conceito de gestão do desporto. novos desafios, · pdf fileem sexto, a...

16
88 1. APRESENTAÇÃO Se atendermos às posições dos diversos autores, Costa, L. (1979), Parkhouse, L., & Ulrich, O. (1979) Chazaud, P. ( 1983) Chelladurai, P. (1985, 1994), Gordon, A. (1988) Tatarelli, G. ( 1986), Zeigler, E. (1987), Parkhouse, B. (1996) Slack, T. (1991, 1998), Soucie, D. (1994) Pires, G. & Claudino, R. (1994), entre outros, que nos últimos vinte anos se têm dedicado à problemática da Gestão do Desporto, podemos encontrar um conjunto de indicadores que determinam a sua existência como uma nova área de intervenção profissional. De facto, ao sistematizarmos os aspectos mais significativos, podemos desenhar esta nova área de conhecimento tendo em atenção um conjunto de seis ideias que passamos a indicar. Em primeiro lugar, o estado de crise do desporto moderno que determina a necessidade de existirem novas mentalidades no que respeita ao desenvolvimento. Em segundo lugar, a complexificação das práticas desportivas que obriga a uma sistematização das teorias da gestão contextualizadas ao mundo do desporto. Em terceiro lugar, o surgimento de várias organizações relacionadas das mais diversas maneiras, com a gestão do desporto, o que permite a institucionalização não só duma área do conhecimento como, também, de intervenção profissional. A existência de investigação científica na área é o quarto aspecto determinante para o desenvolvimento da Gestão do Desporto. Em quinto lugar, as oportunidades profissionais que estão a surgir num mundo em que os empregos interessantes estão a rarear, demonstram que estamos em presença duma dinâmica de afirmação no quadro das oportunidades de emprego para as novas gerações. Em sexto, a formação inicial de nível superior no Conceito de Gestão do Desporto. Novos desafios, diferentes soluções Gustavo Manuel Vaz da Silva Pires Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa José Pedro Sarmento de Rebocho Lopes Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto âmbito da Gestão do Desporto parece-nos ser uma realidade que vai garantir a nível do sistema a existência duma forte pressão provocada pelas novas gerações acabadas de sair das universidades. Neste trabalho vamos desenvolver cada uma das ideias atrás expressas de forma a avançarmos para aquilo que consideramos ser o enquadramento institucional da Gestão do Desporto para, de seguida, apresentarmos algumas conclusões e oportunidades futuras. 2. CRISE DO DESPORTO MODERNO A crise do desporto moderno parece-nos ser um dos indicadores mais significativos que nos aconselham a reequacionar os modelos tradicionais de organização desportiva. Tanto o “desporto profissional” como o “desporto educação” estão em profunda crise. Esta crise surge também da desagregação do modelo corporativo do desporto tradicional, que já não responde às dinâmicas da sociedade da nova economia naquilo que esta tem a ver com a industria do entretenimento associada às novas tecnologias de informação e comunicação e ao desporto. No desporto, sempre foi mais importante “fazer” do que “saber fazer”, ou mesmo até “porque é que se fazia de determinada maneira”. O “just do it” da NIKE, representa bem uma atitude que conduziu à maior crise do desporto moderno, que surgiu nos media em inícios de 1999 mas que vai persistir nos próximos anos. Como se sabe, esta crise teve como protagonista mais visível o Comité Internacional Olímpico que se viu envolvido em processos de corrupção relacionados com a escolha das cidades organizadoras dos Jogos. O falso amadorismo dos dirigentes tem de dar lugar a um sistema claro em Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

Upload: ngodien

Post on 18-Feb-2018

223 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

88

1. APRESENTAÇÃOSe atendermos às posições dos diversos autores,Costa, L. (1979), Parkhouse, L., & Ulrich, O. (1979)Chazaud, P. ( 1983) Chelladurai, P. (1985, 1994),Gordon, A. (1988) Tatarelli, G. ( 1986), Zeigler, E.(1987), Parkhouse, B. (1996) Slack, T. (1991, 1998),Soucie, D. (1994) Pires, G. & Claudino, R. (1994),entre outros, que nos últimos vinte anos se têmdedicado à problemática da Gestão do Desporto,podemos encontrar um conjunto de indicadores quedeterminam a sua existência como uma nova área deintervenção profissional. De facto, ao sistematizarmosos aspectos mais significativos, podemos desenharesta nova área de conhecimento tendo em atenção umconjunto de seis ideias que passamos a indicar. Emprimeiro lugar, o estado de crise do desporto modernoque determina a necessidade de existirem novasmentalidades no que respeita ao desenvolvimento.Em segundo lugar, a complexificação das práticasdesportivas que obriga a uma sistematização dasteorias da gestão contextualizadas ao mundo dodesporto. Em terceiro lugar, o surgimento de váriasorganizações relacionadas das mais diversas maneiras,com a gestão do desporto, o que permite ainstitucionalização não só duma área doconhecimento como, também, de intervençãoprofissional. A existência de investigação científica naárea é o quarto aspecto determinante para odesenvolvimento da Gestão do Desporto. Em quintolugar, as oportunidades profissionais que estão asurgir num mundo em que os empregos interessantesestão a rarear, demonstram que estamos em presençaduma dinâmica de afirmação no quadro dasoportunidades de emprego para as novas gerações.Em sexto, a formação inicial de nível superior no

Conceito de Gestão do Desporto.Novos desafios, diferentes soluções

Gustavo Manuel Vaz da Silva PiresFaculdade de Motricidade Humana,Universidade Técnica de Lisboa

José Pedro Sarmento de Rebocho LopesFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

âmbito da Gestão do Desporto parece-nos ser umarealidade que vai garantir a nível do sistema aexistência duma forte pressão provocada pelas novasgerações acabadas de sair das universidades.Neste trabalho vamos desenvolver cada uma dasideias atrás expressas de forma a avançarmos paraaquilo que consideramos ser o enquadramentoinstitucional da Gestão do Desporto para, deseguida, apresentarmos algumas conclusões eoportunidades futuras.

2. CRISE DO DESPORTO MODERNOA crise do desporto moderno parece-nos ser um dosindicadores mais significativos que nos aconselham areequacionar os modelos tradicionais de organizaçãodesportiva. Tanto o “desporto profissional” como o“desporto educação” estão em profunda crise. Estacrise surge também da desagregação do modelocorporativo do desporto tradicional, que já nãoresponde às dinâmicas da sociedade da novaeconomia naquilo que esta tem a ver com a industriado entretenimento associada às novas tecnologias deinformação e comunicação e ao desporto.No desporto, sempre foi mais importante “fazer” doque “saber fazer”, ou mesmo até “porque é que sefazia de determinada maneira”. O “just do it” daNIKE, representa bem uma atitude que conduziu àmaior crise do desporto moderno, que surgiu nosmedia em inícios de 1999 mas que vai persistir nospróximos anos. Como se sabe, esta crise teve comoprotagonista mais visível o Comité InternacionalOlímpico que se viu envolvido em processos decorrupção relacionados com a escolha das cidadesorganizadoras dos Jogos. O falso amadorismo dosdirigentes tem de dar lugar a um sistema claro em

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2288

89

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

que o próprio Olimpismo, como património daHumanidade, possa continuar a ter algum sentidopara a generalidade das pessoas, por esse mundo fora.Actualmente, a projecção do desporto na sociedade,obriga a outras estratégias, atitudes eprocedimentos, no que concerne ao seu própriodesenvolvimento. Por isso, em matéria de desporto,já não chega só “fazer”, é necessário saber “porquê?”para depois se decidir “como” se vai realizar e “qual”a melhor maneira possível de o conseguir, sob penade, se tudo for deixado ao acaso, o desporto podervir a transformar-se num mero espectáculo circensegerido por pessoas sem ideias e sem projectos paraalém dos seus interesses pessoais, e alimentado, emmuitas circunstâncias, por massas alienadas pelaviolência da competição ou por regionalismosexacerbados, que atrairão invariavelmente para assuas causas, políticos e empresários que vão, da piormaneira, aproveitar-se do desporto. Quer isto dizerque, não é qualquer prática que interessa quando setrata de teorizar a Gestão do Desporto. A prática temde ser susceptível de teorização e isto só é possívelse for reflexiva e crítica, porque senão não passaduma mera repetição.Neste quadro de ideias, a Gestão do Desporto podejustificar-se em duas perspectivas. Na primeira, a quepodemos designar de pragmática, a Gestão doDesporto existe porque tem soluções para resolverproblemas, quer dizer, estamos perante uma Gestãodo Desporto do tipo “chaves na mão”. Trata-se degerir rotinas. Toda e qualquer organização tem rotinaspara processar e quanto melhor elas forem realizadasmais a organização está disponível para idealizar edesenvolver novos projectos. Noutra perspectiva, aque podemos designar de académica, a Gestão doDesporto também tem razão de existir porque há ousurgem problemas imprevisíveis para os quais énecessário encontrar respostas originais. Para o efeito,utiliza-se aquilo a que se convencionou chamar defunções da gestão ou tarefas do gestor. Nesta segundaperspectiva, estamos perante um sistema em que assoluções são encontradas pela capacidade heurísticade construir o algoritmo conducente à solução dedeterminado problema. É o que se espera doslicenciados ao serem capazes de formular perguntas,problematizar as questões, sistematizar as possíveissoluções e escolher a mais ajustada.

