composição coreográfica a partir da fenomenologia elenor kunz

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1 COMPOSIÇÃO COREOGRÁFICA NA DANÇA: MOVIMENTO HUMANO, EXPRESSIVIDADE E TÉCNICA , SOB UM OLHAR FENOMENOLÓGICO Marlini D. Lima Mestre- Unochapecó Elenor Kunz Doutor- UFSC RESUMO Esse estudo tem o caráter teórico bibliográfico e propõe analisar a cerca dos elementos constituintes da composição coreográfica em dança: movimento humano, a expressividade e a técnica numa perspectiva fenomenológica. De forma geral, verificou-se a dicotomia e polarização que impera nas etapas da composição de uma coreografia. Ao mesmo tempo o olhar fenomenológico, permitiu transcender essa concepção abrindo outras possibilidades de compreensão para esse fenômeno, como a relação de fundação a qual evidencia a experiência do sujeito no mundo, cujos elementos que compõe este fenômeno artístico se articulam num diálogo conflituoso e harmônico, nos demonstrando sua complexidade. ABSTRACT This study is theoretical and bibliographic and proposes the analysis of the elements that constitute the choreographic composition in dance: human movement, expressiveness and technique in a phenomenological perspective. Generally, it was verified the dichotomy and polarization that rules in the choreography composition levels. At the same time, the phenomenological view made possible to transcend this conception, opening other possibilities of comprehension to this phenomenon, as the relation of foundation, which evidences the experience of the subject in the world, whose elements that compose this artistic phenomenon articulate in a conflict and harmonic dialogue, showing its complexity. RESUMEN Este estudio de carácter teórico bibliográfico se propuso analizar los elementos constituyentes de la composición coreográfica en danza: movimiento humano, la expresividad y la técnica en una perspectiva fenomenológica. De forma general, se verificó la dicotomía y polarización que imperan en las etapas de composición de una coreografía. Al mismo tiempo, la visión fenomenológica permitió trascender esa concepción abriendo otras posibilidades de comprensión para ese fenómeno como la relación de fundación, la cual evidencia la experiencia del sujeto en el mundo, cuyos elementos que componen este fenómeno artístico se articulan en un diálogo conflictivo y harmónico, mostrándonos su complejidad. OS PRIMEIROS PASSOS

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A composição coreográfica investigada a partir de pressupostos teóricos de Elenor Kunz.

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    COMPOSIO COREOGRFICA NA DANA: MOVIMENTO HUMANO,

    EXPRESSIVIDADE E TCNICA , SOB UM OLHAR FENOMENOLGICO

    Marlini D. Lima Mestre- Unochapec

    Elenor Kunz Doutor- UFSC

    RESUMO Esse estudo tem o carter terico bibliogrfico e prope analisar a cerca dos elementos constituintes da composio coreogrfica em dana: movimento humano, a expressividade e a tcnica numa perspectiva fenomenolgica. De forma geral, verificou-se a dicotomia e polarizao que impera nas etapas da composio de uma coreografia. Ao mesmo tempo o olhar fenomenolgico, permitiu transcender essa concepo abrindo outras possibilidades de compreenso para esse fenmeno, como a relao de fundao a qual evidencia a experincia do sujeito no mundo, cujos elementos que compe este fenmeno artstico se articulam num dilogo conflituoso e harmnico, nos demonstrando sua complexidade.

    ABSTRACT This study is theoretical and bibliographic and proposes the analysis of the elements that constitute the choreographic composition in dance: human movement, expressiveness and technique in a phenomenological perspective. Generally, it was verified the dichotomy and polarization that rules in the choreography composition levels. At the same time, the phenomenological view made possible to transcend this conception, opening other possibilities of comprehension to this phenomenon, as the relation of foundation, which evidences the experience of the subject in the world, whose elements that compose this artistic phenomenon articulate in a conflict and harmonic dialogue, showing its complexity. RESUMEN Este estudio de carcter terico bibliogrfico se propuso analizar los elementos constituyentes de la composicin coreogrfica en danza: movimiento humano, la expresividad y la tcnica en una perspectiva fenomenolgica. De forma general, se verific la dicotoma y polarizacin que imperan en las etapas de composicin de una coreografa. Al mismo tiempo, la visin fenomenolgica permiti trascender esa concepcin abriendo otras posibilidades de comprensin para ese fenmeno como la relacin de fundacin, la cual evidencia la experiencia del sujeto en el mundo, cuyos elementos que componen este fenmeno artstico se articulan en un dilogo conflictivo y harmnico, mostrndonos su complejidad. OS PRIMEIROS PASSOS

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    As aproximaes propostas neste estudo entre os elementos constituem a composio

    coreogrfica: movimento humano , expressividade e tcnica e o pensamento fenomenolgico,

    justifica-se por acreditar que este pensamento filosfico no pretende encontrar verdades no

    caminho da construo dos conhecimentos, mas sim visualizar possibilidades permitidas

    atravs da densidade reflexiva .

