comunicacao e politica

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Comunicação e Política. Coletânea de artigos.

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  • miolo comunicao e poltica.pmd 28/07/04, 16:401

  • Editora da UFBA

    DiretoraFlvia M. Garcia Rosa

    Conselho EditorialTitulares

    ngelo Szaniecki Perret SerpaCarmen Fontes Teixeira

    Dante Eustachio Lucchesi RamacciottiFernando da Rocha Peres

    Maria Vidal de Negreiros CamargoSrgio Coelho Borges Farias

    SuplentesBouzid Izerrougene

    Cleise Furtado MendesJos Fernandes Silva Andrade

    Nancy Elizabeth OdonneOlival Freire Jnior

    Slvia Lcia Ferreira

    Editora da UFBARua Baro de Geremoabo, s/n

    Campus de OndinaCEP 40170-290 - Salvador - BA

    Tel/fax: (71) 263-6164www.edufba.ufba.br

    [email protected]

    Fundao Editora UNESP

    Presidente do Conselho CuradorJos Carlos Souza Trindade

    Diretor-presidenteJos Castilho Marques Neto

    Editor ExecutivoJzio Hernani Bomfim Gutierre

    Conselho Editorial AcadmicoAlberto IkedaAlfredo Pereira JniorAntnio Carlos Carrera de SouzaElizabeth Berwerth StucchiKester CarraraLourdes A. M. dos Santos PintoMaria Helosa Martins DiasPaulo Jos Brando SantilliRuben AldrovandiTnia Regina de Luca

    Editora AssistenteDenise Katchuian Dognini

    Fundao Editora da UNESP (FEU)Praa da S, 10801001-900 So Paulo-SPTel: (11) 3242-7171Fax: (11) [email protected]

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  • 2004 by COMPSDireitos para esta edio cedidos

    Editora da Universidade Federal da Bahia-Edufbae Fundao Editora UNESP

    Feito o depsito legal

    Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida,

    sejam quais forem os meios empregados, a no ser com a

    permisso escrita do autor e da editora, conforme a

    Lei n 9610 de 19 de fevereiro de 1998

    Preparao de Originais, Reviso e NormalizaoNdia Lubisco

    Tania de Arago BezerraMagel Castilho de Carvalho

    Capa e EditoraoJoe Lopes

    Biblioteca Central - UFBA

    C741 Comunicao e poltica: conceitos e abordagens / Antonio Albino Canelas Rubim(organizador); preparao de originais, reviso e normalizao: Ndia Lubisco,Tania de Arago Bezerra, Magel Castilho de Carvalho; capa e editorao: Joe Lopes.- Salvador : Edufba, 2004.

    p. 578

    ISBN 85-232-0320-6

    1. Comunicao na poltica. 2. Comunicao - Aspectos sociais. 3.Comunicao de massa - Aspectos polticos. 4. Marketing poltico.5. Propaganda poltica. 6. Opinio pblica - Pesquisa . I. Rubim, AntonioAlbino Canelas. II.Ttulo.

    CDU 659.3CDD 658.45

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  • S u m r i o

    A p r e s e n t a o ... 7

    1 . C e n r i o s d e R e p r e s e n t a o d a Po l t i c a , C R - PVencio A. de Lima (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul) ... 9

    2 . A g e n d a m e n t o d a P o l t i c aFernando Antnio Azevedo (Universidade Federal de So Carlos, So Paulo) ... 41

    3 . E n q u a d r a m e n t o s d a M d i a e Po l t i c aMauro P. Porto (Universidade de Braslia) ... 73

    4 . D i s c u r s o P o l t i c o e M d i aAntnio Fausto Neto (Universidade do Vale dos Sinos, Rio Grande do Sul) ... 105

    5 . E s p a o P b l i c oJoo Pissarra Esteves (Universidade Nova de Lisboa, Portugal) ... 127

    6 . E s p e t a c u l a r i z a o e M i d i a t i z a o d a P o l t i c aAntonio Albino Canelas Rubim (Universidade Federal da Bahia) ... 181

    7 . I d e o l o g i a e H e g e m o n i aJoo Carlos Correia (Universidade da Beira Interior, Portugal) ... 223

    8 . I m a g e m P b l i c aMaria Helena Weber (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) ... 259

    9 . O M a r k e t i n g P o l t i c o - e l e i t o r a lJorge Almeida (Universidade Federal da Bahia) ... 309

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  • 1 0 . M d i a e E l e i oMrcia Vidal Nunes (Universidade Federal do Cear) ... 347

    1 1 . M i t o P o l t i c oLus Felipe Miguel (Universidade de Braslia) ... 379

    1 2 . O p i n i o P b l i c aMaria Joo Silveirinha (Universidade de Coimbra, Portugal) ... 409

    1 3 . P r o p a g a n d a P o l t i c a e E l e i t o r a lAfonso de Albuquerque (Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro) ... 451

    1 4 . R e c e p o d a C o m u n i c a o P o l t i c aAlessandra Ald e Luciana F. Veiga(Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro) ... 483

    1 5 . R e p r e s e n t a e s d a P o l t i c aRejane Vasconcelos Carvalho (Universidade Federal do Cear) ... 515

    1 6 . V i d e o p o l t i c a e S i m i l a r e sRousiley Maia (Universidade Federal de Minas Gerais) ... 543

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  • 7A p r e s e n t a o

    Em 2000, apresentei aos colegas do

    grupo de trabalho Comunicao e Poltica, da Associao Nacional dos

    Programas de Ps-graduao em Comunicao (COMPS), durante o

    encontro anual, a proposta de construo de um livro, trabalhando os

    conceitos bsicos envolvidos na zona de fronteira entre Comunicao e

    Poltica. A idia era produzir coletivamente um livro que buscasse dar

    contornos mais rigorosos ao trabalho interdisciplinar em andamento no

    grupo de trabalho da COMPS e em outro similar, existente na

    Associao Nacional de Pesquisa e Ps-graduao em Cincias Sociais

    (ANPOCS), intitulado Mdia, opinio pblica e eleies, do qual muitos

    de ns tambm estvamos participando. Mas o livro no visava apenas a

    sistematizar conceitos-chave para uso prprio; mais do que isso, o projeto

    pretende, ao (re)visitar conceitos, submet-los a uma discusso e

    delimitao que permita maior consistncia e rigor a essa rea de

    investigao, alm de facilitar e estimular o trabalho de novos pesquisadores.

    Para um pblico mais amplo, o livro certamente pode servir como

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  • 8balizamento e aproximao dos estudos de Comunicao e Poltica, em

    animador crescimento no Brasil e no mundo. A proposta apresentada foi

    imediatamente aceita pelos colegas, com entusiasmo. Desde ento,

    juntamente com outros pesquisadores brasileiros e portugueses que se

    incorporaram ao projeto, o trabalho foi sendo realizado. Discutimos,

    atravs da Internet, quais seriam, afinal, esses conceitos-chave para a

    compreenso da relao entre Comunicao e Poltica e, em seguida,

    definimos, coletivamente, os autores para cada texto. Assim, este livro

    o resultado da cooperao entre os pesquisadores envolvidos e, em

    significativa medida, do esforo desenvolvido e do intercmbio intelectual

    permitido pelos grupos de trabalho da COMPS e da ANPOCS.

    Esperamos que ele possa, efetivamente, contribuir para o desenvolvimento

    da pesquisa em Comunicao e Poltica.

    Antonio Albino Canelas Rubim

    Coordenador

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  • 1 . C e n r i o s d eR e p r e s e n t a o d aP o l t i c a , C R - PVe n c i o A . d e L i m a

    Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

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  • 10

    Introduo

    O conceito de Cenrio de Representa-o (CR) surge da necessidade de compreender as representaes da realidadena mdia (media representations), em suas diferentes dimenses poltica,raas, gneros, geraes, naes, religies assim como compreender a cres-cente importncia que a prpria mdia adquire na sociedade contempornea.

    Representaes da realidade na mdia constituem um objeto de estudosignificativo no campo da Comunicao, sobretudo a partir da contribuiooriginal dos Estudos Culturais ingleses na dcada de 60. O que se busca como conceito de CR uma articulao que situe a questo num quadro dereferncia mais amplo das relaes da mdia com a sociedade. Ademais, am-biciona-se que o conceito possa ser til na indicao de eventuais caminhosno s para a ao deliberada de criao de CR alternativos, como tambmna formulao de estratgias de comunicao, em menor escala, tanto nacomunicao de interesse pblico como na comunicao comercial.

    Dentro de um longo percurso, que se inicia pelo estudo das relaes damdia com a poltica, vale registrar que a inspirao imediata da expressode CR tem sua origem em um pequeno e pouco conhecido texto de StuartHall, transcrio de sua participao num encontro sobre Black Film, BritishCinema, no Institute of Contemporary Arts de Londres, em 19882 . Hallutiliza a expresso cenrios de representao, no contexto do debate sobreuma mudana que ele acreditava estar ocorrendo na poltica cultural negrana Inglaterra. Essa mudana era caracterizada pelo reconhecimento de queas questes sobre cultura e ideologia tinham um lugar formativo e no

    simplesmente expressivo, na constituio da vida social e poltica. Ele cha-ma, ento, cenrios de representao a subjetividade, a identidade e apoltica. preciso insistir, no entanto, que Hall no articula diretamente a

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  • 11

    expresso com as diversas representaes da realidade na mdia, nem com oconceito de hegemonia.

    O conce i to de cenrio sde repre sentao (CR)

    Acreditamos que o conceito de CR pode ser situado dentro de umaampla tradio de estudos nas Cincias Humanas. Esta tradio tem sidoidentificada por diferentes conceitos dentro dos mais diversos contextostericos: vontade geral, opinio pblica, representao coletiva, repre-sentaes sociais, ideologia, imaginrio social, mito, inconsciente polti-co, cultura poltica, consenso, centro dinmico da cultura e hegemonia,dentre outros. Neste texto, refiro-me apenas ao conceito gramsciano dehegemonia, que serve de ncora fundamental e indispensvel para a arti-culao terica que pretendo3 .

