como “utilidade e necessidade”

do provimento. Trata-se de interesse processual de obtenção do que se pleiteia

para satisfação do interesse material. 181

A necessidade de agir em juízo consubstancia-se na

circunstância de que a pretensão do autor não possa ser satisfeita por outro meio

senão pelo pronunciamento jurisdicional. Ocorre que, ao contrário do que se

verifica no âmbito do processo civil, toda pretensão de natureza penal somente

poderá ser satisfeita pelo poder jurisdicional, após o devido processo legal. 182

177 GOMES FILHO, Antonio Magalhães; PRADO, Geraldo; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi;

SANTOS, Leandro Galluzzi; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. As reformas no Processo penal : as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. Coordenação: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. São Paulo: RT, 2008, p. 321 – 322.

178 GOMES FILHO, Antonio Magalhães; PRADO, Geraldo; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi; SANTOS, Leandro Galluzzi; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. ob. cit. p. 321 – 322.

179 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 351. 180 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 352. 181 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 352. 182 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 180.

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Nas palavras de Aury Lopes Jr.: “O princípio da necessidade

impõe, para chegar-se à pena, o processo como caminho necessário e

imprescindível, até porque o direito penal somente se realizada no processo

penal”. 183

Assim conforme Mougenot184:

Enquanto o devedor cível sempre poderá quitar voluntariamente a dívida cobrada, o infrator penal jamais poderá voluntariamente submeter-se à sanção penal sem que antes disso tenha sido devidamente julgado e condenado. Por isso, no âmbito do direito processual penal, a necessidade de agir em juízo consubstancia-se com a existência de uma situação de fato, concreta, que tenha constituído infração penal.

Gomez Orbaneja apud Aury Lopes Jr. 185 chama princípio de

La necesidad Del proceso penal, amparado pelo art. 1º da LECrim186, uma vez

que não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo

penal senão com o objetivo de apontar o delito e aplicar a pena. Tal princípio é

resultante da aplicação do adágio nulla poena et nulla culpa sine iudicio187, que

expressa o monopólio do Estado em relação a jurisdição penal, assim como a

instrumentalidade do processo penal.

Quanto a utilidade, está ela relacionada com a idoneidade

do processo para ensejar, posteriormente, os efeitos desejáveis. No processo

penal a ação penal condenatória tem por objetivo cominar determinada penal ao

acusado, no entanto se tal penal não possa mais ser aplicada, será inútil o

ajuizamento da ação, não existindo interesse de agir.188

Assim, para aproveitar tal condição da ação processual civil,

a doutrina processual penal termina tendo que fazer um “malabarismo jurídico”.

183 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 352. 184 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 352. 185 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 353. 186 Norma processual penal espanhola. 187 Não há pena e não há culpa sem processo. 188 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 181.

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Porém, por mais que a intenção seja boa, o resultado acaba por se afastar do

conceito primitivo.189

3.1.3 Possibilidade Jurídica do Pedido

Na doutrina processual penal, a possibilidade jurídica do

pedido está relacionada a uma conduta típica, ilícita e culpável imputada pelo

autor na peça acusatória da ação penal. 190

Conforme ensina Aury Lopes Jr191.:

O pedido da ação penal, no processo penal de conhecimento, será sempre de condenação, exigindo um tratamento completamente diverso daquele dado pelo processo civil, pois não possui a mesma complexidade. Logo, não satisfaz o conceito civilista de que o pedido deve estar autorizado pelo ordenamento, até porque, no processo penal, não se pede usucapião do Pão-de-açucar...

