conceito saúde

20
 para al ém da coleta, orga z ão e alise de grandes volumes de daclose índíca- do res quan titati vos acerca d siatus de saúde das populações. Si mul taneamen te, fi necessário investir n o dese nv ol vímento de abordagens qualitati vas, bem COlmo no de estratég ias par ticipativas e t itori.ali zadas, identificadas com valores rel acio- nados à qualidade devida, à saú d à soli dariedade, à equi dade, à democracia, ao desenvolvimento, à par ticipação e à arceria. Pai m, no texto Vigil ânci a da s au : tendências de reori enta ção do s modelos assistenciais para a promoção da sde' defende que a proposta de vi g;i.lància da saúde deve estar associada à reoríenta ão dos modelos a stenciaís vi gentes, Pa ra o autor, d a prevenção da doea à pro o ç ã o da saúde, a propost a deinter- veão denomina da vi incia d a saúd e apr es ta-s e como al ter na tiva tecnoâégíca para reorganiza ção da s prát ica s de s aú de Pai m ropõe combinar os meios técni- cos e científi cos ex istent es, articulando conhecíme tos e técni cas provenientes da epidemiologia, do planejamento das ciê ncias socíaí em saúde, de modo a ama r s obre pr o blemas que e xigem atenção contínua, te ndo c o base ações Intersetoaís n os te rri tórios . De acor do co m o autor, asaçõ e s progr áticas de saúde e aoferta organizada em es tabelecimen tos d e saúd e poderiam se a ticula r com as a ções de v igilância sa ni tári a, epídemi oíõgtca e de ass istência me ico-hosp ital ar. Bssas a çõ es setor iais seri a m ca paz es de se integrar à in tervenção s cia l organizada. à s p ol ít ic as públ icas intersetoriais ou transetoriais que configur o espaço da pro- moção da saúde. Como procuramos demonstrar, os te x tos d o presente livro a nta m. para: um vigor e uma diversidade teórica, no âmbito da saúde coletiv a bra sile a ; qu e . P  . . . I T I :  J - tem refletir de modo crític o sob re alg u ns do s principais conceitos que o na ba se dos di scurs os e das pr áticas d a prom oção da saúde. Os orga izadores ê Z f i R r :S J J IA  V  S . fRC\TAS c.v  V R I 0 M O e Á o D A SAU D 6  \ T (jiVDGN(i/ -lS . R l O D b J A A J 6 t P ..O l : DII() RA FI o e  ~ v z  2 0 0  5 . CO , I Je E l (os RE F U . ? · X O.t-.~ I I ] 4 1  U ma Jntro dução a o Con ceito de <:Promoção d a Saúd e P au lo ivuirchiori Bu ss D n t roau ç ã o .. o conceito mod e rno depromoção dasaúde , ass im como suaprá tic a, surge ese desenv olve de forma m a is vigorosa nos últimos 20 anos, nos países em desenvolvimento, partic ularmente no Can ad á, nos Estados Unidose nos países da Europa Oc ide nt al . Trê s impo rt antes co nf er ênci as internacionai s sobre o tema, realizadas entre 1986e 1991,em Ottawa ( 19 86) , Adelai de (1988)e Sundsval (1991) , es ta belecera m as ba ses conceituai s e po t i cas co ntempor â neas da promoç ão da saúde. As conferências seguinte s re al iz ar am-se em [akarta , e m 19 97 ,  e no Méx i co, no ano 200 0. N a Amér i a Latina , realizou-se, e m 1992 , a Conf er ência Internacional de P romoção da Saúd e (Bras il , 2002) . Ex aminaremos , neste ar t igo, a cont ribu ão de ss as c onfe rência s pa ra o de se nv olvimento do conce i to de promoção da saúde . A o analis a r o discu rso v igente no c ampo da prom o ção da saúde,co nstata-se que partindo de uma concepçã oa mpla do pr oces so sa úde-doença e ,de. seus determi nantes, a promãoda sa úde propõe a arti cu laç ão desab eres tecrucose popular es e a mob ilizaçãode recur sosinst itucionais e comunitários, públicos e pri- vados pa raseu e nfrenta mentoe re solução. (Bu ss,2000a:165) Par a além das motivações ideológ i cas e pol í ticas dos seus principais formuladores, presentes n a s refe r idas co nf er ênci as, apromoção da sa ú de s urg e, certamente, como reação à acentuada medicalizaç ão da s aúde na sociedade e no interior do sistema de saúde, como se verá adiante. Embora o termo t enha si do ini cia lmente u s ado p ara caracterizar um 'nível de atenção da medicina prevent iva (Le avell  Clark, 1965),seu signifi cado foi mud ando ao longo do tempo, como s e verá , passando a re presentar, mais recent emente, um 'enfoque' político e técnico em tomo do pr ocesso saúde-doença-cuidado. 1 5

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Page 1: Conceito Saúde

5/11/2018 Conceito Sa de - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/conceito-saude-55a0c854e3e8b 1/20

para além da coleta, orga zação e análise de grandes volumes de daclose índíca-

dores quantitativos acerca d siatus de saúde das populações. Simultaneamente, fi

necessário investir no desenvol vímento de abordagens qualitativas, bem COlmo no

de estratégias participativas e t itori.alizadas, identificadas com valores relacio-

nados à qualidade de vida, à saúd à solidariedade, à equidade, à democracia, ao

desenvolvimento, à participação e à arceria.Paim, no texto "Vigilância da sau : tendências de reorientação dos modelos

assistenciais para a promoção da saúde' defende que a proposta de vig;i.lància

da saúde deve estar associada à reoríenta ão dos modelos assístenciaís vigentes,

Para o autor, da prevenção da doença à pro oção da saúde, a proposta de inter-

venção denominada vigilância da saúde apres ta-se como alternativa tecnoâégícapara reorganização das práticas de saúde. Paim ropõe combinar os meios técni-

cos e científicos existentes, articulando conhecíme tos e técnicas provenientes da

epidemiologia, do planejamento € das ciências socíaí em saúde, de modo a amar

sobre problemas que exigem atenção contínua, tendo c obase ações Intersetoríaís

nos territórios. De acordo com o autor, as ações progr áticas de saúde e a oferta

organizada em estabelecimentos de saúde poderiam se a ticular com as ações de

vigilância sanitária, epídemioíõgtca e de assistência me ico-hosp italar. Bssas

ações setoriais seriam capazes de se integrar à intervenção s cial organizada. € às

políticas públicas intersetoriais ou transetoriais que configur o espaço da pro-moção da saúde.

Como procuramos demonstrar, os textos do presente livro a ntam. para: um

vigor e uma diversidade teórica, no âmbito da saúde coletiva brasile a; que .P " ' . . . I T I : 'J -

tem refletir de modo crítico sobre alguns dos principais conceitos que tão na base

dos discursos e das práticas da promoção da saúde.

Os orga izadores

êZ fiR r:S JJ IA I V . S . fRC\TAS c.vI

/

V R I 0 M O e Á o DA SAUD6/\1

T(jiVDGN(i/-lS .

RlO Db JA A J6 tP ..O l: DII()RA FI oe(~vz I200'5 .

CO ,IJeE l (os RE FU .?" ·X O.t-.~I

I

]4

1'Uma Jntrodução ao Conceito de

<:Promoçãoda Saúde

P au lo ivuirchiori Bu ss

Dntroaução ..

o conceito moderno de promoção da saúde, assim como sua prática, surge ese

desenvolve de forma mais vigorosa nos últimos 20 anos, nos países em

desenvolvimento, particularmente no Canadá, nos Estados Unidos e nos países daEuropa Ocidental. Três importantes conferências internacionais sobre o tema,

realizadas entre 1986e 1991,em Ottawa (1986), Adelaide (1988)e Sundsval (1991),

estabeleceram as bases conceituais e políticas contemporâneas da promoção dasaúde. As conferências seguintes realizaram-se em [akarta, em 1997, 'e no México,

no ano 2000.Na América Latina, realizou-se, em 1992, a Conferência Internacional

de Promoção da Saúde (Brasil, 2002). Examinaremos, neste artigo, a contribuição

dessas conferências para o desenvolvimento do conceito de promoção da saúde.

Ao analisar o discurso vigente no campo da promoção da saúde, constata-se que

partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e ,de. seusdeterminantes, a promoçãoda saúde propõe a articulação de saberes tecrucosepopulares e a mobilizaçãoderecursosinstitucionais e comunitários,públicose pri-

vados para seu enfrentamentoe resolução. (Buss,2000a:165)Para além das motivações ideológicas e políticas dos seus principais

formuladores, presentes nas referidas conferências, a promoção da saúde surge,

certamente, como reação à acentuada medicalização da saúde na sociedade e no

interior do sistema de saúde, como se verá adiante.

Embora o termo tenha sido inicialmente usado para caracterizar um 'nível de

atenção" da medicina preventiva (Leavell&Clark, 1965),seu significado foimudando

ao longo do tempo, como se verá, passando a representar, mais recentemente, um

'enfoque' político e técnico em tomo do processo saúde-doença-cuidado.

15

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<:P romoção de .5ariJe

Hoje em dia, decorridos mais de quinze anosda divulgação da Carta de Ottawa,

em 1986 (Brasil, 2002), um dos documentos fundadores do movimento atual da

promoção da saúde, este termo está associado inicialmentea um 'conjunto devalores':

vida, saúde, solidariedade, eqüidade, democracia, cidadania, desenvolvimento,

participação e parceria, entre outros. Refere-se também a uma 'combinação de

estratégias': ações do Estado (políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço

da ação comunitária), de indivíduos (desenvolvimentode habilidades pessoais), dosistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias intersetoriais; isto

é, trabalha com a idéia de 'responsabilízação múltipla', seja pelos problemas, seja

pelas soluções propostas para os mesmos.

Observa-se ainda que, em urn mundo globalizado, a promoção da saúde apre-

senta um forte 'componente intemacionalista', presente emtodos os seus documen-

tos.de natureza mais política (as cartas e declarações das conferências, por exem-

plo), seja no entendimento dos problemas, sejanas propostas de intervenção. Outra

característica a destacar refere-se ao entendimento dos problemas e às respostas

aos mesmos: a problemas com multideterminações são propostas respostas com

múltiplas estratégias, medidas e atores. Apesar disso, o discurso prevalente no

campo da promoção da saúde procura caracterizá-Iapela 'integralidade', seja no

entendimento dos problemas no processo saúde-doença-cuidado, seja nas respos-tas propostas aos mesmos.

A grande valorização do 'conhecimento popular' e da participação social con-

seqüente a este conhecimento está na base da formulação conceitual da promoção

da saúde. Também encontramos uma proposta de articulação com outros

movimentos sociais, com os quais têm em comum algumas das característicasreferidas, corno o movírner...to ecológico/ ambientalista e o movimento feminista.

De fato, observa-se grande coincidência entre os conceitos de promoção da

saúde com o de desenvolvimento humano sustentável, Agenda 21, direito à cidade

e àmoradia e outros, como o cooperativismo. Emtodos eles trabalha-se com 'fatores

determinantes internos e externos' aos respectivos campos a que centralmente se

referem (desenvolvimento, ambiente, saúde, aglomerações humanas e produção

coletiva de bens e serviços), o que evoca a 'ação íntersetorial' para o enfrentamentodos problemas identificados. O protagonismo social e político da mulher nas ações

de promoção da saúde, presente na maioria das declarações e documentos

contemporâneos referentes ao terna, aproximam, em definitivo, este campo com omovimento feminista.

A saúde é mencionada como fator essencialpara o desenvolvimento humano;

um dos campos de ação proposto no contexto dapromoção da saúde é a criaçãode

ambientes favoráveis. O desenvolvimento sustentável coloca o ser humano como

agente central do processo de defesa ao meio ambiente, e tem, no aumento daexpectativa de vida saudável e com qualidade, um de seus principais objetivos; a

governance implica ampla participação da comunidade na definição de questões

16

11

'lim a :J nlr .odução ao Conce i lo de <:P romoção c l .a Saúde

culturais da:vida coletiva. Em todos esses conceitos, preconiza-se a importância da

'eqüidade', seja na distribuição da renda, seja no acesso aos bens e serviços

produzidos pela sociedade.

t. 9 lni eceae ntes

..~

Sigerist (1946)foi um dos primeiros autores a fazer referência ao termo promo-

ção da saúde quando definiu as quatro tarefas essenciais da medicina: a promoção

da saúde, a prevenção das doenças, a recuperação dos enfermos e a reabilitação.

Ele afirmou que "a saúde se promove proporcionando condições de vida decen-

tes, boas condições de trabalho, educação, cultura física e formas de lazer e des-

canso" (1946: 19), para o que pediu o esforço coordenado de políticos, setores

sindicais e empresariais, educadores e médicos. A estes, como especialistas em

saúde, caberia definir normas e fixar standars.

