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Page 1: CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL GIUSEPPE TESAURO … · CONCLUSÕES DO SR. TESAURO — PROCESSO 320/87 conclusões idênticas também no que respeita à referida proibição. 6. A primeira

OTTUNG / KLEE & WEILBACH E OUTROS

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL GIUSEPPE TESAURO

apresentadas em 25 de Janeiro de 1989 *

Senhor Presidente, Senhores Juízes,

1. As questões prejudiciais que são objecto do processo 320/87 foram-nos submetidas pelo Sø- og Handelsret de Copenhaga numa ordem que, como justamente assina­lou a Comissão nas suas observações, deve­ria ser ligeiramente modificada para efeitos de uma melhor sistematização dos proble­mas e das respectivas soluções.

2. Com efeito, o fulcro de tais questões consiste em determinar se as cláusulas de um contrato de licença para a exploração comercial de um produto patenteado podem ser invocadas por uma das partes mesmo de­pois de a patente ter caducado, no caso de preverem o pagamento de determinados montantes sem limite de tempo ou, em qual­quer caso, por período superior à duração de validade da patente.

3. Nesta perspectiva, o juiz de reenvio con­vidou o Tribunal a pronunciar-se sobre três problemas distintos: se, uma vez caída a pa­tente no domínio público, ô possível conti­nuar a exigir, com base num contrato de concessão de licença ainda em vigor, o pa­gamento de um direito e se, nas mesmas condições, se pode invocar uma cláusula do

contrato para proibir o concessionário, que tenha denunciado o contrato, de fabricar e vender o produto que deixou de estar prote­gido pela patente.

4. Dos dois problemas, enunciados respecti­vamente nas primeira e quarta questões, convém examinar em primeiro lugar o se­gundo, que se afigura mais importante para as consideráveis implicações que a proibição de fabrico e de comercialização de um pro­duto pode ter no livre jogo da concorrência.

5. Como se pode concluir da decisão de reenvio, a proibição em análise não é in­compatível com a lei dinamarquesa, segundo a qual, no uso da sua liberdade contratual, as partes podem obrigar-se a determinadas prestações ou comportamentos mesmo para o período subsequente à caducidade da pa­tente. Embora o Sø- og Handelsret apenas faça expressamente essa constatação quando se refere ao pagamento do direito, afir­mando não existirem «normas imperativas na legislação dinamarquesa sobre a matéria que associem a cessação da obrigação de pagamento do direito à caducidade da pa­tente», o próprio facto de ter suscitado a questão relativa à proibição de fabrico e de comercialização deixa pensar que chegou a

* Língua do processo: italiano.

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CONCLUSÕES DO SR. TESAURO — PROCESSO 320/87

conclusões idênticas também no que respeita à referida proibição.

6. A primeira vista, pode-se afirmar que uma cláusula que proíbe o concessionário de fabricar e de comercializar o produto quando denuncia o contrato de concessão de licença após a patente ter caído no domí­nio público não parece justificar-se pela exi­gência de proteger o direito de propriedade intelectual do inventor de modo a que este possa receber uma remuneração justa pela exploração comercial da sua patente por terceiros.

Enquanto se mantiver válida a patente, só se pode garantir que o inventor recebe uma re­muneração adequada, como sublinhou o Tribunal na sua jurisprudência (ver acórdão de 14 de Julho de 1981 no processo 187/80, Merck & Co. Inc., Recueil, p. 2063), se se proibirem os terceiros de fabricar ou de co­mercializar o produto sem o acordo do titu­lar da patente. Em contrapartida, quando a patente caduca, a justificação acima referida deixa de existir e o inventor que se acautele contra essa inevitável evolução da situação, inserindo no contrato de licença uma cláu­sula de proibição, beneficia, de facto, da tu­tela de um direito, de propriedade intelectual para obter uma remuneração posterior que já não lhe é devida, criando, desse modo, uma restrição injustificada da concorrência.