    Vale salientar, que aproximar a arte da fenomenologia possibilitou abraar duas

    proposies que serviram de pano de fundo para esta reflexo. Chipp apud Frange (1995,

    p.75) diz que a arte no reproduz o visvel, mas sim torna visvel, trazendo o indito, o

    inusitado. Considera-se, tambm, que a fenomenologia, conforme Kunz (2000) proporciona

    uma nova maneira de ver o mundo de admirao frente ao mundo (p.05).

    Assim o fenmeno da composio coreogrfica, visualizado enquanto um potencial na

    educao esttica, traz luz do pensamento fenomenolgico, aspectos como a intuio,

    intencionalidade e a percepo, fundamentalmente a importncia na experincia vivida pelo

    sujeito que participa desse fenmeno .

    Assim o foco desse estudo pretende, a partir de um conceito de dana numa

    perspectiva fenomenolgica, lanar um olhar aos elementos que estruturam a composio

    coreogrfica, visto que essa apresenta aspectos importantes a serem refletidos na tentativa de

    transcender alguns pontos conflitantes que surgem no ato de coreografar, como a nfase dada

    no produto final, a coreografia, e a soberania dos movimentos codificados e tcnicos, em

    detrimento da gnese do movimento significativo para o sujeito que dana.

    Segundo Heller (2003) a marginalizao da experincia, influencia um certo

    esquecimento da gnese do fenmeno em prol da tese sobre este, onde o que o corpo revela

    no tem uma dignidade epistmica.

    Com relao ao uso vulgar e reducionista do temo tcnica, fundamental esclarecer

    que qualquer movimento necessita de tcnica para ser realizado, porm comum entender que

    tcnica na dana trata-se apenas do domnio de um determinado estilo de dana, dotado de

    formas prontas e especificas de movimento, no existe dana sem tcnica, ou seja, sem um

    produzir que poesis (SARAIVA KUNZ et all, 2005, p.121).

    Assim comum observar na ao pedaggica do ensino da dana, aes baseadas na

    repetio e transmisso de movimentos padronizados pertencentes a um determinado estilo de

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    dana. Segundo Saraiva Kunz et all (2005, p.121) Normalmente, o contato com a dana

    primeiro ocorre pelas suas formas tradicionais, com suas tcnicas formalizadas

    Diante destes fatos e questionamentos justifico a importncia em explorar esta temtica

    que apresenta situaes dicotmicas entre seus elementos, gerando questes que dizem

    respeito ao dilogo existente entre os mesmos, como a gnese do movimento expressivo na

    arte, como a transposio das experincias simblicas para o movimento (forma), como o

    papel dos sujeitos envolvidos na criao. Assim para uma melhor compreenso deste

    fenmeno, esta investigao tem como objetivo geral: Refletir a cerca dos elementos

    constituintes na composio coreogrfica em dana: movimento humano, a expressividade e a

    tcnica numa perspectiva fenomenolgica.

    TRAANDO UM CAMINHO METODOLGICO: RUMO AO PENSAMENTO

    FENOMENOLGICO

    A fenomenologia representa um dos panos de fundo terico deste trabalho, busca

    dissolver a dicotomia entre sujeito que conhece e objeto conhecido, destaca-se nesse

    pensamento a tenso entre exterioridade e interioridade constituda na condio humana, que

    se manifesta corporalmente no mundo, no como um objeto, mas como uma organizao,

    como uma conscincia perceptiva, que organiza as aparncias perceptivas resultantes da

    freqncia que se estabelece com o mundo (POMBO,1995).

    Desta maneira, o pensamento fenomenolgico assume uma atitude epistemolgica e

    conceitual, possibilitando dialogar com posicionamentos que originam- se da arte, da esttica e

    da educao.

    Escrever a respeito da fenomenologia representa a aventura de mergulhar em um

    oceano de conceitos, pois ela ainda se esconde por entre as rochas firmes da cincia positivista

    e do pensamento dicotmico; em outras palavras, o movimento filosfico inaugurou um modo

    de ver, perceber e pensar o mundo e suas relaes. A fenomenologia no seu fundamento

    ltimo refere-se a uma faculdade de sentir, de receber e perceber (POMBO, 1995).

    A fenomenologia mostra que no se pode compreender o homem e o mundo a no ser

    a partir da sua facticidade, onde so manifestadas todas as experincias antepredicativas,

    situando-se no incio de toda a reflexo. Merleau Ponty (1999), igualmente, considerava que

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    esta uma filosofia que repe as essncias na existncia, e que se pode compreender o

    homem e o mundo a partir de sua facticidade.