Neste sentido, para que se tenha um pedido juridicamente

possível é necessário que haja na lei um dispositivo que determine ser a conduta

descrita um delito de natureza penal, seja crime ou contravenção.192

A doutrina que adota essa estrutura civilista costuma dizer

que para o pedido [...] ser juridicamente possível a conduta deve ser

aparentemente criminosa [...]; não pode estar extinta a punibilidade [...] ou ainda

haver um mínimo de provas para amparar a imputação [...].193

189 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 353. 190 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 179. 191 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 353-

354. 192 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 179. 193 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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Assim, nas palavras de Aury Lopes Jr.: “Na verdade, o que

se verifica é uma indevida expansão dos conceitos do processo civil para

(ilusoriamente) atender à especificidade do processo penal. 194

Dessa forma apresentadas as categorias do processo

utilizadas pelo processo civil e emprestadas ao processo penal, que de acordo

com a linha de pesquisa do presente trabalho seriam inadequadas a ele, passa-se

as condições gerais da ação próprias do processo penal.

3.2 AS CONDIÇÕES GERAIS PARA O INÍCIO DO PROCESSO P ENAL

Diante da necessidade de se respeitar as categorias

jurídicas próprias do processo penal, devemos buscar as condições da ação

dentro do próprio Processo Penal, a partir da análise das causas de rejeição da

acusação. 195

Conforme ensina Aury Lopes Jr. 196: “para tanto, deve-se

partir do revogado art. 43 do CPP, a contrário senso. Assim, vejamos como

dispunha o art. 43 do CPP antes de ser revogado pela Lei 11.719/08.”197

Art. 43 – A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – o fato narrado evidentemente não constituir crime; II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III- for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. Parágrafo único – Nos casos do nº III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

A partir da exposição do referido artigo podem ser extraídas

as condições da ação penal, as quais serão abordadas separadamente a seguir.

194 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 195 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 196 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 197 Alterou dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo

penal .

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3.2.1 Prática de Fato Aparentemente Criminoso – Fumus Commissi Delicti

Tradicionalmente, entendeu-se que “evidentemente não

constituir crime” significava, apenas, atipicidade manifesta. Contudo, esse não é

um critério adequado. 198

O artigo 397, inciso III do CPP, dispõe que o juiz deverá

absolver sumariamente o acusado quando verificar que o fato narrado

evidentemente não constitui crime. (grifo nosso).

Conforme ensina Aury Lopes Jr. 199: “ainda que se possa

discutir se crime é fato típico, ilícito e culpável ou injusto típico, ninguém, nunca

defendeu que o conceito de ‘crime’ se resumia à tipicidade”.

Logo, atendendo ao referencial semântico da expressão

contida no CPP, deve-se trabalhar com o conceito de crime e depois de

“evidentemente”. Quando ao conceito de “crime”, nenhuma dúvida temos de que

a acusação deve demonstrar a tipicidade aparente da conduta. São os clássicos

exemplos (do folclore manualístico) de denúncia por incesto, furto de coisa própria

etc. São situações em que é patente a atipicidade da conduta imputada e, por

isso, deve a acusação ser rejeitada. 200

Neste sentido Jardim apud Aury Lopes Jr. 201:

Não nos parece correta a afirmativa de que para a sua admissibilidade basta que a denúncia esteja lastreada em prova da autoria e materialidade. Se examinarmos tais elementos ao nível da dogmática penal, vamos constatar que autoria e materialidade não chegam sequer a configurar um juízo de tipicidade, na medida em que as normas penais incriminadoras têm outros elementos essenciais, quer subjetivos, descritivos ou normativos.

198 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 355. 199 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 355. 200 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 201 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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Para, além disso, das duas uma: ou se aceita o conceito de

tipo de injusto, na esteira de Cirino dos Santos, onde se exige que, além dos

fundamentos positivos da tipicidade, também deve haver a ausência de causas de

justificação (excludentes de ilicitude); ou se trabalha com os conceitos de

tipicidade e ilicitude desmembrados. 202

Em ambos os casos, se houver provas de que o acusado

agiu sob uma causa de excludente da ilicitude, seja ela estado de necessidade,

legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular

de direito (art. 23 do CP) a denúncia ou queixa deve ser rejeitada por falta de

condição para o exercício da ação penal (art. 395, inciso II do CPP). No entanto, a

rejeição da acusação dependerá de convencer o juiz a respeito da excludente de

ilicitude, que uma vez convencido como mencionado deverá rejeitá-la. 203

No caso do convencimento do juiz somente ser possível

após a resposta do acusado, a decisão passará a ser de absolvição sumária. (art.