7. É certo que a proibição de fabrico e de comercialização é um instrumento indispen­sável para garantir ao inventor uma remune­ração justa pelos seus esforços, já que, na falta de tal proibição, ninguém se sentiria

obrigado a pagar um direito de licença para poder explorar comercialmente o produto patenteado.

Não obstante, tais considerações deixam de ser válidas após a caducidade da patente. Se os terceiros podem, de facto, fabricar e co­mercializar livremente o produto, deixa de existir qualquer razão para manter uma proibição unicamente para o concessionário, o qual seria prejudicado na concorrência com os outros produtores, sem outro mo­tivo que não fosse o de ter anteriormente celebrado um contrato de licença.

8. Embora não se exclua, como veremos adiante, que uma obrigação de pagamento de um direito possa subsistir em determina­das circunstâncias, mesmo depois da caduci­dade da patente, não deixa, no entanto, de ser verdade que semelhante obrigação só pode configurar-se como execução de uma prestação anteriormente definida, não tendo, por conseguinte, qualquer relação com a determinação da justa remuneração da patente, ao passo que a proibição de fa­brico e de comercialização pode destinar-se única e exclusivamente a garantir ao inven­tor a possibilidade de conceder uma licença para a exploração da sua patente contra uma justa remuneração. Na verdade, o in­cumprimento da obrigação de pagamento assumida pelo concessionário só pode ser penalizado, quer durante o período de vali­dade da patente, quer após a respectiva ca­ducidade, através dos meios normais previs­tos para esse efeito. Por conseguinte, qual­quer tentativa de obviar ao risco de incum­primento após a caducidade da patente atra­vés de uma proibição de fabrico e de comer­cialização deve ser considerada — em meu entender — como uma restrição injustifi­cada da concorrência e uma violação do n.° 1 do artigo 85.°

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OTTUNG/ KLEE & WEILBACH E OUTROS

9. Não será, aliás, supérfluo recordar que a solução acabada de indicar implica que an­teriormente se tenha determinado se, no caso concreto, estão preenchidos todos os requisitos para a aplicação do n.° 1 do ar­tigo 85.°

As demandadas no processo principal dão por adquirido que o juiz nacional procedeu a tal verificação antes de nos enviar as ques­tões prejudiciais de que estamos a tratar.

A Comissão, embora reconhecendo a exis­tência de um contrato entre empresas no caso em análise, não tem a certeza de que as cláusulas controvertidas possam prejudi­car o comércio entre os Estados-membros ou falsear o jogo da concorrência no mer­cado comum. A Comissão interroga-se so­bre se o contrato celebrado entre duas em­presas de um Estado-membro, uma das quais tem, sem dúvida, uma facturação bas­tante limitada, não constituirá um daqueles contratos de reduzida importância que, nos termos da comunicação da Comissão de 3 de Setembro de 1986 (JO C 231 de 12.9.1986, p. 2), não são abrangidos pela proibição do n.° 1 do artigo 85.° Caberia verificar, a tal propósito, se o contrato se refere a produtos que, juntamente com os produtos análogos das empresas contratan­tes, não representam no mercado comum, ou numa parte substancial deste, mais de 5 % da totalidade desses produtos na zona em que o contrato produz os seus efeitos e se a facturação total das referidas empresas não ultrapassa os 200 milhões de ecus num exercício.

Os números apresentados na audiência pelo advogado das demandadas no processo principal, segundo os quais 90 % dos pro­dutos fabricados pelas suas clientes são ex­

portados, não têm, só por si, qualquer força probatória se não se esclarecer ao mesmo tempo que percentagem estes produtos re­presentam relativamente à totalidade dos produtos similares numa parte substancial do mercado comum.

Não farei, todavia, mais do que estas breves considerações, para não correr o risco de me imiscuir numa análise de facto que é da única e exclusiva competência do juiz nacio­nal.

