conceito de seguranÇa pÚblica

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    A SEGURANA PBLICA NA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988:CONCEITUAO CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADA,COMPETNCIAS FEDERATIVAS E RGOS DE EXECUO DASPOLTICAS1-2

    Cludio Pereira de Souza Neto3

    SUMRIO: I. Introduo. II. Parmetros para a conceituao constitucionalmenteadequada da segurana pblica; II.1. O conceito de segurana pblica entre o combate ea prestao de servio pblico; II.2. A segurana como direito fundamental, o princpiorepublicano e a exigncia de universalizao; II.3. Lei e ordem pblica; II.4. Limites e possibilidades do controle jurisdicional das polticas pblicas de segurana. III.Classificao das atividades policiais e rgos de execuo das polticas de segurana pblica; III.1. Classificao constitucional da atividade policial: polcia ostensiva, polcia de investigao, polcia judiciria, polcia de fronteiras, polcia martima e polcia aeroporturia; III.2. rgos policiais estaduais: Polcia Civil e Polcia Militar;III.3. rgos policiais federais: Polcia Federal, Polcia Rodoviria Federal e PolciaFerroviria Federal; III.4. Taxatividade do rol de rgos policiais; III.5. A participaode outros rgos na execuo de polticas de segurana; III.5.1. A participao das

    Foras Armadas na segurana pblica. III.5.2. A participao do Ministrio Pblico nainvestigao criminal; III.5.3. A participao de magistrados na investigao criminal;III.5.4. A Fora Nacional de Segurana; III.5.5. As guardas municipais e a participaodos municpios nas polticas de segurana pblica; III.5.6. A participao popular nas polticas de segurana pblica. IV. Concluso.

    I. Introduo

    Em maio de 2007, o Governo do Rio de Janeiro encaminhou aoPresidente da Repblica pedido para que o Governo Federal empregasse as Foras

    1 Este estudo dedicado aos colegas da OAB-RJ pelos esforos que vm empreendendo pelademocratizao da poltica de segurana no Estado do Rio de Janeiro.2 Agradeo a Ana Paula de Barcellos e a Daniel Sarmento a atenta leitura e as precisas sugestes queformularam.3 Professor da UFF e da ps-graduao da UGF. Doutor em Direito pela UERJ. Advogado e ConselheiroFederal da OAB.

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    Armadas na execuo de polticas de segurana. O pedido foi negado. Em junho, oGoverno Estadual determinou a ocupao do Complexo do Alemo. Para realiz-la,utilizou mais de 1200 homens, policiais civis e militares, alm de 150 membros daFora Nacional de Segurana. Outras operaes vm sendo realizadas em diversoslocais da cidade, tambm habitados pelas parcelas mais pobres da populao. No primeiro semestre de 2007, as mortes em confronto com a polcia aumentaram em33,5%, ao passo que as prises diminuram em 23,6%; a apreenso de armas, em14,3%; e a apreenso de drogas, em 7,3%. O Governo Estadual claramente adota umaestratgia de guerra, e isso reconhecido pelo prprio Governador: Qualquer ao dacriminalidade ter uma reao da polcia. Ao mesmo tempo no s uma ao passiva(...), mas um trabalho de combate permanente e estratgico para ganhar essa guerra. (...) Ns vamos ganhar essa guerra com muita seriedade4. O contexto presente simboliza aorientao geral que vem prevalecendo nas ltimas dcadas. Apesar de passados maisde 20 anos do fim do regime militar, as polticas de segurana pblica ainda soconcebidas como estratgia de guerra e no se submetem ao programa democrtico daConstituio Federal de 1988.

    O objetivo do presente estudo verificar o que a Constituio

    Federal tem a dizer sobre a segurana pblica. A Constituio de 1988 lhe reservoucaptulo especfico (art. 144), em que a caracteriza como dever do Estado e comodireito e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para a preservao daordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio. A Constituioestabelece ainda os rgos responsveis pela segurana pblica: a Polcia Federal, aPolcia Rodoviria Federal, a Polcia Ferroviria Federal, as polcias civis estaduais, as polcias militares e os corpos de bombeiros. A histria constitucional brasileira est

    repleta de referncias difusas segurana pblica. Mas at a Constituio de 1988, nohavia captulo prprio, nem previso constitucional mais detalhada, como agora severifica. Por ter constitucionalizado5, em detalhe, a segurana pblica, a Constituio

    4 Cabral reitera poltica de combate criminalidade (notcia de 16.06.2007). Disponvel em:http://www.imprensa.rj.gov.br.5 Em outro estudo, elaborado em co-autoria com Santos de Mendona, procuramos esclarecer os diversossentidos em que o termo constitucionalizao do direito empregado: A primeira acepo constitucionalizao-incluso imediata. Determinado assunto, antes tratado pela legislao ordinria,

    ou simplesmente ignorado, passa a fazer parte do texto constitucional. a constitucionalizao-elevaode Favoreu, transferncia, para a Constituio, da sede normativa da regulao da matria. (...). Asegunda acepo constitucionalizao-releitura s veio a receber maior ateno nos dias de hoje.

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    de 1988 se individualiza ainda no direito comparado, em que tambm predominamreferncias pontuais.

    A constitucionalizao traz importantes conseqncias para alegitimao da atuao estatal na formulao e na execuo de polticas de segurana.As leis sobre segurana, nos trs planos federativos de governo, devem estar emconformidade com a Constituio Federal, assim como as respectivas estruturasadministrativas e as prprias aes concretas das autoridades policiais. O fundamentoltimo de uma diligncia investigatria ou de uma ao de policiamento ostensivo oque dispe a Constituio. E o no apenas no tocante ao art. 144, que concerneespecificamente segurana pblica, mas tambm no que se refere ao todo do sistemaconstitucional. Devem ser especialmente observados os princpios constitucionaisfundamentais a repblica, a democracia, o estado de direito, a cidadania, a dignidadeda pessoa humana , bem como os direitos fundamentais a vida, a liberdade, aigualdade, a segurana. O art. 144 deve ser interpretado de acordo com o ncleoaxiolgico do sistema constitucional, em que se situam esses princpios fundamentais o que tem grande importncia, como se observar, para a formulao de um conceitoconstitucionalmente adequado de segurana pblica.

    A partir da afirmao da prevalncia normativa dos princpiosfundamentais, o presente estudo busca cumprir fundamentalmente quatro tarefas: (a)apresentar um conceito constitucionalmente adequado de segurana pblica; (b)examinar os limites e as possibilidades do controle jurisdicional das polticas desegurana; (c) detalhar a repartio de competncias entre os rgos policiais; (d)verificar a pertinncia de eventuais alteraes na jurisprudncia ou na forma como a

    Desde que a Constituio passou a ser compreendida comonorma jurdica dotada de superioridadeformal e material em relao s demais, era questo de tempo at que se passasse a denominar comoconstitucionalizao do Direito a percepo, mais ou menos difusa, de que todas as normasinfraconstitucionais deviam pagar algumtributo de sentido norma mxima. O fenmeno, no Brasil, vemsendo descrito e justificado em diversos estudos, com nfase nas pesquisas recentes sobre a filtragemconstitucional, a eficcia privada dos direitos fundamentais e a formao de um Direito Civil-Constitucional . (SOUZA NETO, Cludio Pereira de; MENDONA, Jos Vicente Santos de.Fundamentalizao e fundamentalismo na interpretao do princpio constitucional da livre iniciativa. In :SOUZA NETO, Cludio Pereira de; SARMENTO, Daniel [orgs.]. A constitucionalizao do direito :fundamentos tericos e aplicaes especficas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006). Cf. ainda:FAVOREU, Louis. La constitutionnalisation du droit. In : L'unit du droit: Mlanges en homage RolandDrago. Paris: Economica, 1996; BARROSO, Lus Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizaodo direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). RDA , vol. 240, abr./jun. 2005, p. 20.

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    Constituio regulou a matria. Preliminarmente, enfatiza-se apenas que as prticas policiais ainda no se submeteram ao programa democrtico institudo pelaConstituio de 1988. No so, nesse sentido concreto, prticas constitucionalizadas,comprometidas com a construo de uma repblica de cidados livres e iguais e com a promoo da dignidade da pessoa humana. No campo da segurana pblica, aconstitucionalizao efetiva da ao governamental ainda figura como objetivo a ser alcanado pelo inconcluso processo brasileiro de democratizao.

    II. Parmetros para a conceituao constitucionalmente adequada da seguranapblica

    II.1. O conceito de segurana pblica entre o combate e a prestao de serviopblico

    H duas grandes concepes de segurana pblica que rivalizamdesde a reabertura democrtica e at o presente, passando pela Assemblia NacionalConstituinte: uma centrada na idia decombate ; outra, na de prestao de servio

    pblico6

    .

    A primeira concebe a misso institucional das polcias em termos blicos: seu papel combater os criminosos, que so convertidos em inimigosinternos. As favelas so territrios hostis, que precisam ser ocupados atravs dautilizao do poder militar. A poltica de segurana formulada como estratgia deguerra. E, na guerra, medidas excepcionais se justificam. Instaura-se, ento, umapoltica de segurana de emergncia e um direito penal do inimigo7. O inimigointerno anterior o comunista substitudo pelo traficante, como elemento de

    6 Cf. CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth.O futuro de uma iluso: o sonho de uma nova polcia.Freitas Bastos, 2001; DORNELLES, Joo Ricardo Wanderley. Violncia urbana, direitos da cidadania e polticas de segurana..., cit.; SULOCKI, Vitria Amlia de B. C. G.Segurana pblica e democracia...,cit.; MUNIZ, Jacqueline; PROENCA JUNIOR, Domnio. Os rumos da construo da polcia democrtica.

    Boletim IBCCrim , v. 14 , n. 164, jul. 2006; SOUZA, Luis Antonio Francisco de. Polcia, Direito e poder de policia. A polcia brasileira entre a ordem publica e a lei. Revista Brasileira de Cincias Criminais , v.11, n. 43, abr./jun. 2003; SILVA, Jorge da.Segurana pblica e polcia: criminologia crtica aplicada.Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 189 ss.7 Cf.: ZAFFARONI, Eugenio Ral.O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007; JACKOBS,Gnther; CANCIO MELI, Manuel. Derecho penal del enemigo . Madri: Civitas, 2003.

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    justificao do recrudescimento das estratgias blicas de controle social8. O modelo reminiscente do regime militar, e, h dcadas, tem sido naturalizado como o nico quese encontra disposio dos governos, no obstante sua incompatibilidade com a ordemconstitucional brasileira. O modelo tem resistido pela via da impermeabilidade dascorporaes policiais, do populismo autoritrio de sucessivos governos e do discursohegemnico dos meios de comunicao social9. Com os atentados de 11 de setembro,voltou a ser praticado no plano internacional. Elevado condio de nica alternativaeficaz no combate ao terrorismo, tem justificado violaes sucessivas aos direitoshumanos10 e s normas mais bsicas que regem o convvio entre as naes11.

