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SANTOS, Fernanda da Silva e HEUBEL, Maricê Teresa Côrrea Domingues. General Composição da comunidade ictilógica e biometria taxológica na lagoa de captação de água do DAE no rio Batalha (Bauru-SP). Salusvita, Bauru, v. 27, n. 1, p. 29-44, 2008. RESUMO Realizou-se o levantamento da ictiofauna existente na lagoa de captação de água do DAE (Departamento de Água e Esgoto) entre os meses de março e julho de 2005, sendo registradas 11 espécies, distribuídas em 9 famílias e 5 ordens. A ordem Characiformes, com sete espécies, foi a mais representativa, enquanto que Acestrorryn- chus lacustris e Astyanax bimaculatus foram as espécies mais abun- dantes e freqüentes. As espécies capturadas foram submetidas à bio- metria. Para isso, foram determinados cinco parâmetros da anatomia externa dos animais para compor uma base de dados para cada es- pécie, metodologia proposta por Gallego et al. (1995), calculando os índices anatômicos que possibilitaram a avaliação desse programa como chave taxonômica numérica. A partir disto, nove indivíduos, chamados “espécimes-problema”, foram submetidos ao programa e tiveram seus índices comparados, sendo a maioria determinada com sucesso. Neste estudo, a biometria mostrou-se uma importante fer- ramenta para a caracterização e discussão sobre a proximidade entre as espécies. Palavras-chave: Ictiofauna. Rio Batalha. Biometria. Chave taxonômica. 29 COMPOSIÇÃO DA COMUNIDADE ICTIOLÓGICA E BIOMETRIA TAXONÔMICA NA LAGOA DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA DO DAE NO RIO BATALHA (BAURU-SP) Fernanda da Silva Santos 1 Maricê Teresa Côrrea Domingues Heubel 2 Recebido em: 24/8/2006 Aceito em: 20/9/2007 1 Graduada em Ciências Biológicas (USC) 2 Coordenadora e Professora do Curso de Ciências Biológicas

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RESUMO

Realizou-se o levantamento da ictiofauna existente na lagoa de captação de água do DAE (Departamento de Água e Esgoto) entre os meses de março e julho de 2005, sendo registradas 11 espécies, distribuídas em 9 famílias e 5 ordens. A ordem Characiformes, com sete espécies, foi a mais representativa, enquanto que Acestrorryn-chus lacustris e Astyanax bimaculatus foram as espécies mais abun-dantes e freqüentes. As espécies capturadas foram submetidas à bio-metria. Para isso, foram determinados cinco parâmetros da anatomia externa dos animais para compor uma base de dados para cada es-pécie, metodologia proposta por Gallego et al. (1995), calculando os índices anatômicos que possibilitaram a avaliação desse programa como chave taxonômica numérica. A partir disto, nove indivíduos, chamados “espécimes-problema”, foram submetidos ao programa e tiveram seus índices comparados, sendo a maioria determinada com sucesso. Neste estudo, a biometria mostrou-se uma importante fer-ramenta para a caracterização e discussão sobre a proximidade entre as espécies.

Palavras-chave: Ictiofauna. Rio Batalha. Biometria. Chave taxonômica.

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COMPOSIÇÃO DA COMUNIDADE ICTIOLÓGICA E BIOMETRIA

TAXONÔMICA NA LAGOA DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA DO DAE NO

RIO BATALHA (BAURU-SP)Fernanda da Silva Santos1

Maricê Teresa Côrrea Domingues Heubel2

Recebido em: 24/8/2006Aceito em: 20/9/2007

1Graduada em Ciências Biológicas

(USC)2Coordenadora e Professora do

Curso de Ciências Biológicas

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ABSTRACT

This survey was carried out to describe the composition of fi sh community in the Lagoon of Reception of Water of DAE between the months of March and July of 2005. A total of 11 species were registered, distributed in 9 families and 5 orders. The order Characiformes, with 7 species, was the most representative, while Acestrorrynchus lacustris and Astyanax bimaculatus were the most abundant species with relationship to the frequency. The captured species were submitted to the biometric analysis. For this, 5 parameters of the external anatomy of the animals were considerate to compose a base of data for each species, according to the methodology proposed by Gallego et al. (1995). The anatomical indexes were calculated to enable an evaluation of this program like a numeric taxonomic key. Then, 9 individuals, called “specimens-problem”, were submitted to the program and had your compared indexes. The most of the specimens was resolved with success. In this study, the biometry was shown as an important tool for the characterization and discussion about the proximity between the species.