Antes, Winslow (1920:23) definiu a saúde pública como

aciênciae aarte de evitardoenças, prolongara vida edesenvolverasaúdefísica,mental e a eficiência,através de esforçosorganizados da comunidade para osaneamento do meio ambiente, o controle das infecções na comunidade, aorganizaçãodos serviçosmédicose paramé~icospara o dia~ó~tico p:ecoce : ~tratamentopreventivode doenças, eo aperfeiçoamento damaqUInasocialquetraasseguraracadaindivíduo, dentro da comunidade,umpadrão devidaadequadoà manutençãoda saúde.

O mesmo autor, complementando seus conceitos, afirma que (1920:23)

a promoçãoda saúde é um esforço da comunidade organizada para alcançarpolíticas que melhorem as condições de saúde da populaçãoe os programaseducativospara que o indivíduo melhoresua saúde pessoal,assimcom~p~ra odesenvolvimentode uma 'maquinaria social' que assegurea todos os ruveisdevidaadequadospara amanutenção e omelhoramentoda saúde.

Na realidade, já era reconhecido, há muito tempo, que asmelhorias na nutrição

e no saneamento (aspectos relativos ao meio ambiente) e as modificações nas

condutas da reprodução humana, sobretudo a diminuição no número de filhos por

família, foram os fatores responsáveis pela redução da mortalidade na Inglaterra e

no País de Galesno século XIXe na primeira metade do século XX.As intervenções

médicas eficazes, como as imunizações e a antibioticoterapia, tiveram influência

tardia e de menor importância relativa (McKeown;Record & Turner, 1974),

Leavéll & Clark (1965) utilizam o conceito de promoção da saúde ao

desenvolverem omodelo da história natural da doença, que comportaria três 'níveis

de prevenção' (Quadro 1). Dentro desses três níveis de prevenção, existiriam pelo

menos cinco componentes distintos, nos quais se poderiam aplicar medidas

preventivas, dependendo do grau de conhecimento da história natural.

17

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:Promoção da 0míde

Quadro 1- Níveisde aplicação de medidas preventivas na história natural da doença

Limitaçãoda

invalidez

Reabilitaçãoromoção

da saúde

Proteção

específica

Diagnóstico e tratamento

precoce

Prevenção secundária..---:-::-:--.::~rclana ) ....

Prevençãorevenção primária

Fonte: Leavell & Clark (1965).

,,!

A prevenção primária, a ser desenvolvida no período de pré-patogênese, cons-

taria de medidas destinadas a desenvolver uma saúde geral ótima pela proteção

específica do homem contra agentes patológicos ou pelo estabelecimento de bar-

reiras contra os agentes do meio ambiente. Como parte deste primeiro rúvel de

prevenção, as medidas adotadas para a promoção da saúde não se dirigem à

determinada doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o bem-

estar gerais. Os autores destacam a educação e a motivação sanitárias como ele-

mentos importantes para este objetivo e afirmamque os procedimentos para a pro-

moção da saúde incluem um bom padrão de nutrição, ajustado às várias .fasesdo

desenvolvimento humano; o atendimento das necessidades para o desenvolvimen-

to ótimo da personalidade, incluindo o aconselhamento e educação adequados dos

pais em atividades individuais ou de grupos; educação sexual e aconselhamento

pré-nupcial; moradia adequada; recreaçãoe condiçõesagradáveis no lar e no trabalho.

A orientação sanitária nos exames de saúde periódicos e o aconselhamento para a

saúde em qualquer oportunidade de contatoentre omédico e o paciente, com extensão

ao resto da família, estão entre os componentes da promoção. Trata-se, portanto, de

um enfoque centrado no indivíduo, comuma projeção para a família ou grupos,

dentro de certos limites.

Todavia, verificou-se que a extensão dos conceitos de Leavell e Clark é

inapropriada para o caso das doenças crônicas não-transmíssíveis. De fato, com a

segunda revolução epiderniológica (Terris, 1996), o movimento da prevenção das

doenças crônicas, a promoção da saú de passou a associar-se a medidas preventivas,

sobre o ambiente físico e sobre os estilos de vida, não mais voltadas exclusivamentepara indivíduos e famílias.

As diversas conceítuações disponíveis para a promoção da saúde podem ser

reunidas em dois grandes grupos (Sutherland& Fulton, 1992).No primeiro deles, a

promoção da saúde consiste nas atividades dirigidas à transformação dos

comportamentos dos indivíduos, focando nos seus estilos.de vida e localizando-os

no seio das famílias e, no máximo, no ambiente das 'culturas' da comunidade em

que se encontram. Neste caso, os programas ou atividades de promoção da saúde

tendem a se concentrar em componentes educativos primariamente relacionados

com riscos comportamentais carnbiáveis, que se encontrariam, pelo menos em parte,

i,

i

18

.~

I"', ',

'Uma. :Jn:lrodução ao Coru:eilo de :Promoção .da Saú.de

sob O controle dos próprios indivíduos. Por exemplo, o aleitamento materno, o hábi-

to de fumar, a dieta, as atividades físicas, a direção perigosa no trânsito etc. Nesta

abordagem, fugiriam do âmbito da promoção da saúde todos os fatores que estives-

sem fora do controle dos indivíduos. O que, entretanto, vem caracterizara promo-

ção da saúde, moderna mente, é a constatação do papel protagonizante dos

determinantes gerais sobre as condições de saúde: a saúde é produto de um amplo

espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrãoadequado de alimentação e nutrição, de habitação e saneamento, boas condições de

trabalho, oportunidades de educação ao longo de toda a vida, ambiente físicolimpo,

apoio social para famílias e indivíduos, estilo de vida responsável e um espectro

adequado de cuidados de saúde. Suas atividades estariam, então, mais voltadas ao

coletivo de indivíduos e ao ambiente, compreendido, num sentido amplo, por meio

de políticas públicas e de ambientes favoráveis ao desenvolvimento da saúde e do

reforço da capacidade dos indivíduos e das comunidades (empowerment).

A Carta deOttawa define promoção da saúde como "o processo de capacitação

da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo

uma maior participação no controle deste processo" (Brasil, 2002:19), inserindo-se,

dessa forma, no grupo de conceitos mais amplos, reforçando a responsabilidade e

os direitos dos indivíduos e da comunidade pela sua própria saúde. Ela estabelece,assim, que as condições e os recursos fundamentais para a saúde são: paz, habita-

ção, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, jus-

tiça social e eqilidade, afirmando que o incremento nas condições de saúde requer

uma base sólida nestes pré-requisitos básicos.

Destacando, na promoção da saúde, seus papéis de defesa da causa da saúde,

adoocacf, de capacitação individual e social para a saúde e de mediação entre os

diversos setores envolvidos, a Carta de Ottawa preconiza também cinco campos de

ação para a promoção da saúde:

elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis;

criação de ambientes favoráveis à saúde;

reforço da ação comunitária;

desenvolvimento de habílídades pessoais;

reorientação do sistema de saúde.

Para Gutierrez (1997: 117),

promoção da saúde é o conjuntode atividades, processose recursos,de ordeminstitucional, governamental ou da cidadania, orientados a propiciar omelhoramentode condições debem-estar e acessoa bens e serviçossociais,quefavoreçam o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e comportamentosfavoráveisaocuidado dasaúde eo desenvolvimentode estratégiasquepermitamà populaçãoummaior controlesobresua saúde e suas 'condiçõesde vida,a nívelindividualecoletivo.

19

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'Y rom.oç ão da cSa lÚ le

Na realidade, o conceito de promoção da saúde vem sendo elaborado por

diferentes atores técnicos e sociais, em diferentes conjunturas e formações sociais,

ao longo dos últimos 20 anos. Inúmeros eventos internacionais, publicações de

cará ter mais conceitual e resultados de pesquisa têm contribuído para

aproximações a conceitos e práticas mais precisas nesta área. Encontra-se, a seguir.

uma breve, e certamente incompleta, cronologia do desenvolvimento do campo da

promoção da saúde.

Quadro 2 - Promoção da saúde: uma breve cronologia

1974

1976

1977

1978

1979

1980

1984

1985

1986

1986

1986

1987

1988

1988

1989

1990

1991

I1992

'I

20

- Informe Lalonde: uma nova perspectiva sobre a saúde dos canadenses/ ANew Perspectioe on the Health of Canadians

Prevenção e Saúde: interesse para todos, DHSS (Grã-Bretanha)

Saúde para todos no ano 2000 - 30' Assembléia Mundial de Saúde

Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde - Declaraçãode Alma Ata

População Saudável/Healthy People: the surgeon general'» report onhealth promotion and disease preueniion, US-DHEW (EUA)

Relatório negro sobre as desigualdades em saúde/ Black report 011

inequities in healih, DHSS (Grã-Bretanha)

Toronto Saudável 2000 - Campanha lançada no Canadá

- Escritório Europeu da Organização Mundial da Saúde; 38 metas para a

saúde na região européia

- Alcançando Saúde para Todos: um marco de referência para a promoção

da saúde/ Achieoing Healilt for AlI: a framework for healili promoiion -Informe do Ministério da Saúde do Canadá, Min. Jack Epp

Carta de Ottawa sobre promoção da saúde - I Conferência Internacional

sobre Promoção da Saúde (Canadá)

- Promoção da Saúde: estratégias para a ação - 77" - Conferência Anual da

Associação Canadense de Saúde Pública

- Lançamento pela OMS do Projeto Cidades Saudáveis

- Declaração de Adelaide sobre Políticas Públicas Saudáveis - II ConferênciaInternacional sobre Promoção da Saúde (Austrália)

- De Alma-Ata ao ano 2000: reflexões no meio do caminho - Reunião

Internacional promovida pela OMSem Riga (URSS)

- Uma Chamada para a Ação /A Callfor Aciion - Documento da OMS sobre

promoção da saúde em países emdesenvolvimento

- Cúpula Mundial das Nações Unidas sobre a Criança (Nova Iorque)

Declaração de Sundsval sobre Ambientes Favoráveis à Saúde - IU

Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Suécia)

- Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (Rio92)

. .~' f . !

. i :. :

'U ma. J fltrodução '10 CO /lceito de ry romoção·da Saúd e

Quadro 2 - Promoção da saúde: uma breve cronologia (continuação)

1992 - Declaração de Santafé de Bogotá - Conferência Internacional sobre

Promoção da Saúde na Região das Américas (Colômbia)

- Carta do Caribe para a promoção da saúde - I Conferência de Promoção

da Saúde do Caribe (Trínidad y Tobago)

- Conferência das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos (Viena)

- Conferência das Nações Unidas sobre População eDesenvolvimento (Cairo)

- Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher (Pequim)

- Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Social

(Copenhague)

- Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat lI)

(Istambul)

Cúpula Mundial das Nações Unidas sobre Alimentação (Roma)

- Declaração de Jakarta sobre promoção da saúde no século XXIem diante -

IV Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Jakarta)

V Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (México)

1993

1993

1994

1995

1995

1996

1996

1997

2000

Fonte: quadro elaborado pelo autor.

Nos países do primeiro mundo, os sistemas de saúde começam, na metade dos

anos 70 , a serem fortemente questionados, tendo como pano de fundo novas

concepções do processo saúde-enfermidade-culdado, que procuram articular qua-

tro dimensões explicativas: biologia humana, estilos de vida, ambiente e serviços de

saúde (modelos de Blum, 1979; Dever, 1980; Lalonde, 1996).

Como os sistemas de saúde estão submetidos permanentemente a forças expan-

sivas (à medicalízação, ao desenvolvimento tecnológico, à transição demográfica e à

mudança do perfil nosolõgíco), reage-se com mecanismos de regulação, como o uso

racional de recursos humanos e físicos, o controle financeiro e a ética profissional.

Malgrado a utilização de mecanismos de regulação cada vez mais custosos e sofisti-

cados, os sistemas continuam ineficientes, ineficazes, ineqüitativos e com pouco apoio

da opinião pública. Surgem, então, novas concepções do processo saúde-enfermida-

de-cuidado, mais globalízantes, que articulam saúde e condições. de vida.

A partir desta reconceítualízação, o moderno movimento de promoção da 5 < l J J -

de surge no Canadá em maio de 1974, com a divulgação do documento liA new

perspective on the health of canadíans", também conhecido como Informe Lalonde(1996), então Ministro da Saúde do Canadá. Segundo Draper (1995), em texto

preparado para a Canadian Public Health Association (CPHA), foi o primeiro

documento oficial a usar o termo 'promoção da saúde' e a colocar este campo no

contexto do pensamento estratégico; além disso, para o mesmo autor, o referido

documento oferecia uma nova fórmula para definir prioridades e um marco de

referência para o planejamento estratégico.

21

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'YrofTtoção da . Saúde

A origem deste documento remonta às atividades de educação em saúde desen-

volvidas pelo Governo Federal do Canadá em décadas anteriores, mas o Informe

Lalon de representou, ainda segundo Draper (1995: 12), "uma importante

reorientação, por ter apresentado um marco de referência novo e amplo para as

políticas de saúde, ter oferecido o reconhecimento político a novas idéias e ter

estabelecido um primeiro passo na definição de um novo paradigma em saúde".

