compreendendo a história da saúde pública

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Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=84213511007 Redalyc Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Silveira Miranzi, Mário Alfredo; Chagas de Assis, Dnieber; Resende, Deisy Vivian de; Hemiko Iwamoto, Helena Compreendendo a história da saúde pública de 1870-1990 Saúde Coletiva, vol. 41, núm. 7, 2010, pp. 157-162 Editorial Bolina Brasil ¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista Saúde Coletiva ISSN (Versión impresa): 1806-3365 [email protected] Editorial Bolina Brasil www.redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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Saúde Pública, História, Enfermagem, SUS, Sistema Único de Saúde, Brasil

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Page 1: Compreendendo a História da Saúde Pública

Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=84213511007

RedalycSistema de Información Científica

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Silveira Miranzi, Mário Alfredo; Chagas de Assis, Dnieber; Resende, Deisy Vivian de;

Hemiko Iwamoto, Helena

Compreendendo a história da saúde pública de 1870-1990

Saúde Coletiva, vol. 41, núm. 7, 2010, pp. 157-162

Editorial Bolina

Brasil

¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista

Saúde Coletiva

ISSN (Versión impresa): 1806-3365

[email protected]

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Brasil

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história, política, trabalho e saúde

Compreendendo a história da saúde pública de 1870-1990

Mário Alfredo Silveira MiranziDentista. Doutor em Saúde Coletiva pela UNICAMP. Docente da UFTM.

Dnieber Chagas de AssisEnfermeiro. Especialista em Enfermagem do Trabalho. Mestrando em Atenção à Saúde da UFTM.

Deisy Vivian de ResendeBiomédica. Mestre em Medicina Tropical e Infectologia. Doutoranda em Medicina Tropical e Infectologia da UFTM.

Helena Hemiko IwamotoEnfermeira. Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica. Mestre em Enfermagem. Doutora em Enfermagem. Docente do Mestrado em Atenção à Saúde da UFTM.

do tempo. De suas inter-relações, originou-se a Saúde Pública1. Com as doenças introduzidas no país pelo colonizador no

século XVII, a imagem do Brasil na Europa se tornou diferente dos tempos de Pedro Álvares Cabral, e os europeus passaram a temer os ares e o clima da Colônia2,3.

A guerra, o isolamento e a doença colocavam em perigo o projeto de colonização e exploração econômica das terras brasileiras. Eram raros os médicos que aceitavam transferir-se para o Brasil, desestimulados pelos baixos salários e ame-drontados com os perigos que enfrentariam4.

Moraes5 relata a ausência da questão saúde na bibliografi a histórica brasileira no que diz respeito às condições de vida e trabalho e aspectos institucionais, o que se pode pensar numa negligência em considerar e analisar este tema. Carvalho & Lima6 salientam que uma forma de se aproximar dos dilemas presentes na produção do conhecimento em ciências sociais, e da história quando a referência é à saúde coletiva, é verifi -car qual o signifi cado que os trabalhos produzidos atribuem à reconstrução histórica.

A proposta deste trabalho é contribuir para a refl exão sobre a história da saúde pública no Brasil, resgatando os fatos re-levantes para o desenvolvimento da saúde.

RETROSPECTIVA HISTÓRICAA fase do ImpérioEm 1808, a vinda da corte portuguesa para o Brasil determinou mudanças na administração pública colonial, inclusive na área da saúde. Como sede provisória do império lusitano e princi-pal porto do país, a cidade do Rio de Janeiro se tornou o centro das ações sanitárias. Com elas, Dom João VI procurou oferecer nova imagem de uma região que os europeus defi niram como território da barbárie e escravidão3. Para um atendimento mais constante e organizado das questões sanitárias era necessário criar rapidamente centros de formação de médicos. Assim, por ordem real, foram fundadas as academias médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro (1813) e da Bahia (1815), logo transformadas nas primeiras escolas de medicina do país.

Recebido: 12/10/2009 Aprovado: 30/04/2010

Este trabalho apresenta a história paradigmática e a instalação da saúde pública no Brasil desde o período colonial até o ano de 1990.Descritores: Medicina social, Saúde pública, História da saúde.

This work presents of the paradigmatic history and the deployment of public health in Brazil from the colonial period until the year 1990.Descriptors: Social medicine, Public health, History of health.

