concerto carioca nº 1 de radamÉs gnattali: a

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP Instituto de Artes – São Paulo MARCIO GUEDES CORREA CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO SOLISTA SÃO PAULO – 2007 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP

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Page 1: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP

Instituto de Artes – São Paulo

MARCIO GUEDES CORREA

CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI:

A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO

SOLISTA

SÃO PAULO – 2007

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP

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Instituto de Artes – São Paulo

MARCIO GUEDES CORREA

CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI:

A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO

SOLISTA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em música do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP, como exigência para a obtenção do título de mestre. ORIENTADOR: Prof. Dr. Marcos Pupo F. Nogueira

SÃO PAULO – 2007

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Ao meu pai Jorge Correa, pela sabedoria ao conduzir a família. À minha mãe, Maria da Graça Guedes Correa, ser humano inabalável que soube vencer grandes dificuldades.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, criador de todas as coisas, até mesmo daquelas que nossa visão não alcança e que nosso intelecto não pode mensurar.

Ao meu orientador Prof. Dr. Marcos Pupo Fernandes Nogueira, que com sabedoria

apontou para caminhos acertados. Aos meus irmãos Jorge Correa Junior e Renato Guedes Correa, pela paciência e pelos

auxílios no tratamento de imagens. Ao amigo, Prof. Ms. Renato Almeida que através de longas conversas e audições musicais

estimulou o início desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Paulo Castagna pela generosa revisão dos primeiros textos deste projeto. Aos Profs. Drs. Sidney Molina e Alberto Ikeda pelas valiosas contribuições. À Bibliotecária Fabiana Colares, pela atenção e gentileza ao preparar a ficha catalográfica

deste trabalho. A todos os funcionários da secretaria da pós-graduação do Instituto de Arte da Unesp. Aos amigos e Professores Ms. Maristela Smith e Raul Brabo, pelos constantes incentivos. A todos os meus grandes mestres, especialmente Arlene Fátima Vicente, Henrique Pinto,

Abel Rocha, Fernando Corrêa, Pollaco e todos os que foram meus professores na graduação em música da FAAM. Vocês estarão sempre presentes em meus agradecimentos diários, em minhas orações e em meus atos... Muito obrigado a todos!

A todos os meus alunos, que são certamente um dos grandes motivos de meus estudos.

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Resumo

A presente dissertação tem por objetivo analisar a música de concerto de Radamés Gnattali focando sua orquestração a partir de alguns pontos de vista: O ritmo orquestral, a escolha de sua instrumentação peculiar e em alguns casos inédita, a construção de suas melodias e alguns procedimentos harmônicos localizados em sua obra. Os exemplos são extraídos, em sua maioria, do Concerto Carioca nº 1. É nítido que a formação erudita deste compositor perfaz algumas das colunas principais que estruturam sua obra, mas todas as particularidades encontradas em Radamés Gnattali decorrem de um profundo conhecimento também da música popular urbana, produção musical esta que tem alguns de seus elementos fartamente localizados como estruturadores de sua obra erudita. Palavras-chave: Radamés Gnattali, Guitarra Elétrica, Análise Musical, Orquestração, Instrumentação.

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Abstract

The present dissertation has an objective to analyze the music of Radamés Gnattali concert focusing on his orchestration according to some points of view: The orchestral rhythm, the choice of his peculiar, and in some cases new instrumentation, the construction of his melodies and some harmonic procedures situated on his peace. The examples are extracted, in its majority, from the Concerto Carioca nº 1. It is clear that the erudite graduation of this composer builds some of the main columns that structure his peace, but all the particularities found in Radamés Gnattali come also from a deep knowledge of the urban popular music, musical production wich has some of its elements rudgely found as constructors of this erudite piece. Keywords: Radamés Gnattali, Electric Guitar, Musical analysis, Orchestration, Instrumentation.

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 01: Capa do LP do Concerto Carioca nº 1.........................................................................17 Figura 02: Capa do manuscrito autógrafo do Concerto Carioca nº 1............................................50 Figura 03: Última página manuscrito autógrafo do Concerto Carioca nº 1..................................51 Figura 04: Detalhe da primeira página do 1º movimento do manuscrito autógrafo do Concerto Carioca nº 1.....................................................................................................................................54 Figura 05: Fragmento do compasso 04 do primeiro movimento do Concerto Carioca nº 1.........56 Figura 06: Compassos 10 a 11, 1º movimento, mesmo concerto..................................................57 Figura 07: Compassos 63 a 65, 1º movimento, mesmo concerto..................................................58 Figura 08: Compassos 118 e 119, 1º movimento, mesmo concerto..............................................59 Figura 09: Compassos 140 e 140, 1º movimento, mesmo concerto..............................................62 Figura 10: Compassos 169 e 170, 1º movimento, mesmo concerto..............................................62 Figura 11: Compassos 181 a 183, 1º movimento, mesmo concerto..............................................63 Figura 12: Compassos 184 e 185, 1º movimento, mesmo concerto..............................................63 Figura 13: Compassos 191 a 192, 1º movimento, mesmo concerto..............................................64 Figura 14: Detalhe da primeira página do 2º movimento do Concerto Carioca nº 1....................65 Figura 15: Compassos 18 a 20 do 2º movimento do Concerto Carioca nº 1.................................68 Figura 16: Compassos 3 e 4 do 4º movimento do Concerto Carioca nº 1.....................................70 Figura 17: Compasso 6, 4º movimento, mesmo concerto.............................................................71 Figura 18: Compasso 44, 4º movimento, mesmo concerto...........................................................72 Figura 19: Compasso 62 ao 65, 4º movimento, mesmo concerto.................................................73 Figura 20: Compassos 78 e 79, 4º movimento, mesmo concerto..................................................74 Figura 21: Compassos 109 e 110, 4º movimento, mesmo concerto..............................................75 Figura 22: Compassos 5 ao 8, 1º movimento do Concerto Carioca nº 1.......................................84 Figura 23: Compassos 36 ao 39, 1º movimento, mesmo concerto................................................85 Figura 24: Compassos 56 ao 61, 1º movimento, mesmo concerto................................................87 Figura 25: Compassos 73 ao 77, 1º movimento, mesmo concerto................................................88 Figura 26: Compassos 95 ao 104, 1º movimento, mesmo concerto..............................................89 Figura 27: Compassos 126 ao 128¸1º movimento, mesmo concerto............................................90 Figura 28: Compassos 166 ao 173, 1º movimento, mesmo concerto............................................91 Figura 29: Compassos 21 ao 25, 2º movimento do Concerto Carioca nº 1...................................93 Figura 30: Compassos 32 ao 35, 2º movimento, mesmo concerto................................................94 Figura 31: Compassos 52 e 53, 2º movimento, mesmo concerto..................................................95 Figura 32: Compassos 59 ao 62, 2º movimento, mesmo concerto................................................96 Figura 33: Compassos 1 ao 12, 3º movimento do Concerto Carioca nº 1.....................................98 Figura 34: Compassos 10 ao 17, 3º movimento, mesmo concerto................................................99 Figura 35: Compassos 49 ao 56, 3º movimento, mesmo concerto..............................................101 Figura 36: Compassos 112 ao 131, 3º movimento, mesmo concerto..........................................102 Figura 37: Compassos 135 ao 139, 3º movimento, mesmo concerto..........................................104 Figura 38: Compassos 158 ao 167, 3º movimento, mesmo concerto..........................................105 Figura 39: Compassos 185 ao 198, 3º movimento, mesmo concerto..........................................106 Figura 40: Compassos 9 ao 20, 4º movimento do Concerto Carioca nº 1...................................109 Figura 41: Compassos 45 ao 48, 4º movimento, mesmo concerto..............................................113 Figura 42: Compasso 84 ao 105, 4º movimento, mesmo concerto.............................................116 Figura 43: Compasso 111 ao 114, 4º movimento, mesmo concerto...........................................119

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Figura 44: Compassos 132 ao 154, 4º movimento, mesmo concerto..........................................120 Figura 45: Compassos 171 ao 174, 4º movimento, mesmo concerto..........................................123 Figura 46: Compassos 208 ao 219, 4º movimento, mesmo concerto..........................................125 Figura 47: Primeira página do Concerto para Bandolim e orquestra de cordas. Fonte: Catálogo digital Radamés Gnattali..............................................................................................................130 Figura 48: Melodia inicial do concerto para bandolim e orquestra de cordas............................131 Figura 49: Primeiros compassos de “Canto em Rodeio” – Pixinguinha.....................................131 Figura 50: Primeiros compassos de “Oscarina” – Pixinguinha...................................................132 Figura 51: Primeiros compassos de “Curruíra Saltitante” – Lina Pesce.....................................132 Figura 52: Primeiros compassos de “Hora de Sonhar” – Waldir de Azevedo............................133 Figura 53: Primeiros compassos de “Vê se Gostas” – Waldir de Azevedo................................133 Figura 54: Primeiros compassos de “Um a Zero” – Pixinguinha...............................................134 Figura 55: Primeira página da “Suíte retratos, I - Pixinguinha”. Fonte: Catálogo digital Radamés Gnattali.........................................................................................................................................137 Figura 56: Início da melodia do bandolim na Suíte retratos, I – Pixinguinha.............................138 Figura 57: Motivo de “Carinhoso”, Pixinguinha........................................................................139 Figura 58: Fragmento inicial do Prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”.......................................140 Figura 59: Fragmento inicial, 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1....................................141 Figura 60: Compassos 08 e 09 do 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1.............................142 Figura 61: Compasso 12 e 13, 1º movimento, mesmo concerto.................................................143 Figura 62: Compassos 20 ao 23, 1º movimento, mesmo concerto..............................................144 Figura 63: Primeiros compassos, 2º movimento, mesmo concerto.............................................145 Figura 64: Compasso 18 ao 24, 3º movimento, mesmo concerto...............................................146 Figura 65: Compassos 25 ao 27, 4º movimento, mesmo concerto..............................................146 Figura 66: Dona Lee – Charlie Parker. Fonte: The Real Book....................................................149 Figura 67: Compassos 05, 06 e 07, 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1...........................151 Figura 68: Compassos 36 ao 40, 1º movimento, mesmo concerto..............................................151 Figura 69: Compassos 52 ao 60, 1º movimento, mesmo concerto..............................................152 Figura 70: Compassos 95 ao 104, 1º movimento, mesmo concerto............................................153 Figura 71: Compassos 165 ao 173, 1º movimento, mesmo concerto..........................................153 Figura 72: Compassos 23 ao 26, 2º movimento, mesmo concerto..............................................154 Figura 73: Compassos 32 ao 36, 2º movimento, mesmo concerto..............................................155 Figura 74: Compassos 59 ao 62, 2º movimento, mesmo concerto..............................................155 Figura 75: Introdução do 3º movimento do Concerto Carioca nº 1............................................156 Figura 76: Compassos 135 ao 139, 3º movimento, mesmo concerto..........................................156 Figura 77: Compassos 13 ao 22, 4º movimento, mesmo concerto..............................................157 Figura 78: Compassos 84 ao 104, 4º movimento, mesmo concerto............................................158 Figura 79: Compassos 143 ao 150, 4º movimento, mesmo concerto..........................................159 Figura 80: Compassos 210 ao 217, 4º movimento, mesmo concerto..........................................159

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................09 1. PRIMEIRO CAPÍTULO: A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA POPULAR URBANA NA MÚSICA DE CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI............................................................20 1.1. Orquestra Sinfônica.................................................................................................................34 1.2. Orquestra de Câmara...............................................................................................................39 1.3. Orquestra de Cordas................................................................................................................40 1.4. Música de Câmara...................................................................................................................42 2. SEGUNDO CAPÍTULO: OS RITMOS POPULARES NA ORQUESTRAÇÃO DO CONCERTO CARIOCA Nº 1.......................................................................................................46 2.1. Primeiro Movimento: Marcha.................................................................................................53 2.2. Segundo Movimento: Canção.................................................................................................65 2.3. Quarto Movimento: Samba.....................................................................................................69 3. TERCEIRO CAPÍTULO: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO SOLISTA NO CONCERTO CARIOCA Nº 1................................................................................................76 3.1. Catálogo De Concertos...........................................................................................................80 3.2. Análise Técnica Da Instrumentação.......................................................................................82 3.2.1. Primeiro Movimento: Marcha Rancho................................................................................83 3.2.2. Segundo Movimento: Canção..............................................................................................92 3.2.3. Terceiro Movimento: Valsa Seresteira................................................................................96 3.2.4. Quarto Movimento: Samba................................................................................................107 4. QUARTO CAPÍTULO: MOTIVOS RITMICO-MELÓDICOS NA MÚSICA DE CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI.......................................................................................................128 4.1. Motivos Rítmico-melódicos..................................................................................................140 4.2. O Caráter de improvisação....................................................................................................147 4.2.1. Primeiro Movimento..........................................................................................................150 4.2.2. Segundo Movimento..........................................................................................................154 4.2.3. Terceiro Movimento...........................................................................................................155 4.2.4. Quarto Movimento.............................................................................................................156 CONCLUSÃO.............................................................................................................................161 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.........................................................................................164 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................165 PARTITURAS..............................................................................................................................167 DISCOGRAFIA...........................................................................................................................167 FONTES DIGITAIS.....................................................................................................................168 WEBGRAFIA..............................................................................................................................168 FONTE AUDIOVISUAL.............................................................................................................169 ANEXO........................................................................................................................................170 ANEXO 2 ....................................................................................................................................251

INTRODUÇÃO

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“Vale o risco: Radamés Gnattali é o músico mais completo da história da música brasileira” (DIDIER, 1996, p. 11).

É com esta intrigante afirmação que Aluísio Didier abre seu livro “Radamés Gnattali”,

material este que almeja em suas linhas, estabelecer o lugar do compositor na história de nossa

música. Pode ser que a afirmação de Didier esteja carregada de romantismo e euforia, mas no

mínimo ela denota que tal compositor é digno de destaque em nossa história, na música erudita

ou popular. Que características de um compositor levariam a atribuir-lhe o adjetivo “musico mais

completo da história da música brasileira”? Sabe-se que a obra de Radamés Gnattali é de grande

valor, conquistou e tem conquistado admiradores, seja por sua fluência composicional, seja pela

ousadia dos coloridos que imprime em sua obra, seja por sua instrumentação peculiar. No

entanto, o maestro e compositor gaúcho tem ficado, em certa medida, afastado da história da

música brasileira quando o foco é música erudita ou música de concerto como preferia o mesmo.

Talvez isso ocorra porque Gnattali não se coligava à ideologia nacionalista de seus

contemporâneos e pode ser que por isso mesmo tenha ocorrido tal afastamento. É provável que

em sua época, devido a sua grande quantidade de trabalhos para a música popular, tenha sido

considerado muito mais um maestro arranjador do que um compositor em si. Seus trabalhos

como arranjador, sejam para cantores de música popular ou trilhas sonoras para cinema,

sobrepujam sua obra de concerto; Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, autoras do livro

“Radamés Gnattali, o Eterno Experimentador” atribuem ao compositor cerca de mil trabalhos

entre arranjos e trilhas sonoras, enquanto que em seu catálogo digital, publicado no site

www.radamesgnattali.com.br é possível localizar duzentas e setenta e quatro obras de concerto.

Provavelmente, seu tempo para se dedicar à obra autoral era bastante reduzido devido às suas

funções como maestro, arranjador e diretor musical. Sua obra de concerto é menor em

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quantidade, se comparada às obras de outros compositores brasileiros, como Villa-Lobos por

exemplo, mas duzentas e setenta e quatro composições perfazem um bom volume de peças, que

merece maior atenção tanto dos músicos que realizam concertos quanto dos pesquisadores da

música brasileira, para conseqüentemente atingir maior conhecimento do público.

Ainda que Gnattali tenha sido compositor erudito e um dos grandes incentivadores da

música popular brasileira, tanto que mereceu elogios imbuídos de respeito e admiração de nomes

como Tom Jobim, apenas para citar um, o volume de material acadêmico dedicado ao maestro

ainda é muito pequeno se comparado ao volume e abrangência de sua obra dentro das mais

diversas vertentes da música.

Com relação à bibliografia existem apenas dois livros que são dedicados exclusivamente a

Radamés Gnattali. São eles:

Radamés Gnattali: o eterno experimentador: Livro de Valdinha Barbosa e Anne Marie

Devos, editado pelo Instituto Nacional de música, divisão de música popular da FUNARTE em

1984. A obra apresenta uma biografia de Gnattali, que discorre sobre sua vida desde a chegada de

seus pais italianos ao Brasil, passando por sua carreira como pianista, arranjador, compositor e

maestro e ao final apresenta um catálogo de sua obra, abarcando arranjos, composições e

discografia.

Radamés Gnattali: Livro de Aluísio Didier que inicia com uma breve biografia de

Gnattali e em seguida apresenta uma coletânea de relatos de personalidades que conviveram com

o compositor, juntamente com alguns relatos do próprio. Associado a este livro, Didier também

produziu um vídeo intitulado “Nosso Amigo Radamés Gnattali”, que ilustra algumas fases da

vida profissional do compositor, além de pequenas curiosidades de sua vida pessoal.

Além desses dois livros, é possível encontrar alguns verbetes dedicados a Gnattali no

Dicionário Grove de música – edição concisa, na Enciclopédia da música brasileira (autores), no

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livro Compositores de América: Datos biográficos y e catálogos de sus obras, Volume 16 e no

livro História da Música Brasileira de Vasco Mariz.

No segundo semestre de 2005, a Brasiliana Produções divulgou o Catálogo digital

Radamés Gnattali, obra em CD ROM que traz um detalhado catálogo da obra do compositor.

Este material não se encontra a venda e é distribuído exclusivamente para instituições de ensino.

No primeiro semestre de 2007 parte do conteúdo deste mesmo material foi divulgado na Internet,

no domínio www.radamesgnattali.com.br. O catálogo que consta no CD ROM foi publicado na

íntegra no site, porém, as imagens de algumas páginas de manuscritos autógrafos do compositor

que estão no Catálogo Digital não foram incluídas neste conteúdo.

Com relação a teses e dissertações, só foi possível localizar dois trabalhos de mestrado,

ambos realizados na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O mais antigo data de 1995 e foi

escrito por Bartolomeu Wiese Filho, que não cita quem foi o orientador, e é intitulado Radamés

Gnattali e sua obra para violão. O mais recente data de 1999 e é intitulado Radamés Gnattali e o

violão: relação entre campos de produção na música brasileira, de autoria de Ledice Fernandes de

Oliveira e orientação de Samuel Mello Araújo Junior. Esses dois trabalhos se diferenciam do

presente em sua proposta, pois os mesmos se direcionam à produção violonística do compositor,

enquanto que este tem por objetivo principal tratar da maneira de orquestrar de Gnattali, além de

analisar e justificar algumas de suas escolhas instrumentais, ou seja, a inclusão de instrumentos

de música popular urbana em sua música de concerto. O presente trabalho aborda a obra de

concerto de Radamés Gnattali. Por outro lado, após estudar as dissertações realizadas no Rio de

Janeiro, pôde-se perceber que os três trabalhos (incluindo este) tratam das diversas influências

assimiladas pela música de Gnattali e falam de suas fusões de música popular com música

erudita. É bastante complexo abordar os termos “música erudita” ou “música de concerto” e

“música popular”, complexidade esta que se dá, entre outros motivos, pela imprecisão de tais

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classificações. Tendo em vista que não é objetivo da presente dissertação discutir e definir tais

categorizações, optou-se por puramente utilizar a terminologia corrente no Brasil, por vezes

apresentando tentativas de definições de outros autores.

O compositor brasileiro Radamés Gnattali nasceu em Porto Alegre, no dia 27 de janeiro

de 1906 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 03 de fevereiro de 1988.

Filho de pais italianos, foi um dos compositores brasileiros que transitava com notável

fluência entra a música erudita e os gêneros populares. Começou a estudar piano logo aos seis

anos de idade e posteriormente dedicou-se também ao violino, violão e cavaquinho. Ainda no Rio

Grande do Sul, estudou com Guilherme Fontainha, e na Escola Nacional de Música foi aluno de

Agnelo França.

Em 1924 Radamés conclui seu curso de piano e passa a viajar como concertista,

apresentando-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, recebendo críticas bastante

positivas. Nesse mesmo período se apresenta também como violista do Quarteto Oswald. Mais

tarde, Gnattali tem dificuldades para solidificar sua carreira como concertista e professor de piano

e em decorrência desses obstáculos passa a trabalhar como instrumentista em cinemas, casas

noturnas, participando de pequenas formações instrumentais. Para esses trabalhos, Radamés

Gnattali começa a escrever alguns arranjos, que são cada vez mais admirados e reconhecidos por

seus colegas de profissão. Sua notável habilidade como arranjador rendeu-lhe um emprego na

Rádio Nacional, onde permaneceu trabalhando com arranjos de música popular durante trinta

anos. Nesse período, Radamés apresentou o programa “Um Milhão de Melodias” e chegava a

escrever até seis arranjos no mesmo dia, segundo relatos do próprio compositor. Gnattali escreve

também trilhas sonoras para cinema e televisão, compondo músicas para alguns filmes

produzidos no Estúdio Vera Cruz, como por exemplo, o filme “Tico-tico no Fubá” que apresenta

a biografia do compositor Zequinha de Abreu. Didier atribui a Radamés Gnattali mais de

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quarenta trilhas sonoras compostas para o cinema brasileiro. Há registros também de um convite

feito pelo próprio Walt Disney, para que Gnattali compusesse trilhas para seus filmes

(BARBOSA e DEVOS, 1984, P. 52). A viagem aos Estados Unidos da América ficou inviável

devido à situação de crise internacional provocada pela Segunda Guerra Mundial.

Em paralelo a sua produção de arranjador, Radamés Gnattali passa também a compor

constantemente, gerando assim um acervo de composições eruditas e populares. Segundo

Radamés, escrever música passou a ser uma necessidade física, uma atividade compulsiva. Este

costume de escrever música constantemente fez com que Radamés Gnattali se tornasse um dos

compositores mais prolíficos de nosso país, escrevendo uma boa quantidade de peças eruditas,

além de admirável quantidade de arranjos para música popular. Didier atribui a Gnattali cerca de

quatrocentas obras de concerto, mas apenas apresenta este dado, sem perfazer um levantamento

de obras. O catálogo oferecido pela Brasiliana Produções lista duzentas e setenta e quatro obras

de concerto. Valdinha e Devos realizaram um catálogo da obra de Gnattali em seu livro Radamés

Gnattali, o eterno experimentador, e dedicam uma parte deste catálogo à produção que nomearam

“música erudita”. Nesta parte do catálogo foram listadas cento e oitenta e três peças. Tendo em

vista que os três dados são conflitantes, apresentando relevante diferença quantitativa, o Catálogo

digital da Brasiliana Produções foi escolhido como o catálogo oficial para esta dissertação, já que

o mesmo, além de ser o mais moderno, tem como diretor o maestro e professor Roberto Gnattali

(que dirige o projeto Brasilianas), sobrinho de Radamés e que tem acesso livre ao acervo de

partituras deixadas pelo compositor, que ainda permanece em sua maioria manuscrito, sob os

cuidados da família Gnattali.

É fato que esta parte de sua obra passa a ser executada com certa freqüência em salas de

concertos do Brasil. Em muitos desses concertos, o próprio Radamés se apresenta, seja como

solista, seja como maestro.

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Seus concertos foram reconhecidos internacionalmente, como é o caso do Concerto nº 2

para piano e orquestra que foi executado por Arnaldo Estrella em Washington, Chicago e

Filadélfia.

Observando a biografia de Radamés Gnattali, podemos abordar sua carreira dos seguintes

pontos de vista:

� Compositor Erudito ou de música de concerto

� Arranjador de Música Popular

� Compositor de trilhas sonoras para cinema e televisão

� Compositor Popular

� Instrumentista

Dentre tais abordagens, optou-se neste trabalho, por focar Radamés Gnattali como compositor

de música de concerto, destacando sua orquestração e formações instrumentais tão peculiares

e diversas, como por exemplo, seus concertos que tem como solistas instrumentos não

convencionais e suas orquestrações recheadas de instrumentos que são normalmente

associados à música popular urbana. Buscou-se, através de análises do Concerto Carioca nº1,

demonstrar como a vivência de arranjador de música popular transformou a obra de concerto

de Gnattali. Essa transformação se dá em três âmbitos, o primeiro na escolha dos

instrumentos; Radamés Gnattali emprega instrumentos ligados à música popular urbana em

cerca de 10% de sua obra erudita, o que representa mais de quarenta obras. Esse procedimento

só acontece á partir de suas funções como arranjador, que se deu na década de 1930. Foi aí que

o compositor estreitou seu contato com esses instrumentos e isso o levou a inseri-los em sua

obra de concerto. Tal experimentalismo instrumental o levou a compor o primeiro concerto da

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história onde a guitarra elétrica é utilizada como solista. Este concerto é o Concerto Carioca nº

1, que será o principal foco desta dissertação. Esta composição nunca foi editada e sua

partitura está em um manuscrito autógrafo em nanquim. Uma cópia fac-similar desta partitura

foi cedida por Nelly Gnattali, viúva de Radamés, para a realização das análises que seguirão

no decorrer dos quatro capítulos. Esta obra foi gravada em 1965 e este LP é bastante raro e

difícil de ser localizado. Para esse trabalho o colecionador de discos Luiz Américo Lisboa

Junior, residente na Bahia, cedeu uma cópia em CD deste raríssimo LP. O disco foi localizado

em seu catálogo, que está disponível no site www.luizamerico.com.br. É pouco conhecido o

fato de este concerto ter sido gravado com guitarra elétrica, pois na partitura, Radamés

Gnattali chama este instrumento de violão elétrico, alcunha que parece ser comum na época

para o jovem instrumento. Além disso, na capa do disco, como é possível observar na figura

seguinte (scanner da capa original do LP), encontram-se os dizeres “Concerto carioca Nº 1 de

Radamés Gnattali. Orquestra Sinfônica Continental, Regente: Henrique Morelenbaum,

Solistas: Radamés Gnattali (Piano), José Menezes (Violão)”. O material gráfico que indica que

um dos solistas executou sua parte com o violão oculta ainda mais o fato de este concerto ter

sido o primeiro da história a empregar a guitarra elétrica como solista, e até o momento só foi

possível localizar este, o que o torna único, a não ser por uma peça composta pelo guitarrista

sueco Yngwie Malmsteen, gravada em 1998, chamada Concerto suíte para guitarra elétrica e

orquestra em mi bemol menor, opus 1, estruturada em doze partes. Embora o guitarrista tenha

denominado sua obra como “concerto” é difícil classificá-la assim do ponto de vista formal,

pois a mesma apresenta doze partes em vez de três ou quatro movimentos e o material

temático também é pouco desenvolvido, soando na maior parte do tempo como uma

improvisação de um guitarrista de rock sobre uma orquestra. Malmsteen não compôs as partes

orquestrais, apenas indicou suas idéias para diferentes orquestradores que realizaram as

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partituras. Tratam-se de doze músicas, com características independentes, que tem a guitarra

elétrica como solista e não um concerto em si.