397 do CPP). 204

De acordo com a linha de pensamento dos autores tomados

por referência no presente trabalho, pode o juiz também rejeitar a acusação sob o

abrigo de uma excludente de culpabilidade. A delicadeza da situação, no entanto,

está em provar a causa da exclusão, para que o fato evidentemente não constitua

crime. 205

Como ensina Aury Lopes Jr. 206: “O que nos importa agora é

que, uma vez demonstrada e convencido o juiz, está ele plenamente autorizado a

rejeitar a denúncia ou queixa. Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito

pelo Ministério Público.”

202 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 203 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 204 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 205 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 206 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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Ainda conforme o autor supracitado207: “o custo social e

jurídico do processo penal faz com ele não se contente com a mera tipicidade se

for manifesta a presença de uma causa de exclusão da ilicitude ou da

culpabilidade.”

Passa-se agora a próxima condição da ação, qual seja a

punibilidade concreta.

3.2.2 Punibilidade Concreta

Exigia o antigo (e já revogado) art. 43, II, do CPP que não se

tenha operado uma causa de extinção da punibilidade, cujos casos estão

previstos no art. 107 do Código Penal e em lei especiais, para que a ação

processual penal possa ser admitida. Agora, essa condição da ação também

figura como causa de “absolvição sumária”, prevista no art. 397, IV do CPP.

Conforme os ensinamentos de Aury Lopes Jr. 208:

não significa que tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente possa ser reconhecida pela via de absolvição sumária. Deve o juiz rejeitar a denúncia ou queixa quando houver prova da extinção da punibilidade. A decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova somente é produzida após o recebimento da denúncia (ou seja, após a resposta escrita do acusado).

Quando presente a causa de extinção da punibilidade, como

a prescrição, decadência, renúncia (nos casos de ação penal de iniciativa privada

ou pública condicionada a representação), a denúncia ou queixa deverá ser

rejeitada ou o réu absolvido sumariamente, conforme o momento em que seja

reconhecida. 209

207 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 208 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 209 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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3.2.3 Legitimidade de Parte

Desta forma, nos processos que tenham por objeto a

apuração de delitos perseguíveis através de denúncia (ou de ação penal de

iniciativa pública), o pólo ativo deverá ser ocupado pelo Ministério Público, eis

que, nos termos do art. 129, I, da Constituição, é o parquet o titular dessa ação

penal. 210

De acordo com Aury Lopes Jr. 211:

Nas ações penais de iniciativa privada, caberá a vítima ou seu representante legal (arts. 30 e 31 do CPP) assumir o pólo ativo da situação processual. A doutrina brasileira, na sua maioria, entende que nessa situação ocorre uma substituição processual, verdadeira legitimação extraordinária, nos termos do art. 6º do CPC, na medida em que o querelante postularia em nome próprio um direito alheio (ius puniendi do Estado). É um erro bastante comum daqueles que, sem atentar para as categorias jurídicas próprias do processo penal, ainda pensam através das distorcidas lentes da teoria geral do processo.

Percebe-se que o Estado exerce o poder de punir no

processo penal não como acusador, mas como juiz, tanto o Ministério Público

como o querelante exercitam um poder que lhes é próprio, ou seja, o poder de

acusar. Assim, o poder de punir não corresponde ao acusador, sela ele público ou

privado, na medida em que detém a mera pretensão acusatória. Logo, em

hipótese alguma existe substituição processual no processo penal. 212

A legitimidade deve ser assim considerada:

Legitimidade ativa: está relacionada com a titularidade da

ação penal, desde o ponto de vista subjetivo, de modo que será o Ministério

Público, nos delitos perseguíveis mediante denúncia, e do ofendido ou seu

representante legal, nos delitos perseguíveis através de queixa. É ocupada pelo

titular da pretensão acusatória. Especificamente no processo penal, a legitimidade

decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não propriamente

210 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 211 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 212 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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do interesse. Por imperativo legal, nos delitos de ação penal de iniciativa pública,

o Ministério Público será sempre legitimado para agir. Já nos delitos de ação

penal de iniciativa privada, somente o ofendido ou seu representante legal poderá

exercer a pretensão acusatório através da queixa crime. 213

Legitimidade passiva: decorre da autoria do injusto típico. O

réu, pessoa contra a qual é exercida a pretensão acusatória, deve ter integrado a

situação jurídica de direito material que se estabeleceu com o delito (autor-vítima).

