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CONCENTRAÇÃO DE COMPOSTOS FENÓLICOS DO
EXTRATO AQUOSO DE FOLHAS E TALOS DE BETERRABA
(Beta vulgaris L.) POR CRIOCONCENTRAÇÃO
RESUMO – A utilização de partes de vegetais que são consideradas descarte vem sendo tema
crescente de estudos. A beterraba é uma das principais hortaliças brasileira cujas folhas e talos
representam mais de 60% dos resíduos da indústria alimentícia. Além do mais, essas frações são ricas
em compostos fenólicos, entre esses, as betalaínas. Uma das possibilidades de processamento destes
compostos é a extração e concentração através de métodos que mantenham a qualidade nutricional do
produto como, por exemplo, a crioconcentração. O objetivo deste trabalho foi utilizar a
crioconcentração para concentrar os compostos fenólicos do extrato aquoso de folhas e talos de
beterraba. Os resultados revelaram valores de concentração de até 4,5 vezes para o teor de fenólicos
totais e de 3,1 vezes para o teor de betalaínas. Esses resultados mostram a eficiência da
crioconcentração para a concentração dos compostos bioativos a partir do resíduo em estudo.
ABSTRACT – The use of parts of vegetables that was previously considered as discards has been a
growing and subject of studies. Beet is one of the main Brazilian vegetables whose leaves and stems
represent more than 60% of the food industry waste. Moreover, these fractions are rich in phenolic
compounds, among them, the betalains. One of the possibilities of recuperation of these bioactive
compounds is their extraction and concentration through methods that maintain the freshness and
nutritional quality of the product, for example the cryoconcentration or freeze concentration. The aim
of this study was to concentrate the phenolic compounds of the aqueous extract of beet leaves and
stems by the cryoconcentration. Concentration values up to 4.5-times for the total phenolic content and
3.1-times for the betalains content were found. These results demonstrate the efficiency of the freeze
concentration process for the concentration of the bioactive compounds from the residue studied.
PALAVRAS-CHAVE: compostos bioativos; betalaínas; betaxantinas; betacianinas; concentração por
congelamento.
KEYWORDS: bioactive compounds; betalains; betaxanthines; betacyanins; freeze concentration.
1. INTRODUÇÃO Alimentos que não somente supram as necessidades básicas, bem como também previnam
certas patologias, levaram ao aumento da demanda da população por esses alimentos com o propósito
da busca por uma maior longevidade (Kaur & Das, 2011).
De fato o desperdício de alimentos no Brasil é bastante elevado, atingindo em torno de 26
milhões de toneladas ao ano, o que poderia alimentar cerca de 35 milhões de pessoas (Belik et al.
2012). Uma maneira de reduzir tais números alarmantes de desperdício de alimentos seria a utilização
de todas as partes dos vegetais que fornecem os alimentos que consumimos. Esse tema ainda é
bastante discutido já que ainda há poucos estudos abordando tal temática, principalmente em relação
ao valor nutricional, propriedades bioquímicas e demais aplicações que englobam a utilização de
outras estruturas vegetais como as folhas (Storck et al. 2013). De acordo com Prudêncio et al. (2012)
a produção de extratos aquosos oriundos de resíduos vegetais no processamento industrial de
alimentos são excelentes fontes de compostos fenólicos bem como outros compostos bioativos com
propriedades fitoterápicas.
A beterraba (Beta vulgaris L.) é uma das hortaliças mais cultivadas no Brasil, sendo a
beterraba açucareira, forrageira e hortícola, os principais biótipos com maior relevância econômica no
cultivo; onde a beterraba hortícola, também conhecida como beterraba vermelha ou beterraba de mesa,
é o biótipo cultivado no Brasil (Tivelli et al. 2011). De acordo com Alves et al. (2008), no Brasil, a
beterraba possui sua linha de cultivo centrada principalmente nas regiões Sudeste e Sul, o que
corresponde a cerca de 100 mil propriedades fornecedoras em todo país, onde 42% na região Sudeste e
cerca de 35% na região Sul. Estima-se que a produção de beterraba em todo país equivale em torno de
177 mil toneladas, movimentando aproximadamente R$ 256,5 milhões (Lemke et al. 2016).
