comunicação não-violenta (cnv) e jornalismo.pdf

3

Click here to load reader

Upload: dirk-belau

Post on 25-Dec-2015

18 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Lecture

TRANSCRIPT

Page 1: Comunicação Não-Violenta (CNV) e Jornalismo.pdf

Comunicação Não-Violenta (CNV) e Jornalismo

Contribuição ao tema:“Impactos de um Jornalismo Violento”

36° Semana de Jornalismo da PUC-SP:

“Olhares sobre a Violência”

Dirk Belau

([email protected])

23.10.2014

Observação prévia

No âmbito do tema "Impactos de um jornalismo violento" falar da Comunicação Não-Violenta precisa

distinguir ode subentender um mal-entendido que eu gostaria clarificar já:

A Comunicação Não-Violenta como doctrina pressupõe um nexo recíproco entre o comunicador e o

destinatário da comunicação, pois ela culmina sempre num pedido. Tanto que o caráter violento de

uma comunicação, ou seja o que se procura evitar pela CNV, estaria na negação do nexo social,

ausência de empatia, na imposição ao invés do pedido.

Mesmo assim, a comunicação unilateral pode se valer dos princípios da Comunicação Não-Violenta,

tendo em vista um destinatário genérico, abstrato. Obviamente, o pedido fica bastante abstrato

igualmente, por exemplo pela atenção do leitor ou expectador.

Na medida em que por "jornalismo violento" se entende um jornalismo que transmite relatos de

violência, não vejo como evitar violência.

De quê violência trata a CNV?

Para a CNV, a violência é definida subjetivamente, semelhante à dor no campo da medicina. Existe

violência óbvia, sim, tal como a violência física na tortura ou nas guerras. No outro extremo existe a

violência estrutural, implícita, sem autor identificado, como a violência da pobreza, da privação

através do mercado livre das mercadorias. Portanto, a pobreza é sentida como violência pelas

pessoas vitimas dela.

Os diferentes tipos de violência tem em comum que eles superam o poder de resistência, ou

resiliência, da vítima. Ou seja, desumaniza a vítima, priva a vitima da sua liberdade. Ai fica claro que

atos pouco violentos em si, mas exercidos repetidamente durante algum tempo, podem ser muito

violentos por deixarem a vitima sem defesa com o tempo. Assim existe comportamento violento

Page 2: Comunicação Não-Violenta (CNV) e Jornalismo.pdf

embutido na cultura, quase que despercebido como tal, mas com efeitos destrutivos.

Para complicar mais ainda, todos os tipos de violência provocam uma defesa interna: O

distanciamento interno da pessoa da vida social. Numa certa medida é considerado "normal," mas

também tem expressões tais como os "transtornos mentais."

A CNV diz respeito à violência na comunicação. Apesar de comunicar-se já é menos violento do que

não se comunicar, existe comunicação violenta. Comunicação violenta se caracterisa pela ruptura do

nexo social entre as pessoas envolvidas. Ela atinge a vítima na sua dignidade e na sua auto-estima.

Como funciona a CNV?

Refiro-me ao autor que patentou a expressão CNV, nos Estados Unidos, apesar dele não ser o único

autor relevante nesta área: Marshall Rosenberg. Ele começou nos anos 60, inspirado pelos

movimentos sociais nos Estados Unidos. O termo "não-violento" foi usado também por Mahatma

Gandhi na India e por Martin Luther King na luta racial nos Estados Unidos. Mas o foco de Marshall é

mais que nada a relação entre pessoas, não tanto o comportamento de movimentos políticos. Sim os

conflitos inclusive políticos. Ou seja, a CNV fala em relações, não em movimentos. Vou explicar mais

tarde.

O pensamento do Marshall Rosenberg faz parte da psicologia humanista. Esta é compatível com a

tradição filosófica que desde Sócrates-Platão-Aristóteles via Luther e Hegel/Marx até Merleau-Ponty,

por exemplo, privilegia o nexo social antes do foco individual na pessoa.