Figura 01: Capa do LP do Concerto Carioca nº 1:

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17

Embora a capa do disco indique um violão como instrumento solista, a audição faz perceber-

se o timbre de uma guitarra elétrica, de corpo sólido e sonoridade metalizada, levando a

conclusão de que o interprete não se preocupou em imitar o timbre grave dos guitarristas de

jazz.

O segundo âmbito se dá na nova maneira de tratar o ritmo orquestral. O compositor gaúcho, a

partir do momento que adquire o ofício de arranjador de música popular, passa a escrever para

as famílias instrumentais da orquestra ritmos que antes, em música popular brasileira

orquestrada, só eram encontrados nos instrumentos de percussão. Tal procedimento que o

compositor encontra para satisfazer as necessidades da música popular de rádio é facilmente

encontrado também em sua música de concerto.

Page 19: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

18

O terceiro campo vem de encontro com o material temático utilizado por Gnattali para a

construção de sua obra concertante. Foi demonstrado que por vezes, o compositor escolhe

instrumentos ligados à musica popular urbana, brasileira ou norte-americana, para figurar em

sua música erudita por esta conter melodias estruturadoras que soam quase literalmente como

composições de um músico popular, sem passar por transformações advindas da mente e do

senso estético de um compositor erudito. Em outros momentos, suas melodias têm caráter de

improvisação, sendo quase inevitável a escolha de instrumentos ligados ás práticas de

improvisação da música popular, sem perder de vista que a improvisação não é exclusividade

desta área de produção musical. A presente dissertação tratará desses três campos da obra de

concerto de Radamés Gnattali, focando sempre no Concerto Carioca nº 1.

Para fundamentar as análises que ocorreram sobre a nova maneira de se tratar o ritmo na

orquestra, foi necessário recorrer à literatura que não é necessariamente analítica, mas sim

prática. Não há ainda, nenhum material que trate deste assunto de forma analítica. Para

análises ritmicas foram utilizados os livros Inside the brazilian rhythm section e The brazilian

guitar book, ambos de Nelson Faria, e o livro Bateria e contrabaixo na música popular

brasileira de Gilberto de Syllos e Ramon Montanhaur.

Para análises de orquestração e instrumentação a fundamentação foi o livro Orquestracion de

Walter Piston e o livro Arranging for large jazz ensemble de Dick Lowell e Ken Pullig.

Embora as análises formais e harmônicas não sejam o principal foco deste trabalho, nos casos

em que se torne inevitável abordar estes assuntos, por algum motivo de estruturação dos

objetivos a serem alcançados, a fundamentação teórica foi a obra de Arnold Schoenberg, mais

precisamente os livros Harmonia e Fundamentos da composição musical.

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19

Os livros A arte da improvisação de Nelson Faria e Improvisação para guitarra e outros

instrumentos de Fernando Corrêa serviram de base quando se tratou do caráter de

improvisação de certas passagens da música de Gnattali.

Partituras de música popular e música erudita serviram de fundamento para as análises

motívicas comparativas que acontecerão no decorrer do texto.

1. PRIMEIRO CAPÍTULO: A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA POPULAR URBANA NA

MÚSICA DE CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI.

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Sabe-se que Radamés Gnattali é um músico de sólida formação musical construída

através dos seus estudos de piano, harmonia e análise, feitos em sua passagem pelo

Conservatório de Música do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul. Quando Gnattali era

um jovem estudante de música, suas aspirações voltavam-se para uma carreira pianística como

concertista e professor do instrumento, objetivo característico da formação musical oferecida

pelos conservatórios. Como aluno do conservatório, sempre conquistou grandes êxitos que o

motivavam a almejar a carreira de concertista. Contudo, é possível que desde esse momento de

sua formação musical, Radamés Gnattali já estivesse se introduzindo, de maneira empírica, no

mundo da composição musical, sem ao menos supor que mais tarde essa seria sua principal

função, a profissão que lhe garantiria subsistência, bem como sua projeção nos meio da música.

“E daquelas partituras já aproveitava para ir colhendo os dados e os ensinamentos para seus

primeiros ensaios na composição” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 14). O estudo e análise do

repertório dos grandes mestres são essenciais para aspirantes à carreira de compositor e Gnattali

já estava mergulhado nesse estudo analítico desde o início de seu desenvolvimento musical,

talvez, em princípio, encarando isto apenas como formação complementar do intérprete. Barbosa

e Devos apontam para um desejo ou um impulso, aparentemente inconsciente, do instrumentista

se tornar também um compositor. Salientam o sonho de chegar a ser concertista1, de viver da

interpretação das obras dos grandes compositores, de se apresentar para as platéias consumidoras

deste tipo de música, mas não descartam que já na época de sua formação musical nutria uma

admiração pelo domínio de escrita dos compositores que interpretava e, por esse mesmo motivo,

1 Barbosa e Devos descrevem no livro Radamés Gnattali, o Eterno Experimentador de maneira enfática, principalmente da página 16 até a página 30, o desejo de Radamés Gnattali de se tornar concertista e como suas frustrações o levam, aos poucos, a abandonar este sonho e a se dedicar cada vez mais às práticas de música popular, bem como às atividades de arranjador e de compositor.

Page 22: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

21

buscava entender o pensamento e a lógica do compositor nos momentos da criação das partituras

que já vinha interpretando e estudando.

O jovem pianista, que antes do conservatório fora preparado musicalmente ao piano por

sua mãe Adélia e ao violino por sua prima, Olga Fossati, chegou a realizar, por volta dos seus

dezoito anos de idade, recitais de sucesso no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras.

Guilherme Fontainha (professor de piano de Radamés Gnattali no Conservatório de Porto Alegre), usando de seu prestígio no Rio de Janeiro, conseguiu uma audição para Radamés no Instituto Nacional de Música, sendo marcada para o dia 31 de julho de 1924 a apresentação do pianista à sociedade carioca. Seria o primeiro recital Público. Depois de “impressionar magnificamente o auditório ao executar de forma brilhante a Sonata de Liszt na última audição do Conservatório de Porto Alegre”, Radamés partiu para o Rio de Janeiro (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 16).

Este recital realizado no Instituto Nacional de Música rendeu ao jovem pianista excelentes

críticas da imprensa da época, o que fortaleceu ainda mais seu objetivo de se tornar concertista

internacional e resultou em convites para mais apresentações em território nacional.

Mesmo com a promissora carreira de concertista em vista, agora já aprovada pelo público

mais exigente e também mais cobiçado do Brasil desta época, desde muito jovem, Radamés

Gnattali iniciou seus trabalhos remunerados com música, o que nem sempre foi possível no

campo dos recitais de piano. Precocemente, já trabalhava tocando violão e cavaquinho em

serestas, blocos carnavalescos, regionais e bailes, e ao piano, trabalhava com a atividade que

pode ser considerada o embrião da trilha sonora para cinema; a animação de películas de cinema

mudo. “Aos 16 anos, ganhando dez mil réis por dia, Radamés trabalhou no cine Colombo, no

Bairro da Floresta, animando fitas de cinema mudo” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 14).

No decorrer de seu texto, Barbosa e Devos mostram que muito antes de aspirar alçar

carreira de compositor, o jovem músico gaúcho já tomava contato com diversos tipos de

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produção musical, já estudava e praticava a música que é destinada aos recitais e salas de

concerto e manuseava a música ligada a tradições populares brasileiras, além de desenvolver seu

papel em música funcional, como é o caso da animação do cinema mudo. Talvez sem ter ciência

disso, Gnattali, passivamente, esteve imerso em um laboratório de composição, uma escola

estruturada por vivências musicais diversas, por experiências profissionais diferenciadas. Em sua

fase profissional mais primitiva, estava absorvendo materiais musicais os quais lançaria mão em

suas futuras composições e, igualmente, em seus arranjos para a música de rádio. É

imediatamente neste desabrochar profissional que o músico vai adquirindo desenvoltura em

diferentes áreas da prática musical, acumulando conhecimento em diferentes formas de

expressão musical, armazenando, ainda que inconscientemente, idéias que poderiam sustentar o

compositor que estava por nascer, o compositor que não discriminava a música por

nacionalidade ou estilo, que procurava abarcar em sua escrita, informações vindas de todo tipo

de produção musical que considerasse de boa qualidade2. As circunstâncias pareciam contribuir

mais para a formação e estruturação do compositor do que do pianista. Radamés Gnattali teve

um pedido de bolsa de estudos de música no exterior negada pelo governo do Rio Grande do Sul

e, no mandato de Getúlio Vargas, se preparou para um concurso de lente catedrático para o

Instituto Nacional de Música, concurso este que nunca se realizou. Foram nomeadas pessoas

para as vagas disponíveis, sem realização de concursos. A carreira de professor garantiria

estabilidade financeira e tempo para que se dedicasse ao mesmo tempo à carreira de concertista.

Tendo essas duas possibilidades excluídas de sua vida, Gnattali se viu obrigado a continuar

2 Não é objeto deste trabalho discutir e listar os atributos que fazem com que uma produção musical seja,

supostamente, de boa ou má qualidade, pois os diferentes pontos de vista sobre essa discussão e as diversas formas de enfoque resultariam em material para inaugurar um novo trabalho, desviando da direção aqui proposta. No entanto, pode-se conjeturar que se um compositor busca elementos de outro tipo de criação musical para agregar à sua obra de concerto é possível deduzir que estes passaram pelo seu crivo estético, ou seja, são informações que julga boas o suficiente para contribuírem para a constituição de sua obra.

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trabalhando no meio da música popular e suas composições eruditas que começaram em algum

ponto indeterminado de sua carreira3, agora ganham mais força, pois parecem ser um lenitivo à

decepção quanto à carreira de pianista. É importante salientar que, apesar de mais tarde - como

será demonstrado nas páginas seguintes - o compositor Radamés Gnattali não excluir de suas

composições as experiências adquiridas em suas funções de instrumentista e, posteriormente,

arranjador de música popular, pode-se entender em seus depoimentos que há uma divisão clara

entre música erudita, utilizando aqui o termo cunhado por Mário de Andrade4, (ou de concerto,

como dizia preferir o compositor) e música popular em suas idéias sobre a produção musical. É

possível concluir que o compositor gaúcho entendia como música erudita, aquela que vem da

tradição européia, desde a Grécia antiga, passando pelo cantochão, se desenvolvendo nas

polifonias do renascimento, na afirmação da tonalidade assistida a partir do período barroco e

que desembocou nas tendências de composição do século XX, entre elas, o nacionalismo. Em

suas primeiras obras de concerto, Radamés Gnattali chegou a ser considerado um nacionalista:

A atuação de Radamés como compositor tomava proporções inesperadas. Há um ano da execução de sua primeira obra, a sala Beethoven apresentava a Noite Brasileira de Radamés Gnattali e Luiz Cosme. O aproveitamento de temas folclóricos e populares nas composições de Radamés já demonstrava a sua tendência nacionalista. “Radamés, como muitos belos espíritos da nova geração de músicos brasileiros – escreveu Ângelo Guido no Diário de Notícias -, aspira a fazer música nossa, em que sejam aproveitados os ritmos típicos, originalíssimos, de nossa música folclórica, que é aquela que fala à alma de nossa gente” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p.29).

Uma boa observação da obra de Radamés Gnattali pode corroborar a idéia de que mais

tarde suas obras tendem muito mais ao alinhamento com a música popular urbana – que será

3 Não foram localizados dados ou fontes que pudessem determinar com exatidão quando se iniciaram os primeiros ensaios de composição de Radamés Gnattali, no entanto, Barbosa e Devos apontam a data de 1930 como de estréia do compositor frente ao público com a peça “Rapsódia Brasileira para Piano” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p.28). 4 É possível que tal feito seja atribuído a este autor por causa das seguintes afirmações: “Uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo. O artista tem só que dar pros elementos já existentes uma transposição erudita que faça da música popular, música artística (...)” (ANDRADE, 1962, P. 16). “(...) e não é possível mais imaginar um compositor que não seja um erudito da arte dele (...)” (ANDRADE, 1962, P.44).

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discutida nas próximas páginas – do que com a música nacionalista. O aproveitamento de temas

folclóricos, uma das características do nacionalismo, mencionados tanto por Barbosa e Devos

quanto pelo articulista do Diário de Notícias, Guido, vai se rarefazendo no desenvolvimento do

seu estilo tanto como compositor quanto como arranjador. Além disso, não se encontram

registros de que Gnattali tenha desenvolvido alguma pesquisa etnomusicológica no intuito de

recolher temas folclóricos para alimentar suas composições. Tal característica etnomusicológica

pode ser enquadrada ao nacionalismo mundial, como é descrito por Roland de Candé que prefere

usar o título “correntes nacionais”:

As escolas nacionais surgidas no século XIX ganham no século XX novo alento. Como mostra o musicólogo romeno Constantin Brailou, o mundo sonoro aberto por Debussy é mais favorável ao desabrochar das melodias populares do que à harmonia tonal e às formas clássicas. Além disso, o estudo folclórico se desenvolverá sob o impulso de Béla Bartók e Zoltan Kodály (1882 – 1967), que publicam em 1906 sua primeira coletânea de canções camponesas. Mais tarde, Bártok notará e gravará em rolos fonográficos cerca de dez mil melodias populares, húngaras, eslovacas, romenas, ucranianas, servo-croatas, búlgaras, turcas, árabes (no sul argelino), trabalho de uma amplitude e de uma qualidade científica sem precedentes. As correntes nacionais, ligadas outrora aos irredentismos do período após 1848, apóiam-se cada vez mais no conhecimento aprofundado de um autêntico patrimônio, cujas características distintivas são assimiladas por muitos compositores (CANDÉ, 1994, p. 258 VOL. II).

O “aproveitamento folclórico” na obra autoral de Gnattali é cada vez menos perceptível e

cede lugar a outras fontes de inspiração nem sempre brasileiras. A inquietação e a constante

transformação da música popular brasileira urbana sempre incomodou os ideais nacionais da

época do governo de Getúlio Vargas, onde Mário de Andrade encabeçava o movimento

nacionalista tendo Heitor Villa-Lobos como principal compositor. “... O problema é que o

nacionalismo musical modernista toma a autenticidade dessas manifestações (folclóricas rurais)

como base de sua representação em detrimento das movimentações da vida popular urbana

porque não pode suportar a incorporação desta última, que desorganizaria a visão centralizada

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25

homogênea e paternalista da cultura nacional”.(SQUEFF e WISNIK, 1982, p. 133). Parecia ser

nítido para o nacionalismo desta época que a verdadeira essência da música brasileira residia

realmente na música feita pelas sociedades autóctones. “... a plataforma ideológica do

nacionalismo musical consistia justamente na tentativa de estabelecer um cordão sanitário-

defensivo que separasse a boa música (resultante da aliança da tradição erudita nacionalista com

o folclore) da música má (a popular urbana comercial e a erudita europeizante, quando esta

quisesse passar por música brasileira, ou quando de vanguarda radical)”. (SQUEFF e WISNIK,

1982, p. 134). Squeff e Wisnik deixam claro que o nacionalismo no Brasil não aceitou a música

popular urbana como parte de sua metodologia, pois essa, por estar em constante transformação -

contrariamente à música folclórica rural - não é um exemplar da essência musical do brasileiro e,

portanto, ameaçaria os sentimentos patrióticos da população, depositando risco à estabilidade do

estado5. Radamés Gnattali, por sua vez, sempre permitiu que houvesse uma aliança estética entre

a música popular brasileira urbana, o jazz e a música erudita em sua obra de concerto. Pode ser

que o primeiro contato com a produção desse compositor leve o ouvinte a imaginar que o único

elo existente entre sua música e a música erudita é a sua refinada técnica de orquestração. No

entanto, uma observação mais meticulosa e aprofundada de sua obra permite localizar grande

quantidade de associações com a música européia, como a escrita romântico-tardia de suas cinco

Sinfonias Populares, de alguns de seus concertos e a bitonalidade de sua Sonatina para Flauta e

violão, apenas para citar alguns exemplos. A questão é que o elemento nacional da música de

Gnattali não repousa, ou pelo menos raramente repousa, na música folclórica, fato que

5 José Miguel Wisnik, quando se refere ao estado, constantemente remete à república de Platão como se esta obra fosse parte da fundamentação teórica do Estado Novo de Getúlio Vargas: “Enquanto o nacionalismo musical quer implantar uma espécie de república musical platônica assentada sobre o ethos folclórico (no que será subsidiado por Getúlio), as manifestações populares recalcadas emergem com força para a vida pública, povoando o espaço do mercado em vias de industrializar-se com os sinais de uma gestualidade outra, investida de todos os meneios irônicos do cidadão precário, o sujeito do samba, que aspira ao reconhecimento da sua cidadania mas a parodia através de seu próprio deslocamento”. (SQUEFF e WISNICK, 1982, p. 161).

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provavelmente o distanciou dos meios musicais criados pelos compositores eruditos

nacionalistas de sua época, resultando em uma certa ofuscação de sua obra e conseqüentemente

de seu nome na história da música brasileira. O arranjador Radamés Gnattali recebe muito mais

espaço na memória nacional6 do que o compositor em si.

Talvez seja inevitável abordar a obra de Gnattali sem reincidir sobre as balizas “erudito”

e “popular”, pois não eram raros depoimentos do próprio compositor sobre música onde se

percebe a distinção entre música popular e música erudita. Em 1964, o já consagrado7

arranjador-compositor volta às salas de concerto como camerista, viajando para o exterior com o

violoncelista Iberê Gomes Grosso. Voltar por um período às salas de concerto do exterior é para

Gnattali uma tomada de fôlego dentre todos os seus trabalhos de arranjador de música popular.

Certamente, este não foi o sonho idealizado pelo jovem Radamés Gnattali, mas tocar piano, desta

vez como camerista, parece ter sido um alento para sua carreira. Mas é importante salientar que

essa volta como instrumentista às salas de concerto teve sua carreira de compositor como o

elemento que possibilitou este fato, já que o duo viajou para apresentar obras escritas por

Radamés. É o próprio compositor gaúcho quem declara: “Amo a música popular, mas se pudesse

trabalharia exclusivamente sobre a música erudita” (BARBOSA E DEVOS,1984, p. 63).

Na ocasião desta declaração certamente o compositor já tinha plena consciência de sua

posição como músico e sobre música popular. É fato que Gnattali preferia utilizar a designação

“música de concerto” em vez de “música erudita”, mas parece que para ele o termo erudito ainda

pode ser útil quando quer deixar bem claro que realizou trabalhos com a música popular -

6 Principalmente nos textos sobre o rádio no Brasil, como por exemplo, no livro de Sérgio Cabral, “A MPB na era do Rádio” (CABRAL, 1996). 7 Consagrado mais por estar trabalhando e ganhando seu sustento com o ofício de escrever música do que por ter o reconhecimento compatível com sua obra. Claro que o compositor gaúcho teve seu reconhecimento em vida, mas seu nome consta bem menos nos estudos sobre nossa música do que nomes como o de Villa-Lobos, Guerra Peixe e Camargo Guarnieri, apenas para citar alguns exemplos. Certamente isto acontece em conseqüência da quantidade de influências que sua obra abarca, o que obscurece o olhar que busca seu alinhamento com uma tendência de composição previamente definida.

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produção esta que ama, mas que só tomou contato por razões de subsistência – por não ter

conseguido viver apenas da música de concerto, ou erudita, seja como compositor ou como

instrumentista. Tendo em vista sua atuação profissional pode-se conjeturar que Radamés

concordaria com as definições desse tipo de produção musical propostas por José Ramos

Tinhorão:

Por oposição à música folclórica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de geração em geração), a música popular (composta por autores conhecidos e divulgadas por meios gráficos, como partituras, ou através da gravação de discos, fitas, filmes ou video-teipes) constitui uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau de diversificação social (TINHORÃO, SEM DATA, p. 05).

Pois foi com esta música popular, de caráter urbano, que Radamés Gnattali tomou maior

contato. Nomes como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Anacleto de

Medeiros, etc., foram músicos importantes para sua formação como compositor. Esta música,

que no Brasil passa a ser “produzida com caráter de artigo destinado ao consumo cultural da

sociedade urbana” (TINHORÃO, 1998, p. 208) é que vai transparecer em sua obra de concerto,

tanto pelos padrões rítmicos utilizados na orquestra, como na escolha da instrumentação e

também na escolha dos motivos que construirão seus temas.

No início da carreira musical de Gnattali, o “artigo” – tomando emprestado o termo

empregado por Tinhorão na citação do parágrafo anterior - música popular já estava estabelecido

no Brasil, e atividades práticas nesse setor garantiam ao músico alguma remuneração. Mais

adiante, viria atuar também no mercado de gravações de música popular, escrevendo arranjos

orquestrais para os principais cantores da música popular brasileira, como Orlando Silva por

exemplo, e em alguns momentos acompanha estes como pianista em gravações, como fez bem

mais tarde com Dorival Caymmi.

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Voltando um pouco no tempo, no início de sua carreira como músico e gozando da

versatilidade que sua formação musical e suas funções como profissional vinham lhe garantindo,

ainda encontrou espaço para trabalhar com a música erudita, não como concertista, mas sim

como violista do quarteto Henrique Oswald:

“Com esse quarteto fizemos muitos concertos em Porto Alegre, Caxias, São Leopoldo. Tocávamos Beethoven, Mendelsohn, e Dunah, entre outros. Era muito bom o quarteto. Ensaiávamos todo dia, na casa de um e de outro. Eu gostava daquilo... Este foi um período importante pra mim; o grupo de cordas é a base da sinfônica; quem sabe trabalhar com ele, sabe usar a orquestra” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 23).

Mais uma vez, é possível constatar através das palavras do próprio Radamés Gnattali, que

a composição musical, de alguma maneira, sempre esteve presente em sua mente, como se já

estivesse supondo que tal função poderia vir a ser seu principal ofício. É evidente que esta

explanação do músico sobre o grupo de cordas foi feito mais tarde, pelo compositor já maduro,

fora do contexto do músico prático, violista, que atuou em um quarteto de cordas, mas tais

palavras deixam transparecer que, já naquela época, Gnattali não estava preocupado apenas com

nuances de interpretação das obras, como é comum ao intérprete, mas também mergulhava em

análises daquele repertório, recolhendo elementos que pudessem estruturar trabalhos

composicionais posteriores.

Como pianista, chegou também a acompanhar uma companhia de ópera no Teatro Lírico

do Rio de Janeiro, por volta de 1929. Começou como violista da orquestra e depois passou a

assistente de maestro já que sua leitura a primeira vista ao piano era notável.

Nesta mesma época, ensaiou também, de modo bem mais moderado, uma carreira como

professor de piano, pois nunca teve paciência para ensinar.

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Apesar de ter nascido e atuado no Rio Grande do Sul, de ter trabalhado como músico em

São Paulo, é no Rio de Janeiro que o músico viria a estabelecer residência, e antes disso, foi

nesta mesma cidade que tomou contato com músicos populares cujas produções musicais teriam

papel determinante na sua carreira de compositor e de arranjador. Por ocasião de sua viagem para

realizar seu primeiro recital de piano no Instituto Nacional de Música, toma contato com a

música de Ernesto Nazareth, compositor este que muito o influenciou e que foi merecedor de

composições e arranjos em sua homenagem:

Ouvir Ernesto Nazareth do lado de fora do Cinema Odeon foi para Radamés, se não o ideal, o suficiente para perceber todas as nuances de interpretação daquele já consagrado pianista... O pianista Radamés dessa época, ao contrário de Nazareth, seguia o mesmo rumo dos concertistas, pela interpretação dos clássicos (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 17).