Este trabajo presenta la historia paradigmática y la instalación de la salud publica en Brasil desde el período colonial hasta el año de 1990.Descriptores: Medicina social, Salud pública, Historia de la salud.

INTRODUÇÃO

Os problemas que afetaram a saúde estiveram relacionados com a necessidade das pessoas viverem em comunidades. A

aglomeração desordenada, o ambiente de moradia, educação, trabalho e lazer afl oraram como consequências ambientais de convivência, facilmente percebidas, na forma de poluição am-biental, atmosférica, hídrica, desmatamentos e estratifi cação da sociedade. O controle de doenças infecciosas transmissíveis, o saneamento, a assistência médica e o alívio da incapacidade e do desamparo, são problemas cuja intensidade só variou ao longo

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Na era do Iluminismo e das Revoluções (1750 a 1830), as cidades do século XVIII eram sujas, fétidas e insalubres7. O sanea-mento urbano era precário, as ruas estavam sujas, as águas de esgoto e refúgios domésti-cos eram arremessadas pelas portas e janelas. Animais eram abatidos em locais públicos, li-xos e entulhos acumulavam-se sobre as ruas8.

Na segunda metade do século XVIII, o modelo de saúde predominante foi o de política médica aos problemas de saúde. A aplicação deste modelo aos problemas de saúde foram amplamente utilizados pe-los estados germânicos. A sujeira foi vista como principal fonte de infecção, desta forma, acreditava-se que ambientes limpos seria a maior fonte de prevenção9.

A fragilidade das medidas sanitárias le-vava a população a lutar por conta própria contra as doenças. Em casos mais graves, os doentes ricos buscavam assistência mé-dica na Europa ou nas clínicas particula-res. As famílias evitavam internar seus parentes em hospitais públicos, em virtude da falta de higiene e da divisão de leitos

por vários pacientes10. Desta forma, a fase imperial da história brasileira se encerrou sem que o Estado solucionasse os proble-mas de saúde da coletividade.

No fi nal do século XVIII, como conse-quência do impacto do industrialismo na Inglaterra, começaram a emergir as epi-demias entre os trabalhadores das novas fábricas. As consequências da revolução industrial afetaram diretamente a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, que se encontravam cada vez mais em situação caótica. Havia uma relação inversa entre expansão industrial e melhoria das condi-ções de vida e saúde, ou seja, enquanto ocorria o crescimento industrial, decres-cia a qualidade de vida e as condições de saúde da população1.

No início do século XIX, o movimento de reforma sanitária começou a se de-senvolver principalmente na Inglaterra, devido à ocorrência da Revolução Indus-

trial. O Estado começa a intervir na saúde, mas o intuito era o de preservar a força de trabalho responsável pelo desen-volvimento e crescimento do país1.

“A AGLOMERAÇÃO DESORDENADA, O

AMBIENTE DE MORADIA, A EDUCAÇÃO, O TRABALHO

E O LAZER AFLORARAM COMO CONSEQUÊNCIAS

AMBIENTAIS DE CONVIVÊNCIA FACILMENTE PERCEBIDAS NA FORMA DE POLUIÇÃO

AMBIENTAL, ATMOSFÉRICA, HÍDRICA, DESMATAMENTOS

E ESTRATIFICAÇÃO DA SOCIEDADE”

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O Industrialismo e o Movimento Sanitário (1830 a 1875): con-cepções e conceitos durante a revolução pasteuriana, higiene e saúde públicaNo fi nal do século XVIII e início do século XIX, a medicina social é considerada herdeira do iluminismo instrumental, como a ciência que pode ser colocada em favor do estabeleci-mento da ordem social. A concepção de higiene que surge na França no fi nal do século XVIII norteia a medicina socioam-biental e focaliza a doença enquanto patologia social.

Com o advento da urbanização e industrialização, surge um cenário social baseado na ideia Maquiana, na qual o meio am-biente infl uenciava os seres vivos. A con-cepção vigente era infl uenciada pelo meio ambiente da Europa e o surgimento de uma nova classe social: o proletariado. Tanto o ambiente social “moradia – saneamento”, como o cultural e o natural “clima, solo, at-mosfera” interessavam ao higienista que era capaz de recolher e cruzar as variáveis am-bientais tentando esclarecer as causas das doenças coletivas.