    A palavra hegemonia tem sua origem no grego e significa guia, con-duo, direo, preeminncia. No grego antigo, hegemonia significava adireo suprema do exrcito. Hegemnico era o chefe militar, o coman-dante do exrcito. O significado dicionarizado de hegemonia refere-se preponderncia de uma cidade ou de um povo sobre outras cidades ououtros povos; supremacia, superioridade. Hoje, o termo de uso cor-rente nas anlises de poltica internacional, quando se indica a hegemoniade um pas sobre outros. comum, por exemplo, encontrar frases comoos Estados Unidos so o pas hegemnico no mundo contemporneo.Em Gramsci, o conceito de hegemonia tem que ser entendido, no con-texto de sua teoria poltica, como sendo o complemento fundamentalque sustenta um bloco histrico determinado na medida que, tendo comobase material a sociedade civil, articula o consenso indispensvel, ao ladoda coero, para a manuteno do poder.

    Uma longa citao de Raymond Williams, que re-trabalhou o con-ceito na articulao de uma teoria materialista da cultura, torna-se, ento,necessria:

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  • 12

    Hegemonia todo um conjunto de

    prticas e expectativas sobre a totalidade da vida: nosso senso e alocao

    de energia, nossa percepo de ns mesmos e nosso mundo. um

    sistema vivido constitudo e constituidor de significados e valores

    que, ao serem experimentados como prticas, parecem confirmar-se

    reciprocamente. Constitui assim um senso da realidade para a maioria

    das pessoas na sociedade, um senso de realidade absoluta, porque ex-

    perimentada, e alm da qual muito difcil para a maioria dos mem-

    bros da sociedade movimentar-se, na maioria das reas de sua vida.

    Em outras palavras, Hegemonia , no seu sentido mais forte, uma

    cultura, mas uma cultura que tem tambm de ser considerada como

    o domnio e a subordinao vividos de determinadas classes. [...] Uma

    Hegemonia vivida sempre um processo. No , exceto analiticamen-

    te, um sistema ou uma estrutura. um complexo realizado de experi-

    ncias, relaes e atividades, com presses e limites especficos e

    mutveis. Isto , na prtica, a Hegemonia no pode nunca ser singu-

    lar. Suas estruturas internas so altamente complexas, como pode ser

    constatado em qualquer anlise concreta. Alm disso, ela no existe

    apenas passivamente como forma de dominao. A Hegemonia tem

    que ser continuamente renovada, recriada, defendida e modificada.

    Tambm continuamente resistida, limitada, alterada e desafiada por

    presses que no so as suas prprias presses. Temos ento de acres-

    centar ao conceito de Hegemonia o conceito de contra-hegemonia e

    de Hegemonia alternativa, que so elementos reais e persistentes da

    prtica (WILLIAMS, 1979, p. 113, 115, 116).

    O conceito de hegemonia, como explicitado por Williams, constitui,portanto, um conjunto de prticas e expectativas, um sistema vivido designificados e valores, um complexo realizado de experincias, relaes eatividades, com presses e limites especficos e mutveis. Ademais, sempreum processo e , no seu sentido mais forte, uma cultura.

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  • 13

    Desta forma, se entendermos a palavra cenrio como significandoo espao, o lugar onde ocorre algum fato, a ao ou parte da ao de umaprtica qualquer, possvel afirmar que a hegemonia para efeito deanlise pode ser decomposta em vrios cenrios especficos que incor-poram, naturalmente, todas as suas caractersticas. Necessariamente inte-gradas na articulao hegemnica, as diferentes dimenses do conjuntode prticas e expectativas sobre a totalidade da vida constituem-se emcenrios/espaos prprios, com significados e valores especficos, que tam-bm se interpenetram e se superpem.

    Mas qual a caracterstica fundamental desses cenrios? Se ahegemonia um sistema vivido de significados e valores [...], um sen-so da realidade, podemos afirmar que ela se constitui e se realiza noespao onde o sentido da vida e das coisas construdo, isto , no espaodas representaes. Desta forma, podemos tambm afirmar que esses ce-nrios so, de fato, cenrios de representao. Precisamos entender, en-to, quais as caractersticas fundamentais desse complexo conceito de re-presentao4 .

    De um lado, representao pode referir-se apenas existncia deuma realidade externa aos meios atravs dos quais ela (realidade) repre-sentada (teoria mimtica). De outro, representao pode referir-se no sa uma realidade refletida, mimtica, mas tambm constituio destamesma realidade. Este ltimo o sentido do conceito gramsciano dehegemonia, sistema vivido constitudo e constituidor de signifi-cados e valores que [...] parecem confirmar-se reciprocamente. Assim,em nossa articulao conceitual, representao significa no s repre-sentar a realidade, mas tambm constitu-la.

    Nos cenrios de representao com as caractersticas acima defi-

    nidas so construdas publicamente as significaes relativas poltica(direita/esquerda, conservador/progressista), aos gneros (masculino/fe-minino), s raas (branco/negro/amarelo), s geraes (novo/velho), esttica (feio/bonito), entre outras. Desta forma, podemos ter o CR-P,

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  • 14

    Cenrio de Representao da Poltica, o CR-G, Cenrio de Representa-o dos Gneros; o CR-R, Cenrio de Representao das Raas; o CR-GE, Cenrio de Representao das Geraes; o CR-E, Cenrio de Repre-sentao Esttico, e assim sucessivamente.

    Nas democracias representativas contemporneas, os Cenrios deRepresentao so, portanto, o espao especfico das diferentes represen-taes da realidade, constitudo e constituidor, lugar e objeto da articula-o hegemnica total, construdo em processos de longo prazo, na mdiae pela mdia (sobretudo na e pela televiso). Como a hegemonia, os CRno podem nunca ser singulares. Temos, portanto, de acrescentar ao con-ceito de CR o conceito de contra-CR ou de CR alternativo.

    CR: vantagenster icas

    O conceito de hegemonia oferece pelo menos trs vantagens teri-cas bsicas, como referncia e ncora do CR, vis--vis os demais conceitosdentro da mesma tradio nas cincias sociais: contm, necessariamente,o seu contrrio o contra-hegemnico ou o alternativo; implica umprocesso ao mesmo tempo constitudo pela e constituidor da realida-de social; e importantes instrumentos para a sua identificao constitu-em avanos recentes na pesquisa da comunicao. Vejamos:

    Hegemnico econtra-hegemnico

    O conceito gramsciano de "hegemonia" se diferencia, ao insistir emrelacionar a totalidade do processo social com distribuies especficas de

    poder e influncia. Isto significa o reconhecimento necessrio de que, numasociedade de classes, h sobretudo desigualdades entre as classes, vale dizer,

    existe domnio e subordinao dentro do processo social total. Desta for-ma, temos obrigatoriamente que acrescentar ao conceito de "hegemonia" o

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  • 15

    conceito de contra-hegemonia ou hegemonia alternativa (WILLIAMS, 1979,p. 111-117). Isso vale tambm, por extenso, para o conceito de CR. Deve-ramos, portanto, nos referir aos CR, isto , Cenrios de Representao, noplural, porque haver necessariamente sempre um CR hegemnico, domi-nante, e CR contra-hegemnicos, subordinados, alternativos.

    Const i tudo e cons t i tuidor

    Outro carter diferenciador do conceito de "hegemonia" refere-se aofato de que ele identifica um processo constitudo pela e constituidorda realidade social. A questo aqui mais complexa e se situa no eixomesmo de uma fecunda discusso contempornea. Vejamos: em primei-ro lugar, necessrio que tenhamos claro que a "hegemonia" como siste-ma vivido de significados e valores um espao de representaes sim-blicas. Vale dizer que sua unidade bsica o smbolo. De fato, o carterconstituidor, e no meramente reflexivo dos smbolos, aparece nas ar-ticulaes tericas de vrios outros autores, como, por exemplo, Geertz(1978), Carey (1988), Hall (1988) e Baczko (1991).

    Mas foi, sobretudo, o prprio Williams (1979), ao elaborar uma releiturade Marx para a construo de uma teoria materialista da cultura, quem insistiuno carter constitudo e constituidor da "hegemonia", superando assim acategorizao mecnica e no-marxista de uma superestrutura meramentereflexiva da estrutura. O que Williams pretende enfatizar o carter materialnico da produo da realidade, superando a dicotomia entre a existncia deuma realidade e algo externo a ela que a represente. Realidade e representaoda realidade passam a constituir, portanto, uma unidade material singular.

    Para desenvolver seu argumento, Williams recorre inicialmente s co-locaes de V. N. Volosinov (Bakhtin) sobre a lngua/linguagem e afirma:

    A criao social de significados por

    meio do uso de signos formais uma atividade material prtica; , naverdade, literalmente, um meio de produo. uma forma especfica

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  • 16

    daquela conscincia prtica que inseparvel de toda atividade socialmaterial [...]. um processo material caracterstico a criao de sig-

    nos e, na qualidade central de sua caracterizao como conscinciaprtica, est envolvido desde o incio em todas as outras atividades

    humanas sociais e materiais (WILLIAMS, 1979, p. 44).

    Dessa forma, Williams considera a linguagem e a significao comoelementos indissolveis do prprio processo social, envolvidos perma-nentemente tanto na produo e reproduo da realidade, constitudospor e dela constituidores (WILLIAMS, p. 102-103). exatamenteessa a caracterstica central que ele retrabalha no conceito de "hegemonia",quando afirma que um sistema vivido de significados e valores cons-titudo e constituidor. [Esses significados e valores] ao serem experimen-tados como prticas, parecem confirmar-se reciprocamente e ainda umaformao cultural e social inclusiva que na verdade, para ser efetiva, temde ampliar-se e incluir toda [...] experincia vivida, at mesmo para form-la e ser formada por ela (WILLIAMS, p. 113-114).

    O que vlido para o conceito de "hegemonia" necessariamente sertambm vlido para o conceito de CR. Considerando que um aspecto(no o nico) que diferencia o CR da hegemonia a nfase no papelcentral da mdia, na construo do hegemnico (esse ponto ser discuti-do a seguir), logo se manifesta uma das implicaes de seu carterconstituidor da e constitudo pela realidade: as representaes que amdia faz da realidade (media representations) passam a constituir a pr-pria realidade5 .

