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4248 CONCEPÇÕES DE PESSOA HUMANA, PLURALIDADE POLÍTICA E DEMOCRACIA. CONCEPTIONS OF PERSON HUMAN, POLITICAL PLURALITY AND DEMOCRACY José Marcos Miné Vanzella RESUMO O presente ensaio procura demonstrar que a pluralidade das concepções de pessoa humana presentes na cultura ocidental hoje vinculam a dignidade da pessoa humana à pluralidade política e à democracia. Num primeiro passo mostra, de forma sucinta e incompleta, como as concepções do homem do século XIX e XX se multiplicam e se diferenciam das concepções clássicas. Esse quadro permite a indução que a cada nova forma de compreensão da filosofia, corresponde uma nova concepção de homem. Num segundo passo, apresenta três concepções que procuram conciliar a legitimação da ordem política com essa pluralidade. Partindo de uma exposição do pensamento de Ricoeur, mostra sua crítica às posições de Rawls e de Habermas. Tenta retificar essa crítica nos termos de uma leitura por demais kantiana desses autores. Por fim conclui com a reafirmação no pluralismo irredutível e a correlação sem identificação entre pluralidade de identidades narrativas e tradutibilidade, consenso sobreposto e racionalidade comunicativa. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS CHAVE: PESSOA HUMANA; PLURALISMO POLÍTICO POLÍTICA, DEMOCRACIA, RAZÃO COMUNICATIVA; IDENTIDADE NARRATIVA. ABSTRACT This essay aims to show that the plurality of conceptions of human presence in Western culture today bind human dignity to political plurality and democracy. In a first step shows, so brief and incomplete as that of the man of the XIX and XX century abound and differ from classical concepts. This framework allows the induction that every new form of understanding of philosophy, corresponds to a new conception of man . In a second step, has three designs that seek to reconcile the legitimacy of political order with that number. Assuming an exposure of the thought of Ricoeur, shows the positions of their critical Rawls and Habermas. Try to correct this criticism in terms of a reading of Kant by other authors. Finally concludes with a restatement in irreducible pluralism without identification and the correlation between multiple identities and their narratives translations, overlapping consensus and communicative rationality.

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CONCEPÇÕES DE PESSOA HUMANA, PLURALIDADE POLÍTICA E DEMOCRACIA.

CONCEPTIONS OF PERSON HUMAN, POLITICAL PLURALITY AND DEMOCRACY

José Marcos Miné Vanzella

RESUMO

O presente ensaio procura demonstrar que a pluralidade das concepções de pessoa humana presentes na cultura ocidental hoje vinculam a dignidade da pessoa humana à pluralidade política e à democracia. Num primeiro passo mostra, de forma sucinta e incompleta, como as concepções do homem do século XIX e XX se multiplicam e se diferenciam das concepções clássicas. Esse quadro permite a indução que a cada nova forma de compreensão da filosofia, corresponde uma nova concepção de homem. Num segundo passo, apresenta três concepções que procuram conciliar a legitimação da ordem política com essa pluralidade. Partindo de uma exposição do pensamento de Ricoeur, mostra sua crítica às posições de Rawls e de Habermas. Tenta retificar essa crítica nos termos de uma leitura por demais kantiana desses autores. Por fim conclui com a reafirmação no pluralismo irredutível e a correlação sem identificação entre pluralidade de identidades narrativas e tradutibilidade, consenso sobreposto e racionalidade comunicativa.

PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS CHAVE: PESSOA HUMANA; PLURALISMO POLÍTICO POLÍTICA, DEMOCRACIA, RAZÃO COMUNICATIVA; IDENTIDADE NARRATIVA.

ABSTRACT

This essay aims to show that the plurality of conceptions of human presence in Western culture today bind human dignity to political plurality and democracy. In a first step shows, so brief and incomplete as that of the man of the XIX and XX century abound and differ from classical concepts. This framework allows the induction that every new form of understanding of philosophy, corresponds to a new conception of man . In a second step, has three designs that seek to reconcile the legitimacy of political order with that number. Assuming an exposure of the thought of Ricoeur, shows the positions of their critical Rawls and Habermas. Try to correct this criticism in terms of a reading of Kant by other authors. Finally concludes with a restatement in irreducible pluralism without identification and the correlation between multiple identities and their narratives translations, overlapping consensus and communicative rationality.

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KEYWORDS: KEYWORDS: HUMAN PERSON, POLITICAL PLURALISM, DEMOCRACY, COMMUNICATIVE REASON, OVERLAPPING CONSENSUS, NARRATIVE INDENTITY.

INTRODUÇÃO

A questão que norteia esse ensaio de caráter filosófico é a seguinte: Como as diferentes concepções contemporâneas de pessoa vinculam o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana ao pluralismo político, à cidadania e à democracia?

Procuramos investigar algumas das principais contribuições da filosofia contemporânea para a formação da concepção de pessoa humana. Optamos por uma interpretação da questão, não restrita ao personalismo. Entendemos que a compreensão da identidade implica a compreensão do outro e do ser. Partindo de uma menção ao clássico, faremos um brevíssimo esboço didático das principais posições e contribuições, de alguns filósofos significativos para as múltiplas concepções de pessoa atualmente vigentes no ocidente. São eles: no século XIX Hegel, Marx, Nietszche; em meados do séc. XX Mounier, Heidegger; no final do séc XX e início do séc. XXI, Ricoeur, Rawls e Habermas. Estamos cientes das lacunas inevitáveis e do caráter de um brevíssimo ensaio deste texto. Fica para uma outra oportunidade uma abordagem de autores comunitaristas. Partindo de uma provocação inspirada em Heidegger nossa abordagem terá dois momentos:

1) Dos clássicos a Heidegger. Neste primeiro momento procuramos mostrar a diversidade irreconciliável de doutrinas filosóficas que engendraram diferentes compreensões da pessoa humana e prepararam as condições para o debate atual.

2) Pluralidade política e democracia a partir das sugestões de Ricoeur, Rawls e Habermas. Nessa segunda parte abordamos três concepções atuais que reconhecem a diversidade humana e a pluralidade da razão. Essa parte que constitui o núcleo de nossa discussão está subdivida em três momentos

2.1) Ricoeur e suas críticas à Rawls e Habermas.

2.2) A compreensão do Rawls maduro e reavaliação das críticas de Ricoeur.

2.3) A compreensão de Habermas e reavaliação das críticas de Ricoeur.

Considerações finais: pessoa, pluralidade política e democracia.

1) DOS CLÁSSICOS À HEIDEGER.

Heidegger uma vez afirmou. “De há muito que ainda não se pensa, com bastante decisão a essência do agir”. (1967, p.23). Para ele Platão e Aristóteles fazem do

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pensamento técnica que é igual ao calcular e que implica o abandono do pensamento (1967, p. 24). A busca por um arquétipo, que resulta numa definição, (Platão, 1987, 134 et seq.), a presunção de uma substância que permanece e de uma essência pré-determinada é a condição da classificação e separação para o cálculo lógico no pensamento de Aristóteles (Aristóteles livro XII). Daí a definição do homem a partir do gênero próximo, animal, e da diferença específica, racional. Por isso a classificação e o cálculo lógico implicam para Heidegger o abandono do pensamento. A metafísica é uma grande técnica de classificação que supõe ordem e sentido atemporais (Aquino, 1988, p.3 et seq.). A assunção de um sentido estável, dado por uma definição, impede a marcha do pensamento e a reflexão sobre o sentido. Impede o questionamento do sentido. Implica na perspectiva de Heiddegger o abandono do pensamento. Daí sua frase: “De há muito que ainda não se pensa, com bastante decisão a essência do agir”. Heidegger pensa a essência como estrutura na qual vigora (Heidegger 1967,p. 23). “A Essência do agir, no entanto, está em “com-sumar”. “Com-sumar” quer dizer: conduzir uma coisa ao sumo, à plenitude de sua Essência”. (p.23-24). A estrutura na qual vigora o agir não pode ser pré-determinada pela concepção metafísica clássica. A filosofia contemporânea terá que se re-pensar para pensar a pessoa humana. É o que veremos a partir de agora.