Na citação acima se pode detectar que para Radamés Gnattali, mesmo sendo ainda um

jovem e promissor músico interessado em carreira de concertista, não se aproxima da música

popular vendo-a apenas como um modo de subsistência. Essa aproximação acontece também

pelo gosto, pela percepção de que algo de bom o atrai nessa música e esta atração, mais tarde,

geraria também o desejo de imbuir suas composições de informações da “música popular

urbana”, utilizando aqui, mais uma vez, uma outra expressão de Tinhorão. Certamente a

aproximação da música popular pelo gosto se deu em menor medida, já que foram suas

necessidades profissionais que o levaram a conhecer profundamente a música popular. Vale

esclarecer, uma outra vez, que talvez este seja o ponto que distancie Radamés Gnattali de seus

contemporâneos nacionalistas: Sua obra de concerto – e isso será demonstrado mais adiante

através do Concerto Carioca Nº 1 - parece percorrer pela música popular urbana, aquela que

representa a imaginação de um compositor, tal qual o choro, o samba, a música de seresta e a

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composição dos “pianeiros” e busca em menor medida inspiração na música folclórica, que é

definida por Tinhorão como uma forma de expressão popular que não tem autor e que é

transmitida de forma oral, de geração em geração, música essa que era fonte visitada por

compositores nacionalistas. Em seus depoimentos, Radamés Gnattali se refere à música popular

através de seus compositores, como por exemplo, quando se referia a Pixinguinha, dizendo que

havia uma vasta produção de choro a ser conhecida, estudada, mas “os bons mesmo são os do

Pixinguinha”.8 Na presente pesquisa não foram localizados depoimentos do próprio compositor

onde fosse possível se localizar referencias à música folclórica servindo de inspiração para a sua

música de concerto. Na verdade, Radamés Gnattali não parecia estar preocupado em se

enquadrar como um compositor nacionalista, ao contrário, em sua fase madura de composição

aparentava estar bem resolvido com relação à sua música, considerada por alguns, difícil de ser

encaixada em qualquer padrão que a conduza a uma definição precisa. 9

Radamés Gnattali, não obstante a sua falta de paciência para dar aulas, desejou ter

emprego fixo como professor de Instituto Nacional de Música no Rio de Janeiro, o que lhe

garantiria o sustento e o tempo necessário para se dedicar à carreira de concertista, conforme foi

dito anteriormente. No entanto, diferente do que aspirou, os encaminhamentos de sua vida

profissional o levaram à carreira de arranjador, o que lhe garantiu em 1930 um emprego na

Rádio Transmissora, como regente e posteriormente como arranjador e esse fato, em certa

medida, lhe deu estabilidade financeira e espaço para desabrochar definitivamente sua carreira de

compositor, como se a necessidade de escrever arranjos diariamente tivesse fertilizado sua

imaginação de compositor. A sua carreira como arranjador parece ter sido iniciada

8 Ver o vídeo Nosso Amigo Radamés Gnattali. Brasiliana Produções. 9 Aloísio Didier em seu livro Radamés Gnattali (1996) por diversas vezes em seu texto deixa transparecer o quanto foi e é difícil enquadrar Gnattali em um definição, seja músico erudito, popular ou nacionalista. Para Didier Radamés é o “músico total” por ter realizado com maestria todas as funções musicais às quais se submeteu e estas foram, bastante diversas.

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acidentalmente, em função de sua notável habilidade de escrever na partitura de maneira exata as

composições dos pianeiros dos anos 1930, que não sabiam ler e escrever música:

A casa Vieira Machado, que também imprimia música, era ponto de encontro dos pianeiros que tocavam em bailes. Lá, alguns destes tinham as suas músicas impressas, mas não se mostravam muito satisfeitos com os arranjos das melodias. O arranjador costumava fazer a adaptação para a partitura à maneira dele, resultando na descaracterização das músicas. Até que Radamés resolveu a questão: “A próxima eu escrevo. Botei o cara pra tocar e fui escrevendo tudo, da mesma maneira como estava sendo executada. Quando acabou eu disse: Vê se é isso mesmo... Aí começaram a fazer meu cartaz como arranjador (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 31). É na Radio Transmissora que Radamés Gnattali toma contato com o modo de se escrever

música orquestral ao sabor do Jazz, com a inclusão da Big Band - que é um grupo instrumental

composto por dois saxofones altos, dois saxofones tenores, um saxofone barítono, quatro

trompetes, quatro trombones, guitarra elétrica, piano, contrabaixo e bateria (LOWELL E

PULLIG, 2003, p. 25) - na orquestra sinfônica, devido à visão comercial do diretor artístico desta

instituição, Mr. Evans, que percebia que o disco internacional tomava conta do mercado

brasileiro. Na visão de Evans os elaborados arranjos orquestrais do disco norte-americano eram o

motivo de seu sucesso e por isso, desejou ter no Brasil o mesmo nível de elaboração musical.

Contratou Radamés Gnattali como maestro e lhe pediu para organizar uma orquestra grande e

completa e Gnattali incluiu nessa orquestra cinco saxofones e estabeleceu a utilização de quatro

trompetes e quatro trombones, intrumentação característica das big bands. No início, contratou-

se um arranjador paulista chamado Galvão, que havia estudado arranjo nos Estados Unidos, e

esse escreveu os primeiros arranjos. “O Galvão fez os arranjos e eu gostei. Comecei a estudar

aquelas partes e comecei a aprender” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 35). A partir deste

momento Radamés passa a escrever também para essa orquestra, com essa nova linguagem que

vinha do jazz. Algum tempo depois, Gnattali se estabelece profissionalmente nesta nova função,

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surgida a partir da música popular urbana: o arranjador. Tal profissional não existia na música

erudita, pois o compositor desenvolve toda a partitura musical, com a parte de todos os

instrumentos e é esse todo que perfaz a composição em si. O arranjo tem espaço na música

erudita apenas no campo das transcrições e adaptações de obras originais para conjuntos

instrumentais diferentes. A nova profissão é classificada por José Ramos Tinhorão como uma

necessidade de mercado:

Com o aparecimento das gravações – primeiro em cilindros, e logo em discos -, a produção de música popular iria ter ampliadas tanto sua base artística quanto industrial: A primeira, através da profissionalização dos cantores (solistas ou dos coros), da participação mais ampla de instrumentistas (de orquestras, bandas e conjuntos em geral) e do surgimento de figuras novas (o maestro arranjador e o diretor artístico); a segunda através do aparecimento das fábricas que exigiam capital, técnica e matéria prima (TINHORÃO, 1998, p. 247).

Gnattali tinha plena consciência dessa condição, pois ele mesmo cita a necessidade da

época de concorrer com o disco americano, que chegava com grande sucesso ao Brasil. Essa

aproximação e gosto pelo estilo de música norte americana talvez tenha contribuído também, no

campo de suas composições de concerto, para o afastamento de um anunciado nacionalismo. A

adaptação instrumental da orquestra, com a inclusão dos saxofones, se deu em Radamés Gnattali

não pela obra de Ravel ou Debussy, mas sim pela aproximação com o jazz, que veio primeiro

nos arranjos e depois esvaiu para a sua obra de concerto. “Eu me criei dentro do impressionismo

francês de Debussy e Ravel” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 15). Fica claro nesta afirmação,

que esses dois compositores foram fortes influências em sua imaginação musical, mas a inclusão

dos saxofones em sua orquestra parece ter-se dado mais pela aproximação com o jazz, vinda da

necessidade de adaptação de mercado musical, desembocando em inspiração para a sua obra de

Page 34: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

33

concerto, do que pela análise da orquestração dos músicos franceses, que escreveram com

maestria para esse instrumento de origem belga.

A inclusão de um contrabaixo acústico tocado em pizzicato ao modo jazzístico e da

bateria10 também fizeram parte da orquestra destinada aos arranjos de música popular de Gnattali

e os mesmos são utilizados em sua obra autoral, principalmente no Sexteto Radamés Gnattali,

que inclui, neste caso, a guitarra elétrica, instrumento também ligado às Jazz Bands. A guitarra

elétrica ainda ganharia destaque como solista em seu Concerto Carioca nº 1, assunto este que

será abordado detalhadamente no próximo capítulo. Quando o maestro Radamés Gnattali assume

definitivamente a função de arranjador, sente a necessidade de incluir na orquestra, além de

instrumentos de jazz, instrumentos ligados à música popular brasileira, principalmente os de

percussão. Era comum também em sua orquestra, seja nos arranjos ou nas composições, a

utilização do cavaquinho e do acordeom, instrumentos estes ligados ao grupo regional11,

formação instrumental muito utilizada para se acompanhar cantores no rádio e nas gravadoras da

década de 1930. Essa atitude influenciaria de maneira decisiva o seu estilo de composição na

área da música de concerto. Segue abaixo a lista completa das obras em que Gnattali utilizou

instrumentos musicais ligados à música popular, lista dividida em peças para orquestra sinfônica,

orquestra de câmara e orquestra de cordas:

1.1. Orquestra Sinfônica

10 Em sua História Social da Música Popular Brasileira, na página 252, José Ramos Tinhorão cita a “bateria compacta” como uma das necessidades de adaptação da música popular brasileira às jazz bands, já que esse instrumento é nascido das necessidades musicais do jazz. 11 O agrupamento instrumental chamado regional, antes designado “grupo de pau e corda, devido à junção da flauta de ébano com os instrumentos de corda”, recebe este nome “pela associação de sua instrumentação com as músicas regionais (que também utilizavam cavaquinho, violões, percussão e instrumento solista)”. André Diniz, em seu livro Almanaque do Choro, parece atribuir a denominação “regional” para esses grupos a partir de sua utilização nas rádios: “... eram a principal mão-de-obra dos programas de rádio, inclusive tapando os freqüentes furos da programação”, página 32.

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Brasiliana nº 10 (1970): Escrita para grande orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés,

corno inglês, dois clarinetes, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, três trombones, tuba,

tímpano, pratos, caixa, bombo e cordas completas) com inclusão de instrumentos ligados à

música popular brasileira, tais como, triângulo tocado ao modo popular, sem estar preso ao

suporte, gonguê, reco-reco e caixeta.

Brasiliana nº 3 (1971): Grande orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês,

dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, três trombones,

tímpano, pratos, caixa, bombo, piano e cordas completas) com triângulo, pandeiro sem couro,

tarol 12e zabumba.

Concerto Carioca nº 1 (1951): Foco do presente trabalho, escrito para violão elétrico

(posteriormente chegou-se à conclusão de que se trata de uma guitarra elétrica), piano, orquestra

(duas flautas, flautim, oboé, corno inglês, trompa, quatro trompetes, quatro trombones, tuba,

pratos, bombo, tímpano, primeiros violinos 1 e 2, segundos violinos 1 e 2, violas 1 e 2,

violoncelos 1 e 2 e contrabaixos), inclusão de dois saxofones altos, dois saxofones tenores e

saxofone barítono nas madeiras, e percussão popular com instrumentos de escola de samba (seis

tamborins, dois reco-recos, dois chocalhos, pandeiro e surdo. Nesta obra, Gnattali parece buscar

a fusão da sonoridade do jazz com os saxofones e guitarra elétrica e da música popular brasileira,

através dos instrumentos de percussão de escola de samba.

Concerto Carioca nº 2 para piano, contrabaixo e bateria com orquestra (1964):

Nesta obra, Radamés Gnattali parece fazer alusão ao trio que nesta época já era bastante utilizado

12 Tambor com duas peles e esteira na pele de resposta, tocado com baquetas de madeira e pendurado ao ombro do instrumentista. Espécie de caixa. (FRUNGILLO, 2003, P. 340).

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pelos múscos de jazz, que é a junção do piano com contrabaixo e bateria, acompanhados por uma

orquestra formada por fauta, oboé, corno inglês, clarinete, fagote, trompa, três trompetes, três

trombones, tímpano, pratos, caixa, bombo e cordas completas. Tal citação ao jazz limita-se à

escolha dos instrumentos, já que a obra é bastante brasileira e possui três movimentos intitulados

samba, samba-canção e choro.

Concerto Carioca nº 3 para flauta, saxofone alto, violão, contrabaixo e bateria, com

orquestra (1972 - 73): Aqui o compositor utiliza flauta, saxofone alto, violão, contrabaixo

(tocado ao modo jazzístico em pizzicato) e bateria como grupo instrumental principal sendo

acompanhado pela orquestra sinfônica (duas flautas, dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes,

quatro trompas, quatro trompetes, quatro trombones, tuba, tímpano, prato, caixa, bombo e cordas

completas).

Concerto Carioca nº 3 (1970)– Versão original para quinteto Radamés Gnattali e

orquestra (mesma formação da versão de 1972-73), com segundo piano opcional (1970): O

quinteto Radamés Gnattali era formado por piano, bateria, contrabaixo, guitarra elétrica e

acordeom.

Concerto nº 2 para piano e orquestra (1934): Nesta obra o compositor escreve um

concerto para piano e grande orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês, dois

clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, dois trompetes, três trombones, tuba,

triângulo, pratos, bombo, tímpano e cordas completas) e inclui na percussão a bateria.

Concerto nº 3 (seresteiro) para Camerata Carioca, Piano e orquestra (198?):

Adaptação do Concerto Seresteiro para Piano e orquestra nº 3, de 1961-62, com a inclusão do

grupo Camerata Carioca, que em sua formação conta com dois violões, violão de sete cordas,

bandolim, cavaquinho e pandeiro, uma das possíveis formações de um regional, sendo

acompanhado pela orquestra (duas flautas, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete

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baixo, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, quatro trombones, tuba, tímpano, pratos,

caixa, bombo e cordas completas).

Fantasia Brasileira nº 1 para Piano e Orquestra (1936): Além do piano e grande

orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés, dois fagotes, dois clarinetes, clarinete baixo, quatro

trompas, três trompetes, dois trombones, tuba, tímpano, pratos, bombo, e cordas completas) há a

utilização da bateria, reco-reco e chocalho na percussão.

Fantasia Brasileira nº 1 para Piano e Orquestra, segunda versão (1936): Nesta

versão, incluem-se dois saxofones altos, dois saxofones tenores, saxofone barítono, bateria e

contrabaixo elétrico. Embora seja uma Fantasia Brasileira, Gnattali parece buscar a sonoridade

de uma big band junto à orquestra (duas flautas, três trompetes, quatro trombones, tímpano,

vibrafone e cordas completas). Para sonoridades de música popular brasileira o compositor

utiliza dois violões.

Fantasia Brasileira nº 3 para Piano e Orquestra (1953): Nesta peça, além do piano e

grande orquestra (flauta, flautim, oboé, clarinete, clarinete baixo, trompa, três trompetes, três

trombones, tuba e cordas completas) há instrumentos ligados a big band que são dois saxofones

altos, dois saxofones tenores, saxofone barítono e bateria, além do acordeom que no Brasil era

um instrumento muito comum aos conjuntos regionais.

Fantasia Brasileira nº 4 para Trombone, Piano, bateria e Orquestra (1953): No título

desta obra já se anuncia em sua orquestração a utilização da bateria. Além disso, há também o

grupo de saxofones (dois saxofones altos, dois saxofones tenores, saxofone barítono).

Fantasia Brasileira nº 5 para Piano e Orquestra (1961): Incluem-se na orquestra

(flauta, flautim, trompa e cordas completas) dessa obra, dois saxofones altos, dois saxofones

tenores e saxofone barítono nos sopros e na percussão há a bateria e instrumentos de percussão

popular brasileira, tais como, tamborim, pandeiro, gonguê, agogô, reco-reco e madeira.

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Fantasia Brasileira nº 6 para Piano e Orquestra (1963): Na orquestra desta obra (três

trompetes, três trombones, tuba, trompa, tímpano, bombo, caixa, prato e cordas completas) há a

inclusão de dois saxofones altos, dois saxofones tenores e saxofone barítono nas madeiras e na

percussão há um surdo, reco-reco, cabaça, gonguê e pandeiro.

Maria Jesus dos Anjos (cantata umbandista): Para coro misto, narrador, orquestra

e percussão popular (1964): Nesta cantata para coro (doze vozes masculinas e doze vozes

femininas) e orquestra (três trompetes, três trombones, tuba, trompa, três tímpanos, pratos, caixa,

bombo, piano e cordas completas) o próprio compositor anuncia no título a utilização de

percussão popular. Os instrumentos de percussão populares dessa obra são: triângulo, caixeta13,

gonguê, cabaça, reco-reco, pandeiro e atabaque.

O negrinho do pastoreio: (bailado) para orquestra (1960), do original para dois

pianos de 1958 - 59: Obra para orquestra (duas flautas, flautim, corno inglês, dois clarinetes,

clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, três trombones, tuba, bells, tímpano,

caixa, bombo, harpa, celesta e cordas completas) e na sessão de percussão são incluídos os

seguintes instrumentos de percussão popular: pandeiro, reco-reco, tamborim, quatro atabaques e

omelê14.

Rapsódia para dois pianos e orquestra de jazz (1936), do original “Fantasia

Brasileira nº 1”, para dois pianos: A orquestra que acompanha os dois pianos nesta obra tem a

seguinte formação instrumental: flauta, oboé, clarinete, dois trompetes, dois trombones, violinos

A, B, C, viola, violoncelo contrabaixo, tuba e tímpano. Dois saxofones altos e dois saxofones

tenores são incluídos, além da bateria na percussão. É notável que Radamés Gnattali nomeia este

grupo instrumental como “orquestra de jazz” pelo uso da bateria e em grande medida pelo

13 Caixa de madeira. Nome dado no Brasil ao wood block. (FRUNGILLO, 2003, P. 56). 14 Chocalho de metal contendo sementes e pedrinhas. (FRUNGILLO, 2003, P. 231).

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emprego dos saxofones aliados aos metais intrínsecos à orquestra sinfônica, mas que também

estão presentes na big band, o que corrobora a hipótese de que a utilização dos saxofones em

Radamés Gnattali se dá pelo jazz e não pela sua educação musical, permeado em seu início pelo

impressionismo francês de Debussy e Ravel.

Sinfonia Popular nº 1 (1956): A orquestra desta obra tem a seguinte formação: duas

flautas, flautim, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro

trompas, três trompetes, quatro trombones, tuba, caixa, bombo, pratos, tímpano, harpa e cordas

completas. Instrumentos de percussão popular, tais como, chocalho, reco-reco, triângulo, são

incluídos na percussão.

Sonatina Coreográfica (quatro movimentos dançantes) para orquestra (1952) do

original para piano solo, de 1950.

A orquestra é composta por duas flautas, flautim, oboé, corno inglês, clarinete, clarinete

baixo, dois fagotes, trompa, três trompetes, dois trombones, bombo, pratos, tímpano e cordas

completas. São incluídos um saxofone alto nas madeiras e a bateria na percussão.

Suíte Brasileira (seis danças): para piano, guitarra elétrica, contrabaixo e bateria,

com orquestra (1954), do original “suíte popular brasileira para violão e piano” de 1952:

O contato com essa obra traz já em seu título, instrumentos ligados ao jazz, que são, a

bateria, a guitarra elétrica e o contrabaixo, que é acústico porém tocado em pizzicato, ao modo

jazzístico. No instrumental da orquestra constam os seguintes instrumentos: flautim, flauta, dois

oboés, corno inglês, dois clarinetes, dois clarinetes baixos, trompa, três trompetes, três

trombones, tuba, tímpano e cordas completas. Aliados à orquestra há um grupo de cinco

saxofones (dois altos, dois tenores e um barítono) que contribuem para a intenção de se obter

texturas jazzísticas.

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Três miniaturas para orquestra (1940): A orquestra desta obra conta com duas flautas,

flautim, dois oboés, dois fagotes, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, quatro trompas,

três trompetes, quatro trombones, tuba, celesta, harpa, piano, pratos, caixa, bombo, tímpano,

triângulo, reco-reco, chocalho e cordas completas.

Impressões da Cidade para piano e orquestra (1948): A orquestra dessa obra é

formada por duas flautas, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, fagote, duas

trompas, três trompetes, dois trombones, caixa, tímpano e cordas completas, com a inclusão de

um surdo na percussão, instrumento este que é comum ao samba.

Música para Rádio – para orquestra, oito movimentos (1941): Orquestra formada por

flauta, flautim, oboé, dois clarinetes, fagote, três trompetes, dois trombones, bells, harpa e cordas

completas. Na percussão, o toque jazzístico através da bateria. Um violão tocado ao modo dos

seresteiros é incluído na orquestração.

Suíte retratos para piano e orquestra (198?), do original para bandolim e orquestra

de cordas de 1956-57. A orquestra formada por flauta, flautim, dois oboés, dois clarinetes,

clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, bells, e cordas completas tem um pandeiro incluído

na percussão.

1.2. Orquestra de Câmara

Também se localizam instrumentos de música popular brasileira ou de jazz na música que

Gnattali dedicou à orquestra de câmara:

Concertino nº 1 para harmônica de boca e orquestra de câmara (1956): A

instrumentação deste concertino é formada por duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês,

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dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, trompa, tímpano e cordas completas. O triângulo e a

bateria são incluídos na percussão. O instrumento solista, a gaita de boca, não é comum de se

encontrar na música de concerto.

Concertino nº 3 para piano (pequenas mãos) e orquestra de câmara (1946): A

orquestra de câmara que acompanha o piano nesta obra é formada por flauta, oboé, dois

clarinetes, clarinete baixo, fagote, trompa, trompete, caixa, bombo e cordas completas. São

incluídos na família da percussão o reco-reco, o triângulo e o gonguê.

Suíte para pequena orquestra (1940): A orquestra de câmara desta peça é formada por

duas flautas, dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes, duas trompas, dois trompetes, dois

trombones, piano, violinos 1, 2 e 3, viola, violoncelo e contrabaixo. Há uma bateria como único

instrumento de percussão da suíte.

1.3. Orquestra de Cordas

A orquestra de cordas também foi associada por Gnattali aos instrumentos da música

popular brasileira e do jazz:

Brasiliana nº 2 (samba em três andamentos): para bateria e piano solistas, orquestra

de cordas e percussão popular (195?): Um dos solistas da obra, a bateria, é um instrumento

intrínseco ao jazz. A orquestra de cordas (violinos 1, 2, 3 e 4, violas 1 e 2, violoncelos 1 e 2 e

contrabaixos) ganha uma sessão de percussão popular formada por dois tamborins, dois

chocalhos, surdo, ganzá, cabaça e prato de cozinha.

Canção e dança para harmônica de boca e orquestra de cordas (1959): Três anos

após o concertino para harmônica de boca e orquestra, esse mesmo instrumento recebe uma outra

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peça, desta vez acompanhado por orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e

contrabaixo).

Concertino nº 3 para violão solista, com flauta, bateria, bells e orquestra de cordas

(1957): A orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo) que acompanha o

violão solista desta peça possui, como mencionado no título, flauta, bells e a bateria que é o

instrumento popular desta orquestração.

Concerto nº 2 para harmônica de boca e orquestra (1968): Esta é a terceira obra que

Radamés Gnattali escreve para harmônica de boca, a segunda em que é acompanhada pela

orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo).

Concerto para acordeom e orquestra de cordas (1977): Radamés Gnattali escreve esta

obra certamente inspirado pelo acordeom presente em regionais que acompanhavam cantores no

rádio das décadas de 1930-40. Este é acompanhado pela orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola,

violoncelo e contrabaixo) e na percussão conta com duas tamboras, instrumentos assim

designados no manuscrito do compositor e por isso mesmo, constam com esse nome em seu

catálogo de obras. Provavelmente um tipo de tambor.

Concerto nº 2 para trompete, piano, bateria e orquestra de cordas (1952): Nesta

obra, uma outra vez, figura a bateria como único instrumento de percussão da orquestração.

Retratos (suíte) para bandolim solista, conjunto de choro e orquestra de cordas

(1956 - 57): O conjunto de choro presente na instrumentação desta suíte é composto por

cavaquinho, dois violões e pandeiro.

Retratos (suíte) para camerata Carioca e orquestra de cordas (1981), do original

para bandolim e orquestra de cordas (1956-57): o grupo de música popular brasileira incluído

nesta peça é a Camerata Carioca, formada por bandolim, cavaquinho, dois violões, violão de sete

cordas e percussão popular.

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Valsa, samba-canção e choro para violino solista, dois violões, pandeiro e orquestra

de cordas (1959): a orquestra de cordas (formada por violino 1, 2 e 3, viola, violoncelo e

contrabaixo) que acompanha o violino nesta obra tem o apoio harmônico de dois violões, e o

pandeiro como único instrumentos de percussão.

Radamés Gnattali empregou instrumentos musicais populares também em sua produção

camerística. As dificuldades de se amalgamar timbres em pequenas formações, tais como duos,

trios, quartetos etc., não quebrantaram o ímpeto experimental do compositor, que igualmente,

neste terreno, procurou utilizar instrumentos já consagrados pela música popular brasileira ou

norte-americana em sua produção de concerto. Do catálogo do compositor podem-se localizar as

seguintes obras desta natureza:

1.4. Música de Câmara

Brasiliana nº 7 para saxofone tenor e Quinteto Radamés (195?): Obra escrita para

saxofone solo acompanhado pelo Quinteto Radamés, que contém em sua formação, piano,

acordeom, guitarra elétrica, contrabaixo e bateria. O quinteto Radamés parece ter a intensão de

fundir a sonoridade do jazz, através da guitarra elétrica, contrabaixo, bateria e em certa medida

até mesmo do piano, com a sonoridade do regional, através do acordeom.

Variações sem tema para cavaquinho e piano (1983): Nesta obra, Radamés alia o

timbre do piano, instrumento já consagrado na música de concerto com o cavaquinho, que é

intrínseco ao regional e ao samba.

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Fantasia Brasileira nº 1, transcrição para sexteto Radamés (1985?): O Sexteto

Radamés é formado por dois pianos, guitarra elétrica, contrabaixo, bateria e acordeom. Trata-se

do Quinteto Radamés com o acréscimo do segundo piano.

Moto contínuo nº 1 para Quinteto Radamés (1985?): Trata-se de uma versão para o

Quinteto Radamés do original para piano solo de 1964.