A atuação médica, porém, enfrentaria o choque entre as ideias tradicionais, que atribuíam as epidemias aos ares corrom-pidos e as teorias da medicina moderna – baseadas no conceito da bacteriologia e da fisiologia desenvolvidas na Europa e que tinham em Louis Pasteur e Clau-de Bernard seus principais divulgadores. No final da década de 1860 e início da década de 1870, Pasteur cria a concep-ção de que as doenças são contagiosas e causadas por germes11. Além da revolu-ção pasteuriana, iniciava-se o campo da medicina tropical, que estudava o meca-nismo das doenças tropicais e introduzia o conceito de vetores.

No Brasil, teve início um campo de co-nhecimento voltado para o estudo e prevenção das doenças e para o desenvolvimento de formas de atuação nos surtos epidêmicos.

O Brasil a partir de 1884: imigrantes para a lavouraQuando, em 1884, a Assembleia da Província de São Paulo aprovou a concessão de passagens gratuitas aos imigrantes que se destinassem à agricultura, o Estado deparou-se com uma nova dimensão que fugia da tradicional política econô-mica. Em 1886, foi criada a Sociedade Promotora de Imigra-ção (SPI), cujo objetivo era introduzir uma proporção elevada de imigrantes para a lavoura e em menor proporção para ou-tras profi ssões. Em janeiro de 1889, a febre amarela eclodiu em Santos. Em 1898, Vital Brasil debela uma epidemia de difteria. Os imigrantes eram amontoados em hospedarias. En-tretanto, para atrair imigrantes, era preciso sanear as cidades especialmente a de Santos, o principal foco de epidemias12.

Com a proclamação da República, a federalização e a au-tonomia, as questões de saúde pública, passaram a fazer par-te das atribuições dos Estados. O Serviço Sanitário, criado pela Lei número 43 de 18 de junho de 1892, fi cou subordi-

nado à Secretaria do Estado do Interior, e era composto de um conselho de Saúde Pública, responsável pela emissão de pareceres acerca da higiene e salubridade e de uma diretoria de higiene, responsável pelo cumprimento das normas sani-tárias. Era de competência da diretoria o estudo das questões de saúde pública, o saneamento das localidades e das habita-ções e a adoção de meios para prevenir, combater e atenuar as moléstias transmissíveis, endêmicas e epidêmicas.

Em 1890, os laboratórios denominados de Farmácia do Es-tado iniciaram seu funcionamento com o objetivo de fornecer medicamentos e aviar receitas para as enfermarias das insti-

tuições públicas e ambulâncias que aten-diam o interior nos surtos epidêmicos13.

No ano de 1894, o primeiro Código Sani-tário do Estado de São Paulo foi promulgado, com 520 artigos, reunindo as normas de hi-giene e saúde pública. Em épocas de epide-mias, a presença do fi scal, do desinfetador e do inspetor sanitário tornava-se visível, e o exercício de política sanitária era rigoroso.

Entre 1890 e 1900, o Rio de Janeiro e as principais cidades brasileiras continua ram a sofrer por varíola, febre amarela, peste bubônica, febre tifóide e cólera, que ma-taram milhares de pessoas. Diante dessa situação, os médicos higienistas recebe-ram incentivos do governo federal e pas-saram a ocupar cargos importantes na ad-ministração pública. Em troca, assumiram o compromisso de estabelecer estratégias para o saneamento das áreas indicadas pelos políticos.

A República Velha (1889 – 1930)Na primeira década do século XX, apesar da alta mortalidade, não existiam hospi-tais públicos, e sim entidades fi lantrópicas mantidas por contribuições e auxílios go-

vernamentais. Tais entidades eram mantidas com o trabalho vo-luntário, e correspondiam a um depósito de doentes que eram isolados da sociedade com o objetivo de não contagiá-la14.

Até 1930, a indústria de medicamentos se limitava à mani-pulação de substâncias naturais de origem animal ou vegetal. As instituições de saúde pública eram classifi cadas em fun-ção das concepções de origem das doenças, de modo que se podia afi rmar que o Serviço Geral de Desinfecção ligava-se à concepção miasmática e o Instituto Bacteriológico à con-cepção microbiana15.