Hegel na “Fenomenologia do Espírito” foi o primeiro filósofo do pensamento contemporâneo a romper com a gramática metafísica substancialista e classificatória vinculada a uma teoria “ilemórfica”. Ele percebe que o ser definido em si, a partir da categoria de substância, é apenas uma abstração, que não dá conta da historicidade e nem do movimento do espírito. Podemos elaborar um exemplo simples que permite identificar o novo movimento do pensamento que agora se desenvolve como lógica categorial especulativa (OLIVEIRA, 1989, p.40 et. seq.). Pensamos uma caneta como substância. Mas se levantamos o braço segurando uma caneta e a soltamos. O que acontece? Nenhuma caneta solta no ar se sustenta. A caneta não é subsistente, pois não é sem sua exterioridade, o que Hegel chama ser para si, tanto sua exterioridade física, como sócio-cultural-histórica. Não podemos definir uma caneta apenas por ela mesma. Uma caneta é o resultado de toda uma história da cultura e da escrita que gerou esse artefato cultural. O que é isso? Para nós uma caneta. Para um índio pirahã pedaço de pau colorido. Os pirahã são uma tribo da Amazônia que não usam tempos verbais, não desenham e não cultivam nenhum mito de explicação da sua origem não têm escrita nem religião. A caneta não se define apenas em si mesma, mais ainda, ela também não é apenas o resultado de um processo, ela mesma também está em processo. Suponham duas canetas. Uma caneta comum, vale entre um a dois reais. A outra é uma “Iridium” custa uns duzentos e oitenta reais. É uma caneta tinteira símbolo de status. Saber o que é uma caneta implica olhar para todo o processo, que forma um contexto histórico. Olhar a caneta em si, olhar o para si e o que se efetiva. Hoje o domínio das letras se universalizou o sentido de caneta e sua construção efetivada pela indústria se modificou. A caneta não tem propriamente uma substância, mas está em processo. Eis o movimento reflexivo especulativo ensinado por Hegel na Fenomenologia do Espírito, que recolhe a consciência do indivíduo e da coletividade em três registros: como consciência (em si); como consciência de si (como para si); como consciência em si para si. Apresenta assim toda a história da humanidade (CHÂTELET, 1981, 179 – 180) A ontologia hegeliana possui a ambição de compreender na ciência da lógica a totalidade do real expresso como racional (188, et. seq.). Ora em Hegel, saber o que é a pessoa humana, não é dado pelo domínio de uma essência abstrata, mas pelo conhecimento do processo efetivo de desenvolvimento do espírito absoluto. Esse processo vê o homem como um ser de

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relações que se transforma, transformando o mundo. A pessoa humana é um ser em processo, é um ser de relação, cuja compreensão depende da compreensão de seu lugar no processo de desenvolvimento da sociedade. Assim o homem é visto em sua relação com o direito abstrato, a moralidade subjetiva, a moralidade objetiva e o Estado pensado como Espírito Absoluto (HEGEL, 2003).

Marx, em seu conceito de homem social, aproveita da lógica e ontologia hegelianas, pensadas, porém a partir do seu materialismo dialético. (1989, p.3 et. seq.) Ele vê o homem como sujeito da história. Aqui a essência do homem se modifica com a transformação da natureza e das relações sociais, que produz as condições materiais de vida. O homem, ao mesmo tempo é resultado do processo econômico-social, e também é sujeito. Enquanto mero resultado ele está negado e alienado pela economia política (1989, p.169 et. seq.). A filosofia transforma-se na práxis, é subsumida (incorporada e superada) pelo movimento teórico e prático de libertação. (Vazquez, 1977). A dimensão social não é uma qualidade que se acrescenta a substância humana, para pensá-la integralmente. O homem não é substância. A substância é apenas uma expressão “inessencial” do pensamento abstrato, que desconhece o conjunto de relações que constituem efetivamente o ser humano em processo na história. Segundo as palavras de Marx: “Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios, que induzem às doutrinas do misticismo, encontram sua solução racional na práxis humana e no compreender dessa práxis” (1987, p.162). Dito isso na oitava tese contra Feuerbach, ele afirmará na décima tese: “ O ponto de vista do materialismo antigo é a sociedade civil, o do materialismo moderno, a sociedade humana ou a humanidade social.” (1987, p.163) Desse modo Marx lança sua crítica a filosofia e seu programa de mudança paradigmática e crítica a ideologia.

Shopenhauer, Nietszche e Freud, cada um a seu modo serão críticos dessas pretensões totalitárias da razão, presentes no “idealismo”, que abarca das pretensões metafísicas dos clássicos até o idealismo alemão e o marxismo. Por seu turno eles irão descobrir, uma outra dimensão da realidade, o inconsciente da vontade. (SCHOPENHAUER, 1988, p.4, et, seq.) Nietszche era um profundo conhecedor de filologia, a ciência que estuda a história do sentido das palavras e suas origens. Com um método rigoroso chamado genealogia, Nietszche tornou-se capaz de trazer à tona esses subterrâneos da vontade. (REY, 138- 172). Nietszche vincula a filologia às relações de poder dos grupos dominantes, que ao assumir o poder alteram o sentido e a interpretação das palavras em benefício de seus interesses. Ele é capaz de demonstrar que os conceitos fundamentais da metafísica e da ética não possuem uma essência. Mas que foram mudando no decorrer da história ao sabor dos interesses dos dominantes. São um conjunto de ficções. São ficções que interessam ao poder dominante. Quando um sentido domina e se afirma como único verdadeiro ele provoca a ocultação redobrada. O desconhecimento do desconhecimento. Identifica a origem do cristianismo, que consiste na insurreição contra o predomínio dos valores aristocráticos. Apresenta a crueldade como elemento civilizador e a consciência como instinto de crueldade que não podendo desafogar fora de si, desafoga-se em si mesmo. Apresenta a força do ideal ascético, por ser o único proposto aos homens (NIETZSCHE, 1998, p.17, et seq.). Qualquer pretensão universal é suspeita de carregar interesses particulares passados por universais. Uma subjetividade se impõe às demais. Nietzsche pensa então a afirmação da pessoa como ser si mesmo e a educação como o cuidar de si. Numa profunda afirmação do paradigma da subjetividade. Nessa trilha Foucoault caminha

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desenvolvendo análises rigorosas e estudos primorosos sobre a clínica, o poder, arqueologia do saber e a subjetividade que acaba por questionar.

Por outro lado o Cristão pensa o homem como filho de Deus e afirma o humanismo integral. Dentre os cristãos Mounier pretende superar a crise do homem do séc. XX inserindo a pessoa no centro da discussão teórica e prática. Desenvolve uma filosofia da práxis cristã, que procura pela revolução personalista a libertação do homem. Afirma:

Como pessoa o homem está para além das suas aparências das suas realizações, das suas mesmas intenções e se revela a si mesmo, não já como entidade fechada e definida, mas como uma fonte de vida, um centro de inexaurível liberdade (MOUNIER, 1955, p.80).

Ele entende que a pessoa é “inobjetável”. Não afirma uma natureza humana, mas uma condição humana. A pessoa é tensão entre vocação, encarnação e comunhão: vocação é o lugar na comunhão universal; encarnação são as condições históricas precisas; comunhão é à comunidade superior. Ser pessoa é: “originariamente coexistir com os outros e com as coisas, compreendê-las compreender-se compreendendo-as”. Contra o capitalismo, que afirma o individualismo e contra o comunismo que afirma o primado da matéria, propõe a sociedade personalista e comunitária que se baseia no amor e se realiza na comunhão. (MOUNIER, 1955 p. 90 et. seq.) Mounier pensa um modelo “aberto” de pessoa e uma correspondente práxis de transformação da sociedade.

Para Heidegger também o personalismo cristão permanece preso a um modelo (ideal) e com isso preso a uma técnica (HEIDEGGER, 1967,p.35). Ele afirma: “Todo humanismo ou se funda numa metafísica ou se converte a si mesmo em fundamento de uma”. (p.37). O pensamento consuma a referência do Ser a essência do homem. A essência do homem não se revela num modelo antropológico. Mas na “ec-sistência” que Heidegger descreve na parte seguinte (p.42 et. Seq.). Trata-se de manter-se no questionamento mais profundo do Ser. No pensamento o ser se torna linguagem, a casa do ser. Rigor diferente da técnica é permanecer no elemento do Ser e deixar vigorar a multiplicidade de suas dimensões. O Ser é o possível. É o questionamento do ser que deixa vigorar a manifestação da essência do homem.