Sonatina Coreográfica para o quinteto Radamés (1956?): Trata-se de uma transcrição

para o Quinteto Radamés, do original para piano solo de 1950.

Uma Rosa para Pixinguinha, para o Quinteto Radamés (198?): Esta obra é também

uma transcrição do original para piano solo de 1964 para o Quinteto Radamés.

Alma Brasileira (choro) para Camerata Carioca (198?): Transcrição do original para

piano solo (1930) para a Camerata Carioca, que é formada por bandolim, cavaquinho, dois

violões, violão de sete cordas e pandeiro. Nesta Transcrição há também o piano.

Concerto para acordeom solista e camerata Carioca com piano (1980?): Transcrição

do original para acordeom e orquestra de cordas, de 1977.

O operário em construção, para canto, narrador e Camerata Carioca com piano

(1966): Versão para a Camerata Carioca do original para canto, narrador, piano e percussão de

1966.

Retratos (suíte) para bandolim solista e Camerata Carioca (1979): Trata-se de uma

transcrição para Camerata Carioca do original para bandolim e orquestra de cordas de 1956-57.

Sexteto para Camerata Carioca (1981): Obra para a camerata carioca, tendo o pandeiro

substituído pela bateria. Extraída do Concerto para bandolim e orquestra de cordas de 1956-57.

Radamés Gnattali, mais uma vez, parece ter como objetivo amalgamar a sonoridade de um

regional com a bateria, instrumento este vindo da música norte-americana.

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Suíte Brasileira para Camerata Carioca com piano e flauta (198?): Esta peça é uma

transcrição da Suíte para pequena orquestra de 1940 para Camerata Carioca com piano e flauta.

A listagem de peças acima foi baseada no Catálogo Digital da Brasiliana Produções, pois

o livro Radamés Gnattali, o eterno experimentador não traz em seu catálogo detalhamentos

sobre a orquestração das obras. Os autores citam que determinada peça foi escrita para orquestra

sinfônica, mas não minudenciam a instrumentação escolhida pelo compositor. Só é possível

constatar alguma “experimentação” no catálogo quando ela está descrita no título da

composição. Esses dois catálogos são as únicas fontes disponíveis com relação à catalogação

completa das obras de Radamés Gnattali, já que o volume da coleção “Compositores de

América: Datos Biográficos y Catálogos de Sus Obras, Volume 16” foi publicado em 1970, data

em que ainda restam dezoito anos de vida ao compositor.

Percebe-se que há um número significativo de peças de concerto de Gnattali nas quais

foram empregados instrumentos ligados à música popular brasileira ou ao jazz. São quarenta e

oito obras com essa característica experimental entre as duzentas e setenta e quatro musicas de

concerto que constam em seu catálogo15. Pode-se observar que todas essas quarenta e oito peças

foram escritas a partir da década de 1930, mesma data em que Radamés Gnattali dá início à sua

carreira de maestro-arranjador como músico contratado da Rádio Transmissora. É neste trabalho

que estreita sua aproximação com os ritmos da música popular brasileira, com seus instrumentos,

com o grupo regional que nesta época já é mão de obra profissional em rádios e gravadoras, tanto

como executante de música instrumental como realizadores de acompanhamentos para cantores.

Seu contato com o jazz e com as jazz bands também se intensifica neste momento. É a partir

15 Ver o site www.radamesgnattali.com.br . Neste endereço foi publicado, em 2007, o catálogo digital da Brasiliana Produções.

Page 46: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

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deste período em que trabalha como arranjador que começa a incluir em sua obra de concerto,

não só elementos (técnicos e estéticos) da música popular brasileira urbana e do jazz, mas

também seus instrumentos. Esses fatos corroboram a tese de que a experimentação instrumental

de Radamés Gnattali vem da música popular urbana e da necessidade profissional de se estudar e

entender esses instrumentos para que fossem utilizados de maneira adequada nos arranjos para os

cantores do rádio e das gravadoras da época. Este estudo dos instrumentos deste gênero musical

– o próprio Radamés admite ter estudado os arranjos escritos por um certo Galvão na Rádio

Transmissora – certamente despertou no compositor um encantamento por essas sonoridades

instrumentais e também pelas texturas conseguidas nos grupos de música popular, levando-o a

experimentar esse novo leque de possibilidades sonoras também em sua obra de concerto, já que

a função de arranjador lhe trouxe prática de escrita, e esta o levou à ampliação da sua capacidade

de compor, bem como estimulou sua criatividade, seu imaginário de criador.

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46

2. SEGUNDO CAPÍTULO: OS RITMOS POPULARES NA ORQUESTRAÇÃO DO

CONCERTO CARIOCA Nº 1.

O contato com os músicos populares também trouxe a Gnattali boas idéias musicais, que

em princípio vieram para resolver problemas de orquestração nos arranjos para a música popular

e que ao mesmo tempo também ficaram perceptíveis na obra de concerto de Radamés Gnattali,

principalmente em padrões rítmicos de acompanhamento de piano, violão e guitarra elétrica, em

construção melódica no âmbito dos motivos escolhidos para construção de temas e também no

ritmo da música popular brasileira, que em Radamés Gnattali transcende os instrumentos de

percussão e a bateria e passa a envolver a orquestra. As próximas páginas do presente capítulo se

ocuparão de demonstrar e exemplificar através de fragmentos do Concerto Carioca nº 1 o último

item, o ritmo brasileiro na orquestra, ficando para os próximos capítulos a explanação sobre os

padrões de acompanhamento ao piano e guitarra elétrica e a construção melódica.

Quanto ao ritmo empregado por Gnattali na orquestra, há um músico que foi

indispensável no despertar da imaginação do compositor neste sentido: O baterista Luciano

Perrone:

Nesse mesmo ano (1929), Radamés Gnattali conheceu aquele que viria a se tornar um dos seus músicos preferidos e grande amigo ao longo de toda a sua vida: Luciano Perrone. Radamés passava por dificuldades financeiras, quando foi procurado para substituir o pianista Mário Martins, no Cassino das Fontes em Lambari... (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 24).

E foi no Cassino das Fontes que Gnattali teve seu primeiro contato com Luciano Perrone,

músico que estava em sua viagem de lua de mel em Lambari e que por sugestão de sua esposa

foi até o estabelecimento para ver o pianista Radamés Gnattali tocar. Nesta ocasião, Gnattali que

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47

já ouvira falar do baterista o convida para uma participação especial e daí nasce a parceria

musical que marcaria a carreira de compositor de Radamés Gnattali e mudaria a maneira de se

orquestrar os arranjos de música popular brasileira. O próprio Luciano Perrone descreve como se

deu este fato:

“Até 1927, não se podia gravar batucada, porque a cera não suportava a vibração dos instrumentos. Quando veio a gravação elétrica, a gente começou – na Odeon e na Parlophon – a usar os instrumentos de percussão, mas com uma batida muito leve. Na RCA, a partir da década de 1930, a gravações já comportavam a batucada, e a orquestra tinha muita gente na percussão, como Tio Faustino no omelê; João da Bahiana no pandeiro; Bidê, Marçal e Buci nos tamborins; Vidraça no Ganzá, Oswaldo na cabaça; e eu. Radamés fazia os arranjos para Orlando Silva por exemplo, e quando este estava cantando, a orquestra fazia a harmonia, e o ritmo era todo na percussão. Quando fomos para a Rádio Nacional, o cantor trouxe da gravadora o mesmo arranjo, mas, como na rádio dessa época só tinha eu de bateria e mais um outro na percussão, ficava um vazio enorme. E eu me desdobrando na bateria para suprir a falta dos outros instrumentos.” A carência virou ato criativo. E o baterista, num lampejo, sugeriu ao maestro, quando um dia saiam do estúdio; “Radamés, continuar assim não é possível. Por que você não muda a forma de orquestrar? Aqui a gente não tem aqueles ritmistas todos. Se você puser o ritmo na orquestra...” (citado por BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 45)

E foi á partir deste momento que Gnattali passa a mudar sua forma de orquestrar os

arranjos de música popular, aplicando nos instrumentos da orquestra os padrões rítmicos que são

encontrados nos instrumentos de percussão, modificando motivos melódicos, alterando o ritmo

harmônico da orquestra fazendo com que a mesma esteja permeada por ritmo de instrumentos de

percussão popular, seja nas melodias, nas vozes de dentro da instrumentação ou na artesania da

construção do passo harmônico que perfaz o ritmo de acompanhamento. Esse fenômeno de

transferência rítmica, ou seja, ritmo de instrumentos de percussão transportados a instrumentos

de outra natureza não perfaz uma novidade, nem tampouco uma inovação no mundo musical, já

que isso ocorre e é perceptível em diversos estilos musicais de diferentes épocas. Tal novidade só

pode ser considerada se percebida no âmbito da música popular brasileira que é orquestrada, e

nesse ponto, certamente Radamés Gnattali teria sido o prenunciador de uma nova maneira de

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48

utilização da orquestra sinfônica. Essa nova técnica de orquestração de música popular em

Radamés Gnattali, assim como a instrumentação, transpassa o âmbito dos arranjos e permeia

também sua obra de concerto. Mais uma vez, será possível observar que Radamés Gnattali não

constrói nenhuma barreira para que a influência da música popular urbana chegue até a sua obra

de concerto, gerando novos coloridos instrumentais, fazendo com que o ritmo da música de

concerto respire de maneira diferente. No campo da música erudita, além da escolha de

instrumentos ligados à música popular, que surge de suas necessidades profissionais como

arranjador, Gnattali também emprega ritmos deste estilo de música em sua obra de concerto e

isso se dá, em maior medida, pelo contato com a música popular comercial e pela necessidade de

solução de suas problemáticas do que por uma ideologia nacionalista, se é que tal ideologia um

dia chegou a fazer parte do pensamento musical desse compositor. É também perceptível a

influência do jazz na maneira de orquestrar de Radamés Gnattali, como foi citado no capítulo

anterior, o que o afasta um pouco mais do nacionalismo anunciado pela crítica em seu início de

carreira como compositor. O próprio Mário de Andrade certa vez escreveu sobre a obra do

compositor gaúcho, reconhecendo e enfatizando sua habilidade em trabalhar com o equilíbrio

dos timbres da orquestra, bem como sua fluência criativo-musical, porém, no mesmo texto diz

que sua música é “um pouco jazzificada demais” para o seu gosto “defensivamente nacional”

(BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 48), o que tratava de afastá-lo dos interesses ideológicos do

movimento encabeçado pelo intelectual nacionalista.

As próximas páginas deste capítulo se ocuparão de ilustrar a nova maneira de se trabalhar

o ritmo orquestral em música brasileira, gerado pela necessidade de solução de problemáticas

profissionais do arranjador Radamés Gnattali e posteriormente transportada para sua música de

concerto. Os exemplos serão extraídos do Concerto Carioca Nº 1. Dos quatro movimentos que

são: marcha, canção, valsa e samba, os que apresentam maior interesse na forma de orquestrar

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49

são a marcha, que por ser uma marcha rancho tem em seu ritmo orquestral elementos brasileiros,

a canção, por remeter à seresta e o samba, por ter ritmos característicos dos instrumentos de

percussão transportados para as cordas, madeiras ou metais. Os exemplos serão dados a cada

movimento. Esta análise será mantida no âmbito da orquestra e não focará os solistas, pois estes

serão foco dos próximos capítulos.

Seguem, nas figuras 02 e 03 a cópia fac-similar da capa e a última página autógrafas do

concerto, com destaque para as datas de realização da obra:

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50

Figura 02:

Fonte: Cópia fac-similar de manuscrito autógrafo do compositor.

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51

Figura 03:

Fonte: Cópia fac-similar de manuscrito autógrafo do compositor.

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52

Este concerto está estruturado em quatro movimentos, que são:

• Marcha

• Canção

• Valsa Seresteira

• Samba

É composto para piano, violão elétrico (guitarra elétrica) e orquestra, esta última

organizada da seguinte maneira:

• Três Flautas (3º com flautim)

• Oboé

• Corno Inglês

• Clarinete Baixo

• Trompa (Corno)

• Quatro trompetes

• Quatro Trombones

• Tuba

• Dois Saxofones Altos (em Mi bemol)

• Dois Saxofones tenores (Em Si bemol)

• Saxofone Barítono (Em Mi bemol)

• Caixa e castanholas

• Pratos

• Bombo

• Tímpanos

• Cordas

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53

Associada à orquestra, há uma sessão de percussão composta por instrumentos ligados à

música popular brasileira, mais especificamente ao samba. Estes instrumentos são:

• Seis tamborins

• Dois reco-recos

• Dois chocalhos

• Um pandeiro

• Um Surdo

É importante destacar que para este concerto Radamés Gnattali escreveu uma partitura

para todos os instrumentos de percussão separada da partitura principal. Segundo depoimento de

sua esposa Nelly Gnattali16, ele assim o fez por uma questão de espaço disponível nas folhas de

composição. Uma folha seria insuficiente para comportar a escrita de todos os instrumentos da

orquestra mais a sessão de percussão.

Além da peculiaridade dos instrumentos de percussão ligados à música popular citados

acima, outro ponto que chama a atenção é a escolha do violão elétrico para atuar ao lado do piano

como um dos solistas do concerto, lembrando um concerto grosso.

2.1. Primeiro Movimento: Marcha

O primeiro movimento não tem indicação de andamento, mas por ser uma marcha,

pressupõe-se um andante, nem muito rápido nem muito lento. Gnattali deixa em seu manuscrito a

figura da semínima no início da página, como se fosse indicar o andamento, mas não há nenhum

16 Em entrevista concedida por telefone em setembro de 2004.

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54

número recomendando a quantidade de pulsos por minuto como podemos comprovar no destaque

da figura 04 que foi extraída da cópia fac-similar do manuscrito autógrafo do concerto.

Provavelmente o compositor se esqueceu de indicar o andamento. A fórmula de compasso é

quatro por quatro durante todo o movimento.

Figura 04:

Nos exemplos a seguir, pode-se localizar com freqüência o seguinte padrão rítmico:

Esse padrão rítmico poderá ser localizado nas próximas páginas estruturando o ritmo de

diversas combinações orquestrais. Tal célula rítmica é característica da marcha, seja da marcha

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55

rancho ou da marcha de carnaval, estilos estes que Gnattali utiliza para caracterizar o primeiro

movimento deste concerto.

Em geral, a prática entre músicos populares é de se escrever a marcha em dois por quatro

(SYLLOS E MONTANHAUR, 2003, p. 47) como no exemplo a seguir:

O compositor preferiu escrever a marcha em quatro por quatro, o que parece ser um

procedimento mais adequado, já que o ciclo da marcha, ou seja, sua idéia (ou frase) rítmica

central, se repete a cada quatro pulsos. A escolha do compasso quaternário, em certa medida,

contraria o “gesto”17 musical da marcha que pressupõe passos, dois, dados regularmente um após

o outro (alusão ao ato de marchar), mas se tal gesto realmente condiz com este estilo de música

ele está subjacente, regulando o pulso da música. A idéia rítmica central é o elemento que

aparece em primeiro plano, fazendo perceber uma organização musical que acontece a cada

quatro pulsos.

Logo na introdução do Concerto Carioca nº 1, no quarto compasso, localiza-se o padrão

rítmico da marcha sendo aplicado às cordas (figura 05), com alteração apenas no último tempo

do compasso, onde cada colcheia é dividida em duas semicolcheias, remetendo a um padrão

rítmico muito comum de se encontrar em partes escritas para caixa clara:

Figura 05 (compasso 04): 17 Ver o livro O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira - Música, de Squeff e Wisnick. Wisnick fala da gestualidade da música em sua parte do livro, que se inicia na p.130.

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56

Este procedimento observado na figura 05 foi utilizado por Radamés Gnattali para suprir

a falta de percussionistas em um de seus trabalhos como arranjador de música popular. O efeito

orquestral conseguido foi, para o compositor, tão satisfatório que o mesmo o utiliza em suas

obras de concerto. No caso específico deste concerto, não seria preciso se utilizar desse recurso

orquestral por necessidade técnica, já que o mesmo tem uma grande sessão de instrumentos de

percussão popular composta por seis tamborins (divididos de dois em dois), dois reco-recos, dois

chocalhos, um pandeiro e um surdo, além de percussão orquestral convencional, como caixa,

castanholas, pratos, bombo e tímpanos. A transferência do ritmo dos instrumentos de percussão

para instrumentos de outras famílias da orquestra se dá, neste caso, por uma escolha estética.

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57

Em seguida, no compasso 10, é a vez dos saxofones executarem suas melodias

percorrendo pelo ritmo oriundo da marcha (figura 06):

Figura 06 (compassos 10, 11 e 12):

No próximo exemplo (figura 07), compasso 63, há um diálogo entre saxofones e

trompetes, onde os saxofones tocam, nos dois primeiros tempos, uma colcheia pontuada seguida

de semicolcheia, esta por sua vez seguida por duas colcheias. Os trompetes tocam esse mesmo

fragmento do padrão rítmico da marcha nos dois tempos restantes do compasso:

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58

Figura 07 (compassos 63, 64 e 65):

No compasso 118 é possível localizar os violinos e violas executando um trecho bastante

rítmico (figura 08) e embora diferente do padrão que aqui foi dado como característico da

marcha pode-se perceber que Gnattali está remetendo a um toque de caixa. O ritmo atribuído às

cordas pode ser comparado à frases rítmicas executadas por instrumentos de percussão e ainda é

possível entender que a mesma é fruto de transformações do padrão rítmico deste movimento :

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Figura 08 (compassos 118 e 119):

No exemplo da figura 08 cabe uma observação harmônica: A homofonia presente neste

fragmento é construída sobre dois acordes bastante interessantes, o primeiro no compasso 118,

formado do grave para o agudo pelas notas Do, Mi, Si bemol, Ré, Fá sustenido e Lá e o segundo,

no compasso 119 possuí as notas Si, Ré sustenido, Lá, Do sustenido, Mi sustenido e Sol

sustenido. O primeiro acorde é um acorde dominante de Do Maior, com sétima menor, nona

maior, décima primeira aumentada e décima terceira maior que é conduzido paralelamente a

outro acorde dominante, dessa vez um Si Maior, com as mesmas dissonâncias. Seria possível

analisar o primeiro como um acorde de sexta aumentada com função de subdominante, se a nota

Si bemol fosse enarmonizada para Lá sustenido (mesmo que no compasso seguinte o compositor

não resolva esta sexta aumentada na nota si, fundamental do próximo acorde. Em vez disso,

desce para a nota Lá, sétima menor do próximo acorde), realizando a condução padrão deste tipo

de acorde, que desce meio tom, desembocando em uma dominante. A quantidade de

dissonâncias de cada um dos acordes não caracteriza tal passagem como atonal e este

procedimento de incluir em uma tríade tantas dissonâncias, sem a necessidade de prepará-las e

resolvê-las é característica do jazz. Na música erudita tonal, principalmente do romantismo,

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60

também é possível encontrar dissonâncias sem preparações ou resoluções, mas tais liberdades

são decorrentes de processos anteriores de tratamento harmônico e, portanto, pode-se entender

que os compositores desta área do conhecimento musical têm plena consciência da evolução que

estão propondo à música quando tomam atitudes novas com relação à dissonância. No campo da

música popular urbana, focando no jazz, é admissível crer que o músico deste estilo buscou com

essas dissonâncias uma caracterização do acorde, atribuindo a ele um caráter distinto,

ornamentando (sugerindo aqui ornamentos harmônicos) o mesmo sem necessariamente implicar

em uma direção gerada por tais dissonâncias, nem tampouco em evolução de alguma tradição

musical anterior. Pode-se entender que este tipo de utilização de dissonâncias busca fazer

reconhecer um estilo musical por sua verticalidade (notas simultâneas) e não apenas por sua

horizontalidade (melodia). A emissão simultânea de notas faz com que tal percepção se dê

reduzida no tempo já que não é necessário se esperar parte da melodia para que ocorra a

identificação. Na maior parte da produção musical da história do jazz é possível observar que se

evita na harmonia dos temas a utilização da tríade pura, sem dissonâncias, processo este que

carrega consigo a proposta de uma escuta diferente do fenômeno harmônico; a dissonância como

simples ornamento de cada acorde e não como elemento que implica em diferentes

direcionamentos, sugerindo ao ouvinte que perceba estabilidade em cada um desses acordes,

estabilidade mesma que está presente em consonâncias. Esta utilização de dissonâncias

característica do jazz transportada para a música de concerto talvez seja uma característica

possível de ser localizada apenas em Radamés Gnattali entre os compositores eruditos brasileiros

de sua geração.

Os dois primeiros tempos do padrão rítmico da marcha podem ser encontrados

novamente como no exemplo da figura 07, porém, desta vez o diálogo acontece entre os

trombones e trompetes, como se pode observar no exemplo da figura 09 que foi extraído do

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61

compasso 140 com anacruse. Neste exemplo também cabe explanação sobre a harmonia

utilizada. No acorde do primeiro tempo do compasso 140 acontecem as seguintes notas (som

real) do grave para o agudo: Sol, Mi bemol, Si bemol, Ré, Mi bemol, Si bemol, Sol e Ré, o que

constitui um acorde de Sol Menor com sexta menor. No compasso 141 foram empregadas as

notas Lá, Mi, Sol e Do nos trombones e as notas (som real) Mi bemol, Sol, Si bemol e Ré nos

trompetes. É possível localizar aí (Compasso 141) a sobreposição de dois acordes: Um Lá Menor

com sétima menor nos trombones e sobreposto a este, um Mi bemol Maior com sétima maior nos

trompetes. Além dos acordes com sétima, bastante característicos do jazz (sobretudo o Mi bemol

Maior com sétima maior, tipo de acorde que, no jazz, não se costuma resolver a sétima maior,

ainda que esta seja a sensível em relação a fundamental do próprio acorde, pelo contrário, ela

permanece no acorde parecendo pretender induzir o ouvinte a aceitá-lo com acorde estável, de

repouso. A sétima maior, neste caso, não induz a resolução e funciona como um ornamento

harmônico deste acorde e não como apogiatura) localiza-se aí uma insinuação à bitonalidade. A

música continua tonal, não se configura como bitonal, mas momentos como esse parecem citar

tal técnica de composição.

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62

Figura 09 (anacruse no compasso 139 seguido por compassos 140 e 141):

Nos compassos 169 e 170 é a vez do tímpano executar o padrão rítmico da marcha

rancho (figura 10), mantendo sempre a nota Lá:

Figura 10 (compassos 169 e 170):

E este mesmo padrão rítmico, no compasso 181 transforma-se em motivo para a

intervenção melódica dos trombones, com uma única alteração na última célula rítmica deste

motivo, onde as duas colcheias do padrão aqui adotado como convencional da marcha é

substituída por uma colcheia pontuada seguida de semicolcheia, tal qual a primeira célula:

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63

Figura 11 (compassos 181, 182 e 183):

Logo em seguida, no compasso 184 (figura 12) este mesmo motivo vem estruturar a

melodia nas madeiras e trompa, onde o clarinete baixo inicia a idéia melódica nos dois primeiros

tempos do compasso - enquanto flautas e oboé executam uma escala ascendente em

semicolcheias - que é concluída nos dois tempos seguintes pela trompa:

Figura 12 (compassos 184 e 185):

Nos compassos 190, 191 e 192, há um fragmento forte e expressivo, alcançado pelo

compositor por meio de um tutti orquestral. Em meio a esta densa instrumentação Gnattali utiliza

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64

o padrão rítmico da marcha nos metais, nos saxofones e na trompa (figura 13). O padrão rítmico

é iniciado pela trompa, saxofones e trompetes que executam os dois primeiros tempos e em

seguida são respondidos pelos trombones, responsáveis pelos dois tempos seguintes,

apresentando modificação no terceiro tempo do compasso, onde as duas colcheias,

convencionais à marcha, são substituídas por duas semicolcheias seguidas por colcheia, sendo

que a primeira destas semicolcheias encontra-se ligada com a última colcheia do tempo anterior:

Figura 13 (compassos 190, 191 e 192):

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65

2.2. Segundo Movimento: Canção

O segundo movimento está em quatro por quatro e tem indicação de andamento lento,

com a semínima em 60 bpm como se pode observar na figura 11, que foi extraída da mesma fonte

das figuras 01, 02 e 03:

Figura 14:

Gnattali pede também para que o pianista toque tudo “muito ligado”, interpretação esta,

que aliada ao andamento lento e a curta duração deste movimento remete à canção e talvez, mais

especificamente, à canção brasileira, como o samba-canção ou a música praticada por seresteiros

como o choro-canção ou o samba-choro. “Embora seja um gênero basicamente instrumental, a

inserção de letras em algumas melodias elevou o choro à categoria de estrela, sendo muitos deles

cantados país afora” (DINIZ, 2003, p. 53). Composições de Pixinguinha foram dotadas de letras,

transformando-se em canções, como por exemplo Carinhoso e Rosa, que foram gravadas em

1937 pelo cantor Orlando Silva. “Os choros de Pixinguinha não foram os primeiros a serem

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66

cantados. Ainda no século XIX, o poeta popular e cantor de modinhas Catulo da Paixão Cearense

pôs letras rebuscadas, à parnasiana, em melodias de Joaquim Callado, Anacleto de Medeiros,

Irineu de Almeida, Ernesto Nazareth, entre outros” (DINIZ, 2003, p. 55). É possível que na

mesma medida em que o choro foi imbuído da canção, a mesma foi influenciada pelo choro,

principalmente na maneira de se acompanhar melodias. Certos procedimentos rítmicos

empregados no encadeamento de acordes localizados em canções são característicos do

acompanhamento realizado pelo violão no choro ou ainda na música para piano escrita por

compositores como Ernesto Nazareth. Nelson Faria dá o seguinte padrão como procedimento

rítmico característico do choro (FARIA, 1995, p. 88):

Gnattali, neste segundo movimento, vai se utilizar deste padrão rítmico do choro, porém,

o alarga em sua escrita, dobrando cada uma das figuras, inserindo-as em um compasso de quatro

por quatro o que nos dá a impressão de que o compositor procura uma escrita mais adequada a

uma canção lenta, ainda que esta seja derivada do choro.