    A segunda concepo est centrada na idia de que a segurana um servio pblico a ser prestado pelo Estado12. O cidado o destinatrio desse

    8 A concepo autoritria se apia em um modelo de sociedade centrado no conflito. Nessa tradio dateoria poltica, se inserem autores como Maquiavel, Hobbes e Schmitt, que compartilham um ponto devista pessimista sobre os seres humanos, ao caracteriz-los como vocacionados para a prtica dehostilidades recprocas. Para Schmitt, por exemplo, a poltica se define como relao amigo-inimigo(SCHMITT, Carl.O conceito do poltico . Petrpolis: Vozes, 1992). Se o meio social se caracteriza peloconflito, o poder poltico deve interferir incisivamente na limitao da liberdade, deve decidir os conflitossociais e estabelecer a ordem. No por outra razo que desse tipo de construo resultam estadosautoritrios. A ditadura no vista como algo negativo, mas como alternativa aceitvel desordem e guerra, que ameaariam em maior grau a vida e a propriedade das pessoas. Assume preocupante

    pertinncia a conhecida sentena de Clausewitz, para o qual a guerra no somente um ato polt ico, masum verdadeiro instrumento poltico, uma continuao das relaes polticas, uma realizao destas por outros meios (CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. So Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 27).9 Cf. CERQUEIRA, Carlos M. Nazareth. Remilitarizao da segurana pblica: a operao Rio.

    Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, n. 1, 1996; SILVA, Jorge da.Segurana pblica e polcia..., cit., p. 532 ss.; MORETZSOHN, Sylvia. Imprensa e criminologia: o papel do jornalismo nas polticas de excluso social. Covilh: Universidade da Beira Interior, 2003.10 Nos Estados Unidos, aps os atentados de 11 de setembro, foi editada legislao de emergncia,chamadaUSA Patriot Act , que prev, dentre outras medidas, a ampliao da possibilidade de priso parainvestigaes, de buscas em domiclio e de escutas telefnicas, alm de restringir os contatos dosinvestigados com seus advogados. Cf. ACKERMAN, Bruce. The Emergency Constitution.Yale Law

    Journal , vol. 113, n. 5, 2004; VIANO, Emilio. Medidas extraordinarias para tiempos extraordinarios:

    poltica criminal tras el 11.09.2001. Revista Brasileira de Cincias Criminais , n. 52, 2005. 11 Aps os atentados de 11 de setembro, os EUA tm iniciado uma guerra global contra o terrorismo,em que se incluem aes preventivas, sem declarao formal de guerra, em qualquer lugar no globo, e ouso corrente operaes clandestinas. Cf. FOLLIS, Luca. Laboratory of war: Abu Ghraib, the humanintelligence network and the Global War on Terror.Constellations , vol. 14, n. 4, dez., 2007, p. 636: Aresposta da administrao foi a elaborao da Doutrina Bush e a implementao da guerra global contrao terrorismo. Desde setembro de 2002, o Presidente Bush procura distingui-la de qualquer outra guerraem que os EUA tenham se engajado no passado, enfatizando que ela (1) no se apia em nenhumadeclarao formal de guerra ou de fim das hostilidades; (2) no tem nenhum inimigo claramente definido;e (3) no est confinada a nenhuma regio geogrfica particular. Talvez mais importante, o Presidentetem frequentemente enfatizado que, ao lado das operaes convencionais, a guerra contra o terror demanda operaes secretas e clandestinas.12

    Pode-se argumentar que a segurana pblica no pode ser definida como servio pblico, mas comoatividade de polcia administrativa, j que serviria restrio da liberdade individual. O exerccio do poder de polcia seria funo exclusiva de estado. Contudo, a garantia da segurana pblica exibe

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    servio. No h mais inimigo a combater, mas cidado para servir. A polciademocrtica, prestadora que de um servio pblico, em regra, uma polcia civil,embora possa atuar uniformizada, sobretudo no policiamento ostensivo. A polciademocrtica no discrimina, no faz distines arbitrrias: trata os barracos nas favelascomo domiclios inviolveis13; respeita os direitos individuais, independentemente declasse, etnia e orientao sexual; no s se atm aos limites inerentes ao Estadodemocrtico de direito, como entende que seu principal papel promov-lo. Aconcepo democrtica estimula a participao popular na gesto da segurana pblica;valoriza arranjos participativos e incrementa a transparncia das instituies policiais.Para ela, a funo da atividade policial gerar coeso social14, no pronunciar antagonismos; propiciar um contexto adequado cooperao entre cidados livres eiguais15. O combate militar substitudo pela preveno, pela integrao com polticas

    carter tipicamente prestacional. O elemento dominante da noo a atuao positiva do Estado, nosentido de proteger a segurana, no a limitao da liberdade dos que atentam contra a segurana. Essanfase atuao positiva do Estado atribuda noo de segurana pblica pelo j referidocaput doartigo 144 da Constituio Federal. Para a reconstruo do debate sobre o conceito de servio pblico, cf.ARAGO, Alexandre Santos de. A dimenso e o papel dos servios pblicos no Estado contemporneo .(Tese de Doutorado em Direito). So Paulo: USP, 2005. Para a caracterizao da segurana como servio pblico, cf.: SANTIN, Valter Foleto.Controle judicial da segurana pblica : eficincia do servio na preveno e represso ao crime. So Paulo: RT, 2004.13

    A condio de domiclio inviolvel j foi reconhecida aos casebres das favelas pelo SupremoTribunal Federal, em deciso monocrtica. Cf. STF, DJ U 15 set. 1997, SS n 1.203, Min. Celso de Mello. Na verdade, aplica-se tambm aqui o parmetro geral constitudo pelo STF para interpretar o conceito decasa para efeito de inviolabilidade domiciliar: Para os fins da proteo jurdica a que se refere o art. 5,XI, da Constituio da Repblica, o conceito normativo de casa revela-se abrangente, por estender-se aqualquer aposento de habitao coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, 4, II) (STF, DJU 18 mai.2007, RHC n 90.376, Rel. Min. Celso de Mello).14 Como se sabe, a idia de coeso social qualificada, por importantes publicistas, como a principaltarefa a ser exercida pelo Estado quando este presta servios pblicos. A noo tem origem na Escola doServio Pblico, desenvolvida no incio do Sculo XX, na Frana. De acordo com Lon Duguit, seu principal precursor, servio pblico pode ser definido como toda atividade cuja realizao deve ser assegurada, regulada e controlada pelos governantes, porque a consecuo dessa atividade indispensvel concretizao e ao desenvolvimento da interdependncia social, e de tal natureza que s pode ser realizada completamente pela interveno da fora governante (DUGUIT, Lon.Trait de Droit Constitutionnel . Pars: Ancienne Librairie Fontemoing, 1928, T. II, p. 59). Como se v, o conceito deDuguit est fortemente assentado nas idias de solidariedade e de cooperao . Cf. FARIAS, JosFernando Castro. A o rigem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998; Id . A teoria doestado no fim do Sculo XIX e no incio do Sculo XX: os enunciados de Lon Duguit e de MauriceHauriou. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. Na literatura jurdica brasileira atual, sobre a noo decoeso social, como a que explica e legitima a instituio de servios pblicos, cf. GRAU, ErosRoberto. A Ordem econmica na constituio de 1988. 11.ed. So Paulo: Malheiros, 2006, p. 130;ARAGO, Alexandre Santos de. A dimenso e o papel dos servios pblicos no estado contemporneo ,cit. De acordo com este ltimo: O fundamento ltimo da qualificao jurdica de determinada atividadecomo servio pblico foi e ser pressuposto da coeso social e geogrfica de determinado pas e dadignidade de seus cidados (p. 357).15

    A concepo democrtica entende que o cidado tambm talhado para a cooperao social. Nessavertente do pensamento poltico, inserem-se autores como Rousseau, Heller e Habermas. A polmicaentre Heller e Schmitt, sobre o conceito do poltico, ajuda a esclarecer o papel fundamental que a idia

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    sociais, por medidas administrativas de reduo dos riscos e pela nfase na investigaocriminal. A deciso de usar a fora passa a considerar no apenas os objetivosespecficos a serem alcanados pelas aes policiais, mas tambm, e fundamentalmente,a segurana e o bem-estar da populao envolvida.

    A diferena entre as duas concepes revela-se, por exemplo, naforma como lidam com o envolvimento de policiais em episdios de confronto armado. No mesmo perodo (de 1995 a 1998), os Governos do Estado do Rio de Janeiro e doEstado de So Paulo davam respostas divergentes para esse tipo de evento. No Rio deJaneiro, a poltica de segurana era comandada por um general, que instituiu agratificao por bravura (apelidada de gratificao faroeste)16. Se o policial seenvolvia em confronto armado, era gratificado pecuniariamente. O resultado foi oaumento da truculncia policial e a simulao reiterada de situaes de confronto, com aelaborao de autos de resistncia fraudulentos. Em So Paulo, a Secretaria deSegurana instituiu o PROAR (Programa de Acompanhamento de Policiais Envolvidosem Ocorrncia de Alto Risco). Quando o policial se envolvia em confrontos, eraafastado das ruas e submetido a tratamento psicolgico; no recebia qualquer tipo degratificao por bravura. O objetivo da poltica era reduzir o arbtrio de autoridades

    policiais e circunscrever o uso da fora aos casos de necessidade efetiva. Essas formasde lidar com episdios de confronto armado revelam a divergncia fundamental entre asduas concepes de segurana pblica. Enquanto a primeira entende o policial como

    combatente , que deve ser premiado por seu herosmo, a segunda lhe confere a condiode servidor , que, para dar conta de suas importantes responsabilidades, deve estar psicologicamente apto17.

    de cooperao exerce no regime democrtico. Heller se contrape perspectiva de Carl Schmitt, aosustentar que o que caracteriza a democracia exatamente a existncia de um fundamento comum para adiscusso, de um fair play diante do adversrio pblico, de uma unidade na multiplicidade deopinies. Essa unidade obtida quando est garantido certo grau de homogeneidade social (esta concebida por Heller em termos econmicos), que capaz de gerar uma conscincia do sentimento dons, uma vontade comunitria que se atualiza. (HELLER, Hermann. Dmocratie politique ethomognit sociale. Revue Cits , n. 6, maio, 2001. p. 205). Ao invs de justificar a ditadura, comoocorre na vertente autoritria, a perspectiva democrtica enfatiza a necessidade de se garantirem ascondies econmicas e sociais para que todos os cidados se vejam motivados a cooperar, por receberemda coletividade o tratamento que lhes devido por razes de justia. Sobre o lugar da cooperao socialna teoria constitucional contempornea, cf. SOUZA NETO, Cludio Pereira de.Teoria constitucional edemocracia deliberativa . Rio de Janeiro: Renovar, 2006.16 Decreto n 21.753/95.17 Os exemplos so lembrados por CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Polticas de segurana pblica..., cit., p. 69 ss.