Hoje, o estado de crise, tanto do “desportoprofissional” como do “desporto educação”aconselham a que sem descurar os mecanismosnormalizados da primeira perspectiva, se apostetambém na Gestão do Desporto enquanto instrumentocapaz de resolver ou, pelo menos, ajudar a resolver, osestigmas do desporto moderno. Uma coisa parece-nosevidente. É que se continuarmos a utilizar as mesmassoluções para os problemas que existem, não podemosesperar obter resultados muito diferentes daqueles quejá foram obtidos no passado. Do mesmo modo, quer-nos parecer que não são as pessoas que estão há oito,dez, doze dezasseis e mais anos nos vérticesestratégicos das organizações desportivas que vãomudar seja o que for, por muito que elas apregoem anecessidade de mudar mentalidades.De facto, em nossa opinião, há que transformar a crisedo desporto moderno numa oportunidade para asnovas gerações, com as mais diversas formações, embusca dum emprego e da consequente realizaçãopessoal e profissional, num mundo, como se disse, emque os empregos interessantes estão a rarear.

3. COMPLEXIFICAÇÃO DA GESTÃONo que diz respeito ao terceiro aspecto, salta à vistaque, nos últimos anos a gestão tem vindo acomplexificar-se. A teoria da gestão em geral temvindo a desenvolver-se obrigando a um esforçocomplementar aqueles que, no mundo do desporto,querem acompanhar a evolução. Esta complexificaçãofica, obviamente, a dever-se, à própria complexidadeda dinâmica social. A Gestão do Desporto não fugiu aesta regra, tanto na América do Norte como naEuropa, pelo que não só a investigação como opróprio ensino têm evoluído duma abordagempragmática dos problemas para uma perspectivafilosófica e, por isso, teórica dos mesmos. No entantoé bom que se entenda que se a prática só por si nãopassa duma mera repetição, por outro lado, qualquerteoria que não seja cruzada com a realidade prática,não passa dum simples acto de contemplação. Defacto, a teoria para valer alguma coisa, terá sempre deser testada pela realidade prática.Vamos analisar este capítulo tendo em atenção trêsrealidades distintas. Em primeiro a norte-americana.Em segundo a europeia. Em terceiro a portuguesa.Finalmente fazemos uma síntese do capítulo.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2289

90

GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

3.1 América do NorteNa América do Norte a Gestão do Desporto pode seranalisada a partir das ligas profissionais, por umlado, e o sistema de competição inter colégios euniversidades por outro. Em qualquer das situações,todo o sistema desenvolveu-se com uma lógica denegócio. Para Calhoun (1981)”the history of sport isthe story of transition from amateurism toprofessionalism.” No que diz respeito às ligas deacordo com Gallant (1991:122) o seu surgimentoaconteceu em 1869 com o baseball: “Organizedprofessional sports leagues in the United Statesbegan in 1876, when baseball’s National League wasformed. Several of its guiding principles havecontinued throughout the subsequence developmentof professional sports in this country. Individualclubes began by cooperating with each otherregarding the market supply of producers andconsumers. The producers were the players, whomade the product by playing the games on the field,and the consumers were the fans, whose ticketpurchases provided operating expenses and profits.”“Individual clubs within a professional sports leagueare nominally independent legal entities, free tomake or lose money depending upon how theyoperate their businesses.” “therefore each memberclub must be considered as both a private businessentity, and a franchise, operated in accordance withthe league-wide concerns.” A gestão territorial dasligas é realizada numa base de “conquista demonopólio, sem, contudo interferir com o sistemade competição inter colégios e universidades. Ascompetições no âmbito dos colégios e universidadesarrancaram sob os auspícios do Presidente TheodoreRoosevelt em Dezembro 1905, tendo sido fundadaem Dezembro do mesmo ano em New York City, a“Intercollegiate Athletic Association of the UnitedStates”, que a partir de 1910 passou a ter adesignação de “National Collegiate AthleticAssociation” (NCAA). Hoje, a estrutura central daNCAA tem sede em Indianapolis – Indiana, efunciona com um quadro humano de apoio de maisde 300 pessoas. Durante vários anos, a NCAA nãofoi mais do que um “grupo de discussão” no âmbitoda estandardização – “rules-making” – dos processosde coordenação e conjugação do trabalho. Em 1921,foi realizado o primeiro campeonato nacional da

NCAA em atletismo. A partir de então, novas regrase novos campeonatos foram institucionalizados. Deacordo com Berryman (1975) a filosofia dumsistema de competição organizado para préadolescentes, foi posto em causa pelo sistemaeducativo nos anos trinta, tendo muitos colégiosabandonado a organização de quadros competitivosformais. Em consequência, o livre associativismocomposto fundamentalmente por pais eencarregados de educação responsabilizou-se pelosistema de competições escolares. A partir de finaisdos anos trinta, foi organizado um sistema“voluntário” de “Ligas Infantis” com uma estruturafortemente profissionalizada cuja missão eraorganizar, numa perspectiva de “gestão de negócio”,competições para crianças com menos de 12 anos. Éevidente que um sistema deste tipo conduziu aosexcessos, hoje, sobejamente conhecidos. Todo osistema de Gestão do Desporto nos EUA esteve,desde sempre, ligado à necessidade de “fazerdinheiro”, pelo que, muitas vezes, os finsjustificaram os meios. Por isso, não é de estranharque, de acordo com Zeigler, E. (1987), na década desessenta, ainda não existissem, estudossignificativos, relativos à gestão e administração dodesporto. O autor referido, publicou em 1959“Administration of Physical Education and Athletics”e, posteriormente em 1975, “Administrative Theoryand Practice in Physical Education and Athletics”.Em 1971 a “American Association for Health,Physical Education and Recreation” já tinha,também, publicado, “Administration of Athletics inColleges and Universities”. Do lado americano, estassão as primeiras referências a mencionar.

3.2 EuropaNo que diz respeito à Europa, houve acerca daGestão do Desporto uma atitude mais sociológica e“jurisdicizada” ou até do domínio da economiapolítica (Pires, G., 1989). Em conformidade, osprimeiros trabalhos tendo em atenção a organizaçãopolítica da Educação Física e Desporto datam já dasegunda metade deste século em que os autores dereferência, em nossa opinião, podem ser, entreoutros, Jean Dumazedier (1950) com a obra“Regards Neufs sur le Sport”, George Magname(1964) e a obra “Sociologie du Sport Situation du

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2290

91

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Loisir Sportif dans la Culture Contemporaine”, JeanMeynaud (1966) com “Sport et Politique” e,Berthaud, G. & Brohm J.M. & Gantheret, F. &Laguillaumie, P. (1972) com a obra colectiva “Sport,Culture et Repression”, Bernard Jeu (1972) com “LeSport, la Mort, la Violence”. Este último autorprocurou definir os conceitos, as estruturas e osmodelos, em relação ao processo desportivo. Oimportante desta obra é o facto de, pela primeiravez, partindo da necessidade da “exigência deracionalidade” o autor falar em “definir políticasdesportivas”, idealizando um conceito com umadimensão em que procura captar a globalidade dofenómeno. Simultaneamente na Suiça, FrançoisPidoux (1972) publicou “Vers une Politique dePromotion Sportive”. O Finlandês Pekka Kiviaho(1973) publicou, através da Universidade deJyväskylä, o título “Sport Organizations and theStrutcture of Society”. Em 11 de Março de 1973, aculminar todo um trabalho coordenado por BenitoCastejon Paz, foi divulgado pelo Conselho daEuropa, a obra “La Rationalization des Choix enMatiére de Politique Sportive”. Entretanto, o grandesalto da pedagogia, da economia política e da própriasociologia para a administração dá-se em 1975através do Comité Internacional Olímpico, ao editaruma obra intitulada “Problemes d´Organisation etd´Administration du Sport, onde aparecem nomescredenciados no domínio da pedagogia do desportocomo era o de J. M. Cagical.