Nos exemplos analisados a seguir pode-se encontrar com freqüência o seguinte padrão

rítmico, que é o alargamento da escrita do choro proposta por Gnattali, se diferenciando da escrita

que em geral é utilizada por músicos populares:

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67

Este padrão rítmico estará presente em acompanhamentos harmônicos realizados pela

orquestra. Neste movimento o compositor não utiliza nenhum instrumento de percussão.

Logo no compasso 18, do segundo movimento, é possível localizar este padrão rítmico

nas cordas e nos saxofones que acompanham o piano solo em contraponto com a trompa. Isso se

dá a partir da segunda metade do compasso 18 (figura 15) entre baixos, violoncelos e saxofones.

No compasso 19 é possível observar essa figuração entre as cordas, porém com o segundo baixo

do acorde deslocado para o quarto tempo e no compasso 20 o mesmo ocorre entre saxofones,

entretanto com o primeiro baixo do acorde deslocado para o segundo tempo e se prolongando por

todo o compasso. Esse mesmo fragmento se repete nos compassos 26 e 53. Por este movimento

ser bastante curto, este é o único exemplo em que se pode localizar ritmo de música popular

inserido aos instrumentos de orquestra que não os de percussão.

O terceiro movimento desta obra é uma valsa, escrita de maneira tradicional, ao modo

europeu em três por quatro, portanto, não se faz necessário analisar o ritmo orquestral deste

movimento, pois este pouco se difere de uma valsa européia. Esta análise orquestral passará então

diretamente ao quarto movimento.

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68

Figura 15 (compassos 18, 19 e 20):

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69

2.3. Quarto Movimento: Samba

Conforme foi observado anteriormente, Radamés Gnattali passa a “por ritmo na

orquestra” por uma necessidade profissional que veio da falta de percussionistas em um de seus

empregos de arranjador de música popular. No entanto, este procedimento acaba por se

incorporar à linguagem musical do compositor, que o usa também em sua música de concerto.

Neste movimento do Concerto Carioca não há falta de percussionistas e ainda assim o compositor

remeterá ao ritmo do samba em alguns fragmentos do concerto, ora nas cordas, ora nos sopros.

Nelson Faria cita o seguinte padrão como sendo básico do samba (FARIA, 1995, p. 25):

Gnattali utiliza em sua obra este padrão, transformado em alguns momentos, mas há uma

forte presença da síncopa na orquestração deste movimento. O compositor opta também por

escrever o samba em quatro por quatro em vez da escrita apontada por Faria, o que parece ser

mais correto, pois o ciclo rítmico se repete a cada quatro pulsos. Em alguns momentos há

também o preenchimento de compassos inteiros com semicolcheias, padrão este que caracteriza

uma das formas de tocar o pandeiro, algum tipo de chocalho ou, em interpretações mais

modernas, os pratos da bateria no samba (SYLLOS E MONTANHAUR, 2003, p. 39).

No terceiro compasso desse movimento (figura 16) é possível identificar na escrita de

Gnattali para as cordas uma analogia com o pandeiro, principalmente se for considerada a

ausência de marcação de arcada, significando que os instrumentistas devem articular cada uma

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70

das semicolcheias, evitando o legatto. Isso faz com que tal fragmento soe ritmado, remetendo aos

instrumentos de percussão:

Figura 16 (3º compasso):

Em seguida, no compasso seis (figura 17) o mesmo padrão rítmico é utilizado novamente

nas cordas, quase repetindo a mesma frase:

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71

Figura 17 (compasso 6):

E, novamente, o mesmo ritmo aplicado às cordas acontece no compasso 44 (figura 18),

mais uma vez, sem marcação de arcadas, evitando sonoridades ligadas, fazendo com que cada

nota soe pontual, como se os violinos, violas, violoncelos e contrabaixos fossem os instrumentos

de percussão deste momento da peça. É função deles garantir que o ouvinte reconheça na música

o balanço, o ritmo do samba:

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72

Figura 18 (compasso 44):

Do compasso 62 ao compasso 65 (figura 19) o ritmo do samba pode ser percebido, dessa

vez nos metais. A percepção de tal ritmo se dá por uma transformação do padrão básico

determinado por Faria, mas tal transformação mantém, no último tempo do compasso, uma

síncopa cuja primeira semicolcheia está ligada com a semínima que a precede, garantindo assim o

ritmo característico do samba. É importante salientar que neste fragmento, conforme se observa

na figura 19, há uma grande sessão de percussão, composta por seis tamborins divididos de dois

em dois, surdo, reco-reco, chocalho e pandeiro. Ou seja, não seria necessário, neste momento, se

transferir o ritmo da percussão para outros instrumentos para garantir a desenvoltura rítmica da

peça. Gnattali o faz por tal procedimento composicional já estar incorporado à linguagem de sua

música:

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73

Figura 19 (compassos 62 ao 65):

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74

O mesmo procedimento rítmico, exatamente com a mesma instrumentação também

acontece do compasso 74 ao 77. No compasso 78 flautas, oboé e corno inglês, juntamente com as

cordas executam um fragmento em semicolcheias, sem o uso do legatto como se pode observar

na figura 20:

Figura 20 (Compassos 78 e 79):

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75

No compasso 109 (figura 21), com fórmula de compasso em quatro por oito, Gnattali

aplica a rítmica do samba aos saxofones, escrevendo neste compasso duas síncopas ligadas,

garantindo o balanço deste tipo de musica popular:

Figura 21 (Compassos 109 e 110):

A análise do Concerto Carioca realizado neste capítulo permite entender que a obra de

concerto de Radamés Gnattali é decisivamente influenciada por sua vivência com a música

popular que se deu através de sua função de arranjador. Não fosse seu contato íntimo com a

música popular, sua obra composicional, se é que a mesma existiria, seria outra. Os

procedimentos de orquestração utilizados por Gnattali em seus trabalhos como arranjador

permearam também sua criação erudita e permitiram, parafraseando Barbosa e Devos, que ele

fosse um “experimentador” também no âmbito da música de concerto.

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76

3. TERCEIRO CAPÍTULO: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO

SOLISTA NO CONCERTO CARIOCA Nº 1.

É notável no compositor Radamés Gnattali uma certa inventividade nas questões de

orquestração, principalmente no que concerne às escolhas timbrísticas e a combinação

instrumental. É notória sua fluência para sintetizar instrumentos ligados à música popular com a

orquestra sinfônica. Seu domínio sobre a música erudita, reflexo de seus estudos formais de piano

no conservatório do Rio Grande do Sul, e sua vivência com a música popular nos trabalhos de

rádio, televisão e arranjos para cantores populares, resultam em um estilo de composição

permeado por informações vindas desses dois universos da música ocidental. Constata-se que a

obra de Gnattali é recheada de peculiaridades no que se refere a esses dois pontos que buscamos

destacar:

• Uma escrita sinfônica imbuída de elementos da música popular.

• Uma obra de concerto que por muitas vezes consta de instrumentos ligados à música

popular em sua orquestração/instrumentação.

Dentre as peças constantes do catálogo de Gnattali, cada uma com suas particularidades

instrumentais, uma delas chama a atenção: o “Concerto Carioca”. Pela primeira vez na história da

música brasileira, um compositor emprega um instrumento eletroacústico como solista na música

sinfônica. A partir da constatação do ineditismo da escolha de um dos solistas desta obra, que em

princípio se acreditou ser um violão elétrico, é possível fazer as seguintes questões: Por que

Gnattali preferiu um violão elétrico e por que não escolheu como solista um violão puramente

acústico? Esta escolha foi feita para resolver um problema de orquestração – a falta de projeção e

volume de som do violão frente ao piano, orquestra e percussão – ou é uma escolha estética, no

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77

sentido de inovar empregando um novo timbre como solista de música concertante? Nos dias de

hoje, é comum ampliar o som do violão com o uso de microfones. Desta técnica de áudio, se

espera que a capacidade timbrística do violão seja preservada, porém amplificada, com o mínimo

de perdas possível em relação ao som acústico original do instrumento. No caso do “violão

elétrico”, aquele que usa um captador magnético de rastilho, se admite que mudanças timbrísticas

drásticas acontecerão ao instrumento. É possível verificar entre os violonistas que os mais

puristas não admitem este tipo de sonoridade como um som tipicamente violonístico. Tendo em

vista esta problemática, pretende-se sustentar a hipótese de que a escolha deste instrumento não

foi feita para se resolver problemas de instrumentação, mas foi uma opção estética e timbrística,

pois pode-se supor que Gnattali abriu mão de uma sonoridade clássica do violão para

experimentar uma nova sonoridade, um novo instrumento, capaz de desempenhar o papel de

solista com desenvoltura e boa sonoridade, com capacidade melódica interessante devido ao

poder de sustentação de cada nota, garantindo interpretações cantabile e com capacidade de

realização de acordes igual ao violão. Se a intenção do compositor fosse preservar o timbre do

violão acústico, possivelmente teria feito a escolha da microfonação do instrumento, processo

este que garante maior preservação da capacidade timbrística natural do instrumento em questão.

É importante salientar que se pretende neste capítulo provar a seguinte hipótese: Radamés

Gnattali escolhe o violão elétrico como solista não para resolver um problema de instrumentação,

que seria o baixo poder de projeção do violão. Esta escolha foi feita para se experimentar um

novo timbre instrumental, brilhante e de grande capacidade melódica, apto a desempenhar função

de solista na música de concerto.

Embora esta obra seja dedicada ao violonista Laurindo Almeida, a gravação desta foi

realizada pelo multi-instrumentista de cordas José Menezes. Para se obter informações mais

precisas quanto à execução prática deste concerto, o autor da presente dissertação realizou em

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78

Dezembro de 2005 uma entrevista por telefone com José Menezes. Segundo Menezes, o concerto

foi gravado aproximadamente em 1960:

“Não me lembro exatamente quando gravei o Concerto Carioca18, mas foi em torno de 1960. Foi uma gravação de estúdio mesmo. Realizei algumas apresentações ao vivo deste concerto, mas a gravação mesmo foi feita em estúdio”.

Ainda segundo Menezes, o instrumento solista idealizado por Radamés Gnattali e

utilizado por ele na gravação foi, curiosamente e experimentalmente, uma guitarra elétrica.

Atualmente, este instrumento é utilizado largamente em diversos estilos de música popular, mas

sua origem se deu no Jazz Norte Americano e vem da necessidade de se ampliar o som do violão

para que o mesmo pudesse acompanhar uma Big Band. No entanto, na década de cinqüenta, este

instrumento era escasso no Brasil, mesmo na música popular, e na música erudita mundial não há

registros de utilização deste instrumento nesta época. Tal informação corrobora a hipótese de que

Gnattali teria optado, sobretudo por um experimento instrumental do que por uma solução prática

para um problema de equilíbrio de volume sonoro entre orquestra e solista. Embora seja indicado

um “Violão Elétrico” como solista do Concerto Carioca, Menezes nos informa que Gnattali

estava se referindo à guitarra elétrica:

18 Segundo nossas pesquisas, o referido concerto teve sua primeira audição em 30/03/1965 com José Menezes à

guitarra elétrica e o compositor ao piano, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Este concerto foi promovido pela

gravadora Continental, para lançamento do LP gravado neste mesmo ano, contando com os mesmos solistas da

primeira audição e a Orquestra Sinfônica Continental sob a regência de Henrique Morelembaum. (BARBOSA E

DEVOS, 1984, P. 77).

.

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79

“Nessa época a guitarra elétrica era chamada de violão elétrico sabe? Não se diferenciava muito esses dois instrumentos. O Radamés pediu a guitarra porque um violão acústico não conseguiria se destacar na orquestra e nem nos diálogos com o piano19. Eu usei uma guitarra da marca Gibson modelo Lês Paul para gravar esse concerto. ...é preciso ser violonista para se tocar esse concerto. Se não se tem técnica de violão erudito, não se toca essa obra. Como eu possuo as duas escolas (Mão direita de violão erudito e técnica de palheta) toquei a guitarra elétrica com a técnica do violão. O Radamés escreveu pensando em violão, mas pede que se use uma guitarra para executá-lo”.

A partir de agora e com o amparo do depoimento de Menezes supra citado, o instrumento

solista do Concerto Carioca será denominado guitarra elétrica e não mais violão elétrico.

Tendo como base os depoimentos de José Menezes, pode-se chegar a duas conclusões

importantes:

1) Radamés Gnattali emprega um instrumento norte americano em seu concerto,

instrumento este que era fortemente ligado ao Jazz nesta época (década de

1950), mas escreve para o mesmo de maneira particular, pensando como se

estivesse escrevendo para um violão, transpondo a linguagem do violão

brasileiro e erudito para a guitarra elétrica. Este procedimento faz com que a

guitarra elétrica ganhe uma linguagem diferente na música brasileira, deixando

de ser um instrumento de acompanhamento – como, em geral, é o caso da

guitarra das big bands de Jazz norte americanas – para assumir o posto de

solista. Radamés Gnattali extrapola a linguagem de guitarra Jazz norte

americana. Parte dela, mas não se limita a empregá-la apenas ao modo

jazzístico.

2) É possível constatar também que o Concerto Carioca é a primeira obra

concertante da história da música escrita para guitarra elétrica como solista e

19 Apesar da opinião de José Menezes, pode-se constatar que este não foi o único motivo que levou Radamés Gnattali a escrever o concerto para a guitarra elétrica. O volume sonoro deste instrumento pode ter sido explorado em alguns momentos da peça, mas na maior parte das situações orquestrais não foi preciso utilizar em demasia os recursos de volume de som oferecidos por um amplificador para guitarra.

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talvez a única. Compositores como Leonard Bernestein utilizaram

posteriormente este instrumento na orquestra embora não como solista e sim

como instrumento de acompanhamento com pequenas intervenções melódicas

ou improvisos, em casos de arranjos sinfônicos para música popular. Até o

momento não se localizou nenhuma outra obra que trate este instrumento como

solista de música de concerto.

3.1. Catálogo De Concertos

Antes de se realizar a análise da instrumentação escolhida para o Concerto Carioca, faz-se

necessário apresentar, em forma de catálogo, um levantamento de obras de Gnattali que se

configurem em concertos ou concertinos e que se utilizem do violão ou guitarra elétrica como

solista ou um dos solistas da obra. É necessário fazer este levantamento por dois motivos: Este

será uma ferramenta de contextualização histórica do concerto analisado no presente trabalho e,

além disso, será também uma demonstração da versatilidade de Radamés Gnattali quanto à

escolha da instrumentação de sua obra. Não será possível, por razão do tempo disponível,

aprofundar no estudo e análise de todas as obras que serão apresentadas no catálogo a seguir,

portanto, o foco será o Concerto Carioca nº 1 pelo fato de sua instrumentação ser bastante

diferenciada das obras da época. Uma maior divulgação e execução dessa obra seria,

possivelmente, uma grande contribuição para a música de concerto brasileira.

Como fundamentação teórica deste catálogo serão utilizadas as obras de Barbosa e Devos,

Radamés Gnattali; o eterno experimentador e de Gnattali, Catálogo digital Radamés Gnattali.

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Segue o catálogo dos concertos que se utilizam violão ou guitarra:

Ano Título Formação 1ª audição Edição Gravação Observações

1950 Concerto Carioca Nº 1

Piano, Guitarra Elétrica e Orquestra com percussão popular

1ª audição em 30/03/1965no teatro municipal do Rio de Janeiro com José Menezes à Guitarra e o compositor ao piano.

Projeto Brasiliana (2005)

LP Continental – PP-12.165. Orq. Sinf. Continental sob regência de Henrique Morelembaum. Piano: Radamés Gnattali, Guitarra: José Menezes.

Concerto composto para as festas do IV centenário do Rio de Janeiro. Dedicado a Laurindo Almeida.

197020 Concerto Carioca Nº 3

Quinteto Radamés Gnattali, segundo piano opcional e orq. Sinf.

_ _ _ _

1964

Concerto de Copacabana (Concerto nº 3)

Violão e orquestra de cordas

_

Brasiliense USA

_

Título original: Concerto nº 3. Passou a se chamar concerto de Copacabana após ser editado nos EUA.

195221 Concerto nº 1 para violão e orquestra.

Violão e Orquestra O.S.B. Solista: Antônio Mercandal.

Brasiliense Continetal – CCLP 70003. Dilermando Reis: Violão. Regência: Radamés Gnattali.

_

194822 Concerto nº 2 para violão e orquestra.

Violão e orquestra e adaptação para violão de sete cordas e orquestra

Rádio Nacional. Solista: Augusto Sardinha (Garoto). Regência: Radamés Gnattali.

Brasiliense Gravação Particular em disco 33 rotações 12 polegadas 22/08/1954. Orq. Sinf. da Rádio Gazeta de São Paulo. Violão: Garoto.

_

1957 Concertino nº 3 para violão e orquestra

Violão e orquestra de cordas com flauta e tímpanos23

_ _ Columbia 60042. José Menezes: Violão. Orq. de Câm. Radio MEC. Regente: Mário Tavares.

_

1967/6824 Concerto para dois violões e orquestra

Dois Violões e Orquestra25

_ _ Gravação Continental.Orq. Armorial de PE. Solistas:DuoAssad

_

_ Concerto para dois violões e orquestra de cordas26

Dois violões, orquestra de cordas, flauta e tímpanos.

31/08/1983 – Teatro Mun. do R. J. Orq. O.S.T.M. Regente: Radamés Gnattali. Solistas:Duo Assad.-

_ _ Espetáculo de entrega ao autor do prêmio Shell para a música brasileira de 1983.

20 Consta no Catálogo Digital uma versão dessa mesma obra para Flauta, Saxofone Alto, Violão, Contrabaixo e Bateria com orquestra, datada de 1972/73. 21 No catálogo digital esta obra é datada de 1951 e tem como título “Concertino nº 1 para violão”. 22 No catálogo digital esta obra é datada de 1951 e tem como título “Concertino nº 2 para violão”. Acreditamos ser correta a data do catálogo digital, pois o catálogo publicado na obra de Barbosa e Devos sugere um erro cronológico quanto à composição desta obra e do concerto (ou concertino nº 1) 23 No catálogo digital encontramos a seguinte instrumentação: Violão solista, flauta, bateria, bells e orquestra de cordas. 24 Consta a data de 1970 para esta obra no catálogo digital. 25 No catálogo digital encontramos a seguinte instrumentação: Dois violões solistas, oboé e orquestra de cordas. 26 Este concerto nos parece ser uma adaptação do concerto de 1967/68 com ligeiras alterações na instrumentação.

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Ano Título Formação 1ª audição Edição Gravação Observações

_ Concerto para violão elétrico, piano, bateria, contrabaixo e cordas

_ _ _ _ Em rascunho

1967 Concerto nº 4 para violão e orquestra de cordas

_ _ _ _ Dedicado a Laurindo Almeida

Observando o catálogo apresentado anteriormente, pode-se notar que é comum à

linguagem deste compositor escrever concertos para mais de um solista, remetendo ao

procedimento do concerto grosso do período barroco. Constata-se também que o Concerto

Carioca é a segunda obra escrita para um solista de cordas dedilhadas, e já nesse momento

prematuro Radamés Gnattali ousa, utilizando um instrumento ainda pouco familiar para os

ouvidos da época.

3.2. Análise Técnica Da Instrumentação

Serão analisados a seguir alguns fragmentos do concerto onde a guitarra elétrica é

empregada. O objetivo dessa análise é demonstrar, em cada movimento da peça, a utilização da

guitarra elétrica como instrumento provedor de um novo timbre, capaz de aliar-se à orquestra

sinfônica. Embora Jose Menezes tenha dito em seu depoimento que “Radamés pediu a guitarra

porque um violão acústico não conseguiria se destacar na orquestra e nem nos diálogos com o

piano”, é plausível apontar mais para o interesse do compositor em experimentar um novo timbre

do que para a busca da solução, através de recursos elétricos, da falta de volume sonoro de um

instrumento.

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3.2.1. Primeiro Movimento: Marcha Rancho

A primeira intervenção da guitarra solo, nomeada por Gnattali como “violão solo”

acontece logo no quinto compasso do primeiro movimento. Pode-se notar no exemplo (Figura

22) que o solo está sendo executado sobre uma base harmônica feita pelas cordas em dinâmica

pianíssimo (pp). Neste caso, não seria necessário se ter um instrumento solista com grande poder

sonoro. Um violão acústico poderia se impor com facilidade sobre a orquestração em questão.

Isso aponta para o indício de que a guitarra elétrica foi escolhida por seu timbre inovador para a

época e não pelo seu poder sonoro, ou seja, supõe-se que o compositor estava em busca de

inovação, incorporando à orquestra tradicional novos timbres, explorando um instrumento

eletroacústico como solista frente à orquestra.

Quanto à harmonia desse exemplo, mais uma vez podem-se observar procedimentos

vindos de dois campos da música (erudita e popular). No primeiro acorde temos um Do Maior

com sétima maior em posição fundamental se desconsideramos a nota Mi dos contrabaixos, já

que a mesma é tocada em pizzicato e não se prolonga durante todo o compasso. A viola neste

momento cruza voz com o violoncelo e faz o baixo do acorde com a fundamental do mesmo. Este

tipo de acorde é muito comum ao jazz. A nota Do da viola se prolonga durante três compassos,

perfazendo um baixo pedal. Nos compassos seis, sete e oito os violinos sobrepõem intervalos de

oitava, buscando efeitos dissonantes sobre o baixo estabelecido pela viola e todos os instrumentos

descem em passo de segunda maior seguido por segunda menor, para no compasso oito formarem

um acorde de Do Maior com sétima menor e baixo em Mi, transformando o acorde inicial em

Dominante. Pode-se afirmar que há um acorde de Do Maior com sétima maior no compasso

cinco que passa por transformações nos compassos seis e sete, para desembocar em um acorde

dominante no compasso oito. O uso das dissonâncias na citada transformação parece advir de

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contatos com a música erudita contemporânea, já que é difícil localizar algum paralelo na música

popular. Outro ponto é a independência da melodia, que passa por notas que gerariam, na escola

tradicional de harmonia, um caráter de falsa relação. Por exemplo, enquanto nos compassos cinco

e seis os primeiros violinos sustentam a nota Si natural, a guitarra elétrica passa pela nota Si

bemol. Há neste fragmento a presença de dois planos, um melódico e outro harmônico que

parecem desfrutar de uma certa independência:

Figura 22 (Compassos 05 ao 08):

No exemplo a seguir (figura 23), observa-se a guitarra elétrica em um diálogo com o solo

do clarinete baixo, dividindo seu posto de solista com uma breve intervenção do instrumento, do

compasso 36 ao 39. Pode-se observar que neste trecho a escrita aplicada à guitarra elétrica é

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85

claramente violonística, tanto no que diz respeito à abertura dos acordes que não favorece a

técnica de palheta, quanto na indicação do compositor do uso do polegar da mão direita para a

execução de um acorde, um Si Maior com sétima menor, nona maior e décima primeira

aumentada, remetendo à técnica violonística, embora esse fator técnico também possa ser

análogo à guitarra do Jazz, como será visto adiante:

Figura 23 (Compassos 36 ao 39):

Nos dois últimos compassos representados na figura 23 tem-se o início do seguinte

ostinato da caixa:

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Mesmo que a caixa só toque junto com a guitarra elétrica durante dois compassos, o

compositor tem o cuidado de indicar dinâmica pianíssimo (pp) para a caixa, além de pedir para

que se toque no aro ou na madeira, garantindo uma sonoridade mais suave, como se este

instrumento estivesse acompanhando um violão acústico. É importante recordar que Radamés

Gnattali escreveu uma partitura separada da partitura principal para os instrumentos de percussão,

portanto, nos exemplos utilizados no presente trabalho, vai se procurar respeitar esse

procedimento quando for necessário discorrer sobre um instrumento dessa família e representá-

los com fragmentos da partitura, separadamente da partitura principal.

No próximo exemplo (figura 24) encontra-se o primeiro contraponto entre a guitarra

elétrica e o piano, que acontece a partir do compasso 55, os dois solistas do concerto em um

diálogo cordial, já que o piano – que é um instrumento de bom poder sonoro – não tem muitas

notas em sua escrita, nem tampouco grandes seqüências de acordes em dinâmica forte, fazendo

com que o mesmo soe com leveza, o que não acarretaria em grandes problemas caso o solista

interlocutor fosse um violão acústico. Deve-se considerar que a guitarra elétrica traz ao solista

maior conforto quanto ao volume de sonoridade do instrumento, mas mais uma vez podemos

notar o cuidado do compositor na escrita musical quando esse evita sonoridades densas se

opondo à guitarra elétrica. Portanto, é possível notar que a escolha da guitarra elétrica como

solista se deu mais pela experimentação timbrística do que pela solução prática de problemas

com a instrumentação.