    Avanos da pe squi saem comunicao

    Dois avanos recentes na pesquisa da comunicao reforam o carterdiferenciado da hegemonia como base terica do CR: o modelo semiticotextual de Eco e Fabri e o conceito de enquadramento (framing). Vejamos:

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  • 17

    a) O modelo semitico-textual de Eco e FabriAo mostrar que, no processo de comunicao massivo, no se pode

    falar de mensagens, mas sim de uma relao comunicativa que se cons-tri em torno de conjuntos de prticas textuais, autores como Eco eFabri esto confirmando o poder determinante da mdia na construodo hegemnico.

    O argumento pressupe o conceito de cultura textualizada, ou seja,a idia de que a cultura representada por um conjunto de prticas textu-ais que se impem, se difundem e se constituem como modelos. Essacultura, caracterstica da mdia, exige de seus destinatrios/receptores umacompetncia interpretativa que articulada, basicamente, atravs de con-juntos de textos j consumidos, ou seja, em referncia aos textos prece-dentes e ao confronto intertextual. Dessa forma, o receptor, alm de co-locar-se numa posio assimtrica em relao ao poder do emissor, esttambm preso prpria gramtica da mdia, de modo a poder usufruirde seu contedo. Essa cultura textualizada da mdia , na verdade, a ex-presso do hegemnico (WOLF, 1987, p.110-116).

    b) A noo de enquadramento (framing) 6

    Do ponto de vista operacional, a noo de enquadramento envolvebasicamente a seleo e a salincia, sendo que esta ltima consiste emtornar uma informao mais

    noticivel, significativa ou memorvel

    para a audincia. [Desta forma,] enquadrar selecionar certos aspectosda realidade percebida e torn-los mais salientes no texto da comuni-

    cao de tal forma a promover a definio particular de um problema,de uma interpretao causal, de uma avaliao moral, e/ou a recomen-

    dao de tratamento para o tema descrito. Enquadramentos, tipica-

    mente, diagnosticam, avaliam e prescrevem. [Alm disso], oenquadramento determina se a maioria das pessoas percebe e como

    elas compreendem e lembram de um problema, da mesma forma que

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  • 18

    determina a maneira que avaliam e escolhem a forma de agir sobre ele.(ENTMAN, 1993, p. 52-54).

    Enquadramentos podem ter pelo menos quatro loci no processo decomunicao: o comunicador, o texto, o receptor (a audincia) e a cultu-ra. O texto expressa a inteno consciente daqueles na posio de selecio-nar qual o contedo da mdia e de que forma ele deve ser construdo.Alm disso, sabe-se que

    a maioria dos enquadramentos sodefinidos por aquilo que eles omitem da mesma forma por aquilo que elesincluem, e as omisses de definies potenciais de problemas, explicaes,avaliaes e recomendaes podem ser to crticas para conduzir (guiding)as audincias, quanto as incluses. (ENTMAN, 1993, p. 54).

    Quando o enquadramento se localiza no comunicador e/ou no texto,pode ocorrer de duas formas: uma involuntria, porque faz parte de umasubcultura, incorporada como natural e inevitvel; a outra, fruto de delibe-rada deciso editorial daqueles em posio para exercer esse poder, nas reda-es dos diferentes meios. Decide-se que certas instituies, fatos e/ou pes-soas, sero (ou no) pautados ou se tero qualquer referncia a seu respeito,tratadas de forma positiva ou negativa, enfatizadas ou esvaziadas.

    Desta forma, a noo de enquadramento mais um importante ins-trumento na identificao do alinhamento dos contedos da mdia como hegemnico (ou contra-hegemnico).

    Pre s supos to s bs i co s

    Quando buscamos a identificao de CR, necessariamente, parti-mos de trs pressupostos bsicos: a existncia de uma sociedade media-centered; o exerccio de uma "hegemonia"; e a existncia da televiso como

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  • 19

    medium dominante. Vamos considerar, separadamente, cada um dessespressupostos:

    A exi s t nc ia de umasoc iedade media-centered

    Refiro-me aqui centralidade da mdia em sociedades que possuemsistemas nacionais consolidados de comunicaes7 .

    A noo de centralidade tem sido aplicada nas Cincias Sociaisigualmente a pessoas, instituies e idias-valores. Ela implica naexistncia de seu oposto, vale dizer, o perifrico, o marginal, o exclu-do, mas ao mesmo tempo admite gradaes de proximidade e afas-tamento, isto , pessoas, instituies e idias-valores podem ser maisou menos centrais8 .

    E como se manifesta essa centralidade da mdia nas diferentes esfe-ras da atividade humana? Vamos nos ater s esferas social e cultural.

    No que se refere centralidade social,basta mencionar o papelcrescente das comunicaes no processo de socializao. Como se sabe,a socializao um processo contnuo que vai da infncia velhice e atravs dele que o indivduo internaliza a cultura de seu grupo einterioriza as normas sociais. Uma comparao da importncia histri-ca das instituies sociais, no processo de socializao, revelar que nosltimos 30 anos, as igrejas, a escola e os grupos de amigos vm, pro-gressivamente, perdendo espao para as comunicaes (DEFLEUR;BALL-ROKEACH, 1993, cap. 8).

    Na esfera da cultura, que se confunde com a esfera social, acentralidade da mdia se torna ainda mais importante. Ela decorre do po-der de longo prazo que o contedo das comunicaes tem na construoda realidade atravs da representao que faz dos diferentes aspectos davida humana. Aponta-se aqui para o reconhecimento do poder das comu-nicaes, agora no mais em termos de efeitos comportamentais de curtoprazo, mas de efeitos cognitivos de longo prazo (SAPERAS, 2000)9 .

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  • 20

    O exerc c io deuma hegemonia

    Falar em exerccio de uma hegemonia: a) implica uma sociedadeocidentalizada, com alto grau de socializao da poltica cujo exercciono pode mais ser reduzido apenas a um Estado coercitivo, mas, aocontrrio, o prprio Estado amplia-se, constituindo-se em uma socie-dade poltica (aparelho coercitivo) e de uma sociedade civil, formadapelo conjunto das organizaes que elaboram/difundem as ideologias(escolas, igrejas, partidos polticos, sindicatos, mdia, entre outros). Este, sem dvida, um fenmeno relativamente recente na Amrica Latina ereduzido ainda a um nmero limitado de pases (PORTANTIERO,1983). Na sociedade brasileira, constatada a convivncia e comple-mentaridade de prticas polticas radicalmente distintas, em diferentesregies do Pas, deve-se lembrar a existncia de estudos comparados quemostram o fortalecimento de nossa sociedade civil e, portanto, daocidentalizao, mesmo durante o perodo mais duro do autoritarismomilitar (STEPAN, 1985); b) implica que no se pode ser dominanteantes de ser dirigente, isto , sem que se detenha o consentimento damaioria da populao. Desta forma, a conquista do consenso hegemnicopassa a ser o problema poltico central; c) implica na permanente possi-bilidade de que classes ou fraes de classe protagonizem disputas inter-nas (intra-hegemnicas) e/ou externas (contra-hegemnicas) pela dire-

    o e pelo consenso.

    A exi s t nc ia da TVcomo meio dominante10

    Os dados disponveis confirmam que a televiso desfruta de posiodominante no s com relao ao tamanho de sua audincia, mas como

    principal fonte de informao e uma das que tm maior credibilidadeentre os diversos mass media.

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    Em livro recente, Castells (1997, p. 313) afirma, baseado em evi-dncias empricas, que

    nas sociedades contemporneas, as pes-

    soas recebem suas informaes e formam suas opinies polticas, essenci-

    almente atravs da mdia e fundamentalmente da televiso. Alm disso,pelo menos nos Estados Unidos, a televiso a fonte de notcias de maior

    credibilidade e esta credibilidade tem crescido ao longo dos anos.

    interessante observar que a dominncia da televiso transcende asfronteiras nacionais e as eventuais barreiras econmicas e sociais. O pr-prio Castells (1997, p. 314) apresenta dados que confirmam essadominncia com relao Bolvia, por exemplo.

    Pesquisa realizada pela Datafolha, em cinco capitais brasileiras, e divulgadapela Associao Nacional de Jornais, em agosto de 2001, indica que a televi-so tem o terceiro maior ndice de credibilidade entre vrias instituies, frente do rdio, da Internet, do judicirio, do governo, das revistas e doCongresso Nacional, nesta ordem (Zero Hora, 15/08/2001). No caso brasi-leiro, desnecessrio salientar a situao particular em que vivemos: umaimprensa diria que manteve, em termos proporcionais, praticamente a mes-ma tiragem durante os ltimos 20 anos; uma televiso consolidada nacional-mente (aparelhos disponveis em cerca de 88% dos domiclios em 2000(ALMANAQUE ABRIL, ..., 2001, p. 234) e ainda um virtual monopliode audincia e de verbas publicitrias de uma nica rede, que lidera tambm,tanto horizontal quanto verticalmente, vrios outros setores da indstria,inclusive aqueles ligados s novas tecnologias de comunicaes 11 .