3.3 PortugalEm Portugal, a obra paradigmática que melhorreferencia a necessidade do Estado interviradministrativamente no desporto é a de EuricoSerra (1939) intitulada “Desporto Educação Físicae Estado”. Dizia o autor: “O Chefe do Governoanunciou já que de há muito se lhe afiguranecessária qualquer intervenção para suprir o quede outro modo não poder ser feito, para coordenaro que andasse disperso, para subordinar certosindividualismos inevitáveis ao alto interesse detodos. [...] A doutrina do Estado não é totalitáriaquanto à essência, porque o poder encerra na suaorigem limites de ordem espiritual e moral” Serra,1939: 50). Em 1967 numa perspectiva ideológicadiametralmente oposta José Esteves, publica “O

Desporto e as Estruturas Sociais”. Sob acoordenação de Prostes da Fonseca foi publicadoem 1968 “Planeamento da Acção Educativa”,editado pelo Ministério da Educação Nacional aoqual fica também ligado esse nome fundamental daadministração pública portuguesa que foi JoséMaria Noronha Feio. Manuel Sérgio (1974) na obra“Para uma Renovação do Desporto Nacional” dáabertura à discussão política e administrativa daorganização do desporto em Portugal, já na vigênciado regime democrático. Seguem-se obras como asde Melo de Carvalho (1975) “Desporto eRevolução, Uma Política Desportiva” e a de JorgeCrespo (1976) “O Desenvolvimento do Desportoem Portugal um Acto Político”.

3.4 SínteseDo exposto, é possível concluir que aquilo queconsideramos ser a Gestão do Desporto não nasceude geração espontânea, já que é o resultado dumprocesso de evolução longo, do qual, agora,começam a existir as primeiras sínteses reflexivas.Embora por vias distintas, uma norte-americanacentrada na base do desporto universitário das ligase da gestão de negócios e outra europeia, maispreocupada na intervenção política da administraçãopública e da consequente generalização da práticadesportiva através do “Desporto para Todos”, o queé facto é que, a actual Gestão do Desporto encontraas suas raízes na pedagogia do desporto em geral enas acções de lazer e recreação em particular. NosEUA, na organização das praticas desportivas decompetição escolar. Na Europa, nas actividades delazer e competição organizadas pelos clubes sociais,promovidas e apoiadas pelo próprio Estado.Na sociedade globalizada que estamos a viverqualquer dos modelos está a ser cada vez maiscomercializado pela indústria do entretenimento quevai, no futuro condicionar o processo dedesenvolvimento do desporto e, em consequência agestão das suas práticas.

4. ORGANIZAÇÕESNo que diz respeito ao surgimento de organizaçõesrelacionadas com a problemática da Gestão doDesporto, na América do Norte a “North AméricaSociety for Sport Management” foi fundada em

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2291

92

1985/86 por académicos tanto dos EUA como doCanadá. Na Europa, a European Association forSport Management, existe desde 1993. Ambas asAssociações têm vindo a realizar, respectivamente,os seus congressos anuais e produzem, cada uma,uma revista com uma regularidade semestral. A“Journal of Sport Management” que começou a serpublicada em 1987 para a América do Norte e a“European Journal for Sport Management”,publicada desde 1994, para a Europa. Embora aassociação americana seja de pessoas, a europeia éde pessoas e organizações nacionais. Assim, nestaassociação, estão filiadas diversas associaçõesnacionais, entre as quais a Associação Portuguesa deGestão de Desporto, fundada em 22 de Janeiro de1996. Na Austrália, Nova Zelândia, Japão e outrospaíses da região existe uma situação semelhante.Todas estas associações formam uma associaçãomundial, a “International Aliance for SportManagement”, de características informais, que sereúne em congresso mundial de quatro em quatroanos. De facto, a dinâmica social, criada através dainstitucionalização de organizações de carizcientífico e profissional, também nos parece ser umaforte alavanca de desenvolvimento, para esta novaárea de conhecimento.

5. INVESTIGAÇÃOA investigação parece ser outro aspecto de consensoentre os diversos autores, no que diz respeito aoprocesso de institucionalização da Gestão doDesporto. É evidente que a investigação não surgede geração espontânea. De facto, a primeirainvestigação em Gestão do Desporto foi realizada noâmbito da própria Educação Física. Nem outra coisaseria de esperar, já que foi no âmbito da EducaçãoFísica que surgiu, duma maneira natural, ainvestigação na área das Ciências do Desporto. TevorSlack. (1998) da Universidade de Alberta no Canadá,um dos mais prestigiados investigadores no domínioda Gestão do Desporto afirma que “... much of thework we have produce has been restricted to studiesof physical education or athletic programs, and to alesser extent professional sport organizations andnational sport bodies.” Segundo o autor, nosprimeiros 20 números do “Journal of SportManagement”, os trabalhos publicados com uma

perspectiva empírica, 65% relacionavam-se comEducação Física ou “athletic programs”, 12.5% comorganizações desportivas, 10% com fitness clubes, e7% com “professional sport franchises”. É evidenteque há que considerar a tradição que a este respeitoreside, em muitas circunstâncias, na própriaEducação Física. Por exemplo, em 1971 a “AmericanAssociation for Health, Physical Education andRecreation” proclamava que “the responsability fordirecting and managing intercollgiate athletics in thecolleges and universities has passed through severalidentifiable phases since the inception ofcompetitive school sports. [...] The director ofphysical education has the ultimate responsabilityfor the entire athletic program.” Portanto, comoreferimos anteriormente, na América do Norte, atradição da Gestão do Desporto, vem do trabalhodesenvolvido no quadro dos programas desportivosnos colégios e universidades.Na Europa Ocidental, a partir dos anos sessenta,foram desenvolvidos programas de promoção dodesporto que obrigaram a uma significativacapacidade de gestão dos grandes movimentos demassas, então iniciados, bem como, emconsequência a produção de trabalhos deinvestigação no âmbito das políticas desportivas edos padrões de participação nos diversos países. Narealidade, o conceito de “Desporto para Todos”,sobejamente conhecido, deu origem a processos degestão desde as grandes decisões estratégicas,realizadas a nível dos Governos, até ao planeamentooperacional dos diversos organismos públicos ouprivados que acabaram por ter de as implementar.No âmbito do Conselho da Europa, foi iniciado umtrabalho em 1968, por um grupo de planificação,encarregado de “definir o conteúdo da ideia de“Desporto para Todos” (Actes de la Conferences desMinistres Europeens Responsables du Sport, 1975).Este trabalho deu origem a que o Comité dosMinistros, em Setembro de 1976, tenha adoptado aresolução “(76) 41” relativa aos princípios de umapolítica de “Desporto para Todos”, tal como foramdefinidos na Conferência dos Ministros responsáveispelo desporto realizada em Bruxelas no ano anterior.Estava, assim, lançada a “Carta Europeia deDesporto para Todos” (Rapport sur les Activités duConseil de l’Europe,1977) que, ao propor que se

GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2292

93

criassem as condições para que a generalidade dapopulação tivesse acesso à prática desportiva, estava,simultaneamente, a provocar que se utilizassemprocessos de gestão do desporto mais sofisticados oque por sua vez desencadeou projectos deinvestigação que funcionaram como “processos detomada de decisão”.Portanto, não é de admirar que tanto na América doNorte como na Europa, a investigação em Gestão doDesporto ainda mantenha laços muito estreitos como que se passa no mundo da educação em geral e daEducação Física em particular e toda a dinâmicasubjacente às actividades interpessoais e de decisãoporque esta é, de facto, a tecnologia que tem de sergerida. Por outro lado, é compreensível que aprodução em matéria de Gestão do Desporto aindanão tenha atingido um volume, por exemplo,comparável ao realizado em fisiologia, pedagogia ou,até, biomecânica, porque se está no início dumprocesso com uma idiossincrasia própria que surgeprecisamente da interface do cruzamento da gestãocom o desporto contextualizado a um dadoambiente. De resto, veja-se que muito embora asituação esteja a mudar, temos de considerar quetambém no mundo da própria gestão em geral, ainvestigação empírica não está muito desenvolvida(Shenhav, Yehouda, 1999). Nestas circunstâncias,em nossa opinião, não podemos ser “mais papistasdo que o Papa” e esperar que no mundo da Gestãodo Desporto as coisas sejam muito diferentesdaquelas que acontecem na própria gestão. Énecessário dar tempo ao tempo e não querer queresultados que outros obtiveram em duzentos oumais anos de profissão sejam, por nós, obtidos empouco mais de vinte anos.No entanto, é bom que se refira que a partir doinício dos anos noventa podem ser encontradasperspectivas diferentes de entender o fenómeno degestão do desporto, não a partir do desenvolvimentodos currículos de Educação Física, mas a partir daprópria organização das práticas desportivas noâmbito dos diversos sistemas desportivos. Tanto naAmérica do Norte Parkhouse, L., & Ulrich, O.(1979) Chelladurai, P. (1985), Paton, G. (1987),Rail, G. (1988) Zeigler, F. (1989), como na Europa,Chazaud, P. (1983) Pires, G. (1989) começaram a serpublicados trabalhos em que a estratégia principal

começou a situar-se na necessidade de sistematizar oconhecimento tradicional das ciências do desporto,com os ensinamentos que chegavam do domínio daadministração e da gestão, tanto na vertente queconduz à problemática da promoção social como à dagestão de negócios.Os anos noventa ficam também ligados ao arranquedos congressos de gestão do desporto organizadosdo lado americano pela a “North América Society forSport Management” e do lado europeu pelaEuropean Association for Sport Management.

