conciliar é preciso - a implementação da resolução n. 125 do cnj no ceará

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“CONCILIAR É PRECISO”: A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA JURÍDICA NACIONAL DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO BIÊNIO 2011-2013 NO ESTADO DO CEARÁ Luiz Alberto Gomes Barbosa Neto 1 Marcus Pinto Aguiar 2 Raphael Franco Castelo Branco Carvalho 3 SUMÁRIO: Introdução. 1 Poder Judiciário, Políticas Públicas e Acesso à Justiça. 2 A Reforma do Poder Judiciário e o Papel do Conselho Nacional de Justiça. 3 Tribunais Multiportas (Multi-door Courthouse) e a Resolução Alternativa de Disputas (RADs). 4 A Implementação da Política Pública Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no Poder Judiciário do Estado do Ceará. Considerações Finais. RESUMO O tema da pesquisa se voltou para o contexto da implementação da Resolução nº 125/2010 do CNJ no Poder Judiciário do Ceará, enquanto inovação jurídico-institucional para os mecanismos institucionais de acesso à justiça no Estado. Tendo como objetivo geral: entender como se deu a dinâmica da execução da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses do CNJ pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará no período de fevereiro de 2011 a fevereiro de 2013. Para que o objetivo principal fosse concretizado, fizeram-se necessários os seguintes objetivos específicos: entender o Poder Judiciário brasileiro antes e depois da Emenda Constitucional nº 45, conhecida como “Reforma do Judiciário”; compreender o papel do Conselho Nacional de Justiça e das Políticas Públicas para efetivar o acesso à justiça de forma justa; analisar os trabalhos do Movimento pela Conciliação que desaguaram na criação da Resolução nº 125 do CNJ e a importação do modelo norte-americano de “Tribunal Multiportas”; detalhar a dinâmica normativa da Resolução e a forma como se constituiu a rede nacional para sua implantação. Os tipos de pesquisa utilizados neste trabalho foram a bibliográfica e a documental. Conclui-se que, apesar dos esforços do CNJ, dos profissionais do Poder Judiciário do Estado do Ceará e dos inúmeros voluntários que sem remuneração tentam realizar os objetivos da referida Política Pública Nacional, irão continuar a surgir Emendas a essa Política em decorrência dos problemas que surgem diante das disparidades e desigualdades existentes entre as diversas realidades dos órgãos do Poder 1 Advogado. Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela UECE. Especialista em Gestão Pública Municipal pela UECE, Mediador Comunitário pelo Ministério Público do Ceará, Professor Universitário. E-mail: [email protected]. 2 Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza. Membro da Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE. Professor e Advogado. Email: [email protected]. 3 Advogado. Professor. Mestrando em Direito Constitucional pelo PPGD (UNIFOR). Especialista em Direito Previdenciário pela FAERPI. Membro da Comissão Especial da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem da OAB/CE. E-mail: [email protected].

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O tema da pesquisa se voltou para o contexto da implementação da Resolução nº 125/2010 do CNJ no Poder Judiciário do Ceará, enquanto inovação jurídico-institucional para os mecanismos institucionais de acesso à justiça no Estado. Tendo como objetivo geral: entender como se deu a dinâmica da execução da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses do CNJ pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará no período de fevereiro de 2011 a fevereiro de 2013. Para que o objetivo principal fosse concretizado, fizeram-se necessários os seguintes objetivos específicos: entender o Poder Judiciário brasileiro antes e depois da Emenda Constitucional nº 45, conhecida como “Reforma do Judiciário”; compreender o papel do Conselho Nacional de Justiça e das Políticas Públicas para efetivar o acesso à justiça de forma justa; analisar os trabalhos do Movimento pela Conciliação que desaguaram na criação da Resolução nº 125 do CNJ e a importação do modelo norte-americano de “Tribunal Multiportas”; detalhar a dinâmica normativa da Resolução e a forma como se constituiu a rede nacional para sua implantação. Os tipos de pesquisa utilizados neste trabalho foram a bibliográfica e a documental. Conclui-se que, apesar dos esforços do CNJ, dos profissionais do Poder Judiciário do Estado do Ceará e dos inúmeros voluntários que sem remuneração tentam realizar os objetivos da referida Política Pública Nacional, irão continuar a surgir Emendas a essa Política em decorrência dos problemas que surgem diante das disparidades e desigualdades existentes entre as diversas realidades dos órgãos do Poder Judiciário brasileiro na implementação de reformas administrativa nos Poderes do Estado brasileiro em escala nacional.

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  • CONCILIAR PRECISO: A IMPLEMENTAO DA POLTICA JURDICA NACIONAL DE

    TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO BINIO

    2011-2013 NO ESTADO DO CEAR

    Luiz Alberto Gomes Barbosa Neto1

    Marcus Pinto Aguiar2

    Raphael Franco Castelo Branco Carvalho3

    SUMRIO: Introduo. 1 Poder Judicirio, Polticas Pblicas e Acesso Justia. 2 A

    Reforma do Poder Judicirio e o Papel do Conselho Nacional de Justia. 3 Tribunais

    Multiportas (Multi-door Courthouse) e a Resoluo Alternativa de Disputas (RADs). 4 A

    Implementao da Poltica Pblica Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de

    Interesses no Poder Judicirio do Estado do Cear. Consideraes Finais.