O Instituto Bacteriológico, em 1903, constituía a linha de frente do Serviço Sanitário e pesquisava como destruir os mosquitos em águas paradas, realizando experiências com vapores de enxofre, fumaça em pó de pireto e emulsão de creolina e querosene. A partir de 1904, o instituto começou a sofrer com a falta de verbas. Embora houvesse um cresci-mento concomitante da economia brasileira, este período foi marcado pelas crises socioeconômica e sanitária, porque a febre amarela, entre outras epidemias, ameaçava a economia agroexportadora brasileira e prejudicavam principalmente a

“NO FINAL DO SÉCULO XVIII, COMO CONSEQUÊNCIA DO

IMPACTO DO INDUSTRIALISMO NA INGLATERRA, COMEÇARAM

A EMERGIR AS EPIDEMIAS ENTRE OS TRABALHADORES

DAS NOVAS FÁBRICAS. AS CONSEQUÊNCIAS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

AFETARAM DIRETAMENTE A SAÚDE E O BEM ESTAR DOS TRABALHADORES, QUE SE ENCONTRAVAM CADA VEZ

MAIS EM SITUAÇÃO CAÓTICA”

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exportação de café. Os navios estrangeiros se recusavam a atracar nos portos brasileiros, o que reduzia a imigração de mão-de-obra. Para reverter à situação, o governo criou medi-das que garantissem a saúde da população trabalhadora atra-vés de campanhas sanitárias de caráter autoritário14.

Em 1908, a Estrada de Ferro – a Noroeste, pediu auxílio ao Instituto de Manguinhos para debelar a epidemia de malá-ria que dizimava os operários. Em 1916 e 1917, houve uma ocorrência de malária a ponto de desequilibrar o estado sani-tário em São Paulo. O governo distribuiu quinino e assumiu a responsabilidade de sanear fazendas, vilas e cidades atacadas pela malária.

A década de 1920 se encarregou de consolidar as mudan-ças na economia, sociedade e cultura, com a criação do sis-tema de saúde pública. A diretoria geral de Saúde Pública, organizada pelo médico sanitarista Osvaldo Cruz, resolve o problema sanitário, implementando, progressivamente, insti-tuições públicas de higiene e saúde16.

As campanhas de saúde pública eram organizadas de tal forma que se assemelhavam a campanhas militares, dividindo as cidades em distritos, encarcerando os doentes portadores de doenças contagiosas e obrigando, pela força, o emprego de práticas sanitaristas. Esta situação levou à Revolta da Vaci-na, no Rio de Janeiro14.

Nos anos 1920, a cidade explodia em termos econômi-cos e consolidava o desenvolvimento in-dustrial. No período de 1925 a 1929, a tuberculose foi responsável por mais de mil óbitos por ano, o que signifi ca que o número de óbitos por tuberculose dobrou em relação ao período de 1910-1924. A maior incidência dessa moléstia ligava-se às precárias condições de habitação da população na cidade de São Paulo.

Mehry10 se detém a analisar o período de 1920 a 1948 e procura fazer uma lei-tura das políticas governamentais como modelos técnicos assistenciais que se constituem em projetos de forças sociais; procuram-se também os vínculos que es-ses modelos estabelecem não só com as correntes tecnológicas de pensamento do campo das ações sanitárias, mas também com as questões políticas mais amplas, colocadas em seu campo específi co - are-na decisória particular - às quais defi nem o signifi cado social das referidas ações.

Surge a necessidade da formação de profi ssionais cujos currículos, segundo Germano17 priorizassem as disciplinas vin-culadas à saúde pública. Entretanto, a in-tenção inicial de formar profi ssionais que assumissem o papel de educadores em saúde não se concretizou por uma série de fatores. Entre eles, destaca-se a forma como o profi ssional foi inserido na socie-dade brasileira, “de cima para baixo”, causando estranheza à população e consequente rejeição do trabalho educativo, pois

este era visto como uma forma de interferência na privacidade e individualidade, além de não propor mudanças estruturais na sociedade3.

Ao mesmo tempo, surgia o paradigma da medicina clínica, cujo discurso era individualista e privatista, exigindo outro espaço para se desenvolver: o hospital. Enquanto os currícu-los privilegiavam a área preventiva, o mercado de trabalho valorizava a área hospitalar para onde os profi ssionais de saú-de foram, paulatinamente, direcionados.