6. OPORTUNIDADES PROFISSIONAISAquilo a que se pode designar por gestão dodesporto tem sido investigado por diversos autoressendo hoje já possível começar a desenhar oscontornos daquilo que os gestores de desportofazem. Lambrecht, K. (1987), através dum estudoem que consultou 264 gestores desportivos deorganizações com diferentes dimensões determinouáreas de competências que tinham inclusivamente aver com a dimensão das organizações.Kjeldsen, E. (1990), a partir de 69 questionários,correspondentes à taxa de retorno de 54.8%, detécnicos com formação inicial em gestão dodesporto, procurou saber qual o perfil dos postos detrabalho bem como as expectativas de carreira, deforma a que a posteriormente a nível académico osestudantes pudessem ser informados acerca daquiloque se estava a passar no campo profissional.Parks, J (1991), reforça a necessidade de saber acolocação e o estatuto profissional daqueles quetrabalham no domínio da gestão do desporto nosentido de, posteriormente, melhor organizar aformação inicial. Pelo que foram enviados 167questionários (taxa de resposta de 63.0%). Osresultados permitiram concluir acerca do nível deformação, estratégia de colocação, posição e salários.O autor conclui pela necessidade de se continuarema desenvolver trabalhos do tipo “levantamento doperfil do posto profissional no domínio da gestão,mas numa perspectiva interdiciplinar.De facto, o desporto apresenta-se como um sector deintervenção profissional diversificada com enormespotencialidades, não só no âmbito da economiatradicional bem como no da emergente economiasocial. Em conformidade, o desporto tem vindo a

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2293

94

criar um crescente número de oportunidades deemprego com tendência para o crescimento. Dosdiversos trabalhos realizados é desde já possívelconcluir que existem a nível dos diversos países:

– Estruturas estatais descentralizadas segundo umadinâmica territorial mais ou menos orgânica;

– Estruturas profissionais de acolhimento tanto anível internacional como nacional;

– Estruturas de poder local com capacidade deintervenção no mundo do desporto;

– Um crescente número de federações desportivasinternacionais, nacionais e regionais;

– Um número indeterminável de associações demodalidades;

– Milhares de clubes, grandes, médios e pequenos;– Ginásios e centros de “fitness”;– Empresas de serviços desportivos;– Empresas de marketing e publicidade interessadas

em integrarem a ideia e o produto desporto nosseus projectos;

– Grandes e médias empresas a considerarem odesporto nas suas políticas de recursos humanos;

– Milhares de instalações desportivas de diversostipos que tem de ser geridas por profissionais comformação especializada,

podemos avaliar as possibilidades que, quer directaquer indirectamente o desporto está a abrir.É de notar que as instituições atrás referidas abriramas portas à participação dum significativo número depessoas para intervirem no âmbito da gestão dodesporto, e, em simultâneo, também foram criandopostos de trabalho de perfil pouco esclarecido masque constituíram o primeiro passo para ainstitucionalização de carreiras profissionais noâmbito da gestão do desporto. Em conformidade, éhoje possível identificar diversas postos de trabalhona área da gestão do desporto, tais como, entreoutros: Directores técnicos; Secretários técnicos;Directores gerais; Técnicos de pelouros desportivosde autarquias; Directores de instalações; Gestores deeventos desportivos; Gestores de produto; Gestoresde empresas e de outras organizações ou entidadesprivadas e públicas; Directores comerciais; Gestoresde recursos humanos; Gestores da área demarketing; Consultores; Investigadores.

Muito embora nem as oportunidades de trabalho,nem os perfis profissionais estejam bem definidos,estamos em crer que não podemos entrar numprocesso de contemplação do sistema desportivoaguardando que tudo fique esclarecido antes de setomar qualquer decisão. Pelo contrário, defendemosque é necessária uma atitude proactiva, quer dizer,como não conseguimos prever o futuro no mundo demudança constante em que vivemos, só nos restafazê-lo acontecer. Sabemos o futuro que queremosconstruir, pelo que, para nós, é clara a necessidade deexistir uma especialização generalista em matéria degestão do desporto, fortemente contextualizada aosdiversos ambientes onde se processam actividadesdesportivas, que respondam, duma forma pragmática,às necessidades que em matéria de desporto,constantemente estão a surgir no sistema social.No entanto, para que isto seja possível, é necessário,em simultâneo, esclarecer, por um lado, aquilo que seentende por gestão do desporto e, por outro, o perfilde formação necessário ao exercício das funções.

7. FORMAÇÃO EM GESTÃO DO DESPORTODesde que o primeiro programa de Gestão doDesporto arrancou em 1968 na Ohio University nosEUA (Parkhouse, Bonnie, 1996) este processo nuncamais parou. Hoje existem, só nos EUA, mais de 200instituições universitárias a oferecerem cursos deGestão do Desporto e cerca de 50 no âmbito dosdiversos países europeus. No que diz respeito aPortugal a Faculdade de Motricidade Humana foi aprimeira a iniciar este processo no início dos anosoitenta, tendo actualmente uma licenciatura emGestão do Desporto no quadro epistemológico dasCiências do Desporto. Desde então outrasuniversidades, tanto públicas como privadas,iniciaram também o ensino de Gestão do Desporto,existindo, com diferentes perfis de formação quatrocursos (formação inicial) institucionalizados(Universidade Técnica de Lisboa, Universidade daBeira Interior, Universidade da Madeira, InstitutoSuperior da Maia) e um outro, na Universidade deCoimbra a arrancar. Para além destes cursos, tanto aUniversidade Técnica de Lisboa como aUniversidade do Porto estão empenhadas narealização de Mestrados de Gestão do Desporto e atétêm vindo a colaborar neste domínio.

GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2294

95

A pergunta que se coloca neste momento é a desabermos qual a formação inicial necessária para aintervenção no mundo do desporto na área da gestão?É claro, a nível mundial, que a comunidadeacadémica necessita repensar constantemente todo oprocesso de ensino da gestão do desporto, de formaa assegurar que os alunos estão a ser devidamentepreparados para enfrentarem os desafios do futuro.Desta premissa, resulta um conjunto de questõesque é necessário, em cada momento encontrar asrespostas necessárias a cada situação.As questões a que nos referíamos são as seguintes:

– Quais as grandes modificações que,previsivelmente, ocorrerão no domínio daorganização do desporto, nos próximos anos, paraas quais é necessário preparar respostas?

– Porque é que as referidas transformações fazemcom que a gestão seja, cada vez mais e em grandemedida a resposta significante?

– Quais as competências específicas no âmbito dagestão que podem ser objecto duma transferênciaimediata e, porventura, directa para o domínio dodesporto?

– Como é que as competências referidas deverão sercontextualizadas (espiritualizadas) ao mundo dodesporto?

– Devem os currículos universitários liderar ouseguir aquilo que se passa nos sistemasdesportivos?

– Em que medida deverão os currículos articular odomínio do desenvolvimento de conhecimentoscom o da aprendizagem de competências?

– Em que domínios podem ou devem interagir asuniversidades e o sistema desportivo, no âmbito doensino da Gestão do Desporto?

– Que qualificações e oportunidades profissionaisdecorrem da formação em Gestão do Desporto?

– Qual é o desenho curricular mais apropriado pararesponder à formação inicial em Gestão doDesporto?

É evidente que as respostas a estas questões têm deser encontradas no âmbito das diversas necessidadessociais que, em matéria de gestão, odesenvolvimento do desporto, a nível mundial, estáa desencadear. De acordo com Karen Daylchuck

(1999), numa pesquisa entre diversas instituições anível mundial, as oportunidades de oferta deemprego no âmbito do desporto, nos próximos dezanos, vão evoluir de acordo com os seguintes itens:

1) Turismo;2) Empreendimentos;3) Gestão de eventos;4) Negócios;5) Especialistas.

