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Instituto de Educação Tecnológica Pós-graduação
MBA em Gestão de Projetos / T 20 28/05/2015
Comunicação fortalecida -
Estudo de caso sobre a contribuição de
especialistas em equipes de projetos
João Marcos Dias de Araújo
Analista de Comunicação [email protected]
RESUMO
Valorizada, porém ao mesmo tempo negligenciada, a Comunicação ainda não encontrou seu devido espaço nas equipes de projetos. A partir de uma bem-sucedida experiência vivenciada pelo autor, pretende-se evidenciar que a atuação de especialistas da área pode fazer toda a diferença para o sucesso de um empreendimento.
Palavras-chaves: comunicação; projetos; desenvolvimento gerencial; partes interessadas.
1 Introdução
O presente artigo se dispõe a refletir sobre o papel da equipe de Comunicação na Gestão
de Projetos de Capital. A bem-sucedida experiência da Diretoria de Projetos (DP) de uma
multinacional brasileira, na introdução da área de Comunicação em seus empreendimentos,
é utilizada como referência e embasamento. Pretende-se, assim, defender o ponto de vista
de que tal campo do conhecimento ainda não é explorado com toda sua potencialidade no
guia Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos, também conhecido como
PMBOK, publicado pelo Project Management Institute (PMI®).
Tal como encontramos no PMBOK, o planejamento, gerenciamento e monitoramento e
controle das Comunicações em projetos da Diretoria de Projetos (DP) até 2010 eram
atribuições específicas do gerente. A Comunicação era vista apenas como um elemento do
desenvolvimento gerencial.
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A expansão dos negócios e a entrada de projetos de grande porte na carteira da DP, em
2010, indicou a necessidade de um trabalho mais estruturado de Comunicação nos
empreendimentos. Foi então que as equipes de projeto passaram a contar com analistas de
Comunicação, a exemplo do que já ocorria nos complexos de operação da empresa. A partir
daí, a recém-formada equipe de Comunicação da DP passou a contribuir e interagir com as
demais áreas, tais como Saúde e Segurança, Meio Ambiente, Gestão Fundiária, assessoria
de imprensa, além, é claro da gerência.
Com base na experiência vivenciada em um dos projetos as DP, o autor pretende mostrar
como a presença de um analista de Comunicação foi útil para que os objetivos da
multinacional na implantação dos projetos fossem alcançados.
2 Revisão da Literatura
Conforme Keelling (2002), a comunicação é “o sistema nervoso da liderança, trabalho em
equipe, cooperação e controle”. Ao mesmo tempo, o autor acrescenta que a comunicação
somente é percebida pela maioria quando é falha e a define como o item mais grosseiro na
“caixa de ferramentas gerenciais”. Não por acaso, o ruído na comunicação é uma fonte
frequente de conflitos que muitas vezes levam ao fracasso de um projeto.
Dados do Estudo de Benchmarking em Gerenciamento de Projetos 2013 – Project
Management Institute, comprovam a tese de Keelling. Levantamento com empresas
brasileiras mostra a aparente contradição entre a comunicação ser uma valência
amplamente valorizada em um gestor, porém um “calcanhar de Aquiles” das organizações.
No gráfico abaixo, estão listadas as principais habilidades necessárias e valorizadas ao
gerenciar projetos nas organizações. Vê-se que a comunicação encontra-se em primeiro
lugar, com 62%, bastante à frente da liderança, em segundo com 50%.
Figura 1 - Principais habilidades necessárias e valorizadas ao gerenciar projetos nas
Organizações
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Fonte: PMSURVEY.ORG 2013 Edition. Project Management Institute.
Ao mesmo tempo em que é valorizada, a comunicação é a “vilã” dos gerentes. O próximo
gráfico evidencia que ela é tida como a principal deficiência dos gerentes de projetos nas
organizações, citada por mais de 42% das empresas participantes do levantamento.
Figura 2 - Principais deficiências dos gerentes de projetos nas Organizações
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Fonte: PMSURVEY.ORG 2013 Edition. Project Management Institute.
Para auxiliar o gerente na inglória tarefa de ser um bom comunicador, as boas práticas do
PMBOK indicam quais as abordagens interpessoais devem ser utilizadas a cada momento e
para o tipo de informação que se necessita comunicar. E as comunicações são classificadas
de acordo com suas dimensões: interna ou externa ao projeto; formal ou informal; vertical ou
horizontal na hierarquia; oficial ou não oficial; escrita e oral; verbal e não verbal.