    RESUMO

    O tema da pesquisa se voltou para o contexto da implementao da Resoluo n 125/2010 do CNJ

    no Poder Judicirio do Cear, enquanto inovao jurdico-institucional para os mecanismos

    institucionais de acesso justia no Estado. Tendo como objetivo geral: entender como se deu a

    dinmica da execuo da Poltica Judiciria Nacional de tratamento adequado dos conflitos de

    interesses do CNJ pelo Tribunal de Justia do Estado do Cear no perodo de fevereiro de 2011 a

    fevereiro de 2013. Para que o objetivo principal fosse concretizado, fizeram-se necessrios os

    seguintes objetivos especficos: entender o Poder Judicirio brasileiro antes e depois da Emenda

    Constitucional n 45, conhecida como Reforma do Judicirio; compreender o papel do Conselho Nacional de Justia e das Polticas Pblicas para efetivar o acesso justia de forma justa; analisar

    os trabalhos do Movimento pela Conciliao que desaguaram na criao da Resoluo n 125 do

    CNJ e a importao do modelo norte-americano de Tribunal Multiportas; detalhar a dinmica normativa da Resoluo e a forma como se constituiu a rede nacional para sua implantao. Os

    tipos de pesquisa utilizados neste trabalho foram a bibliogrfica e a documental. Conclui-se que,

    apesar dos esforos do CNJ, dos profissionais do Poder Judicirio do Estado do Cear e dos

    inmeros voluntrios que sem remunerao tentam realizar os objetivos da referida Poltica Pblica

    Nacional, iro continuar a surgir Emendas a essa Poltica em decorrncia dos problemas que surgem

    diante das disparidades e desigualdades existentes entre as diversas realidades dos rgos do Poder

    1 Advogado. Mestre em Polticas Pblicas e Sociedade pela UECE. Especialista em Gesto Pblica Municipal

    pela UECE, Mediador Comunitrio pelo Ministrio Pblico do Cear, Professor Universitrio. E-mail:

    [email protected]. 2 Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Membro do Grupo de

    Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza. Membro da Comisso Especial de

    Mediao, Conciliao e Arbitragem e da Comisso de Direitos Humanos da OAB/CE. Professor e

    Advogado. Email: [email protected]. 3 Advogado. Professor. Mestrando em Direito Constitucional pelo PPGD (UNIFOR). Especialista em Direito

    Previdencirio pela FAERPI. Membro da Comisso Especial da Comisso de Mediao, Conciliao e

    Arbitragem da OAB/CE. E-mail: [email protected].

  • Judicirio brasileiro na implementao de reformas administrativa nos Poderes do Estado brasileiro

    em escala nacional.

    Palavras-chave: Poder Judicirio; Acesso Justia; Polticas Pblicas; Tribunal Multiportas;

    Poltica Judiciria Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos De Interesses.

    ABSTRACT

    The theme of the research turned to the context of the implementation of CNJs (National Council

    of Justice) Resolution n 125/2010 on the Judiciary of Cear State, while legal and institutional

    innovation as institutional mechanisms for access to justice in the state. For this feat, it was drafted

    as general objective: understand how did the dynamics of the implementation of National Judicial

    Policy of proper handling of conflicts of interests by CNJ by the Court of the State of Cear in the

    period February 2011 to February 2013. For the main objective was accomplished, were made

    necessary the following specific objectives: understanding the Brazilian courts before and after the

    Constitutional Amendment 45, known as "Judicial Reform"; understand the role of the National

    Council of Justice and Policies Public to effect access to justice in a fair, reviewing the work of the

    Movement for Conciliation that influenced the creation of Resolution n 125 of the CNJ and the

    import of the American model of "Multi-doors Courthouse"; detail the dynamic rules of resolution

    and how constituted a national network for its implementation. The types of research used in this

    work were the bibliographic and documentary. We conclude that, despite the efforts of CNJ, the

    professionals of the Judiciary of the State of Cear and the countless volunteers who without

    remuneration try accomplishing the goals of the National Public Policy said, will continue to

    emerge Amendments to this Policy as a result of problems appear before the disparities and

    inequalities between the various organs of the realities of the Brazilian judiciary in implementing

    reforms in the administrative powers of the Brazilian national scale.

    Keywords: Judiciary; Access to Justice, Public Policy; Multi-doors Courthouse, National Judicial

    Policy of Proper Treatment of Conflicts of Interests.

    INTRODUO

    A partir do arcabouo terico aliado prtica profissional perante diversos rgos

    da justia cearense, percebeu-se atravs das queixas habituais dos usurios dos servios

    judiciais, principalmente, nos Juizados Especiais Cveis e Criminais, que o Poder Judicirio

    pode se distanciar de quem mais precisa de seus servios em razo da demora da prestao

    jurisdicional.

    Dessa forma, observa-se junto aos jurisdicionados cearenses a necessidade de uma

    melhora na prestao dos servios pblicos voltados para a resoluo de conflitos, uma vez

    que os mesmos reclamam do lapso temporal para a marcao das audincias de conciliao

    e, caso no haja acordo, da demora da audincia de instruo e julgamento. As queixas dos

  • usurios atingem tambm o comportamento do conciliador e das diversas coaes sofridas

    para aceitarem o acordo proposto, demonstrando assim, a falha na formao necessria do

    profissional para exercer tais atividades de conciliador e de mediador.

    O interesse sobre a temtica aumenta a partir das diversas notcias veiculadas na

    imprensa repercutindo os resultados publicados no relatrio da inspeo de 2009 no Poder

    Judicirio Cearense. Segundo o relatrio do Conselho Nacional de Justia (CNJ) (2009, p.

    117), A carga de trabalho na primeira instncia de 2.785 processos por magistrado,

    abaixo da mdia nacional de 5.277 processos. A taxa de congestionamento na primeira

    instncia, em 2008, foi de 78% para a mdia nacional de 79,6%. Ainda, o CNJ (2009, p.

    61) relatou a situao da Justia de 2 Grau de Jurisdio, A taxa de congestionamento da

    segunda instncia de 89,8%, para a mdia nacional de 42,5%.

    Tal situao evidenciada pelo CNJ fomentou uma intensa movimentao da

    Ordem dos Advogados do Brasil da Seco Cear (OAB/CE) no intuito de protestar por

    mudanas que transformassem o Poder Judicirio cearense, tornando-o mais democrtico e

    com um efetivo acesso justia ao usurio dos servios judiciais e profissionais da rea

    jurdica.

    Para esse fim, a OAB/CE criou o movimento Justia J que lanou o Manifesto

    da Advocacia, um relatrio de pesquisa realizada durante quatro meses entre junho a

    setembro de 2010, reivindicando a soluo para problemas recorrentes existentes no

    Judicirio cearense.

    Tambm foi observada a intensa mobilizao publicitria da campanha nacional de

    conciliao de 2010 e a repercusso obtida no incio desse evento nacional com a

    publicao da Resoluo n 125/2010 do CNJ, como a Poltica Judiciria Nacional de

    tratamento adequado dos conflitos de interesses no mbito do Poder Judicirio.