Fica claro da investigação referida que é necessáriauma especialização em Gestão do Desporto, sendode prever, num futuro próximo, a necessidade deexistirem, em áreas como o desporto, especialistasque respondam, com eficiência, às rápidas mudançassociais. De facto, tem-se constatado que aslicenciaturas em Educação Física e/ou Ciências doDesporto já não respondem, como foram capazes deo fazer no passado, às necessidades actuais doprocesso de desenvolvimento do desporto, nosdiversos países do mundo.Portanto, a pergunta que se coloca neste momento éa de sabermos qual a formação inicial necessáriapara uma intervenção eficaz, no âmbito da gestão, nodomínio do desporto?É evidente que é necessário encontrar critérios decredibilidade sob pena do enorme esforço conduzidopelas mais diversas instituições poder ser posto emcausa. Em conformidade é necessário responder àsseguintes questões:

– Qual a intenção subjacente ao desenho do currículo;– Qual o (s) método (s) pedagógicos a implementar?– Qual o material didáctico a ser utilizado?– Qual o controlo a exercer no sentido do programa

não perder a sua coerência;– Quais as experiências e trabalhos práticos a

implementar?– Qual a dinâmica a implementar no que diz respeito

à sua adaptabilidade ao Sistema Desportivo?– Qual a estratégia de promoção do curso no futuro?

Foi o que aconteceu através de documentosproduzidos por duas instituições de enormeprestígio e credibilidade a nível mundial. Estedocumentos, em nossa opinião, marcam a década

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2295

96

de noventa naquilo que diz respeito à formaçãoinicial e pós graduada em Gestão do Desporto. Oprimeiro é o “Standards for Curriculum andVoluntary Accreditation of Sport MangementEducation Programs”, um documento conjunto daNASPE (North America Society for PhysicalEducation e da NASSM (North America Society forSport Management) editado em 1993. Nele foramestabelecidos os critérios mínimos para umcurrículo de Gestão do Desporto poder funcionar,não só no que diz respeito às áreas burocráticas eadministrativas como científicas. O segundodocumento, foi produzido a nível do SportManagement Committee da European Network ofSport Sciences in Higher Education e editado em1995. Nele foram estabelecidos os critériosmínimos respectivamente para atribuir os diplomasde licenciatura e de mestrado a nível dasuniversidades aderentes.De acordo com Bonnie Parkhouse (1996) osaspectos fundamentais que um programa de gestãodo desporto deve conter são os seguintes: Domíniodas actividades desportivas (behavioral dimensionsin sport); Gestão e competências organizacionais emdesporto (management and organizational skills insport); Ética; Marketing; Comunicação; Finanças;Economia do desporto; Direito do desporto; Políticadesportiva; Experiência de terreno. Mais recentemente, Karen Daylchuck (1999),enfatiza que os programas de gestão do desporto,devem evoluir nos próximos anos, em termosestratégicos tendo em atenção quatro característicasfundamentais: Envolvimento com as faculdades deeconomia e gestão; Incrementar diversidade eespecialização; Enfatizar os aspectos internacionais eglobais; Melhorar a capacidade empreendedora.Em conformidade, os currículos deverão enfatizar asseguintes áreas do conhecimento: Marketing;Turismo; Recursos Humanos; Tecnologias dainformação; Relações internacionais; Planeamentoestratégico; Gestão de negócios.

8. GESTÃO DO DESPORTOMuito embora recusemos qualquer sentimentoxenófobo, - já que a ciência e o conhecimento seconstroem no trabalho de interface dos diversosespecialistas -, somos de opinião que os licenciados

em desporto (gestão desportiva) têm um espaçocientífico de actuação, com um paradigma próprio deintervenção profissional, sem necessidade desubordinação epistemológica a outras especialidadesde conhecimento.Gerir um hospital, uma fábrica ou uma empresa deserviços de limpeza, não é a mesma coisa que geriruma federação desportiva. Quem disser o contrárioestá completamente à parte daquilo que se passa nomundo do desporto. Querer encontrar invariantes quese apliquem uniformemente, numa acepção cartesianae tayloriana do homem e das organizações, às maisdiversas situações, sem atender às dinâmicasespecíficas de cada actividade social, é fazer umexercício de mera inutilidade especulativa. Entre, porexemplo, o marketing comercial e o social existemdiferenças significativas. Entre o “sponsoring”desportivo e o musical, identificam-se aspectos que osafastam radicalmente. A palavra marketing está lá emtodas as situações, só que com sentidos e aplicaçõesdiferentes. Não é a mesma “chave de parafusos” queaperta qualquer parafuso, nem qualquer parafusoserve para qualquer aplicação, muito embora seutilizem para funções diferentes diversas “chaves” eparafusos. Cada ferramenta tem a sua função e dentrodessa função, pode ser utilizada de diversas maneiras,todas elas correctas, em função das circunstâncias edos circunstancialismos em que estiver a ser utilizada.As organizações desportivas numa relação biunívocapodem estabelecer relações de mútua troca de ideiase aprendizagem com todas as outras. O que já nãonos parece tão evidente é que as organizaçõesdesportivas abdiquem dos seus próprios paradigmasorganizacionais, para seguirem, em regime deexclusividade, paradigmas alheios, desvirtuando umadinâmica que encontra as suas raízes na antigaGrécia, já que, em termos meramente operacionais,foi ali o berço da gestão do desporto moderno.Não se gere o vácuo, gerem-se pessoas, organizaçõese sistemas com características, objectivos, culturas epadrões de comportamento próprios que têm de serconhecidos e considerados, para depois se poder agir(gerir) em conformidade, através da utilização dastecnologias apropriadas. Por isso, as escolhas que,em cada momento, são realizadas acontecem porqueexistem opções que se tivessem sido realizadas poroutra pessoa seriam, necessariamente, diferentes. Só

GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2296

97

por humor, se pode admitir, como o faz Trevor Slack(1998) que é suficiente ler um jornal desportivo parase adquirir uma cultura desportiva. No entanto, agestão do desporto em sentido geral é um espaçoaberto à intervenção das mais diversasespecialidades, muitas delas conseguidas a partir daprópria Gestão do Desporto. Não estamos em crerque nenhuma escola se possa arvorar em detentorade todas as soluções que respondam a todos osproblemas gerenciais que o mundo do desporto estáa levantar. Tanto o desporto como a sua gestão sãoprocessos em plena evolução, pelo que ninguémpode pretender ter o monopólio absoluto sobre esteenorme espaço de intervenção social. Por isso, aoconsiderarmos o conceito de gestão do desportotemos de o fazer tendo em atenção seis questõesfundamentais: (1) Polissemia; (2) Dimensão híbrida;(3) Tecnologia específica; (4) Contextualização; (5)Nível de intervenção; (6) Âmbito de intervenção.

8.1 PolissemiaA palavra gestão é uma palavra polissémica, querdizer, tem a qualidade de poder assumir váriossentidos. Por exemplo, um gestor financeiro poderáter alguma dificuldade em aceitar que existe gestãono desporto, tal como um gestor desportivo terádificuldade em perceber que a gestão pode serreduzida ao simples domínio das aplicaçõesfinanceiras. A palavra gestão assume diferentessignificados para diferentes grupos sociais, podendomesmo haver gestores, como já referimos, quetrabalham no domínio do desporto sem que comisso sejam gestores de desporto. Portanto, nesta faseem que o desporto moderno caminha para a suamaturidade, não é exagerado dizer que estamos nodomínio duma nova gestão que pode assumir asmais variadas formas de intervenção, para aquelesque estão encarregues de unidades ou sub unidadesdum dado sistema organizacional e nele actuamatravés da manipulação duma tecnologia específica –o desporto –, adaptada a um determinado contexto.Recordamos, ainda, as palavras de Mintzberg quandonos diz que “com os mestrados em gestão, criou-seuma neo aristocracia gestora, de mercenários, semligação a nenhuma empresa ou projecto, que saltampara lugares cimeiros sem passar pelos intermédios.Na história mundial, provavelmente, 99.99% dos

gestores nunca receberam formação para seremgestores. Foram-no porque tinham qualidadesinatas.”(in: Os Melhores MBAs do Mundo,“Fortuna”, nº 5, Agosto de 1992). Maisrecentemente este académico em entrevista à revistaFast Company (Nov, 2000) afirma que os mestradosestão a treinar as pessoas erradas, de maneira errada,para funções erradas. Isto porque a gestão para tersignificado terá sempre de ser contextualizada adeterminado ambiente social.