É evidente que a sistematização das abordagens não garante que as informações circularão
a contento. É aí que o PMBOK aponta para a necessidade de sistematização do processo,
que consiste em planejar, gerenciar e controlar as comunicações do projeto. Percebe-se que
a ideia de se “organizar” a comunicação dentro de um empreendimento já foi comprada
pelas organizações brasileiras.
O gráfico abaixo nos mostra que a comunicação já é o quarto aspecto mais considerado
pelas empresas na metodologia de gerenciamento de projeto.
Figura 3 – Aspectos considerados na Metodologia de Gerenciamento de Projetos
Fonte: PMSURVEY.ORG 2013 Edition. Project Management Institute.
Se a importância da comunicação como fator de sucesso dos projetos já está incutida na
maior parte das empresas brasileiras, é de se imaginar que os resultados estejam
aparecendo. Ou seja, que a comunicação funcione bem na maior parte dos projetos,
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correto? Surpreendentemente, não. É o que mostra o gráfico seguinte, sobre os problemas
mais frequentes em projetos. A comunicação aparece em primeiro lugar, com 68,1%.
Figura 4 – Problemas mais frequentes em projetos
Fonte: PMSURVEY.ORG 2013 Edition. Project Management Institute.
É com base nessa sensação de que “falta alguma coisa” que se pretende mostrar, neste
artigo, a contribuição que o profissional de Comunicação pode dar em uma equipe de
projetos. A maneira com que elementos não de todo contemplados nas boas práticas do
PMBOK podem estar na raiz dos tão citados “problemas de comunicação”. Afinal, conforme
Keeling (2002), “o planejamento e o esforço consciente podem lançar as bases de uma boa
rede de negócios para evitar, ou, em último caso, sanar as sérias consequências do colapso
da comunicação”.
3 Desenvolvimento
Responsável pela implantação de projetos de capital em área específica da empresa, a
Diretoria de Projetos (DP) permaneceu apartada da área de Comunicação da multinacional
até 2010. As obras que serviriam para promover o crescimento da empresa eram
executadas sem o mesmo apoio de comunicação consolidado na área de operação. Perdia-
se, dessa maneira, a oportunidade de trabalhar a imagem dos investimentos; tal como não
era viável inserir o empregado terceiro dentro da cultura organizacional da empresa.
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Vale ressaltar que o presente estudo de caso refere-se ao Projeto que aqui vamos chamar
de MBS, empreendimento do qual o autor participou como analista de Comunicação. Um
dos primeiros a possuir profissionais de Comunicação Social, o projeto consistiu na
duplicação e retificação de traçado ferroviário entre duas cidades. Ao longo da extensão da
obra, foram eliminadas as interferências da linha férrea no cotidiano dos moradores e
construídas novas ruas, praças e áreas de recreação.
Por se tratar de obra de interesse público e fora das áreas de operação da empresa, o
Projeto MBS é um estudo de caso atípico e bastante rico quando se pensa nas
necessidades e oportunidades de comunicação que ele demanda e proporciona. No que se
refere à Comunicação Externa, a equipe dedicada pôde explorar as possibilidades se
trabalhar o investimento como um ativo de imagem para a empresa.
Já na Comunicação Interna, conseguiu-se aproximar a companhia do empregado terceiro.
Ações institucionais da pensadas originalmente para o empregado direto passaram a ter um
tratamento diferenciado, sob o filtro da equipe de Comunicação dedicada, que permitiu uma
maior assertividade no processo comunicativo.
É aí que o PMBOK, no que se refere à Gestão das Comunicações, não satisfaz por
completo as necessidades de um gestor de projetos. Existem espaços por serem
preenchidos quando pensamos em um projeto de capital, com organização matricial rígida,
no qual há grande contingente de mão-de-obra terceirizada. O PMBOK faz muito sentido
quando se pensa na figura do gerente de projeto fazendo circular o fluxo de informações
com sua equipe direta. Mas não há muito no que se basear quando se pensa na empresa
conversando com o empregado terceiro e que contribuirá por um curto período de tempo.
3.1 Comunicação Externa
A 5ª edição do Guia PMBOK avançou no que diz respeito ao relacionamento com o público
externo à equipe de um projeto. Se antes compunha o capítulo 10, das comunicações,
agora o gerenciamento das partes interessadas tornou-se uma área de conhecimento
específica, reunida no capítulo 13. Como o Projeto MBS foi uma obra de interesse público,
boa parte de seus Stakeholders eram moradores das duas cidades. O que veremos neste
item é a contribuição da equipe de Comunicação nos processos de gerenciamento e
engajamento das partes interessadas do Projeto.