A motivação central do Informe L alonde parece ter sido política, técnica e econô-

mica, pois visava a enfrentar os custos crescentes da assistência médica ao mesmo

tempo em que se apoiava no questionamento da abordagem exclusivamente médi-

ca para as doenças crônicas devido aos resultados pouco significativos que aquela

avresentava.

Os fundamentos do Informe Lalonde se encontravam no conceito de 'campo da

saúde', que reúne os chamados 'de terminantes da saúde'. Este conceito contempla

a decomposição do campo da saúde em quatro amplos componentes - biologia

humana, ambiente, estilo de vida e organização da assistência a saúde - dentro dos

quaís distribuem-se ínümeros fatores que influenciam a saúde. Ademais, Cada uma

dessas categorias pode ser analisada em profundidade para determinar sua Impor-tância relativa como causa dos problemas de saúde. Os componentes do campo da

saúde aparecem assim descritos no informe (Lalonde, 1996):

O componente de 'biologia humana' inclui todos os fatos relacionados à saúde,

tanto física como mental, que se manifestam no organismo como conseqüência da

biologia fundamental do ser humano e da constituição orgânica do indivíduo. Inclui

a herança genética da pessoa, os processos de amadurecimento e envelhecimento e

os diferentes órgãos e aparelhos internos do organismo.

O 'ambiente' inclui todos os fatores relacionados à saúde externos ao organis-

mo humano e sobre os quais a pessoa tem pouco ou nenhum controle. Os indiví-

duos, por si sós, não podem garantir a inocuidade nem a pureza dos alimentos,

cosméticos, dispositivos ou do abastecimento de água, por exemplo; tampouco

está em suas mãos o controle dos perigos para a saúde, como a contaminação do

ar e da água, os ruídos ambientais e a disseminação de doenças transmíssfveis,

Ademais, individualmente, não se consegue garantir a eliminação adequada dosdejetos, nem que o meio social e suas rápidas transformações venham a produzir

efeitos nocivos sobre a saúde.

O componente 'estilo de vida' representa o conjunto de decisões que toma o indiví-

duo com relação à sua saúde e sobre os quais exerce apenas certo grau de controle.

A quarta categoria do conceito, a 'organização da assistência a saúde', consiste

'ria quantidade, qualidade, ordem, índole e relações entre as pessoas e os recursos

na prestação da atenção à saúde. Define-se, genericamente, como sistema de saúde.

22

'lima .Jntrodução ao Coru:ei.io ele CYromoção tia, Saútie

o documento de Lalonde (1996: 4) conclui que

até agora, quase todos os esforços da sociedade envidados pa.ra a melhoria dasaúde e a maior parte dos gastos diretos em matéria de saúde, concentraram-se naorganização da assistência médica. No entanto, quando se identificam as princi-

pais causas de morbi-mortalídade no Canadá, chega-se a conclusão que sua ori-gem está nos outros três componentes do conceito, ou seja, a biologia humana, o

meio ambiente e o estilo de vida.

Cinco estratégias foram propostas para abordar os problemas do campo da

saúde: promoção da saúde, regulação, eficiência da assistência médica, pesquisa e

fixação de objetivos. A estratégia da promoção da saúde foi então estabelecida para

"informar, influenciar e assistir a indivíduos e organizações para que assumam

maiores responsabilidades e sejam mais ativos em matéria de saúde" (1996: 5).

Entretanto, o documento não conferiu nenhuma ênfase particular à promoção da

saúde, simplesmente oferecendo-a como urna das cinco estratégias.

Cerca de 74 iniciativas foram propostas para implementar as cinco estratégias,

As 23 medidas componentes da estratégia de promoção da saúde estavam

relacionadas exclusivamente a fatores Específicos do estilo de vida, como a dieta, otabaco, o álcool, as drogas e a conduta sexual. As medidas propostas abarcam

programas educatívos dirigidos tanto aos indivíduos quanto às organizações e àpromoção de recursos adicionais para o lazer.

Draper (1995: 14) conclui que

o Informe L al onde ofereceu uma nova abordagem para aanálise da política desaúde, mas não se constituiu em política governamental, uma vez que evitou

estabelecer aspectos jur ídicos e financeiros, tendo recebido maior atençãointernacional do que doméstica. (....). Em suma, a influência deste documento foi

abrir as portas para um novo debate e reconhecer politicamente a necessidade deinovações, pois muitos programas de promoção da saúde em desenvolvimentohoje, no Canadá, tem suas origens no Informe L a londe.

O evento mais significativo, no Canadá, que se seguiu a divulgação do Informe

uüon de, foi o estabelecimento, em 1978, de uma Diretoria de Promoção da Saúde 110

Ministério da Saúde, embora definições claras sobre suas ações, para além daquelasrelacionadas com a ênfase nos estilos de vida, só tenham vindo anos mais tarde.

Estas tiveram base em projetos experimentais, que utilizaram abordagens inovadoras

de ação comunitária relacionadas a um amplo leque de problemas e desenvolvidas

em diversos locais do país.

Em 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMS) convocou, em colaboração

com o United Nations Children's Fund (Unícef), a I Conferência Internacional sobre

Cuidados Primários de Saúde, que se realizou em Alma-Ata. Há amplo consenso de

que este foi um dos eventos mais significativos para a saúde pública, em termos

mundiais, ocorrido na segunda metade do século XX, pelo alcance que teve em

quase todos os sistemas de saúde do mundo.

23

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:Promoção da Saúde

A conferência trouxe um novo enfoque para o campo da saúde, colocando a

meta de 'Saúde para Todos no Ano 2000' e recomendando a adoção de umconjunto

de oito 'elementos essenciais': educação dirigida aos problemas de saúde prevalentes

e métodos para sua prevenção e controle; promoção do suprimento de alimentos e

nutrição adequada; abastecimento de água e saneamento básico apropriados;

atenção materno-infantil, incluindo o planejamento familiar; imunização contra as

.principais doenças infecciosas; prevenção e controle de doenças endêmicas:tratamento apropriado de doenças comuns e acidentes; e distribuição de

medicamentos básicos (WHO/Unicef, 1978).

Desde 1980,oMinistério da Saúde do Canadá e o Escritório da OMSna Europa

passaram a desenvolver uma produtiva cooperaçãono desenvolvimento de conceitos

e práticas em promoção da saúde, que culminou com a I Conferência Internacional

sobre Promoção da Saúde, realizada em novembro de 1986, Ottawa/Canadá, sobos auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Canadian Public Health

Association (CPHA) e do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá.

Também foi extremamente importante o processo de discussão em torno da

promoção da saúde para além da educação em saúde, desenvolvido no Escritório

da OMS para a Europa, resultando na publicação de documentos e conferências

(WHO/Europe, 1984; Kickbusch, 1996) que tiveram ampla divulgação e grandeinfluência nos resultados da referida conferência.

O então Ministro da Saúde do Canadá, Jack Epp, preparou e apresentou àI Conferência Internacional sobre Promoçãoda Saúde o documento UAchievinghealth

for ali: a framework for health promotíon" (Epp, 1996),no qual propunha um marco

de referência para a promoção da saúde queguardasse estreita relação comasposições

da Carta de Ottawa, mas avançasse em relação a mesma. O documento afirmava: "0

atual sistema de saúde do Canadá não serve para enfrentar corretamente nossos

principais problemas de saúde (...) devemos optar pelo enfoque que denominamos

promoção da saúde". O documento apresentava três desafios para alcançar 'saúde

para todos': reduzir as desigualdades; incrementar oesforço preventivo e incrementar

a capacidade das pessoas no erifrentamento dos problemas de saúde.

Com base na experiência acumulada nos dez anos precedentes, o documentoapresentava um conjunto de mecanismos de promoção da saúde e uma série de

estratégias de execução para o enfrentamento dos desafios apontados. Os três

mecanismos eram:

o autocuidado, ou seja, decisões e a ções que o indivíduo toma embenefício

de sua própria saúde;

ajuda mútua, ou seja, ações que aspessoas realizam para ajudarem-se umasàs outras;

ambientes saudáveis, ou seja, a criação das condições e entornos que favo-

reçam à saúde.

24

'Uma Jntrodução ao Con.cei.tode <:Promoçãoda 0aúde

As três estratégias eram:

favorecer a participação da população;

fortalecer os serviços de saúde comunitários;'

coordenar políticas públicas saudáveis.

J7ls Contribuições das Conferências Jnternacionais para o\Desenvolvimento Conceitual da :Promoção da Saúde

A maioria dos autores reconhece o papel central que desempenharam as

conferências internacionais no desenvolvimento do conceito de promoção da saúde.

Nesta seção do artigo, procuramos identificar as principais conclusões e proposições

das cincoconferências realizadas no âmbito da promoção da saúde e as agregações

que foram trazendo as bases estabelecidas na Ia Conferência, realizada em Ottawa!

Canadá em 1986.

~IConferência Ontemacional sobre :Promoçãoda :Paúde e aCarta d e . Ottawa,

Contando com a participação de pessoal interessado em promoção da saúde de

trinta e oito países, principalmente do mundo industrializado, a I Conferência

Internacional sobre Promoção da Saúde teve como principal produto a Carta de

Ottawa (Brasil, 2002), que tornou-se, desde então, um termo de referência básico e

fundamental no desenvolvimento das idéias de promoção dasaúde em todo omundo.

A Carta de Ottawa define promoção da saúde como "o processo de capacitação

da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde,

incluindo uma maior participação no controle deste processo" (Brasil, 2002: 19).

Assume o conceito de saúde da OMS, e insiste, ainda, que "a saúde é o maior

recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como umaimportante dimensão da qualidade de vida" (2002: 20). Para álcanç á-la .

osindivíduos egruposdevemsaberidentificaraspirações,satisfazernecessidadesemodificarfavoravelmenteomeioambiente.Asaúde deveservistacomoumrecursopara a vida e não comoobjetivode viver. Neste sentido, a saúde é um conceitopositivo, que enlatiza os recursos sociais e pessoais, bem cornoascapacidadesfísicas.(Brasil,2002:19)

A Carta de Otawa assume ainda que a eqüidade em saúde é um dos focos da

promoção da saúde, cujas ações objetivam reduzir as diferenças 110 estado de saúde

lNo Brasil, equivaleriam a serviços públicos não-estatais.

25

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'J'romoção d a S a úd e

da população e no acesso a recursos diversos para uma vida mais saudável. O docu-

mento aponta para os determinantes múltiplos dasaúde e para a intersetorialidade ao

afirmar que" dado que oconceitode saúde comobemestar globaltranscende a idéia de

estilos de vida saudáveis, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusivado

setor saúde"; e completa, afirmando que "as condiçõese requisitos para a saúde são:

paz, educação, habitação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentá-

veís, justiça social C ; equidade" (Brasil, 2002: 20 ).

Defesa da ~, capacitação e mediação são, segundo a Carta de Ottawa, as

três 'estratégias fundamentais' da promoção da saúde.

A 'defesa da saúde' consiste em lutar para que os fatores políticos, econômicos,

sociais, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos, bem como os

mencionados pré-requísitos, sejam cada vez mais favoráveis à saúde.

A promoção da saúde visa a assegurar a igualdade de oportunidades e

'proporcionar os meios (capacitação)' que permitam a todas as pessoas realizar

completamente seu potencial de saúde. Osindivíduos e as comunidades devem ter

oportunidade de conhecer e controlar os fatores de terminantes da sua saúde.

Ambientes favoráveis, acesso à informação, habilidades para viver melhor, bem

como oportunidades para fazer escolhas mais saudáveis, estão entre os principais

elementos capacitantes.

Os pré-requisitos e perspectivas para a saúde não são assegurados somente por

este setor, o que demanda urna ação coordenada entre todas as partes envolvidas:

governo, setor saúde e outros setores sociaise econômicos, organizações voluntárias

e não-governamentais, autoridades locais, indústria e mídia. Os profissionais e

grupos sociais assim como o pessoal de saúde têma responsabilidade de 'mediação'

entre os diferentes interesses, em relação à saúde, existentes na sociedade.

A Carta de Ottawa propõe cinco campos centrais de ação:

elaboração e implementação de 'políticas públicas saudáveis';

criação de 'ambientes favoráveis à saúde';

reforço da 'ação comurutária':

desenvolvimento de 'habilidades pessoais';

'reorientação do sistema de saúde'.

As decisões em qualquer campo das políticas públicas, em todos os níveis de

governo, têm influências favoráveis ou desfavoráveis sobre a saúde da população.

Apromoção dasaúde propugna a formulação e implementação de 'políticas públicas

saudáveis', o que implica que a saúde tenha prioridade entre políticos e dirigentes

de todos os setores e em todos os níveis, com responsabilização pelas conseqüênci-

as das políticas sobre a saúde da população.

2 6

.j

, ,

' .