No meio industrial, a beterraba in natura, é submetida a operações de seleção, lavagem,
descascamento e corte, cujo objetivo é a obtenção de um produto fresco e de rápido preparo pelo
consumidor. Entretanto, o grande problema dessa atividade é a geração de altas quantidades de
resíduos provenientes de aparas da polpa, talos e principalmente das folhas, onde essa última
corresponde a mais de 60% da geração total de resíduos (Vitti et al. 2003; Lemke et al., 2016). De
fato, existe a necessidade de reaproveitamento das partes não aproveitáveis da beterraba, enfatizando o
enriquecimento alimentar e a redução de resíduos. No caso das folhas, essas apresentam grandes
quantidades de betalaínas, aplicada na indústria como corantes naturais de alimentos, bem como são
apontadas como uma nova classe de antioxidantes dietéticos por sua capacidade de sequestrar radicais
livres, prevenindo assim a oxidação das células humanas (Tivelli et al., 2011).
Ainda, na indústria de alimentos, a demanda de produtos de alta qualidade impulsiona o
desenvolvimento de novos métodos de processo, visando a manutenção da aparência natural, frescor e
sabor dos alimentos onde fatores como transporte, custos de armazenamento e vida-de-prateleira são
de suma importância para manutenção da qualidade do alimento. Desse modo, uma variedade de
estratégias de concentração vem sendo desenvolvidas com o objetivo de promover a remoção eficiente
da água em extratos alimentícios (Piccoli, 2015). Embora o emprego do calor forneça maior eficiência
na remoção de água, esse processo provoca a perda de compostos voláteis, afetando assim, nas
propriedades sensoriais e funcionais do produto (Lima e Nobre, 2011). Assim, a crioconcentração é
uma técnica de concentração que apresenta a vantagem de manter os compostos voláteis e a qualidade
nutricional do produto por não empregar altas temperaturas nem etapas em baixa pressão, resultando
em um método de baixo custo e de alta eficiência, onde a solução contendo o extrato do alimento é
congelada e durante o processo de descongelamento a solução concentrada é separada do gelo (Aider
et al. 2007).
Nesse contexto, o objetivo desse estudo é avaliar o processo de crioconcentração para o
incremento no teor de compostos fenólicos totais e de betalaínas de extratos oriundos de folhas e talos
de beterraba.
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Obtenção e preparo das amostras
As folhas e os talos de beterraba foram obtidos na Central de Abastecimento do Estado de
Santa Catarina (CEASA-SC) localizada na cidade de Florianópolis/SC. As folhas e os talos
higienizados, branqueados e secos em estufa com circulação de ar (FABBE, 171, São Paulo, Brasil). A
temperatura da estufa foi ajustada em 45 ºC e o tempo de secagem foi de aproximadamente 20 horas.
Por fim, o material foi moído em moinho de facas (Marconi, MA-580, Piracicaba, Brasil), embaladas
em sacos de polietileno e armazenadas a -18 °C até a preparação do extrato.
2.2 Preparação do extrato aquoso das folhas e dos talos de beterraba
A preparação do extrato ocorreu por infusão das folhas, utilizando água como solvente, com
temperatura ajustada em 90 ºC em uma proporção amostra-solvente de 1:50 (m/m). Foram pesadas 30
g de folhas e suspensas em 1500 g de água destilada. A suspensão foi mantida sob agitação constante
durante 11 minutos. Ao fim do tempo de infusão o extrato foi filtrado em tela de nylon com tamanho
de poro de 125 µm.
2.3 Crioconcentração
A etapa de crioconcentração em blocos seguiu conforme a metodologia proposta por Aider e
Ounis (2012), com modificações. Este processo consiste no preparo de um volume inicial de 1,5 L de
extrato, que foi dividido em 15 recipientes plásticos de 100 mL e congelados a -20 ± 2 °C. Após o
congelamento total da solução, 50 % do volume inicial foi descongelado a temperatura ambiente
controlada (17 ± 2 °C). O líquido descongelado consistiu no concentrado da primeira etapa (C1), este
concentrado foi novamente dividido em recipientes de 100 mL e congelado durante 24 h, sendo então
utilizado como solução de alimentação para segunda etapa. Na segunda etapa de crioconcentração,
50% da solução congelada (C1) foi descongelada, recolhida e congelada novamente utilizando-a como
solução de alimentação para terceira etapa. O mesmo procedimento foi repetido para a terceira e
quarta etapa da crioconcentração. Foram retiradas amostras de 50 mL do concentrado e do gelo de
cada etapa, sendo armazenadas a temperatura de -20 ± 2 °C para posteriores análises.