A proposta de Rosenberg para se comunicar não-violentamente pressupõe que cada comunicação é

um pedido. Para compreender isto bem: um pedido não só conforme uma "necessidade" qualquer mas

pelo reconhecimento humano. Rosenberg mede o reconhecimento humano pela satisfação de

"necessidades." Ele não problematiza muito este conceito de "necessidades" mas acha que todos os

seres humanos tem as mesmas necessidades que ele chama de básicas e que os recursos da

humanidade são suficientes para satisfazê-las. Ele pouco se preocupa com a questão da distribuição,

ou seja, com o papel da propriedade privada como substituto do amor ou da solidariedade. No

entanto, a necessidade de amor, de nexo social, fica difícil de se conceituar neste registro. O

conceito das "necessidades" é objeto de discussão quando se discute a CNV.

No modelo de Rosenberg, para pedir conforma à CNV precisa-se investir atenção conforme quatro

títulos que nos exercícios podem ser cumpridas em quatro passos:

(1) observar sem julgar

(2) referir-se aos sentimentos do outro e aos sentimentos próprios (= empatia)

(3) definir as necessidades do outro e as próprias

Page 3: Comunicação Não-Violenta (CNV) e Jornalismo.pdf

(4) pedir especificamente e responsavelmente

ad (1) Observar sem julgar significa prescindir de uma visão desnecessariamente vertical das relações

humanas. Não julgar o outro. Por extensão, isto significa também de não julgar as coisas, as

situações. Nada tem contra avaliá-las conquanto o critério não seja moral, i.e. supostamente

"objetivo," mas seja os próprios valores de quem está falando. Fala em mensagens na primeira pessoa

(em inglês: "I-messages"). Para o trabalho do jornalista que não pode falar em "eu" seria importante

sempre revelar o esquema de valores que está aplicando, não deixar os valores implícitos, não usar

julgamentos morais, enfim: levar a responsabilidade pelos julgementos quando não pode abrir mão

de julgamentos totalmente. Nota-se que é quase impossível não julgar em matéria jornalística, pois

na ausência de diálogo, o que se diz signifa tal ou tal coisa conforme o contexto cultural e situado da

recepção, que o autor não conhece ou mal conhece. Observar sem julgar, por isso, se realiza

clarificando os valores imbutidos na medida do possível, uma regra de toda autoria fenomenológica.

ad (2) O maior desafio da CNV está no tratar dos sentimentos, na empatia. Ela se distingue da

simpatia (mais comum) por não se tratar de sentir a mesma coisa que o outro sente mas captar os

sentimentos do outro justamente onde eles diferem dos próprios. Para o jornalismo, a empatia

significaria entender os sentimentos das pessoas das quais escreve como também os sentimentos dos

leitores, e ainda dos próprios. Para fazer simples: procurar profundidade nos aspetos humanos de

cada história, sem falsificar.

ad (3) As necessidades no jogo precisam ser indentificadas realisticamente. Para trabalhos

jornalísticos, isto requer precisão na pesquisa e na linguagem usada, enfim: dedicação e

honestidade. Por exemplo, costuma-se ter reportagens sobre greves sem que as reivindicações dos

trabalhadores sejam sequer mencionadas ou são citadas imprecisamente para manipular a opinião

pública.

ad (4) O pedido precisa ser específico. O pedido do jornalista dirigido para o leitor é, mais que nada,

um pedido pela atenção dele. A atenção genuina dispensada em liberdade e como recompensa da

qualidade da matéria. Isto é o contrário da manipulação onde o jornalista provoca uma atenção ouca

do leitor através de meios sensacionalistas. Este aspeto do trabalho jornalístico implica evitar, por

exemplo, qualquer jargão inclusive superlativos que não comportam informação relevante,

generalizações desnecessárias, abreviações não amplamente conhecidas, linguagem privada de certos

círculos, linguagem normativa esconcendo valores não explícitos, próprios a minorias dominantes na

sociedade. Em geral: assumir a responsabilidade pela acessibilidade do conteúdo pelo leitor. E mais:

cuidar que a informação empodere o leitor ao invés de desinformá-lo. A desinformação jornalística é

humilhação do leitor, então: violência na comunicação.