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O apoio da equipe na Comunicação com o público externo começou antes da implantação
do Projeto MBS (que teve início em 2011). Com uma área de abrangência extensa e
composta por dez bairros entre as duas cidades, o empreendimento teve que dialogar com
os 250 mil moradores da região. Ainda em 2008, foram identificadas essas partes
interessadas, reunidas em uma Matriz de Stakeholders. Neste documento, ficaram
mapeados autoridades de governo, prefeituras, lideranças, associações de bairro, escolas e
moradores mais próximos da linha férrea que viria a ser retificada.
A Matriz de Stakeholders alimentou e recebeu dados de outro documento, a Planilha de
Manifestações. Toda e qualquer comunicação recebida da comunidade era registrada e a
equipe do Projeto tinha um prazo para que fosse dado o retorno, encaminhado pela equipe
de Relações com a Comunidade.
Ainda na fase de pré-implantação, foram definidos o posicionamento do projeto, a
mensagem-chave, bem como um questionário de perguntas e respostas sobre o
empreendimento. Para facilitar esse primeiro contato com Stakeholders equivalentes a uma
cidade de médio porte, foi produzida uma maquete eletrônica. Através de imagens em 3D, o
vídeo mostrava de maneira bem clara as intervenções que seriam feitas. O material foi
bastante utilizado em reuniões e eventos externos do Projeto durante a implantação.
Um público específico mereceu atenção especial, já que para a realização de
empreendimento, foi necessária a remoção de aproximadamente 500 famílias, a maioria
residente na faixa de domínio da ferrovia e em situação de vulnerabilidade. Entre 2010 e
2011, a Comunicação apoiou a área de Gestão Fundiária com a realização das chamadas
“reuniões de partida”, em que todos os moradores impactados foram chamados a conhecer
o projeto e receber esclarecimentos sobre o processo de realocação.
Outro apoio à área de Gestão Fundiária aconteceu já durante o período de negociação com
as famílias. Foi produzido um vídeo institucional sobre o trabalho realizado, a partir de
depoimentos das próprias famílias, e que evidenciava a melhoria que tiveram em qualidade
de vida após a mudança. O material foi utilizado pela equipe do Projeto MBS em eventos e
reuniões em órgãos como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)
e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Também no período que antecedeu a implantação do projeto, a área de Comunicação
planejou um programa socioambiental, que levou conhecimento a 2.500 crianças, jovens e
adultos da área de abrangência, entre 2011 e 2013, com os temas Memória,
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Sustentabilidade e Segurança. O trabalho foi realizado junto a 16 escolas, além de
associações, prefeituras e comunidades próximas à obra. O trabalho atendeu a uma
condicionante do Ibama e fez parte dos relatórios semestrais encaminhados ao órgão.
Outras mídias foram trabalhadas para que o Projeto se comunicasse com os 250 mil
beneficiados pelas obras. Um jornal que normalmente circula nas cidades em que a
empresa opera foi produzido para informar a comunidade sobre o andamento das
intervenções e as demais ações da companhia na região. Tapumes de obras em área
urbana foram revestidos com imagens em 3D do projeto, dando uma referência de “antes e
depois” aos moradores. Outros materiais foram criados para a comunicação de impactos de
obra, tais como totens com flyers informativos distribuídos no comércio e em escolas.
Soluções também tiveram de ser criadas em termos de Comunicação Externa. A mais
relevante delas foi a instalação de um ponto de informação em cada uma das cidades. Em
locais estratégicos próximos às obras, os moradores ganharam locais onde se informar
sobre as intervenções e mesmo encaminhar algum tipo de reclamação ou pedido.
O Projeto MBS teve outro ganho no que diz respeito à repercussão que inevitavelmente
obteve na mídia de massa, como uma obra de interesse público. Com uma equipe de
Comunicação dedicada, a gerência do Projeto ganhou em assertividade no relacionamento
com a assessoria de imprensa da companhia.
3.2 Comunicação Interna
Keelling (2002) nos alerta sobre a importância de se compreender a diversidade de públicos
dentro de uma mesma equipe de projetos. Diferenças culturais devem ser mapeadas e
levadas em conta a todo momento no processo de comunicação. “A avaliação e a
consideração das necessidades individuais dos interessados ajudam o entendimento e são
uma base essencial para a comunicação eficiente”, ensina o autor.
Os empregados do Projeto MBS foram um público bastante trabalhado pela equipe de
Comunicação. O grande desafio para o Projeto foi se relacionar com uma mão-de-obra na
maior parte terceirizada, de baixo nível de instrução, vinda de vários cantos do país e com
alta rotatividade. Para a empresa, era importante que esses empregados se ambientassem
à sua maneira de trabalhar e que o clima organizacional fosse o mais semelhante possível
ao que se encontra nas áreas de operação.