    Para Pombo (1995), a fenomenologia tambm pretende captar o sentido ntimo das

    experincias, sendo a partir das experincias iniciais que o processo fenomenolgico capta as

    essncias e assim atravs dessas experincias chegar ao sentido e significados, ou seja, na

    essncia.

    Outro fator importante a ser salientado refere-se ao ngulo conceitual traado neste

    estudo, que no pretende se aprofundar nos campos e componentes pragmticos do

    pensamento fenomenolgico, pois este requer uma densidade terica, que este estudo no se

    prope neste momento. Assim, a inteno no foi traar paralelos com os autores, mas sim,

    realizar uma reflexo sobre os fundamentos importantes desse pensamento filosfico que

    venham a corroborar com os propsitos deste estudo.

    O mundo fenomenolgico se constitui como o processo em que os perfis se entrelaam

    e as nossas experincias so vividas. Por isso, a percepo como conhecimento das coisas e do

    mundo, a apreenso de uma existncia, que no a sua posse, mas antes a ligao com um

    segmento do mundo que s se d por perspectivas. (POMBO,1995,p.48).

    O ELEMENTO: MOVIMENTO HUMANO

    Danar imprimir no corpo a sensao do movimento, Dantas, 1999

    Focalizando a reflexo de movimento humano para o movimento na dana este

    considerado a matria prima desta arte, e como forma simblica, efmero, fugaz e

    transitrio.

    Um interessante paradoxo elucidado nas teorias abordadas por Saraiva Kunz (2003),

    aponta que ao mesmo tempo em que a dana muito mais que um movimento, ela no mais

    do que um movimento e justamente na tentativa de esclarecer esta proposio que

    precisamos trazer outros pontos para discusso como a questo da gnese do movimento na

    dana. Dantas (1999) tambm realiza afirmaes que vo ao encontro desse posicionamento,

    afirmando que o movimento na dana postula sua inutilidade e sua plenitude, pois ele no

    existe para cumprir um outro fim que no o de ser exclusivamente movimento, segundo esta

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    autora, quem dana o faz porque realiza movimentos que no possuem, aparentemente

    nenhuma utilidade ou funo pratica, mas que possuem sentido e significado em si mesmo,

    recriados, revividos a cada momento.

    Merleau-Ponty (1999) denomina o movimento na dana como um movimento abstrato,

    pois este inaugura no corpo um processo de reflexo e construo da subjetividade,

    superpondo o espao fsico um espao virtual ou humano, para ele a possibilidade de projeo

    torna possvel a organizao dos dados sensveis em um sistema de significaes.

    Outra questo presente nesta pratica educacional a marginalizao do sentido /

    significado do movimento, da vivncia da subjetividade de cada sujeito em prol de modelos e

    padres de movimento vazios de significao.

    Desta forma, para abordar a questo do movimento humano neste estudo, optou-se

    explorar conceitos abordados por autores que auxiliam a ultrapassar a idia de movimento na

    concepo mecnica tradicional, considerando principalmente as contribuies

    fenomenolgicas e a concepo dialgica do movimento, direcionando esta reflexo para o

    fenmeno artstico da dana.

    De acordo com Kunz (1991), o movimento humano tem sido reduzido a um fenmeno

    fsico, nada mais do que um deslocamento do corpo ou partes dele num determinado tempo e

    espao, estabelecendo uma relao independente inclusive do sujeito que se movimenta.

    No ensino baseado no modelo causal-analtico, o movimento humano est pautado em

    leis da mecnica, interpretando o corpo humano que se movimenta como uma mquina e

    ocasionando o que podemos chamar de a morte do sujeito. Trebels (2003) tambm ressalta

    que no campo das cincias do esporte a prevalncia de uma perspectiva que compreende o

    movimento humano estritamente objetivista, na maioria das vezes totalizadora, pautada no

    paradigma emprico-analtico na relao causa e efeito.

    Na abordagem fenomenolgica no se admite uma separao entre sujeito de um lado e

    mundo de outro, pois o movimentar-se a forma de ao original do ser humano, por meio

    da qual ele se remete ao mundo, e na qual como ao, constri a si como sujeito e o mundo

    como sua contraface imaginria (TREBELS,2003,P.260).

    Em outras palavras o movimento humano compreende a possibilidade de dilogo com

    o mundo, inaugurando a cada momento novos significados na sua relao de no

    independncia entre o biolgico e o cultural.Para Gordijn (apud Trebels, 2003), o movimento

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    inaugura a possibilidade de um dilogo intencional com o mundo e nesta dinmica o ser que se

    movimenta experiencia um significado motriz .