    TV como maquinriode repre s entao

    preciso lembrar tambm as principais conseqncias culturais delongo prazo da televiso, como tecnologia de comunicaes ou

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    maquinrio de representao (HALL, 1988), independentemente docontedo de sua programao, que tem conseqncias importantes parao argumento que estamos tentando construir. As trs primeiras conse-qncias foram identificadas a partir das pesquisas de Meyrowitz (1985,1997) e a ltima de Silverstone (1988). So elas:

    Primeira: a televiso rompe a necessidade da conexo entre presenafsica e experincia. No mais necessrio estar presente para experi-mentar, presenciar. Isso, naturalmente, d televiso um incomensur-vel poder de construir o real, na medida mesma em que, no mundocontemporneo, no possvel estar fisicamente presente maioria dosacontecimentos que dizem respeito nossa vida e s decises que toma-mos no nosso cotidiano;

    Segunda: a televiso nos tornou insensveis ao texto escrito e/ou fala-do, isto , est transformando o homo-sapiens em homo-ocular (SARTORI,1992). Ns vemos televiso ao invs de ouvi-la; ns nos sentimos bemou mal, ao invs de pensar sobre os seus argumentos; ns respondemos aela emocionalmente e no racionalmente. A televiso nos faz desenvolverum senso de intimidade com pessoas e fatos distantes. o que se deno-mina intimidade distante e que nos leva a responder a eventos e pessoasem termos da sua aparncia, dos seus gestos e da emoo;

    Terceira: a televiso tornou cada vez mais difcil a distino entre oque percebemos como fico e como realidade. O assassinato real daatriz Daniela Perez, da Rede Globo de Televiso, em 1992, um casoparadigmtico (GUILHERMOPRIETO, 1993). Mesmo os telejornaisso fices construdas, com imagens que acontecem somente na tele-viso. O replay de um gol, numa partida de futebol, mostra um lanceque no foi visto por ningum no estdio. Nem jogadores, nem juzes. um gol exclusivo da televiso;

    Quarta: a televiso o espao, por excelncia, de construo da cul-tura mtica no mundo contemporneo. A mdia fabrica e emite os ima-ginrios sociais. Da mesma forma que nas sociedades ditas primitivas, o

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    papel de manuteno e reproduo dos mitos era dos sacerdotes, feiticei-ros, mgicos, hoje, esse lugar privilegiado ocupado pela televiso e nela,sobretudo, pela narrativa melodramtica.

    Permanentee t rans i tr io

    Antes de prosseguir, cabem algumas observaes sobre a ocidenta-lizao e a existncia da media-centricity, na sociedade. No caso brasilei-ro, ambos so fenmenos recentes da nossa histria, isto , so processoscuja consolidao ocorre a partir da dcada de 70. Todavia, se por umlado existe alguma controvrsia sobre a consolidao de uma sociedadecivil autnoma e atuante, de outro, no h mais dvida sobre a existn-cia, no Pas, de um sistema nacional integrado de comunicao de massa,com o crescente domnio da televiso.

    Na formao dos CR hegemnicos no Brasil contemporneo, exis-tem vrios elementos que, embora presentes na mdia, tm sua origemanterior a ela, vale dizer, elementos que existem em nosso imaginriosocial muito antes da existncia de uma centralidade da mdia. So ele-mentos estruturais, que constituem traos permanentes (residuais, per-sistentes) de nossa formao cultural.

    Junto a esses elementos permanentes, surgem outros, estesconjunturais e, portanto, transitrios que, todavia, evocam traos cul-turais profundamente arraigados na tradio de nosso imaginrio so-cial. Esses elementos transitrios constituem constelaes simbli-cas, isto , conjuntos de construes simblicas convergentes sob odomnio de um mesmo tema, reunidos em torno de um ncleo centralorganizador.12 Apesar de poderosas, a ponto de provocarem adesestabilizao ou o fortalecimento de um CR dominante, essas cons-telaes simblicas (transitrias) no podem ser confundidas com oCR (oposicional ou alternativo).

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    Desta forma, num contnuo de tempo, o imaginrio social, a cul-tura poltica e a hegemonia sero sempre anteriores aos CR (hegemnicoou contra-hegemnico), da mesma forma que a conjuntura estar sem-pre frente deles, embora todos possam conter/incorporar elementosconstitutivos (ver adiante) comuns, permanentes e/ou transitrios.Isso significa afirmar, tambm, que a hegemonia mais estvel do que osCR, ou que a alterao de um CR no significa, necessariamente, umacrise hegemnica (ver Figura 1, abaixo).

    Figura 1 - Posies relativas dos CR

    Tempo >>>>-----|---|---|---|---|>

    imaginrio cultura hegemonia CR conjuntura

    social poltica

    Algumas ques te smetodolgicas

    Uma das preocupaes centrais na articulao do conceito de CRtem sido a possibilidade de sua operacionalizao, isto , a possibilidadeconcreta de observao emprica das hipteses dele decorrentes. Sem ig-norar os riscos de uma reduo positivista do conceito, temos buscadodot-lo daquilo que Sartori (1981) chama de dimenso operativa, isto, um conjunto de operaes que viabilizem sua verificao emprica, ouseja, a aplicabilidade da teoria prtica.

    Importante insistir que qualquer identificao de CR dever estar

    apoiada na identificao simultnea das foras histricas concretas que aele do materialidade na sociedade civil pois, como sabemos, a

    "hegemonia" no se constitui num vacuum, mas expressa a disputa do

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    poder que ocorre entre os aparelhos privados de hegemonia, em pro-cesso contnuo e dinmico.

    Isso posto, trataremos, a seguir, de algumas das questes terico-metodolgicas ligadas busca da operacionalizao do conceito de CR. Nuncaser demais insistir, todavia, que continuam em aberto inmeros problemasque, na verdade, remetem a reas-problema dentro das prprias Cincias Sociais.

    O hegemnico e ocontra-hegemnico

    fundamental que se identifique sempre o CR hegemnico e o ouos CR(s) contra-hegemnico(s) ou alternativo(s). Williams (1979, p. 117)j nos advertira de que

    o principal problema terico com efei-to imediato nos mtodos de anlise distinguir entre iniciativas e con-

    tribuies alternativas e opostas, feitas dentro ou contra uma hegemoniaespecfica (que ento lhes fixa certos limites, ou que pode ter xito na sua

    neutralizao, modificao ou incorporao) e outros tipos de iniciativa

    e contribuio que no so redutveis aos termos da hegemonia originalou a ela adaptveis, e so, neste sentido, independentes.

    Os e lementoscons t i tut ivos dos CR

    Outra questo fundamental a identificao concreta dos CR. Aprimeira tarefa do analista identificar os CR atravs de seus elementosconstitutivos (EC). Onde buscar os EC e como identific-los?

    Por EC entendemos as representaes expressas no contedo (nasmensagens) de longo prazo da programao ou das matrias impressas.Nos interessa, sobretudo, as representaes contidas na programao da

    televiso. Na televiso, o critrio bsico para identificar-se quais os loci dosEC do CR dominante so os ndices de audincia da programao.

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    A programao das emissoras de TV pode ser classificada em quatrograndes categorias: entretenimento (telenovelas, sries, filmes, shows,esportes), publicidade, telejornalismo e pseudo-jornalismo13 (talk-shows, entrevistas, variedades). Os programas de maior audincia, em cadacategoria, devem merecer nossa ateno. Na Amrica Latina, o melodra-ma merece certamente uma ateno especial, esteja ele no cinema, no r-dio, nos folhetins, nas fotonovelas, nas canes ou na televiso. Mattelarte Mattelart (1989) analisaram a importncia, comparativamente sem pa-ralelo, deste gnero de narrativa na vida cultural de nosso continente: odrama preside, at mesmo, a estrutura de construo das notcias na tele-viso, embora esta no seja uma exclusividade nossa (STAM, 1985).

    Desta forma, os EC dos CR dominantes no Brasil, respeitadas as dife-rentes condies j mencionadas neste texto, sero provavelmente identifica-dos nas telenovelas; nos telejornais; na programao pseudo-jornalstica,includos aqui programas do tipo Globo Reprter e Fantstico; e nastelecerimnias (media-events) que so os equivalentes contemporneos dascerimnias pblicas tradicionais e que tm como exemplos universais os Jo-gos Olmpicos, a Copa do Mundo de Futebol, os casamentos na CorteInglesa ou as viagens-visita do Papa Joo Paulo II (GUTHRIE; GRAND,1988, DAYAN; KATZ, 1988). Ateno deve ser tambm dada, naturalmen-te, publicidade veiculada dentro da programao de maior audincia.

    Com relao s telenovelas, vale mencionar que sobretudo atra-vs delas que se realiza uma das principais caractersticas da televiso comotecnologia, isto , a confuso entre fico e realidade (GUILHER-

    MOPRIETO, 1993). Vale tambm registrar o carter transclassista daaudincia (MATTELART; MATTELART, 1989), o que confirma a nar-rativa melodramtica como que permitindo, comparativamente, umapolissemia maior da mensagem (FEUR, 1990) e constituindo um espa-o privilegiado da disputa pela construo dos CR.

    Com relao aos telejornais, cabe insistir que o maior poder dos no-ticirios est no enquadramento (framing) das notcias, isto , em omitir

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    e/ou pautar informaes. Isto obrigar o analista a, permanentemente,comparar os telejornais veiculados em diferentes emissoras de TV e ou-tros meios (jornais, revistas, rdio) para buscar eventuais omisses e/ouagendas deliberadas.

    A pol i s s emia das mensagens

    A identificao dos CR, dominante ou alternativo, atravs deseus elementos constitutivos, como descrita at agora, deve ser feita nonvel de sua produo, isto , das mensagens veiculadas na mdia. Esselocus provoca, com freqncia, uma srie de questes: ser que o cidadocomum percebe a existncia dos CR? Ser que os CR identificados peloanalista coincidem com aqueles identificados pelas audincias da mdia?Ser que os CR identificados pelo analista no contedo analisado so osmesmos identificados, no contedo analisado pelo cidado na recepodesse mesmo contedo? Vejamos:

    A possibilidade de construo de significados distintos para a mesmamensagem tanto por analistas, quanto pela audincia interessa-nos namedida em que o CR uma construo simblica e, naturalmente, necessrio que a leitura desta construo simblica feita pelo analistacoincida com aquela feita pelo cidado comum. Essa questo tem sidolevantada sobretudo por parte daqueles que, tanto no estudo da lingua-gem, quanto no estudo da mdia, se ocupam da anlise do discurso e/ouda anlise esttica e enfatizam a recepo das mensagens.

    Existem vrios pontos que precisam ser discutidos. Alguns dos prin-cipais so mencionados a seguir.

    No Brasil, mais do que em qualquer outra parte do planeta, a programa-o de TV, em particular as telenovelas, incorpora em sua narrativa, de formadireta e explcita, fatos da vida cotidiana, inclusive (ou principalmente), fatosda vida poltica (MATTELART; MATTELART, 1989; ORTIZ, 1989).