8.2 ContextualizaçãoA gestão do desporto, nos problemas que é supostoresolver no dia a dia da vida das organizações, temvindo a provocar uma aproximação das ideiaspolíticas, estratégicas e pedagógicas, que desdesempre, duma forma mais ou menos implícita,orientaram a vida do desporto em geral e dasorganizações desportivas em particular, daoperacionalização das próprias práticas desportivas,de tal maneira que gerir, em muitas circunstâncias,cada vez mais, está a ser agir. Quer dizer, “a gestãodo desporto desceu à terra” na medida em que seestá a ocupar cada vez mais das questões concretasdo seu desenvolvimento.No mundo do desporto, apesar de se aplicarem todoum conjunto de conhecimentos relativos à gestão,estes conhecimentos só adquirem significado seforem contextualizados ao ambiente onde estão a seraplicados. Quer dizer, não chega aplicar as funçõesda gestão – planear, liderar, coordenar e controlar. Énecessário conhecer o ambiente cultural, económico,social, político e tecnológico onde elas estão a seraplicadas. Só assim a gestão ganha sentido e, sóassim, é possível reivindicar um estatuto próprio.Portanto, para nós, não existe mágica na gestão.Quer dizer que não há nenhuma gestão que emtermos absolutos seja uma mezinha que tudo poderesolver dentro do quadro do desporto. Mais do queobjectivos e metas, recursos humanos e materiais,muito mais do que conceitos, técnicas eprocedimentos mais ou menos quantitativos ou,mais ou menos, elaborados, a gestão, para serefectiva, requer, acima de tudo, contexto, pelo queestá em causa é a capacidade do gestor ser capaz deanalisar e decidir no quadro desse contexto. Por isso,uma coisa é gerir organizações desportivas - clubes

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2297

98

sociais ou comerciais, federações e associações,desporto escolar - naquilo que diz respeito aodesenvolvimento das suas práticas, outra é, porexemplo, a gestão financeira por exemplo das novéissociedades desportivas.O contexto determina que se giram recursoshumanos, materiais e financeiros em função dumdado quadro cultural e dos objectivos a atingir quese devem coadunar com a vocação (aquilo que aorganização tem de fazer) e a missão (a maneiraespecial como a organização cumpre a sua vocação)duma dada organização, quer dizer, têm de estar deacordo com uma dada filosofia de acção queconfigura uma determinada identidade cultural.

8.3 Híbrido CulturalÉ fundamental referir que a gestão do desporto é umhíbrido cultural, já que advém do cruzamento devárias ciências. Por isso, não pode ser analisada nemcompreendida e avaliada, a não ser considerandotodas as contribuições técnicas científicas, sociais epedagógicas do quadro social específico em que estáa ser aplicada. Challadurai, P. (1992) ao discorrersobre o conceito de gestão do desporto, coloca desdelogo, por um lado, problemas de especialização dealgumas áreas no âmbito da gestão do desporto,mas, por outro, conclui que ainda não existe umacapacidade absoluta para diferenciar áreas, pelo queé melhor juntar forças no sentido de ter perfisprofissionais no domínio da gestão maisconsistentes. Em segundo lugar, levanta problemasde inter-relação com outras áreas do conhecimentono domínio, por exemplo, da psicologia, dasociologia e de outras, que por terem preconceitosem relação à área da gestão do desporto requerem danossa parte um cuidado especial, já que por vezesconsideram a nossa área de conhecimento comosendo um território pertença deles. Challadurai coma sabedoria de alguém que é um dos iniciadoresdesta área do conhecimento, aconselha umacooperação muito íntima entre os gestores dedesporto e os especialistas de outras disciplinas. Talcomo nos diz Mintzberg (1992) “gestor é umapessoa encarregada de uma organização ou dumasub unidade dessa organização”. Para ele, tanto égestor o primeiro ministro como o treinador de umaequipa desportiva, na medida em que cada gestor no

fundo é um técnico que gere um determinadatecnologia que conhece e domina.

8.4 TecnologiaDos postulados anteriores decorre que tem de existiruma perfeita identificação daquele que gere comaquilo que está a ser gerido. A tecnologia dum gestornuma instituição bancária ao aconselhar aplicaçõesfinanceiras aos seus clientes é completamentediferente daquela que é usada pelo director técnicodum clube ao aconselhar os pais dum jovem, no quediz respeito à prática desportiva do seu filho. Istoparece-nos uma evidência que dispensa qualquerprova. No entanto, não queremos ficar por aqui. Parapassar dos dados à teoria há necessidade deimaginação criadora que, na maioria das vezes resultado conflito de ideias de esquemas de referência, deculturas dissemelhantes ou antagónicas.Gerem-se tecnologias em determinados ambientesespecíficos. Em conformidade, o “toque especial”, daGestão do Desporto, quer dizer, a sua originalidadetem de ser encontrada num conjunto de disciplinasque tenham a ver, sob o ponto de vista biológico,sociológico, psicológico e cultural com o mundo dodesporto. De facto, temos de gerir, quer dizer, saberutilizar os instrumentos da gestão, aplicados a umdeterminado conhecimento tecnológico, o desporto.Esta gestão pode ser considerada dentro duma dadaorganização tendo em atenção a sua estruturaçãohorizontal ou vertical. No primeiro caso estamos aconsiderar o âmbito da gestão, no segundo o nível.

8.5 Nível de IntervençãoUma organização pode ser analisada segundo umeixo vertical que determina os seus níveishierárquicos (hierarquização). Estes níveishierárquicos obrigam a diferentes processos degestão. De facto, a gestão realizada no vérticeestratégico das organizações ou sistemasdesportivos, é diferente daquela que se realiza anível da tecnoestrutura, da logística, da linhahierárquica ou do centro operacional. Cada umdestes níveis hierárquicos obriga a conhecimentos,atitudes e comportamentos específicos que têm deser contextualizados ao mundo específico dodesporto que estiver a ser considerado.A autonomia não só do ponto de vista quantitativo

GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2298

99

como qualitativo, para tomar decisões varia, em cadauma das sub estruturas indicadas. Em cada umadelas existe um processo de gestão em que acapacidade de tomar decisões pode ser nenhuma outoda. No primeiro extremo (nenhuma) fica-se nodomínio da gestão das normas e dos regulamentos.Nesta situação gere-se um contexto eminentementetecnológico e fechado. No segundo extremo (toda)entra-se no domínio da gestão estratégica,dependendo esta circunstância do lugar que se ocupano eixo vertical do organograma da organização.O que interessa aqui reter é que, por exemplo,enquanto que o presidente dum clube está no vérticeestratégico da organização e, por isso, as suasdecisões devem ser estratégicas, já as decisões dosgestores da linha intermédia caracterizam-se, emtermos operacionais, por aquilo a que seconvencionou chamar funções da gestão ou factoresde desenvolvimento. Por fim, os treinadores, emnossa opinião, são os gestores de primeira linha quetêm de gerir os diversos factores de treino, querdirectos quer indirectos, bem como as variáveis quefacilitam e potencializam a sua gestão.No entanto, tal como um dirigente a funcionar anível do vértice estratégico duma organizaçãodesportiva não deve descurar as questões técnicas,também um treinador não pode ignorar as questõesestratégicas do clube de modo a integrá-las na gestãoque faz da equipa. Cabe à gestão intermédia,descodificar e integrar coerentemente, sempre quenecessário, ambos os discursos. Sabemos ser estauma das questões cruciais no mundo dos grandesclubes desportivos. A nível do vértice estratégicoexiste uma visão acerca da vida económica efinanceira do clube a médio e longo prazos, só quedepois não existe capacidade para idealizar acorrespondente estratégia desportiva,principalmente naquilo que tem a ver com a gestãodo próprio conhecimento no que diz respeito aosrecursos materiais humanos e informacionais bemcomo aos projectos e actividades a desenvolver.De facto, a gestão duma equipa profissional defutebol obriga à manipulação de variáveis diferentesdaquelas que caracterizam a gestão estratégicarealizada pelo presidente duma sociedadedesportiva. É evidente que, sem contar com as linhashierárquicas intermédias, o sucesso da equipa da

sociedade e / ou do clube, dependesignificativamente da capacidade de comunicaçãoentre o vértice estratégico e o centro operacional.Cada uma destas estruturas desenvolve discursosdiferentes, pelo que cada uma delas tem de ser capazde descodificar o discurso da outra ou então arranjarquem o faça. Estamos recordados da totalincapacidade de comunicação entre de SantanaLopes e o técnico da equipa principal de futebolCarlos Queiróz. Esta incapacidade traduziu-se naineficiência e eficácia da equipa de futebolprofissional e no afastamento do treinador. Comoexemplo duma boa comunicação, podemos ter comoexemplo o Futebol Clube do Porto em que o seupresidente tem revelado, ao longo dos últimos anos,uma enorme capacidade de comunicar, duma formaeficaz, com o seu centro operacional.