'Um a .Jntrodu.ção ao COIlCeitode 'J'romoção da Sa úde

As políticas públicas saudáveis se expressam por diversas abordagens com-

plementares, que incluem legislação, medidas fiscais, taxações e mudanças

organizacionais, entre outras, e por açõescoordenadas que apontam para a eqilidade

em saúde, distribuição mais eqüitativa da renda e políticas sociais. Este conceito

vem emoposição à orientação prévia à conferência, que identificava a promoção da

saúde primordialmente com a correção de comportamentos individuais, que seriam

os principais, senão os únicos, responsáveis pela saúde.

A 'criação de ambientes favoráveis à saúde' implica o reconhecimento da com-

plexidade das nossas sociedades e das relações de interdependência entre

diversos setores. Aproteção domeio ambiente e a conservação dos recursos naturais,

o acompanhamento sistemático do impacto que as mudanças no meio ambiente

produzem sobre a saúde, bem como a conquista de ambientes que facilitem e

favoreçam à saúde, como o trabalho, o lazer, o lar, a escola e a própria cidade,

passam a compor centralmente a agenda da saúde.

O incremento do 'poder das comunidades' na fixação de prioridades, na tomada

de decisões e na definição e implementação de estratégias para alcançar ummelhor

nível de saúde é essencial nas iniciativas de promoção da saúde. A Carta deOttawa

enfatiza que as ações comunitárias serão efetivas se for garantida a participação

popular na direção dos assuntos de saúde, bem como o acesso total e contínuo àinformação e às oportunidades de aprendizagem nesta área - é o conceito de

empouiermeni comunitário, ou seja, a aquisição de poder técnico e consciência

política para atuar em prol de sua saúde.

O 'desenvolvimento de habilidades e atitudes pessoais' favoráveis à saúde em

todas as etapas da vida encontra-se entre os campos de ação da promoção da saúde.

Paraisto é imprescindível a divulgaçãode informações sobrea educaçãopara a saúde,

oquedeve ocorrerno lar,na escola,no trabalhoe emqualquer espaçocoletivo.Diversas

organizações devem se responsabilizar por tais ações. Este componente da Carta de

Ottawaresgata a dimensão da educaçãoemsaúde, embora aqui também avancecom a

idéia de empotoermeni, agora no plano individual, ou seja, o processo de capacitação

(aquisiçãode conhecimentos) e de consciênciapolítica propriamente dita.

A 'reoríentação dos serviços de saúde' na direção da concepção da promoçãoda saúde, além do provimento de serviços assístencíaís, está 'entre as medidas

preconizadas na Carta de Ottawa. A carta preconiza também uma visão abrangente

e íntersetorial, ao recomendar a abertura de canais entre o setor saúde e os setores

sociais,políticos, econômicos e arnbíentais.Apercepção de que taismudanças devem

ser acompanhadas na formação dos profissionais de saúde também está presente

na declaração resultante da conferência.

Desde sua divulgação, a Carta deOttawa tem sido o principal marco de referên-

ciada promoção da saúde em todo o mundo, como reconheceram as conferências

seguintes, reeditadas em 1988, 1991e 1997; as conferências regionais, como a de

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Promoção da Saúde

Santafé deBogotá (Brasil,2002), Caribe (Opas, 1993)e, mais recentemente, no pró-

prio Canadá, a Canadian Public Health Association (CPHA), ao revisar o tema da

promoção da saúde após extensa consulta a especialistas (CPHA, 1996).

é)l IIConferência Jnternacional sobre c::Promoçãoda SaúJe e a

7Jeclaração de :Jldelaide: políticas públicas saudáveis

A Conferência de Adelaide, realizada em1988,elegeu como seu tema central as

políticas públicas saudáveis "que se caracterizam pelo interesse e preocupação

explícitos de todas as áreas das políticas públicas em relação à saúde e à eqüídadee pelos compromissos com o impacto de taispolíticas sobre a saúde da população"

(Brasil, 2002:35). Neste conceito pode-se já identificar claramente os componentes

de intersetorialidade, que têm marcado, desde então, o discurso da promoção da

saúde, bem comoa idéia deresponsabilização dosetor público, não só pelas políticas

sociais que formula e implementa (ou pelas conseqüências quando deixa de fazê-

10), como também pelas políticas econômicas e seu impacto sobre a situação de

saúde e o sistema de saúde.

EmAdelaide tambémse afirma a visãoglobalea responsabilidadeinternacionalistada promoção da saúde, quando foi estabelecidoque, devido ao grande fossoexistente

entre os países quanto aonível de saúde, osdesenvolvidos teriama obrigação de asse-

gurar que suas próprias políticaspúblicas resultassem em impactospositivos na saúde

das nações em desenvolvimento.

A Conferência de Adelaide identificou quatro áreas prioritárias para promover

ações imediatas em políticas públicas saudáveis:

apoio à saúde da mulher;

alimentação e nutrição;

tabaco e álcool;

criação de ambientes favoráveis.

Apesar da importância desses temas, observa-se, na realidade, que a propostadepolíticas concretas é tímida em relação à formulação inicial,muitomais abrangente

e mais incisiva ao responsabilizar O poder público por políticas em todas as áreas

dos campos social e econômíco. Com a última das políticas anteriormente mencio-

nada, deixa praticamente anunciada a Conferência de Sundsval, que se realizadadois anos depois, eestabelece laços ainda mais estreitos da promoção da saúde com

a futura Conferência do Rio, realizada em 1992.

Ressalta a Declaração de Adelaide que os principais propósitos das políticas

saudáveis são a criação de ambientes (na acepção mais ampla do termo) favoráveis

para que as pessoas possam viver vidas saudáveis, e que tais políticas facilitem

28

'tinea J,úrodu.ção ao Conceito de Promoçiiq da Saúde

opções saudáveis de vida. O compromisso com a eqüidade está presente em várias

passagens do texto: quando se refere à necessidade de superar as desigualdades no

acesso a bens e serviços existentes na sociedade; quando relaciona tais

desigualdades às iniqüidades em saúde; ao reclamar que deve ser dada prioridade

aos grupos menos privilegiados e mais vulneráveis; quando insiste que as políticas

públicas, como direitos de cidadania, devem ser difundidas por meio demecanismos,

inclusive de linguagem, que as tornem conhecidas e acessíveis exatamente paraaqueles que delasmais necessitam eàs quais freqüentemente têm seu acessonegado.

Avaliar o impacto das políticas públicas sobre a saúde e o sistema de saúde,

inclusive com o desenvolvimento de sistemas de informação adequados e acessíveis

é uma das recomendações explícitas da conferência. Em Adelaide, lança-se um

renovado apelo, já presente em Ottawa, pela construção de novas alianças na saúde,

que envolvam políticos, ONGs, grupos de defesa da saúde, instituições

educacionais, rnídia, entre outras parcerias.

a. m Conferência :Jnternacional sobre :Promoção da Saúde e a

CJJec1araçãpde Sundsval: criação d e . ambientes favoráveis à saúde

A III Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em

SundsvaI/Suécia, em 1991, foi a primeira a focar a interdependência entre saúde e

ambiente em todos os seus aspectos. Tomando como tema os 'ambientes favoráveis

à saúde' ou 'ambientes saudáveis', a conferência lançou uma declaração

convocando as pessoas, as organizações e os governos, emtodas aspartes domundo,

a se engajarem ativamente no desenvolvimento de ambientes - físicos, sociais,

econômicos e políticos - mais favoráveis à saúde.

O evern to ocorre na efervescência prévia à primeira das grandes conferências

das Nações Unidas prevista para 'preparar o mundo para o século XXI', a

Conferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, a Rio-92,

e num contexto de crescimento da consciência internacional de indivíduos,

movimentos sociais e governos sob os riscos de um colapso do planeta diante das

inúmeras e profundas agressões ao meio ambiente.

A Conferência de Sundsval traz, comnotável potência, o tema do ambiente para

a arena da saúde; não restrito apenas à dimensão física ou 'natural', mas tambémàs dimensões soc ia l, eeenôm íca , po lítica e cultuea l. Assim , ref ere-se "ao s es pa ço s

em qu e as pessoas vivem: a comunídade, suas Cã$â5, seu erabalho e os êm paç Oí5 dêlazer", e engloba também "as estruturas que determinam o acesso aos recursos paráviver e as oportunidades para ter maior poder de decisão" (Brasil, 2002:41), vale

dizer, as estruturas econômicas e políticas.

29

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:Promoção da Saúde

Afirma-se, na conferência, que (Brasil, 2002: 42)

um ambiente favorável éde suprema importância para a saúde. Ambientes e saúdesão interdependentes e inseparáveís. Atingir estas duas metas deve ser o objetivo

central aose estabelecer prioridades para o desenvolvimento e deve ter precedênciano gerenciamento diário das políticas governamentais.

Uma vez mais, são ressaltadas, em uma conferência sobre promoção da saúde, asdesigualdades sociais e em saúde, bem como a pobreza, acrescentando agora "o ambi-

ente degradado, tanto nas zonas rurais como urbanas" (Brasil, 2002: 43) como os gran-

des desafios a serem vencidos para se atingir as desejadas metas de saúde para todos.

N conferência, são ressaltados quatro aspectos para um ambiente favorável e

promotor de saúde:

A 'dimensão social', que inclui a maneira pela qual normas, costumes e

processos sociais afetam a saúde, alertando para as mudanças que estão

ocorrendo nas relações sociais tradicionais e que podem ameaçá-Ia.

Exemplifica, com o crescente isolamento social, a perda de significados e

propósitos coerentes de vida ou ap erda de valores tradicionais e da herança

cultural em muitas sociedades.

A 'dimensão política', que requer dos governos a garantia da participaçãodemocrática nos processos de decisão e a descentralízação dos recursos e das

responsabilidades. Também reclama o compromisso com os direitos humanos,

com a paz e a realocação de recursos oriundos da corr ida armamentísta, este

último, um tema que teve significativo destaque na conferência.

A 'dimensão econômica', que requer o reescalonarnento dos recursos para

alcançar saúde para todos e o desenvolvimento sustentável, o que inclui a

transferência de tecnología segura e adequada.

A necessidade de reconhecer e utilizar a 'capacidade e o conhecimento das

mulheres' em todos os setores, inclusive os polít ico e econômico.

Na conferência, ressalta-se que a busca da eqüidade e, em última análise, o

respeito à bíodíversídade são os dois princípios básicos que devem reger as

estratégias para a saúde para todos. No campo da eqüidade, aponta o compromissocom a superação da pobreza, o desenvolvimento sustentável, o pagamento do débito

humano e ambiental acumulado pelos países industrializados com os países em

desenvolvimento, e a accountabilitu (prestação de contas) das polít icas, de forma a

garantir uma distribuição mais eqüitativa de recursos e responsabilidades, como os

principais componentes. Foi preconizado o gerenciamento público dos recursos

naturais e mencionado o respeito às peculiaridades dos povos indígenas, assim

como a contribuição que eles podem dar na questão ambiental, pela singular rela-

ção espiritual e cultural que mantêm com o ambiente físico.

30

,,.,

'Uma :Jrilrodufão ao Con.ceito de 'Yromoçãp J < 1 - Saúde

Finalmente, nas 'propostas para a ação', o documento (a Declaração dê

Sundsval) insiste na viabilidade da criação de ambientes favoráveis, fazendo men-

ção às inúmeras experiências oriundas de todo o mundo, desenvolvidas part icular-

mente em nível local, que cobrem as áreas reunidas como 'cenários para a ação' na

denominada 'pirâmide dos ambientes favoráveis de Sundsval': educação, alimen-

tação e nutrição, moradia e vizinhanças, apoio e atenção social, trabalho e trans-porte. As experiências referentes a esses campos, relatadas em Sundsval, foram

reunidas e revisadas em um informe publicado pela OMS (Haglund et al., 1996).

..Yl IV Conferência Jnfernacional sohre ryromoção da Saúde e a

'LJecla.ra ção de O a.ka .rf a .

A Conferência de Jakarta foi a primeira a realizar-se em um país em

desenvolvimento. Se quisermos estabelecer uma analogia com as conferências

anteriores, pode-se dizer que desde seu subtítulo, 'novos atores' para uma nova era,

pretendeu ser uma atualização da discussão sobre urna dos campos de ação

definidos em Ottawa: o reforço da ação comunitária.

Depois de serem. reafirmados os vínculos entre saúde e desenvolvimento e, sobretu-do, a contribuição da saúde para o desenvolvimento, a Declaração de Iakarta enfatíza o

surgimento de novos determinantes da saúde, destacando os fatores transnacíonaís: aintegração da economia global, os mercados financeiros e o comércio, o acesso a os

meios de comunicação, assim como a continuação da degradação ambíental, apesar de

todos os alertas internacionais feitos sobre este tema em particular.

O documento reafirma posições históricas da promoção, quando insiste que

por meio de investimentos e de ação, a promoção da saúde atua sobre os fatoresdeterrninantes da saúde visando obter omaior beneficio possível para a : população,

enfatíza aredução da iniqüidade em saúde, garante o respeito aos direitos humanose acumula capital social.Ameta final é prolongar asexpectativas de saúde e reduzir

as diferenças entre países e grupos. (Brasil, 2002: 49)

Outra reafu:mação da conferência diz respeito à posição central da participaçãopopular e do emp ot uermeni, realçando, para isto, a Importânda do acesso à educaçãoe à informação.