    Atravs dessa inovao jurdico-institucional, o tema desta pesquisa se volta para o

    contexto da implementao da Resoluo n 125/2010 do CNJ no Poder Judicirio do

    Cear, buscando analisar o impacto da nova poltica nos mecanismos institucionais de

    acesso justia no Estado. Esse tema se investe de singular importncia em razo dos

    problemas anteriormente referidos os quais padece o sistema de justia nacional e,

    principalmente, a Justia do Cear.

  • O assunto tratado nesse trabalho tem grande interesse social devido s relaes

    conflituosas existentes na sociedade, agravadas pelo aprofundamento das relaes de

    consumo e pelos novos arranjos familiares legitimados socialmente, mas que demandam

    muitas aes judiciais.

    Para tal feito, elabora-se como objetivo geral: entender como se d a dinmica da

    execuo da Poltica Judiciria Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses

    do CNJ pelo Tribunal de Justia do Estado do Cear no perodo de fevereiro de 2011 a

    fevereiro de 2013.

    Para que o objetivo principal seja concretizado fazem-se necessrios os seguintes

    objetivos especficos: entender o Poder Judicirio brasileiro antes e depois da Emenda

    Constitucional n 45, conhecida como Reforma do Judicirio; compreender o papel do

    Conselho Nacional de Justia e das Polticas Pblicas para efetivar o acesso justia de

    forma justa; analisar os trabalhos do Movimento pela Conciliao que desaguaram na

    criao da Resoluo n 125 do CNJ e a importao do modelo norte-americano de

    Tribunal Multiportas; detalhar a dinmica normativa da Resoluo e a forma como se

    constituiu a rede nacional para sua implantao.

    Os tipos de pesquisa utilizados neste trabalho foram a bibliogrfica na consulta

    empreendida em livros, artigos, revistas etc. e a documental atravs das anlises e

    comparaes entre Resolues, Portarias, Provimentos normativos, Regimentos internos,

    Leis, Emendas etc. A metodologia realizada de extrema importncia para a determinao,

    descobrimento e percepo de problemas, obstculos ou dissimulaes que surgem durante

    a construo dessas estruturas jurdicas pelo Tribunal de Justia do Cear (TJ-CE)

    A pesquisa est dividida em cinco captulos, alm da introduo e das

    consideraes finais, sendo o primeiro uma construo histrica acerca dos conceitos da

    formao do Poder Judicirio na Repblica, dos movimentos ou ondas de acesso justia

    e instituies criadas para tal fim e, por ltimo, delineando-se o conceito de polticas

    pblicas adotado e a importncia das contribuies desse campo de estudo para a

    concretizao dos mecanismos de acesso justia no Brasil.

    No segundo captulo, trata-se de entender em complemento com o captulo

    anterior, as razes que fundamentaram a Reforma do Poder Judicirio atravs da Emenda

    Constitucional n 45 de 2004, o papel desempenhado pelo CNJ na elaborao, execuo e

  • avaliao de polticas pblicas no sistema judicirio, alm de detalhar e explicitar os limites

    do paradigma criado pelo Movimento pela Conciliao que visavam aes para o

    aperfeioamento e aprofundamento dos mtodos de conciliao e de mediao, a partir de

    eventos concentradores na forma de mutires de atividades jurdicas, sendo a semana

    nacional de conciliao o evento principal.

    O terceiro captulo faz anlise acerca do modelo de aplicao dos mtodos de

    Resoluo Alternativa de Disputas (RADs) ou Alternative Dispute Resolutions (ADRs), em

    ingls, que foi incorporado pela Resoluo n 125/2010 do CNJ para ser implantando no

    sistema judicial nacional. O modelo regulamentado pela Resoluo foi o Tribunal

    Multiportas (Multi-doors Courthouse) que habilita os rgos da Justia a ofertarem

    servios de resoluo alternativa de disputas pr-processual, judicial e servios de

    orientao jurdica e de cidadania. Assim, cria-se alternativas nica porta antes

    oferecida pelo sistema de justia que era a soluo adjudicada via sentena judicial. Nesse

    captulo, tambm so comentados os dois mtodos de RADs institucionalizados pela

    Resoluo: conciliao e mediao, outros mtodos pouco conhecidos no Brasil, mas

    estudados pela doutrina internacional.

    A Resoluo n 125/2010 que regulamentou a Poltica Judiciria Nacional de

    tratamento adequado dos conflitos de interesses no mbito do Poder Judicirio analisada

    no quarto captulo, sendo comentado o desenho institucional criado em detalhes junto com

    os anexos que tambm so partes importantes para a implementao da referida Poltica.

    No quinto e ltimo captulo, realiza-se anlise dos documentos legais acerca da

    estrutura institucional existente antes da publicao da referida Resoluo do CNJ e aps a

    instituio da rede nacional coordenada pelo Conselho e formada por rgos da justia,

    instituies pblicas e privadas alm de universidades e entidades de ensino. Tambm so

    verificados os problemas que dificultaram a implementao plena da Poltica Judiciria

    Nacional no Estado do Cear, culminando com anlise da Emenda n 01 da Resoluo n

    125/2010 que, explicitamente, demonstra os fracassos ocorridos em relao s

    desigualdades regionais, econmicas, polticas e sociais de cada Unidade da Federao que

    influencia o processo de implementao de uma Poltica Pblica de abrangncia nacional.

    Por fim, cada unidade que forma este trabalho est voltada para a compreenso das

    categorias estudadas que so: Poder Judicirio brasileiro; Acesso Justia; Polticas

  • Pblicas; Tribunal Multiportas; Poltica Judiciria Nacional de tratamento adequado dos

    conflitos de interesses (Resoluo n 125/2010 do CNJ), na busca pela mxima

    aproximao com a realidade dos problemas concretos que surgem durante a execuo de

    uma Poltica Pblica do porte da Resoluo n 125, para poder realizar uma leitura da

    situao de forma abrangente e interdisciplinar.