A filosofia como técnica de explicação é um “ismo”, ditadura da publicidade sobre a linguagem (HEIDEGGER, 2005, 48 et. seq.). O esvaziamento da linguagem ameaça a essência do homem. A essência da linguagem é ser casa da verdade do Ser.

Tornar o homem livre para sua humanidade, em oposição aos que determinam a humanidade do homem a partir de uma interpretação já assente do ente em sua totalidade. Mostra que não é suficiente afirmar que a essência do homem repousa no “ser-no-mundo”. A “essência do homem repousa na “ecsistência”. (lançar-se fora) que é diferente da existência (estar no mundo dos entes ordenados por um sentido). Essência e existência são meras determinações metafísicas do ser. “Ecsistência” é insistência “ecstática” na verdade do Ser. “Ecsistência” é estar na clareira do Ser, (“mundo – linguagem”) pensar a Essência do ser. O que o homem é se “essencializa” como lugar

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do Ser. A Essência do homem depende da “Ecsistência”, essencial para a verdade do Ser (HEIDEGGER, 1967, p.80 et. Seq.).

Valorar é roubar a dignidade. O pensamento que questiona a Verdade do Ser e com isso determina a morada da essência do homem a partir e na direção do ser não é nem ética nem metafísica. O homem que pense mais originariamente que a metafísica. E conclui anunciando o pensamento que já não é mais filosofia (HEIDEGGER,1967, p. 99). Ao despedir-se da filosofa Heidegger descuida de saber que qualquer proposição com sentido supõe uma estrutura gramatical (APEL 2000, v1, p. 265 et. seq.). O extraordinário possível só é efetivo com a constituição de um novo campo de linguagem e sentido. Ao situar a essência do homem no extraordinário absolutamente indeterminado ele descuida de sua mediação e efetivação no mundo, que também é condição transcendental de sentido. Sua contribuição hermenêutica de abertura para a crítica das concepções anteriores ficará preservada e viva, porém passando também por nova crítica e sugestões hermenêuticas.

Abordarmos de maneira sucinta as concepções de pessoa humana ou conteúdos correlatos no pensamento dos clássicos, de Hegel, Marx, Nietzsche Mounier e Heidegger. Temos que reconhecer que essas doutrinas sobre o sentido do ser humano são irreconciliáveis. Constituem visões de mundo paradigmaticamente tão distintas que não há como reduzi-las diretamente a um denominador comum. Porém a importância da filosofia contemporânea na formação da compreensão da pessoa mostra-se pela superação da visão metafísica clássica e a afirmação da sua diversidade, nos momentos do social, do singular e do comunitário e da transcendência. Não se trata da elaboração de um conceito de pessoa, pois a pessoa é “inobjetável”.

Se somarmos essa diversidade de compreensão filosófica a diversidade de visões religiosas presentes nas culturas das atuais sociedades complexas. Tal perspectiva abre caminho para a interpretação dos autores que afirmam a necessidade da pluralidade política e da democracia, como condição da sociabilidade humana.

2) PLURALIDADE POLÍTICA E DEMOCRACIA A PARTIR DAS SUGESTÕES DE RICOEUR, RAWLS E HABERMAS

Vamos agora colher algumas sugestões hermenêuticas a partir dos autores mencionados, que nos são mais próximos. Não temos aqui a intenção de apontar especificamente para um ou outro autor. Mas apenas esboçar suas sugestões, que consideramos complementares, para a questão. Faremos nossa exposição a partir de Ricoeur. Procuraremos retificar algumas de suas críticas aos colegas, para mostrar a dificuldade de compreensão que envolve o outro e a necessidade da afirmação da pluralidade.

2.1) Ricoeur e suas críticas à Rawls e Habermas.

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Com Paul Ricoeur podemos retomar a reflexão sobre a pessoa humana após as críticas de Heidegger e fazer novas sugestões. Ricoeur ao criticar Nietzche e Descartes afirma que Exaltado ou humilhado o eu das filosofias do sujeito é “atópos”, não tem lugar (Ricoeur, 1991, p. 28). Abre-se o caminho para uma hermenêutica de si. Deve-se perguntar quem fala? Quem age? Quem é o sujeito moral da imputação? A resposta agora depende de uma filosofia da linguagem. A identidade pessoal está ligada a temporalidade. O si está implicado a título reflexivo nas operações em que a análise precede e volta a ele próprio. Trata-se de uma identidade narrativa. A identidade dá-se na narração. Não fora, não em si. Consagra-se certa fragmentação, que passa a ser compreendida por um enfeichamento das várias compreensões (Ricoeur, 1991, p. 31). Desse modo, pensar a pessoa implica pensar a alteridade já enquanto se pensa o si mesmo nas várias narrativas possíveis. Segundo David Levy levando em conta os mestres da suspeita Ricoeur, no prefácio de Tempo e narrativa, desenvolve a idéia de que a identidade que o sujeito adquire mediante a narrativa de sua história é o lugar onde se encontra realizada a fusão entre narrativa e ficção.

No final da obra “O justo” Ricoeur define a moralidade como “querer viver bem com e para os outros, em instituições justas.” (2008, p. 262) Apresentando o caráter teleológico dessa tríade, mostra como a dimensão universal está mesclada à histórica. Ele reafirma assim “que toda ação, toda prática, se define por esse télos, que todos os homens querem ser felizes.” (2008, p. 262). Procura então situar a questão da justiça, a partir desse “telos” universal.

“Mas a sede de justiça não é reservada ao nível do dever e da obrigação que em breve consideraremos. Ela é um componente fundamental do querer viver-com, mas com todos os distantes, implicados em instituições de todos os tipos que estruturam a vida em sociedade.” (2008, p. 264)

Ricoeur é fiel a tradição hermenêutica que reflete sobre o “ser-com”. Ele entende que o querer-viver junto é universal. “Mas, assim que o qualificamos pelo desejo de instituições justas, nós nos colocamos num plano em que o universal esta inextricavelmente mesclado ao contextual.” (2008, p. 264). Assim entende que a justa distância dos conflitos só pode ser concretizada com leis escritas e tribunais. Desse modo para Ricoeur: “[…]a ideia primitiva de justiça nada mais é que a manifestação em escala dialógica, comunitária e institucional do querer viver bem. (2008, p. 265). É necessário considerar que sociedades primitivas eram homogêneas em suas concepções de mundo, não havendo necessidade da distinção entre o justo e o bom.

Porém com o desenvolvimento das sociedades os conflitos sociais exigem um outro nível de organização:

Daí nasce a necessidade de um terceiro, representado em nossas sociedades civilizadas pela existência de um corpo de leis escritas, pela instauração de instituições judiciárias, pela separação de um corpo de juízes e pela seqüência de condenações que conferem cunho coercitivo à moral pública sob a guarda de um Estado de direito. É essa necessidade social de arbitragem que suscita a questão da natureza das regras capazes

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de delimitar o campo do permitido e do proibido, bem como o uso considerado legítimo da coerção. (2008, p. 266).

Ricoeur retorna a Kant e a questão da razão prática com seu a priori universal, válido para todos e independente das circunstâncias de aplicação. Porém entende que o universal só pode ser um universal formal, sem conteúdo. Ao fim de sua exposição identifica o formalismo de Rawls com o de Kant entendendo que o primeiro substitui o formalismo do segundo pelo procedimento de distribuição (2008, p. 268). O que não pode ser apresentado sem importantes ressalvas como veremos adiante.