Duas conclusões, surgidas da experiência vivenciada nos últimos anos quanto

à configuração das ações em promoção da saúde, devem ser destacadas. A primeira

é qu~ em promoção da saúde baseados no emprego de combinações

da~e Ottawa são mais eficazes que os centrados em apenas um

campo"; a segunda é que "diversos cenários (cidades, comunidades locais, escolas,

lugares de trabalho etc.) oferecem oportunidades prát icas para a execução de estra-

tégias integrais" (Brasil, 2002: 50). Estas são conclusões muito importantes por

oferecerem orientação prática para as futuras ações em promoção da saúde, pois

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Promoção da Sa úde

articulam os consagrados campos de ação da promoção da saúde com os ambien-

tes/territórios onde realmente vivem, amam, adoecem e, inexoravelmente, morremas pessoas sob a influência direta de múltiplas condições.

Registre-sea polêmica surgida quanto à participação do setor privado nas ati-

vidades de promoção da saúde, finalmente aceita e constante da declaração final

do evento, comose pode observar abaixo. Foram definidascinco prioridades para o

campo da promoção da saúde nos próximos anos:

Promover a responsabilidade socialcom a saúde - aqui, com um renovadoapelo por políticas públicas saudáveis, mas também procurando

responsabilizar o setor privado.

Aumentar os investimentos no desenvolvimento da saúde - reafirma o

enfoque multissetorial, defendendo o aumento e a reorientação de

investimentos para a saúde, mas também para a educação, a habitação e

outros setores sociais, "que possam fomentar o desenvolvimento humano,a saúde e a qualidade de vida" (Brasil,2002: 51).

Consolidar e expandir parcerias para a saúde entre os diferentes setores em

todos os níveis do governo e da sociedade.

Aumentar a capacidade da comunidade e fortalecer os indivíduos - implicaampliar a capacidade das pessoas para a ação, e a dos grupos, organizações

oucomunidades para influir nos fatoresdeterminantes da saúde, o que exige

educação prática, capacitação para a liderança e acesso a recursos.

Assegurar uma infra-estrutura para a promoção da saúde - propõe a defi-

nição de espaços/ambientes para a atuação em promoção da saúde (esco-

las, ambientes de trabalho etc.), que requerem abordagens específicas, a

partir do marco mais geral da promoção da saúde; a criação de novas ediversas redes para que a colaboração intersetorial seja alcançada: adocumentação de experiências através de pesquisas e relatórios de projetose o intercâmbio de informações sobre a efetividade de estratégias nosdiferentes ambientes/territórios; e maisrecursos financeiros emateriais para

a promoção da saúde.

Promoção da .saúde e Prevenção de 'Doenças

Umponto crítico em todo o debate sobrepromoção da saúde é a linha divisória

entre esta e a prevenção de doenças, que consideramos enfoques complementares

ao processo saúde-doença seja no plano individual, seja no plano coletivo. Comfreqüência, o conteúdo teórico entre estes dois enfoques se diferencia com maisprecisão do que as respectivas práticas.

32

'lima .Jnlrodução ao Concei!o de 'Yromoção da Saúde

o enfoque da promoção da saúde émais amplo e abrangente, procurando iden-

tificare enfrentar os macrodeterrninantes do processo de saúde-doença, e buscando

transformá-Ias favoravelmente na direção da saúde. Já a prevenção das doenças

buscaria que os indivíduos ficassem isentos das mesmas. Como a saúde não é

apenas a ausência de enfermidades, os indivíduos sem evidências clínicaspoderi-am progredir a estados de maior fortaleza estrutural, maior capacidade funcional,

maiores sensações subjetivas de bem-estar, e objetivas de desenvolvimento indivi-dual e coletivo. Esta é, em essência, o verdadeiro sentido da promoção da saúdepropriamente dita (Gutierrez et al., 1997).

A promoção da saúde busca modificar condições de vida para que sejamdignas

e adequadas; aponta para a transformação dos processos individuais de tomada de

decisãopara que sejampredominantemente favoráveis à qualidade devida e à saúde;

e orienta-seaoconjunto de açõese decisões coletivasque possam favorecer a saúde e

a melhorla das condiçõesde bem-estar (Franco et al, apud Gutierrez et al., 1997). Já aprevenção, diferente da promoção, orienta-se mais às ações de detecção, controle eenfraquecimento dos fatores de risco ou fatores causais de grupos de enfermidades

ou de uma enfermidade específica;seu focoé a doençae osmecanismospara atacá-Ia

mediante o impacto sobre osfatores mais íntimos que a geramou precipitam.

Para a prevenção, evitar a enfermidade é o objetivo final e, portanto, a ausênciade doenças seria um objetivo suficiente. Para a promoção da saúde, o objetivocontínuo é um nível ótimo de vida e de saúde; portanto, a ausência de doençasnãoé suficiente, já que perante qualquer nível de saúde registrado em um indivíduo

sempre haverá algo a ser feitopara promover um nível de saúde melhor e condições

de vida mais satisfatórias (Gutierrez et al., 1997).

Tradicionalmente, a medicina e as chamadas ciências da saúde lidam com a

'doença'. Defato, o objeto da clínica tem sido, ao longo dahistória, a doençaem suadimensão individual. A medicina preventiva, por sua vez, amplia o objeto de

intervenção à categoria 'problemas de saúde', que inclui não apenas asdoenças em

sua expressão populaciona1, que nada mais tem sido do que a agregação dosfenômenos individuais, medidos por taxas, como também os fatores populacionais

que condicionam seu aparecimento (Femández &Regules, 1994).O encerramento, no início de 1990, de estudos longitudinais de intervenção,

iniciados há pelo menos dez anos, e a avaliação dos conhecimentos em prevenção

adquiridos nos últimos anos permitiram sistematizar melhor as vantagens e

desvantagens que caracterizam a intervenção 'individual' e a intervenção

'populacional' para alguns dos problemas prevalentes nas sociedades

industrializadas. Assim, a intervenção sobre indivíduos tem vantagens em termos

de reduzir o surgímenro de complicações e de melhorar ti letalídade, a mortalidade

e o tempo de sobrevída. J á ti intervenção sobre populações tem vantagens em têrmosde modificar a incidência.

33

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:Promoçii o da .. s a ú d e

As principais questões da clínica e da medicina preventiva sobre seuobjeto, as

doenças, são: como evitá-Ias (prevenção primária ou controle da incidência); como

curá-ias (prevenção secundária ou controle da duração, logo, da prevalência); ecomo mitigá-Ias (prevenção terciária ou controle de complicações adicionais). Assim,

as doenças e suas causas, conseqüências e tratamento são o foco da clínica e da

medicina preventiva. Neste contexto, a saúde tem sido entendida, centralmente,

como ausência de doença.Em contrapartida, a promoção da saúde, como tem sido mostrado ao longo

deste texto, tem seu foco na 'saúde propriamente dita', propondo abordagens -

inclusive de fora do chamado setor saúde - que visama manter e melhorar os níveis

de saúde existentes; ela tem sido definida como

oprocessode capacitarindivíduos ecomunidadespara aumentar ocontrolesobreosdeterminantesda saúdee,assim,incrementarsuasaúde (...),devendopara istoum indivíduo ougrupo ser capaz de identificare realizar aspirações, satisfazernecessidadese mudar ou controlar o ambiente.(Brasil,2002: 19)

Desse modo, a promoção da saúde avança, incorporando o mal-estar como

percepção subjetiva, relacionada ou não com a enfermidade, e a saúde como fato

positivo, tanto na sua dimensão subjetiva - bem-estar - quanto objetiva- aos objetos

do DlanejamentoIintervenção.O caminho entre a saúde e a doença pode se realizar distanciando-se da doença,

mas mantendo-a comofoco (estratégia preventiva) ou aproximando-se da saúde como

referência (estratégia de promoção) (Fernández&Regules, 1994). A primeira situação

implica fundamentalmente conhecimentos técnicos (identificação, descrição e análi-

se técnica da causalidade) e responsabilidades centradas nos profissionais de saúde.

Já a estratégia da promoção é claramente social,política e cultural, posto que a saúde

é urna utopia a ser definida em suas coordenadas espaço-temporais, o que implica

claramente o protagonismo de indivíduos não técnicos e de movimentos sociais,

assim como a ação combinada de políticaspúblicas, modificação de estilos de vida e

intervenção ambíental, através de um amplo arco de medidas políticas, legislativas,

fiscais e administrativas (Stachtchenko & Jenicek, 1990).

Boaparte da confusão entre promoção e prevenção advém da grande ênfase emmodificações de comportamento individual e do foco quase exclusivo na redução

de fatores de riscos para determinadas doenças, vigentes em certos programas

intitulados de promoção da saúde. Estefocosobre o indivíduo e seu comportamento

tem sua origem na tradição da intervenção clínica e no paradigma biomédíco, Nesse

caso, o locus de responsabilidade e a unidade de análise são o indivíduo, que é

visto como o responsável último (senãoúnico) por seu estado de saúde. Já a promo-

ção da saúde apresenta-se como uma estratégia de mediação entre as pessoas e seu

ambiente, combinando escolhas individuais com responsabilidade social pela

saúde (as chamadas políticas públicas saudáveis). Nesse sentido, as estratégias de

34

'Ilm.a : ;nt rodução ao Conceito de ':Promoção da Sa úd e

promoção da saúde são mais integradas e intersetoriais, bem como supõem uma

efetiva participação da população desde sua formulação até sua implementação.

Stachtchenko & Jenicek (1990) desenvolveram o esquema abaixo, sintético ebastante útil, para diferenciar promoção e prevenção.

Quadro 3 - Diferenças esquemáticas entre promoção e prevenção

CATEGORIAS PROMoçÃODASAÚDE PREVENÇÃODEDOENÇAS

Conceitode Positivoemultidimensional Ausênciadedoença

saúde

Modelo de Participativo Médico

intervenção

Alvo Todaa população, no seu Principalmenteos grupos de

ambiente total alto riscoda população

Incumbência Redede temas da saúde Patologiaespecífica

Estratégias Diversase com~lementares Geralmenteúnica

Abordagens Facilitaçãoe capacitação Direcionadorase persuasivas

Direcionamento Oferecidasà população Impostas a grupos-alvo

dasmedidas

Objetivos doa Mudançasnasituação dos Focamprincipalmente em

programas indivíduos e de seu ambiente indivíduos e grupos depessoas

Executores dos Organizaçõesnão-profissionais, Profissionaisde saúde

programas movimentos sociais, governos

locais,municipais, regionais e

nacionaisetc.I

Fonte: adaptado de Stachtchenko & Jenicek (1990).

Deve-se reconhecer, ainda, que as abordagens metodológicas em promoção dasaúde, por este ser um campo de conhecimento e prática mais recente, estão menos

desenvolvidas do que 05 métodos epidemiol6gicos de planejamento, implementaçãoe avaliação dos programas de prevenção de doenças.

Finalmente, como afirmamFernández & Regules (1994:25),a promoção da saúda

é uma estratégia complementar,não de substituição das demais estratégias emsaúde pública,mas(enãohá contradição)por suavezintegral,por afetara todososelementos que atéagora vinhamintervindo, aportando novos irtstrumentos ereorientando suas finalidades.

35

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'Yromoçã.o el a SaÚiÍe

Da mesma forma, Stachtchenko & Jenicek (1990) insistem na tese de que as duasabordagens (promoção e prevenção) são complementares e não excludentes no pla-nejamento de programas de saúde, e a população beneficia-se das medidasadequada e equilibradarnente propostas em ambos os campos.

Conclusão

A evolução do conceito de promoção dasaúde, desde que o termo foiusado pelaprimeira vez, transitou de um 'nível de prevenção' da medicina preventiva, emWislow (1920), Sígeríst (1946) e Leavell & Clark (1965), para um 'enfoque político etécnico' do processo saúde-doença-cuidado, como vem sendo caracterizado nosúltimos 25 anos (desde Alma-Ata e Ottawa).

O conceito é consentâneo à concepção do processo saúde-doença-cuidado quetem os diversos atores pol ít icos e técnicos envolvidos em di fe rentes conjunturas eformações sociais. Inicialmente rest ri to aocampo de ação de profi ssionai s da árearia educação em saúde; a promoção da saúde passa, com o tempo, a ser deresponsabilidade, de um lado, da população organizada com interesses em saúde,

e, de out ro, de a tore s de out ros setores sociais - incíusíve setores governamentais -não diretamente envolvidos com a área da saúde.