    1 PODER JUDICIRIO, POLTICAS PBLICAS E ACESSO JUSTIA

    O Poder Judicirio brasileiro passou por todo o sculo XX sem maiores

    modificaes ideolgicas nem na forma de administrao da justia, mesmo aps a

    Constituio de 1988, manteve moldes culturais anacrnicos e conservadores. Isso ocorreu

    em razo das razes culturais e socioeconmicas nas quais foi construda a sociedade

    brasileira e as elites jurdicas que administraram a justia ao longo do tempo no Brasil.

    O Estado brasileiro no fim do sculo XX ainda refletia algumas caractersticas em

    consonncia com a sociedade brasileira surgida com o fim do Imprio e com a implantao

    da tripartio dos poderes da Repblica em Executivo, Legislativo e Judicirio com a

    Constituio Federal de 1891.

    At a forma de como o perodo imperial terminou parece um modelo de como as

    transformaes polticas, sociais, econmicas continuariam ocorrendo no Brasil, como o

    professor Jos Murilo de Carvalho (1996, p. 389-390) disserta

    O final do Imprio foi digno de uma grande comdia no sentido aqui empregado.

    Pois o Imprio terminou com o monumental baile da Ilha Fiscal, realizado a

    menos de um ms da Proclamao da Repblica. Oferecida aos oficiais chilenos,

    a festo foi uma grande confraternizao do elenco, esquecidos todos os conflitos

    de vspera. L estavam os anfitries liberais e os convidados conservadores; l

    estavam o rei e sua Corte; l estavam os bares j em parte compatibilizados com

    a abolio em virtude dos grandes emprstimos recebidos. [...] O povo,

    naturalmente, estava fora do baile, como estivera fora na Proclamao da

    Independncia e estaria na Proclamao da Repblica. Era espectador. Mas

    falar em favor da Monarquia no ter sido ele totalmente esquecido; no Largo do

    Pao, em frente Ilha Fiscal, uma banda da poltica em farda de gala tocava

    fandangos e lundus par ao divertimento da multido que no tinham acesso

    festa da elite. (grifo nosso)

    Desde esse tempo, o Poder Judicirio foi se tornando um ente pblico mais

    fechado e resistente s mudanas, ainda mais porque no se renovava como os outros

    Poderes por meio das eleies que ocasionam transitoriedade da investidura dos cargos

    pblicos. Foi sendo controlado por elites familiares de bacharis que se revezavam na

  • administrao da Justia brasileira e reproduziam os preconceitos comuns poca: de

    classe social, de cor da pele, de religio, de renda, de origem da famlia, de gnero etc.

    Assim, nesse caldo cultural, poltico e socioeconmico o Poder Judicirio foi se

    fechando em si e bloqueando as formas de acesso justia e de ser afetado por polticas

    pblicas que tentavam efetivar uma reforma no sentido da abertura para a prestao de

    servios pblicos judiciais de qualidade.

    Contudo, Sadek (2004, p. 06) leciona que esse quadro de inoperncia e

    possibilidade de crise da justia, como j dito acima, no era especfico de nenhum pas,

    nem dos mais pobres,

    A constncia nas crticas justia estatal um denominador absolutamente

    comum quando se examina textos especializados, crnicas e mesmo debates

    parlamentares, ao longo dos quatro ltimos sculos. Esse trao - saliente-se no singular ao Brasil, ainda que, entre ns, possua caractersticas prprias. Em

    praticamente todos os pases tm sido reiterados os argumentos mostrando

    deficincias na prestao jurisdicional. Tais argumentos no particularizam nem

    mesmo os pases mais pobres e/ou sem longa tradio democrtica. claro que

    recorrer universalidade da crtica no significa pretender equiparar, colocando

    em idntico patamar, experincias distintas, nem diminuir o tamanho do

    problema. Significa, isto sim, focalizar uma questo que relevante e que tem

    mobilizado o interesse de analistas e dirigentes polticos em todos os cantos do

    mundo.

    Assim, quando alguma instituio como o judicirio no conseguia responder s

    demandas da sociedade, procurava-se realizar pequenas modificaes na estrutura para

    atender a essas novas configuraes sociais.

    A partir dessas premissas, entende-se o Poder Judicirio de forma dualista, ainda,

    de acordo com Sadek (2004, p.79), pois

    O Judicirio brasileiro tem duas faces: uma, de poder de Estado e, outra, de

    instituio prestadora de servios. O modelo de presidencialismo consagrado pela

    Constituio de 1988 conferiu ao Judicirio e aos seus integrantes capacidade de

    agirem politicamente, quer questionando, quer paralisando polticas e atos

    administrativos, aprovados pelos poderes Executivo e Legislativo, ou mesmo

    determinando medidas, independentemente da vontade expressa do Executivo e

    da maioria parlamentar. Por outro lado, a instituio possui atribuies de um

    servio pblico encarregado da prestao jurisdicional, arbitrando conflitos,

    garantindo direitos.

    Jos Eduardo Faria (2003, p.02) refora esse sentido de prestador de servios

    pblicos pelo Poder Judicirio e percepo ruim que os usurios desses servios atribuem

    ao judicirio brasileiro que: Perante a opinio pblica, a instituio vista como um

    moroso e inepto prestador de um servio pblico.

  • Mesmo com a criao desses juizados, os servios judiciais no foram suficientes,

    pois a mudana no foi acompanhada pela estrutura organizacional disponibilizada e nem

    por capacitao dos servidores para as novas funes. Criou-se um novo modelo de prestar

    justia atravs de velhos comportamentos.

    O acesso justia uma categoria importante para esse trabalho, pois a partir dela,

    o Poder Judicirio pode se reinventar, reestruturar e renovar atravs de diversas polticas

    pblicas para elevar o grau de incluso jurdica dos usurios, assim, ampliando o grau de

    concretizao dos direitos fundamentais elencados na Constituio Federal de 1988.

    No Brasil, como resposta a uma possvel crise da justia ou do acesso justia

    foram criados os Juizados de Pequenas Causas na dcada de 1980. Esses Juizados surgiram

    da influncia de dois grandes movimentos: os Conselhos de Conciliao e Arbitragem do

    Rio Grande do Sul e da iniciativa do Ministrio da Desburocratizao. O primeiro tendo

    sido praticado a partir de um Conselho informal em 1982 para solucionar litgios de

    pequeno valor, sem regulamentao ou previso legal dentro do Poder Judicirio Gacho.