Key words: Ichthyofauna. Batalha river. Biometry. Taxonomic key.

INTRODUÇÃO

O Brasil é detentor da maior diversidade biológica do planeta e, dentre seus recordes, fi guram cerca de três mil espécies de peixes de água doce e acredita-se que inúmeras espécies ainda sejam desco-nhecidas (SILVA, 2001; SANTOS, 2004).

Pesquisas realizadas sobre a ictiofauna de água doce são citadas por Castro e Menezes (2004) revelando, somente no Estado de São Paulo, aproximadamente, 261 espécies primariamente de água doce. E, ao contrário dos peixes marinhos, não são tão conhecidos e apre-sentam lacunas em sua taxonomia.

A ictiofauna representa uma relevante importância econômica, pois os peixes integram a alimentação de inúmeras comunidades ri-beirinhas, atendem à pesca comercial e muitas vezes são utilizados como agentes biológicos para controlar organismos considerados in-desejáveis (BOND, 1996).

Diante de seu valor ecológico, as comunidades de peixes têm desempenhado o papel de bioindicadoras e, de acordo com Araújo (1998), apresentam vantagens, pois o ciclo de vida de diversas espé-cies é conhecido e também compreendem diferentes níveis trófi cos, tornando fácil a percepção de alterações ambientais.

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no rio Batalha (Bauru-SP).

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Este fato, infelizmente, é refl exo das inúmeras ações que a ictio-fauna vem sofrendo devido às ações antrópicas. Castro (1997) res-salta a destruição das matas ciliares, o represamento dos rios e a poluição como causas diretas da redução de peixes nas bacias hidro-gráfi cas brasileiras. Ademais, há a introdução de novas espécies que possuem oportunismo trófi co e, dessa maneira, acabam causando sobreposição com a dieta de outras espécies (AGOSTINHO, 1996).

Toda essa fragmentação e degradação dos habitats, a superex-ploração das espécies, introdução de espécies exóticas, entre outros fatores, estão acelerando o processo de extinção e ameaçando a di-versidade genética (PRIMACK, 2001).

Essa situação é fl agrante no Estado de São Paulo, onde há grande demanda populacional, implicando o uso de mais recursos naturais e, conseqüentemente, mais lixo e esgoto sendo lançados nos rios.

Conforme Cornélio (2004), na região de Bauru, as bacias hidro-gráfi cas Tietê – Batalha e Tietê – Jacaré, responsáveis pelo abasteci-mento da população, estão tendo a qualidade de suas águas compro-metida, devido à grande quantidade de esgoto liberado nos rios sem tratamento prévio.

A alta taxa de efl uentes torna impossível a manutenção dos pro-cessos biológicos naturais, e, mesmo os minerais, benéfi cos para animais e plantas, entretanto, em grande concentração, podem ser danosos (PRIMACK, 2001).

Assim, os poluentes orgânicos e químicos interferem no funcio-namento do ecossistema aquático (BOND, 1996), favorecendo al-gumas espécies de peixes e, ao mesmo tempo, levando outras a um gradativo declínio (BARRELLA, 2001).

Somente o rio Bauru, juntamente com seus afl uentes, recebe 1.500 litros de esgoto por segundo, o que torna sua água, mesmo tra-tada, inadequada para o consumo (CORNÉLIO, 2004). Já o outro rio da região, o Batalha, também recebe o esgoto in natura, porém em menor volume, além do esgoto tratado do município de Piratininga (VIDÁGUA, 2004).