Tal fato é decorrente do entendimento que a saúde tem determinações sociais,econômicas, políticas e culturais mais amplas do que simplesmente a he rançagenética, a bio logia humana e o s fatores ambíentais mais imediatos. De fato, basesmais sólidas de evidências foram demonstrando que existe uma forte relação entreos est ilos de vida das pessoas, sua posição social e econômica, suas condições devida e seu estado de saúde. Essa compreensão, por parte dos diversos atores, tambémlevou ao desenvolvimento de modos e fOITna s que podem vir a modificar essesdeterminantes estruturais e pessoais da saúde. Dessa forma, foi-se observando queas estratégias mais eficazes de prevenção das enfermidades e promoção da saúde

baseiam-se em uma combinação de, ações destinadas a abordar os de terminantes

tanto estruturais como individuais da saúde"(Nutbeam, 1999: 2).Em países e regiões em desenvolvimento, como a América Latina e o Brasil, em

particular, é evidente que se necessita trabalhar com o conceito mais amplo de

promoção da saúde, o que conduz também à construção de práticas sociais maisabrangentes para que de fato se promova a saúde. Uma tendência importante nessassituações tem sido discutir em conjunto os conceitos de saúde e qualidade de vida(Minayo; Hartz & Buss,2000), ass im como aproximar as práticas de promoção dasaúde a movimentos mais abrangentes e integrados, como é o caso, no Brasil, domovimento dos municípios saudáveis e do desenvolvimento local integrado esustentável (Buss, 2000a, 2000b, 2000c; Buss & Ferreira, 2000; Buss & Ramos, 2000).

36

'"Uma Jnirodução ao. COllado Je 'J',oll1oção da Saúde

Entre os muitos desafios colocados para aqueles que demonstram intere sse outêm experiência profissional no campo da promoção da saúde está o aperfeiçoa-mento do conceito, métodos e práticas desta área, que tem sido avaliada de formapromissora por todos aqueles que, insatisfeitos com os modelos assistenciais vigen-tes, buscam alternativas mais eficazes para estender a vida com qualidade e assimcontribuir com a plena realização do potencial de saúde de indivíduos e comunida-

des em todo o mundo.

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38

2o Conceito de Saúde e a

'Diferença entre Cj)revenção e

Promoção 1

Dina Czeresnía

Jntrodução

o discurso da saúde pública e as perspectivas de redirecionar as práticas desaúde, a partir das duas últimas décadas, vêm articulando-se em torno da idéia depromoção da saúde. Promoção é um conceito tradicional, definido por Leavell &

Clarck (197 6) como um dos elementos do nível primário de atenção em medicinapreventiva. Este conceito foi retomado a ganhou mais ênfase recentemente,especialmente no Canadá: EUA e países da Europa ocidental. A revalorízação dapromoção da saúde resgata, com um novo discurso, o pensamento médico soc ial doséculo XIXexpresso na obra de autores como Virchow, Villermée, Chadwick e outros,afirmando as relações entre saúde e condições de vida. Uma das motivações centraisdessa retomada foi a necessidade de controlar os custos desmedidamente crescentesda assistência médica, que não correspondem a resultados igualmente significativos,Tornou-se uma proposta governamental, nestes países, ampliar, para além de umaabordagem exclusivamente médica, o enfrentamento dos problemas de saúdepública, principalmente das doenças crônicas em populações que tendem a se tornarproporcionalmente cada vez mais idosas (Buss, 2000),

A configuração do discurso da 'nova saúde pública' ocorreu no contexto desociedades capitalistas neoliberaís. Um dos eixos básicos do discurso da promoçãoda saúde é fortalecer a idéia de autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais. Umaquestão que se apresenta é qual concepção de autonomia é efetivamente proposta econstruída". A análise de alguns autores evidencia como a configuração dosconhecimentos e das práticas, nestas sociedades, estariam construindo."representações científicas e culturais, conformando os sujeitos para exercerem uma

I Este texto é uma versão revisada e atualizada do artigo "The concept of health and thediference between promotion and preventíon", publicado nos Cadernos de Saúde Pública(Czeresriia, 1999).

39

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<:Promoçiio d a . Sa.ú.de

autonomia regulada, estimulando a livre escolha segundo uma lógica de mercado.

A perspectiva conservadora da promoção da saúde reforça a tendência dediminuição

das responsabilidades do Estado, delegando, progressivamente, aos sujeitos, a tarefa

de tomarem conta de si mesmos (Lupton, 1995;Petersen, 1997).

Ao mesmo tempo, afirmam-se perspectivas progressistas que enfatizarn uma

outra dimensão do discurso da promoção da saúde, ressaltando a elaboração de

políticas públicas intersetoriais, voltadas à melhoría da qualidade de vida das

populações. Promover a saúde alcança, dessa maneira, uma abrangência muitomaior do que a que circunscreve o campo específicoda saúde, incluindo o ambiente

em sentido amplo, atravessando a perspectiva local e global, além de incorporar

elementos físicos, psicológicos e sociais.

Independente das diferentes perspectivas filosóficas, teóricas e políticas

envolvidas, surgem dificuldades na operacionalização dos projetos em promoção

da saúde. Essas dificuldades aparecem como inconsistências, contradições e pontos

obscuros e,na maioria das vezes, não se distinguem claramente 5 i 'a s estratégias de

promoção das práticas preventivas tradicionais.

Este texto tem o objetivo de contribuir para o debate, tematizando a diferença

entre os conceitos de prevenção e promoção; defende o ponto de vista de que as

dificuldades em sedistinguir essa diferença estão relacionadas a urna questão nuclear

à própria emergência da medicina moderna e da saúde pública. O desenvolvimento

da racionalidade científica, em geral, e da medicina, em particular, exerceu

significativo poder no sentido de construir representações da realidade,

desconsiderando um aspecto fundamental: o limite dos conceitos na relação com o

real, em particular para a questão da saúde, o limite dos conceitos de saúde e de

doença referentes à experiência concreta da saúde e do adoecer.

A construção da consciência desse limite estaria na base de mudanças mais

radicais nas práticas de saúde. Pensar saúde em uma perspectiva mais complexa

não diz respeito somente à superação de obstáculos no interior da produção de

conhecimentos científicos. Não se trata de propor conceitos e modelos científicos

mais inclusivos e complexos, mas deconstruir discursos e práticas que estabeleçam

uma nova relação com qualquer conhecimento científico.

Saúde, Ciência e Complexidade

A saúde pública/saúde coletiva é definida genericamente como campo de

conhecimento e de práticas organizadas institucionalmente e orientadas à promoção

da saúde das populações (Sabroza, 1994). O conhecimento e a institucionalização

das práticas em saúde pública configuraram-se articulados à medicina. Apesar de

efetivamente superarem a mera aplicação de conhecimentos científicos, as práticas

40

o Conceito de Saú.de e a. 'J)iferença entre ']>revençiio e <J>romoçii.o

em saúde representaram-se como técnica fundamentalmente científica. Essa repre-

sentação não pode ser entendida como simples engano, mas aspecto essencial da

conformação dessas práticas, as quais encontram suas raízes na efetivautilização do

conhecimento científico. A medicina estruturou-se com base em ciênciaspositivas econsiderou científica a apreensão de seu objeto (Mendes Gonçalves, 1994).O discur-

so científico, a especialidade e a organização institucional das práticas em saúde

circunscreveram-se a partir de conceitos objepvos não de saúde, mas de doença.

O conceito de doença constituiu-se a partir de urna redução do corpo humano,pensado a partir de constantes morfológícas e funcionais, as quais se definem por

intermédio de ciências como a anatomia e a fisiologia. A 'doença' é concebida corno

dotada dé realidade própria, externa e anterior às alterações concretas do corpo dos

doentes. O corpo é,assim, desconectado de todo o conjunto de relaçõesqueconstituem

ossignificados da vida (Mendes Gonçalves, 1994), desconsiderando-se que a prática

médica entra em contato com homens e não apenas com seus órgãos e funções

(Canguilhem, 1978).

Uma primeira questão é a de a saúde pública se definir como responsável pela

promoção da saúde enquanto suas práticas se organizam em tomo de conceitos dedoença. Outra questão é que suas práticas tendem a não levar em conta a distância

entre conceito de doença - construção mental - e o adoecer - experiência da vida -,

produzindo-se a 'substituição' de umpelo outro. O conceito de doença não somenteé empregado como se pudesse falar ern nome do adoecer concreto, mas,

principalmente, efetivar práticas concretas que se representam corno capazes de

responder à sua totalidade.

A importância de adquirir a consciência de que o conceito não pode ser toma-

do como capaz de substituir algo que é mais complexo é enfocada por Edgar

Morin em O Problema Epistemológíco da Complexidade. Nesse texto, o autor vincula

a questão da complexidade ao problema da "dificuldade de pensar, porque o

pensamento é um combate com e contra a lógica, com e contra o conceito", desta-

cando a "dificuldade da palavra que quer agarrar o Inconcebível e o silêncio"

(Morin, s.d.: 14). Ou seja, a palavra, mesmo que seja urna elaborada forma deexpres-

são e comunicação, não é suficiente para apreender a realidade em sua totalidade.

O pensamento humano desenvolve-se em duas direções: por um lado, a profun-

didade, a redução e o estreitamento; por outro, a amplitude, a abrangência e a

abertura de fronteiras. O pensamento científico moderno tendeu à redução, colo-

cando para si o desafio de alcançar o máximo da precisão e objetividade por meio

da tradução dos acontecimentos emesquemas abstratos, calculáveis e demonstráveis.

A linguagem matemática seria capaz de expressar as leis universais dos fenôme-

nos. Os elementos dos acontecimentos que as palavras - ou, mais precisamente, os

conceitos científicos - não conseguiam alcançar, tenderam a ser vistos como erro ou

anomalia. O significado da palavra objetiva apresentou-se em substituição à pró-

pría coisa, cujo aspecto sensível não era tido como existente,

4i

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<:Promoção da. Sa úde

Mas a referência à integridade dos acontecimentos - que torna evidente o as-

pecto mutilante do conhecimento - é questão que se coloca desde o nascimento

dessa forma de apreender a realidade. Semdúvida que tal problema tornou-se mais

explícito no mundo contem.porâneo em decorrência dos impasses gerados pela

progressiva fragmentação do conhecimento. A necessidade de integrar as partes

surgiu no interior da própria lógica analítica - como integrar as informações e

saberes construídos no sentido de uma profundidade crescente?

Apresentou-se, para O pensamento científico, o desafio da busca da amplitude,valorizando a compreensão da interação entre as partes na direção da unidade e da

totalidade. A questão da complexidade surgiu na discussão científica como

possibilidade de explicar a realidade ou ossistemas vivos mediante modelos que

buscam não só descrever os elementos dos objetos,mas,principalmente, as relações

que se estabelecem entre eles. Evidenciaram-se diferentes níveis de organização da

realidade e qualidades emergentes próprias a cada nível. Porém, esta tentativa

encontra limite na 'indizIDilidade' do real, que sinaliza a construção de qualquer

modelo como inevitavelmente redutora.

A saúde e o adoecer são formas pelas quais a vida semanifesta. Correspondem

a experiências singulares e subjetivas, impossíveis de serem reconhecidas esignilicadas integralmente pela palavra. Contudo, é por intermédio da palavra que

o doente expressa seu mal-estar, da mesma forma que omédico dá significação àsqueixas de seu paciente. Éna relação entre a ocorrência do fenômeno concreto do

adoecer, a palavra do paciente e a do profissional de saúde, que ocorre a tensão

remetida à questão que se destaca aqui. Esta situa-se entre a subjetividade da

experiência da doença e a objetividade dos conceitosque lhe dão sentido e propõe

intervenções para lidar com semelhante vivência.

Carregado de emoção, o relato das queixase sintomas dos doentes é traduzido

para uma linguagem neutra e objetiva. Em troca, as lacunas que o texto médico

apresenta para dar conta da dimensão mais ampla do sofrimento humano acaba-

ram por aproximar medicina e literatura. Inúmeros médicos lançaram mão da lite-

ratura como meio de expressar o sofrimento humano para além dos 1.írni.tesda

objetividade do discurso científico. Escritores como Thomas Mann e Tolstói conse-

guíram exprimir, comopoucos, a condição do homem em sua relação com a doençae a morte. Este é o tema que Moacyr Scliar- também médico e escritor - desenvolve

no livro A Paixão Transformada, mostrando como a ficçãoé reveladora "porque fala

sobre a face oculta da medicina e da doença" (Scliar, 1996:10).

O discurso médico científico não contempla a significação mais ampla da saú-

de e do adoecer. A saúde não é objeto que se possa delimitar; não se traduz em

conceito científico, da mesma forma que o sofrimento que caracteriza o adoecer.O próprio Descartes, considerado o primeiro formulador da concepção mecanícísta

do corpo, reconheceu que há partes do corpo humano vivo que são exclusivamente

42

o Conceito de .saú de e a <})iferença entre ':Prevenção e Promoção

acessíveis a seu titular (Caponi, 1997: 288). Esse aspecto foi analisado com profun-

didade por Canguilhem (1978) na obra O Normal e o Patológico. Em trabalho mais

recente, este autor afirma o conceito de saúde tanto corno noção vulgar - que diz

respeito à vida de cada um - quanto como questão filosófica,diferenciando-o de um

conceito de natureza científica (Canguilhem, 1990).