    Essa fidelidade ao cotidiano faz com que inmeros fatos concretos se-jam tratados nas novelas de forma explcita, expressando posies explcitas e

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    inequvocas, alm de publicamente reconhecidas. Desta forma, a identifica-o dos elementos constitutivos dos CR, hegemnico e contra-hegemnicos,torna-se, muitas vezes, simplificada e isso reduz tambm a possibilidade deleituras antagnicas da mesma narrativa, pelo analista e pela audincia.

    Outro ponto que deve ser lembrado refere-se ao risco de, em nomeda polissemia, considerar-se que cada membro da audincia autnomoe capaz de produzir uma leitura nica de qualquer mensagem, alm deresistir quelas das quais discorda, como se a produo de significadosfosse um ato individual e o poder de construo de significados, nassociedades contemporneas, estivesse simetricamente distribudo entreos produtores (a mdia) e os receptores (a audincia) (SCHILLER, 1989,cap.7; SHOLLE, 1990). Nossa perspectiva, ao contrrio, se funda noargumento de que a construo de significados se d assimetricamente,dentro de limites determinados dialeticamente, no processo de constru-o do sentido hegemnico.

    Resta chamar ateno para a presena necessria de temas comuns ouconstelaes simblicas como elementos constitutivos em CR hegemnicose contra-hegemnicos. Neste caso, esses temas comuns estaro, necessaria-mente, representados de formas opostas, vale dizer, estaro estruturalmenteconstrudos dentro da significao dominante ou da contra-hegemnica.

    O cenrio derepresentao dapol t i ca , CR-P14

    Pequeno His tr ico

    A busca da utilizao do conceito de CR na construo da polticamarca, na verdade, a origem do processo de sua elaborao terica. A

    motivao inicial foi o estudo das eleies presidenciais de 1989 e, sobre-tudo, a compreenso do fenmeno Collor de Mello.

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    Naturalmente, vrios pesquisadores estudaram as primeiras eleiesdiretas para Presidente da Repblica no Brasil ps-autoritarismo, inclusi-ve no campo das comunicaes. Merece registro especial, todavia, o en-saio seminal de Albino Rubim, Comunicao, espao pblico e eleiespresidenciais, originalmente publicado nos Textos de Cultura e Comuni-cao da UFBA, n. 24, de fevereiro de 1990. Ao oferecer uma anlise doprimeiro turno das eleies de 89, Rubim trabalha com a idia da cons-truo de um cenrio poltico pela mdia, produtora privilegiada daesfera pblica na contemporaneidade. Embora a discusso conceitualno tenha sido objeto do texto, o cenrio poltico, em Rubim, contmvrias caractersticas que estavam emergindo, simultaneamente, comoresultado do estudo que fazamos poca, na Universidade de Braslia, edo qual resultou o texto Televiso e poltica: hiptese sobre a eleio presi-dencial de 1989, inicialmente apresentado na 42a. Reunio da SBPCrealizada em Porto Alegre, em julho de 199015 .

    A palavra cenrio tem tido uso generalizado, na anlise da poltica,das relaes internacionais, nas futurologias e em outros campos, comoforma de designar situaes conjunturais passadas e presentes ou anteci-par situaes futuras, levando-se em conta o comportamento (provvel)daqueles atores que se considera determinantes em um contexto histri-co especfico. comum a utilizao da expresso cenrio poltico comreferncia conjuntura poltica, por exemplo, em relao expectativade comportamento de eleitores em determinado processo eleitoral. Foiexatamente cenrio poltico que se utilizou, inicialmente, para designara idia de construo de um espao especfico da poltica, na mdia, comoexpresso dos interesses do bloco histrico dominante.

    Todavia, a ausncia de especificidade na expresso cenrio poltico eo progressivo convencimento de que a hegemonia se referia a espaos derepresentao, conduziram-nos a optar por cenrios de representao

    por expressarem melhor a idia de espaos especficos do conjuntohegemnico, que poderiam ser considerados separadamente, para efeito de

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    anlise. Esses espaos/cenrios de representao, como j vimos, represen-tam permanentemente, na mdia, as vrias dimenses da realidade.

    Hipte s e s : prt i capo l t i ca e e l e i e s

    Junto ao conceito de CR-P, introduzimos duas hipteses a ele refe-ridas, sendo uma relacionada ao processo poltico como um todo e ou-tra, aos processos eleitorais, preferencialmente, nacionais e majoritrios:1) o CR-P dominante, embora no prescreva os contedos da prticapoltica, demarca os limites dentro dos quais as idias e os conflitos pol-ticos se desenrolam e so resolvidos, podendo neutralizar, modificar ouincorporar iniciativas opostas ou alternativas; 2) um candidato em elei-es nacionais e majoritrias, dificilmente vencer as eleies se no ajus-tar a sua imagem pblica ao CR-P dominante. A alternativa a constru-o de um CR-P contra-hegemnico ou alternativo.

    Algumas observaes sobre cada uma das duas hipteses se fazemnecessrias. Vejamos:

    CR-P e prt i ca po l t i ca

    A correta identificao de constelaes simblicas (elementos transi-trios), eventualmente dominantes na representao da poltica dentro deuma conjuntura nacional e/ou internacional especfica, determinante paraa caracterizao do CR-P em perodos no eleitorais, alm, claro, de seuselementos constitutivos bsicos. Com o acelerado processo de globalizaoeconmica e cultural, tudo indica que crescero de importncia os elemen-tos temticos presentes na conjuntura internacional. possvel argumentarque constelaes simblicas em torno de temas, como (a) globalizao,privatizao, neoliberalismo, mercado e (b) novas tecnologias de comu-nicaes (sociedade da informao, sociedade em rede/digital, ciberespao),tm se constitudo em espaos dominantes e, portanto, definidores elimitadores do debate poltico contemporneo. Recentemente, alguns

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    partidos polticos em seus espaos na televiso, tentaram associar os pro-vveis autores dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EstadosUnidos com seus opositores, no claro objetivo de estigmatiz-los comoradicais e terroristas.

    CR-P e eleiesA aplicao do conceito de CR-P compreenso e anlise dos pro-

    cessos eleitorais requer que se leve em conta, alm dos pressupostos geraisj discutidos, as cinco condies seguintes:

    1) as eleies majoritrias nacionais fazem com que os partidos e oscandidatos tentem utilizar, em seu benefcio, durante o processo eleitoral, ossmbolos e as tradies culturais nacionais, para que sejam identificados comoestando mais prximos do CR-P dominante. Desta forma, existe uma rela-o entre a aplicabilidade do conceito de CR-P como instrumento de anlisedo processo eleitoral e a abrangncia cultural da eleio. Vale dizer, o conceitode CR-P crescer em importncia analtica, na medida em que se trate deeleio nacional, vis--vis eleies regionais ou locais (Figura 2). Deve-se lem-brar, todavia, que algumas eleies locais podem, conjunturalmente,regionalizar-se, da mesma forma que eleies regionais e/ou locais podemnacionalizar-se, aumentando a importncia dos CR-P.

    CR-P (mais) | + | *

    | *| *| *

    _ | * (menos) |__|__________|___________|___Eleies: locais regionais nacionais

    Figura 2 Importncia relativa do CR-P nas eleies

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    2) F. McDonald (1989) mostra como, nos regimes presidencialistas,h uma convergncia em uma s pessoa o Presidente das duas funesexigidas no cargo, a ritual e a executiva. Diz ele: uma a funo do Rei, doChefe de Estado, pai do seu povo, que envolve cerimnia e ritual. A outra a de principal funcionrio executivo. Uma requer presena e compostura. Aoutra requer ateno ao detalhe, sentido prtico [...]. Assim, a disputa pelapresidncia o cargo poltico mais elevado do regime sempre envolve atentativa de manipulao de smbolos nacionais (matria-prima da"hegemonia"), o que no ocorre, necessariamente, nos processos eleitoraisdos regimes parlamentaristas, nos quais as funes de representao nacionale chefia executiva do governo esto separadas em pessoas diferentes (porexemplo, o rei/rainha e o primeiro ministro/chanceler). Desta forma, o CR-P ser mais adequado a eleies presidenciais em regimes presidencialistas.

    Registre-se, todavia, o quanto as eleies gerais nos regimes parla-mentaristas esto cada vez mais se aproximando do estilo presidencialista.

    3) Trabalhamos no pressuposto de que os candidatos em disputaeleitoral representam interesses em conflito, que podem ser traduzidos:(a) em termos de competio intra-hegemnica, entre classes e/ou fra-es de classe do bloco histrico no poder; ou (b) em termos de compe-tio entre, de um lado, classes e/ou fraes de classe do bloco histricoque defendem a manuteno da hegemonia dominante e, de outro, clas-ses e/ou fraes de classe que buscam (na luta contra-hegemnica) umanova articulao hegemnica (ou alternativa).

    4) A configurao da disputa eleitoral em termos da competiointra-hegemnica, ou entre projetos hegemnicos alternativos, torna-semais facilmente identificvel se houver polarizao de candidatos nas so-ciedades com sistemas partidrios historicamente frgeis (como o casobrasileiro) ou em decadncia. Isto porque, nessas sociedades, tendem aprevalecer as disputas eleitorais centradas nos candidatos, e no nos parti-

    dos (WATTENBERG, 1991). Ademais, o descompromisso em relaoao programa e s ideologias partidrias deixa as candidaturas soltas e

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    favorece, portanto, o ajuste ou a construo da imagem dos candida-tos, nos termos do CR-P dominante.

    5) H de se considerar o possvel impacto desestabilizador, ou dereforo, que a conjuntura nacional e/ou internacional16 (econmica e/ousocial e/ou poltica) pode provocar na relao do CR-P dominante como processo eleitoral. Esse impacto ocorre sempre que os elementosconjunturais forem capazes de evocar elementos permanentes, pr-exis-tentes no imaginrio social e na cultura poltica17 .