Em outras palavras, a legitimação passiva está relacionada com a autoria do

delito. Também não se pode desconsiderar os limites impostos pela culpabilidade

penal, especialmente no que se refere à inimputabilidade decorrente da

menoridade, onde o menor de 18 anos (e de nada interesse eventual

emancipação civil) é ilegítimo para figurar no pólo passivo do processo penal. 214

Ensina Aury Lopes Jr. 215:

A imputação deve ser dirigida contra quem praticou o injusto típico. Não se deve esquecer que neste momento não pode ser feito um juízo de certeza, mas sim de mera probabilidade, verossimilhança da autoria. A probabilidade da autoria vem dada pelos elementos de convicção que devem acompanhar a denúncia ou queixa. Não existe qualquer presunção de veracidade no afirmado pelo acusador, até porque iria de encontro à presunção de inocência do réu. Assim, é imprescindível que a peça acusatória venha instruída com elementos suficientes para demonstrar o fumus commissi delicti em grau de probabilidade, isto é, elementos cognoscitivos seguros e válidos. Daí a importância da investigação preliminar, do inquérito policial, para fornecimento desses dados.

A ilegitimidade de parte permite que seja promovida nova

ação, eis que tal decisão faz apenas coisa julgada formal. Corrigida a falha, a

ação pode ser novamente intentada. É o que acontece, quando o ofendido ajuíza

a queixa em delito de ação penal pública. A rejeição da queixa não impede que o

Ministério Público ofereça a denúncia. 216

213 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 214 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 215 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 216 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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Por fim, destaque-se que a rejeição da denúncia ou queixa

por ilegitimidade de parte não faz coisa julgada material, mas meramente formal,

não impedindo o ajuizamento de nova ação (observado, em caso de queixa crime,

o prazo decadencial de 6 meses contados da data do fato [ou do dia em que vier

o querelante a saber quem é o autor], pois esse prazo não se interrompe nem

suspende). 217

3.2.4 Justa Causa

Prevista no art. 395, III, do CPP, a justa causa é uma

importante condição da ação processual penal.

Em profundo estudo sobre o tema Assis Moura, adverte

sobre a indefinição que paira em torno do conceito, na medida em que “causa

possui significado vago e ambíguo, enquanto que justo constitui um valor”. E

prossegue lecionando que a justa causa exerce uma função mediadora entre a

realidade social e a realidade jurídica, avizinhando-se dos “conceitos-válvula”, ou

seja, de parâmetros variáveis que consistem em adequar concretamente a

disciplina jurídica às múltiplas exigências que emergem da trama do tecido social.

Mais do que isso, figura como um “antídoto, de proteção contra o abuso de

Direito”. 218

Evidencia assim, a autora, que a justa causa é um

verdadeiro ponto de apoio [...] para toda a estrutura da ação processual penal,

uma inegável condição da ação penal, que, para além disso, constitui um limite ao

(ab)uso do ius ut procedatur, ao direito de ação. Considerando a

instrumentalidade constitucional do processo penal, conforme explicamos

anteriormente, o conceito de justa causa acaba por constituir numa condição de

garantia contra o uso abusivo do direito de acusar. 219

217 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 218 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 219 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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Ensina Aury Lopes Jr. 220:

A justa causa não está apenas para condicionar a ação penal, mas também deve ser considerada quando do decreto de uma prisão cautela e mesmo sentença penal condenatória no caso concreto. Como explica Assis Moura, “a base para o exame será sempre a mesma, e a resposta deverá resultar da verificação de tais situações específicas, porque, obviamente, cada uma delas exige o preenchimento de determinados e específicos requisitos”.