Nietzsche, que adota o vital como ponto de vista básico, relaciona medicina e

filosofia, mostrando a dimensão de amplitude que o termo saúde evoca:

Aindaestou à espera deummédicofilosófico,no sentido excepcionalda palavra_ um médico que tenha o problema da saúde geral do povo, tempo, raça,humanidade, para cuidar =, terá uma vez o ânimo de levar minha suspeita aoápicee aventurar a proposição:emtodo o filosofar até agora nuncase tratou de'verdade', mas de algo outro, digamos saúde, futuro, crescimento,potência,vida. (Nietzsche, 1983:190)

Conforme ressaltou Morin (s.d.),o que a aproximação entre medicina, literatura

e filosofia afirma senão a evidência de que a objetividade não poderia excluir o

espírito humano, o sujeito individual, a cultura, a sociedade? Amedicina foitambém

considerada arte; porém, em seu desenvolvimento histórico, tendeu

hegemonicamente a identificar-se com a crença da onipotência de uma técnicabaseada na ciência, Não houve o devido reconhecimento do hiato entre a vivência

singular da saúde e da doença e as possibilidades de seu conhecimento, Istoproduziu um problema importante na forma com que se configurou historicamente

a utilização dos conceitos científicos na instrumentalização das práticas de saúde.

Atribuiu-se predominância quase exclusiva à verdade científica nas representações

construídas acerca da realidade e, principalmente, das práticas de saúde.

Ao contrário da literatura, o pensamento científico desconfia dos sentidos.

No processo de elaboração do conceito científico, o contato imediato com o real

apresenta-se como dado confuso e provisório que exige esforço racional de

discriminação e classificação (Bachelard. 1983: 15). A explicação científica, ao

deslocar-se dos sentidos, constrói proposições que se orientam por planos dereferência, com delimitações quecontornam e enfrentam o indefinido e oinexplicável

(Deleuze &Guattari, 1993).Acircunscrição de um plano de referência é necessidade

que se impõe à construção científica. É no interior do limite que se torna possível aexplicação, criando-se recursos operativos para lidar com a realidade. Assumir odomínio lirnitado do pensamento científico constitui, portanto, uma qualificação

de sua pertinência. No entanto, também conforma uma definição de restrição, pois

o limite é ilusório e qualquer explicação objetiva não poderia pretender negar a

existência do misterioso, inexplicável ou indizível.

A questão que se apresenta é que o discurso da modernidade não levou em

conta essa restricão. Levando-se em consideração o limite da construção científica

e o seu inevitáveÍ caráter redutor, pode-se afirmar que nenhum conceito- ou sistema

de conceitos - poderia se propor a dar conta da unidade que caracteriza a

43

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, 'YromoçiúJ da Saúde

singularidade. O conceito expressa identidades, já a unidade singular é e.xpres-

são da diferença. Por mais que o conceito tenha potencial explicativo e possa ser

operatívo, não é capaz de expressar o fenômeno na sua integridade, ou seja, não

é capaz de 'representar' a realidade. Ao se elaborar um sistema lógico e coerente

de explicação, assumir essa construção mental como capaz de substituir a rea-

lidade, mutilam-se as possibilidades de sua apreensão sensível, por se encerrara realidade em uma redução.

Não caberia, portanto, questionar o pensamento científico por ser limitado eredutor, mas sim criticar o ponto de vista que nega o limite da construção científica.

Essa negação se expressa, por um lado, ao se considerar a verdade científica como

dogma, tornando-se insensível ao inexplicável, ao que não foi conceituado; por

outro lado, ocorre também quando se exigeque a ciência responda ao que não lhe é

pertinente. Nenhuma ciência seria capaz de dar conta da singularidade, por mais

que se construam novos modelos explicativos - complexos - da realidade. Buscar

dar conta da singularidade é estabelecer novas relaçõesentre qualquer conhecimento

construído por meio de conceitos e modelos e o acontecimento singular que se

pretende explicar. Enfatiza-se aqui a necessidade de redimensionar os limites da

ciência, revalorizando e ampliando a interação com outras formas legítimas deapreensão da realidade.

Como foi explicitado acima, a filosofiae a literatura, mesmo que marginalmente,sempre foram complementares à medicina. Ao questionar hoje o primado da

objetividade científica, não caberia propor a implosão de fronteiras em direção à

construção de um discurso unifica dor. O que se afirma é a e xigência de revalorizar

a aproximação complementar - na ação - entre formas de linguagem essencialmente

diferentes entre si. Trata-se de relativizar ovalor de verdade dos conceitos científicos:

utílízã-Ios, mas não acreditar totalmente neles, abrindo canais para valorizar a

interação de sensibilidade e pensamento. Sem abrir mão de ter conhecimento de

causa dos saberes científicos, é preciso recolocara importância do papel da filosofia,

da arte e da política. Trata-se do esforço voltado para a construção de uma nova

relação com a verdade, que permita "encontrar uma sabedoria através e para alémdo conhecimento" (Atlan, 1991: 18).

Não é a descoberta de uma novidade, mas a renovação de questões que amodemidade e o pensamento iluminista sufocaram. Não deixando de empregar os

conhecimentos científicos e, ao mesmo tempo, buscando ampliar as possibilidades

dos modelos construídos, não se fecham os canais que nos tornam sensíveis à

realidade. Trata-se da renovação de velhas filosofias que foram esquecidas e

marginalizadas pela crença desmedida na razão e no poder de controle e domínio

do homem. O objetivo não é a verdade, mas a felicidade, a sabedoria e a virtude

(Atlan, 1991). Tal como a própria medicina, a saúde trata, como afirma a citação de

Nietzsche feita anteriormente, não de 'verdade', mas de "(...) futuro, crescimento,potência e vida" (1983:190).

44

o Conceito de Saúde e a 'lJiferença entre <]Jrevwção e <Yrorrwção

Essa questão é estrutural à constituição do campo da saúde pública e está na

origem do que se denomina a sua 'crise'. Para compreender o que diferencia

prevenção e promoção da saúde, do ponto de vista deste trabalho, esse aspecto é

fundamental, pois situa o contexto das transformações contemporâneas do discurso

da saúde pública. As transformações discursivas envolvidas não são somente

internas à lógica do discurso científico, mas recolocam, em especial, os limites e os

sentidos do conhecimento produzido na configuração das práticas de saúde e, por

conseqüência, na elaboração dos programas de formação profissional. Trata-se da

proposta de uma forma inovadora no que se refere a utilizar a racionalidade

científica para explicar o real e, em particular, para agir. Esse processo implica

transformações mais radicais do que a mudança no interior da ciência, pois diz

respeito à construção de uma concepção de mundo capaz de interferir no enorme

poder de a racionalidade científica construir representações acerca da realidade.

Saúde <J>úb l ica : diferença enire prevenção e promoção

O termo 'prevenir' tem osignificado de "preparar; chegar antes de; dispor de ma-

neira que evite (dano, mal); impedir que se realize" (Ferreira, 1986).Aprevenção em

saúde "exíge. umaação antecipada, .baseada.no .conhecímenjo .da história, natural.afim detomar improvável oprogresso posterior da doença" (Leavell& Clarck, 1976:17).

As açõespreventivas definem-se como intervenções orientadas a evitar o surgimento

de doenças especificas,reduzindo sua incidênciae prevalência nas populações. A base

do discurso preventivo é o conhecimento epidemiológico moderno; seu objetivo é o

controle da transmissão de doenças infecciosas e a redução do risco de doenças

degenerativas ou outros agravos específicos.Os projetos de prevenção e de educação

em saúde estruturam-se mediante a 'divulgação de informação científica e de reco-

mendações normativas de mudanças de hábitos.

'Promover' tem osignificado de dar impulso aifomentar; originar; gerar (Ferreira,

1986).Promoção da saúde define-se, tradicionalmente, de maneira bem mais ampla

que prevenção, pois refere-se a medidas que "não se dirigem a uma determinada

doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o. bem-estar gerais"(Leavell & Clarck, 1976:19),As estratégias de promoção enfatízam a transformação

das condições de vida e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos

problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial (Terris, 1990).

A constatação de que os principais determinantes da saúde são exteriores

ao sistema de tratamento não é novidade. Oficialmente, contudo, é bem recente

a formulação de um discurso sanitário que afirme a saúde em sua positividade.A Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada emOttawa (1986),

postula a idéia da saúde como qualidade de vida resultante de complexo processo

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'YromoçOO da ..sa.úde

condicionado por diversos fatores, tais como, entre outros, alimentação, justiça so-cial, ecossistema, renda e educação.

No Brasil, a conceituação ampla de saúde assume destaque nesse mesmo ano,tendo sido incorporada ao Relatório Finalda VIIIConferência Nacional de Saúde:

Direitoà saúde significaagarantia, peloEstado,decondiçõesdignas devida edeacesso universal e igualitário às açõese serviços de promoção, proteção e

recuperaçãoda saúde, emtodosos seusníveis,a todos oshabitantesdo territórionacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em suaindividualidade.(Brasil/MS,1986)

Apesar de configurar avanço inquestionável tanto no plano teórico quanto no

campo das práticas, a conceituação positiva de saúde traz novo problema. Ao se

considerar saúde em seu significado pleno, está-se lidando com algo tão amplo

como a própria noção de vida. Promover a vida em suas múltiplas dimensões

envolve, por um lado, ações do âmbito global de um Estado e, por outro, a

singularidade e autonomia dos sujeitos, o que não pode ser atribuído à

responsabilidade de uma área de conhecimento e práticas.

É conquista inegável o reconhecimento oficial dos limites do modelo sanitário

baseado na medicina, estimando-se que ele deve estar integrado às dimensões

ambiental, social, política, econômica, comportamental, além da biológica e médica

(Carvalho, 1996).As açõespróprias dos sistemasde saúde precisam estar articuladas,

sem dúvida, a outros setores disciplinares e de políticas governamentais

responsáveis pelos espaços físico, social e simbólico. Essa relação entreintersetorialidade e especificidade é, não obstante, um campo problemático e deve

ser tratado com cuidado, pois sustenta uma tensão entre a demarcação dos limites

da competência específica das ações do campo da saúde e a abertura exigida à

íntegração com outras múltiplas dimensões. Sea especificidade não é disciplinar,

ela deve constituir-se a partir da delimitação de problemas, possibilitando aimplementação de práticas efetivas.

No contexto da implementação das práticasde saúde mantém-se a tensão entre

duas definições de vida: uma, a de nossa experiência subjetiva; outra, a do objeto

das ciências da vida, do estudo dos mecanismosfísico-químicos que estruturam o

fundamento cognitivo das intervenções da medicina e da saúde pública.

A partir de concepções e teorias a respeitoda especificidade biológica ou psíqui-

ca, foram elaboradas intervenções objetivas e operacíonais de assistência à saúde.

Qualquer teoria é redutora e incapaz dedar conta da totalidade dos fenômenos de

saúde edo adoecer. Ao se tentar pensar aunidade do sujeito, omáximo que se conse-

gue é expressá-Ia como 'integração bio-psico-socíal' que não deixa de se manifestar

deforma fragmentada, mediante conceitosquenão dialogam com facilidade 'entre si.Se,de um lado, O vital émais complexo do que os conceitos que tentam explicá-Ia;

de outro, é através de conceitos que sãoviabilizadas as intervenções operativas.

46

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o Conceito de Sa.úde e a 'Diferença entre :Prevenção e .Promoção

Não há como produzir formas alternativas de atenção à saúde que não busquem

operacionalizar conceitos de saúde e doença.

Essa demarcação aplica-se não só ao limite da açãoespecíficada assistência à

saúde em relação aos condicionantes sociais envolvidos na dimensão da

intersetorialidade, como também aos limitesdos conceitosobjetivosque configuram alógica das intervenções em relação à dimensão da singularidade e subjetividade do

adoecer concreto. Nesse último aspecto, a afirmação de Canguilhem manifesta compropriedade o reconhecimentode que a necessáriapreocupação como corpo subjeti-

vo não deve levar à obrigação de uma libertação da tutela, tida como repressiva, da

medicina: "Oreconhecimentoda saúde comoverdade do corpo,no sentido ontol6gico,

não só pode senãocomodeve admitir a presença, comomargem e como barreira, da

verdade em sentido lógico,ou seja, da ciência. Certamente, o corpo vivido não é um

objeto,porém para o homem viver é também conhecer" (Canguilhem, 1990:36).

Sem dúvida, é fundamental valorizar e criar formas de ampliação dos canais de

abertura aos sentidos.O ponto de partida e a referênciada experiência da saúde e da

doença é a intuiçãoprimeira do corpo. Porém, a razão - mediada pelo conhecimento

científicoe se utilizadasem reificação - permitiria alargar a intuiçãoe principalmente

servir como"instrumento de diálogo e tambémcomobarreira deproteção" aoprocesso

de vivência singular do adoecer (Atlan, 1991:13).O conhecimento científico e a

possibilidade operativa das técnicas nas práticas desaúde deveriam ser empregados

sem provocar a desconexão da sensibilidade em relação aos nossos próprios corpos.