Ricoeur desenvolve no final de seu livro “O justo” um ensaio intitulado Universal e o histórico. Nele enfrenta a seguinte problemática:

O Alvo comum do debate é saber se, no plano ético, jurídico, político e social, é possível formular princípios universais, válidos independentemente da diversidade das pessoas, das comunidades e das culturas capazes de aplicá-los, sem limitações decorrentes das circunstâncias particulares de aplicação e, principalmente, da novidade dos casos surgidos na época moderna. A isso foram objetados tanto o caráter formal de princípios que ignoram da variedade dos conteúdos de aplicação, quanto o caráter anistórico de regras estranhas à variedade das heranças culturais e ao enraizamento das regras da vida em comum na prática comunitária. (2008, p. 261)

Por um lado o questionamento levantado por Ricoeur, parece levar longe demais a pretensão de uma leitura kantiana de Rawls no que tange a uma fundamentação da moral. Embora exista uma pretensão de teoria abrangente na “Teoria da justiça”, essa perspectiva não permanece no Rawls posterior, como veremos a seguir. Outro ponto relevante é a perspectiva pós-metafísica e pragmática do autor norte americano. Por outro lado, a colocação de Ricoeur, parece levar à pretensão apeliana de uma fundamentação última da ética do discurso mais estreitamente ligada a Kant. Essa pretensão também não foi acompanhada da mesma forma por Habermas. Outro ponto importante diz respeito à peculiaridade e complexidade do formalismo do autor alemão que não pode ser reduzido à leitura Kantiana.

Por hora vamos continuar a exposição de Ricoeur apresentando sua estratégia e conclusões. Em seguida faremos a apresentação de John Rawls com nossas sugestões interpretativas que discordam de Ricoeur. Num terceiro momento abordaremos a questão no pensamento de Habermas, aproveitando da exposição do autor Francês, porém mostrando nossa discrepância.

Como vimos a estratégia de Ricoeur reforça a leitura kantiana de Rawls e a leitura Kantiana e apeliana de Habermas. Essa estratégia leva a afirmação de princípios com validade formal, independente das circunstâncias históricas. No momento seguinte o autor francês apresenta o problema do trágico, circunstâncias que põe em conflito princípios julgados válidos. Usa então da crítica de Walser que quer neutralizar toda

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pretensão à universalidade. Critica Walser e retoma uma posição que medeia entre fundamentação das normas universais e questões de aplicação. A passagem que segue é muito ilustrativa da posição do autor:

Se foi o conflito e, mais fundamentalmente, a violência que nos obrigou a passar de uma ética da vida boa a uma moral da obrigação e da interdição, o que nos leva a completar os princípios formais de uma moral universal com regras de aplicação preocupadas com contextos históricos é aquilo que se pode chamar de trágico da ação. (2008, p.272)

Como vimos Ricoeur reafirma a insuficiência de uma moral da vida boa e a necessidade da moral da obrigação, que implica um projeto geral e universal de justiça. Seu projeto aponta para a composição entre os dois níveis de moralidade. Ele recorre ao trágico para mostrar a insuficiência de uma moral universal validada de modo independente com relação às questões de aplicação, definindo o trágico nos seguintes termos: “O trágico consiste precisamente na exclusão de toda e qualquer composição, exclusão resultante da intransigência de cada um dos servidores de um dever absoluto e sagrado”. (2008, p.273). Trata-se de seguir uma norma por si, com um dever absoluto independente das circunstâncias. Ricouer esclarece logo em seguida que são muitas as situações nas quais as regras morais ou jurídicas entram em conflito com a solicitude para com as pessoas. Menciona as situações de conflitos de normas como a necessidade médica de escolher entre a vida da mulher e a de um embrião.

Os princípios de justificação de uma regra moral ou jurídica deixam intactos os problemas de aplicação. Portanto, é a noção de aplicação que se deve considerar em toda a amplitude, para colocá-la em paralelo com a noção de validação que orientou a discussão anterior. Essa noção de aplicação vem de outro campo, que não o da moral ou do direito, a saber do campo da interpretação dos textos, principalmente dos textos literários ou religiosos.” (2008,p. 274)

Ricoeur como se pode ver nessa passagem procura colocar ao lado da questão da validação, a questão da aplicação, que remete ao campo da interpretação dos textos literários e religiosos. O ponto estratégico da crítica a Rawls e Habermas parece errar o alvo. Ou então, não está esclarecido de modo suficiente. Pois segundo reconhece o autor francês: “No caso de Rawls e Habermas o problema da aplicação das normas universais a situações singulares põe em jogo a dimensão histórica e cultural das tradições mediadoras do processo de aplicação.” (2008, p.274) Ambos os autores como veremos adiante embora façam uma releitura de Kant, o fazem a partir de uma perspectiva pós-metafísica, que remete ao histórico. Isso lhes daria condições de escapar ao trágico, ficando a diferença no acento ao peso dado às questões de aplicação.

Ricoeur mostra que para Walzer: “O pluralismo jurídico tende assim a ocupar o lugar de uma concepção unitária, mas apenas procedimental, de justiça.” ( 2008, p.,275)

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Porém o autor francês não se identifica sua posição, mas a usa apenas para reafirmar a importância das questões de aplicação. Sua posição se explicita na passagem que segue:

[…]a escolha não é feita entre o universalismo da regra e a singularidade da decisão. A própria noção de aplicação pressupõe um plano de fundo normativo comum aos protagonistas. Para retomar o vocabulário de Aristóteles, não haveria problema de eqüidade, em situações singulares, se não houvesse um problema geral da justiça passível de reconhecimento universal. (2008, p. 278).

Ao reafirmar a necessidade de um plano de fundo normativo comum sua crítica à Walzer o reaproxima de Rawls e Habermas, embora o sentido de equidade enunciado aqui não possa ser tido de forma alguma como equivalente ao sentido enunciado por Rawls. O que ocorre é que tanto Rawls quanto Habermas trabalham no sentido de garantir um plano de fundo normativo, o que de forma alguma exclui as questões de aplicação e equidade que se encontram em outro plano complementar.

Apresentemos agora as conclusões de Ricoeur, para em seguida passarmos a nossa exposição de Rawls e Habermas e novamente pesá-las.

Em conclusão proponho as três considerações seguintes.

1. “O universalismo pode ser considerado uma idéia reguladora que possibilita reconhecer como pertencentes ao campo da moralidade atitudes heterogêneas passíveis de serem reconhecidas como co-fundadoras do espaço comum manifestado pela vontade de viver juntos.”

2. “Nenhuma convicção moral teria força caso não elevasse uma pretensão à universalidade” Mas devemos nos limitar a dar o sentido de universal presumido àquilo que se apresenta inicialmente como universal pretendido; entendemos por universal presumido a pretensão à universalidade oferecida à discussão pública à espera do reconhecimento por todos. Nesse intercâmbio, cada protagonista propõe um universal pretendido ou incoativo em busca de reconhecimento; a própria história desse reconhecimento é movida pela idéia de reconhecimento com valor universal concreto; o mesmo estatuto de idéia reguladora invocada na conclusão precedente possibilita conciliar em dois níveis diferentes – o da moral abstrata e o da sabedoria prática – a exigência de universalidade e a condição histórica de contextualização.

3. Se é verdade que a humanidade só existe em culturas múltiplas, tais como as línguas – no que consiste fundamentalmente a tese das contradições comunitaristas de Rawls e Habermas - .as identidades culturais presumidas por esses autores só são protegidas contra o retorno da intolerância e do fanatismo por um trabalho de compreensão mútua para o qual a tradução de um língua para outra constitui notável modelo. (2008, p 279)

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A partir dessa passagem, vemos que Ricoeur considera o universalismo, como uma ideia reguladora, a partir da experiência “universal” manifesta pela vontade de viver junto. A ideia de uma razão “monológica” não se coaduna com as ideias pós-metafísicas de consenso sobreposto e razão pública de Rawls, especialmente no que tange a justificação pública. Entendemos que a leitura do universal como ideia reguladora, não faz juz à especificidade da compreensão que Habermas possui de universal, nem à sua perspectiva de ciência reconstrutiva. A afirmação da necessidade de um universal presumido, aproxima-se muito da compreensão pós-metafísica do autor alemão. A teoria do agir comunicativo e da razão comunicativa é também avessa à ideia de uma racionalidade monológica. Procuraremos demonstrar isso na parte que segue. Por fim lançamos a seguinte questão: será que apesar das diferentes estratégias teóricas as conclusões a que chega Ricoeur podem ser assumidas nos horizontes dos pensamentos de Rawls e de Habermas, com base em uma retificação de sua interpretação e um certo esforço de tradução? Verifiquemos a síntese conclusiva final de Ricoeur:

Seria possível reunir essas três conclusões na seguinte declaração: o universalismo e o contextualismo não se opõem no mesmo plano, mas pertencem a dois níveis diferentes da moralidade, o da obrigação presumidamente universal e o da sabedoria prática que assume a diversidade das heranças culturais. Não seria inexato dizer que a transição do plano universal da obrigação para o plano histórico da aplicação equivale a recorrer aos recursos da ética do bem viver para, se não resolver, pelo menos mitigar as aporias provocadas pelas exigências desmedidas de uma teoria da justiça ou de uma teoria da discussão que conte apenas com o formalismo dos princípios e com o rigor do procedimento. (2008, p. 280)

A tese é a não oposição no mesmo plano e a complementariedade entre universalismo e contextualismo. Entendemos que podemos demonstrar com uma breve revisão a exposição dos pensamentos de Rawls de Habermas, que essa perspectiva fundamental pode ser assumida, no horizonte teórico de ambos. Desse modo as respectivas teorias não seriam excludentes dos recursos a uma ética do bem viver.