O rio Batalha pertence à Bacia Hidrográfi ca do Médio-Tietê e percorre cerca de 167 quilômetros. Sua nascente está localizada na Serra da Jacutinga (Agudos-SP) desaguando no rio Tietê, no municí-pio de Uru-SP (DAE, 2004; VIDÁGUA, 2004). Entre os problemas encontrados no Batalha, o principal é o desmatamento ao redor do rio, sem a proteção das matas ciliares, ocorrendo erosões e assorea-mento de grande parte do percurso entre Agudos e Bauru (CORNÉ-LIO, 2004).

Este rio é o responsável pelo abastecimento de 45% da população bauruense e, segundo classifi cação da CETESB, sua água é consi-

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derada de boa qualidade (CORNÉLIO, 2004). A água é proveniente da lagoa de captação de água do DAE (Departamento de Água e Esgoto), alvo do presente estudo. Após a captação, a água retirada é tratada na Estação de Tratamento de Água (ETA), que possui capa-cidade de 1.140 m³/hora de água potável (VIDÁGUA, 2004).

A diversidade de espécies de peixes de um ambiente como a lagoa de captação de água do rio Batalha pode ser entendida como refl exo de que todo aquele ecossistema está funcionando adequadamente e, conseqüentemente, pode ser, possivelmente, considerado um indica-dor da qualidade da água.

Barrella (2001) afi rma que o estudo das comunidades de peixes pode contribuir para a previsão das consequências de futuros impac-tos ambientais sobre outros ecossistemas. Assim, torna-se importan-te conhecer as espécies que compõem a ictiofauna, visando à elabo-ração de projetos de estudo das dinâmicas populacionais, estratégias para restaurar as comunidades de peixes que sofrem com a poluição e conservar de maneira efi ciente as que ainda não sofreram impacto. Ademais, estudos ictiofaunísticos são escassos na região de Bauru (SP) e este trabalho vem contribuir para o conhecimento da diversi-dade regional descrevendo a composição da comunidade ictiológica da lagoa de captação de água do DAE no rio Batalha em Bauru (SP).

METODOLOGIA

Área de estudo

O estudo da comunidade ictiológica foi realizado na lagoa de cap-tação de água do DAE (Figura 1), localizada no município de Bauru-SP. A lagoa foi inaugurada em 1970 com o objetivo de ampliar o abastecimento de água pelo rio Batalha.

A capacidade de captação de água da lagoa é de 1.256.040 m3/mês (VIDÁGUA, 2004) e trata-se, portanto, de um ambiente lêntico submetido a alterações antrópicas.

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Figura 1 – Imagem de satélite da Lagoa de Captação de Água do DAE no muni-cípio de Bauru-SP (GOOGLE EARTH, 2006).

Os pontos de coleta foram divididos em: I – margem esquerda, II – margem direita e III – taboal (Figura 2). Nos dois primeiros pontos, não há presença de vegetação ladeando o lago, sendo que, ao fi nal da margem esquerda (ponto I), ocorre vegetação arbustiva-arbórea. O ponto III constitui o canal pelo qual a água proveniente do rio Batalha chega à lagoa. Neste local, é abundante a presença de taboas (Thypha sp), distribuídas nas margens e também formando pequenas ilhas pelo canal.

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Figura 2 – Pontos de coleta na Lagoa de Captação de Água do DAE, município de Bauru-SP, sendo: Ponto I – margem esquerda; Ponto II – margem direita; e

Ponto III – taboal.

PONTO I

PONTO II

PONTO III

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Programa de amostragem

O programa de amostragem foi distribuído nos meses de março a julho de 2005, e as coletas foram realizadas duas vezes por mês nos períodos diurno e noturno.

Foram defi nidos pontos específi cos para a coleta dos peixes em toda a extensão da lagoa, utilizando-se varas para pesca, rede de espera e puçás.

Análise de dados

Os animais coletados e identifi cados foram fi xados em formol 10% e, posteriormente, conservados em álcool 70% .

Os nomes científi cos e as famílias foram organizados conforme Buckup e Menezes (2003).