A justa causa identifica-se com a existência de uma causa

jurídia e fática que legitime e justifique a acusação (e a própria intervenção

penal).221

Em outros termos, é preciso que haja provas acerca da

possível existência de uma infração penal e indicações razoáveis do sujeito que

tenha sido o autor desse delito. 222

Com efeito, as provas acerca da materialidade delitiva

demonstram a necessidade de que seja instaurado um processo para que se

apure o fato narrado. Já os indícios de autoria é que tornarão possível determinar,

ainda que de forma relativamente incerta, a pessoa que deverá constar ni pólo

passivo da demanda. 223

Necessário ressaltar que a falta de justa causa para a ação

penal constitui ilegalidade e enseja impetração de habeas corpus nos termos do

art. 648, I, do CPP.

Assim, percebe-se que a justa causa está relacionada, com

dois fatores: existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um

lado e, de outro, com o controle processual do caráter fragmentário da

intervenção penal. 224

220 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 221 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 222 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 182. 223 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 182. 224 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 182.

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3.3 AS CONDIÇÕES ESPECÍFICAS PARA O INÍCIO DO PROCE SSO PENAL

Para além das enumeradas e explicadas anteriormente,

existem outras condições, que igualmente condicional a propositura da ação

processual penal. Alguns autores chamam de condições específicas, em

contraste com as condições genéricas, anteriormente apontadas. Mais usual

ainda é a classificação de “condições de procedibilidade”, especificamente em

relação a representação e à requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação

penal pública condicionada. 225

Contudo, razão assiste a Tucci quando esclarece que tais

classificações não possuem sentido de ser, na medida em que tanto a

representação como a requisição do Ministro da Justiça nada mais são do que

“outras condições para o exercício do direito à jurisdição penal”. 226

Além da representação e da requisição do Ministro da

Justiça, existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual

penal, como por exemplo227:

Poderes especiais e menção ao fato criminoso na

procuração que outorga poderes para ajuizar queixa-crime, nos termos do art. 44

do CPP; 228

A entrada do agente no território nacional, nos casos de

extraterritorialidade da lei penal, para atender à exigência contida no art. 7º do

Código Penal; 229

225 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 226 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 227 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 228 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 229 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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Neste caso, do ingresso de agente em território nacional,

trata-se de requisito objetivo que se coloca ao exercício do ius puniendi estatal

naqueles casos em que o crime tenha sido cometido fora do território nacional. 230

O trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento

no crime do art. 236, parágrafo único, do CP; 231

Prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes

praticados pelo Presidente ou Vice- Presidente da República, bem como pelos

Ministros de Estado, nos termos do art. 51, I, da Constituição. 232

Diante do rol, vê-se logo que essas condições nem sempre

devem ser satisfeitas para que se afigure admissível o ajuizamento da ação

penal. De fato, a representação do ofendido ou de seu representante, ou a

requisição do Ministro da Justiça, apenas condicionam o exercício da ação penal

naqueles casos em que a própria ler determina que o exercício da ação penal fica

obstado sem sua ocorrência. Se nada for dito a respeito, assume-se que não

existe o condicionamento. 233

De acordo com Aury Lopes Jr234:

Em qualquer desses casos, a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art. 395, II, do CPP. Caso não tenha sido percebida a falta de uma das condições da ação e o processo tenha sido instaurado, deve ser trancado [...] através de habeas corpus, ou extinto pelo juiz (decisão meramente terminativa). Quanto aos efeitos da decisão, não haverá julgamento de mérito, podendo a ação ser novamente proposta, desde que satisfeita a condição, enquanto não se operar a decadência (no caso da representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa) ou a prescrição.