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    Quando, no art. 144, tratou especificamente da segurana pblica,a Constituio no optou, com a preciso desejvel, nem por um nem por outro modelo.Por um lado, concebeu como finalidade das polticas de segurana a preservao daincolumidade das pessoas e do patrimnio. Por outro lado, manteve parte importanteda polcia militarizada. Embora subordinadas aos governadores dos estados, as polciasmilitares continuam previstas como foras auxiliares e reservas do Exrcito (art. 144,5). A Constituio Federal, no captulo especfico sobre a segurana pblica, estrepleta de conceitos imprecisos. o caso do de ordem pblica, que pode ser mobilizado, de acordo com as circunstncias, para justificar um ou outro tipo deinterveno policial18. passvel de incorporaes autoritrias, como a realizada pelas polticas de lei e ordem, de tolerncia zero19. Mas tambm pode habitar o discursodemocrtico, ao ser concebida como ordem republicana do estado democrtico dedireito.

    Contudo, apenas uma interpretao apressada poderia concluir que, por conta da ambigidade que exibe no captulo especfico sobre segurana pblica(art. 144), a Constituio pode justificar tanto polticas autoritrias quanto polticas

    democrticas. Um conceito de segurana pblica adequado Constituio de 1988 umconceito que se harmonize com o princpio democrtico, com os direitos fundamentais ecom a dignidade da pessoa humana. Por conta de sua importncia para a configuraode um estado democrtico de direito20, os princpios fundamentais produzem eficcia

    18 Cf. SULOCKI, Vitria Amlia de B. C. G.Segurana pblica e democracia..., cit., p. 151.19 Cf. BATISTA, Vera Malaguti. Intolerncia dez, ou a propaganda a alma do negcio. DiscursosSediciosos: Crime, Direito e Sociedade, n. 4, 1997; BELLI, Benoni.Tolerncia zero e democracia no

    Brasil: vises da segurana pblica na dcada de 90. So Paulo: Perspectiva, 2004; WACQUANT, Loc.A globalizao da tolerncia zero. Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, ano 5, n. 9 e 10,2000.20 No h hierarquia formal entre as normas constitucionais, mas h hierarquia material. Como esclareceAna Paula de Barcellos, embora os princpios no disponham de superioridade hierrquica sobre asdemais normas constitucionais, at mesmo por fora da unidade da Constituio, fcil reconhecer-lhesuma ascendncia axiolgica sobre o texto constitucional em geral (BARCELLOS, Ana Paula de. Aeficcia jurdica dos princpios constitucionais: o princpio da dignidade da pessoa humana. Rio deJaneiro: Renovar, 2002, p. 74). Cf., ainda: GRAU, Eros Roberto. A ordem econmica na Constituio

    Federal de 1988, cit., p. 80-82; SILVA, Virglio Afonso da. Interpretao constitucional e sincretismometodolgico.In: SILVA, Virglio Afonso da (org.). Interpretao constitucional. So Paulo: Malheiros,2005, p. 123.

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    irradiante sobre os demais preceitos que compe a Constituio21, inclusive sobreaqueles especificamente relacionados segurana pblica. Por essa razo, apenas as polticas de segurana pblica aliceradas em concepes democrticas, comprometidascom a observncia efetiva desses princpios, so compatveis com a ConstituioFederal.

    II. 2. A segurana como direito fundamental, o princpio republicano e a exignciade universalizao

    A segurana pblica um servio pblico que deve ser universalizado de maneira igual. Ademais de resultar dos princpios fundamentais acimamencionados, a compreenso extrada do fato de ocaput do art. 144 afirmar que asegurana pblica dever do estado e direito de todos. Desde ocontratualismo dossculos XVII e XVIII, preservar a ordem pblica e a incolumidade das pessoas e do patrimnio a funo primordial que justifica a prpria instituio do poder estatal. NaEra Moderna, a segurana era o elemento mais bsico de legitimao do Estado, o

    mnimo que se esperava da poltica. Na retrica novecentista dolaissez faire, asegurana chegava a ser concebida como a nica funo do estado guarda-noturno. O

    estado social no s mantm a preocupao central com a segurana, como amplia o seuescopo, concebendo-a como segurana social contra os infortnios da economia demercado22.

    O art. 5 da Constituio Federal, em seucaput , eleva a segurana condio de direito fundamental. Como os demais, tal direito deve ser universalizado

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    Cf. BARROSO, Lus Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O comeo da histria. A novainterpretao constitucional e o papel dos princpios no Direito brasileiro. In: BARROSO, Lus Roberto(org.). A nova interpretao constitucional: ponderao, direitos fundamentais e relaes privadas. Rio deJaneiro: Renovar, 2003, p. 368. No interior do sistema de direitos fundamentais, h a necessidade de se proceder a uma interpretao conforme a dignidade humana. Cf.: SARLET, Ingo Wolfgang. Algumasnotas em torno da relao entre o princpio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais naordem jurdica constitucional brasileira. In: LEITE, George Salomo (org.). Dos princpiosconstitucionais: consideraes em torno das normas principiolgicas da Constituio. So Paulo:Malheiros, 2003, p. 199. Cf. tambm: SARLET, Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos

    fundamentais na Constituio Federal de 1988 . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 85 ss.22 O neoliberalismo, relativamente segurana, empreende um duplo movimento. De um lado, dissolve asconquistas do estado social quanto segurana social. De outro lado, hipertrofia o controle penal, comomecanismo de conteno dos excludos. Da a percepo de que o estado social transita para o estado penal. Cf. WACQUANT, Loc. A ascenso do Estado penal nos EUA. Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, n. 11, 2002.

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    de maneira igual: no pode deixar de ser prestado parcela mais pobre da populao, ou prestado de modo seletivo. Alm de ser decorrncia da titularidade veiculada nocaput do art. 144 (a segurana [...] direito de todos ) e de sua jusfundamentalidade, aexigncia da universalizao igual da segurana pblica, da no seletividade, decorreainda do princpiorepublicano . Em uma repblica, o Estado res pblica, coisa pblica. Por isso, a Administrao, em que se incluem os rgos policiais, deve tratar atodos os administrados com impessoalidade,i.e., de maneiraobjetiva e imparcial 23. Oadministrador no pode conceder benefcios ou onerar os administrados tendo em vistaseus preconceitos e preferncias; no pode estabelecer distines que adotem comocritrio a classe social, a cor da pele ou o local de moradia (CF, art. 3, IV).24 O programa constitucional nos impe a superao da tendncia atual de se conceber parteda populao como a que merece proteo as classes mdias e altas e parte como aque deve ser reprimida os excludos, os negros, os habitantes das favelas25.

    O tema da universalizao igual da segurana pblica foienfrentado pelo STF ao examinar uma questo especfica de direito tributrio. O STFtem entendidono ser vlida a cobrana de taxa de segurana pblica. Ataxa umtipo de tributo que s pode ser exigido em razo do exerccio do poder de polcia26 e

    23 No mbito infraconstitucional, a noo de imparcialidade est expressamente prevista na Lei 8.429/92,cujo art. 11 determina: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princpios daadministrao pblica qualquer ao ou omisso que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,legalidade, e lealdade s instituies (...). No constitucionalismo estrangeiro, a imparcialidade, aoinvs da impessoalidade, utilizada, dentre outras, pela Constituio Portuguesa, cujo art. 266, 2,determina: Os rgos e agentes administrativos esto subordinados Constituio e lei e devem actuar,no exerccio das suas funes, com respeito pelos princpios da igualdade, da proporcionalidade, da justia, da imparcialidade e da boa-f. A imparcialidade aparece ainda na Constituio Italiana (art. 97):As administraes pblicas so organizadas segundo as disposies legais, de modo que sejamassegurados o bom andamento e a imparcialidade da administrao. Na literatura jurdica brasileira, cf.:VILA, Ana Paula Oliveira.O princpio da impessoalidade da Administrao pblica : para umaAdministrao imparcial. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 107 ss.24 Os atos administrativos que violam a imparcialidade so atos nulos. A dogmtica especializada hmuito trata do tema, e tradicionalmente caracteriza a violao da imparcialidade como hiptese dedesviode finalidade . Cf. Lei n 4.717/65, art. 2, alnea e. A vinculao dos atos administrativos ao interesse pblico no significa, obviamente, que a Administrao pblica no possa atender aos interesses privadosdos administrados. Pode faz-lo. Deve apenas, quando acolhe demandas individuais, agir de acordo com padres objetivos e imparciais, aplicveis a todos que se encontrem nas mesmas condies. Nessashipteses, o interesse pblico estar justamente no atendimento s pretenses particulares.25 Cf. SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. A Constituio aberta e os direitos fundamentais . Rio deJaneiro: Forense, 2003. p. 266.26 A referncia a poder de polcia contida no preceito constitucional tributrio tem um sentido diferente

    do que recebe no contexto das polticas de segurana pblica. Poder de polcia conceito bsico dodireito administrativo: traduz a noo de que a administrao pblica tem a faculdade de restringir aliberdade dos particulares com a finalidade de realizar o interesse pblico. Quando a liberdade do

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    da prestao de servio pblico especfico e divisvel (CF, art. 145, I)27. A instituiode taxa faz com que a tributao incida mais intensamente sobre os particulares queefetivamente demandam a atuao governamental. Mas a segurana pblica no umservio pblico que possua beneficirios juridicamente individualizveis e que possa ser compartimentada de tal modo que se identifique em que medida cada cidado se beneficia. O STF tem entendido que, tanto por sua natureza quanto por imposioconstitucional (a segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade detodos [...] ), se trata de servio pblico inespecfico e indivisvel, devendo, por essarazo, ser mantido atravs deimpostos , no de taxas28. A compreenso inversalegitimaria a prestao do servio em diferente quantidade ou qualidade conforme acapacidade econmica do contribuinte o que seria inadmissvel, j que umadistribuio formalmente igual da segurana talvez o elemento primordial delegitimao do estado moderno.