    As ut i l izae s doconce i to de CR-P

    O conceito de CR-P tem merecido a ateno de alguns pesquisado-res, tanto na sua aplicao em estudos concretos, quanto na anlise crticade sua proposta terica. Durante os anos de existncia do GT Mdia ePoltica (1992-1997) e, posteriormente, no Ncleo de Estudos sobre Mdiae Poltica (NEMP), da Universidade de Braslia, vrios trabalhos de alu-nos e professores, apresentados em seminrios, encontros e congressos,bem como monografias de final de curso e dissertaes de mestrado, fo-ram desenvolvidas dentro do esforo de consolidao do conceito. Em1996, um livro com 10 captulos sobre o tema chegou a ser organizadopor este autor, mas no logrou publicao. Vale lembrar, ainda, que pelomenos quatro dissertaes de mestrado, fora da UnB, trabalham o con-ceito para a sua crtica terica, (MAAKAROUN, 1994) ou para a anlisedo processo eleitoral brasileiro, (COLENBRANDER, 1996; BEKES, 1996;AMORIM, 1998). Mais recentemente, uma tese de doutorado defendidana UFBA tambm trabalha a crtica terica do conceito e o utiliza para aanlise das eleies de 1994 a 1998 (cf. ALMEIDA, 2001 e 2002).

    Correndo o risco da omisso, lembro alguns dos textos de pesquisaque utilizam o conceito de CR-P j publicados: Porto (1994); Reilly (1996);Fabrcio (1996); Guazina (1997); Carvalho (1999) e Soares (2000).

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    Notas1 Este texto utiliza trechos de trabalhos anteriormente publicados em

    1996 e 2001 (cap. 7). O Autor agradece os comentrios e sugestesde Liziane Guazina.2 Registro tambm a importante colaborao da professora Susan Reilly,da Miami University, durante os anos 1991/92.3 Os interessados em Gramsci devem consultar a ampla bibliografiaque est disponvel no site Gramsci e o Brasil (http://www.artnet.com.

    br/gramsci/).4 O captulo de Rejane V. Carvalho, neste livro, discute as diferentes

    acepes em que se utiliza o conceito de representao.5 Essa postura terica leva a uma nova perspectiva em relao eternapolmica sobre o poder e/ou os efeitos da mdia. Se as representa-

    es da mdia so constituidoras da realidade (alm de serem por elaconstitudas), a verificao sobre o poder/efeitos da mdia ter que ser

    feita em torno da construo dos mapas cognitivos dos indivduos.Vale dizer, da maneira pela qual eles percebem e organizam seu ambi-

    ente imediato, seu conhecimento sobre o mundo e sua orientao so-

    bre determinados temas ou, em outras palavras, ter que ser feita emtorno do modo pelo qual os indivduos constrem sua realidade. Essa

    postura terica que, na verdade, nunca foi abandonada por inmerosestudiosos, tem provocado importantes reorientaes na pesquisa dos

    efeitos da comunicao (WOLF, 1994).6 Para pesquisas recentes utilizando este conceito, ver Lima e Guazina

    in (LIMA, 2001, cap. 10) e Guazina (2001).7 A palavra comunicaes empregada no sentido de incluir as teleco-municaes, os mass media e a informtica. A convergncia tecnolgicaprovocada pela digitalizao faz com que as distines anteriormentefeitas entre essas trs reas se tornem, progressivamente, irrelevantes.8 Lima (1998) discute em detalhes o conceito de centralidade.9 Este fenmeno foi antecipado nos Estados Unidos j desde o incio

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    da dcada de 20, quando no se tinha nem o rdio nem a televisoimplantados em escala nacional. Lippmann (1922), referindo-se, so-

    bretudo, imprensa, falou de um pseudo-environment e afirmou: olhan-do para trs, podemos ver quo indireto o nosso conhecimento do

    ambiente em que, no entanto, vivemos. Podemos ver que as notcias

    sobre ele nos chegam ora rpidas, ora lentas; mas o que quer que crei-amos ser uma imagem verdadeira, ns a tratamos como se fosse o pr-

    prio ambiente; e mais: o que cada pessoa faz no baseado em co-nhecimento direto e seguro mas em imagens feitas por ela ou dadas a

    ela [...]. O modo pelo qual o mundo imaginado determina o que aspessoas iro fazer em cada momento particular.10 Duas observaes so necessrias aqui: (a) refiro-me TV como meiodominante e no como nico ou exclusivo. Vale dizer que a anliseter tambm que levar em conta outros meios, como emissoras de

    rdio, jornais, revistas e cinema; (b) embora esteja me referindo, aqui,basicamente TV aberta, no ignoro a presena, no mercado, da TV

    por assinatura que introduz questes novas, sobretudo porque partede sua programao, alm de proveniente de outros pases veiculada

    em idioma que no o portugus. H de se considerar tambm o avan-

    o significativo da Internet e suas mltiplas implicaes.11 Sobre o sistema brasileiro de comunicaes, ver Lima (2001), captulo 4.12 Fao aqui uma adaptao daquilo que Durand (1989, p. 31-36)

    chama de constelaes mitolgicas.13 Valho-me aqui da terminologia empregada por Paletz e Lipinski(1994, p. 9) que chamam de pseudo-news todo o contedo da mdiaque fica em algum lugar entre o entretenimento e as notcias.14 Para um maior aprofundamento do conceito de CR-P, ver Lima

    (2001), captulo 7.15 Em artigos do Autor, publicados em jornal e entrevistas concedidas

    ao longo do processo eleitoral de 1989, esto presentes vrias das idi-as que se articulam no conceito de CR-P. Conferir, especialmente, Lima

    (1989 a, b, c, d).

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  • 36

    16 Na eleio presidencial de 1989, por exemplo, alm do eterno apeloao anti-comunismo, a crise nos pases socialistas do Leste Europeu cer-

    tamente forneceu o componente ideal para reforar as teses da ineficin-cia do Estado e da necessidade de privatizao defendidas por Collor

    (LIMA, 2001, cap. 8).17 Parece ter sido isto o que ocorreu na eleio presidencial de 1994 com o

    Plano Real e a substituio da moeda, trs meses antes da data da realizao

    do pleito. Alm de redefinir os limites e parmetros do debate poltico (comindito apoio da mdia), o Plano Real e a candidatura de Fernando Henrique

    Cardoso a ele associada, conseguiram, ao evocar o eterno tema da estabilida-de/instabilidade financeira num pas que historicamente conviveu com uma

    cultura inflacionria (cf. VIEIRA et al., 1993), desestabilizar o CR-P do-

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  • 2 . A g e n d a m e n t od a P o l t i c aF e r n a n d o A n t n i o A z e v e d o

    Universidade Federal de So Carlos, So Paulo

    miolo comunicao e poltica.pmd 28/07/04, 16:4041

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    Toda notcia que reflita atividade polticae crenas, no s discursos e propagandade campanha, tem alguma relevnciasobre o voto. No somente durante acampanha, mas tambm entre os perodos,os mass media constroem perspectivas,conformam as imagens dos candidatos edos partidos, ajudam a destacar osconceitos em torno dos quais se desenvol-ver uma campanha e definem a atmos-fera particular e as reas sensveis quemarcam uma campanha especfica.Lang & Lang

    Introduo

    A noo de agenda-setting1 , propos-ta nos anos 70 do sculo passado pelos pesquisadores americanosMcCombs e Shaw (1972), forma o ncleo conceitual de um modelo depesquisa desenhado para testar empiricamente os efeitos da comunicaode massa na preferncia poltica e eleitoral do pblico. At ento, os acha-dos mais relevantes (como os produzidos pelo clssico estudo sobre aeleio presidencial de 1940, publicado em 1944 por Lazarsfeld, Berelsone Goudet (1968), acerca da influncia da comunicao de massa sobre ocidado informado e seu comportamento poltico e eleitoral, sugeriamque a mdia tinha um papel menos importante na converso poltica doque tinham atribudo as teorias pioneiras sobre os efeitos da comunica-o. Mas os dados que apoiavam esta perspectiva tinham sido produzidos

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  • 43

    ainda na poca de ouro do rdio americano, portanto, antes da televisoter se tornado o principal meio de comunicao de massa e as campanhaseleitorais terem assumido uma forma dominantemente miditica. Acentralidade dos meios eletrnicos no sistema de comunicao e as novasformas de comunicao poltica demandavam novos modelos de inves-tigao e a obteno de novos dados que permitissem o reexame da ques-to dos efeitos da mdia na audincia e no eleitor. Alm do mais, o eixometodolgico das investigaes empreendidas no passado girava em tor-no da indagao se a mdia era capaz de dizer ao indivduo como eledeveria pensar ou agir. J o ponto de partida que estimulou os criadoresda agenda-setting tinha outra origem e era inspirado numa passagem bas-tante citada do livro The press and foreign policy, do cientista polticoBernard Cohen (1963, p.120-121), na qual o autor afirma que se a im-prensa geralmente no diz ao eleitor como deve pensar, possui, contu-do, uma grande capacidade em sugerir sobre o que pensar. A frase deCohen resumia de modo feliz o fato de que a imprensa, em sua rotinaprodutiva, seleciona e divulga temas, acontecimentos e personagens quecompetem entre si pela ateno da mdia e, por extenso, da sociedade. Avisibilidade e a proeminncia de determinados temas em detrimento deoutros num perodo delimitado (uma campanha eleitoral, por exemplo)foram definidas por McCombs e Shaw como a agenda da mdia e ostemas discutidos e considerados importantes pelos indivduos (audin-cia), como a agenda do pblico. O procedimento metodolgico pa-dro do modelo o confronto entre a agenda da mdia e a agenda dopblico, tendo como pressuposto que: a) as duas agendas configuram aagenda-setting de um determinado perodo; b) a comparao entre elaspermite verificar as possveis correlaes entre ambas e qualificar os even-tuais efeitos dos meios de comunicao sobre a audincia.