Assim, diante da inexistência, no caso concreto, de qualquer

das condições da ação penal, o juiz deverá decretar a carência da ação, anulando

230 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 183. 231 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 232 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354. 233 BONFIM, Edilson Mougenot. ob. cit., p. 183. 234 LOPES JUNIOR , Aury. Direito processual penal e sua conformidade consti tucional . p. 354.

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o processo e extinguindo-o sem proceder ao julgamento do mérito, que, no

processo penal, é a pretensão punitiva do Estado. 235

235 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo penal . p. 183.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho objetivou indagar se as condições

seriam da ação ou para o início do processo, assim como analisar se as tais

condições utilizadas pelo processo civil poderiam ser integralmente emprestadas

ao processo penal.

Para seu desenvolvimento o trabalho foi dividido em três

capítulos.

No primeiro capítulo discorreu-se sobre as origens do direito

de punir, onde se tratou de sua evolução por meio da análise dos principais fatos

históricos ocorridos desde a justiça privada até o momento em que o direito de

punir passou as mãos do Estado. Observando assim como os Gregos, Romanos,

Germânicos e o Direito Canônico se comportavam em relação ao processo penal,

chegando assim a atualidade com o direito de punir privativo do Estado. Outro

tópico abordado neste capítulo foi sobre o direito de ação, assim como suas

características e conceito, sendo ele finalizado pelas condições para o início do

processo. Este foi o principal aspecto estabelecido no primeiro capítulo. Assim,

viu-se a primeira hipótese proposta confirmada: portanto, ante o questionamento

se o direito de ação é incondicionado, uma vez que as condições são para o início

do processo a resposta é sim.

No segundo capítulo foram apresentados os elementos e as

condições para o início do processo, de acordo com a teoria geral do processo. A

partir disso identificou-se quem figura como parte no processo, o que é a causa

de pedir, o pedido e sua divisão em imediato e mediato. Como mencionado

também tratou-se das condições para o início do processo, sendo elas a

possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade jurídica.

Por fim no terceiro capítulo, uma vez expostas no capítulo

anterior as condições para o início do processo, baseadas na teoria geral do

processo, demonstrou-se as condições gerais e específicas próprias do processo

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penal, analisando quais das categorias emprestadas a ele seriam realmente

compatíveis.

Assim, concluiu-se que das três condições para o início do

processo utilizadas pelos dois campos processuais, apenas a legitimidade poderia

ser aplicada adequadamente, sem adaptações, por se tratar da exigência de uma

vinculação subjetiva das partes com o processo. Já o interesse de agir é tratado

pela doutrina civilista como o interesse processual de obtenção do que se pleiteia

para satisfação do interesse material, sendo o processo imprescindível a

resolução do fato, que não poderia ser solucionado por outro meio. No entanto, no

âmbito penal uma vez afirmado pelo autor a ocorrência de uma infração penal, em

tese, será necessário o pronunciamento jurisdicional, a partir de que o direito

penal se realiza no processo penal. Por fim, analisou-se a possibilidade jurídica

do pedido, onde percebeu-se não se tratar esta de categoria compatível com

processo penal, uma vez que o pedido no processo penal será sempre de

condenação, diversamente do que acontece referente ao processo civil, não

satisfazendo assim o conceito civilista de que o pedido deve estar autorizado pelo

ordenamento jurídico.

Em virtude das categorias estendidas ao processo penal não

serem absolutamente compatíveis com ele, foram abordadas suas categorias

próprias, a partir da análise das causas de rejeição da acusação, com fundamento

no revogado artigo 43, da Lei nº 11.719/08. Neste sentido, analisou-se a prática

de fato aparentemente criminoso, a punibilidade concreta, a legitimidade da parte

e a justa causa. Posteriormente ao final do terceiro capítulo tratou-se sobre as

condições específicas do processo penal.

Ante o apresentado, tem-se a segunda hipótese: A Teoria

Geral do Processo não se aplica na sua integralidade ao Processo Penal. Tal

hipótese restou confirmada, uma vez que diante o exposto deve ter o processo

penal suas categorias próprias, que atendam especificamente e adequadamente

as suas necessidades.

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