10. Por conseguinte, regresso à apreciação das questões submetidas ao Tribunal e passo agora a analisar a primeira questão (na or­dem adoptada pelo juiz de reenvio), relativa à compatibilidade com o n.° 1 do artigo 85.° da cláusula contratual que impõe o pa­gamento de um direito mesmo depois da ca­ducidade da patente relativa ao produto que é objecto da licença.

11. No que respeita a esta cláusula, pa­rece-me que se pode admitir sem especiais dificuldades que a obrigação de pagamento do direito está, em princípio, conexionada com a duração da validade da patente. Por outro lado, embora o pagamento do direito seja indispensável para garantir a remunera­ção, as modalidades de execução do paga­mento podem, no entanto, assumir as mais variadas formas.

No que respeita à duração dos pagamentos, é facilmente imaginável que, por diversos motivos, o montante total devido ao inven­tor possa ser repartido por um número mais elevado de prestações, algumas das quais podem, portanto, vencer-se após a caduci­dade da patente, ou que o inventor prefira receber, em vez de uma percentagem mais

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elevada do preço de venda do produto, uma percentagem mais reduzida, mas durante um maior número de anos. É também possí­vel que, através de uma prorrogação dos pa­gamentos, se pretenda remunerar o inventor por uma exploração do produto efectuada já no período compreendido entre a apre­sentação do pedido e a concessão da pa­tente.

12. Portanto, não obstante o seu carácter restritivo da concorrência, tais estipulações não exorbitam necessariamente do âmbito de uma correcta utilização do direito de pa­tente e podem, portanto, ser subtraídas à aplicação do n.° 1 do artigo 85.°, como foi expressamente salientado pela Comissão no Regulamento n.° 2349/84, de 23 de Julho de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE a certas cate­gorias de acordos de licença de patente 1. No artigo 3.°, n.° 4, segundo período, do regulamento, esclarece-se, na verdade, que o disposto no primeiro período, com base no qual não foram isentos da aplicação do n.° 1 do artigo 85.° contratos nos quais se estabelecesse o pagamento de uma impor­tância por produtos não patenteados, «não exclui a possibilidade de as importâncias a pagar pela utilização da invenção conce­dida, por razões de facilidade de paga­mento, serem escalonadas por um período que se prolongue para além da duração das patentes concedidas ou da queda do know--how no domínio público».

13. Nos casos acabados de recordar, como se vê, a prestação do pagamento do direito relativo ao período que excede a duração da patente não está numa relação sinalagmática com o fabrico ou a comercialização do pro­duto após a caducidade da patente, repre­

sentando antes uma parte da remuneração devida ao inventor pela exploração da pa­tente durante o seu período de validade, não podendo, por isso, dizer-se que viola o n.° 1 do artigo 85.°

14. A verificação concreta de tal situação não é, todavia, tão simples, e é perfeita­mente natural que o protraimento do paga­mento para além da caducidade da patente possa levantar suspeitas de que o contrato seja contrário às normas comunitárias em matéria de concorrência.

Compete, portanto, ao juiz nacional, após ter analisado atentamente todos os elemen­tos à sua disposição, determinar se o paga­mento do direito que se protrai para além da caducidade da patente constitui, no caso concreto, uma modalidade especial de cum­primento da obrigação de pagamento da re­muneração devida ao inventor ou um paga­mento suplementar a que o inventor já não teria direito após a patente cair no domínio público. É evidente, por outro lado, que, quando o protraimento da obrigação de pa­gamento do direito é previsto por tempo in­determinado, como acontece no caso ver­tente, é difícil ilidir a forte presunção do ca­rácter ilicitamente restritivo da cláusula e, portanto, da não aplicabilidade da excepção. A este respeito, é significativo que no artigo 3.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2349/84 se faça referência expressa à hipótese de um prolongamento do pagamento para além da caducidade da patente como uma situação que subtrai o contrato ao regime de isenção, salvo no caso de escalonamento dos paga­mentos «por um período», portanto por tempo determinado.