O desafio é poder transitar entre razão e intuição, sabendo relativizar sem

desconsiderar a importância do conhecimento, alargando a possibilidade de resolver

problemas concretos.

É justamente aí que se afirma a radical e, ao mesmo tempo, pequena diferença

entre 'prevenção' e 'promoção' da saúde. Radical porque implica 'mudanças

profundas na forma de articular e utilizar o conhecimento na formulação e

operacionalização das práticas de saúde - e isso só pode ocorrer verdadeiramente

por meio da transformação de concepção de mundo, conforme problematizado an-

teriormente. Pequena porque as práticas em promoção, da mesma forma que as de

prevenção, fazem uso do conhecimento científico.Os projetos de promoção da saú-

de valem-se igualmente dos conceitos clássicos que orientam a produção do conhe-cimento especifico em saúde - doença, transmissão e risco - cujaracionalidade é a

mesma do discurso preventivo. Isto pode gerar confusão e índíferenciação entre as

práticas, em especial porque a radicalidade da diferença entre prevenção e promo-

ção raramente é afirmada e/ou exercida de modo explícito.

A idéia de promoção envolve a de fortalecimento da capacidade individual e

coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da saúde. Promoção,

nesse sentido, vai além de uma aplicação técnica e normativa, aceitando-se que não

basta conhecer o funcionamento das doenças e encontrar mecanismos para seu

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:Promoção da S aú de

controle. Essaconcepção diz respeito ao fortalecimentoda saúde por meio da cons-

trução de capacidade de escolha, bem como à utilização o conhecimento com o

discernimento de atentar para as diferenças e singularidades dos acontecimentos.

No contexto das transformações das abordagens tradicionais da saúde públi-

ca, a formulação de Castellanos (1997) acerca do conceito de situação de saúdepermite ampliar a concepção de promoção da saúde.

Urna situação de saúde define-se pela consideração das opções dos atores soci-

ais envolvidos no processo; esta não pode ser compreendida "à margem da

intencionalidade do sujeito que a analisa e interpreta" (Castellanos, 1997: 61).

Vinculado ao conceito de situação de saúde, estabelece-se a diferença entre

necessidade e problema de saúde. As necessidades são elaboradas por intermédio

de análises e procedimentos objetivos. Osproblemas demandam abordagens mais

complexas, configurando-se mediante a escolha de prioridades que envolvem a

subjetividade individual e coletiva dos atores em seus espaços cotidianos

(Castellanos, 1997).

O reconhecimento de valores, tais como subjetividade, autonomia e diferença,

apresentou-se no contexto das transformações no discurso científico, que há cerca

de uma década manifestou-se mais explicitamente na saúde coletiva. Buscou-se

reinterpretar o significado de conceitos, como,por exemplo, sujeito e natureza, na

compreensão dos processosdésaúdee doença (Cósta & Costa, 1990),questionando-

se abordagens que restringiam os processos ora a urna dimensão biologista, ora a

deterrninantes genéricos e estruturais (Fleury, 1992).

O amadurecimento das discussões no interior do campo tomou maisclaro que

o fato de se pensar de modo complexo a questão da.saúde não diz respeito à

íncocporação de novo discurso que migra do pólo da objetividade ao da

subjetividade, do universal ao singular, do quantitativo para o qualitativo etc. Não

se trata simplesmente de optar por valoresque ficaram subjugados no decorrer do

desenvolvimento da racionalidade científica moderna, submetendo-se, agora, os

que eram anteriormente hegemônicos. Não se trata, portanto, de construir novos

posicionamentos que mantêm a reprodução de antigas oposições, mas de saber

transitar entre diferentes níveis e formas de entendimento e de apreensão da

realidade, tendo como referendal não sistemas de pensamento, mas os

acontecimentos que nos mobilizam a elaborar e a intervir.

A compreensão adequada do que diferencia promoção de prevenção é justa-

mente a consciência de que a incerteza do conhecimento científico não é simples

limitação técnica passível de sucessivas superações. Buscar a saúde é questão não

só de sobrevivência, mas de qualificação da existência (Santos, 1987).É algo que

remete à dimensão social, existencial e ética, a urna trajetória própria referida a

situações concretas,ao engajamento e comprometimento ativo dos sujeitos, os quais

dedicam sua singularidade a colocar o conhecido a serviço do que não é conhecido

4S

o Co nc eito Je S"ú,le e a 'Di ferença ent re <J >rev ençã o e < J>romoçi io

na busca da verdade que emerge na experiência vivida (Badiou, 1995). Pensar,

conseqüentemente, emtermos depromoção da saúde é saber que as transformações

de comportamento são orientadas simultaneamente por aquilo que se conheceacer-

ca dos deterrninismos e pela clareza de que não se conhece,nem se chegará a conhe-

cer, todos eles (Atlan, 1991).

A consciênciaprática do limite do conhecimentoacarreta que não se tenha a pre-

tensão de encontrar urna nova teoria científica que possa formular um discurso

unificador de todas as dimensões que envolvem a saúde. Promover saúde envolveescolhae issonão é da esfera do conhecimentoverdadeiro,mas do valor.Vincula-sea

processosque não se expressam por conceitosprecisose facilmentemedidos. Termos

como empowermen t (Eakín & Maclean, 1992)ou 'vulnerabilidade' (Ayres et al., 1997)

vêm sendo desenvolvidos e utilizados cada vez mais no contexto das propostas de

promoção da saúde. Esses 'quase conceitos' não só permitem abordagens

transdisciplinares, articulando-se a conceitos de outras áreas, como abrem-se a

múltiplas significações que emergem da consideração da diferença, subjetividade e

singularidade dos acontecimentos individuais e coletivos de saúde.

Essa abertura, contudo, não deixa de ter, como referência dialógica, os concei-

tos que configuram a especificidade do campo da saúde pública. Essediálogonão

se estabelece sem.lacunas e pontos obscuros. Um dos exemplos, nesse sentido, é a

marcante vinculação dos projetos em promoção da saúde com o conhecimentoelaborado mediante estudos epidemiológicos de risco. Essa ligação ocorre mesmo

nas pesquisas que alcançam articular múltiplas abordagens, como é o caso dosestudos de vulnerabilidade à Aids, que integram as dimensões de comportamento

pessoal, contexto social e de organização de programas institucionais (Mann;

Tarantola & Netter, 1993;Ayres et al., 1997).Grande parte dos projetos definidos

como promoção também aponta exposições ocupacionais e ambientais na origem

de doenças, assim como propõe o estímulo a mudanças de comportamento, como,

por exemplo, o incentivo à prática de exercícios,ao uso de cintos de segurança, à

redução do fumo, álcool e outras drogas etc.

6p idemiologia e ry romo çã o d a S aú de

A integração entre epidemiologia ep romoção da saúde situa-se no campo

problemático analisado neste texto. O que foi discutido acerca da diferenç.a

(esemelhança) entre prevenção e promoção diz respeito também ao uso dos concei-

tos epidemiológicos, que são a base do discurso sanitário preventivo. Não se trata

de 'acusar' o aspecto redutor desses conceitos como limite à compreensão da com-

plexidade dos processos de saúde e doença em populações e à conformaç~o das

práticas de saúde pública, mas de ter maior clareza dos limites desses conceitos,o

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• :Promoção do-Saúde

que possibilitaria direcionar melhor as tentativas de aprimorar métodos, construir

novos conceitose utilizá-Ias de modo mais integrado e apropriado aos interesses e

necessidades de estruturação das práticas de saúde.

O conhecimento epídemiológico é nuclear na conformação das práticas de

saúde pública. O discurso preventivo tradicional ressentiu-se da pobreza teóri-ca e da hegemonia da lógica rnecanícísta e linear na elaboração conceitual da

epiderniologia. Problemas desse tipo são manifestos, em especial, nas críticas já

feitas ao conceito epidemiológico de risco (Goldberg, 1990;Almeida Filho, 1992;Castiel, 1994i Ayres, 1997). Qu ais valores são produzidos através das represen-

tações formadas a partir desse conceito? Que significados são gerados social-

mente ao se estabelecer determinados hábitos e comportamentos como risco de

agravos à saúde?

O objetivo formal do estudo de risco é inferir a causalidade, avaliando a pro-

babilidade da ocorrência de eventos de doençaem indivíduos e/ou populações

expostos a determinados fatores. No entanto, apesar de se propor a mensurarriscos individuais e! ou coletivos, o que ométodo matemático utilizado estima é o

'efeito causalmédio' - uma redução tanto do ponto de vista individual quanto do

coletivo. As reduções - passagens lógicasnecessárias e inevitáveis à viabilização

do método - constroem representações quenão correspondem à complexidade dos

processos. O problema é que as informaçõesproduzidas por meio dos estudos derisco tendem a ser empregadas sem se levarem conta as passagens de nível lógico

que efetuam. Não se considera devidamente os limites estritos de aplicação das

estimativas de risco, 'apagando-se' assim aspectos importantes dos fenômenos

(Czeresnía &Albuquerque, 1995).

Esse 'apagamento' não é destituído de valor; pelo contrário, é por meio dele

que proliferam significados culturais. As opções envolvidas no processo em que,

por uma parte, alguma coisa se revela e, por outra, algo se oculta, correspondem a

interesses, valores e necessidades. O conceitode risco e sua enorme importância

na constituição da cultura moderna tardia (Guiddens; Beck & Lasch, 2000), é

devido, também, à exacerbação da pertinência do conceito na sua utilização social.

O conceito de risco contribuiu para a produção de determinadas racionalidades,

estratégias e subjetividades, sendo centralna regulação emonítoração de indivíduos,grupos sociais e instituições (Lupton, 1999).

O desenvolvimentodos estudos de r iscoestevevinculado a um processocultural

construtor de umhomem individualista, queenfrentou a necessidade de lidar com as

forças desagregadorasda natureza e da sociedadepor intermédio da lógicada ordem

e da proteção, ao passo que pouco investiuno amadurecimento das relações com o

outro mediante o fortalecimento de sua vitalidade e autonomia (Czeresnia, 1997).

Considerando que um dos aspectos fundamentais da idéia de promoção da saúde

é o estímulo à autonomia, retoma-se a pergunta: com que concepção de autonomia

50

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o Conceito de Saúde e o-'Diferença eníre :Prevenfão e 'J'ronwção

os projetos em promoção da saúde efetivamente trabalham? Pensar na possibilida-

de de estimular uma autonomia que potencialize a vitalidade (saúde) dos sujeitos

envolveria transformações profundas nas formas sociais de lidar com representa-

ções científicase culturais comoo risco. Não há como propor 'recomendações obje-

tivas e de execução rápida' que capacitem uma apropriação de informações sem o

'risco' da incorporação acríticade valores.

A clareza a respeito dosvalores contidos nos diferentes projetos em promoção

é um dos principais pontos problemáticos da proposta. Qualquer prática empromoção da saúde apresenta pontos de vista acerca do que é 'boa saúde'. A idéia

genérica de promover saúde esconde profundas tensões teóricas e filosó:i~as

(Seedhouse, 1997).Promoçãoda saúde contempla um amplo espectro de estratégias

técnicas e políticas que incluemtanto posturas conservadoras comoextremamente

radicais (Lupton, 1995).

Écom esse cuidado que se deve avaliar, por exemplo, propostas como a demedicina baseada em evidências, que utiliza fundamentalmente critérios e

métodos epidemiológicos para sistematizar resultados de pesquisas aplica-

das, experiências clínicas e de saúde pública (Jenicek, 1997). Como articular

um achado de best eoidence, formulado por meio do conhecimento clínico

epidemiológico, com a experiência clínica e de saúde pública? Quais a.s ~edi-

ações entre critérios operacionais e decisões práticas? Como traduz ir boasrecomendações' técnicas em ação (Jenicek, 1997)? Não será um protocolo téc-

nico que vai resolver a implementação de uma 'boa prática', o que não

desqualifica - pelo contrário - a pertinência da construção de protocolos que

otimizem a informação acerca de procedimentos.

Nãohácomo trabalhar devidamente e de modo prático a construçãoda idéia de

promoção da saúde sem enfrentar duas questões fundam~ntais :. interligadas:_a

necessidade da reflexão filosófica e a conseqüente reconfíguração da educação

(comunicação) nas práticas de saúde.

A questão filosófica é vulgarmente tida como 'diletante', pairando acima da

vida e do mundo real.Mas, semela, não há como lidar compontos obscuros que se

apresentam quando se procura dialogar e fluir entre as diferentes dimensões que

caracterizam a complexidade da saúde. Sem a reflexão, não há comodar conta dodesafio que existe em traduzir informações geradas por meio da produção de

conhecimento científico em ações que possam efetivamente promover transforma-

çõessociais,ambientais e de condutas 'não saudáveis ' dos sujeitos.Os desafios que

se apresentam, nesse sentido, não se resolvem 'apenas' com a aplicação de novos

modelos, da mesma maneira que a questão da educação não se resolve 'apenas'

com informação e capacitação técnica.

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