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Figura 24 (Compassos 55 ao 61):

No próximo caso (figura 25) que se inicia no compasso 73 com anacruse há outro

exemplo de diálogo entre os dois solistas onde o piano não causaria problemas de projeção se o

solista fosse um violão. Os acordes atribuídos ao piano possuem poucas notas, situadas na região

média do instrumento evitando sonoridades potentes e pode-se observar que a rítmica do

contracanto escrito para o piano é a mesma atribuída ao solo da guitarra elétrica, ou seja, o piano

não oferece um contraponto polifônico ao solista, mas se associa homofonicamente ao mesmo,

salientando a melodia que aqui está sendo apresentada:

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Figura 25 (Anacruse seguida dos compassos 73 ao 77):

A seguir, no fragmento que se inicia no compasso 95, representado na figura 26, há um

diálogo da guitarra elétrica com o oboé e o corno inglês, ou seja, o solista interage com

instrumentos de madeira, procedimento esse que é comum a peças de música de câmara que

utilizam o violão. Esta instrumentação geraria um terreno seguro para o solista, caso este fosse

um violão acústico. Novamente, nota-se o cuidado de escrita do compositor com um dos solistas

do concerto, cuidado este que seria tomado com um instrumento acústico de pouco poder de

projeção sonora. Possivelmente, Gnattali teria se encantado com a sonoridade do novo

instrumento que estava surgindo, mas não deixou o poder de projeção sonora proporcionada pela

amplificação dos instrumentos elétricos influenciar em sua técnica e domínio de escrita musical.

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Gnattali não se aproveita do potencial de volume sonoro da guitarra elétrica para fazê-la se

sobrepor contra toda a orquestra, ao contrário, mantém os cuidados intrínsecos à artesania de um

compositor acostumado a trabalhar com a orquestra convencional e com solistas de instrumentos

acústicos. Tal atitude pode demonstrar que o compositor não estava em busca de volume de som,

de poder de projeção sonora, mas sim de um novo timbre de um instrumento que estava em seus

primeiros anos de vida, acoplado à orquestra convencional.

Figura 26 (Compassos 95 ao 104):

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A seguir, na figura 27, fragmento que se inicia no compasso 126 com anacruse, mais um

exemplo de diálogo entre os dois solistas, onde o piano apresenta na mão esquerda um

contraponto à melodia da guitarra elétrica em dinâmica piano (P), e na mão direita, notas agudas

que completam os acordes em dinâmica pianíssimo (PP) cuidando para que a sonoridade do

piano não seja maior do que a sonoridade da guitarra elétrica:

Figura 27 (Anacruse seguida dos compassos 126 ao 128):

O próximo exemplo (Figura 28) é um fragmento que se inicia no compasso 166 com

anacruse e traz a guitarra elétrica interagindo com o solista interlocutor, com o oboé e com o

tímpano. A dinâmica pedida para o tímpano em geral é piano (P) com crescendos para mezzo-

forte (mf) e um único ponto culminante em forte (f) que vem de um crescendo do compasso 170

atingindo o forte no primeiro tempo do compasso 171 decrescendo em seguida para um piano no

compasso 172. O tímpano é um instrumento que poderia se sobrepor ao solista caso este fosse

acústico, mas o tratamento instrumental dado ao instrumento de percussão não permitiria que tal

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problema viesse à tona mesmo no caso de um violão no posto de solista. Aqui, Gnattali inclui a

escrita do tímpano na partitura principal:

Figura 28 (Anacruse seguida dos compassos 166 ao 173):

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3.2.2. Segundo Movimento: Canção

Seguindo com a análise técnica da instrumentação, localiza-se a primeira entrada da

guitarra elétrica no segundo movimento acontecendo no compasso 21. Nos compassos 21 e 22 a

guitarra assume posto de acompanhante, porém, é contraposta aos instrumentos de madeira que

são - nos compassos 21, 22 e 23 – duas flautas, oboé e clarinete baixo. No compasso vinte e cinco

os instrumentos que assumem a melodia e são acompanhados pela guitarra elétrica são o corno

inglês e a trompa27.

A guitarra elétrica era empregada no jazz como instrumento de acompanhamento nas big

bands, formações essas que têm grande poder sonoro devido aos saxofones, trompetes,

trombones, bateria e até mesmo à estética intrínseca e esse gênero de música que subentende

sonoridades fortes e vigorosas. Neste caso, o instrumento de acompanhamento precisaria ter

também um bom poder de intensidade sonora para que pudesse acompanhar com eficácia tal

formação, daí a opção de se eletrificar o violão, de onde se seguiu uma série de transformações

desse instrumento até atingirmos a construção moderna da guitarra elétrica. Mas no caso deste

concerto de Gnattali, mesmo quando a guitarra elétrica é utilizada como instrumento de

acompanhamento, o compositor não a expõe a confrontos com toda a orquestra e nem tampouco

com nipes instrumentais de grande poder com relação à intensidade sonora. Gnattali, mais uma

vez, não utiliza recursos elétricos apenas para ampliar a intensidade do som de um suposto violão

acústico amplificado, mas parece aceitar que tal tecnologia proporciona um novo timbre com

potencial para atuar na música de concerto. Pode-se observar na figura 29 que um violão acústico

teria sonoridade intensa o suficiente para acompanhar a instrumentação utilizada neste trecho.

27 Radamés Gnattali, no manuscrito autógrafo do Concerto Carioca, sempre se refere à trompa em Fá com a designação “Corno em Fá”.

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Mais uma vez, Gnattali parece estar explorando um novo instrumento pelo seu potencial de

timbre e não por seu poder de proporcionar sons fortes:

Figura 29 (compassos 21 ao 25):

No exemplo constante na figura 30, que se inicia no compasso 32, há a melodia na

guitarra elétrica sendo acompanhada apenas pelo piano o que não traz para o solista nenhum

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problema de projeção do som do instrumento. As indicações do compositor para se tocar “pouco

rubato” e ao pianista “seguindo o violão”, confere a esta passagem musical características de

canção.

Figura 30 (Compassos 32 ao 35):

A próxima entrada da guitarra elétrica (figura 31) inicia no compasso 52 com anacruse.

Neste exemplo, há mais uma vez a guitarra elétrica sendo tratada como um violão,

merecedora dos cuidados orquestrais inerentes a um instrumento acústico. Pode-se notar a leveza

da melodia que está presente na flauta e no corno inglês com indicação de dinâmica piano (p), e

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no contraponto da trompa, que nos compassos seguintes tomará para si a melodia, há a dinâmica

pianíssimo (pp). A guitarra elétrica tem nesse fragmento uma escrita claramente violonística. É o

instrumento acompanhante e executa acordes permeados por uma linha de baixo bastante

característica do Choro ou Choro-canção, com passagens cromáticas entre o baixo de um acorde

e outro, avigorando a característica de canção solicitada pelo compositor:

Figura 31 (Anacruse seguida dos compassos 52 e 53):

No compasso 59 (figura 32), Gnattali escreve a última frase do segundo movimento para a

guitarra elétrica, apoiada por dois acordes do piano, o primeiro acorde no compasso 59, um Lá

sem a terça com quarta aumentada e nona maior e no último compasso um Lá Menor com sexta e

sétima maiores, acordes também facilmente encontrados no jazz. No que concerne à técnica

instrumental, tal frase seria possível de ser tocada na guitarra elétrica com palheta, pois é uma

frase estritamente melódica e não apresenta nenhum acorde para ser executado pelo guitarrista.

Pode-se notar também na escrita guitarrística saltos em intervalos bastante grandes, como se

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fossem arpejos, o que remete ao procedimento melódico inerente aos saxofonistas de Jazz

principalmente o Jazz pós Bep Bop.

Figura 32 (Compassos 59 ao 62):

A indicação “a vontade”, do compositor, bem como as constantes semicolcheias que

compõem a melodia final deste movimento apontam para uma influência de construção de frases

vinda do choro. O último acorde do piano (Lá Menor com sexta maior e sétima maior), embora

não muito comum também é possível de ser localizado em canções populares.

3.2.3. Terceiro Movimento: Valsa Seresteira

Com reminiscências da valsa brasileira, o terceiro movimento possui, além de

características de canção de seresteiros que vai se procurar delinear no decorrer desta parte do

capítulo, características rítmicas e melódicas que parecem herdadas de compositores como

Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Zequinha de Abreu e de valsas de Pixinguinha (Rosa,

como exemplo da mais conhecida, embora essa se aproxime mais da mazurca), todos eles,

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97

compositores importantes na formação de música popular de Radamés Gnattali. Seus

inspiradores são homenageados em sua Suíte Retratos em que estes compositores, exceto

Zequinha de Abreu e incluindo-se Anacleto de Medeiros, dão nome a cada um dos movimentos

da obra. Este movimento está em três por quatro, fórmula de compasso tradicional de valsa e seu

andamento se dá com a semínima em 104 bpm. O compositor pede para que a guitarra tenha a

sexta corda afinada em Ré28, procedimento este muito comum ao violão e encontrado com

freqüência em obras de Garoto, Dilermando Reis e Armando Neves (PICHERZKY, 2004). A

introdução deste movimento (figura 33) acontece com um solo da guitarra elétrica e sua escrita

apresenta indícios de fusão entre linguagens de violão e de guitarra elétrica, já que sabemos que

Gnattali estava pensando neste segundo instrumento quando da escrita deste concerto. Logo no

segundo compasso é possível notar a guitarra elétrica executando melodia e acordes ao estilo

violonístico, porém, há do terceiro até o oitavo compassos um fragmento puramente melódico,

sendo possível tocar com palheta, ao modo da maior parte dos guitarristas de jazz. Entende-se que

frases puramente melódicas são possíveis e, mais ainda, comuns à linguagem do violão, seja ele

erudito ou popular, porém, é provável que o compositor tenha se inspirado na sonoridade da

guitarra elétrica daquele estilo musical (o jazz) para construir passagens melódicas de seu

concerto.

28 O convencional é afinar esta corda em Mi, assim como no violão. A afinação padrão da guitarra elétrica é exatamente a mesma do violão, á saber, do agudo para o grave: primeira corda = Mi, segunda corda = Si, terceira corda = Sol, quarta corda = Ré, quinta corda = Lá, sexta corda = Mi.

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98

Figura 33 (Compassos 01 ao 12):

Logo após a introdução, a guitarra elétrica passa à função de instrumento acompanhante –

compasso 10 com anacruse - desenvolvendo acompanhamento ao estilo violonístico brasileiro,

com passagens cromáticas de baixo que conduzem a alguma das notas que compõem o acorde de

chegada. Pode-se observar que a guitarra elétrica acompanha a melodia executada pela flauta,

instrumento que poderia ser perfeitamente acompanhado pelo violão, que possui intensidade o

suficiente para se encarregar de tal tarefa. Novamente, entende-se que Gnattali procura então pelo

timbre do novo instrumento e não pelo seu poder de atingir grandes intensidades sonoras através

de recursos elétricos.

O acorde presente logo após a anacruse (figura 34) é um Ré menor com o adicionamento

de Sétima Maior e Décima Primeira Aumentada. Antes desse acorde, temos na anacruse as notas

Ré #, Mi, Fá e Ré bequadro, ou seja, uma passagem cromática até a Terça Menor do acorde,

seguida de um salto de Terça Menor Descendente de volta à fundamental.

Page 100: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

99

Figura 34 (Anacruse seguida dos compassos 10 ao 17):

No exemplo seguinte (figura 35) que inicia no compasso 49, a escrita para guitarra

elétrica é quase que estritamente melódica e é possível traçar um paralelo com a técnica de

palheta convencionalmente usada na guitarra elétrica. No quinto compasso do exemplo seguinte –

que corresponde ao compasso 53 do terceiro movimento – há um acorde de Ré Maior com

Sétima Menor e Nona Maior que o compositor pede para que seja tocado com o polegar, o que

remete a uma técnica instrumental parecida com a técnica de palheta, pois há um único corpo

realizando um único movimento em um só sentido (de cima para baixo) fazendo vibrar todas as

cordas. Em uma segunda hipótese, o compositor poderia estar também se referindo à técnica do

guitarrista Wes Montgomery, um lendário guitarrista de Jazz que viveu de 1925 até 1968 e que

mantinha uma carreira musical já sólida na época em que foi composto o Concerto Carioca.

Page 101: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

100

Montgomery utilizava movimentos alternados do polegar da mão direita para articular as notas,

ou seja, substituiu a palheta pelo uso do polegar.

É importante destacar que se entende que todas as técnicas instrumentais que estão sendo

citadas nesta parte do trabalho são também inerentes ao violão, porém, está se procurando as

ligações desses procedimentos com a guitarra elétrica, pois sabe-se, segundo o depoimento do

instrumentista José Menezes já citado neste capítulo, que Radamés Gnattali tinha plena

consciência de que estava escrevendo para a guitarra elétrica, este novo instrumento que na época

da escrita do Concerto Carioca mantinha fortes ligações com o Jazz. Não obstante o fato de estar

se buscando as ligações do compositor com a técnica instrumental da guitarra do Jazz, reconhece-

se, após ter se verificado sua escrita musical, que Gnattali não está procurando estabelecer em sua

música a linguagem jazzística. Mesmo a técnica de guitarra deste estilo de música norte-

americana é tratada de forma análoga, mas não empregada literalmente. É possível fundamentar

essa afirmação, mais uma vez, no depoimento de José Menezes, que diz não ter utilizado uma

palheta para tocar o Concerto, mas utilizou os dedos da mão direita, tal qual um violonista o faria.

Wes Montgomery foi citado anteriormente como um exemplo de um guitarrista de Jazz que não

utilizava a palheta e desenvolveu uma técnica peculiar de tocar tudo com o polegar da mão

direita, sejam frases melódicas ou acordes, mas é importante se ter consciência de que trata-se de

uma exceção no universo deste instrumento. Parece que nesta obra Gnattali procura trazer para a

guitarra elétrica uma linguagem própria, brasileira, fazendo ainda fortes ligações com a técnica

instrumental e procedimentos musicais do violão brasileiro, mas imbuindo o mesmo de algumas

informações vindas da música norte-americana.

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101

Figura 35 (Compassos 49 ao 56):

A recomendação técnica do compositor para que se toque acordes inteiros com o polegar

se fará presente novamente no fragmento situado entre os compassos 122 e 131 (figura 36), onde

temos um solo de oboé acompanhado pela guitarra elétrica. Será possível observar que, no

decorrer de todo o concerto, a guitarra elétrica nunca é solicitada a acompanhar instrumentações

mais sólidas, nem tampouco é encarregada de realizar solos frente a grandes massas sonoras. A

partir deste ponto Gnattali indica “tempo de valsa” com semínima igual a 20829.

29 O compositor parece ter preferido alterar o andamento da música para um pulso bastante rápido em vez de aqui mudar a fórmula de compasso, já que tamanha velocidade faz todo o fragmento em “tempo de valsa” soar como compasso composto, onde cada pulso é subdividido em três partes iguais. Com base na gravação, é possível notar que o regente conduziu este trecho como se estivesse escrito em seis por oito, transformando cada compasso em um pulso.

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102

Figura 36 (Compassos 122 ao 131):

No compasso 135 (figura 37) há um solo da guitarra elétrica, sendo acompanhada pela

sessão de cordas da orquestra. Pode-se averiguar, outra vez, que o compositor reserva cuidados

na orquestração que seriam necessários para um solista com um instrumento acústico. Busca-se

demonstrar, com mais este exemplo, que o compositor não utiliza o volume de som da guitarra

elétrica para fazer com que o solo se sobressaia de uma orquestração densa. Ao contrário, as

cordas estão em dinâmica piano, com um rápido crescendo para mezzo-forte, que decresce

novamente para piano. O que está sendo beneficiado nesta obra é o timbre do novo instrumento

solista.

A harmonia deste fragmento é construída sobre uma seqüência em graus conjuntos de

acordes maiores com sétima menor adicionados de outras dissonâncias. A seqüência deste tipo de

acorde (maior com sétima menor) sem característica de dominante é possível de se localizar no

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103

blues, onde a sétima menor não implica em preparação e resolução. No entanto, as dissonâncias

incluídas por Gnattali nestes acordes parecem indicar para uma ligação com a música erudita do

século XX. O acorde realizado pelas cordas no compasso 135 é um Do Maior com sétima menor

(Si bemol no quarto violino), nona maior (nota ré no segundo violino), nona menor (se

enarmonizarmos a nota Mi bemol do terceiro violino para Ré sustenido) e quinta diminuta (Sol

bemol no primeiro violino). No compasso seguinte há um acorde de Si bemol Maior com sétima

menor (Lá bemol no quarto violino) e nona menor (se enarmonizarmos a nota Si do segundo

violino para Do bemol). Segue-se, no compasso 137 para um acorde de Lá Maior com sétima

menor (nota Sol no quarto violino), nona aumentada (se enarmonizarmos a nota Do no terceiro

violino para Si sustenido), nona maior (nota Si no segundo violino) e quinta diminuta (nota Mi

bemol no primeiro violino). No último compasso representado na figura 37, temos um Fá

sustenido Maior com sétima menor (nota Mi no quarto violino) e décima terceira menor (nota Ré

nos violinos dois e três).

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104

Figura 37 (Compassos 135 ao 139):

A próxima aparição da guitarra solo (figura 38) acontece no compasso 158, onde a mesma

realiza uma pequena ponte melódica que conduz a música do “tempo de valsa”, com semínima

igual a 208, ao “tempo primeiro”, com semínima igual a 104. Nesta ponte Gnattali indica ao

intérprete: “preparando o tempo primeiro”.

No compasso 160 é retomado o tema que foi apresentado na figura 34.

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105

Figura 38 (Compasso 158 ao 167):

A frase final deste movimento (figura 39), a coda, se inicia no compasso 185 e acontece

com um contraponto entre a guitarra elétrica e os primeiros violinos, acompanhados pela sessão

de cordas, que fecha o movimento com um dramático acorde de Ré menor com Sétima Maior e

Décima Primeira Aumentada. A parte da guitarra elétrica é quase estritamente melódica, a não

ser pelos baixos de Lá, Sol, Fá e Mi que são sustentados nos compassos 191, 192, 193 e 194

respectivamente e do acorde quartal (Mi bemol, Lá, Ré, Sol, Dó sustenido e Fá sustenido) que é

tocado pelo guitarrista no compasso 194. Esta escrita melódica para a guitarra pode ser uma

reminiscência, embora não idiomática, do Jazz como já dissemos anteriormente. Neste momento

temos a guitarra elétrica se contrapondo apenas aos primeiros violinos, salvo acordes atribuídos

ao restante dos instrumentos da sessão de cordas, não sendo necessário a utilização do potencial

de amplificação sonora intrínseco a mesma. A amalgamação do timbre deste instrumento elétrico

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106

às cordas da orquestra parece ser o anseio principal de Gnattali nesse fragmento, assim como em

toda a obra.

Figura 39 (Compasso 185 ao 198):

Page 108: CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A

107

3.2.4. Quarto Movimento: Samba

O último movimento do Concerto Carioca tem andamento moderado, semínima igual a

116, escrito em quatro por quatro em vez de dois por quatro como é o convencional

(FARIA,1995, p. 22), tem a vivacidade necessária a um final que parece desejar ser apoteótico.

Este movimento em si reserva uma particularidade: a utilização de instrumentos de

percussão ligados à música popular. É neste movimento, intitulado “Samba”, que Gnattali

deposita seu domínio de escrita musical em benefício dos instrumentos de percussão. O

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108

compositor aplica uma espécie de polifonia rítmica30 para instrumentos de percussão idênticos,

como se pode observar na figura 40, onde há na sessão de percussão três tamborins com linhas

independentes, diferenciando-se assim do procedimento utilizado em escolas de samba, onde

todos os tamborins tocam a mesma frase rítmica, em uníssono. Ainda assim, o resultado sonoro

deste samba sinfônico tem o mesmo swing de um samba autêntico, popular.

Quando José Menezes disse que “Radamés pediu a guitarra porque um violão acústico

não conseguiria se destacar na orquestra e nem nos diálogos com o piano”, talvez ele estivesse se

referindo, especialmente, a esse movimento. É, quiçá, neste movimento que a guitarra elétrica

tenha que ceder sua capacidade de volume sonoro para se impor, ou melhor ainda, se justapor à

uma instrumentação um pouco mais densa. No exemplo que consta da figura 40, fragmento

iniciando no compasso 09, tem-se a guitarra elétrica com a responsabilidade de fazer destacar a

melodia frente ao piano que está com dinâmica mezzo-forte e a três tamborins e um surdo, que

não tem indicação de dinâmica do compositor. Possivelmente, a realização desta frase fosse uma

incumbência mais complicada para um violão, a não ser que o mesmo estivesse microfonado ou

amplificado de alguma outra maneira. É possível notar que a escrita adotada para o piano também

é mais densa tanto pela escolha da dinâmica, que é a mesma indicada para o solista, como

também por registros graves com indicação de “oitava abaixo” que estão em destaque na

ilustração. Pode-se supor que a dinâmica idêntica recomendada para a guitarra elétrica e para o

piano tenha um efeito orquestral parecido - esboçando um exemplo análogo - deste procedimento

indicado para uma flauta e um trompete respectivamente, se neste caso a guitarra elétrica não

estivesse sendo abordada como um instrumento de maior potencial de volume sonoro do que o

30 Preferiu-se aqui o termo “polifonia rítmica” em vez de polirritmia, pois não localizamos uma sobreposição de métricas para se caracterizar uma polirritmia na composição. Temos sim, ritmos diferentes que conversam e se completam entre si, favorecendo a construção e o entendimento de uma mesma métrica que é intrínseca à musica popular. Neste caso, a polifonia rítmica contribui para a caracterização de um samba.

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109

piano. É possível que especificamente para estes casos e apenas neste quarto movimento, Gnattali

tenha se aproveitado deste poder do novo instrumento, mas ainda assim, sem perder de vista a

experimentação de um novo timbre, pois se Radamés Gnattali desejasse escrever para o violão

acústico como solista, certamente ele o faria e teria em mãos recursos para amplificar a

sonoridade deste instrumento, como técnicas de microfonação por exemplo: Gnattali se utilizou

deste recurso em sua Sinfonia Popular, onde utilizou em apresentações ao vivo, três violões

microfonados, não como solistas, mas como um naipe instrumental31:

Figura 40 (Compasso 09 ao 20):

31 Ver o vídeo “Nosso amigo Radamés”, Brasiliana editoras.

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110

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112

No exemplo da figura 41, compasso 45 deste movimento, há uma pequena frase da

guitarra elétrica, composta em quatro compassos, onde se podem enumerar alguns problemas de

projeção e de volume sonoros caso o solista fosse o violão:

Os três tamborins estão tocando com dinâmica Forte (f) e há também a indicação “na

madeira” feita pelo compositor, pedindo para que se toque no corpo do instrumento e não em sua

pele. Esse modo de execução instrumental resulta, certamente, em uma sonoridade menos intensa

se comparada à técnica convencional de se tocar o tamborim percutindo na pele, mas ainda assim,

com a junção dos três grupos de instrumentos, possivelmente ainda se tenha um som forte o

suficiente para causar algum incômodo caso o solista fosse um violão acústico. O surdo também

tem indicação de dinâmica forte, tocando normalmente, percutindo na pele, resultando em um

bom volume sonoro. Esse instrumento, tocado dessa maneira, talvez se tornasse um problema

maior se estivesse se contrapondo a um violão acústico. O piano, que é responsável pela

harmonia, tem a indicação de dinâmica forte como todos os outros instrumentos, além de tocar

acordes cheios, compostos por seis notas, realizando um ostinato que não permite pontos de

alívio no volume de som. A guitarra elétrica tem a melodia escrita em região aguda e com notas

de duração média e longa (colcheias e mínimas), o que dificultaria a sustentação desta melodia,

caso a mesma tivesse sido recomendada ao violão. Há um diminuindo logo no segundo compasso

desta frase, mas esse é indicado para todos os instrumentos, inclusive para os solistas:

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113

Figura 41 (Compasso 45 ao 48):

No decorrer da partitura, entende-se que neste movimento há combinação de funções

atribuídas à guitarra elétrica. É perceptível que em alguns momentos o poder de volume sonoro

deste instrumento é requisitado, mas em alguns outros, Gnattali escreve para este ainda tomando

cuidados inerentes a instrumentos puramente acústicos. Parece que este é o caso do exemplo

seguinte (Figura 43) restando apenas uma dúvida quanto à inscrição “aqui bateria Paulinho” –

ficou-se em dúvida se é Paulinho ou Paulinha - feito pelo compositor no momento da mudança de

fórmula de compasso, de quatro por quatro para quatro por oito, momento este em que há

também uma mudança de andamento, de 116 batidas por minuto para 88 batidas por minuto,

onde o compositor sugere “tempo de samba canção”. Tal exemplo se inicia no compasso 84 com

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114

uma ponte executada por ambos os solistas, conduzindo a música do tempo primeiro para a

segunda parte deste movimento em tempo de samba-canção. Não se localizou uma parte escrita

para bateria na partitura principal, nem tampouco na partitura para instrumentos de percussão.

Em entrevista concedida por e-mail, o maestro Roberto Gnattali, sobrinho de Radamés, nos dá o

seguinte parecer:

“Na imagem que eu tenho está escrito à caneta tinteiro e a mesma inscrição a lápis de cor azul... na inscrição a lápis de cor fica mais claro o masculino (Paulinho). Não sei do que se trata, infelizmente. Pode ser para o baterista da orquestra que gravou, uma indicação para entrar neste momento. Porém, não tem uma ordem de saída da bateria. Não tenho notícia do músico que gravou essa bateria... Pode ter sido, também, anotação de concerto realizado em teatro. Mas não tenho a informação de que essa peça tenha sido tocada em público. Parece que foi, mas não tenho certeza”32.