A Saúde Pública na Era Vargas (1930 – 1945)A partir da década de 1930, o Estado recebe fortes pressões por parte de intelectuais e militares para a criação de serviços em saúde pública, e, em 1931, é criado o Ministério de Edu-cação e Saúde Pública9. Considerado o marco da medicina previdenciária no Brasil, é criado em 1930 os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), os quais, diferentemente das antigas Caixas, são organizadas por categorias profi ssionais, não mais por empresas.

Durante a era Vargas houve diminuição de mortes por en-fermidades epidêmicas, porém cresceram as doenças de mas-sa, estabelecendo-se assim um quadro marcado por doenças endêmicas, entre elas, a esquistossomose, doença de Chagas, tuberculose e a hanseníase.

Na década de 1940, o papel do profissional como educa-dor é retomado com a criação dos cen-tros de saúde, nos quais a atenção era organizada em programas, sendo que a educação sanitária, a base da ação e o poder coercitivo foram substituídos pela persuasão. Assim, origina-se a tendência contemporânea da organização no cam-po da saúde sob a forma de programas de atenção individual, por exemplo os Pro-gramas de Atenção Integral à Saúde da Criança e da Mulher.

A ação do Estado no setor saúde se di-vide claramente em dois ramos: de um lado a saúde pública, de caráter preven-tivo e conduzido através de campanhas; de outro, a assistência médica, de caráter curativo, conduzida através da ação da previdência social.

A crise do regime populista, a democrati-zação e a saúde (1945 – 1964)Em outubro de 1945, acontece a deposi-ção de Vargas e, no ano seguinte, a ela-boração de uma Constituição democrática de inspiração liberal. Os movimentos so-ciais exigiam que os governantes cumpris-sem as promessas de melhorar as condi-ções de vida, saúde e de trabalho.

Desde que assumiu o governo, em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra estabeleceu como prioridade a organi-

zação racional dos serviços públicos. Em maio de 1953, já no segundo período presidencial de Vargas, foi criado o Ministério da Saúde, que contava com verbas irrisórias no

“A PARTIR DE 1904, O INSTITUTO COMEÇOU A SOFRER COM A FALTA DE VERBAS. EMBORA

HOUVESSE UM CRESCIMENTO CONCOMITANTE DA

ECONOMIA BRASILEIRA, ESTE PERÍODO FOI MARCADO

PELAS CRISES SOCIO-ECONÔMICA E SANITÁRIA,

PORQUE A FEBRE AMARELA, ENTRE OUTRAS EPIDEMIAS,

AMEAÇAVA A ECONOMIA AGROEXPORTADORA

BRASILEIRA E PREJUDICAVAM, PRINCIPALMENTE, A

EXPORTAÇÃO DE CAFÉ”

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decorrer da década de 1950, confirmando o descaso das au-toridades com a saúde da população.

Nos anos 1960, com o Milagre Brasileiro, o entendimento da saúde como assistência médica especializada, sofi sticada, frag-mentada e que privilegia a internação hospitalar, favorece as in-dústrias farmacêuticas e de equipamento médico-hospitalares. A centralização e a concentração do poder institucional aliou cam-panhismo e curativismo numa estratégia de medicalização social3.

Pressionada pelas leis, a Previdência assumiu a prestação de assistência médico-hospitalares aos trabalhadores à custa do rebaixamento da qualidade dos serviços o que coloca o país em posição de doente.

O efeito do golpe militar (1964) sobre o Ministério da Saú-de foi à redução das verbas, aumentadas no início da década de1960, que continuaram decrescendo até o fi nal da ditadura. Apesar da pregação ofi cial de que a saúde constituía um fator de produtividade, desenvolvimento e investimento econômi-co, o Ministério da Saúde privilegiava a saúde como elemento individual e não como fenômeno coletivo.

Em 1970, o resultado da falta de inves-timento no setor público foi o aumento de enfermidades como a dengue, meningite e a malária.

O Estado e a previdência social: década de 1970Estabelece-se, na esfera pública, o Insti-tuto Nacional de Previdência Nacional (INPS) que deveria tratar dos doentes in-dividualmente, enquanto o Ministério da Saúde elaborava e executava programas sanitários destinados à população durante as epidemias. O INPS fi rmou convênios com 2.300 dos 2.800 hospitais instalados no Brasil, utilizando o setor privado para atender os trabalhadores.