2.2) A compreensão do Rawls maduro e reavaliação das críticas de Ricoeur.

É verdade que John Rawls elabora uma moral abrangente em “Teoria da Justiça”, obra diretamente abordada por Ricoeur. Porém, por outro lado, Rawls também é um dos autores que situa a questão da pessoa dentro de uma perspectiva pós-metafísica que é a filosofia política em seus escritos posteriores. Ele abre mão da elaboração de uma teoria abrangente metafísica com o desenvolvimento de sua concepção de consenso sobreposto. Os termos equitativos da cooperação social definem o conteúdo de uma

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concepção política e social da justiça e da pessoa. Como se pode verificar principalmente em seus escritos: “Justiça como equidade” e “Liberalismo Político”.

Rawls atribui às pessoas duas faculdades da personalidade moral: a capacidade de formar um censo de justiça e a capacidade de desenvolver a própria concepção de bem. Essas faculdades morais são condições para a formação em uma sociedade bem ordenada de cidadãos livres e iguais (Rawls, 2003, p. 26.). Ao pensar o cidadão com suas faculdades morais Rawls pretende situá-lo simplesmente no plano da moral política. Por isso o Liberalismo político se entende como uma concepção política que deixa a filosofia como está. (Rawls, 2005, p.375) Ele não tem pretensões mais abrangentes, do que os elementos necessários para pensar uma estrutura social básica para uma sociedade pluralista, composta de cidadãos livres iguais e cooperativos. Em suas palavras: “A ideia principal é que a posição original vincula a concepção da pessoa, assim como sua concepção associada da cooperação social, a certos princípios de justiça particulares”. (Rawls, 2002, p. 161-162). As idéias fundamentais que norteiam a ordem política são passiveis de um consenso sobreposto. Isso significa que elas podem ser aceitas por todos os cidadãos razoáveis, independente das diferenças de suas visões abrangentes de bem. Nas palavras de Rawls:

Pelo contrário, dizemos que numa sociedade bem-ordenada, a concepção política é afirmada por aquilo que denominamos um consenso sobreposto razoável. Entendemos por isso que a concepção política está alicerçada em doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis embora opostas, que ganham um corpo significativo de adeptos e perduram ao longo do tempo de uma geração para outra. (2003, p. 45)

Pouco adiante ele ainda ele expressa os dois pontos de vista distintos afirmados pelos cidadãos. “Um deles é a concepção política de justiça que todos afirmam. O outro é uma das várias doutrinas religiosas, filosóficas e morais.” (2003, p. 45 - 46) Ora se bem entendo com a distinção entre as duas faculdades morais, e o consenso sobreposto, Rawls abre caminho para a compreensão de dois planos distintos e complementares. O plano do universalismo moral e do contextualismo ético. Isso de certa forma corresponde à reivindicação da tese conclusiva de Ricoeur. A partir da posição original e do consenso sobreposto, pessoa, sociedade e justiça devem ser pensadas juntas e em suas determinações recíprocas.

Cabe agora mostrar a perspectiva pós-metafísica do pensamento de Rawls. Em sua “Réplica a Habermas” ele afirma: “o liberalismo político não aplica o conceito de verdade moral aplicado a seus próprios juízos, políticos.” (1998, p.100) Mais adiante ele afirma respondendo a Habermas:

Creio que Habermas pensa que em minha concepção as liberdades dos modernos são um tipo de lei natural e que por isso como no caso de Kant em sua interpretação, são ideias substantivas externas que impõe assim restrições a vontade pública do povo. As

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liberdades dos modernos não impõe restrições prévias a vontade constituinte do povo como objeta Habermas. (1998 p.113-114)

Na sequência Rawls remete a tradição de Jefferson de distritos e que cada geração possa eleger sua própria constituição. Tal concepção não é adequada a uma fundamentação moral metafísica naturalista do direito. O fato de Rawls procurar derivar princípios da justiça da posição original, o que pode ser válido para diversas pessoas, das comunidades e das culturas capazes de aplicá-los, não significa que esteja pleiteando uma universalidade metafísica, pois de fato a circunscreve ao campo da moralidade política. O que Rawls faz é um experimento racional, ao qual não atribui infalibilidade.

Uma concepção da justiça deve ser suficientemente aberta para incluir modos de vida capazes de inspirar o devotamento. Em suma, a justiça estabelece os limites, o bem indica a finalidade. Assim, o justo e o bem são complementares, o que a prioridade do justo não nega em absoluto. Essa prioridade quer dizer simplesmente que, se uma concepção política da justiça, para ser aceitável, deve respeitar formas de vida variadas às quais os cidadãos possam dedicar-se, não é menos verdade que as idéias do bem sobre as quais ela se apóia devem respeitar os limites – o espaço autorizado – fixados por ela própria (2002, p. 294).

Quando Rawls afirma que concepção de justiça deve poder incluir modos de vida que indicam a finalidade, ele não apenas coloca a justiça como substância ao lado do bem. Ele vincula a “essência” da justiça ao complemento da determinação do bem, quando afirma que uma concepção de justiça para ser aceitável deve respeitar formas de vida variadas às quais os cidadãos possam se dedicar. Desse modo afirma que, para ser efetiva, a justiça tem de ser concretizada em suas determinações do bem.

Por isso, ele assevera na seqüência as características de uma concepção política:

[…] As características de uma concepção política são, em primeiro lugar, que ela é uma concepção moral concebida para um campo específico, a estrutura básica* de um regime democrático constitucional; em segundo lugar, que o fato de se aceitar essa concepção política não pressupõe a aceitação de uma doutrina abrangente particular qualquer. […] E, em terceiro lugar, que ela […] nos dê certas idéias intuitivas fundamentais, consideradas como latentes na cultura política pública de uma sociedade democrática (2002, p. 295).

Uma importante distinção do pensamento de Rawls é que ele apresenta a a conexão justo-bem, mantendo-se vinculado às idéias intuitivas fundamentais da cultura, porém, sem ter a pretensão de abarcar a totalidade da conexão numa visão abrangente. Uma

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concepção política do justo só é efetiva apoiando-se em diferentes idéias de bem. Pergunta-se em que condições isso é possível para o liberalismo político? Rawls responde:

A principal condição parece ser que as idéias em questão devem ser idéias políticas. Elas devem pertencer a uma concepção política razoável da justiça, de maneira que 1) sejam ou possam ser compartilhadas por cidadãos considerados como pessoas livres e iguais e 2) não pressuponham nenhuma doutrina particular perfeitamente (ou parcialmente) abrangente ( 2002, p. 296).

Desse modo, os bens primários diferentes de valores fundamentais da existência repousam no entendimento político do que é vantajoso nas questões de justiça política ( 2002, p. 304). Nenhuma concepção abrangente de bem é adotada pelo conjunto dos cidadãos. Mas defendem a mesma concepção de si mesmos como livres e iguais e que suas concepções de bem tenham necessidade dos mesmos bens primários para se desenvolver (2002, p. 301). A partir dessas considerações, Rawls apresenta a lista de bens primários: direitos e liberdades básicas; liberdade de circulação, escolha e ocupação; prerrogativas de posições, responsabilidade; rendas e riquezas; bases sociais do respeito próprio (2002, p. 302). José Nedel comenta que ao declarar constantemente que seus princípios são substantivos, Rawls parece querer efetivamente superar o formalismo de Kant (1998, p.85).