Não se encontrou também nenhum registro sobre um baterista chamado Paulinho. Sabe-

se que Gnattali trabalhou ao lado do baterista Luciano Perrone. Luciano Perrone também foi o

baterista do Quinteto e Sexteto Radamés Gnattali durante toda a sua existência. Constatou-se, até

o momento, que Gnattali sempre trabalhou ao lado de Luciano Perrone, o que dificulta a

localização de um músico chamado Paulinho.

Na audição do LP do concerto, é possível confirmar que não há bateria gravada nesta

obra. A hipótese aqui levantada é, concordando com Roberto Gnattali, que o compositor não

imaginou bateria nesta peça no ato da sua composição. A bateria pode mesmo ter sido utilizada

apenas na ocasião de uma apresentação pública e não na gravação da obra. Caso a bateria tenha

sido utilizada em uma apresentação ou na ocasião de uma gravação ao vivo – José Menezes

afirma que esta obra foi gravada em estúdio e não se localizou, até o momento, nenhum registro

de uma gravação ao vivo - permanece então a hipótese da utilização dos recursos elétricos deste

32 Entrevista concedida por e-mail em setembro de 2006.

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115

solista no sentido de se amplificar o som do instrumento para que o mesmo possa se sobressair

frente à sonoridade da bateria. Como não se localizou a partitura da bateria, não podemos

assegurar que procedimento o baterista utilizou para executar sua parte, se tocou com baquetas

ou vassourinhas, se a dinâmica era mezzo forte, ou piano. Se não considerarmos a bateria neste

momento (o fato de não haver indicação da saída da bateria atenua ainda mais a hipótese de que

esta tenha sido mesmo utilizada em alguma apresentação, mas não é parte obrigatória do

concerto) será possível observar todos os cuidados que o compositor toma para que o piano e as

cordas não encubram a sonoridade da guitarra elétrica, deixando espaços no piano para que a

melodia sobressaia e escrevendo dinâmica mezzo forte decrescendo para piano na sessão de

cordas.

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116

Figura 42 (Compasso 84 ao 105):

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117

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118

Gnattali pede o uso de surdinas para toda a sessão de cordas da orquestra, o que resulta,

além de uma mudança timbrística, em uma diminuição considerável no volume de som desses

instrumentos. Além de essa atitude denotar que o compositor não está utilizando a guitarra

elétrica se aproveitando do seu potencial de amplificação do som natural e sim em favor de seu

timbre original, podemos deduzir também que se a bateria foi utilizada nesse momento, a mesma

deve ter sido explorada em suas sutilezas sonoras e não com todo o seu potencial de projeção.

Em seguida, no compasso 111 (figura 43) observa-se uma pequena intervenção melódica

da guitarra elétrica ainda sendo tratada como instrumento acústico. Ela interage com o piano,

tímpano e trompa, que assume a melodia em seguida. Há indicação de dinâmica piano para a

trompa e para o tímpano, o que mantém terreno confortável para os solistas que têm indicação de

piano e em seguida um crescendo para mezzoforte. Entre os solistas é possível averiguar a escrita

leve para o piano, que mantém dois acordes escritos em mínimas, sustentados durante todo o

compasso em que aparecem e uma voz de acompanhamento com uma única nota, sincopando no

padrão rítmico do samba, deixando espaço livre, garantindo a transparência do solo da guitarra

elétrica nesse fragmento:

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119

Figura 43 (Compassos 111 ao 114):

No exemplo ilustrado na figura 44 há um solo da guitarra elétrica que faz uma ponte para

a retomada do “tempo primeiro”, que acontece no compasso 132. Tal passagem é escrita em um

diálogo para duas flautas e guitarra elétrica. Novamente este solista recebe tratamento orquestral

de um instrumento acústico, se contrapondo a sonoridade de madeiras. Após a retomada do

tempo primeiro a guitarra elétrica passa a interagir e dividir seu solo com o piano, instrumento

esse que é tratado com muito cuidado, como se estivesse se opondo a um instrumento acústico de

pouca amplitude. Gnattali dedica ao piano acordes cheios, com oito notas, e de sonoridade densa

nos compassos 141 e 142, mas esses são stacattos e intercalados com os acordes da guitarra

elétrica – guitarra no contratempo e piano no tempo - não permitindo que ambos soem juntos em

nenhum momento. O mesmo tipo de procedimento é possível de ser reconhecido por todo o

fragmento da figura 44, onde Gnattali faz a guitarra elétrica soar nos intervalos e respirações de

frases do piano, como se estivesse assim reservando espaço para um violão puramente acústico

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120

poder soar e se impor. A entrada da sessão de percussão que ocorre no compasso 138 vem com

indicação de dinâmica piano e entende-se que, mesmo nesse momento, o compositor não está

solicitando o volume da guitarra elétrica que é propiciado pelos recursos elétricos:

Figura 44 (Compasso 132 ao 154):

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121

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122

No exemplo seguinte, compasso 171 com anacruse, há um fragmento que conduz a uma

melodia que será executada pelos saxofones (figura 45) e é notável que o compositor submete a

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123

guitarra elétrica, como o fez raras vezes nesta obra, a uma instrumentação mais densa, se

contrapondo aos tamborins com dinâmica forte, embora percutidos na madeira e não na pele, aos

surdos, e ao ostinato do piano, escrito com acordes de seis notas que soam fortes. No entanto, a

melodia executada pela guitarra elétrica é, neste caso, um complemento dos acordes do piano,

soando acima da nota mais aguda destes, exceto pelas notas Mi e Fá sustenido, não sendo

necessário que a mesma se sobressaia tocando mais forte do que o piano. Ao contrário, parece

que o desejo do compositor é que essas notas destinadas à guitarra elétrica soem neste momento

amalgamadas às notas dos acordes do piano:

Figura 45 (Anacruse seguida dos compassos 171 ao 174):

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124

A última aparição da guitarra elétrica no concerto acontece em um contraponto com o

piano, que se inicia no compasso 208, com uma pequena intervenção da trompa, com um Si

longo (nota real) no compasso 210 e dos tímpanos a partir do compasso 215. A trompa não

acarreta problemas de projeção para o solista, já que a mesma ataca a nota de maneira forte, mas

segue-se um decrescendo que aos poucos abre espaço para a frase em semicolheias escrita para a

guitarra elétrica. Os tímpanos atacam a nota Mi duas vezes, em semicolheia e dinâmica forte,

porém este procedimento vem para reforçar o baixo nessa mesma nota que é tocada pela guitarra

elétrica. Em seguida, três compassos depois, o compositor indica dinâmica piano para os

tímpanos. Quanto ao contraponto entre os solistas – piano e guitarra elétrica – observa-se mais

uma vez o cuidado de escrita tomado por Gnattali, quando este trata a guitarra elétrica quase

como um violão acústico. Percebe-se que o compositor faz a guitarra elétrica soar sempre entre as

notas longas e as respirações do piano, quando este tem em sua escrita acordes cheios e fortes,

como se observa nos três primeiros compassos da figura 46. A guitarra elétrica toca ritmicamente

junto com o piano, atacando notas ao mesmo tempo, somente quando este tem escrita melódica e

mais delicada, soando mais agudo, facilitando a imposição da melodia da guitarra, que passa de

seu registro agudo descendo para os médios até que se torne elemento de acompanhamento,

executando um baixo pedal em Mi e atacando acordes longos no segundo tempo, apoiando a

melodia a duas vozes do piano. Neste último exemplo, observa-se mais uma vez, que Radamés

Gnattali não pretendeu se valer do volume que a guitarra elétrica é capaz de atingir através de

sistema de amplificação elétrica:

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125

Figura 46 (Compasso 208 ao 219):

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126

Durante o decorrer do presente capítulo e através de seus exemplos ilustrados em vinte e

nove figuras, foi possível notar que Radamés Gnattali quando escolheu a guitarra elétrica como

um dos solistas do Concerto Carioca não estava preocupado em utilizar os recursos elétricos da

mesma para se amplificar seu som, para que os solos dedicados a esse instrumento pudessem

transparecer a orquestrações mais densas. É notável que o compositor nunca escreve para a

guitarra sobre os saxofones, por exemplo. Não há nenhum solo de guitarra escrito sobre um tutti

orquestral, o que obrigaria o instrumentista a aumentar o volume de som da mesma no

amplificador. Em raros momentos a guitarra toca junto com os instrumentos de percussão, o que,

quiçá, obrigue o guitarrista a utilizar os recursos elétricos do instrumento para aumentar um

pouco o seu volume sonoro, mas isso se configura em exceções dentro da obra e não em

procedimento padrão de instrumentação. Já que o compositor não está utilizando a guitarra

elétrica como um instrumento capaz de produzir sons de maior volume que a orquestra que tem

em mãos, é possível se deduzir que ele o fez porque se interessou pelo timbre do instrumento,

porque quis experimentar um instrumento novo para desempenhar papel de solista na música de

concerto, porque quis transportar da música popular, mais especificamente do jazz, uma nova

sonoridade de um instrumento que tem grande fluência melódica e boa desenvoltura harmônica.

Hoje se admite que, mesmo em escritas cuidadosas realizadas por bons compositores, é

preferível microfonar o violão quando este é solista de um concerto. Dificilmente um concerto

para violão e orquestra é realizado sem técnicas de microfonação para o violão. Este fato

corrobora a tese de que Radamés Gnattali estava mesmo escrevendo para um instrumento

diferente do violão acústico, pois mesmo este poderia ser amplificado para atender a necessidades

técnicas da peça. Pode ser que José Menezes tenha razão ao afirmar que o compositor já estava

pensando na guitarra elétrica no ato da composição da peça – na ocasião da gravação, dez anos

depois, é certo de que ele escolheu a guitarra elétrica para realizar o concerto – mas a pouca idade

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127

deste instrumento em 1949-50 leva a um questionamento: seria mesmo para tal instrumento que o

compositor estava escrevendo? Não é possível definir tal fato com precisão, porém não há dúvida

de que o compositor desejava um instrumento diferente do violão microfonado, já que indicou em

sua partitura “Concerto Carioca para Violão Elétrico e Piano”. O contato que Gnattali teve em

1930 com Galvão (arranjador paulista que foi estudar nos Estados Unidos) traz fortes indícios de

que esse tenha lhe apresentado às primeiras modificações feitas nos violões (adição de captadores

magnéticos, construção de corpos sólidos) que levaram ao surgimento da guitarra elétrica. O

compositor gaúcho, a partir desse momento, possivelmente tenha aumentado sua ligação com o

jazz, o que pode tê-lo levado a conhecer a guitarra elétrica naquele momento de nascimento deste

instrumento.

No mínimo, pode-se concluir que Gnattali aceitou, ainda que alguns anos depois, o uso

deste instrumento em seu Concerto Carioca nº 1.

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128

4. QUARTO CAPÍTULO: MOTIVOS RITMICO-MELÓDICOS NA MÚSICA DE

CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI.

Nos capítulos anteriores, buscou-se delinear em Radamés Gnattali as influências da

música popular urbana, brasileira ou norte-americana, na sua música de concerto, principalmente

no que se refere à escolha dos instrumentos que comporão sua orquestra ou grupos de câmara. No

entanto, este estilo de música não se faz presente em sua obra de concerto apenas pelos

instrumentos, mas também pelos motivos rítmico-melódicos escolhidos para estruturarem suas

peças. É possível localizar nas obras do autor algumas composições que são construídas sobre

melodias de caráter bastante popular, como se Gnattali estivesse desinteressado em transformá-

las de maneira a aderirem melhor a estética desejada para se fazer música de concerto. A escuta

de tais peças pode causar a impressão de que são melodias populares, que com pequeno grau de

transformação foram arranjadas para orquestra. Este fato pode ser um importante elemento para

se explicar a orquestração inovadora e “experimentadora” de Radamés Gnattali. Por vezes o

caráter de música popular aplicado às melodias de sua música de concerto é tão grande e tão

pouco transformado que o uso dos instrumentos que fazem parte desse estilo de música se torna

quase inevitável. Como exemplo deste fenômeno há o seu “Concerto para Bandolim e Orquestra

de Cordas” de 1985. É fato que a utilização do bandolim como instrumento solista em música de

concerto não constitui nenhuma novidade já que este vem sendo utilizado desde o período

barroco. No entanto, nesta obra, percebe-se que Gnattali procura utilizar este instrumento tal qual

um músico de choro o faria. As melodias escritas para o bandolim, principalmente no primeiro

dos três movimentos, seriam certamente aceitas nos meios tradicionais do choro, ou seja, se tais

melodias fossem extraídas e executadas por um regional, provavelmente soariam como uma

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129

composição de um músico de choro. A erudição de tal obra está na escrita musical da orquestra

de cordas.

A introdução do Concerto para Bandolim e Orquestra não prevê a melodia “chorona” que

está por vir. Na Figura 47 pode-se observar o primeiro acorde do concerto, realizado pelo

bandolim que é respondido pela orquestra. O acorde executado pelas cordas contém as seguintes

notas, do grave para o agudo: Lá bemol, Mi bemol, Sol, Si e Do, que perfazem um acorde de Lá

bemol Maior com sétima maior (Sol) e nona aumentada (Si), enquanto que no bandolim as notas

são, do grave para o agudo: Ré, Lá sustenido, Mi bemol e Lá bemol, notas constituintes do acorde

de Mi bemol com a Sétima maior na voz mais grave (Ré) e a terça suspensa para a quarta justa

(Lá bemol). Enarmonizando a nota Lá sustenido para Si bemol se estabelece a quinta justa do

acorde. Portanto, na introdução deste concerto, constata-se na orquestra de cordas um acorde de

Lá bemol Maior com sétima maior e nona aumentada, ao qual se sobrepõe um acorde de Mi

bemol com terça suspensa para a quarta justa e sétima maior no bandolim, artifício este que

remete a um procedimento bitonal. É possível detectar na introdução desta obra alguma

semelhança estética com a segunda parte da “Sagração da Primavera” de Stravinsky, algo

semelhante à atmosfera conseguida pelo compositor russo na “Dança das adolescentes” através

do ritmo e das dinâmicas escritas para a orquestra. Gnattali não copia nem o ritmo e nem os

acordes, mas assemelha a introdução de sua peça à referida obra principalmente em dinâmica

orquestral e no processo harmônico, que é bitonal. Por mais uma vez, Radamés Gnattali

demonstra que escolas de composição erudita diferentes e música popular urbana convivem

pacificamente em seu imaginário de criador o que parece o afastar de preocupação de se aliar a

uma única linha estética-composicional.

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130

Figura 47 (Primeira página do concerto para bandolim e orquestra de cordas):

Fonte: Catálogo Digital Radamés Gnattali.

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131

No ano da composição deste concerto Radamés realiza uma transcrição do mesmo para o

grupo “Camerata Carioca” o que garantiu caráter ainda mais próximo da música popular à obra.

A melodia inicial do bandolim neste concerto pode ser comparada a temas de compositores de

chorinho. Extraindo a melodia principal (figura 48) percebem-se alguns procedimentos melódicos

característicos do choro:

Figura 48 (Melodia inicial do concerto para bandolim e orquestra de cordas):

O início da melodia saltando oitava é facilmente localizável em alguns compositores de

choros, como exemplificado nas figuras a seguir:

Figura 49 (Canto em Rodeio – Pixinguinha):

As duas melodias (Figuras 48 e 49) têm contornos melódicos bastante semelhantes, salto

de oitava ascendente seguido de melodia que desce em graus conjuntos para novamente subir,

diferindo neste ponto, pois a melodia de Radamés (Figura 48) sobe por salto de terça menor e

desce novamente em graus conjuntos, enquanto que a melodia de Pixinguinha sobe em grau

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132

conjunto e desce em um arpejo de Sol Maior com sétima menor, mesmo assim, o contorno

melódico é o mesmo e, além disso, há o uso constante de ligaduras de valor que sincopam a

melodia, característica comum ao choro e também ao samba.

O exemplo seguinte (figura 50), embora seja uma valsa, apresenta melodia que preserva

de certa forma o caráter de choro sempre presente em composições de Pixinguinha. O início do

contorno melódico é bastante semelhante à melodia do “Concerto Para Bandolim” pois também

salta oitava ascendente, descendo em seguida por graus conjuntos.

Figura 50 (Oscarina – Valsa de Pixinguinha):

Outro exemplo de melodia se iniciando por salto de oitava ascendente seguido de melodia

descendente:

Figura 51 (Curruíra Saltitante – Lina Pesce):

Embora a mesma desça por um arpejo de ré maior finalizando por cromatismo na nota Si

(quinta justa do acorde de Mi menor) a semelhança com o contorno melódico inicial do Concerto

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133

para Bandolim está preservada. Antes de seguir com mais alguns exemplos, é conveniente

esclarecer que saltos de oitava ascendentes seguidos de melodias descendentes são localizáveis

em muitos estilos de música ocidental e, independentemente da direção deste salto de oitava

(ascendente ou descendente) que é um salto grande, os tratados de contraponto costumam indicar

que a próxima nota se dê em movimento contrário o que garante compensação melódica. Mesmo

assim não deixa de ser uma característica do choro o fato de vários compositores iniciarem parte

de suas melodias desta maneira, como é mostrado com clareza nos exemplos seguintes:

Figura 52 (Hora de Sonhar – Waldir de Azevedo):

Este exemplo (figura 52) não se assemelha em contorno melódico com a obra do

compositor gaúcho, mas também inicia por salto de oitava ascendente seguida de nota em

movimento contrário.

Figura 53 (Vê se Gostas – Waldir de Azevedo):

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134

Embora no exemplo da figura 53 a melodia inicie em salto de oitava descendente,

seguido por nota que ascende em grau conjunto, preserva-se ainda a idéia de que o início de

melodias por salto de oitava, por ser um dos elementos bastante presentes no choro, torna-se um

dos procedimentos que contribuem para a caracterização da melodia dentro deste estilo de música

popular urbana.

Figura 54 (Um a Zero – Pixinguinha):

Esta melodia de Pixinguinha parece enfatizar a importância dos saltos de oitava como um

dos elementos de caracterização de melodias que almejam se referir ao choro. Ela inicia com a

nota Fá sustenido que serve de apoggiatura para a nota Sol que em seguida desce oitava. Este

mesmo salto de oitava se repete por mais duas vezes no fragmento ilustrado na figura 54. Embora

Pixinguinha saia do salto de oitava por outro intervalo grande (ora sétima menor, ora sexta

maior), o mesmo acontece em movimento contrário.

Um ponto que chama a atenção é o fato de todas as melodias de choro que foram

exemplificadas anteriormente começarem em anacruse, dando a impressão de que saltos de oitava

no choro acontecem preferencialmente em melodias anacrústicas em vez de téticas. Embora a

melodia do “Concerto para Bandolim” (Figura 48) não comece tecnicamente em anacruse,

percebe-se que a segunda nota Si da melodia (oitava acima da primeira nota) apóia em tempo

fraco a chegada da terceira nota Si, escrita em mínima na cabeça do terceiro tempo do compasso,

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135

com indicação de tremolo, fazendo se perceber esta última como nota inicial da melodia e as

anteriores como apoio para a chegada dela. Outro ponto bastante importante é o fato de todas as

melodias exemplificadas anteriormente (inclusive a melodia de Gnattali) apresentarem o salto de

oitava seguido de uma nota longa, de maior valor que a nota que a precede, tendo como única

exceção o exemplo da figura 51 em que a nota seguinte ao salto de oitava tem valor igual à nota

que a antecede. Este fato se apresenta como outra característica de construção melódica em choro

que foi respeitada pelo compositor erudito em sua obra de concerto. O fato da melodia do

concerto possuir tamanha afinidade com as características de construção de melodia do choro

parece ter levado a mente criativa de Radamés Gnattali a uma inevitabilidade na escolha do

instrumento que a executaria. Pode-se admitir, após um olhar mais atento, que este solo poderia

ser executado por outro instrumento que não o bandolim, mas certamente uma nova escolha

recairia também sobre outro instrumento relacionado ao choro.

Outro bom exemplo de escolha de instrumentação de música popular acoplada à orquestra

que surge inspirada em uma característica melódica é a sua “Suíte Retratos para Bandolim solista,

conjunto de choro e orquestra de cordas” de 1956-57. Trata-se de uma obra composta em quatro

partes que são:

1) Pixinguinha (Choro)

2) Ernesto Nazareth (Valsa)

3) Anacleto de Medeiros (Schottisch)

4) Chiquinha Gonzaga (Corta-Jaca)

Esta obra orquestral é uma homenagem explícita aos compositores de música popular

urbana e embora a orquestração de Gnattali sempre apresente técnica e tratamento que emanam

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136

de seus estudos e conhecimento de música erudita, nesta suíte as melodias sempre são tratadas

com o máximo de procedimentos melódicos de música popular, caracterizando cada uma de suas

partes como o estilo que vem anunciado em seus subtítulos, mais uma vez fazendo parecer que a

melodia é realmente de um compositor popular, arranjada por um orquestrador. Um bom

exemplo é o início da primeira peça da Suíte Retratos que tem sua primeira página ilustrada na

figura a seguir:

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137

Figura 55 (Primeira página da “Suíte retratos, I - Pixinguinha”):

Fonte: Catálogo Digital Radamés Gnattali.

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Extraindo o início da melodia da obra – fragmento ilustrado na figura 56 - executada pelo

bandolim solo, é possível localizar procedimentos que seriam perfeitamente utilizados por

compositores de choro, porém contém também alguns elementos não muito comuns a esse estilo,

como a sextina logo após o início da melodia (compasso dois por quatro) e a passagem que leva

da introdução ao início da exposição da melodia - executada em tercinas pelo próprio bandolim –

que é para ser tocada livremente, sem fórmula de compasso e com fermata antes de se iniciar a

melodia.

Figura 56 (Início da melodia do bandolim na Suíte retratos, I - Pixinguinha):

Esta passagem permite perceber também um procedimento (ausência de fórmula de

compasso) que é encontrado em música erudita, principalmente em cadências de concertos do

século XX, como por exemplo, o Concerto para Violão e Orquestra de Heitor Villa-Lobos:

Comparando o exemplo da figura 56 com os exemplos de choros apresentados

anteriormente ainda é possível apontar para algumas semelhanças quanto ao modo de se construir

a melodia, caracterizando-a como melodia de choro. Por exemplo: A primeira nota do fragmento

acima, a passagem que leva da introdução à melodia principal, é a nota Sol, a mais grave

possível no bandolim, e a primeira nota da melodia, já no compasso dois por quatro, é novamente

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139

a nota Sol, porém uma oitava acima. Então o compositor ainda mantém, embora diluída, a relação

de oitava para iniciar a melodia. Considerando a anacruse que vem logo após a fermata, com a

indicação “lento”, nota-se aí também uma nota de maior duração do que a última nota da

anacruse, mantendo o procedimento visto em todos os exemplos anteriores. Além disso, a

melodia se desenvolve com uso constante de síncopas e de figurações rápidas, elementos sempre

presentes em composições dos músicos do choro. O motivo inicial da melodia (após fermata) é o

mesmo motivo utilizado por Pixinguinha na composição do Carinhoso33: Síncopa em anacruse

seguida de nota longa, conforme ilustrado na figura abaixo:

Figura 57:

Na Suíte Retratos, obra com melodia que mantém tantas afinidades com procedimentos

rítmico-melódicos deste estilo de música popular urbana pode-se considerar que é quase

impossível evitar a inclusão em sua orquestração de instrumentos inerentes a este.

Talvez por seu caráter popular esta suíte tenha sido uma das obras mais executadas e que

recebeu mais transcrições feitas pelo próprio compositor para outras formações instrumentais,

tornando-se, portanto uma de suas composições mais conhecidas.

33 Composto em 1917 e gravado em 1928, portanto bastante anterior à suíte retratos.

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140

4.1. Motivos Rítmico-melódicos no Concerto Carioca nº 1

Conforme foi mencionado nos capítulos anteriores, Radamés Gnattali admite que cresceu

ouvindo o impressionismo francês de Debussy e Ravel. No entanto, sua obra demonstra que seu

conhecimento musical é bastante abrangente, não só por ter conseguido aliar a música popular

com a música de concerto, mas também por ser um profundo conhecedor de cada um desses

campos do conhecimento musical, fato que o fez ir além do impressionismo francês. Por

exemplo, em seu Concerto Carioca nº 1 é possível detectar o motivo melódico inicial do prelúdio

da ópera “Tristão e Isolda” de Richard Wagner. Este pode ser identificado com clareza logo nas

primeiras notas do primeiro movimento, e esse mesmo motivo se faz presente, embora

transformado, nos dois movimentos seguintes, e permanece no quarto movimento em figurações

de acompanhamento.

A seguir, na figura 58 temos ilustrado o início do prelúdio escrito por Wagner (Redução

para piano) e na figura 59 os primeiros compassos do primeiro movimento do Concerto de

Gnattali:

Figura 58 (Fragmento inicial do Prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”):

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141

Figura 59 (Fragmento inicial do 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1):

Comparando as duas figuras, nota-se que ritmicamente Gnattali transforma o motivo de

Wagner, mas preserva as notas quase literalmente. No prelúdio de Tristão são empregadas as

notas Lá, Fá, Mi e Ré sustenido, enquanto que no Concerto Carioca nº 1 apenas a quarta nota é

modificada, o ré sustenido é substituído por um Do sustenido. Este motivo, que tem seu embrião

em Wagner, estará presente em todo o concerto, estruturando a obra. Logo no compasso 08,

figura 60, a trompa imita o motivo apresentado nos primeiros compassos pelas cordas:

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142

Figura 60 (compassos 08 e 09):

Este motivo Wagneriano transformado por Gnattali é agora apresentado por um dos

solistas do concerto, o piano, que inicia a melodia condutora da obra no compasso 12,

respondendo as cordas exatamente com as mesmas quatro primeiras notas, como é possível

observar na figura 61. Em Gnattali pode ser admissível se estabelecer paralelos entre suas obras e

as composições eruditas européias, porém, no caso deste concerto, principal foco deste estudo, e

na maior parte de sua música de concerto, tal influência da música erudita é sempre embebida de

ritmos e harmonia vindos da música popular urbana, conforme foi estudado no segundo capítulo.