Os baixos preços pagos pelos serviços médicos-hospitalares e a demora na trans-ferência das verbas do INPS para as entidades determinaram a fragilidade do sistema para atendimento à população. En-quanto o governo reduzia ou atrasava os recursos, hospitais e clínicas aumentavam as fraudes para receber o que tinham direito, e muito mais.

Na década de 1970, surgem os primeiros cursos de pós-gra-duação em enfermagem. Em meio à crise do modelo curativis-ta-privatista, as políticas de cuidado primário à saúde estimula-riam o autocuidado e a autonomia das comunidades.

Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistên-cia Social, que incorporou o INPS e livrou-o das imposições do Ministério do Trabalho, renovando assim, a promessa de garantir saúde aos segurados.

A Declaração de Alma-Ata18 confi rma: a promoção e proteção da saúde da população são indispensáveis para o desenvolvimento econômico e social sustentado e contribui para melhorar a quali-dade de vida; a população tem o direito e o dever de participar in-dividual e coletivamente na planifi cação e na ampliação das ações de saúde; a atenção primária à saúde é refl exo e conse quência das condições econômicas e características socioculturais e políticas

do país e de suas comunidades; compreende as áreas: de educa-ção e saúde, alimentação e nutrição, água potável e saneamento básico, assistência materno-infantil, com inclusão da planifi cação familiar; imunização, prevenção e luta contra enfermidades endê-micas, o tratamento das enfermidades e traumatismos, e a dispo-nibilidade de medicamentos essenciais; inclui a participação no desenvolvimento nacional e comunitário, em particular o agro-pecuário, a alimentação, a indústria, a educação, a habitação, as obras públicas, as comunicações, organização, funcionamento e controle da atenção primária à saúde.

Na verdade, o texto da Declaração de Alma-Ata18, ao am-pliar a visão do cuidado da saúde em sua dimensão setorial e de envolvimento da população, supera o campo de ação dos responsáveis pela atenção convencional dos serviços de saúde.

A saúde nas décadas de 1980 e 1990As décadas de 1980 e 1990 caracterizam-se pela organização

de trabalhadores e entidades dos setores da saúde e educação. A VIII e IX Confe-rências Nacionais de Saúde propuseram a adoção de modelos assistenciais condi-zentes com a realidade socioeconômico-cultural, com ações que visualizem a pes-soa de forma integral, ultrapassa o modelo preventivo-curativo pelo enfoque holísti-co e a participação da população na or-ganização e gestão do sistema de saúde13.

A estratégia de Atenção Primária (Alma-Ata) com o enfoque multissetorial, o envol-vimento comunitário e os componentes de tecnologia apropriada reforçaram a promo-ção na direção da saúde ambiental. Com esta motivação, foi planejada a Primeira Conferência Internacional sobre Promo-ção da Saúde, realizada em Ottawa, em novembro de 1986, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde e a As-sociação Canadense de Saúde Pública que evidencia a inter-relação existente entre

atenção primária, promoção da saúde e cidades saudáveis18.

CONSIDERAÇÕES FINAISA descentralização da saúde na década de 1990, segue-se ao desmonte dos programas sociais federais iniciados em 1989, e é assumida uma face neoliberal, condizente com a política e a ide-ologia dominantes, contrária ao preconizado pela Constituição de 1988. Tem sido um processo atabalhoado, marcado por um contexto de ajuste recessivo das contas públicas, repassando de forma acelerada encargos e responsabilidades aos municípios. Os estados têm sido praticamente ignorados nessa descentralização/municipalização enquanto agentes responsáveis pela implemen-tação de políticas regionais, limitam-se ao papel de repassadores de recursos. Trata-se de uma municipalização a qualquer preço, distinta da proposta pelo Sistema Unifi cado e Descentralizado de Saúde (SUDS) nos anos de 1980 e consagrada na Constituição de 1988, que previa a autonomia das unidades federadas, baseada em esquema de fi nanciamento e repasse de recursos. É preciso olhar para o processo de municipalização no Sistema Único de

“O SUS, QUE APRESENTA PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

DE UNIVERSALIDADE, INTEGRIDADE E ACESSO

IGUALITÁRIO A TODOS OS NÍVEIS DE COMPLEXIDADE DO SISTEMA, DEVERIA GARANTIR

A QUALIDADE DA ATENÇÃO POR EQUIPES PROFISSIONAIS

QUALIFICADOS E COM CONDIÇÕES DE TRABALHO

ADEQUADOS”