    O segundo foi realizado atravs de um programa de reformas para o Judicirio do

    Ministrio da Desburocratizao em resposta ao diagnstico de reclamaes dos cidados

    sobre a lentido e falta de eficincia da Justia brasileira. (FEITOSA, 2005)

    Para atingir tais finalidades, era necessrio fortalecer o planejamento, a execuo e

    a avaliao de polticas pblicas direcionadas transformar a prestao de servios pelo

    Poder Judicirio e no, apenas, t-lo como controlador jurisdicional que foi o papel

    hegemnico exercido at a quase a metade da dcada de 2000, quando foi promulgada a

    Emenda Constitucional n 45 de 2004. Antes de se falar sobre a Reforma da Justia, ser

    necessrio delimitar como foi construdo o campo das polticas pblicas e o seu papel no

    acesso Justia no Brasil.

    A professora e pesquisadora Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 39) formulou um

    conceito de polticas pblicas4 bastante abrangente, tendo a conscincia de que essa

    categoria no est presa ao mundo jurdico, mas ela deve ser entendida na sua essencial

    interdisciplinaridade,

    4 Entende Souza (2008, p. 69) que: Pode-se, ento, resumir poltica pblica como o campo do conhecimento

    que busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ao e/ou analisar essa ao (varivel independente) e, quando necessrio, propor mudanas no rumo ou curso dessas aes (varivel dependente). A formulao de

    polticas pblicas constitui-se no estgio em que os governos democrticos traduzem seus propsitos e

    plataformas eleitorais em programas e aes que produziro resultados ou mudanas no mundo real.

  • Poltica pblica o programa de ao governamental que resulta de um processo

    ou conjunto de processos juridicamente regulados processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo oramentrio, processo

    legislativo, processo administrativo, processo judicial visando coordenar os meios disposio do Estado e as atividades privadas, para a realizao de

    objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal,

    poltica pblica deve visar a realizao de objetivos definidos, expressando a

    seleo de prioridades, a reserva de meios necessrios sua consecuo e o

    intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados. [...] As

    polticas pblicas no so, portanto, categoria definida e instituda pelo Direito,

    mas arranjos complexos, tpicos da atividade poltico-administrativa, que a

    Cincia do Direito deve estar apta a descrever, compreender e analisar, de modo a

    integrar atividade poltica os valores mtodos prprios do universo jurdico.

    Em sntese, poltica pblica seria um campo do conhecimento que busca

    impulsionar a ao governamental e avaliar os resultados dessa ao e, caso haja

    necessidade, refazer ou reformular o caminho tomado por essas aes, nesse sentido, a

    elaborao de polticas pblicas seriam uma etapa na qual os governos democrticos

    materializam seus projetos e plataformas de governo durante o perodo eleitoral,

    explicitando os projetos e aes futuras que produziro impactos ou resultados no cotidiano

    da sociedade. (SOUZA 2003, 2006, 2008)

    2 A REFORMA DO PODER JUDICIRIO E O PAPEL DO CONSELHO

    NACIONAL DE JUSTIA

    Como pode ser constatado no tpico anterior, o Poder Judicirio estivera

    profundamente marcado por reclamaes dos usurios da justia por uma prestao

    jurisdicional mais clere e ampla, porm no fim do ano de 2004, houve a promulgao da

    Emenda Constitucional (EC) n 45. Essa emenda trouxe ao mundo jurdico inovaes que

    passaram 13 anos esperando a aprovao no Congresso Nacional.

    Antes da E.C. n 45/2004, os diversos setores da Justia brasileira no tinham o

    dever de efetivamente prestar contas ou explicar os resultados de suas aes a algum

    rgo nacional especializado em controlar a administrao da Justia.

    A partir da publicao da citada emenda constitucional, as mudanas foram

    diversas, dentre elas: a busca efetiva da celeridade processual, regulamentao dos tratados

    e convenes internacionais, aceitao da jurisdio penal internacional, combate de recusa

    execuo de lei federal, criao do Conselho Nacional da Justia (CNJ) e do Conselho

    Nacional do Ministrio Pblico (CNMP), redefinio de vrias normas da atividade dos

  • magistrados e da tramitao de processos, criao da Justia itinerante, Cmaras Regionais,

    Varas especializadas em questes agrrias, fins dos Tribunais de Alada, criao das

    Smulas Vinculantes, mudanas na competncia do Supremo Tribunal Federal (STF),

    ampliao da competncia da Justia do Trabalho etc.

    No obstante os temas da reforma da justia brasileira serem importantes, a

    criao e a implementao do Conselho Nacional de Justia (CNJ) para a consecuo do

    acesso ordem jurdica, mediante aes de planejamento, coordenao, ao controle

    administrativo e ao aperfeioamento do servio pblico na prestao da Justia (CNJ,

    2013), tem relevncia destacada por ter competncia sobre polticas pblicas que

    transformaram o Poder Judicirio em objeto e no mais, apenas, controlador jurisdicional

    (funo clssica5) dessas polticas pblicas.

    A criao do CNJ fora uma vitria dos setores da sociedade que advogavam uma

    reforma de eficincia sobre o Poder Judicirio brasileiro, pois a demora se deu pela

    resistncia dos setores conservadores das elites judicirias, principalmente em relao ao

    controle administrativo e de recursos humanos que seria exercido com a criao do CNJ.

    Mesmo com as resistncias, o CNJ foi criado no fim do ano de 2004, mas s

    iniciou os trabalhos em junho de 2005 com a seguinte misso: contribuir para que a

    prestao jurisdicional seja realizada com moralidade, eficincia e efetividade, em

    benefcio da Sociedade (CNJ, 2013).