Analisou-se a riqueza de espécies da comunidade ictiológica, que consiste em expressar o número total de espécies presentes na amos-tra dessa comunidade (PINTO-COELHO, 2000).

Em seguida, calculou-se a frequência das espécies encontradas, ou seja, a porcentagem de indivíduos de uma espécie com relação ao total dos indivíduos amostrados (DAJOZ, 1973).

Biometria

Os animais coletados tiveram suas medidas externas tomadas, obtendo-se um banco de dados para cada espécie estudada.

Inicialmente, estipulou-se um número ideal de exemplares que constituiriam a base de dados da espécie (n= 10), porém, este foi variável de acordo com o resultado das coletas.

Defi niram-se pontos específi cos para obtenção de medidas da anatomia externa dos animais (Figura 3), para compor a base de da-dos de cada espécie estudada.

Assim, esses parâmetros compreenderam: comprimento total do corpo do animal (A), comprimento do início do corpo (boca) até a base da nadadeira caudal (B), comprimento do início do corpo (boca) até o fi nal opérculo (C), tamanho do olho (D) e espessura do corpo na região posterior do opérculo (E).

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Figura 3 – Pontos de medida para obtenção dos parâmetros das espéciesanalisadas.

A partir desses parâmetros (A, B, C, D e E), calculou-se a média e desvio padrão (DP) dos dados obtidos e, em seguida, estabeleceu-se os índices (A/B, A/C, A/D, A/E, B/C, B/D, B/E, C/D, C/E e D/E) para determinação dos padrões anatômicos de cada espécie, segun-do Gallego et al. (1995).

A partir dos cálculos de média e desvio padrão dos parâmetros, traçaram-se os índices que determinaram os padrões anatômicos de cada espécie. Em seguida, conforme o método proposto por Gallego et al. (1995), para avaliar a proximidade entre as espécies, utilizou-se a fórmula:

Todas as informações foram processadas no aplicativo específi co de estatística constituindo um programa que permite, a partir dos índices de uma espécie indeterminada, comparar com os índices do banco de dados e, por fi m, identifi car a espécie.

O programa permitiu instituir uma chave taxonômica numérica para os peixes da lagoa de captação de água do DAE e verifi car sua aplicabilidade.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Composição específi ca

Foram coletados no total 205 espécimes, compreendendo 5 or-dens, 9 famílias e 11 espécies (Tabela 1). A ordem com maior riqueza de espécies pertenceu aos Characiformes, apresentando 7 espécies, distribuídas em 5 famílias.

Tabela 1 – Ictiofauna registrada na lagoa de captação de água do DAE, no muni-cípio de Bauru-SP (março a julho de 2005)Ordem, Família, Espécie Nome popularCharaciformes

CharacidaeAstyanax fasciatus Lambari de rabo vermelhoAstyanax bimaculatus Tambiú

AcestrorhynchidaeAcestrorhynchus lacustris Cadela, saicanga

CurimatidaeCyphocharax modestus Papa-terra, sagüiru vermelhoSteindachnerina insculpta Papa-terra, sagüiru

ErythrinidaeHoplias malabaricus Traíra

SerrasalmidaeSerrasalmus sp Piranha

SiluriformesHeptapteridae

Rhamdia quelen BagreGymnotiformes

GymnotidaeGymnotus silvius Tuvira, espadinha

PerciformesCichlidae

Cichlasoma paranaense Cará, acaráSynbranchiformes

SynbranchidaeSynbranchus marmoratus Pirambóia, mussum

Entre as famílias, Characidae e Curimatidae foram as mais re-presentativas, com 2 espécies cada uma.

Quanto à frequência, Acestrorrynchus lacustris e Astyanax bima-culatus foram as espécies mais frequentes e abundantes, contribuin-do, respectivamente, com 26,83% e 20,98% do total de indivíduos capturados (Tabela 2).