    A aplicao do modelo nos ltimos 30 anos, em diversas situaes

    empricas, e os dados obtidos em mais de 300 investigaes, em vriospases, vem reforando consistentemente a tese de que a mdia de massa

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    capaz de estruturar e organizar imagens, ao mesmo tempo contingentese permanentes, tanto no plano sociolgico (construo social da realida-de e padres de sociabilidade), como poltico (formao da opiniopblica e escolha eleitoral). Nesse sentido, como lembra pertinentemen-te Traquina (1995), o modelo da agenda-setting revalorizou o poder dojornalismo e a convico sobre a capacidade da imprensa em criar ima-gens do mundo exterior, em nossas cabeas.2

    Background ere levncia terica

    O conceito e o modelo investigativo da agenda-setting ganhaminteligibilidade e relevncia terica, quando relacionados ao tema maisgeral da formao da opinio pblica em sociedades midiatizadas ou,para usar a definio de Manin (1995), em democracias de pblico,como as existentes na maior parte da Europa, nos Estados Unidos ouem pases em desenvolvimento como o Brasil. Nessas democracias, arelao entre os meios de comunicao de massa e a opinio pblica(aqui definida, sinteticamente, como correntes de opinies, atitudes ecrenas sobre um tema particular e compartilhadas e expressas por umasignificativa parte da populao3 ) crucial para se entender como sedefinem as agendas temticas e as questes pblicas relevantes. Um bre-ve retrospecto do lugar da opinio pblica, como instncia intermedi-ria entre o eleitorado e o sistema poltico ao longo da trajetria histricadas democracias representativas, ilumina e reala o papel desempenha-do, hoje, pela mdia de massa, no processo de formao das opinies,atitudes e crenas dos cidados.

    Nos primrdios da democracia liberal, como a existente na Ingla-

    terra do sculo XVIII, caracterizada pela pequena participao eleitoral epelo modelo parlamentar, no qual os representantes atuavam individu-

    almente com independncia, tanto em relao aos partidos quanto aos

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    eleitores, a opinio pblica era desvinculada das expresses eleitorais(MANIN, 1995, p. 8). Nesse contexto histrico, em que predominavauma imprensa de opinio, formada por jornais a servio das idias deseus proprietrios, as questes pblicas eram basicamente as questesque interessavam s fraes mais competitivas das elites polticas e eco-nmicas. Em outras palavras, a opinio pblica se resumia ao debateentre os grupos dominantes, ou seja, as classes proprietrias e aos grupossociais ilustrados que tinham acesso informao e legitimidade socialpara intervir no debate pblico. Neste cenrio socialmente homogneo,a opinio pblica ganhou uma interpretao iluminista, sendo vista, por-tanto, como um produto do debate argumentativo entre indivduosracionais, que tinham como objetivo a busca do bem comum.

    A partir de meados do sculo XIX, com a progressiva ampliao dodireito do voto s classes trabalhadoras, a poltica assumiu uma naturezade classe e os partidos ganharam importncia, medida que agregavame representavam os interesses sociais tanto dos velhos como dos novosatores sociais recm-incorporados ao jogo poltico-eleitoral. Nesta eta-pa histrica, que corresponde sociedade de classe, industrial e de massae a uma democracia de partidos, a competio eleitoral se organiza emtorno de eixos programticos e a opinio pblica se estrutura (ainda queno exclusivamente nem em todo lugar) em linhas ideolgicas, passan-do a coincidir com a expresso eleitoral da sociedade. Como descreveManin (1995, p. 23) nesse novo ambiente, a imprensa de opinio, ou-trora vinculada s idias pessoais de seus proprietrios, passa a ter umcarter partidrio:

    [...] os partidos organizam tanto adisputa eleitoral quanto os modos de expresso da opinio pblica[...]

    e a existncia de uma imprensa de opinio tem uma importncia

    especial: os cidados mais bem-informados, os mais interessados empoltica e os formadores de opinio obtm informaes por interm-

    dio da leitura de uma imprensa politicamente orientada.

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  • 46

    Com o declnio da poltica ideolgica e do jornalismo partidrio(ambos fenmenos acelerados com a derrocada dos regimes socialistas eo fim da Guerra Fria) nas sociedades ps-industriais, e o predomnio deuma grande imprensa comercial e apartidria, orientada para e pelo mer-cado de informao e pela guerra de audincia, o processo de formaoda opinio pblica sofreu uma profunda inflexo. A popularizao damdia eletrnica, como o rdio e a televiso, no s socializaram a infor-mao para alm do crculo dos cidados interessados no debate pblicoe dos formadores de opinies, como criaram uma sociedade que diversosautores tm caracterizado como media-centered. Ao se tornar a principalfonte de informao do cidado, a mdia eletrnica, especialmente a tele-viso, alterou no s o processo de formao da opinio pblica, comotambm a prpria natureza da democracia, agora reconfigurada comouma democracia de pblico, na qual os elementos mais salientes so,alm do j referido predomnio de uma imprensa apartidria, o enfra-quecimento dos partidos, como nica instncia mediadora entre o elei-tor e o poder poltico; a comunicao direta e virtual entre o eleitor e ocandidato; a personalizao do processo poltico; e o predomnio da pro-paganda em detrimento do debate, nas campanhas eleitorais.4

    Entre as conseqncias deste novo ambiente democrtico, encontra-se o deslocamento parcial do debate pblico dos partidos e do parlamen-to para os meios de comunicao de massa e a presena, cada vez maisimportante, de um eleitor sem vnculos ou fidelidade partidria, que estna base da tendncia volatilidade do voto, encontrada pela literaturaespecializada em diversos pases. Na verdade, o que ocorre que numasociedade cada vez mais complexa e diferenciada socialmente e em que amdia de massa e o jornalismo em particular desempenham um papeldecisivo na estruturao do espao pblico e do consenso social, os elei-tores tendem a definir suas preferncias eleitorais, levando em conta asquestes (issue oriented) colocadas em jogo, de modo contingencial, acada episdio eleitoral.

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    Diante deste cenrio, tornou-se crucial analisar a formao da agendatemtica para se tentar compreender como se estrutura, modernamente, aopinio pblica e as preferncias eleitorais. O modelo da agenda-setting, aexemplo de outras proposies analticas (como, por exemplo, a espiral dosilncio, de Elisabeth Noelle-Neumann e a noo de tematizao, deLuhmann), foi uma das respostas dada problemtica dos efeitos, sob asnovas exigncias tericas impostas pelo ambiente miditico contemporneo.

    A seguir, uma rpida retrospectiva resumir como as primeiras gera-es de pesquisadores abordaram a problemtica dos efeitos da comuni-cao de massa na opinio pblica e nos conduzir ao paradigma5 domi-nante, no mbito da mass communication research 6 , no momento dapublicao do artigo seminal de McCombs e Shaw, em 1972.

    Principai s paradigmassobre o s e f e i to s dacomunicao

    A preocupao com os efeitos da imprensa, na formao da opiniopblica, est presente desde o final do sculo XIX. O francs Gabriel Tarde,um dos pioneiros da Sociologia, foi um dos primeiros a se preocupar coma relao entre a comunicao e a opinio pblica, na democracia de massa.Num ensaio (Opinio e Conversao), publicado em 1898, ele antecipa

    vrias das questes que iriam delimitar o debate sobre os efeitos da impren-sa no funcionamento da democracia. Para o autor, o espao pblico da

    democracia de massa, que ento nascia, era formado por quatro elementosinter-relacionados: a imprensa, a conversa, a opinio e, finalmente, a ao.

    Nesse esquema, o papel da imprensa seria o elemento mais importante, aodivulgar o calendrio poltico e a agenda de discusso ao qual o leitor teriaque reagir, atravs da conversa e da contraposio de opinies e tomarposio. O modelo original de Tarde antecipa uma Sociologia da Comu-nicao, que s seria constituda no sculo seguinte, e apresenta o inegvel

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    mrito de reconhecer, ainda no sculo XIX, o poder da imprensa e suacapacidade de formatar o debate pblico, em contextos democrticos.

    Essa percepo do poder do jornalismo e de seus efeitos seria reto-mada e explorada de modo especialmente crtico por Lippmann. Em seulivro Public opinion, editado em 1922, que alm de ter se tornado umclssico da Cincia Poltica, considerado por muitos como a obra inau-gural dos estudos sobre mdia, onde o autor examina a teoria democrti-ca, o papel dos cidados na democracia e o impacto da imprensa nopensamento e na ao do homem comum. O autor sustenta, ao longodo livro, que na democracia de massa a opinio poltica do cidado co-mum governada mais pelas opinies e slogans reproduzidos pelos jor-nais, do que por um julgamento isento e eqidistante das questes p-blicas. Colocava, assim, em xeque, a viso liberal de uma democracia, naqual os cidados eram guiados pelo debate crtico e racional, e a idiaento zelosamente cultivada entre os liberais, de que a opinio pblicaera um produto agregado da racionalidade dos indivduos.

    Mas, apesar de originais e brilhantes, os ensaios dos dois autores cita-dos no avanavam nas possveis explicaes de como se processavam osefeitos cognitivos da comunicao. A busca deste tipo de explicao ocupa-ria outros pesquisadores, que iriam desenvolver modelos explicativos, ori-entados empiricamente e adotando perspectivas tericas, interdisciplinares,na qual a Psicologia e as Cincias Sociais, especialmente a Sociologia e aCincia Poltica, eram fortemente acionadas. Dois desses modelos so apre-sentados, a seguir, como exemplos de abordagens que, durante algum tem-po, se constituram em paradigmas explicativos dominantes.

    A primeira abordagem mais relevante sobre os efeitos da comunica-o7 produto direto do behaviorismo, ento dominante na poca (pri-meiras dcadas do sculo XX), no campo da Psicologia Social praticadanos Estados Unidos. Com o prosaico nome de magic bullet (bala mgica),a tambm chamada teoria da agulha hipodrmica (termo cunhado porLasswell) supunha, de modo ingnuo, que a comunicao era basicamente

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    um processo de reao, baseado no modelo comportamentalista de est-mulo-resposta. Em sntese, essa abordagem acreditava na existncia deuma relao causal entre exposio mensagem/reao e que os efeitos dacomunicao atingia, indistintamente, a todos que fossemexpostos ao processo de comunicao. Essa crena, no alcanceindiscriminado da mensagem e no automatismo das respostas, explica ouso de expresses como bala mgica ou agulha hipodrmica para ca-racterizar essa abordagem. A maior parte da base emprica usada para sus-tentar inicialmente os argumentos dessa perspectiva assentava-se nos estu-dos sobre a propaganda militar veiculada durante a I Guerra Mundial. Noentanto, diversas outras pesquisas foram desenvolvidas tendo como obje-to outros temas e mdias, como os jornais, as revistas e o cinema. De ummodo geral, tais estudos e as pesquisas atribuam propaganda e aos mei-os de comunicao de massa efeitos poderosos e no raro deletrios doponto de vista poltico e moral em suas audincias. A hegemonia desseparadigma gerou o primeiro consenso a respeito dos efeitos da comunica-o nos indivduos e, por extenso, na opinio pblica: a comunicao demassa era um processo onipotente e seus efeitos se processavam de mododireto, imediato e a curto prazo. Como lembram Armand e MichleMattelart (1999, p. 37), nessa viso, a comunicao era vista como umaferramenta de circulao eficaz dos smbolos: [...]mero instrumento, nem mais moral nem menos imoral que a manivela da bomba dgua (po-dendo) ser utilizada tanto para bons como para maus fins.