Iniciemos então o esclarecimento do sentido do conceito de procedimento neutro de Rawls:

[…] um procedimento neutro poderá ser definido como se justificando com referência a valores neutros, tais como a imparcialidade, a coerência na aplicação de princípios gerais a casos que se podem razoavelmente tratar como ligados entre si […]. A definição de um procedimento neutro pode também apoiar-se nos valores que sustentam os princípios da discussão livre e racional entre pessoas razoáveis e em plena posse das suas capacidades de pensar e julgar, preocupadas, além disso, em encontrar a verdade ou alcançar um acordo razoável, baseado na melhor informação disponível (2002, p. 308).

Um procedimento justifica-se com referência a valores neutros, correspondendo aos valores que sustentam os princípios da discussão livre e racional entre pessoas razoáveis, preocupadas em encontrar a verdade ou um acordo razoável. Rawls identifica três tipos de fundamentação, a justificação de ordem política que só leva em conta argumentos políticos, a justificação plena por uma pessoa individual e a justificação pública da concepção política pela sociedade política, a qual funciona em equipe com as outras duas justificações (1998, p. 89-90).

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A teoria da justiça como eqüidade não é processualmente neutra, sem ressalvas importantes. É evidente que seus princípios de justiça são concretos e vão muito mais além do que os valores processuais; o mesmo acontece com suas concepções políticas da pessoa e da sociedade. Se lhe aplicamos a idéia da neutralidade processual, devemos fazê-lo na medida em que se trata de uma concepção política que visa ser o centro de um consenso por justaposição. Isso quer dizer que ela espera constituir uma base pública de justificação para a estrutura básica de um regime constitucional. Procedendo a partir de idéias intuitivas fundamentais, implícitas no seio da cultura política pública […]. Esse terreno comum ou neutro é a concepção política da justiça enquanto centro de um consenso por justaposição (2002, p. 308-309).

Nessa passagem, Rawls não deixa dúvidas quanto a sua intenção de uma proposta que vai além de uma justiça processualmente neutra, e que se efetiva por uma base de valores razoáveis alcançados por consenso sobreposto, a partir de idéias intuitivas implícitas na cultura política pública. Conforme comenta Nythamar Oliveira, Rawls desenvolve uma teoria ideal e uma teoria não ideal, ocupando-se a segunda da exeqüibilidade da justiça como equidade, na medida em que a cultura política, os movimentos sociais e as reformas constitucionais viabilizam pelo “equilíbrio reflexivo”, uma aproximação dos ideais de justiça (Oliveira, 2003, p. 12). Também devemos lembrar como salienta José Nedel, que ao responder à crítica de Habermas que atribui a justiça como equidade um caráter substantivo, Rawls, não só confirma essa perspectiva em sua teoria, mas também a atribui em certo grau ao próprio Habermas (2000, p. 163).

Nessas breves páginas espero der deixado claro motivos significativos para questionar a interpretação que Ricouer fez de Rawls. Porém, sem nenhuma pretensão de identificá-los, essa interpretação mostra maior proximidade entre suas propostas. Desse modo a identificação de um pensamento pós-metafísico, distancia Rawls de Kant. A afirmação de uma visão não monológica da razão distingue entre razões públicas e não públicas capazes de trabalhar de modo cooperativo. Tal compreensão permite traduzir com maior clareza a tese da não oposição no mesmo plano e a complementariedade entre universalismo e contextualismo, a partir da distinção das duas faculdades morais e do consenso sobreposto.

2.3) A compreensão de Habermas e reavaliação das críticas de Ricoeur.

Abordemos agora a filosofia de Habermas, para pensar as conexões entre a questão da dignidade da pessoa humana, pluralidade política e democracia. Em primeiro lugar é necessário verificar como o autor apresenta a questão da dignidade humana a partir das relações interpessoais de reconhecimento recíproco. Vejamos com suas próprias palavras:

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Conforme pretendo demonstrar, a “dignidade humana”, entendida em estrito sentido moral e jurídico encontra-se ligada a essa simetria de relações. Ela não é uma propriedade que se possa “possuir” como a inteligência ou os olhos azuis. Ela marca, antes, aquela “intangibilidade” que só pode ter um significado nas relações interpessoais de reconhecimento recíproco e no relacionamento igualitário entre pessoas. (Habermas, 2004, p. 47)

Não se trata de pensar aqui uma essência humana. O ego encontra-se em uma relação interpessoal que lhe permite, da perspectiva do alter, referir-se a si mesmo como participante de uma interação (2000, p.425) Habermas compreende a concepção do homem social na perspectiva da guinada linguística a qual se desenvolve tanto na pragmática como na hermenêutica. É portanto no mundo da vida que se encontra a personalidade, às voltas com as interações comunicativas e coerções sistêmicas. Ele afirma: “Aquilo que, somente pelo nascimento, transforma o organismo numa pessoa, no sentido completo da palavra, é o ato socialmente individualizante de admissão no contexto público de interação de um mundo da vida partilhado intersubjetivamente.” (2004, p.49) É importante notar que o pano de fundo das interações sociais é para Habermas o mundo da vida. Esse conceito é lido pelo autor a partir de uma sua complexa influência hermenêutica e pragmática linguística. O contexto social de fundo é um jogo entre interações sociais sistêmicas e mundo da vida. Neste jogo vê os riscos que corre a dignidade humana, a qual se afirma a partir de uma práxis comunicativa, mas pode sucumbir às coerções sistêmicas. “A autonomia é, antes, uma conquista precária de existências finitas que só conseguem ‘se fortalecer’ quando conscientes de sua vulnerabilidade física e de sua dependência social”. (2004, p 48) Por isso Habermas afirma o seguinte: “Apenas na esfera pública de uma comunidade linguística é que o ser natural se transforma ao mesmo tempo em indivíduo e em pessoa dotada de razão.” (2004, p. 49). Porém essa transformação não está isenta de patologias e instabilidades. Desse modo deve-se entender a constituição da subjetividade nos seguintes termos:

Com efeito, a subjetividade, […], se constitui a partir das relações intersubjetivas para com os outros. O si mesmo individual surge apenas com o auxilio social da exteriorização e também só pode se estabilizar na rede de relações intactas de reconhecimento. (2004, p 47)

É importante notar que como o contexto de fundo das relações sociais é ameaçado pelas coerções sistêmicas e ações estratégicas, a estabilização da pessoa não é um processo com garantia de êxito, pois nem sempre as relações de reconhecimento estão intactas. É nesse contexto que se deve entender a expressão. “Somente as proposições ideologicamente neutras sobre aquilo que é igualmente bom para todos podem ter a pretensão de ser aceitáveis para todos por boas razões” (2004, p 46). Se há uma releitura de Kant em Habermas é importante entender, que essa releitura é feita, a partir da guinada linguística. Porém para melhor diferenciar sua proposta é necessário contrasta-la também com a proposta de Apel. Isso não foi por Ricouer, que fez uma exposição

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conjunta da proposta da ética do discurso. Veremos agora os elementos dessa apresentação e em seguida verificaremos sua distinção interna.

Ricouer, na parte dedicada à Apel e Habermas afirma:

Ora, todas as relações humanas passam inevitavelmente pelo discurso. Além disso, a ameaça de violência que como vimos, justifica a transição de uma moral da felicidade para uma moral da obrigação, convida a buscar na transferência de todos os conflitos para a região da palavra a única resposta humana à violência. Ora o compartilhamento da palavra não pode ocorrer sem a arbitragem normativas de regras que presidam a discussão. Todo o problema consiste em passar da mediação da linguagem para o direito da argumentação. (2008, p. 270)

A transição da moral da felicidade para uma moral da obrigação desenvolvida por Kant é agora abordada a partir da guinada linguística, implicando a compreensão transcendental da linguagem. Na perspectiva de Ricouer “A questão é saber se existem regras universais de validade que rejam toda e qualquer discussão possível e toda e qualquer argumentação racional. A resposta de Habermas é positiva.” (2008, p.270) Ela é positiva mesmo, porém o que Ricoeur não diferencia é que a afirmação de que não há linguagem sem regras universais, não garante que nossa intuição das regras que consideramos universais, também seja universal e supere nosso provincianismo histórico para o próprio Habermas, como veremos adiante.