    As diretrizes do CNJ so em linhas gerais: planejamento estratgico e

    proposies de polticas judicirias; modernizao tecnolgica do Judicirio; ampliao do

    acesso justia, pacificao e responsabilidade social; garantia de efetivo respeito s

    liberdades pblicas e execues penais. (CNJ, 2013)

    As polticas pblicas de acesso justia que colocam o Poder Judicirio como

    objeto foram formuladas tendo como parmetros indicadores sobre da qualidade da

    prestao dos servios pblicos judiciais, como: estatsticas acerca do grau de

    congestionamento das aes judiciais (processos iniciados / processos julgados) e sobre o

    tempo de durao mdia dos processos, alm das inspees nos diversos rgos das justias

    estadual e federal, a partir da divulgao do resultados dessas aes por meio de relatrios e

    5 Antes da criao do CNJ, o Poder Judicirio s se entendia como controlador jurisdicional das polticas

    pblicas e no como objeto de polticas pblicas visando melhorar a prestao dos servios judiciais.

  • diagnsticos oficiais; avaliao das polticas pblicas formuladas e efetivamente executadas

    para resoluo dos problemas verificados e os resultados obtidos de eventos especficos

    como a semana nacional de conciliao e os mutires carcerrios; as polticas de promoo

    dos Direitos Humanos, assuntos fundirios, infncia e juventude, mulher, sade e meio

    ambiente etc..

    Acredita-se que tais meios alternativos de resoluo de conflitos possam promover

    uma pacificao social, em funo disso, entendeu-se que atravs de uma poltica nacional

    de conciliao possa ser realizado um filtro de litgios, dessa forma, evitando um

    congestionamento de processos repetitivos e recursos sem fim de conflitos simples e

    passveis de serem solucionadas antes de entrar na fase processual. Ainda, mais

    ambiciosamente, almeja-se uma transformao cultural no povo brasileiro para que

    ultrapasse a chamada cultura da sentena para uma cultura de pacificao.

    (WATANABE, 2012)

    Na tentativa de concretizar tais objetivos, a presidente do STF e do CNJ, Ministra

    Ellen Gracie Northfleet (2007), lanara em 23 de agosto de 2006, o Movimento pela

    Conciliao com o slogan Conciliar legal, iniciando-se um esforo nacional pela

    resoluo de conflitos de interesses pelas vias consensuais ao invs de se buscar, apenas,

    uma soluo judicial adjudicada (imposta).

    Todavia, no ano de 2010, na abertura da Semana Nacional de Conciliao, 29 de

    novembro de 2010, foi publicada a Resoluo n 125 que regulamenta a Poltica Judiciria

    Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, a qual tenta concretizar o

    princpio constitucional de acesso justia, insculpido na Constituio Federal de 1988, art.

    5, inciso XXXV, como acesso a ordem jurdica justa6.

    A resoluo do CNJ mudou o paradigma vigente desde o incio do Movimento

    pela Conciliao, uma vez que a poltica anterior priorizava a realizao de eventos de

    mutires judiciais no perodo de uma semana no ano.

    3 TRIBUNAIS MULTIPORTAS (MULTI-DOOR COURTHOUSE) E A

    RESOLUO ALTERNATIVA DE DISPUTAS (RADs)

    6 Conceito utilizado pelo magistrado e professor Kazuo Watanabe, quando defendeu a criao de uma Poltica

    Nacional de Resoluo Alternativa de Conflitos.

  • A poltica pblica do CNJ trouxe dentro de sua estrutura um modelo de prestao

    de servios judicirios formulado e implantado pelo sistema judicial norte-americano a

    partir das ideias expostas na palestra do professor Frank Ernest Arnold Sander, da Harvard

    Law School, na Pound Conference em 1976.

    Nessa conferncia, o professor Frank Sander foi convidado a ministrar uma

    palestra sobre as variedades do processamento de disputas (varieties of dispute processing),

    quando deu conhecimento pblico ao seu conceito de centro abrangente de justia que se

    tornaria atravs de uma publicao da ABA (American Bar Association), instituio

    semelhante Ordem dos Advogados do Brasil, logo aps sua palestra de 1976 no conceito

    de Tribunal Multiportas (Multi-door Courthouse). (SANDER, 2012)

    O conceito de Tribunal Multiportas implantado no Brasil atravs da Resoluo n

    125/2010, no significa uma instituio ou estrutura jurdica nova ou uma reforma profunda

    na estrutura do sistema judicirio nacional, esse conceito se refere mais a uma mudana de

    paradigma na prestao dos servios judiciais e de cidadania, onde a populao receber

    um tratamento qualificado do conflito levado aos rgos do Poder Judicirio.

    Atravs da Resoluo do CNJ, o sistema judicirio brasileiro passa a ofertar

    mecanismos de resoluo judicial, extrajudicial, orientao jurdica e prestao de servios

    de cidadania a todos os usurios que levarem suas demandas aos Centros Judicirios de

    Soluo de Conflitos e Cidadania, mecanismos que podem funcionar dentro da estrutura de

    um tribunal ou de forma separada e com estrutura independente numa localizao

    privilegiada para facilitar o acesso dos usurios de seus servios. (SANDER, 2012)

    A poltica pblica nacional regulamentada pelo CNJ privilegiou dois mtodos

    consensuais de resoluo alternativa de disputas: conciliao e mediao, no entanto,

    deixou livre a utilizao de outros RADs que os judicirios estaduais tenham maior

    conhecimento e experincias prtica.

    Na literatura acerca desses dois mtodos de RADs persiste sempre uma tentativa

    de diferenciao dos dois tipos, denotando a proximidade e a dificuldade ocasionada pelo

    histrico de se usar a conciliao indiscriminadamente, inclusive pela legislao e doutrina

    at fins da dcada de 1970. Isso no ocorreu s no Brasil, mas em outros pases. (GARCEZ,

    2004)

  • Por isso, alguns pesquisadores optam por no realizar essa diferenciao,

    entendendo conciliao e mediao como gneros comuns e como moderna a tendncia de

    unificao da terminologia realizada no Canad, Reino Unido e Austrlia. (AZEVEDO,

    2004)

    Por fim, a utilizao da conciliao como mtodo alternativo de resoluo de

    conflitos tem suas limitaes, tais como o carter educativo do processo limitado, uma

    vez que as partes no tem uma ligao emocional duradoura e visa tratar conflitos recentes;

    tratamento objetivo do conflito, ou seja, no dada a ateno necessria para causa ocultas

    do conflito; tambm ocorre da maneira negocial tradicional, onde algum cede, transige,

    troca, permuta, barganha etc., sem necessariamente tornar o acordo a melhor situao para

    as partes. (FIORELLI; FIORELLI; MALHADAS JR., 2008)

    A mediao o segundo mtodo de RADs que a poltica pblica nacional

    regulamentada pelo CNJ institucionalizou ao lado da conciliao que j foi descrita e

    explicitados os seus contornos e limites anteriormente.