    Isso no impede, contudo, que sejam constitudas empresasespecializadas na prestao de servio de segurana privada 29. De acordo com o art. 10

    particular limitada pela administrao pblica quando, por exemplo, o particular se submete s normasestabelecidas pela vigilncia sanitria , tem lugar a ocorrncia do fato gerador de uma taxa. De acordocom o art. 78 do Cdigo Tributrio Nacional, considera-se poder de polcia atividade da administrao pblica que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prtica de ato ouabsteno de fato, em razo de interesse pblico concernente segurana, higiene, ordem, aoscostumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes deconcesso ou autorizao do Poder Pblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aosdireitos individuais ou coletivos. No s isso que ocorre quando o Estado cria estruturasadministrativas para preservar a ordem pblica e a incolumidade das pessoas e do patrimnio, isto , para prover segurana pblica. O que h, no contexto particular ora examinado, a prestao de um servio pblico . Mas no de um servio pblico especfico e divisvel, como o fornecimento de gua ou luz, cuja prestao tambm fato gerador de taxa.27 De acordo com o art. 77 do Cdigo Tributrio Nacional, as taxas (...) tm como fato gerador oexerccio regular do poder de polcia, ou a utilizao, efetiva ou potencial, de servio pblico especfico e

    divisvel, prestado ao contribuinte ou posto sua disposio. Segundo o art. 79, os servios pblicos aque se refere o art. 77 consideram-se: I utilizados pelo contribuinte: a) efetivamente, quando por eleusufrudos a qualquer ttulo; b) potencialmente, quando, sendo de utilizao compulsria, sejam postos sua disposio mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento; II especficos, quando possam ser destacados em unidades autnomas de interveno, de unidade, ou de necessidades pblicas;III divisveis, quando suscetveis de utilizao, separadamente, por parte de cada um dos seus usurios.28 STF, DJU 20 mai. 2005, Rcl-AgR n 2.617, Rel. Min. Cezar Peluso; DJU 18 jun. 2004, ADI n 2.424,Rel. Min. Gilmar Mendes ; e DJU 22 out. 1999, ADI-MC n 1.942, Rel. Min. Moreira Alves.29 Em alguns casos, o STF vem entendendo, at mesmo, ser responsabilidade do particular prover asegurana. o que ocorre com os estabelecimentos bancrios, cuja funo fundamental justamentegarantir a segurana do patrimnio dos correntistas. De acordo com o STF, pelo fato de a segurana pblica ser dever do Estado, isso no quer dizer que a ocorrncia de qualquer crime acarrete a

    responsabilidade objetiva dele, mxime quando a realizao deste propiciada, como no caso entendeu oacrdo recorrido, pela ocorrncia de culpa do estabelecimento bancrio, o que, conseqentemente,ensejou a responsabilidade deste com base no artigo 159 do Cdigo Civil (STF, j. 19 out. 1999, AI-AgR

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    da Lei n 7.102/83, com a redao dada pela Lei n 8.863/94, consideram-se servios desegurana privada proceder vigilncia patrimonial das instituies financeiras e deoutros estabelecimentos, pblicos ou privados, bem como a segurana de pessoasfsicas e realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipode carga30. Tais atividades devem, contudo, se circunscrever prestao do servio desegurana privada, que no se confunde com o estabelecimento de associao de carter paramilitar. A hiptese expressamente vedada pela Constituio Federal, que, aogarantir a plena liberdade de associao, proscreve a de carter paramilitar (art. 5,XVII), e determina constituir crime inafianvel e imprescritvel a ao de gruposarmados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrtico (art.5, XLIV). A Constituio brasileira , portanto, incompatvel com a criao de milciasurbanas ou rurais, como vem ocorrendo em diversas localidades brasileiras, em quegrupos armados se constituem, seja para dar suporte grilagem, seja para extorquir moradores de favelas, sob o pretexto de proteg-los.

    II.3. Lei e ordem pblica

    No caput do art. 144, a Constituio determina que as polticas de

    segurana se destinem preservao da ordem pblica e incolumidade das pessoase do patrimnio. natural que essa seja a tarefa fundamental do servio pblico desegurana prestado ao cidado. No entanto, o uso da noo de ordem pblica que um conceito jurdico indeterminado31 abre-se a diferentes apropriaes, democrticase autoritrias, comprometidas ou no com o respeito ao estado democrtico de direito ecom a preservao da legalidade.

    n 239.107, Rel. Min. Moreira Alves). No por outra razo que a lei veda o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentao de numerrio, que no possuasistema de segurana (art. 1 da Lei n 7.102/83).30 No mbito federal, cf. ainda Lei n 9.017/95; Decreto n 89.056/83; Decreto n 1.592/95; Portaria doDepartamento de Polcia Federal n 292/1995; Portaria do Departamento de Polcia Federal n 1.129/95;Portaria do Departamento de Polcia Federal n 387/2006.31 Cf. BINENBOJM, Gustavo.Uma teoria do direito administrativo . Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.212: Com efeito, as normas jurdicas podem trazer, em seu enunciado,conceitos objetivos (idade, sexo,hora, lugar), que no geram dvidas quanto extenso de seu alcance;conceitos cujo contedo decifrvel objetivamente , com recurso experincia comum ou a conhecimentos cientficos (chuva degranizo, morte natural, trfego lento); e finalmente,conceitos que requerem do intrprete da norma umavalorao (interesse pblico, urgncia, bons antecedentes, notrio saber, reputao ilibada, notriaespecializao). Estes ltimos integram o que se entende por conceitos jurdicos indeterminados , cujo processo de aplicao causa dvidas e controvrsias, propugnando-se ora por um controle jurisdicionalamplo, ora um controle limitado, dependendo de sua associao ou dissociao da discricionariedade.

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    A noo de ordem pblica j esteve no cerne dos discursos delegitimao das ditaduras. Para o pensamento autoritrio, o fundamental que tenhalugar uma deciso poltica capaz de estabelecer a ordem, de substituir o dissenso poltico pela adeso, ainda que imposta pela fora, a um determinado conjunto devalores, subtrados esfera das divergncias32. Se a ordem est em confronto com a lei,a opo dos autoritrios sempre pela ordem33. Legitimidade e legalidade soconcebidas como eventualmente antagnicas, no como dimenses vinculadas de ummesmo arcabouo jurdico-institucional: mais importante que preservar a lei manter aordem, ditada pela vontade de quem teve fora para tomar a deciso soberana34.

    Essa orientao no estranha cultura das instituies policiais brasileiras. A lei muitas vezes entendida como um entrave garantia da ordem pblica; e os direitos humanos, como obstculos atuao eficiente das autoridades policiais. Em pesquisa realizada pela Fundao Joo Pinheiro, da UFMG, foramentrevistados oficiais e praas que atuam em Belo Horizonte: 41,9% dos oficiais e67,9% dos praas concordaram totalmente com a afirmao de que o policial militar,hoje, encontra-se impossibilitado de realizar bem o seu trabalho, j que existem muitas

    leis que garantem direitos aos criminosos35. A partir dessa cultura institucional, afuno das polcias freqentemente entendida como a de manter a ordem, no a de preservar a lei. Legitimam-se, ento, aes policiais truculentas, torturas e prisesarbitrrias. Em regra, essas prticas se articulam com um olhar seletivo, que constitui

    32 No ambiente de radicalizao que caracterizou a dcada de 30, alguns juristas, afinados com aconteno do pluralismo, lanaram mo dessa construo. No Brasil, foi o caso de Francisco Campos. Emtexto de 1935, de ntido corte fascista, o autor observa que as decises polticas fundamentais so

    declaradas tabu e integralmente subtradas ao princpio da livre discusso. (CAMPOS, Francisco. A poltica e o nosso tempo. In: Id. O estado nacional. Braslia: Senado Federal, 2001. p. 28).33 Essa concepo foi especialmente desenvolvida por Carl Schmitt, para o qual a Constituio (aquiloque o autor denomina Constituio em sentido positivo) deve ser definida como a deciso polticafundamental do poder constituinte. Em face dela, todas as regulaes normativas seriamsecundrias; no se confundiria, conseqentemente, com um conjunto de leis constitucionais. (Teorade la constitucin . Madrid: Alianza, 1996. p. 45 ss.). especialmente nos contextos deexceo que adeciso poltica fundamental aflora sobre as leis constitucionais ( Ibid . , p. 50).34 Cf. SCHMITT, Carl. Political theology : four chapters on the concept of sovereignty. Cambridge,Mass.; London: The MIT Press, 1988.35 Os dados foram colhidos em pesquisa da Fundao Joo Pinheiro, concluda em 2001, e soreproduzidos em: SAPORI, Lus Flvio. Os desafios da polcia brasileira na implementao da ordemsob a lei. In: RATTON, Jos Luiz; BARROS, Marcelo (coords.). Polcia, democracia e sociedade . Riode Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 126.

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    inimigos da ordem. O papel geralmente recai sobre os excludos, em especial sobre osnegros e os moradores de favelas, que figuram como alvo principal da persecuocriminal. Trata-se da conhecida reao em cadeia da excluso social36, que atinge parte considervel da populao brasileira, reduzida condio de subcidadania.37

    Uma ordem pblica democrtica, em contraste, aquelaestruturada pela Constituio e pelas leis. Preservar a ordem pblica significa,sobretudo, preservar o direito, a ordem juridicamente estruturada, garantir a legalidade.Polticas pblicas e aes policiais que desconsiderem os direitos fundamentaistransgridem, at no mais poder, a prpria ordem pblica que pretendem preservar. Ademocracia poltica depende do exerccio do poder em conformidade com o direito. No difcil constatar que apenas essa orientao compatvel com a Constituio Federalde 1988, e que, por essa razo, grande parte das polticas de segurana praticadas nasltimas duas dcadas est em confronto, aberto ou velado, com a presente ordemconstitucional.

    O tema da vinculao dos rgos policiais legalidade pode ser apresentado ainda como problema de desenho institucional. Hoje, observa-se, em

    diversos ramos do direito, progressiva flexibilizao da legalidade. Tradicionalmente,entendia-se que a Administrao Pblica estaria vinculada positivamente lei: s poderia agir quando o legislador assim determinasse38. Atualmente, prope-se que oadministrador no mais se vincule estritamente lei, mas ao direito, que tambm composto por princpios39. Se houver um princpio constitucional que d fundamento ao

    36 MLLER, Friedrich. Que grau de excluso social ainda pode ser tolerado por um sistema democrtico? Revista da Procuradoria-Geral do Municpio de Porto Alegre, ed. especial, outubro de 2000.37 SOUZA, Jess. A construo social da subcidadania : para uma sociologia poltica da modernidade perifrica. Belo Horizonte: UFMG, 2003; SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. A Constituio aberta eos direitos fundamentais , cit., p. 273.38 O tema enfrentado no seguinte aresto: O ato administrativo, no Estado Democrtico de Direito, estsubordinado ao princpio da legalidade (CF/88, arts. 5, II, 37,caput , 84, IV), o que equivale assentar quea Administrao s pode atuar de acordo com o que a lei determina. Desta sorte, ao expedir um ato quetem por finalidade regulamentar a lei (decreto, regulamento, instruo, portaria, etc.), no pode aAdministrao inovar na ordem jurdica, impondo obrigaes ou limitaes a direitos de terceiros (STJ,

    DJU 6 dez. 2004, REsp n 584.798, Rel. Min. Luiz Fux).39 A Lei n 9784/99, que regula o processo administrativo no mbito da Unio, j incorpora, no art. 2, pargrafo nico, inciso I, essa referncia vinculao lei e ao direito: Nos processos administrativos

    sero observados, entre outros, os critrios de: I - atuao conforme a lei e o Direito. Essa novatendncia, ainda no consolidada, caracterizou, por exemplo, um dos primeiros atos de granderepercusso editados pelo Conselho Nacional de Justia. Refiro-me Resoluo n 7, de 18 de outubro de

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    ato administrativo, este ser considerado vlido, mesmo que no se baseie em umanorma legal. Semelhante tem ocorrido com os juzes. O juiz do passado deveria aplicar a lei. O juiz de hoje tambm est autorizado a aplicar princpios e a ponderar asconseqncias concretas de suas decises40. No que toca s autoridades policiais, esse um problema de desenho institucional porque lhes imputar um ou outro papel dependede uma deciso poltica, assentada em uma avaliao do contexto em que as instituiesse inserem41. No contexto presente, de violao continuada dos direitos humanos e damoralidade administrativa, no h dvida de que a melhor alternativa restringir aatuao policial aos procedimentos expressamente autorizados pelos textos legais42.