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143

Figura 61 (compassos 12 e 13):

No compasso 20 (Figura 62), novamente as cordas vão apresentar uma melodia iniciada

com o mesmo motivo e as mesmas quatro primeiras notas. É importante salientar (já que se

estabeleceu um paralelo entre o motivo do Concerto Carioca nº 1 e o motivo escolhido por

Wagner no prelúdio de sua ópera) que é exatamente na quarta nota de sua obra que Wagner

atinge um dos acordes mais estudados de toda a história da música ocidental; o acorde de Tristão.

Ou seja, antes de apresentar o acorde que vai estruturar sua obra e influenciar boa parte dos

compositores de sua época e dos que virão a sucedê-lo, o compositor alemão passa por apenas

três notas que delineiam a primeira idéia melódica do prelúdio. Seria difícil considerar que

Gnattali usa essas notas inconscientemente em sua obra, mas se foi assim, o fato é que tais notas

estão estruturando o primeiro movimento de seu concerto. Um outro olhar sobre o exemplo

ilustrado na figura 61 possibilita localizar um acorde que acontece ao piano após as três primeiras

notas do motivo, que em vez de um Acorde de Tristão é um acorde de Ré Menor com sétima

maior. Este acorde, embora não possua trítono como é o caso do acorde de Tristão, preserva em

sua estrutura uma dissonância a ser resolvida, ou seja, a nota Do sustenido (sétima maior do

acorde de Ré Menor) que é resolvida na nota Ré na parte fraca do compasso. No acorde de

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144

Tristão, Wagner faz o mesmo com a nota mais aguda do acorde, Sol sustenido, que se

enarmonizada para Lá bemol, seria apenas a terça menor do acorde. No entanto, ela é tratada

como a primeira dissonância que impulsiona um caminho cromático34 até a nota Si, quinta justa

do acorde de Mi Maior com sétima menor. Tendo em vista estes fatos, pode-se afirmar que

certamente o compositor gaúcho sabia o que estava fazendo, tinha consciência de que estava se

referindo a uma obra bastante influente da história da música ocidental.

Figura 62 (compassos 20 ao 23):

É possível localizar este mesmo contorno melódico, transposto e com instrumentação

variada por diversas vezes durante este movimento. Os exemplos anteriores foram apresentados

para delinear em Radamés Gnattali procedimentos composicionais análogos à música erudita,

que vão além do seu domínio das técnicas de arranjo e orquestração. É perceptível que o

compositor estava dialogando com as diferentes vertentes da música ocidental sem se preocupar

34 O caminho cromático começa na nota Sol sustenido e passa por Lá, Lá sustenido atingindo a nota Si.

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145

com rótulos, criando seu próprio estilo de composição. Ainda é preciso analisar sua obra como

um todo do ponto de vista estilístico, mas até o momento parece ser possível afirmar que sua

escrita apresenta evolução no decorrer de sua carreira, mas não fases, o que corrobora a hipótese

de que não existiu, por parte de Gnattali, preocupação em se ajustar com correntes

composicionais específicas.

No segundo movimento, o contorno melódico do motivo está presente logo no início, no

primeiro compasso (Figura 63), na melodia do piano solo, porém as notas não são as mesmas e a

escrita se dá em colcheias, tendo uma pausa do mesmo valor no lugar da primeira delas:

Figura 63 (primeiros compassos do segundo movimento):

No terceiro movimento o motivo inicial ainda pode ser percebido como uma variação do

mesmo motivo, embora diluído em uma fórmula de compasso diferente (três por quatro), como se

pode observar na figura 64 (compasso 18) onde está ilustrada a melodia extraída da flauta que

neste momento é acompanhada apenas pela guitarra elétrica. Os círculos na figura marcam o

contorno melódico do motivo inicial:

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146

Figura 64 (compassos 18 ao 24):

No quarto movimento o contorno melódico do motivo principal do concerto carioca se dá

como elemento de acompanhamento. Como se pode observar no fragmento transcrito na figura

65 (Compasso 25) o motivo está na mão esquerda do piano:

Figura 65 (compassos 25 ao 27):

Radamés tem sido por muitas vezes enquadrado na história da música como alguém que

simplesmente orquestrou música popular, mas sua imaginação criativa mantém também fortes

vínculos com a música erudita, que através de sua escrita se fundiu à música popular urbana, esta

bastante evidente no Concerto Carioca nº 1. A seguir, vão ser ilustrados exemplos de melodias

com caráter de improvisação neste mesmo concerto.

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147

4.2. O Caráter de improvisação no Concerto Carioca nº 1

Atualmente é comum se encontrar o termo “improvisação” ligado à música feita nos

meios populares, uma idéia que permeia o senso comum de que esta forma de se expressar só é

possível dentro deste estilo de música. É importante não perder de vista o fato de que sempre

houve improvisação em música em todos os períodos de nossa história, seja na música oriental ou

ocidental. Nas formas de se compor do ocidente há registros de que a improvisação está presente

desde a Grécia antiga. É possível que na idade média, na música eclesiástica, o organum livre

tenha se dado através de experimentos musicais baseados em improvisações sobre uma vox

principalis, sobre um cantochão e o mesmo pode ter acontecido na música renascentista, nos

tecidos polifônicos que eram criados sobre um cantus firmus. No período barroco, o baixo

contínuo em geral era improvisado pelo cravista ou organista. Era notória a habilidade de Bach e

Haendel em improvisar fugas assim como no período seguinte, Mozart e Beethoven

improvisavam variações sobre temas.

Evidentemente, a música popular urbana não fechou os olhos para a improvisação. No

choro, por exemplo, há improvisação em pelo menos dois níveis: primeiro nos baixos realizados

pelo violão de sete cordas (a baixaria, como designaria um músico de choro) que evolui sobre a

harmonia dada pelos outros instrumentos (violão de seis cordas, cavaquinho, bandolim, etc.) ao

mesmo tempo em que tece um contraponto com a melodia principal. E em segundo lugar, na

própria melodia. Um músico de choro dificilmente toca uma mesma melodia duas vezes

idênticas. Ele transforma tal melodia a cada execução, ornamentando as notas principais,

inserindo novas notas no lugar de emissão de notas longas, alterando moderadamente a rítmica da

melodia, como se estivesse compondo, ao mesmo tempo em que a música acontece, propondo

variações ao tema. No jazz é muito comum se improvisar sobre a harmonia pré-estabelecida de

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148

um tema. É corriqueiro para o músico de jazz também improvisar sobre as notas da melodia

principal mesmo na exposição do tema, porém, em geral é mais freqüente nas sessões de

improvisos os músicos tocarem mais livremente, tendo como base quase que exclusivamente a

harmonia, não se prendendo obrigatoriamente às notas da melodia principal. Em alguns casos, o

grau de transformação da música em um improviso no jazz é tão grande que se tem a impressão

de que há uma inversão de ordem estética; o improviso sobrepuja o tema. Alguns standarts de

jazz já apresentam em seu tema caráter de improvisação, como é o caso de “Dona Lee” (Figura

66) de Charlie Parker. A melodia desta música possui grande quantidade de notas, com passagens

cromáticas e arpejos rápidos, além de uma tessitura larga, o que dificulta a fácil assimilação que

normalmente se espera de um tema musical. Este é um tema, que devido aos recursos utilizados –

possibilitados pelo instrumento musical (saxofone neste caso) – não favorece características

cantáveis, ou seja, o cantabile é menos valorizado para favorecer peculiaridades instrumentais e

improvisadoras.

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149

Figura 66 (Dona Lee – Charlie Parker):

Fonte: The Real Book35

No Concerto Carioca nº 1 se pode localizar com facilidade melodias com este mesmo

caráter de improvisação, principalmente aquelas que são escritas para a guitarra elétrica.

Radamés Gnattali provavelmente concebeu tais melodias pensando em empregar na sua criação

algum instrumento diretamente ligado à improvisação. A guitarra elétrica é um instrumento 35 Esta publicação em cinco volumes foi vendida nos Estados Unidos da América de maneira ilegal, sem editora e portanto sem autorização dos autores das obras que compõem o livro. Uma nova edição em três volumes intitulada The New Real Book foi editada e distribuída pela Sher Music CO, mas a composição aqui ilustrada não consta nesta publicação.

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150

improvisador, em sua origem associada ao jazz. É um instrumento de grande capacidade de

improvisação melódica, mas quando é solicitado a desenvolver o papel de instrumento de

acompanhamento, em geral improvisa sobre cifras, se assemelhando ao que fazia um cravista que

realizava o contínuo no período barroco. Ou seja, na cifra é indicado o acorde que o guitarrista

deve executar, no entanto, não se estabelece o registro das notas a serem tocadas, nem tampouco

a abertura do acorde em relação a sua fundamental e o ritmo raramente é escrito, ficando a cargo

do instrumentista o conhecimento de diferentes ritmos de acompanhamento que podem ser

aplicados naquele estilo. Como já foi esclarecido nos capítulos anteriores, Gnattali toma contato

com o jazz a partir da década de 1930 e foi provavelmente este contato que o levou a conhecer a

guitarra elétrica. Portanto, talvez fosse inevitável para o compositor escrever música com caráter

de improvisação sem que se empregue um instrumento desta mesma natureza para interpretá-la.

Sobre o caráter de improvisação de partes do concerto carioca podem-se isolar alguns

fragmentos, frases da guitarra, que preservam tal característica. Nas figuras seguintes, serão

demonstrados os referidos fragmentos em cada um dos quatro movimentos da obra.

4.2.1. Primeiro Movimento:

A primeira aparição da guitarra solo, que acontece no compasso 05 (Figura 67) preserva

em sua escrita, características de improvisação. O tema anteriormente apresentado pelas cordas –

o que se assemelha aos compassos iniciais do Prelúdio de Tristão e Isolda – não é reapresentado

pela guitarra elétrica. Para este instrumento, Gnattali escreve uma idéia melódica que se

assemelha a frases improvisadas:

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151

Figura 67 (compassos 05, 06 e 07):

A segunda aparição da guitarra elétrica que acontece no compasso 36 (Figura 68) mais

uma vez tem caráter improvisatório, já que a frase se inicia com o mesmo contorno melódico que

foi classificado anteriormente como o motivo que se assemelha ao do início do prelúdio de

Tristão e Isolda, mas em seguida se desenvolve frase em graus conjuntos e cromatismos, com

acordes que a apóiam harmonicamente:

Figura 68 (compassos 36 ao 40):

Não se exclui aqui a existência de composições musicais em que há frases com grandes

saltos para serem executadas pelos cantores (que por vezes também improvisam) e produções

musicais em que compositores escrevem para o canto frases de difícil interpretação que em um

primeiro contato não parecem ser cantabile por suas características dissonantes, como é o caso de

Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg. O que se procura defender aqui - já que o Concerto

Carioca nº 1 não se enquadra nem em produções vocais e nem em produções atonais - é que, no

contexto desta obra, onde o motivo principal e as melodias se desenvolvem dentro do sistema

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152

tonal, com temas de fácil assimilação cantando sobre as harmonias intrincadas de Radamés

Gnattali, as frases escritas para a guitarra, de modo geral soam como improvisação, por não

conterem melodias de fácil absorção e isso se dá por serem desenvolvidas com uso constante de

saltos e dissonâncias.

Na figura 69 (compasso 52) pode-se observar a variação que o compositor gaúcho escreve

para este instrumento sobre o tema apresentado anteriormente pela orquestra e também pelo

piano36. Ainda é possível localizar o contorno melódico do motivo inicial do Concerto nas

primeiras notas deste trecho. No decorrer dos exemplos a seguir, será possível observar que na

maior parte dos casos a guitarra elétrica não expõe os temas, ou seja, o compositor prefere utilizar

este instrumento para escrita de variações sobre os temas já apresentados, conferindo a este

instrumento, como já foi dito anteriormente, caráter de improvisação.

Figura 69 (Compassos 52 ao 60):

36 O anexo desta dissertação traz a íntegra do Concerto Carioca nº 1 em digitalização do manuscrito autógrafo de Radamés Gnattali. Nesta cópia é possível localizar os temas mencionados, que foram escritos para a orquestra ou para o piano.

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153

O próximo caso, exemplificado na figura 70, se dá no compasso 95 e apresenta fraseado

construído sobre saltos e arpejos e quando há frases em graus conjuntos, estas acontecem em

semicolcheias, caracterizando-se em frases rápidas, como se fossem frases de um improvisador:

Figura 70 (Compassos 95 ao 104):

É possível localizar o mesmo tipo de escrita (a escrita com caráter de improvisação) no

fragmento da figura 71, que inicia no compasso 165, onde a guitarra realiza uma frase

descendente em semicolcheias no compasso 170 para em seguida subir por saltos, utilizando as

cordas soltas da guitarra:

Figura 71 (compassos 165 ao 173):

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154

4.2.2. Segundo Movimento:

No segundo movimento a guitarra aparece pela primeira vez no compasso 21 como

instrumento de acompanhamento (Figura 72). No entanto, no compasso 23 há uma frase melódica

em semicolcheias, que se assemelha a intervenções melódicas improvisadas por violonistas de

choro, perfazendo uma espécie de ponte entre compassos em que a guitarra executa um padrão

rítmico com acordes:

Figura 72 (compassos 21 ao 24):

Em seguida, no compasso 32 (figura 73), a guitarra elétrica executa uma frase longa,

construída sobre quiálteras (iniciando com uma tercina de semicolcheia e seguindo em

agrupamentos em sextina desta mesma figura rítmica) e cromatismos, se aproximando às frases

improvisadas de músicos de jazz como Charlie Parker e John Coltrane por exemplo, músicos

estes que de certa maneira fazem algum tipo de aproximação com procedimentos do atonalismo

do início do século XX, através do uso de muitos cromatismos que não são organizados em séries

do tipo dodecafônicas:

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155

Figura 73 (compassos 32 ao 36):

A guitarra elétrica fecha este movimento com uma frase que se inicia com o contorno

melódico do motivo inicial do concerto (Figura 74, compasso 59), desembocando em uma frase

de caráter improvisatório:

Figura 74 (compassos 59 ao 62):

4.2.3. Terceiro Movimento:

O terceiro movimento é iniciado pela guitarra elétrica solo (figura 75), sem

acompanhamento do piano ou da orquestra e, nesta introdução, Radamés Gnattali também

imprime caráter de improvisação, com uso de saltos, cromatismos e quiálteras (tercinas):

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156

Figura 75 (introdução do terceiro movimento):

Um outro fragmento no qual é possível o destaque de uma escrita com base em

improvisação é o que se inicia no compasso 135 (figura 76), onde a guitarra realiza uma frase

construída sobre arpejos com uso de cromatismos, algo muito comum em improvisos de

instrumentistas de música popular, especialmente em saxofonistas e guitarristas:

Figura 76 (compassos 135 ao 139):

4.2.4. Quarto Movimento:

No quarto movimento, compasso 13 (Figura 77), pode-se observar mais uma frase da

guitarra elétrica construída sem intenção temática:

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Figura 77 (Compassos 13 ao 22):

O mesmo tipo de fraseado também é encontrado no compasso 84 (Figura 78) deste

movimento:

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Figura 78 (Compassos 84 ao 104):

No compasso 143 (figura 79) há mais uma frase longa em semicolcheias, com uso

freqüente de cromatismos e arpejos, caracterizando novamente a guitarra elétrica como

instrumento de linguagem improvisadora:

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Figura 79 (Compassos 143 ao 150):

Na última aparição da guitarra elétrica no Concerto Carioca nº 1 (Figura 80, compasso

210) Radamés Gnattali uma outra vez emprega escrita de caráter improvisador, fechando a

participação desta como se quisesse acentuar a improvisação como um elemento fundamental na

composição para o instrumento:

Figura 80 (Compassos 210 ao 217):

Tendo em vista os exemplos ilustrados anteriormente, torna-se bastante provável que o

compositor tenha escolhido a guitarra elétrica como um dos solistas de seu concerto por esta ser

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um instrumento ligado às práticas de improvisação em música popular, mais especificamente o

Jazz. Por ter escrito uma linha instrumental com ênfase ao caráter de improvisação, seria para o

compositor inevitável a escolha de um instrumento desta natureza. Haveriam outros instrumentos

improvisadores à disposição na época da escrita do concerto, mas Gnattali estava escrevendo para

um instrumento de cordas e isto é perceptível não só pelo uso de acordes, mas também em frases

melódicas em que as notas são dispostas de maneira idiomática à guitarra elétrica, utilizando

cordas soltas e digitações que favorecem a sonoridade do instrumento.

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CONCLUSÃO:

A presente dissertação procurou ponderar sobre processos composicionais na música de

concerto de Radamés Gnattali. Foi preciso analisar sua obra, focando no Concerto Carioca Nº 1,

sob diversos pontos de vista. A observação de sua obra foi feita, como parece ser inevitável, com

base em dados históricos, já que a cronologia de certos fatos foi determinante para se chegar a

algumas conclusões. Ficou notável, por exemplo, que o maior impulso criativo de Gnattali se deu

a partir da década de 1930, mesmo período em que começa a trabalhar efetivamente como

maestro arranjador. Sua relação com a música popular urbana - em vez de música popular rural

ou folclórica, como foi a opção de seus contemporâneos nacionalistas – fez-se perceber não só

em seus arranjos ou composições populares, mas também em sua obra de concerto. Foi possível

entender, através da análise do mencionado concerto, que os instrumentos ligados à música

popular urbana se fizeram presentes em sua obra de concerto muitas vezes com linguagem

análoga a que é encontrada nos mesmos dentro dos meios populares. Como exemplo deste

fenômeno, podem-se destacar os instrumentos de percussão utilizados no Concerto Carioca nº 1,

que são ligados às escolas de samba, sendo utilizados no quarto movimento, o Samba, com

linguagem bastante próxima de uma bateria tradicional deste tipo de manifestação popular. Os

instrumentos de sopro, tais como, saxofones, trompetes e trombones, por vezes formam algo

similar ao naipe de metais de uma big band, e a guitarra elétrica, por sua vez, tem partes

compostas com um caráter claro de improvisação. O fato de ter escolhido este instrumento (a

guitarra elétrica) como um dos solistas de seu Concerto Carioca nº 1 foi apontado como um ato

inédito e inovador na música concertante. Conclui-se então, que para Radamés Gnattali, a escolha

de instrumentos musicais ligados à música popular quando sua escrita remete à mesma, se

configura em uma inevitabilidade. Ou seja, se uma melodia está embasada em procedimentos

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composicionais intrínsecos ao choro, torna-se, para esse compositor, inevitável a utilização de um

instrumento que esteja tradicionalmente ligado a este estilo de música popular urbana. Foram

localizadas quarenta e oito obras de concerto de Radamés Gnattali onde são utilizados

instrumentos diretamente ligados à pratica musical nos meios populares, todas elas datadas à

partir da década de 1930, década na qual inicia sua carreira de arranjador, o que corroborou a

idéia de que a ligação desse compositor com a música popular se deu através da música popular

urbana e não folclórica, o que o afasta do movimento nacionalista folclórico.

Foi também possível detectar que há na sua música de concerto a presença de elementos

da música popular norte-americana, quando se percebem características de jazz em sua

construção. Os padrões rítmicos utilizados como acompanhamento em sua orquestra de música

popular, passam a permear também a orquestra de sua música de concerto, quando ritmos

tradicionais brasileiros são transportados para outras famílias de instrumentos que não a

percussão, o que indica uma originalidade no campo da música popular brasileira orquestrada.

Embora esse procedimento tenha surgido na música do compositor gaúcho para se resolver

problemas de orquestração em grupos instrumentais de rádios e gravadoras de música popular,

foi possível perceber que esse modo de orquestração foi inserido enfaticamente em sua música de

concerto a partir desta época. Padrões de acompanhamento básicos de música popular foram

fartamente localizados no Concerto Carioca nº 1. Estes padrões estão em diferentes combinações

instrumentais, estruturando o passo harmônico da composição. Embora não fosse foco principal

do trabalho, em alguns momentos foram localizados acordes com uso de dissonâncias

características do jazz, ou seja, a dissonância utilizada quase como um ornamento harmônico, a

dissonância que não tem intenção de direcionar a música para este ou aquele lugar, mas sim a

intenção de enriquecer sonoridades, de aumentar o alcance afetivo dos acordes no intuito de se

fazer reconhecer um estilo musical por sua harmonia e não apenas por sua linearidade (melodia).

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Em outros momentos foram apontados acordes sobrepostos, levando a conclusão de que o

compositor dominava profundamente procedimentos ligados também à música erudita do século

XX.

Quanto ao desenvolvimento de suas melodias, foram analisados além do Concerto

carioca, a melodia inicial do primeiro movimento do Concerto para Bandolim e Orquestra e o

motivo da melodia do primeiro movimento da Suíte Retratos (Pixinguinha). Tais temas foram

comparados com melodias de choro tradicional, de compositores como Pixinguinha e Waldir de

Azevedo, tornando-se possível entender que motivos e contornos melódicos oriundos deste estilo

de música são preservados na música erudita de Gnattali, quase não apresentando transformações

estéticas que levassem estas melodias ao campo da música de concerto.

O presente trabalho não focou como objetivo a criação de nenhum novo método analítico,

mais adequado à produções musicais ambíguas, como é o caso da música de Radamés Gnatalli

que passeia livremente entre música erudita e popular, mas ao mesmo tempo, não perdeu de vista

que seria necessário recorrer a outros materiais e fontes, tais como textos, partituras e métodos

voltados à prática instrumental para estruturar análises como as que foram descritas acima, algo

que pode impulsionar novas pesquisas. Portanto, este trabalho não tem o anseio de ter criado um

novo sistema de análise musical, se apoiando em métodos e fundamentação que não são

necessariamente voltados à esta área do conhecimento musical (vide material citado na

introdução), mas espera ter apontado para a necessidade de se olhar para esta música, do ponto de

vista analítico, através de outras lentes que não sejam apenas aquelas da tradição musical

européia. Estas são ainda indispensáveis, mas ao mesmo tempo, insuficientes.

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DISCOGRAFIA

GNATTALI, Radamés. Concerto Carioca nº 1. Interpretes: Orquestra Sinfônica Continental, Radamés Gnattali (Piano) e José Menezes (Guitarra elétrica). Rio de Janeiro: Gravadora Continental, 1965. 1 LP. (28’53”), estereofônico. GNATTALI, Radamés. Centenário Radamés Gnattali . Interpretes: Radamés Gnattali e Aída Gnattali (Pianos) e Sandoval de Oliveira Dias (Saxofone). Gravadora Inter Records, 2006. 2 CDs (55’33”), estéreo. GNATTALI, Radamés. Retratos. Interpretes: Chiquinho do Acordeom (Acordeom), Rafael Rabello (Violão), Orquestra de Cordas Brasileira. Rio de Janeiro: Kuarup Discos, 1989 - 90. 1 CD (37’70”), estéreo.

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GNATTALI, Radamés e HENRIQUE, Waldemar. 80 Anos de Música Brasileira. Interprestes: Orquestra de Câmara de Blumenau e Joel Nascimento (Bandolim). São Caetano do Sul: BASF brasileira S.A. Indústrias Químicas, data não informada. 1 LP (39’41”) , estéreo. GNATTALI, Radamés. Vivaldi e Pixinguinha – CD. Interpretes: Radamés Gnattali (Piano) e Camerata Carioca. Rio de Janeiro: Atração Fonográfica, 1980; remasterizado em 2003. 1 CD (35’81”) , estéreo. GNATTALI, Radamés. Sonatas e Sonatinas – CD. Interpretes: Norton Morozowicz (Flauta), Antônio Del Claro (Violoncelo), Glacy Antunes de Oliveira (Piano), Eduardo Meirinhos (Violão). São Paulo: Paulus ed., 1997. 1 CD (65’13”), estéreo. GNATTALI, Radamés. Tributo a Garoto. Interpretes: Radamés Gnattali (Piano) e Rafael Rabello (Violão). Rio de Janeiro: Funarte, data não informada. 1 CD (28’85”), estéreo. GNATTALI, Radamés e VILLA-LOBOS, Heitor. Piano Brasileiro – CD. Interprete: Arthur Moreira Lima (Piano). São Paulo: Azul Music, 2003. 1 CD (64’74”), estéreo. GNATTALI, Radamés. Reviva – CD. Interpretes: Radamés Gnattali (Regência e Piano), Orquestra não informada. Rio de Janeiro: Som Livre, 2003. 1 CD (45’44”), estéreo. GNATTALI, Radamés, MOLINA, Sérgio, VITTA, Rodrigo, TINÉ, Paulo, LORA, Douglas e JOBIM, Antônio Carlos. Presença. Interprete: Quaternaglia. São Paulo: Paulus, 2004. 1 CD (61’04”), estéreo.

FONTES DIGITAIS

CD ROM Catálogo Digital Radamés Gnattali. Rio de Janeiro: Brasiliana Produções, 2005.

WEBGRAFIA

www.radamesgnattali.com.br

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FONTE AUDIOVISUAL

DIDIER, Aluisio. Nosso Amigo Radamés Gnattali - VHS. Rio de Janeiro: Brasiliana Produções, 1996.

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ANEXO:

Consta no anexo a cópia integral do Concerto Carioca nº 1 de Radamés Gnattali. Tal

cópia é a digitalização do manuscrito autógrafo do compositor.

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