15. Através da sua segunda questão, colo­cada prevendo a hipótese de resposta afir-1 — JO L 219 de 16.8.1984, p. 15; EE 08 F2, p. 135.

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mativa à primeira, o juiz nacional pergunta, em suma, se a cláusula contratual segundo a qual o concessionário de uma licença de um produto não patenteado é obrigado a pagar, por tempo indeterminado, direitos especifi­camente para esse produto, mesmo após ter caducado a patente dos produtos simulta­neamente abrangidos na licença, constitui uma restrição à concorrência na acepção do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado de Roma, no caso de o produto não patenteado ser, do ponto de vista comercial, complementar do produto patenteado.

16. O modo como esta questão está colo­cada é bastante singular: seria mais legítimo esperar, de facto, que o problema fosse sus­citado prevendo a hipótese de resposta ne­gativa à primeira questão, ou seja, no caso de se considerar que a obrigação de paga­mento do direito mesmo depois da caduci­dade da patente não era incompatível com o n.° 1 do artigo 85.°

Em caso de resposta afirmativa, pelo contrá­rio, a incompatibilidade do pagamento de um direito por um produto patenteado de­veria implicar a fortiori a incompatibilidade de um pagamento semelhante por um pro­duto não patenteado, salvo se, por hipótese, o contrato de licença relativo a um produto não patenteado tivesse sido celebrado sem qualquer conexão com a licença para os produtos patenteados. Parece-me, no en­tanto, que a hipótese colocada pelo juiz de reenvio é precisamente a de uma estreita li­gação entre os produtos patenteados e os produtos não patenteados, objecto de uma única licença, e que isso nos evita alargar o âmbito da nossa análise. Tendo em conta, por outro lado, que a solução sugerida para a primeira questão é apenas parcialmente afirmativa, parece-me lícito entender a se­gunda como destinada a determinar se, no caso de o pagamento de um direito após a

caducidade da patente não ser considerado contrário ao direito comunitário, tal conclu­são pode igualmente alargar-se ao paga­mento de um direito relativamente aos pro­dutos não patenteados incluídos no contrato de licença.

17. Importante indicação para a resposta é fornecida pelo n.° 4 do artigo 3.° do já ci­tado Regulamento n.° 2349/84 da Comis­são, do qual resulta que a isenção por cate­goria não se aplica a um contrato com base no qual o «licenciado for obrigado a pagar uma importância por produtos que não se­jam integral ou parcialmente patenteados, nem fabricados segundo o processo paten­teado, ou pela utilização de um know-how caído no domínio público, desde que a queda no domínio público não seja imputá­vel ao licenciado ou a uma empresa que lhe esteja ligada.»

18. Trata-se aqui, claramente, da prática conhecida sob a designação inglesa «tying--in», que se manifesta, nomeadamente, por sujeitar arbitrariamente o consentimento para a exploração comercial do produto pa­tenteado ao compromisso assumido pela contraparte de celebrar um contrato de li­cença e de pagar um direito mesmo por um produto não patenteado, cuja utilização não é necessária para a exploração do produto patenteado. Estamos perante uma explora­ção abusiva do direito de propriedade inte­lectual do inventor e, consequentemente, de uma violação do n.° 1 do artigo 85.°

19. Não me parece que o acórdão de 25 de Fevereiro de 1986, no processo 193/83, Windsurfing 2, ao qual a Comissão se refere nas suas observações, permita extrair con-

2 — Colect. 1986, p. 611.

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clusões diferentes, embora permita enume­rar algumas hipóteses em que a «conexão arbitrária» é apenas aparente.