Essas regras são intuídas a partir da constatação de contradições performativas descritas da seguinte forma por Ricoeur: se dizemos que a regra de discussão não é válida, começamos a argumentar; portanto nós nos contradizemos quando dizemos que uma regra de discussão não pode ser universal. (2008, p. 270-271) Após expor uma síntese das regras da ética do discurso ele afirma: “A ética da discussão é assim colocada sob o horizonte de uma utopia da palavra compartilhada, que funciona como ideia reguladora de uma discussão aberta, sem limites nem entraves.” (2008, p. 271). A afirmação de utopia mostra um não reconhecimento das pressuposições contrafáticas que os agentes de interações comunicativas fazem. Quem argumenta precisa fazer tais suposições para argumentar com coerência. Argumentar é uma atividade que pressupõe normas que lhe são constitutivas. Se o participante da argumentação não pressupõe essas normas, não faz sentido que ele argumente. Não se pode jogar xadrez sem pressupor suas regras. Quem joga xadrez está automaticamente pressupondo o respeito às suas regras. Quem argumenta também. Não se trata aqui de ideia reguladora. Mas de uma reconstrução do que é pressuposto numa ação executada no mundo da vida. Mais adiante Ricoeur levanta a seguinte crítica à ética do discurso:

É possível objetar-lhe que ela superestima o lugar da discussão nas interações humanas e, mais ainda, o lugar das expressões formalizadas da argumentação. Procurar ter razão constitui um jogo social extraordinariamente complexo e variado no qual se dissimulam paixões diversas sob a aparência da imparcialidade; argumentar pode ser uma maneira

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astuciosa de continuar combatendo. De outro modo, pode-se objetar que a mediação da linguagem, legitimamente invocada como base de referência pela ética da discussão, pode orientar para outra conclusão, que não a de uma arbitragem pela argumentação. (2008, p. 277).

Concordamos com a possibilidade de uma superestima do lugar da discussão nas interações sociais, porém quando se dissimula a argumentação, já não se está mais numa ação comunicativa, mas sim numa ação estratégica. A possibilidade de outra arbitragem implica a apresentação verbal e coerente dessa outra possibilidade. De certo modo Ricoeur elabora um esboço dessa alternativa que precisamos considerar:

A linguagem não existe em forma universal, mas apenas na fragmentação do universo lingüístico. Ora, na falta de qualquer superlíngua, não estamos completamente desaparelhados; resta-nos o recurso da tradução que merece coisa melhor do que ser tratada como fenômeno secundário, […], na tradução tem-se um fenômeno universal que consiste em dizer de outro modo a mesma mensagem.” (2008, p. 277).

As questões de tradutibilidade serão abordadas por Habermas no livro “Entre naturalismo e religião”, texto que Ricoeur não teve acesso. Por fim quando nosso autor francês questiona o trabalho de Alexy, afirmando que a validade jurídica opera em situação que não satisfazem aos pressupostos da ética do discurso, fica claro sua posição de derivar o direito da ética. Isso corresponde ao desconhecimento da arquitetônica de Habermas, pois ele não deriva o direito da ética do discurso. Antes Habermas prefere derivar o direito como especificação direta do princípio do discurso que cria o campo próprio do direito, paralelo ao campo da moral. O direito é pensado na sua mediação entre faticidade e validade, e por isso mesmo não pode mais ser derivado diretamente da ética. Ao direito também são remetidas às questões de aplicação que Apel remetia a parte B de sua Ética. Essa posição gerou uma importante controvérsia com Apel que passamos a abordar a partir de agora.

Na perspectiva de Habermas o projeto de uma fundamentação última transcendental de Apel, para transformar a filosofia:

[…]parece ser incompatível com a intenção de só procurar respostas que sejam independentes em relação ao privilégio metafísico de uma interpretação da vida, quando nos nossos dias a exegese da vida é escrita sempre no plural e reclama os mesmos direitos para toda as suas vertentes. (HABERMAS, 1999, p. 185)

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Ao pensar o pano de fundo das ações comunicativas, num contexto pós-metafísico, Habermas vê-se levado a pensar as interações sociais e nelas inserir o conceito de mundo da vida. (HABERMAS 2001b p.164ss). Ao iniciar a exposição do conceito de mundo da vida, na “Teoria do agir comunicativo”. Ele afirma que se trata de um conceito complementar ao de ação comunicativa, sua análise efetuada em termos de pragmática formal, tem por objeto apreender estruturas, que frente às formações históricas do mundo da vida se apresentam como invariantes. De modo a podermos retomar problemas que até aqui se tratou nos marcos da filosofia transcendental, e neste caso concreto endereçar nossa atenção até as estruturas do mundo da vida em geral. (HABERMAS 2001b p.164ss). Essa perspectiva, porém não é compatível com uma exegese monológica da vida.

Justamente a recusa de uma exegese monológica da vida é que remete para uma hermenêutica complexa do mundo da vida, com a afirmação de sua dimensão transcendental fraca, que se sobrepõe a qualquer jogo de linguagem de validade formal interna. Sendo esse um dos pontos mais importantes da crítica de Habermas à Apel. É também o ponto que mantém sua fundamentação aberta, pensada como “entschränkung”, em analogia com o princípio de indução e por isso pensada como não fundamentalista, por não se afirmar como fundamentação última. É interessante notar que, na polêmica com Rorty, está presente a análise pragmática da linguagem seguindo curso paralelo, de recusa à uma interpretação monológica do mundo da vida. O que desemboca novamente numa fundamentação aberta ao pensar o duplo sentido de verdade. A qual é pensada pragmaticamente na passagem da certeza da ação, ao questionamento teórico, deste à justificação bem fundamentada e novamente à certeza da ação pela necessidade pragmática do mundo da vida.

Para Habermas duas assunções fundamentais de Apel são problemáticas: A primeira é que “o privilégio filosófico-fundamental da ética do discurso, paga o preço da equiparação da razão comunicativa à ética do discurso. Mostra mais adiante que:

Ao contrário da razão prática, a razão comunicativa não é per se uma fonte de regras para a ação correta. Ela abarca todo o espectro das pretensões de validade (da verdade assertórica, da autenticidade subjetiva e da correção normativa), transcendendo, por isso, a esfera das questões prático-morais. (HABERMAS, 1999, 185-186).

É também de grande importância as distinções que Habermas estabelece no livro “Direito e Democracia” Nele, como vimos a pouco, o autor distingue com clareza os princípios do discurso, da moral e do direito e seus respectivos jogos de linguagem.

A segunda crítica, não menos importante, dirige-se ao cerne do projeto de Apel para a transformação da filosofia. Habermas rejeita o privilégio de um discurso fundamentalista. Em suas palavras:

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A segunda premissa, nomeadamente o privilégio de um discurso fundacionalista em geral, encontra-se em relação imediata com o projeto de Apel no sentido de transportar as questões fundamentais de uma Primeira Filosofia – ontologia e filosofia da consciência – para o terceiro paradigma da linguagem. Subjacente a esta ‘transformação da filosofia’, encontra-se a idéia de que os conteúdos substanciais da metafísica só se conseguem hoje em dia preservar sob a forma de hipóteses globais da ciência, de estatuto falível, quanto, por sua vez, a reflexão transcendental sobre as condições da experiência objetivamente válida e da argumentação em geral nos abre uma esfera de conhecimento filosófico genuíno que sendo infalível, explica os pressupostos do princípio da falibilidade – satisfazendo, desta forma , as pretensões de uma última fundamentação. (HABERMAS, 1999, p. 186).

A partir da compreensão hermenêutica e pragmática do mundo da vida, que podemos nomear como uma interpretação complexa, Habermas não pode aceitar a infalibilidade do discurso de fundamentação. Muito embora aceite tranqüilamente sua incontornabilidade atual. Continuando mais abaixo ele afirma:

Nestes termos Habermas afirma:

Em primeiro lugar, a oposição abstrata entre filosofia e ciência faz parte do legado arquitetônico de uma filosofia da consciência que considera fundamentais as questões básicas da teoria do conhecimento. Após a viragem da pragmática lingüística são, em vez disso, as condições de uma eventual comunicação que assumem o primeiro plano. No entanto, as ciências objetivantes – enquanto formas reflexivas do nosso conhecimento do mundo objetivo - perdem, assim, a sua posição singular. Recuam para o horizonte das múltiplas formas de saber existentes na vida quotidiana e em culturas especializadas, no meio das quais a filosofia assume o papel de um intérprete que as medeia, mas que não precisa de as ‘fundamentar’ (HABERMAS, 1999, p. 187).