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Tabela 2 – Frequências absoluta (FA) e relativa (FR) das espécies coletadas na lagoa de captação de água do DAE, Bauru-SP (março a julho de 2005)Espécie FA FR (%)

Acestrorhynchus lacustris 55 26,83Astyanax bimaculatus 43 20,98Astyanax fasciatus 33 16,10Steindachnerina insculpta 27 13,17Cyphocharax modestus 20 9,76Hoplias malabaricus 09 4,39Synbranchus marmoratus 05 2,44Cichlasoma paranaense 04 1,95Gymnotus silvius 04 1,95Rhamdia quelen 03 1,46Serrasalmus sp 02 0,98Total 205 100,00

É notável a preferência delas pelo ponto I, sendo encontradas oito espécies. A presença dessas espécies, principalmente na porção fi nal da margem, provavelmente se deve ao fato de o local sofrer menor perturbação face à mancha de vegetação nativa presente, enquanto o ponto II está mais próximo da área de captação de água propria-mente dita.

As espécies Rhamdia quelen, Gymnotus silvius, e Synbranchus marmoratus foram encontradas somente no ponto III; ressaltando que Hoplias malabaricus foi mais abundante neste ponto. A. bima-culatus foi a única espécie amostrada em todos os pontos de coleta e, portanto, mais frequente.

O número de espécies encontradas nesse levantamento foi menor em relação a outros trabalhos realizados na região. Castro (1997), em seu estudo na comunidade íctica do reservatório de Barra Bonita (rio Tietê), encontrou 35 espécies, enquanto Heubel (2000), realizando pesquisa no rio Batalha (entre os municípios de Avaí e Reginópolis), o mesmo que fornece água à lagoa de captação do DAE, registrou 17 espécies.

Respeitando-se os diferentes períodos e métodos de amostragem utilizados pelos trabalhos citados, entre os fatos que justifi cariam este menor número de espécies, e que também foram observados por Castro (1997), pode-se considerar: a) mudanças na hidrologia e conseqüentemente na vazão, no padrão de circulação e na profundi-dade, e b) procedimentos operacionais para manutenção da lagoa de captação pelo órgão público municipal.

Como resultado, provavelmente, há alteração nas fontes de ener-gia, modifi cação dos habitats e, por fi m, comunidades de peixes gra-dativamente mais simples (ARAÚJO, 1998).

A partir disso, pode-se considerar que as espécies presentes na

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lagoa de captação foram as que melhor se adaptaram ao ambiente lêntico e, possivelmente, desenvolveram meios para aproveitar os re-cursos existentes.

Assim, a composição da comunidade é uma variável importante para se compreender a dinâmica ecológica deste ecossistema.

Biometria e aplicação da chave taxonômica numérica

As espécies submetidas à análise biométrica foram: Astyanax fasciatus, Astyanax bimaculatus, Acestrorhynchus lacustris, Cypho-charax modestus, Steindachnerina insculpta, Hoplias malabaricus, Serrasalmus sp, Rhamdia quelen, Gymnotus silvius e Cichlasoma paranaense.

Um exemplar de cada espécie foi selecionado constituindo os cha-mados espécimes-problema (α, β, γ, δ, ε, ζ, η, θ e ι), obtendo-se os índices anatômicos de cada um para avaliar o funcionamento da cha-ve taxonômica numérica. Entretanto, excluiu-se Serrasalmus sp, pois não foi possível coletar o número sufi ciente de exemplares.

O programa efetuou o cálculo dos índices de cada espécime-pro-blema, comparou com a base de dados e apresentou numericamente a espécie provável.

Calculou-se a média e o desvio padrão (DP) dos dados obtidos e, em seguida, estabeleceu-se os índices (A/B, A/C, A/D, A/E, B/C, B/D, B/E, C/D, C/E e D/E) para determinação dos padrões anatômi-cos de cada espécie, segundo Gallego et al. (1995) (Tabela 3).

Tabela 3 – Médias e Desvios padrão (DP) dos índices determinantes dos padrões anatômicos de cada espécie analisada

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Na Tabela 4, realizou-se a comparação dos índices entre o espéci-me-problema (espécie α) e a base de dados constituída pelos índices das dez espécies submetidas à biometria.