8.6 Âmbitos de IntervençãoSe os diversos níveis hierárquicos são determinadossempre que se desenvolve a estrutura no sentidovertical, se quisermos compreender odesenvolvimento horizontal da estrutura(departamentalização), temos de compreender queexistem critérios que já não têm a ver com ahierarquia mas com a substância da função que seestá a processar.Gerir diferentes organizações desportivas, diferentesfunções, ou até diferentes modalidades – de acordocom o critério de departamentalização que se quiserutilizar –, tem especificidades técnicas emetodológicas, para além de diversas subtilezasculturais, que não se compadecem com o atrevimentode qualquer curioso que, dum momento para o outro,se vê alcandorado num lugar de gestão no âmbito dodesporto, sem ter qualquer capacidade oucompetência para o ocupar. Isto significa que, àsemelhança daquilo a que se tem vindo a passar emdiversas actividades humanas, também a gestão dodesporto está a especializar-se, obrigando a existir atégestores desportivos com diferentes capacidades,como tem ficado claro nas mais diversas intervençõesnos vários congressos de gestão do desportorealizados, tanto a nível nacional como internacional.Só assim é possível realizar uma perfeita coordenaçãodo trabalho, ou reciproca, ou sequencial, ou emcomunidade entre as várias unidades e sub-unidades

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:2299

100

que devem interagir em qualquer organização noquadro do contexto das respectivas tecnologias. Noentanto, o que temos visto no país, é que estesgestores intermédios (chamados directores gerais,directores de projectos ou directores de função), emmúltiplas situações têm estado mais interessados emintervirem na vida do centro operacional do que emresolverem as questões de ligação entre aquele e ovértice estratégico, criando, deste modo, a retaguardade apoio à linha de produção (as diversas equipas aparticiparem no respectivos quadros competitivos), aque, pelas suas funções, estariam obrigados. Faltam,em nossa opinião, estruturas intermédias que tenhamconsciência da sua função de interface entre o vérticeestratégico das organizações e o centro operacional,para já não referirmos a tecnoestrutura e a logística.Estamos recordados da breve passagem de AntónioSimões pelo Sport Lisboa e Benfica que, na qualidadede Director geral, não foi capaz ou não o deixaram sera interface necessária ao funcionamento do sistema. Aactual crise do Sporting Clube de Portugal, em nossaopinião tem a ver também com o mesmo problema. Oque está a acontecer é que tanto o vértice estratégicodo clube (presidente) bem como o centro operacional(treinador) estão, por assim dizer, a trabalhar semrede e sujeitos a todas a vicissitudes dum campeonatode futebol em que só pode haver um campeão.

9. OPORTUNIDADES FUTURASPodemos antever um futuro de promissorasoportunidades. De acordo com Karen Daylchuck(1999), numa pesquisa entre diversas instituições anível mundial, as oportunidades de oferta deemprego nos próximos dez anos vão evoluir deacordo com os seguintes itens:

– Turismo;– Empreendimentos;– Gestão de eventos;– Desporto negócio;– Especialistas.

Fica claro da investigação referida que é necessáriauma especialização em gestão do desporto, sendo deprever num futuro próximo a necessidade deexistirem em algumas áreas, especialistas querespondam, com eficiência, às rápidas mudanças

sociais. As simples licenciaturas em educação Físicae/ou Ciências do Desporto, deixaram de ser capazesde responder às necessidades actuais do processo dedesenvolvimento do desporto nos vários sectores dedesenvolvimento e nos diversos países do mundo.Em nossa opinião as competências específicas paraintervir em cada um dos sectores indicados podemser obtidas, com padrões de especialização dediferentes conteúdos e níveis, nas mais diversasescolas de formação, entendendo nós que nenhumadelas pode reivindicar o direito de monopólio sobrea formação em gestão para o mundo do desporto.Portanto, antevemos as mais diversas oportunidadespara muita gente e não só para este ou aquele curso.

10. CONCLUSÕES E SUGESTÕESA velocidade das transformações sociais faz com quea experiência e o conhecimento de há vinte anosestejam, hoje, profundamente desactualizados,sobretudo quando as pessoas não foram, pelas maisdiversas razões, capazes de evoluir. Emconformidade, os sistemas desportivos nos maisdiversos países do mundo têm de ser capaz de seregenerar, sob pena de estagnarem, aliás como já éde alguma maneira notório em múltiplasorganizações de âmbito nacional e internacional.Abrem-se, assim, enormes possibilidades deintervenção profissional que as novas geraçõesinteressadas no mundo do desporto, não devemdeixar de aproveitar.Para nós, o mais importante neste momento, paraalém de ser sempre útil realizar o levantamento dosproblemas que afectam a gestão do desporto, équestionar aquilo que se anda a fazer no âmbito dagestão do desporto com repercussões no seudesenvolvimento. Isto porque, em muitas situações osvértices das organizações desportivas fecharam-sesobre si próprios, sofrem uma desregulaçãoinexorável em relação ao tempo que acabará pordestruir as próprias organizações. Repare-se porexemplo no número de anos que alguns dirigentesdesportivos se mantêm à frente das organizações. Orecorde pertence a Marc Hodler que é presidente daFederação Internacional de Ski desde 1951 e, claro, doComité Olímpico Internacional desde 1963. Este tipode pessoas, se em relação ao passado foram a solução,a partir dum dado momento, passou a ser o problema.

GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:22100

101

Isto porque o conhecimento torna-se obsoleto a acçãoineficaz. Em consequência, os sistemas e asorganizações acabam por estagnar por falta não só denovos recursos humanos como pela desactualizaçãodaqueles que se perpetuam e multiplicam por várioslugares por anos a fio, alimentando-se das própriasorganizações a que pertencem.Em conformidade, hoje, no mundo do desporto,existe um espaço epistemológico de intervenção cujaexpressão profissional se circunscreve à gestão daspráticas desportivas que difere significativamente dagestão realizada em outras áreas ou sectoreseconómicos e sociais. Se por um lado, em matéria degestão, existem especificidades próprias quesingularizam o desporto das demais actividades, poroutro, dentro dessa mesma singularidade, a gestãodesportiva caracteriza-se por ser uma actividadecontextualizada onde numa perspectiva multiculturalse gere um tecnologia, o desporto, tendo emconsideração o nível e âmbito de intervenção.A gestão dos recursos humanos, em qualquersociedade, é um instrumento estratégico deorganização do futuro. Desencadear a regeneração dosdiversos sistemas desportivos por esse mundo fora,através de estratégias conduzidas a montante é umdesiderato que compete à sociedade civil, mastambém aos próprios governos, porque, para além de,cada vez mais, estarem em jogo verbas do eráriopúblico, colocam-se também questões de organizaçãosocial. Por isso, é necessária uma formação inicial emgestão do desporto, já que a formação tradicional jánão responde as necessidades sociais.Por nós, acreditamos que é possível, através de umaaliança estratégica entre organizações cujaperspectiva de futuro ultrapasse o imediatismo dapressão dos problemas de todos os dias – quer dizerque não confundem urgência com importância –,congregar ideias, projectos e esforços, de forma aalterar o rumo dos acontecimentos. Se assim for,estamos convencidos que as novas gerações depraticantes, técnicos e dirigentes que vão chegar aomundo do desporto em busca de emprego nummundo em que o emprego está a escassear, serãocapazes de promover as mudanças necessárias.Trata-se dum investimento na mudança a médio elongo prazos, quer dizer, dum desafio às instituiçõese às pessoas sobre o tempo, já que necessitamos de

tempo de reflexão para um desporto e umasociedade que deixaram de ter tempo para aferir osentido dos seus próprios valores. E quando associedades e as instituições, através das pessoas,começam a pensar que não necessitam de nenhunsprincípios nem valores, na medida em que tudo seresume ao dinheiro, ao mando, ao sexo e aodesporto, como nos diz o teólogo Hans Küng (FT,25/09/99), de facto, é necessário desencadear umaenorme vaga de mudança que alerte as consciênciasdas pessoas quanto à necessidade de organizarmosum futuro que não se volte contra nós próprios.Portanto, aqueles que estão nos diversos vérticespolíticos da sociedade, hão-de ter de decidir sequerem um desporto instrumento de educação, delazer, de cultura e de saúde e, em consequência,promotor de economia e de desenvolvimentohumano, ou se, em alternativa, querem um desportodesprovido de ética, socialmente injusto, alimentadopelo ódio e a ignorância, geradores de novos ódios ede mais ignorância, sorvedouro de dinheiros públicos,sem outra utilidade que não seja a de animar massasacéfalas que outra perspectiva não têm da vida senãoa de saciarem os seus mais primários instintosagonísticos através dum espectáculo desportivo devalor social, pelo menos, questionável.As universidades, podem assumir-se como ainterface desta discussão. Isto já está a acontecer dealguma maneira, na América do Norte (EUA eCanadá) através da “North America Society for SportManagement”, e na Europa através da “EuropeanAssociation for Sport Management” querecentemente, com outras associações continentaisconstituíram a “International Aliance for SportManagement”. No entanto, não somos ingénuos aoponto de pensar que este movimento internacionalprovocará rapidamente transformações a nível dossistemas desportivos dos diversos países. Narealidade, a cooperação que acontece a nívelinternacional ainda não tem efeitos nos diversossistemas desportivos, na medida em que estes, nagrande maioria das vezes, são compostos porestruturas muito pesadas, pouco receptivas aoconhecimento adquirido por via académica e,sobretudo, com uma mentalidade de que é maisimportante fazer do que saber fazer. No entanto, acontinuar este processo, tanto a nível internacional

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

revista 13.2.04, 16:22101

102

como dos diversos países, as mudanças, mais cedoou mais tarde, acabarão por acontecer, a partir domomento em que as Universidades, sejam elas quaisforem, começarem a colocar no mercado de trabalho,quadros com uma mentalidade e um posicionamentoem relação às questões do desporto diferentesdaquelas que formaram os dirigentes educados nalógica do sistema industrial e condicionados aosprocessos de supercompensação dele decorrentes(Bouet, M., 1968).

GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

BIBLIOGRAFIA

American Association for Health, Physical Education andRecreation (1971) Administration of Athletics in Colleges andUniversities, Washington, American Association for Health,Physical Education and Recreation.

Berthaud, G. & Brohm J.M. & Gantheret, F. & Laguillaumie, P.(1972) Sport, Culture et Repression, Paris, Françoi Maspero.Bouet, M. (1968) Les Motivations des Sportives, Paris,Editions Universitaires.

Estes desafios requerem, em matéria de gestão,organização e desenvolvimento do desporto, novasatitudes e diferentes soluções, no sentido de seremcriadas nova oportunidades para futuras gerações depraticantes, técnicos, dirigentes e espectadores. A nãoser assim, aqui fica o aviso, as actuais gerações dedirigentes hão-de ser responsabilizadas por não teremsido capazes de promover um modelo sustentado dedesenvolvimento do desporto que não comprometesseas práticas desportivas das gerações futuras.

revista 13.2.04, 16:22102

103

Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 88–103

Chazaud, P. ( 1983) Le Sport et as Gestion, Paris, Vigot.Chelladurai, P. (1985) Sport Management, London, Canada,Sport Dynamics.Chelladurai, P. (1994) Sport Management: Defining a Field.In: “European Journal for Sport Management”, Vol. 1 – Nr.1, May 1994.Chelladurai, P. (1999) Human Resources Management in Sportand Recreation, Human Kinetics.Costa, Lamartine (1979) Noções de Administração paraProfissionais da Educação Física e dos Desportos, Brasília, DFDepartamento de Documeentação e Divulgação.Costa, Lamartine (1986) A Abordagem em Rede de Lazer e doEsporte para Todos: Uma tentativa de revisão epistemológica,taxonômica e organizacional do esporte e da educação física,in: Comunidade Desportiva , Rio de Janeiro, 6 v (38) Maio/Junho. Editado em Portugal pelo Ministério da Educação eCultura – Direcção Geral dos Desportos, col. “Desporto eSociedade” n.º28.Crespo, Jorge (1976) O Desenvolvimento do Desporto emPortugal um Acto Político, Lisboa, ISEF.Dumazedier, J. (1950) Regards Neufs sur le Sport, Paris Seuil.Esteves, José (1967) O Desporto e as Estruturas Sociais,Lisboa, Prelo Editora.Fielding, F. (1991) Defining Quality: Should Educators inSport Management Programs be Concerned AboutAcreditation? in: “Journal of Sport Management”, n. 5.Fonseca, Prostes (1968) Planeamento da Acção Educativa,Lisboa, Ministério da Educação Nacional.Gordon,ª et al (1988) Personal Style and AdministrativeBehavior in Amateur Sport Organisations, in: “Journal of SportManagement”, n. 2.Karen Daylchuck et al (1999) Sport Management as anAcademic Discipline in the Next Millenium, In: Proceedings ofthe 7th Congress of the European Association for SportManagement. Thessaloniki, September 16 –19, 1999.Kiviaho, Pekka (1973) Sport Organizations and the Strutureof Society, Finland, Department of Sociology and Planningfor Physical Culture & Research Institute of PhysicalCulture and Health.Kjeldsen M. (1990) Sport Management Careers: A DesscriptiveAnalysis, in: “Journal of Sport Management”, n. 4.Lambrecht W. (1987) Na Analysis of the Competencies ofSport and Athletic Club Managers, in: “Journal of SportManagement”, n. 1.Lambrecht W. (1991) A Study of Curricular Preparation Needs forSport Club Managers, in: “Journal of Sport Management”, n. 5.Meynaud, Jean (1966) Sport et Politique, Paris, Payot.Olafson, ª (1990) Research Dsign in Sport Management:What’s Missing, What’s Needes?, in: “Journal of SportManagement”, n. 4.NASPE-NASSM (1993) Standards for Curriculum andVoluntary Accreditation of Sport Management EducationPrograms, in: “Journal of Sport Management”, n. 7.Parkhouse, B. (1996) The Management of Sport It’s Foudationand Aplication, USA, Mosby.Parkhouse, L., & Ulrich, O. (1979) Sport Management as aCross Potetial Cross Discipline: A Paradigm for TheoreticalDevelopment, Scientific Inquiry, and Professional Application,in: Quest.Paton, G. (1987) Sport Management Research: What ProgressHas Been Made? Journal of Sport Management, nº 1.Paz, Castejon (1973) La Rationalization des Choix en Matiére

de Politique Sportive Esquisse d’une Metodologie LesIntruments Conceptuels, Strasbourg, Conseil de L’Europe.Pidoux, François (1972) Vers une Politique de PromotionSportive. Images du Sport en Suisse Romande, BirkhäuserVerlag Basel.Pires, G. & Claudino, R. (1994) Profissões do Desporto – Perfilde Competências do Treinador e Gestor Desportivo- Estudo deMercado, Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade deMotricidade Humana, Departamento de Ciências do Desporto,Projecto Apoiado pelo Fundo Social Europeu.Pires, G. (1989) A Estrutura e a Política Desportivas: O CasoPortuguês, Estudo da Intervenção do Aparelho Estatal noSistema Desportivo Português, Lisboa, Instituto Superior deEducação Física, dissertação apresentada com vista à obtençãodo grau de Doutor em Motricidade Humana.Pires, G. (1993) A Organização Faz a Organização daOrganização, in: Ludens, Lisboa, Faculdade de MotricidadeHumana, Vol. 13, nº 3/4, Julho-Dezembro.Pires, G. (1994) Do Jogo ao Desporto, Para Uma DimensãoOrganizacional do Conceito de Desporto. Um ProjectoPentadimensional de Geometria Variável. In. Ludens, Vol.14nº1, Jan.-Mar. 1994.Rail, G. (1988) A Theoretical framework for the Study ofComplex Sport Organisations, in: “Journal of SportManagement”, n. 3.Sanch, J. (1995) Planificacion Deportiva – Teoria Y Pràtica,Barcelona, Inde.Sérgio, Manuel (1974) Para uma Renovação do DesportoNacional, Lisboa, Moraes.Serra, Eurico (1939) Desportos Educação Física e Estado,Lisboa, Bertrand.Seurin, Pierre (1962) Étude Comparative de l’ Organization del’Education Physique et des Sports dans les Pays Occidentaux.in: “Bulletin de la F.I.E.P.”.Shenhav, Yehouda (1999) A Institucionalização da Teoria daGestão: Um Estudo de Séries Temporais, In: “ComportamentoOrganizacional e Gestão”, Lisboa, Instituto Superior dePsicologia Aplicada, v 5, n1.SlacK, T. (1997) Understanding Sport Organisations – TheApplication of Organization Theory, Human Kineticks.Slack, Trevor (1998) Is There Anything Unique About SportManagement? In: “European Journal for Sport Management”,Vol. 5 – Nr. 2, August 1998.Slack,T. (1991) Sport Management : Some Thoughts on FutureDirections, in: “Journal of Sport Management”, n. 5.Soucie, D (1994) The Emergence of Sport Management as aProfessional Occupation: A North America Perspective” In:“European Journal for Sport Management”, Vol. 1 – Nr. 2,September 1994.Steward, R., et al (1998) The Economic Parameters ofProfessional Sport in Australia Lessons for SportAdministrators, In: “European Journal for Sport Management”,Vol. 5 – Nr. 2, August 1998.Tatarelli, G. ( 1986) L’Organizzazione Sportiva – Metodologie,Roma, CONI, Scuola dello Sport.Watt, David (1998) Sport Management and Administration,London, E & FN SPON.Zeigler, F (1987) Sport Management: Past, Present, andFuture, in: “Journal of Sport Management”, n. 1.Zeigler, F. (1989) Proposed Creed and Code of ProfessionalEthics for the North America Society for Sport Management”,in: “Journal of Sport Management”, n.3. 000.

revista 13.2.04, 16:22103