20. No n.° 66 da fundamentação do refe­rido acórdão lê-se, com referência ao cál­culo do direito com base no preço de uma prancha de vela completa, o seguinte: «Deve, contudo, notar-se que os direitos co­brados pela venda das aparelhagens com base neste cálculo não parecem ser. mais ele­vados que os estabelecidos para a venda de aparelhagens avulsas nos novos contratos quando, tendo as licenciatárias reconhecido que as contrapartidas da licenciante deviam, doravante, ser calculadas unicamente com base no preço da aparelhagem, seriam de esperar direitos de licença a uma taxa mais elevada. Daí resulta que este sistema de cál­culo não teve por objectivo ou por efeito restringir a concorrência na venda de apare­lhagens avulsas.»

21. Resulta claramente desta passagem a in­dividualização de duas fases lógicas distin­tas: por um lado, a fixação da remuneração devida ao inventor pelo produto patenteado; por outro, e no momento necessariamente posterior, pelo menos do ponto de vista conceptual, a fixação das modalidades de pagamento da remuneração.

Não obstante as dificuldades que se encon­tram para as identificar claramente, estas duas fases devem ser claramente diferencia­das uma da outra, já que as suas caracterís­ticas têm, em meu entender, uma importân­cia fundamental para determinar se existe ou não, num caso determinado, uma viola­ção do n.° 1 do artigo 85.°

22. Com efeito, se o quantum da remunera­ção do inventor for determinado com refe­rência não apenas a uma percentagem do preço de um produto patenteado, mas igual­mente a uma percentagem do preço de um produto não patenteado, complementar do primeiro e sobre o qual não existam nem outros direitos de propriedade intelectual nem um know-how tutelável, torna-se bas­tante difícil negar a existência de uma co­nexão arbitrária. Se, por hipótese, a remu­neração do inventor tivesse sido determi­nada deste modo no caso em análise, ne­nhum elemento de apreciação diferente seria fornecido pela natureza do produto não pa­tenteado que, como resulta dos autos, não é, de modo nenhum, necessário para a utili­zação do produto patenteado.

23. A situação é diferente no caso de as partes fixarem em primeiro lugar um mon­tante que considerem ser a justa remunera­ção do inventor pelo produto patenteado e estabelecerem, em seguida, as modalidades de pagamento, acordando por exemplo que uma parte da importância pode resultar de uma percentagem sobre o preço de venda de um produto não patenteado. É o que me parece ser o caso da situação analisada no citado acórdão Windsurfing: se a minha in­terpretação é correcta, os contraentes ti­nham inicialmente considerado justo um certo pagamento, calculando-o, por razões de comodidade, numa percentagem relativa­mente baixa do preço de venda de uma prancha à vela completa; reconheceram em seguida que, sendo preferível renunciar a tal sistema porquanto contestado pela Comis­são, poderia ser obtida unicamente mediante um aumento da percentagem a atribuir ao titular da patente uma justa compensação, que se passaria a calcular em proporção do preço de venda de aparelhagens avulsas.

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24. A solução a dar à segunda questão deve, portanto, tomar como referência a que é sugerida pelas questões já examinadas, no sentido de que o pagamento de um di­reito por um produto não abrangido por uma patente constitui violação do n.° 1 do artigo 85.°, salvo quando existam elementos que mostrem que tais pagamentos represen­tam uma pura modalidade de cálculo da re­muneração já fixada para o produto paten­teado.

25. A terceira questão, suscitada pelo juiz de reenvio igualmente na hipótese de res­posta afirmativa à primeira, tem como ob­jectivo determinar se é compatível com o n.° 1 do artigo 85.° uma cláusula contra­tual que prevê a obrigação de pagar um di­reito pela utilização de um modelo («de­sign») protegido pelo direito de autor ou, em qualquer caso, por disposições da lei in­terna que proíbem a imitação servil, mesmo depois de a patente do produto a que se re­fere ter caducado.

26. Caberá aqui ao juiz nacional determinar se o contrato de licença foi celebrado tam­bém para permitir uma exploração comer­cial do modelo ornamental do aparelho pa­tenteado ou a utilização do know-how rela­tivo ao seu fabrico e à sua utilização, facto que as partes contraentes negam energica­mente.