    2005, a qual, com vistas concretizao dos princpios da moralidade e da impessoalidade, consagradosno art. 37,caput , da Constituio, proscreveu, no mbito do Poder Judicirio, a prtica do nepotismo, edefiniu quais condutas podem ser assim classificadas. A questo j foi submetida ao Supremo TribunalFederal, que confirmou a possibilidade (STF, Informativo STF 416, ADC-MC n 12, Rel. Min. CarlosBritto). Na doutrina, cf. BINENBOJM, Gustavo.Uma teoria do direito administrativo , cit.; ARAGAO,Alexandre Santos de. Legalidade e regulamentos administrativos no Direito Contemporneo (uma analisedoutrinaria e jurisprudencial). Revista Forense , v. 99, n. 368, jul.-ago. 2003.40 Cf., p. ex.: SOUZA NETO, Cludio Pereira de. A interpretao constitucional contempornea entre oconstrutivismo e o pragmatismo. In : MAIA, Antnio Cavalcanti; MELO, Carolina de Campos;CITTADINO, Gisele; POGREBINSCHI, Thamy (orgs.). Perspectivas atuais da filosofia do direito . Riode Janeiro: Renovar, 2005.41 Cf. STRUCHINER, Noel. Para falar de regras: o positivismo conceitual como cenrio para uma

    investigao filosfica acerca dos casos difceis do direito (Tese de Doutorado). Rio de Janeiro : PUC-Rio, Departamento de Filosofia, 2005. p. 165: No existe nenhum motivo para acreditar que o modeloformalista o modelo mais adequado para todas as esferas ou ambientes de tomada de decises jurdicas. possvel, por exemplo, que uma sociedade no queira que os policiais tenham a capacidade de deliberar acerca das justificativas subjacentes s regras em cada momento de aplicao das mesmas, porque noteriam condies de entender as razes que explicam a sua existncia, ou porque, em funo do cargo queocupam, no teriam a iseno necessria para avaliar essas razes. Por outro lado, possvel que a mesmasociedade confie amplamente nos juzes das cortes superiores. Nesse caso, a existncia de um modelo particularista seria mais adequada. O ponto que a escolha por um ou outro modelo contextual. Aescolha por um modelo de regras, isto , um modelo acontextual (que no avalia todos os aspectos docontexto, mas apenas os fatores previamente estabelecidos e destacados como relevantes pelas regras) em si mesma uma escolha feita contextualmente e depende principalmente do grau de confiana queexiste em relao aos responsveis pela tomada de decises.42 No foi outra a percepo que inspirou o ato constituinte, ao positivar, com sta tus jusfundamental, umasrie de direitos e garantias especialmente dirigidos limitao da persecuo criminal. No art. 5, aConstituio caracterizou a casa como asilo inviolvel do indivduo; instituiu a inviolabilidade dosigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas;caracterizou a prtica da tortura como crime inafianvel e insuscetvel de graa ou anistia; assegurou aos presos o respeito integridade fsica e moral; estabeleceu que ningum deve ser processado nemsentenciado seno pela autoridade competente; proscreveu a utilizao das provas ilcitas; instituiu aimpossibilidade de algum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada deautoridade judiciria competente; determinou a comunicao imediata da priso de qualquer pessoa, bemcomo o local onde se encontre, ao juiz competente e famlia do preso ou pessoa por ele indicada;assegurou ao preso a prerrogativa de permanecer calado, bem como de contar com a assistncia da famliae de advogado; atribuiu-lhe o direito identificao dos responsveis por sua priso ou por seuinterrogatrio policial; conferiu s autoridades judicirias o dever de relaxar imediatamente as prisesilegais; determinou a impossibilidade da priso quando a lei admitir a liberdade provisria, com ou semfiana. Cf. CF, art. 5, incisos XI, XII, XLIII, XLIX, LIII, LVI, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI.

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    Quando a Constituio Federal confere s autoridades policiais odever de preservar a ordem pblica no est seno lhes incumbindo da funo de manter e promover a ordem republicana, assentada no respeito legalidade e aos direitosfundamentais. Mas, no Brasil, a exceo se converteu em norma, instaurando-se, defato, um estado de exceo permanente43. Parte do territrio no est submetida aoestado de direito, e parte da populao tem suas liberdades correntementedesrespeitadas. A efetivao da Constituio demanda que se institua aqui a exceoda exceo44, que se supere a ilegalidade normal das polticas de segurana e seuniversalizem as garantias do estado democrtico de direito.

    II.4. Limites e possibilidades do controle jurisdicional das polticas pblicas desegurana

    Tradicionalmente, a interferncia jurisdicional na execuo deaes de segurana tem se concentrado na reparao de danos provocados a particulares45. Se o policial se excede na execuo de suas tarefas, se viola direitosfundamentais, ao fazer um uso desproporcional dos meios coercitivos de que dispe46,

    43 Sobre o conceito de estado de exceo permanente, cf. ACKERMAN, Bruce. The emergencyconstitution, cit.; BERCOVICI, Gilberto.Constituio e estado de exceo permanente: atualidade deWeimar. So Paulo: Azougue, 2004; SANFORD, Levinson. Preserving constitutional norms in times of permanent emergencies.Constellations , vol. 13, n. 1, 2006.44 Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de histria (Tese 8). In Obras escolhidas. vol. 1. So Paulo:Brasiliense, 1994: A tradio dos oprimidos nos ensina que o estado de exceo em que vivemos aregra. Precisamos construir um conceito de histria que corresponda a essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa instaurar o real estado de exceo; com isso, nossa posio ficar maisforte na luta contra o fascismo. Cf. BERCOVICI, Gilberto.Soberania e constituio : poder constituinte,estado de exceo e os limites da teoria constitucional (Tese de titularidade). So Paulo: USP (Faculdadede Direito), 2005. p. 317.45 H diversos tipos de controle das aes de segurana. Paulo Mesquita Neto identifica quatro estratgias bsicas. O primeiro tipo o controle externo e formal/legal , que se d atravs dos poderes Executivo,Legislativo e Judicirio, especialmente do Ministrio Pblico. Esta estratgia visa a controlar principalmente usos ilegais da fora fsica por policiais. O segundo tipo o controle interno eformal/legal, que feito por meio da ao disciplinar dos superiores e das corregedorias de polcia. Oterceiro tipo o controle externo e informal/convencional das polcias, que se verifica atravs daimprensa, da opinio pblica, da universidade, de grupos de presso, particularmente das organizaes dedireitos humanos nacionais e estrangeiras. Aqui tm especial importncia os conselhos comunitrios,que possuem, como uma de suas funes principais, justamente controlar as aes de segurana. O quartotipo o controle interno e informal/convencional, que se d por meio da profissionalizao das polcias e dos policiais. (MESQUITA NETO, Paulo. Violncia policial no Brasil: abordagens tericas e prticas de controle. In PANDOLFI, Dulce et al. [orgs.].Cidadania, justia e violncia . Rio de Janeiro:Fundao Getulio Vargas, 1999).46

    De acordo com o STJ, o uso de algemas pela fora policial deve ficar adstrito a garantir a efetividadeda operao e a segurana de todos os envolvidos. No caso, contudo, o STJ entendeu que demonstra-serazovel o uso de algemas, mesmo inexistindo resistncia priso, quando existir tumulto que o

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    alm de ser pessoalmente responsabilizado, dar lugar ainda responsabilizao da prpria Administrao Pblica47. A ordem jurdica brasileira atribui ao Estado

    responsabilidade objetiva 48. Os atos praticados pelo policial so consideradosatos dorgo a que est vinculado49, e podem, por isso, ser imputados Administrao, nadaobstante esta ostente, em relao quele, direito de regresso.

    A responsabilidade pode decorrer ainda da omisso estatal. Se oEstado tem o dever de prestar o servio, e no o faz, omitindo-se na prtica de aesconcretas, deve ser responsabilizado. Contudo, o Judicirio tem sido bastante exigentequanto verificao de nexo causalidade entre a omisso estatal e o dano causado. OSTF entendeu, por exemplo, inexistir nexo de causalidade entre o assalto e a omissoda Autoridade pblica que teria possibilitado a fuga de presidirio, o qual veio a integrar a quadrilha que praticou o delito, cerca de vinte e um meses aps a evaso50. No se pode, de fato, responsabilizar o Estado por todos os crimes que so praticados, sob oargumento de que seu dever evitar que isso ocorra51. Do contrrio, ao invs de

    justifique. Por isso, resolveu afastar a condenao da Unio por danos morais. (STJ, DJ U 10 nov.2006, REsp n 571.924, Rel. Min. Castro Meira).47 STJ, DJU 3 jun. 2002, REsp n 331.279, Rel. Min. Luiz Fux: A perda precoce de um filho de valor

    inestimvel, e portanto a indenizao pelo dano moral deve ser estabelecida de forma equnime, apta aensejar indenizao exemplar. Ilcito praticado pelos agentes do Estado incumbidos da SeguranaPblica; STJ, DJU 17 nov. 2003, REsp n 505.080, Rel. Min. Luiz Fux: O ilcito foi praticado justamente pelos agentes pblicos policiais militares incumbidos de zelar pela segurana da populao, por isso, a fixao da indenizao deve manter-se inalterada como meio apto a induzir oEstado a exacerbar os seus meios de controle no acesso de pessoal, evitando que ingresse nos seusquadros pessoal com personalidade deveras desvirtuada para a funo indicada. A prtica de ilcito por agentes do Estado incumbidos da Segurana Pblica impe a exacerbao da condenao.48 Como se sabe, de acordo com o art. 37, 6, da Constituio Federal, a Administrao responderpelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regressocontra o responsvel nos casos de dolo ou culpa. Desse modo, a Administrao pblica serresponsabilizada pelo erro mdico ocorrido no curso de procedimento executado por servidor em hospital pblico (STF, DJU 21 dez. 2004, AI n 455.846, Rel. Min. Celso de Mello); ser responsabilizadatambm pelos danos decorrentes de acidente de trnsito envolvendo veculo oficial. (STF, DJU 2 ago.2002, RE-AgR n 294.440, Rel. Min. Ilmar Galvo).49 Cf.: SILVA, Jos Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. So Paulo: Malheiros, 2001. p.651. por essa razo, por exemplo, que, em muitos casos, so reconhecidos como vlidos os atos praticados por agente irregularmente investido em funo pblica.50 STF, DJU 12 nov. 1999, AR n 1.376, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. Min. Cezar Peluso.51 Para uns, na responsabilidade por omisso, exige-se culpa do Estado. No haveria responsabilidadeobjetiva. Cf. p. ex.: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio.Curso de direito administrativo . SoPaulo: Malheiros, 2002. p. 871. Para outros, tambm nas hipteses de omisso, h responsabilidadeobjetiva do Estado. Exige-se, contudo, que seja uma omisso especfica. No pode se tratar de omissogenrica, hiptese em que a culpa deve necessariamente ser aferida. A tese sustentada por: CASTRO,

    Guilherme Couto e. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro : o papel da culpa em seucontexto. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 37: H duas possibilidades: ou existe ato ilcito do ente pblico e a indenizao se justifica em razo da prpria contrariedade lei ou no existe e ento seu

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    financiar polticas universalistas, os recursos pblicos acabariam por se destinar apenas recomposio de danos individuais52.