    A mediao surge como alternativa no adversarial de soluo do conflito,

    dependendo da natureza do impasse e do grau de envolvimento emocional das partes,

    quando a negociao ou outro tipo de tentativa de resoluo ficar bloqueada. Ela se realiza

    atravs da intermediao de um terceiro imparcial buscando facilitar um entendimento

    entre as prprias partes envolvidas no conflito. Nesse processo, as partes so autoras e o

    mediador apenas ajuda na aproximao e no entendimento das peculiaridades e problemas

    acarretados pelo conflito. (GARCEZ, 2004)

    Os mtodos de resoluo alternativa de disputas (RADs) ou alternatives dispute

    resolutions (ADRs, em ingls) foram organizados e estruturados como campo de estudos e

    prticas, como j foi falado nesse trabalho, aps a palestra do professor Frank Sander na

    Pound Conference em 1976.

    Embora esses mtodos sejam chamados de alternativos, ou seja, diferentes do

    mtodo processual tradicional, o qual uma demanda decidida via sentena adjudicada

    (deciso imposta por um terceiro s partes), no se deseja expressar como meios

    concorrentes ou contrapostos ao Poder Judicirio, por isso, alguns autores utilizam a

    nomenclatura adequados, extrajudicial, meios de pacificao, dentre outros.

    (CAETANO, 2006)

  • Assim, a utilizao dos procedimentos paraprocessuais ou metaprocessuais

    servem para complementar a via instrumental, evidenciando um ordenamento

    pluriprocessual, visando o melhor atingimento de seus escopos fundamentais, ou, at

    mesmo, que atinjam metas no pretendidas diretamente no processo heterocompositivo

    judicial. (AZEVEDO, 2011, p. 14)

    O professor e pesquisador Petrnio Calmon (2008, p. 89) ressalta a importncia da

    utilizao de quaisquer mtodos alternativos que almeje a pacificao social, uma vez que,

    essencial

    [...] reforar a necessidade de se valer de todos os mecanismos adequados para

    que sejam solucionados os diversos tipos de conflitos, tanto pelo meio

    autocompositivo quanto heterocompositivo. No se pode descartar qualquer

    sistema idneo e consentneo com a cultura e o anseio das sociedades. Trata-se

    de criar e aprimorar sistemas multiportas, denominao inspirada em experincias

    norte-americanas (como se ver adiante), bastante apropriada para definir a

    prtica de meios adequados de soluo de conflitos.

    Os mtodos de RADs mais comuns oferecidos s partes em conflito por essas

    instituies so geralmente a conciliao, a mediao e a arbitragem, porm, Calmon

    (2008, p. 96) ressalta que [...] algumas modalidades de ADR (alternative dispute

    resolution), praticadas sobretudo nos Estados Unidos, so, em realidade, subespcies da

    arbitragem, no sendo, portanto, mecanismos para a obteno da autocomposio, mas sim

    para a obteno da heterocomposio.

    4 A IMPLEMENTAO DA POLTICA PUBLICA NACIONAL DE

    TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO PODER

    JUDICIRIO DO ESTADO DO CEAR

    Para determinar como est sendo operacionalizada a Poltica Judiciria Nacional

    de tratamento adequado dos conflitos de interesses, normatizada na Resoluo n 125 do

    CNJ, necessrio verificar as estruturas institucionais anteriores ao marco jurdico em

    questo (Resoluo n 125/2010), com os institutos criados aps e com fundamento na

    Poltica Judiciria Nacional citada.

    Assim, surgiu em 2006 um esforo nacional para a realizao de trabalhos

    concentrados em todo o pas no formato de mutires que receberam o nome de Semana da

    Conciliao. Esses momentos dos eventos concentradores de audincias de conciliao em

    Tribunais e outras unidades judicirias em todo o territrio nacional marcaram a

  • consolidao de uma Poltica Pblica Nacional de Conciliao visando concretizar os

    objetivos j citados anteriormente.

    A estrutura para a concretizao do Movimento pela Conciliao se iniciou com

    os esforos de muitos voluntrios em todo o pas, alm da vontade poltica da Presidenta do

    CNJ no ano de 2006, Ministra Ellen Gracie Northfleet (2007), e dos outros conselheiros do

    rgo. O Dia da Conciliao ficou estabelecido em 08 (oito) de dezembro de 2006, dia

    que concentrou todos os mutires no pas no esforo nacional para realizar o maior nmero

    de acordos de conciliao.

    A operacionalizao dessas mudanas no Estado do Cear, a partir do Tribunal de

    Justia do Estado, no intuito de criar essas estruturas demandadas pelo Movimento pela

    Conciliao, foi realizada atravs de duas Resolues: a Resoluo n 17/2006 Central de

    Conciliao em Segundo Grau de Jurisdio e a Resoluo n 01/2007 Cria a Central de

    Conciliao em Primeiro Grau de Jurisdio junto ao Frum Clvis Bevilqua.

    Com a publicao da Resoluo n 125 em 29 de novembro de 2010 pelo CNJ, e,

    consequentemente, com a constituio da rede por todos os rgos do Poder Judicirio e

    por entidades pblicas e privadas parceiras, alm de instituies de universidades e

    instituies de ensino, o Tribunal de Justia do Cear teve como atribuio criar o Ncleo

    Permanente de Mtodos Consensuais de Soluo de Conflitos e dos Centros Judiciais de

    Soluo de Conflitos e Cidadania.

    De acordo com o caput do artigo 7 da Resoluo, o TJ-CE teria que ter criado o

    Ncleo no prazo de 30 (trinta) dias da publicao do referido marco normativo do CNJ.

    Contudo, o TJ-CE s efetivamente criou o Ncleo no dia 16 (dezesseis) de maro de 2011,

    atravs do Provimento n 03/2011, ou seja, mais de 100 (cem) dias aps a Resoluo n 125

    entrar em vigor.