2.4 Determinação do conteúdo de betalaínas As betalaínas são divididas em betacianinas e betaxantinas e a sua quantificação foi realizada
por espectrofotometria, medindo-se a quantidade de luz absorvida pelos compostos presentes na
amostra em dois comprimentos de onda pré-definidos: de 535 nm para betacianinas e em 484 nm para
betaxantinas, conforme o método de Nilsson, descrito por Stintzing e Carle (2007). As amostras foram
diluídas em solução tampão McIlvaine para obter-se uma absorbância entre 0,8 e 1,0. Posteriormente,
realizou-se a leitura da absorbância em espectrofotômetro (UV-Vis mini-1241) nos comprimentos de
onda descritos anteriormente. Após análise espectrofotométrica, a concentração de betacianinas e
betaxantinas foi calculada. As análises foram realizadas em duplicata e os resultados foram expressos
em miligrama por litro (mg. L-1
).
2.5 Determinação do conteúdo de fenólicos totais (CFT) O conteúdo de fenólicos totais (CFT) foi determinado através do método Folin-Ciocalteu
descrito por Singleton e Rossi (1965). O método consistiu na reação de 100 µL das amostras, com o
reagem de cor Folin-Ciocalteu e carbonato de sódio 20%. A solução permaneceu em repouso por 2
horas em temperatura ambiente (25 ºC). Após o período de reação, realizou-se a leitura da absorbância
a 765 nm em espectrofotômetro (UV-Vis mini-1241), utilizando água destilada como branco. Os
valores de absorbância encontrados para o extrato foram relacionados com a curva analítica padrão.
As análises foram realizadas em duplicata e os resultados foram expressos em miligrama equivalente
de ácido gálico por mililitro (mgGAE. mL-1
).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO O teor de compostos fenólicos totais dos concentrados e da fração de gelo estão apresentados
na Figura 1 para o extrato aquoso de folhas e talos de beterraba. A crioconcentração promoveu um
incremento no teor de compostos fenólicos em todos os concentrados das etapas de crioconcentração
quando comparado ao extrato inicial. Em relação à concentração destes compostos nas frações de gelo,
é possível observar que em todas as etapas, a concentração de compostos fenólicos ficou abaixo do
teor visualizado no extrato in natura.
Figura 1 - Teor de compostos fenólicos totais para os fluidos concentrados e gelos em função das
etapas da crioconcentração do extrato aquoso de folhas e talos de beterraba.
Em relação ao valor do teor de compostos fenólicos totais, obteve-se uma concentração de
aproximadamente 4,5 vezes para os concentrados e de 1,2 vezes para o gelo. Este incremento
visualizado nas frações de gelo pode ser justificada pelo fato que os sólidos tendem a ficar retidos nas
frações de gelo com o avanço das etapas do processo (Aider & Ounis, 2012). Esta retenção de
compostos fenólicos no gelo ocorre devido a formação de pontes de hidrogênio, resultando na ligação
destes compostos com um grande número de moléculas de água (Aider et al., 2007).
Para as folhas e talos de beterraba, dentro do grupo de compostos fenólicos totais, podemos
destacar as betalaínas como subgrupo majoritário. Segundo Fennema (2000), as betalaínas são
divididas em duas classes, as betacianinas que possuem coloração vermelha e as betaxantinas que
possuem coloração amarela. Na Figura 2 estão apresentados os teores de betacianinas e betaxantinas
ao longo das etapas do processo de crioconcentração.
Observa-se um incremento de aproximadamente 3 vezes para ambos os teores de betacianinas
e betaxantinas. Além disso, é possível observar que o teor de betacianinas é aproximadamente 2 vezes
superior ao teor de betaxantinas. Essa maior concentração de betacianinas é corroborada pela
coloração vermelha verificada nos extratos obtidos, sendo essa coloração vermelha intensificada ao
longo das etapas da crioconcentração indicando a concentração desses compostos.
De acordo com os resultados obtidos é possível afirmar que a crioconcentração é um processo
promissor para a produção de um produto de elevado poder nutricional através da manutenção dos
compostos termolábeis.
Figura 2 – Teor de betacianinas (a) e betaxantinas (b) ao longo das etapas do processo de
crioconcentração
4. CONCLUSÃO A crioconcentração se mostrou uma alternativa potencial para a concentração de extrato
aquoso de folhas e talos de beterraba e na manutenção de compostos termolábeis, especificamente, os
compostos fenólicos e as betalaínas.
O processo apresentou elevados valores de concentração alcançando valores de
aproximadamente 5 e 3 vezes o teor de compostos fenólicos totais e betalaínas com relação aos teores
encontrados no extrato antes do processo de crioconcentração, respectivamente.
5. AGRADECIMENTOS A CAPES, ao CNPq e a FAPESC pelas bolsas de pesquisa e pelo apoio financeiro.
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