    Questo mais complicada diz respeito ao controle de polticas desegurana pblica, no apenas de uma ao concreta ou da norma que lhe dfundamento53. Hoje, a atuao judiciria no controle das polticas pblicas seintensifica54, o que deve ocorrer tambm no campo das polticas de segurana. OJudicirio pode controlar, p. ex., a juridicidade do treinamento adotado pelos rgos policiais ou dos procedimentos definidos nos manuais das corporaes. Pode, ainda, proscrever a utilizao de certo tipo de veculo em incurses em reas de grandeconcentrao populacional ou o uso de determinado tipo de arma ou munio. OJudicirio deve faz-lo em conformidade com uma concepo constitucionalmenteadequada da segurana pblica, que se harmonize com os princpios constitucionaisfundamentais, de modo a impedir a execuo de polticas inspiradas em concepes blicas e autoritrias.

    fundamento est na razovel repartio do gravame pela coletividade, dentro de padres civilizatrios quedevem ser buscados. Da no ser correto dizer, sempre, que toda hiptese proveniente de omisso estatalser encarada inevitavelmente pelo ngulo subjetivo. Assim o ser quando se tratar de omisso genrica,no quando houver omisso especfica, pois a h dever individualizado de agir. Nesse sentido, cf., p.ex., TJ-RS, j. 24 mar. 2006, EI n 70.013.118.484, Rel. Des. Cludio Baldino Maciel: Aresponsabilidade imputvel s concessionrias de servio pblico objetiva, fundada na teoria do riscoadministrativo, cuja previso legal consta no art. 37, 6 da Constituio Federal, sendo reproduzida noart. 927, pargrafo nico, do Cdigo Civil de 2002. A aferio do dever indenizatrio, neste caso, prescinde da prova do comportamento culposo da r, somente podendo aquele ser afastado ou minoradoante a demonstrao de que a vtima agiu com culpa exclusiva ou concorrente no evento danoso ou,ainda, de que o dano decorreu de caso fortuito, fora maior ou fato de terceiro. Incomprovadas taishipteses, persiste o dever atribuvel concessionria diante da omisso especfica quanto ao dever desinalizao e de manuteno de equipamentos de segurana ao longo da via.

    52 Como acima ressaltado, a responsabilidade estatal deve ser especialmente afastada quando puder ser atribuda a empresa especializada em segurana privada, como ocorre com os estabelecimentos bancrios.Cf. STF, j. 19 out. 1999, AI-AgR n 239.107, Rel. Min. Moreira Alves.53 Como esclarece Comparato, poltica pblica no uma norma nem um ato, (...) ela se distinguenitidamente dos elementos da realidade jurdica, sobre os quais os juristas desenvolveram a maior partede suas reflexes, desde os primrdios da jurisprudentia romana. (...) A poltica aparece, antes de tudo,como uma atividade, isto , um conjunto organizado de normas e atos tendentes realizao de umobjetivo determinado. (COMPARATO, Fbio Konder. Ensaio sobre o juzo de constitucionalidade de polticas pblicas. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio [org.]. Estudos em homenagem aGeraldo Ataliba : direito administrativo e constitucional. So Paulo: Malheiros Editores, 1997. p. 352-353).54 Cf. PPIO, E.Controle judicial das polticas pblicas no Brasil. Curitiba: Juru, 2005; BUCCI, M. P.D. Direito administrativo e polticas pblicas. So Paulo: Saraiva, 2002; COMPARATO, F. K. Ensaiosobre o juzo de constitucionalidade de polticas pblicas, cit.

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    Tambm no tocante s polticas pblicas o controle jurisdicional pode recair sobre a omisso estatal55. O Judicirio j teve ocasio para decidir que oEstado no pode deixar de executar determinadas polticas no setor da segurana. Foi oque concluiu o TJ-RS, por exemplo, ao determinar que o Estado mantivesse programasde internao para adolescentes infratores, incluindo no oramento a verba necessria56.Contudo, no controle das omisses estatais, cabe ao Judicirio adotar especial cautela.Para ponderar os diversos fatores envolvidos na formulao e na execuo de polticas,o Executivo mais talhado que o Judicirio. Este se organiza para examinar casosconcretos e normas abstratas; aquele considera a ampla complexidade de fatores sociaise econmicos que lhes so subjacentes57. Cabe ao Judicirio, sobretudo, observar o quetradicionalmente se denomina princpio da realidade58 e reserva do possvel59. De

    55 Em aresto sobre o direito pr-escola, o STJ estabelece em que termos essa possibilidade pode se dar:Embora inquestionvel que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativade formular e executar polticas pblicas, revela-se possvel, no entanto, ao Poder Judicirio, ainda queem bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipteses de polticas pblicas definidas pela prpria Constituio, sejam estas implementadas, sempre que os rgos estatais competentes, por descumprirem os encargos poltico-jurdicos que sobre eles incidem em carter mandatrio, vierem acomprometer, com a sua omisso, a eficcia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados deestatura constitucional. (STJ, DJU 13 fev. 2006, REsp n 718.203, Rel. Min. Luiz Fux).56 Cf. TJ-RS, j. 17 out. 2007, AI n 70.020.195.616, Rel. Des. Srgio F. V. Chaves: 1. Cabe ao entemunicipal a responsabilidade pela implementao das polticas pblicas de proteo a crianas eadolescentes, entre as quais est o programa permanente de atendimento a adolescentes autores de atosinfracionais que devem cumprir medida socioeducativa em meio aberto. 2. A reiterada omisso do entemunicipal, que vem sendo chamado a cumprir com seu encargo, legitima a ao do Ministrio Pblico de postular ao Poder Judicirio a imposio dessas medidas. 3. cabvel a determinao de que aadministrao pblica municipal estabelea, na sua previso oramentria, as verbas destinadas implementao e manuteno do referido programa de atendimento.57 Vrias crticas tm sido formuladas possibilidade de o Poder Judicirio atuar no controle de polticas pblicas. Afirma-se que o controle judicial de polticas pblicas viola o princpio da separao de poderes; viola o princpio democrtico; desorganiza as polticas estabelecidas pela Administrao; no capaz de mobilizar as informaes tcnicas necessrias; desconsidera os limites financeiros do Estado. Otema complexo e no poder ser examinado neste momento. Cf. BARCELLOS, Ana Paula de.Constitucionalizao das polticas pblicas em matria de direitos fundamentais: o controle poltico-sociale o controle jurdico no espao democrtico. Revista de Direito do Estado, n. 3, 2006; GOUVA, Marcos

    Maselli.O controle judicial das omisses administrativas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. 58 Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.Curso de direito administrativo . 10 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1992. p. 63: as normas jurdicas, da mesma maneira que no devem enveredar pela fantasia,tampouco podem exigir o impossvel; como ensina o brocardo,ad impossibilia nemo tenetur . (...) Sob o padro da realidade, os comandos da Administrao, sejam abstratos ou concretos, devem ter semprecondies objetivas de serem efetivamente cumpridos em favor da sociedade a que se destinam. Osistema legal-administrativo no pode ser um repositrio de determinaes utpicas, irrealizveis einatingveis, mas um instrumento srio de modelagem da realidade dentro do possvel. Cf ainda STJ,

    DJU 21 set. 1998, REsp n 169.876, Rel. Min. Jos Delgado: As atividades de realizao de fatosconcretos pela Administrao dependem de dotaes oramentrias prvias e do programa de prioridadesestabelecido pelo governante. No cabe ao Poder Judicirio, portanto, determinar as obras que deveedificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente. Cf. TJ-RS, DJU 9 jun. 2004, AI n70.008.095.077, Rel. Des. Araken de Assis: A realizao de fatos concretos pela Administrao, com afinalidade de desviar o curso de guas pluviais, subordina-se prvia previso oramentria, ou seja, ao princpio da realidade, no cabendo ao rgo judicirio estabelecer prioridades e ordenar obras.

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    fato, muitas vezes, no h recursos materiais disponveis para a execuo dedeterminada poltica. A atuao judiciria, nesse campo, pode ter lugar, mas deve se dar de maneira moderada e subsidiria s decises do Executivo e do Legislativo60.

    Observe-se um exemplo. Em determinada cidade, h umcontingente de policiais. O Governo Estadual resolve desloc-lo para outra rea. OMinistrio Pblico no concorda com a medida e ajuza ao civil pblica, suscitando o princpio da vedao do retrocesso61. Uma vez que o direito fundamental segurana jhavia sido concretizado, o Estado no mais poderia retroceder. O Judicirio defere o pedido e determina a realocao dos policiais na cidade de origem. Esse tipo de provimento jurisdicional pode, evidentemente, pr em risco a racionalidade da aoestatal. Trata-se de deciso que, se no estiver fundamentada em outros elementos queno apenas o princpio da vedao do retrocesso, tende a impedir a distribuio racionale equilibrada dos escassos recursos pblicos. A circunstncia de o direito segurana j