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história, política, trabalho e saúde

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Normas para publicaçãoA revista Saúde Coletiva tem por objetivo ser um veículo de divulgação de assuntos de Saúde Coletiva e áreas afins, buscando expansão do conhecimento. Assim, recebe artigos de pes-quisa, dialogados (debates), de atualização, de relatos de experiência, de revisão, de reflexão, de estudos de caso e ensaios em Saúde Coletiva. Abaixo as normas para publicação:

01 Deve vir acom pa nha do de soli ci ta ção e autorização para publi ca ção as-sinadas por todos os autores.02 Não ter sido publi ca do em nenhu ma outra publi ca ção ou revis ta nacio nal.03 Ter, no máximo, 26.000 toques por artigo incluindo resumo (português, inglês e espanhol) com até 700 toques, ilustrações, diagramas, gráficos, esquemas, referências bibliográficas e anexos, com espaço entrelinhas de 1,5, margem superior de 3 cm, margem inferior de 2 cm, margens laterais de 2 cm e letra tamanho 12. Os originais deverão ser encaminhados em CD-ROM, no programa Word for Windows e uma via impressa.04 Caberá à reda ção jul gar o exces so de ilus tra ções, supri min do as redun-dan tes. A ela cabe rá tam bém a adap ta ção dos títu los e sub tí tu los dos tra-ba lhos, bem como o copi des que do texto, com a fina li da de de uni for mi zar a pro du ção edi to rial.05 As refe rên cias deve rão estar de acor do com os requi si tos uni for mes para manus cri tos apre sen ta dos à revis tas médi cas ela bo ra do pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Estilo Vancouver Sistema Numérico de Entrada).06 Evitar siglas e abre via tu ras. Caso neces sá rio, deve rão ser pre ce di das, na pri mei-ra vez, do nome por exten so. Solicitamos des ta car fra ses ou descritores.07 Conter, no fim, o endereço completo do(s) autor(es) e telefone(s),

e-mail e, no rodapé, a função que exerce(m), a instituição a que pertence(m), títulos e formação profissional. 08 Não será per mi ti da a inclu são no texto de nomes comer ciais de quais-quer pro du tos. Quando neces sá rio, citar ape nas a deno mi na ção quí mi ca ou a desig na ção cien tí fi ca.09 O Conselho Científico pode efe tuar even tuais cor re ções que jul gar neces sá rias, sem, no entan to, alte rar o con teú do do arti go.10 O ori gi nal do arti go não acei to para publi ca ção será devol vi do ao autor indi ca do, acom pa nha do de jus ti fi ca ti va do Conselho Científico.11 O con teú do dos arti gos é de exclu si va res pon sa bi li da de do(s) autor(es). Os tra ba lhos publi ca dos terão seus direi tos auto rais res guar da-dos por Editorial Bolina Brasil e só pode rão ser repro du zi dos com auto ri-za ção desta.12 Os tra ba lhos deve rão pre ser var a con fi den cia li da de, res pei tar os prin-cí pios éti cos e tra zer a acei ta ção do Comitê de Ética em Pesquisa (Res-olução CNS – 196/96) quando for pesquisa.13 Os tra ba lhos, bem como qual quer cor res pon dên cia, deve rão ser envia dos para a revista: Saúde Coletiva – A/C CON SE LHO CIENTÍFICO, Al. Pucuruí, 51/59 - Bl.B - 1º andar - Cj.1030 - Tamboré - Barueri - SP - CEP: 06460-100 - E-mail: [email protected].

saúdecoletiva

Saúde (SUS), face ao contexto restritivo do ajuste e diante das propostas de reforma do Estado dirigidas à privatização e à foca-lização dos serviços públicos19. O SUS, que apresenta princípios constitucionais de universalidade, integridade e acesso igualitá-rio a todos os níveis de complexidade do sistema, deveria garan-tir a qualidade da atenção por equipes profissionais qualificadas e com condições de trabalho adequado.

Nunes2, fundamentando-se na interdisciplinaridade como possibilitadora da construção de um conhecimento ampliado da saúde coletiva, no plano concreto dos conteúdos a serem transmitidos, determina a necessidade atual de pensar o geral e o específico. Ou seja, não se deve perder o núcleo que a legitima e distingue como social/coletivo, mas se deve-se estar atento à formação de determinadas áreas de concentração.

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