    Um dos modelos de pesquisa dominante no paradigma dos efeitosilimitados da comunicao teve como ponto de partida um influenteartigo do cientista poltico Lasswell (1948), onde o autor desenvolveu afamosa frmula quem / diz o qu / em que canal / a quem / com queefeito. Essa frmula dividia o ato comunicativo em vrios elementosque correspondiam seqencialmente ao emissor (quem), a mensagem

    (diz o qu), ao meio (em que canal), ao receptor (a quem) e ao efeito naaudincia (com que efeito). Deste modo, o modelo de Lasswell, empre-

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    gado originalmente em estudos da propaganda poltica, transformava acomunicao num ato observvel e mensurvel nas vrias etapas do pro-cesso comunicativo, sugerindo, ainda, que qualquer modificaointroduzida nessas etapas seria capaz de alterar os efeitos na audincia.Uma das conseqncias da frmula proposta por Lasswell foi a posteriordiviso do campo da Comunicao em reas temticas que se tornariamcom o tempo mais e mais especializadas, como o estudo dos emissores,das mensagens, dos meios, da recepo e, naturalmente, anlise dos efei-tos. Embora a frmula tenha sido incorporada definitivamente pela Teo-ria da Comunicao, o modelo de pesquisa de Lasswell (cuja aplicaoprtica terminou privilegiando a correlao entre a anlise de contedo ea anlise dos efeitos) foi objeto de vrias crticas, tanto do ponto de vistaterico (manter os pressupostos bsicos da teoria dos efeitos ilimitadosda comunicao), quanto metodolgico (a idia de um processo comu-nicativo linear, baseado na suposio de um receptor passivo e ainexistncia do mecanismo de retro-alimentao).

    O paradigma dos efeitos poderosos ou ilimitados da comunicao sseria deslocado como modelo explicativo dominante depois das pesquisasdesenvolvidas sob a liderana do Lazarsfeld, um socilogo austraco que senaturalizaria norte-americano. O primeiro grande impacto que abalou oparadigma ento dominante foi a publicao, em 1944, de The Peoples Choice(LAZARSFELD; BERELSON; GOUDET, 1968), no qual os autores relata-vam e discutiam os primeiros achados de uma ampla pesquisa sobre a influ-ncia da mdia, entre os eleitores de um pequeno condado (Erie County),em Ohio, durante a eleio presidencial de 1940. A pesquisa, aplicada numaamostragem de mil informantes e desenhada sob a forma de painel (na qualso aplicadas mesma amostra vrias ondas de entrevistas, dispersas ao longodo tempo) procurou investigar se os meios de comunicao de massa influ-enciavam na preferncia eleitoral da audincia. Os dados obtidos mostraramsurpreendentemente (em relao ao paradigma dominante), que os infor-mantes estavam mais sujeitos influncia dos grupos primrios (famlia,

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    amigos e colegas de trabalho, lderes locais) do que a influncia direta dosmeios de comunicao 8 . Tomando como ponto de partida esta constatao,os autores da pesquisa construram um modelo explicativo no qual a relaoentre o eleitor e os meios de comunicao se processava em dois tempos(two-step flows of communication) e era mediada pela figura do lder deopinio. O argumento nuclear desenvolvido pelos autores para justificareste modelo baseado nas relaes interpessoais era a de que as notcias daimprensa e as propagandas eleitorais incidiam numa teia complexa de rela-es sociais e que as mensagens eram filtradas e reinterpretadas pelos lderesde opinio. Em resumo, a mediao dos formadores de opinio desempe-nharia um papel crucial no processo comunicativo e, ao contrrio at entodo que se acreditava, a simples exposio s notcias e as propagandas noproduziriam efeitos diretos e indiferenciados no pblico. Enfim, os efeitosdos meios de comunicao de massa no seriam poderosos e ilimitadoscomo queriam crer os pesquisadores vinculados ao paradigma anterior.

    Com o desdobramento de novas investigaes e a discusso crtica desuas proposies, Lazarsfeld refinaria o seu modelo para enfatizar as rela-es recprocas entre os diversos formadores de opinio. Em sntese,Lazarsfeld abandona a idia inicial da intermediao dos formadores deopinio como nica varivel interveniente entre os meios de comunicaoe o homem comum para incorporar as relaes entre vrios nveis hierr-quicos de formadores de opinio. Em outras palavras, Lazarsfeld admiteque os formadores de opinio formam suas convices, levando em contatambm a troca de pontos de vista com outros formadores de opinio. Oseu modelo de recepo da audincia evolua, portanto, de um processo decomunicao simples, baseado em duas etapas (two-step flow) para umacomplexa rede de vrios nveis de influncia (multi-step flow) atravs derelaes grupais.

    O paradigma dos efeitos limitados, formado a partir do projeto

    investigativo empreendido sob a liderana de Lazarsfeld, exerceu umaforte influncia tanto no campo dos estudos da Comunicao, quanto

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    na rea dos estudos partidrios e eleitorais9 . Como conseqncia dessanova hegemonia, os efeitos da comunicao de massa foram repensadose minimizados e o principal foco de anlise foi deslocado para a anlisedos grupos primrios e as relaes sociais entre os membros da audincia.Esse paradigma, que rejeitava a noo de uma audincia desestruturada epassiva e colocava a influncia da mdia em segundo plano, s comeariaa ser devidamente desafiado a partir dos anos 70 pelos novos modelostericos que retomavam a idia do poder da mdia. Entre os modelosmais promissores, encontrava-se a teoria da agenda-setting que, emborareconhecendo que os efeitos da comunicao se davam por meio de me-diaes complexas e sutis (permanecendo, assim, no campo terico dosefeitos limitados), devolvia aos meios de comunicao de massa a funoprimordial de definir a agenda pblica.

    O modelo daagenda-setting

    Basicamente, a idia-fora implcita na noo de agenda-setting a deque: a) a mdia, ao selecionar determinados assuntos e ignorar outros defi-ne quais so os temas, acontecimentos e atores (objetos) relevantes para anotcia;10 b) ao enfatizar determi- nados temas, acontecimentos e atoressobre outros, estabelece uma escala de proeminncias entre esses objetos;c) ao adotar enquadramentos positivos e negativos sobre temas, aconteci-mentos e atores, constri atributos (positivos ou negativos) sobre essesobjetos; d) h uma relao direta e causal entre as proeminncias dos tpi-cos da mdia e a percepo pblica de quais so os temas (issues) importan-tes num determinado perodo de tempo. O terceiro ponto s foi incorpo-rado mais recentemente, aps a assimilao da crtica de que o modelo da

    agenda-setting era limitado por no levar em conta o enquadramento dostemas abordados pela mdia. Assim, os dois primeiros tpicos referem-se

    ao primeiro nvel de efeito da agenda-setting (proeminncia do objeto) e o

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    terceiro, ao segundo nvel de efeito (proeminncia de atributos), ou seja,as formas de enquadramento (framing) 11 . Alis, deve-se observar que aincorporao da teoria do enquadramento, alm de mostrar a flexibilidadedo modelo para interagir com outras tradies de pesquisa, implicou numanotvel inflexo metodolgica no que diz respeito ao objeto da pesquisa.Com a adoo da perspectiva do framing, a famosa frase de Cohen deveriaser modificada para incorporar a afirmao de que a mdia no apenas nosdiz o que pensar (o primeiro nvel da agenda-setting), mas tambm nosdiz como pensar sobre algo (o segundo nvel da agenda-setting).

    A operacionalizao do modelo em relao ao primeiro nvel de efei-to (proeminncia dos objetos) da agenda-setting comporta uma srie deprocedimentos que so definidos em funo do objetivo especfico dainvestigao. 12

    Em relao composio e formao da agenda da mdia, a investiga-o tem como objeto de estudo os itens (temas ou assuntos) publicados ouveiculados pelos meios de comunicao de massa, num determinado per-odo de tempo, bem como a hierarquia estabelecida entre eles. Estes itens,denominados salience (proeminncias), constituem a unidade de anlise dapesquisa nesta etapa e a operao bsica requerida nesta fase , obviamente,o reconhecimento e a quantificao dos temas presentes em rgos da im-prensa previamente selecionados, visando elaborao de uma escala deproeminncias. Esta escala de proeminncias, considerada num perodo detempo pr-determinado, tomada como a agenda da mdia.

    O procedimento padro para aferir a agenda do pblico envolve,por sua vez, a realizao de pesquisas quantitativas (survey) e/ou qualita-tivas (grupos focais), estruturadas atravs de amostragem aleatria ou in-tencional de uma determinada audincia. H trs tipos de agendas poss-veis de identificao por parte do pesquisador. A primeira a agendaintrapessoal, formada pela percepo dos temas atuais e o grau de rele-

    vncia destes temas pelo indivduo (individual issue salience). A segunda a que se manifesta nas relaes interpessoais atravs da atividade dialgica

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    e se refere aos temas que os indivduos acreditam ser de maior interessepara os outros (perceived issue salience). Finalmente, o terceiro tipo aagenda pblica, que se manifesta atravs dos diversos estados da opiniopblica (community issue salience). O processo de estabelecimento daagenda do pblico envolve, comumente, a articulao entre estas trsdimenses, ou seja, a aferio sobre o