    Destarte, o Ncleo foi criado por meio de um Provimento organizado em cinco

    artigos, alm das razes expostas nos considerandos que trataram dos seguintes temas:

    a) As disposies da Resoluo n 125 do CNJ que regulamentou a Poltica

    Judiciria Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses;

    b) O direito ao acesso justia posto na C.F. de 1988 no deve ser entendido

    somente na vertente formal, mas como acesso a uma ordem jurdica justa;

  • c) A competncia do Poder Judicirio para criar uma poltica pblica nacional

    para resolver os conflitos jurdicos e de interesses que acontecem em

    crescente e larga escala na sociedade;

    d) O reconhecimento da efetividade dos mtodos de conciliao e mediao na

    promoo da pacificao social, soluo e preveno de litgios, com base

    nas experincias bem sucedidas em diversos Estados da Federao;

    e) O estmulo, o apoio e a difuso da sistematizao e do aprimoramento das

    prticas j realizadas pelo Poder Judicirio do Estado do Cear, sendo

    necessrio, para tal fim, a criao de medidas de ordem material,

    oramentria e pessoal.

    Essas foram as razes que fundamentaram a criao do Ncleo Permanente de

    Mtodos Consensuais de Soluo de Conflitos, institudo no mbito da Central de

    Conciliao em 2 Grau de Jurisdio atravs do Provimento do TJ-CE, ressalte-se,

    passados trs meses do prazo estabelecido na Resoluo do CNJ. (art.1)

    Aps dois anos e dois meses da publicao da Resoluo n 125 do CNJ que

    regulamentou a poltica judiciria nacional de tratamento adequado dos conflitos de

    interesses, o Conselho aprovou a primeira emenda referida poltica pblica nacional.

    A Emenda n 1 da Resoluo n 125/2010 do CNJ foi publicada em 31 de janeiro

    de 2013. Trouxe em seu bojo algumas alteraes na poltica pblica judiciria

    regulamentada que explicitam as possveis dificuldades que os mecanismos institucionais

    criados pela Resoluo enfrentaram e ainda enfrentam para serem implementados pelos

    diversos rgos que compem a rede nacional constituda pelo CNJ.

    As modificaes realizadas no texto original da Resoluo esto no artigo primeiro

    da Emenda, o qual realizou alteraes nos artigos 1, 2, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 15, 16, 18

    e os Anexos I e III, alm da incluso dos princpios bsicos da Justia Restaurativa com

    base na Resoluo n 2002/12 do Conselho Econmico e Social da Organizao das Naes

    Unidas nos considerandos da Poltica Judiciria Nacional.

    CONSIDERAES FINAIS

    No incio do estudo foi proposto trabalhar com algumas categorias essenciais para

    que a concretizao de Poltica Pblica de acesso justia pudesse ser entendida dentro de

  • um contexto geral da sociedade brasileira, das instituies envolvidas e da literatura que

    servia de fundamento para sua aprovao e implementao em todo o territrio nacional.

    Essas etapas foram consideradas necessrias para que se pudesse entender a razo

    dos poucos avanos normativos em relao implementao da Poltica Judiciria

    Nacional do CNJ em muitos lugares do pas, principalmente no Tribunal de Justia do

    Estado do Cear.

    Aps a realizao da pesquisa documental, verificou-se que houve apenas um

    Provimento do TJ-CE criando o Ncleo Permanente de Mtodos Consensuais de Solues

    de Conflitos, uma Portaria designando os servidores para as funes no Ncleo e um Ato

    do Presidente do TJ-CE nomeando uma Desembargadora para a superviso do Ncleo e

    coordenao da Central de Conciliao de 2 Grau de Jurisdio.

    No houve, durante o perodo, elaborao do Regimento Interno ou de normas de

    conduta para serem seguidas pelos demais profissionais que no fossem conciliadores ou

    mediadores, pois estes tiveram um cdigo de tica publicado como anexo III da Resoluo

    do CNJ, nem o detalhamento dos servios que seriam prestados aos usurios, fixao de

    remunerao de conciliadores e mediadores vinculados ao Ncleo ou aos Centros.

    Para reforar a existncia dos desafios encontrados no s no Estado do Cear,

    mas em outros lugares do pas, o Conselho Nacional de Justia publicou a Primeira Emenda

    Resoluo n 125, dessa forma, dispondo de novos e maiores prazos para a implantao

    dos Ncleos e Centros, equipamentos essenciais para a efetivao da Poltica Judiciria

    Nacional.

    Por fim, contata-se a louvvel iniciativa do Conselho Nacional de Justia em tentar

    modificar tanto o comportamento dos usurios que procuram os servios da justia

    brasileira quanto dos demais profissionais que prestam tal servio pblico, buscando

    principalmente a pacificao dos conflitos judiciais e de interesses e, consequentemente, a

    reduo dos litgios que poderiam ser resolvidos pelos meios de resoluo alternativa de

    disputas e que esto congestionando o sistema judicirio, alm de ocasionar a to propalada

    crise da justia na viso de muitos autores nacionais e estrangeiros.

    Apesar dos esforos do CNJ, dos profissionais do Poder Judicirio do Estado do

    Cear e dos inmeros voluntrios que sem remunerao tentam realizar os objetivos da

    referida Poltica Pblica Nacional, iro continuar a surgir Emendas a essa Poltica em

  • decorrncia dos problemas que surgem diante das disparidades e desigualdades existentes

    entre as diversas realidades dos rgos do Poder Judicirio brasileiro na implementao de

    reformas administrativa nos Poderes do Estado brasileiro em escala nacional

    Mesmo com todos esses percalos e aps todas essas consideraes, espera-se que

    o Tribunal de Justia do Estado do Cear consiga continuar e aprofundar a implementao

    da Poltica Pblica Nacional do CNJ e que obtenha xito na operacionalizao do modelo

    de Tribunal Multiportas, no sentido de oferecer, com devida qualidade, os servios pr-

    processuais e judiciais de resoluo alternativa de disputas aos usurios junto com outros

    servios de cidadania e orientao jurdica, psicolgica e de assistncia social

    regulamentados pelo CNJ e executados pelos Estados da Federao e parceiros.

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