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Como primeiro passo, foi elaborado pela equipe de Comunicação um conteúdo de
ambientação para empregados, ministrado no momento da mobilização. Os recém-
contratados então passaram a conhecer o que é a empresa, sua missão, visão e valores, o
código de conduta ética do fornecedor, bem como o próprio empreendimento no qual iriam
trabalhar e as ações socioambientais da empresa na região. Outro alinhamento dizia
respeito a que nenhum empregado poderia falar em nome do Projeto com terceiros.
O tema mais sensível a ser trabalhado com os empregados das frentes de obra era a
Segurança do Trabalho. Em parceria com a área de Saúde e Segurança, foram
desenvolvidas campanhas com o intuito de conscientizar os empregados sobre os
procedimentos corretos para se minimizar os riscos das atividades.
Com o apoio da Comunicação, o Projeto MBS pôde seguir o calendário de campanhas
institucionais para com seus empregados. Datas e eventos trabalhados na área de
operação, tais como Carnaval, Dia Mundial da Água, Semana do Meio ambiente, Semana
Interna de Prevenção ao Acidente de Trabalho (SIPAT) e Dia do Voluntariado foram
adaptados para a área de projetos pelos analistas de Comunicação.
O Projeto MBS também ganhou em visibilidade interna. Os marcos do Projeto foram
divulgados em notas produzidas para newsletters internas, jornais murais e jornais
impressos que chegam para todos os empregados da multinacional no Brasil. Dessa
maneira, distintos complexos de uma empresa grande e espalhada em vasta extensão
territorial ficaram informados do passo a passo do empreendimento.
O Projeto contou com a produção de vídeos institucionais em dois momentos. O primeiro, na
entrega da linha férrea duplicada e retificada para o cliente “interno”. Outro foi feito já na
fase final, de término das obras de urbanização que tinham a comunidade como cliente
“externo”. Ambos os vídeos evidenciam e resumem os benefícios trazidos pela obra e ficam
como um legado para a empresa sempre que se quiser demonstrar o que foi o Projeto MBS.
4 Resultados e Discussão
O momento de apresentar os resultados é o de maior “embate” de uma ciência humana com
outra exata. O resultado prático de ações de comunicação se dá no dia-a-dia do
empreendimento e nem sempre é mensurável em números. No caso do Projeto MBS, o
próprio sucesso do empreendimento, ao superar de dificuldades com os públicos interno e
externo, e ser concluído dentro do prazo estabelecido, é um indicativo de êxito.
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Em última análise, no entanto, o que norteia o trabalho da Comunicação na empresa é a
imagem que fazem dela. Além do objetivo cumprido com a obra realizada, era de suma
importância para o projeto que pensassem bem dele os seus Stakeholders. Ou seja, a
percepção do outro é o que nos indica que o trabalho de comunicar foi bem feito.
Ante os resultados da pesquisa de reputação feita pela multinacional periodicamente,
percebe-se claramente a evolução positiva da opinião pública sobre a companhia em uma
das cidades envolvidas com a obra. Tendo em vista que a empresa não tem operação
dentro dos limites do município pesquisado, e que por quatro anos sua face mais visível
para os moradores foi o Projeto MBS, fica evidenciada a contribuição deste para a imagem
da companhia.
Dificuldade maior, neste caso, é o caráter estratégico que a Comunicação tem dentro da
empresa. Como há um código interno que exige dos empregados confidencialidade sobre
assuntos “intramuros”, sequer se pôde citar o nome da multinacional no presente artigo. Da
mesma forma, os resultados da pesquisa de reputação não podem ser divulgados aqui.
5 Conclusões
Ante a bem-sucedida experiência narrada no presente artigo, tem-se a convicção de que a
Comunicação pode, e deve, ser melhor entendida e trabalhada dentro do Gerenciamento de
Projetos. Trata-se de uma área ainda não explorada em sua máxima potencialidade e, até
por isso, fator importante de insucesso em projetos no Brasil. O autor entende, assim, que
analistas de Comunicação deveriam ser profissionais mais assíduos em equipes de
projetos, dando ao gerente a chance de conduzir melhor os processos da disciplina.
6 Referências
UM GUIA do conhecimento em gerenciamento de projetos: ( GUIA PMBOK ). 5. ed.
Newtown Square, PA: Project Management Institute, 2013. xxi, 589 p. ISBN 978-1-62825-
007-7
KEELING, Ralph. Gestão de Projetos: uma abordagem global / Ralph Keeling ; tradução Cid
Knipel Moreira ; revisão técnica Orlando Cattini Jr. – São Paulo : Saraiva, 2002
PMSURVEY.ORG 2013 Edition. Project Management Institute.