27. Admitindo que, no caso em apreço, o inventor detenha outros direitos de proprie­dade intelectual ou ligados à existência de um know-how, não haverá dificuldade em

aplicar também aqui o raciocínio já ante­riormente explanado.

Se se verificar a existência de uma conexão entre a patente e os outros direitos, por exemplo no sentido de que tais direitos, iso­ladamente considerados, sejam insignifican­tes, ou no sentido de que o know-how em questão não tem utilidade se não estiver en­globado na patente pelo facto de ser neces­sário para a exploração do produto paten­teado, deve-se concluir que o titular da pa­tente utilizou abusivamente o seu direito de propriedade intelectual para obter vantagens indevidas.

28. Diferente é, pelo contrário, a situação quando os outros direitos ou o know-how são dissociáveis da patente. Nesse caso, de facto, são esses direitos, e não a patente, que constituem o ponto de referência para avaliar a obrigação de pagamento de um di­reito.

29. As soluções indicadas não variam, em meu entender, no caso de o contrato de li­cença ter sido celebrado no período com­preendido entre a apresentação do pedido e a concessão da patente. A posição do inven­tor é, de facto, idêntica nas duas situações, com a única ressalva de, na primeira, a pa­tente poder eventualmente não lhe ser con­cedida. Isso não impede, todavia, que o in­ventor explore a perspectiva de concessão da patente e que celebre, evidentemente com reserva, contratos de licença com as mesmas condições que poderiam constar de um contrato celebrado após a obtenção da patente.

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CONCLUSÕES DO SR. TESAURO — PROCESSO 320/87

30. Concluindo, proponho, portanto, que se dêem as seguintes respostas às ques­tões submetidas ao Tribunal pelo Sø- og Handelsret de Copenhaga:

«1) A cláusula, contida num contrato de concessão de licença, segundo a qual o titular da licença não tem o direito de fabricar nem de vender o produto em questão após o termo do contrato, quando a licença incida sobre um produto patenteado e a patente tenha caducado, constitui uma restrição da concorrên­cia proibida pelo n.° 1 do artigo 85.° do Tratado.

2) A cláusula, contida num contrato de concessão de licença, segundo a qual o titular de uma licença por uma invenção; patenteada é obrigado a pagar um direito por tempo indeterminado, mesmo depois de a patente caducar, consti­tui uma restrição da concorrência na acepção do n.° 1 do artigo 85.°, salvo quando o protraimento dos pagamentos para além da caducidade da patente apenas represente uma modalidade de pagamento da justa remuneração do inventor.

3) A cláusula contratual segundo a qual o titular da licença para um produto não patenteado é obrigado a pagar um direito por tempo indeterminado especifica­mente pelo referido produto — e mesmo depois de a patente relativa aos pro­dutos simultaneamente compreendidos na licença ter caducado — quando o produto não patenteado seja, do ponto de vista comercial, complementar do produto patenteado, constitui uma restrição da concorrência na acepção do n.° 1 do artigo 85.°, salvo quando o pagamento de um direito também pelos produtos não patenteados apenas represente uma modalidade de cálculo da justa remuneração do inventor fixada independentemente da tomada em con­sideração dos produtos não patenteados.

4) A cláusula contratual segundo a qual o titular de uma licença pela utilização de um modelo, protegido pelo direito de autor ou pela legislação comercial nacional, é obrigado a pagar por tempo indeterminado um direito mesmo de­pois de a patente do produto a que se refere caducar, constitui violação do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, salvo quando os outros direitos de proprie­dade intelectual ou os direitos ligados ao know-how a que a cláusula se refere tenham uma existência autònoma e conservem uma relevância autônoma, mesmo se forem dissociados da patente.

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OTTUNG/KLEE & WEILBACH E OUTROS

5) Para efeitos de resposta às questões precedentes, é irrelevante que a cláusula conste de um contrato de licença celebrado no período compreendido entre a apresentação do pedido de patente e a concessão desta.»

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