Está presente aqui explicitamente a perspectiva da viragem da pragmática linguística. Porém também está implícito a concepção da hermenêutica do mundo da vida que, como vimos, com suas várias raízes, que incluem Spencer, Durkhein, Husserl etc. Tudo isso leva a afirmação da historicidade e rejeita uma perspectiva de fundamentação transcendental forte. Neste contexto para Habermas:

…a filosofia está envolvida, de fato, e por razões metódicas , em diversas cooperações multifacetadas. Já perdeu o seu lugar de juíza e de organizadora pela simples razão de não existir uma gradação hierárquica entre os discursos com meta-discursos ‘ínatos’. Entre as disciplinas e as áreas científicas que se tornaram autônomas, a conexão metateórica entre os resultados teóricos é assegurada apenas pela coerência e não mais pela ‘fundamentação’.

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De resto, tanto a abordagem hermenêutica-interpretativa dos objetos simbolicamente pré-estruturados, como o método da reconstrução racional do saber pré-teórico de sujeitos com competência para julgar, falar e agir, lançam fundamentos para uma afinidade muito próxima entre a filosofia, por um lado e as Humanidades e Ciências Sociais, por outro. De uma forma geral, é a oposição abstrata entre filosofia e ‘a’ ciência […] que é interdita. (HABERMAS, 1999, p. 187)

A rejeição de meta-discursos inatos, estende-se a um discurso primordial de fundamentação última que pretenderia dar novamente à filosofia o papel de juíza e organizadora. Entendendo que a conexão entre os resultados teóricos é assegurada pela coerência e que a abordagem hermenêutica-interpretativa dos objetos simbolicamente pré-estruturados ou o método da reconstrução racional do saber pré-teórico lançam fundamentos para uma afinidade entre filosofia, humanidades e ciências sociais. Chegamos assim a distinção do papel da filosofia para Habermas:

A peculiaridade da filosofia não consiste nem no seu método de análise conceptual nem no caráter universalista das suas problematizações. A filosofia distingue-se, sim, pela auto-referencialidade de algumas das suas argumentações. (1999, p. 187)

Portanto, a filosofia distingue-se por sua auto-fundamentação, conceito que é desenvolvido em “Discurso filosófico da modernidade” porém, quanto aos argumentos transcendentais Habermas adverte:

Estes apenas têm a função de demonstrar a não rejeitabilidade factual, atendendo às pressuposições gerais e necessárias de uma ordem auto-substitutiva, como é o jogo da argumentação. (1999, p. 188)

É importante perceber aqui que Habermas usa a expressão “não há de fato” outra alternativa. O que significa tratar-se de uma constatação factual e não propriamente de uma necessidade lógica. Como já havíamos visto, a necessidade lógica é apenas interna para a auto-reflexão do discurso, por isso o autor pode afirmar:

Esta comprovação da não-rejeitabilidade factual de pressuposições de teor normativo de uma prática entrelaçada internamente com a nossa forma de vida sociocultural está certamente sujeita à constância dessa mesma forma de vida. Não podemos excluir a priori a sua possibilidade de transformação. (HABERMAS, 1999, p. 188)

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A respeito das críticas de Apel, nos textos supra citados, tem que se levar em conta que para Habermas a compreensão do Mundo da Vida, como contexto da prática comunicativa, com sua historicidade e possibilidade de desabamento, interfere nas pretensões transcendentais fortes. Espero que tal exposição seja suficiente para neutralizar em parte o “alvo comum do debate” apontado por Ricoeur.

Outro ponto importante é que para Habermas a autolegislação de cidadão não se deduz da autolegislação moral de pessoas singulares. É o princípio da democracia que deve conferir força legitimadora ao processo de normalização. Ele resulta da interligação entre o princípio do discurso e a forma jurídica da autonomia política. Por isso é o núcleo de um sistema de direitos. A autonomia na linha do discurso apresenta o nexo interno entre direitos humanos e soberania do povo. A liberdade comunicativa só existe entre atores que desejam entender-se e que contam com tomadas de posição (Habermas, 1997, v1, p. 155). Em direito e democracia Habermas afirma o nexo interno que existe entre a legitimidade do direito e a democracia nos seguintes termos:

Somente a normalização politicamente autônoma permite aos destinatários do direito uma compreensão correta da ordem jurídica. A gênese lógica desses direitos forma um processo circular, no qual o código do direito e o mecanismo para a produção de direito legítimo, portanto o princípio da democracia, se constituem de modo co-originário. (Habermas, 1997, v1, p. 158).

Eis a perspectiva que resulta de uma compreensão não monológica da pessoa humana e a afirmação de sua dignidade através dos meios do direito legítimo. Novamente nas palavras de Habermas pode-se acompanhar o seguinte:

Tal sistema deve conter precisamente os direitos que os cidadãos são obrigados a atribuir-se reciprocamente, caso queiram regular legitimamente a sua convivência com os meios do direito positivo. (.…) introduzir in abstrato as categorias de direitos que geram o próprio código jurídico, uma vez que determinam o status das pessoas de direito. (1997, v1, p.159)

Assegurar a autonomia pública e privada operacionaliza a tensão entre faticidade e validade, que Habermas descreveu como tensão entre a positividade e a legitimidade do direito. É importante notar que enquanto instituição social e sistema de ação, é no mundo da vida que o direito é exercido. Sua doutrina vincula a preservação da dignidade da pessoa humana à democracia e ao exercício da cidadania. Entendemos que a complexidade do ser humano é irredutível e não pode ser objetivada. Daí ser a democracia a melhor resposta a sua necessidade de auto-regulamentação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: PESSOA, PLURALISMO POLÍTICO, CIDADANIA E DEMOCRACIA.

Ao iniciarmos esse trabalho, apresentamos a seguinte questão: Como as diferentes concepções contemporâneas de pessoa vinculam o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana ao pluralismo político, à cidadania e à democracia?

Abordarmos, num primeiro passo, as concepções dos clássicos, de Hegel, de Marx, de Nietzsche, de Mounier e de Heidegger. Verificamos que essas doutrinas embora irreconciliáveis, apresentam a superação da metafísica clássica, nos momentos do social, do singular, do comunitário e da transcendência. Se somarmos a essa diversidade de compreensão filosófica a multiplicidade de visões religiosas presentes nas culturas das atuais sociedades complexas, temos uma incontornável afirmação do pluralismo político. Tal perspectiva abre caminho para a interpretação dos autores mais recentes que afirmam a necessidade do pluralismo político, da cidadania e da democracia, como condição da sociabilidade humana.

Como podemos observar Ricoeur, Rawls e Habermas, pensam a pessoa, cada um em sua diferente perspectiva hermenêutica. Porém, sempre se está ligado à questão de pensar a alteridade. Ricoeur ao inserir a questão do outro no si mesmo e abordá-la a partir das identidades narrativas condição do respeito à dignidade nas relações inter-pessoais, pelo respeito à singularidade; Rawls ao pensar a distinção das questões de justiça e às diferentes concepções de bem que implicam diversas referências hermenêuticas pré-reflexivas afirma o consenso sobreposto o trabalho em equipe das razões públicas e não públicas; Habermas ao desenvolver sua concepção de racionalidade comunicativa, a qual em contraste com a racionalidade monológica afirma a unidade da razão na pluralidade de suas vozes. Ele distingue do discurso racional, por especificação, a moral procedimental por um lado e o direito por outro, reservando ao direito às questões de aplicação. Direito, moral e ética de valoração forte ocorrem no mundo da vida, onde a pessoa se entende, por um processo frágil de socialização, como capaz de agir e falar. Apresenta-se a razão comunicativa como condição da aprendizagem e cooperação com o outro, no desenvolvimento da própria identidade, a partir de um agir comunicativo em oposição às patologias dos fundamentalismos exclusivistas e coerções sistêmicas. As três leituras que reconhecem a pluralidade da pessoa humana desembocam numa afirmação da justiça, que articula dignidade da pessoa humana ao pluralismo político, à cidadania e à democracia. Cada um pensa com uma configuração própria essa articulação. Mas ela está presente em todos eles.

REFERÊNCIA BILIOGRÁFICA

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