Tabela 4 – Índices da espécie α comparados, através do programa descrito por GALLEGO et al. (1995), aos índices das demais espécies.

Pode-se visualizar melhor o grau de similaridade da espécie α em relação às outras espécies na Figura 4, em que, quanto menor o valor numérico, maior é a semelhança da espécie α com uma espécie específi ca.

Portanto, nessa comparação, o programa indicou que Steindach-nerina insculpta, apresentando o índice fi nal de 0,96, é a espécie com maior grau de similaridade em relação à espécie α (< 1,00).

Figura 4 – Grau de similaridade da espécie α em relação às demais espécies analisadas

Neste estudo, dentre os nove espécimes-problema (α, β, γ, δ, ε, ζ, η, θ e ι) submetidos ao programa, oito deles foram solucionados po-sitivamente. O espécime β, correspondente à espécie A. bimaculatus, não se adeptou ao método, obtendo o grau de similaridade de 14,31 e espécie obteve maior proximidade com A. fasciatus (6,98).

Tal resultado deve-se, provavelmente, ao fato de as espécies per-tencerem ao mesmo gênero. Nesse caso, o acréscimo de um número

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maior de parâmetros permitiria a correção deste erro, uma vez que, gerando-se mais índices, a diferença entre espécies do mesmo gêne-ro seria mais bem evidenciada.

Assim, sugere-se adicionar novos parâmetros, como a largura do corpo do animal ou o comprimento do início do corpo até a inserção das nadadeiras, aumentando a base de dados e permitindo uma aná-lise mais detalhada.

Para exemplifi car, analisaram-se dois espécimes, Astyanax bima-culatus e Astyanax fasciatus, considerando-se duas novas medidas (F e G) (Figura 5).

Figura 5 – Parâmetros determinados a partir de fotografi as de A. bimaculatus e A. fasciatus, sendo: F – largura do corpo do animal e G – comprimento do início

do corpo (boca) até o ponto de inserção da nadadeira dorsal (fotos em escalas diferentes)

Desta maneira, calcularam-se para A. bimaculatus, aproximada-mente, F = 2,88cm e G = 3,50cm, enquanto para A. fasciatus obteve-se, aproximadamente, F = 3,21cm e G = 4,57cm. Tais medidas per-mitem verifi car algumas das características anatômicas externas que diferem as espécies do gênero Astyanax.

A partir da efi ciência demonstrada da chave taxonômica numérica, deve-se considerar que algumas espécies tiveram poucos exemplares para constituir sua base de dados e este fator pode ter interferido na média e no desvio padrão de cada espécie e, conseqüentemente,

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nos índices que indicam a proximidade entre essas espécies, o que determina que este número amostral não permite uma extrapolação dos resultados

Sendo assim, signifi ca que, com maior amostragem, poder-se-ia atenuar esses índices e assim aproximar os valores fi nais de compa-ração para zero (0,00).

Além disso, Gallego et al. (1995) adverte que outros fatores tam-bém podem infl uenciar no resultado fi nal, tais como idade e gênero dos indivíduos analisados ou, ainda, erros pessoais na execução da biometria. Isso implica maiores cuidados na análise dos dados para que se possa afi rmar que o espécime-problema realmente é uma de-terminada espécie.

Além da biometria taxonômica proposta nesse estudo, vale salien-tar que o banco de dados formado por meio de parâmetros e índices de cada espécie permite ainda uma discussão sobre a proximidade das espécies e a diversidade do grupo estudado.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Departamento de Água e Esgoto de Bauru (DAE) pela concessão da área de estudo, bem como aos funcionários da lagoa de captação, pela atenção dedicada. Agradecemos também ao Dr. Mário César C. de Pinna e ao Departamento de Ictiologia do Museu de Zoologia da USP, pelo auxílio na identifi cação dos espé-cimes coletados.

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SANTOS, Fernanda da Silva e

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Domingues. General

Composição da comunidade

ictilógica e biometria

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