    59 De acordo com Canotilho, a reserva do possvel faz com que a concretizao da dimenso prestacional dos direitos fundamentais se caracterize 1. pela gradualidade de sua realizao; 2. peladependncia financeira de recursos do Estado; 3. pela tendencial liberdade de conformao do legislador quanto s polticas de realizao destes direitos; 4. pela insuscetibilidade de controle jurisdicional dos programas poltico-legislativos, a no ser quando estes se manifestem em clara contradio com asnormas constitucionais ou quando, manifestamente, suportem dimenses pouco razoveis.(CANOTILHO, J. J. Gomes. Metodologa fuzzy y camaleones normativos en la problemtica actualde los derechos econmicos, sociales y culturales.Derechos y libertades Revista del Instituto Bartolomde las Casas , n. 6, fev., 1998. p. 44). Cf. ainda: TORRES, Ricardo Lobo. O mnimo existencial, osdireitos sociais e a reserva do possvel. In: NUNES, Antnio Jos Avels; COUTINHO, Jacinto Nelsonde Miranda (orgs.). Dilogos constitucionais : Brasil-Portugal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.60 H exemplo no Estado do Paran de controle da omisso estatal na execuo de polticas de segurana.Constam, de ao civil pblica ajuizada pelo Ministrio Pblico Estadual (Promotor Denis Pestana), osseguintes pedidos: destinar o necessrio para a reforma da Cadeia Pblica local, segundo normas desegurana e compatveis com os artigos 88 e 120, da Lei de Execuo Penal; destinar e manter noexerccio de suas funes, nos Municpios de Sabudia e Arapongas, Delegados, agentes, investigadores,escrives, devidamente concursados junto a Administrao Pblica do Estado; destinar e manter, no

    exerccio de suas funes nos Municpios de Sabudia e Arapongas, nmero suficiente de policiaismilitares, alm dos j existentes; destinar e manter, aos Policiais Militares, no exerccio de suas funesnos Municpios referidos, armas em perfeitas condies de utilizao e munio em quantidadesuficiente; tomar as providncias legais, em matria administrativa e em matria oramentria, paracumprimento desta pretendida deciso judicial, imediatamente aps seu trnsito em julgado; nosMunicpios de Sabudia e Arapongas, nesta Comarca, destinem exclusivamente ao exerccio das funes policiais, pessoas devidamente concursadas, impedindo nomeaes de suplentes ead hoc para qualquer atividade policial. (A petio inicial pode ser encontrada em: http://jus2.uol.com.br).61 Cf. MENDONA, Jos Vicente S. de. A vedao do retrocesso: o que e como perder o medo. Revistade Direito da Associao dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro , v. XII, 2003; SARLET,Ingo W. Direitos fundamentais sociais e proibio do retrocesso: algumas notas sobre o desafio dasobrevivncia dos direitos sociais num contexto de crise.Revista do Instituto de Hermenutica Jurdica ,n. 2, 2004; SCHULTE, Bernd. Direitos fundamentais, segurana social e proibio do retrocesso. In: SARLET, Ingo W. (org.). Direitos fundamentais sociais : estudos de direito constitucional, internacional ecomparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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    ter sido concretizado em determinado local no significa que deva continuar a s-lo seh outros lugares em que a prestao do servio seja mais urgente ou necessria. Nocontrole das omisses legislativas e do retrocesso na execuo de polticas desegurana, apenas em hipteses extremas justifica-se a interferncia jurisdicional.

    H ainda uma ltima distino indispensvel. Ao julgar casosconcretos, no mbito criminal, o compromisso do Poder Judicirio com um julgamento tico e justo ao jurisdicionado e no com polticas pblicas de segurana62.Quando se defende a possibilidade do controle jurisdicional das polticas de segurana,no se est sustentando que o juiz criminal deva julgar casos concretos considerando as polticas estatais para o setor. Restringir a liberdade individual, na sua dimenso maisnuclear, com o objetivo de garantir a execuo de polticas de segurana significariarelativizar o valor do ser humano, convert-lo em meio para a promoo de metascoletivas. Isso corresponderia a adotar pressupostos utilitaristas incompatveis com adignidade da pessoa humana, que no podem predominar em um estado democrtico dedireito63.

    III. Classificao das atividades policiais e rgos de execuo das polticas desegurana pblica

    III.1. Classificao constitucional da atividade policial: polcia ostensiva, polcia deinvestigao, polcia judiciria, polcia de fronteiras, polcia martima e polciaaeroporturia

    O texto constitucional de 1988 faz referncia a seis modalidadesde atividade policial: (a) polcia ostensiva, (b) polcia de investigao, (c) polcia judiciria, (d) polcia de fronteiras, (e) polcia martima e (f) polcia aeroporturia.

    62 TJ-RS, DJ 18 out. 2005, Agr. n 70.012.527.008, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho.63 Esta demanda que a pessoa humana seja tratada como um fim em si mesmo, e nunca como meio para a promoo de finalidades de outrem. Sobre a verso kantiana da dignidade da pessoa humana, cf.SARMENTO, Daniel. Interesses pblicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofiaconstitucional. In : SARMENTO, Daniel (org.). Interesses pblicos versus interesses privados :desconstruindo o princpio da supremacia do interesse pblico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005;SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais . Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2002.

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    (a) A polcia ostensiva exerce as funes de prevenir e de reprimir de forma imediata a prtica de delitos. O policiamento ostensivo feito por policiaisuniformizados, ou que possam ser imediatamente identificados por equipamento ouviatura64. O objetivo explicitar a presena policial nas ruas, criando a percepo deque a prtica de delitos ser prontamente reprimida o que exerceria efeito preventivo.A atividade de polcia ostensiva desempenhada, em geral, pelas polcias militaresestaduais (CF, art. 144, 5)65. Mas o patrulhamento ostensivo das rodovias e ferroviasfederais deve ser realizado, respectivamente, pela Polcia Rodoviria Federal (art. 144,2) e pela Polcia Ferroviria Federal (art. 144, 3). Observe-se, portanto, que o policiamento ostensivo no exercido apenas por rgos policiais militares. A PolciaRodoviria Federal civil, nada obstante tambm atue uniformizada. Assim tambmocorrer, quando da sua instituio efetiva, com a Polcia Ferroviria Federal.

    (b) A polcia de investigao realiza o trabalho de investigaocriminal66. Para investigar a prtica de delitos, pode ouvir testemunhas, requisitar documentos, realizar percias, interceptar comunicaes telefnicas, entre outrasmedidas. Em sua maioria, tais medidas dependem de autorizao judicial. No Brasil, a

    funo confiada s polcias civis estaduais e Polcia Federal, no que toca aos crimescomuns (art. 144, 1, I, e 4). As investigaes de crimes militares so conduzidas pelas prprias corporaes. Em qualquer hiptese, devem ser respeitados os direitos

    64 De acordo com o art. 2, n 27, do Decreto n 88.777/83, que aprova o regulamento para as polciasmilitares e corpos de bombeiros militares (R-200), Policiamento Ostensivo pode ser definido como aao policial, exclusiva das Polcias Militares em cujo emprego o homem ou a frao de tropa engajadossejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando amanuteno da ordem pblica. So tipos desse policiamento, a cargo das Polcias Militares ressalvadas asmisses peculiares das Foras Armadas, os seguintes: ostensivo geral, urbano e rural; de trnsito; florestale de mananciais; rodoviria e ferrovirio, nas estradas estaduais; porturio; fluvial e lacustre; deradiopatrulha terrestre e area; de segurana externa dos estabelecimentos penais do Estado; outros,fixados em legislao da Unidade Federativa, ouvido o Estado-Maior do Exrcito atravs da Inspetoria-Geral das Polcias Militares. Cf. tambm: v. HAGEN, Accia Maduro. As classificaes do trabalho policial. Revista de Estudos Criminais, vol. 6, n. 22, abr./jun. 2006.65 comum atribuir-se tambm s polcias militares estaduais a funo de polcia de choque , que empregada no controle de distrbios e rebelies. Em regra, as polcias militares possuem batalhesespecficos encarregados dessa tarefa, que atuam em grandes eventos, em apoio aos batalhes locais. Talatividade se subsume hiptese prevista pelo 5 do art. 144. Segundo o preceito, cabe s polciasmilitares, alm do policiamento ostensivo, tambm a preservao da ordem pblica .66 Cf. COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da. Sobre a posio da polcia judiciria na estrutura dodireito processual penal brasileiro da atualidade. Revista Brasileira de Cincias Criminais , v. 7, n. 26,abr./jun. 1999; HAGEN, Accia Maduro. As classificaes do trabalho policial, cit.

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    fundamentais do investigado67, facultando-se, inclusive, o acesso aos autos do inquritoa seu representante legal68.

    (c) O texto constitucional distingue as funes de polcia judiciria e de investigao criminal. O j mencionado 1 do art. 144 atribui s polciascivis estaduais no s a funo de polcia judiciria, mas tambm a de apurao deinfraes penais. Em relao Polcia Federal, a Constituio chega a prev-las em preceitos distintos. No inciso I do 4, encarrega a PF de apurar infraes penais. Jno inciso IV, confere-lhe, com exclusividade, as funes de polcia judiciria daUnio. Cabe-lhes, portanto, alm de investigar delitos, executar as dilignciassolicitadas pelos rgos judiciais69.

    (d) A polcia de fronteiras controla a entrada e a sada de pessoase mercadorias do territrio nacional. A tarefa atribuda Polcia Federal. Compete-lhe,genericamente, exercer as funes de polcia (...) de fronteiras (art. 144, 1, III), e,em especial, prevenir e reprimir o trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, ocontrabando e o descaminho (art. 144, 1, II). No que se refere ao trfico deentorpecentes, a Polcia Federal concentra-se na represso ao que opera atravs das

    67 O artigo 1 da Lei n 9.455/97 define como crime de tortura I - constranger algum com emprego deviolncia ou grave ameaa, causando-lhe sofrimento fsico ou mental: a) com o fim de obter informao,declarao ou confisso da vtima ou de terceira pessoa; b) para provocar ao ou omisso de naturezacriminosa; c) em razo de discriminao racial ou religiosa; II - submeter algum, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violncia ou grave ameaa, a intenso sofrimento fsico ou mental, comoforma de aplicar castigo pessoal ou medida de carter preventivo.68

    Cf. STF, DJU 2 mar. 2007, HC n 90.232, Rel. Min. Seplveda Pertence: Do plexo de direitos dosquais titular o indiciado interessado primrio no procedimento administrativo do inqurito policial , corolrio e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamenteoutorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8.906/94, art. 7, XIV), da qual ao contrrio do que previu emhipteses assemelhadas no se excluram os inquritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses dosigilo das investigaes, de modo a fazer impertinente o apelo ao princpio da proporcionalidade. 3. Aoponibilidade ao defensor constitudo esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5,LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistncia tcnica doadvogado, que este no lhe poder prestar se lhe sonegado o acesso aos autos do inqurito sobre oobjeto do qual haja o investigado de prestar declaraes. (...). Na doutrina, cf. QUITO, Carina; MALAN,Diogo Rudge. Resoluo CJF n. 507/06 e direitos fundamentais do investigado. Boletim IBCCrim , v. 14,n. 165, ago. 2006; TORON, Alberto Zacharias; RIBEIRO, Maurides de Melo. Quem tem medo da

    publicidade no inqurito? Boletim IBCCrim , v. 7, n. 84, nov. 1999.69 Cf. COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da. Sobre a posio da polcia judiciria..., cit.

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    fronteiras do Pas: o trfico internacional70. O contrabando e o descaminho, como sesabe, caracterizam-se pelas aes de importar ou exportar mercadoria proibida ouiludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pelasada ou pelo consumo de mercadoria (Cdigo Penal, art. 334). Em ambos os casos, portanto, controla-se o fluxo de mercadorias pelas fronteiras nacionais.

    (e) A polcia martima , que tambm exercida pela PolciaFederal, em grande parte se identifica com a polcia de fronteiras. Por atuar em portos,igualmente se presta ao controle da entrada e da sada de pessoas e bens do Pas,concentrando-se, por exemplo, na represso ao trfico de drogas e de armas. Almdisso, contudo, a polcia martima responsvel tambm pela represso aos crimes praticados em detrimento da normalidade das navegaes, em especial aos atos de pirataria. Na estrutura interna da Polcia Federal, foram criados os Ncleos Especiaisde Polcia Martima, responsveis por essa atividade.

    (f) Por fim, a Constituio menciona ainda a atividade de polciaaeroporturia atividade tambm exercida pela Polcia Federal, que se identifica,igualmente, com a de polcia de fronteiras. No se trata de policiamento ostensivo do

    espao areo, mas de controle do fluxo de pessoas e de bens que se d atravs deaeroportos71. A atividade distingue-se da polcia de fronteiras apenas quando o trnsitode pessoas e de bens por via area ocorre no interior do Pas. Como, em ambos os casos,a competncia da Polcia Federal, a distino no possui maior relevncia.

    Como se observa, tais atividades se distribuem entre diferentesrgos policiais, que atuam ora no plano estadual, ora no plano federal. o que se

    examina, com mais detalhe, nas prximas sees.

    70 Cf., p. ex., STF, DJU 22 jun. 2007, HC n 89.437, Rel. Min. Ricardo Lewandowski: Evidenciado ocarter internacional do trfico de drogas e identificada a conexo dos crimes, compete Justia Federal o processamento e julgamento dos feitos.71 Cf. STF, DJU 30 mai. 2003, ADI n 132, Rel. Min. Seplveda Pertence: Polcia Militar: atribuio deradiopatrulha area: constitucionalidade. O mbito material da polcia aeroporturia, privativa da Unio,no se confunde com o do policiamento ostensivo do espao areo, que respeitados os limites dasreas constitucionais das Polcias Federal e Aeronutica Militar se inclui no poder residual da Polciados Estados.

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    III.2. rgos policiais estaduais: Polcia Civil e Polcia Militar

    No plano estadual, h dois rgos que exercem funes policiais:a Polcia Civil e a Polcia Militar.

    (a) A Polcia Civil tem suas atribuies previstas no art. 144, 4,da Constituio Federal. So-lhe conferidas as funes de polcia judiciria e deapurao de infraes penais, ressalvando-se a competncia da Unio e a investigaode crimes militares. As polcias civis devem ser dirigidas por delegados de carreira72 ese subordinam aos governadores de estado73. Sua atuao predominantementerepressiva: tem lugar quando o crime j foi praticado e deve ser investigado. a PolciaCivil que realiza ainda as diligncias determinadas pelas autoridades judicirias. Ascarreiras so institudas por leis estaduais, as quais devem observar o que dispem asConstituies dos estados e a Constituio Federal74. Veda-se, por exemplo, quedelegados e agentes componham a mesma carreira, do que resulta a impossibilidade de progresso vertical75.

    72 A direo das investigaes criminais s pode ser exercida por delegados de carreira. No h a possibilidade de se atribuir tal funo a servidores estranhos carreira de delegado de polcia, tais como policiais civis ou militares (STF, DJU 9 mar. 2007, ADI n 3.441, Rel. Min. Carlos Britto) ouAssistentes de Segurana Pblica (STF, DJU 10 nov. 2006, ADI n 2.427, Rel. Min. Eros Grau). Notocante a esta ltima hiptese, o Tribunal entendeu que a Lei n 10.704/94, que cria cargoscomissionados de Suplentes de Delegados, e a Lei n 10.818/94, que apenas altera a denominao dessescargos, designando-os Assistentes de Segurana Pblica, atribuem as funes de delegado a pessoasestranhas carreira de Delegado de Polcia. Este Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade dadesignao de estranhos carreira para o exerccio da funo de Delegado de Polcia, em razo de afrontaao disposto no artigo 144, 4, da Constituio do Brasil. Cf. ainda STF, DJ U 23 nov. 2007, ADI n3.614, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ Acrdo Min. Crmen Lcia .

    73 Dessa subordinao administrativa das polcias estaduais ao Governador do estado, o SupremoTribunal Federal vem extraindo importantes conseqncias. A Corte considerou inconstitucional a LeiComplementar n 20/1992, do Estado do Mato Grosso, no que atribua autonomia administrativa,funcional e financeira Polcia Judiciria Civil. (STF, DJU 23 abr. 2004, ADI n 882, Rel. Min. MaurcioCorra). Tambm julgou inconstitucional o 1 do art. 128 da Constituio do Estado do Esprito Santo,segundo o qual o delegado-chefe da polcia civil ser nomeado pelo Governador do estado dentre osintegrantes da ltima classe da carreira de delegado de polcia da ativa, em lista trplice formada pelorgo de representao da respectiva carreira , para mandato de 02 (dois) anos, permitida reconduo. O preceito foi julgado inconstitucional por restringir a escolha, pelo Governador, do Delegado-Chefe daPolcia Civil (STF, DJU 13 jun. 2003, ADI n 2.710, Rel. Min. Sydney Sanches ).74 Na verdade, a Constituio Federal, no art. 24, estabelece ser competncia concorrente da Unio e dosestados legislar sobre organizao, garantias, direitos e deveres das polcias civis. Contudo, a lei federal

    pertinente nunca foi editada, razo pela qual os estados tm exercido competncia legislativa plena.75 Cf. STF, DJU 4 mai. 2001, ADI n 1.854, Rel. Min. Seplveda Pertence.

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    (b) A Polcia Militar est disciplinada no 5 do art. 14476. AConstituio lhe incumbiu do policiamento ostensivo e da preservao da ordem pblica. As polcias militares estaduais organizam-se em conformidade com os princpios da hierarquia e da disciplina, e possuem sistema de patentes anlogo ao quevigora nas Foras Armadas. O regime jurdico a que se submetem semelhante ao dasForas Armadas77, assim como a forma de organizao e a estrutura hierrquica78.Tambm no que toca s polcias estaduais, os crimes militares so investigados por membros das prprias corporaes e julgados pela justia militar estadual79, emconformidade com o Cdigo Penal Militar e o Cdigo de Processo Penal Militar. Osservios de inteligncia das polcias militares devem transmitir informaes aoExrcito80.

    O direito brasileiro caracteriza-se por certa ambigidaderelativamente definio do ente federativo (federal ou estadual) que, em ltimainstncia, comanda as polcias militares. Por um lado, as polcias militares, em conjuntocom os corpos de bombeiros militares, so caracterizadas como foras auxiliares ereserva do Exrcito. Por isso, o Exrcito promove inspees nas polcias militares;controla a organizao, a instruo dos efetivos, o armamento e o material blico

    utilizados; aprecia os quadros de mobilizao de cada unidade da Federao, com vistasao emprego em misses especficas e na defesa territorial81. Por outro lado, as polcias

    76 O nome dessas corporaes em regra Polcia Militar do Estado de .... Tal denominao predominadesde a Constituio de 1946. No entanto, no Rio Grande do Sul, a corporao manteve o nome deBrigada Militar.77 De acordo com o art. 42, 1, da Constituio Federal, aplicam-se aos militares dos Estados, doDistrito Federal e dos Territrios, alm do que vier a ser fixado em lei, as disposies do art. 14, 8; doart. 40, 9; e do art. 142, 2 e 3, cabendo a lei estadual especfica dispor sobre as matrias do art.142, 3, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. J aos

    pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios aplica-se o que for fixado emlei especfica do respectivo ente estatal (CF, art. 142, 2, com redao dada pela EmendaConstitucional n 41/2003).78 Cf. MUNIS, Jaqueline. A crise de identidade das polcias militares brasileiras: dilemas e paradoxos daformao educacional.Security and Defense Studies Review , v. 1, inverno de 2001.79 Contudo, a Lei Federal n 9.299/96 transfere para a justia comum a competncia para julgar crimesdolosos contra a vida praticados por militares contra civis. Para isso, insere pargrafo nico no art. 9 doCPM: Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, sero dacompetncia da justia comum. Alm disso, altera tambm o artigo 82 do CPPM, cujocaput passa avigorar com a seguinte redao: O foro militar especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele esto sujeitos, em tempo de paz.80 Decreto 88.777/83.81 Cf. art. 21 do Decreto-Lei n 667/69. Outras atribuies so ainda conferidas pelo Decreto n88.777/83. Para exercer essas funes, as Foras Armadas mantm rgo prprio. Chama-se Inspetoria-

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    militares subordinam-se aos Governadores dos estados (art. 144, 6), e, nos contextosde normalidade, a autoridade estadual que tem predominado. Os policiais militares soservidores estaduais; o Governador que confere patentes e nomeia comandantes; afazenda estadual que os remunera. Entretanto, na hiptese de conflito entre os governosfederal e estadual, no h clareza quanto a qual autoridade as corporaes militaresestaduais devem obedincia, o que pode, eventualmente, gerar instabilidadeinstitucional82.

    A previso de uma polcia militar e outra civil no mbito estadualresultou de forte atuao dos grupos de interesse durante os trabalhos da Constituinte83.Delegados, de um lado, e oficiais das polcias militares e das Foras Armadas, de outro,atuaram intensamente defendendo posies divergentes84. Os delegados propunham oua unificao das polcias ou a restrio da atuao da Polcia Militar atividade dechoque, deferindo-se o policiamento ostensivo a um segmento fardado da Polcia Civil.Os oficiais da Polcia Militar e das Foras Armadas defendiam a manuteno de duas polcias, com funes, organizao e mtodos distintos. Esta ltima tese foi vitoriosa,resultando na dualidade do sistema policial ora em vigor 85. Neste ponto especfico, aConstituio Federal foi alm do que deveria ter ido. Atribuir funes distintas

    (repressiva e preventiva) a rgos policiais diferentes apenas uma, dentre as muitasformas possveis e efetivamente praticadas no mundo , de organizar a atividade policial86. Em pases como Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo, ambas asatividades so realizadas pelos mesmos rgos policiais, que so civis. No tocante a

    Geral das Polcias Militares, que atualmente se subordina ao Comando de Operaes Terrestres(COTER). A Constituio Federal de 1988, em seu art. 22, XXI, determina ser competncia privativa daUnio legislar sobre normas gerais de organizao, efetivos, material blico, garantias, convocao emobilizao das polcias militares e corpos de bombeiros militares. A lei, contudo, nunca foi editada.

    82 Cf. ZAVERUCHA, Jorge. FHC, Foras Armadas e polcia : entre o autoritarismo e a democracia(1999-2002). Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 71.83 Na verdade, a Constituio Federal confirmou o mo delo institudo pelo Decreto n 1.072, de 30 dedezembro de 1969.84 As Foras Armadas nomearam 13 oficiais superiores para fazer lobby na Assemblia Constituinte. Cf.ZAVERUCHA, Jorge. FHC, Foras Armadas e polcia..., cit., p. 59.85 Essa notcia histrica dada por: SULOCKI, Vitria Amlia de B. C. G.Segurana pblica edemocracia, cit., p. 113-117; BICUDO, Helio. A unificao das polcias no Brasil. Estudos Avanados ,vol. 14, n. 40, 2000. freqente o relato de que o Presidente da Assemblia Cons