    Assim, o se-movimentar envolve o sujeito e sua intencionalidade, e atravs dessa que

    se constitui o sentido/ significado, a forma de ao original do ser humano. Kunz

    (1991,p.175) reafirma essa idia dizendo que O movimento humano fundado na

    Intencionalidade. Neste sentido, pode-se falar num fluxo de intencionalidade no movimento

    humano, do mundo para o ator do movimento e vice-versa.

    Movimentar-se significa tambm se relacionar intencionalmente com o mundo, o

    dilogo entre o ser e o mundo, no qual a ao questiona o mundo, o prprio sujeito e as

    coisas, respondendo ao mundo com sua presena

    Nesta perspectiva, Tamboer (apud Kunz, 1991) prope uma diferena no que diz

    respeito ao processo de aprendizado por imitao da inteno (movimento aberto) visando

    singularidade e a valorizao do corpo relacional, j a imitao da forma (movimento

    fechado), designa padres de movimentos j fixados, encontrando no aspecto fsico seu

    princpio. Aspecto fundamental na pratica pedaggica, pois esta diferenciao influenciar

    diretamente na experincia dos alunos na composio coreogrfica. Se considerarmos a

    possibilidade de uma metfora para exemplificar, poderamos dizer que no primeiro processo

    o aluno por intermdio do professor poder decidir o lugar e como vai realizar uma viagem, j

    no segundo ele no ter possibilidade de escolha, mas sim, de ser conduzido do inicio at o

    final dessa viagem.

    O ELEMENTO: TCNICA

    O decisivo da tcnica no reside, no fazer e manusear, nem na aplicao de meios mas no desencobrimento

    (Heidegger ,2002,p.18)

    A dana traz como um de seus elementos a questo da tcnica, entretanto se faz

    necessrio explorar tal elemento, a fim de ampliar suas possibilidades e vislumbrar

    problemticas e equvocos que cercam a experincia e o ensino da dana. Na histria da

    humanidade a tcnica representa um fenmeno dinmico e presente praticamente em todos os

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    domnios da vida, na dana apresenta-se enquanto um elemento que em certa medida acaba se

    sobrepondo a experincia esttica, remetendo-nos a um conceito e uso reducionista e vulgar

    desse elemento.

    Para Mauss (apud Saraiva Kunz et all, 2005,p.120) (...) o primeiro e mais natural

    objeto tcnico, ao mesmo tempo meio tcnico do homem seu corpo. No entanto, na dana

    ainda se observa a compreenso de que a tcnica refere-se a um meio para se chegar a um

    determinado fim, um modo de controle do saber fazer em detrimento de uma obra final, como

    bem exemplifica Heller (2003, p.100) ... movo meu corpo de uma forma tal e qual para que o

    pblico veja uma determinada expresso em meu corpo. Segundo o mesmo autor nesse agir,

    onde a tcnica est a servio de uma representao de um movimento, reina a

    instrumentalidade e o princpio de causalidade .

    Outra questo a ser discutida est no esvaziamento da expresso tcnica, que no guarda

    mais o mesmo significado da arte, da techne. Hoje quando se fa la em tcnica do corpo que

    dana, refere-se ao controle e eficincia de seus movimentos; voltado ao mecnica que

    leva a uma relao de causa e efeito.

    Tcnica deriva do grego Techn, o fazer artstico, Conforme Abbagnano (1999) o

    significado mais antigo desse termo indica que o sentido geral da mesma coincide com o

    sentido geral de arte, compreendendo qualquer conjunto de regras apto a dirigir eficazmente

    uma atividade qualquer. Significando tambm criar, produzir, artifcio, engenhosidade,

    habilidade.

    Segundo Fensterseifer in Fensterseifer e Gonzlez (2005), para os gregos a noo de

    tcnica significava o conjunto terico-pratico das tcnicas intelectuais, corporais e fabris, neste

    sentido, o entendimento de tcnica possibilitava uma dimenso desveladora, que

    acompanhava tambm os contornos da physis a qual compreende a noo de totalidade

    orgnica que abarcava a unidade- indivisivel- indissoluvel- de todas-as-coisas-de todas as

    dimenses e aspectos (p.396).

    Na tentativa de avanarmos nesse questionamento, este estudo prope trabalharmos

    com o elemento tcnica, focalizando para um alargamento do conceito da mesma, com o

    intuito de olhar o fenmeno artstico enquanto uma experincia esttica educacional que

    permita aos sujeitos relacionarem-se com este elemento de uma outra forma, mesmo que para

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    isso seja necessrio apontar para um processo de destruio de uma viso ingnua do conceito

    de tcnica que ainda se faz presente.

    Heidegger , salienta duas dimenses deste conceito que tratam de um fazer humano e

    de um meio para alcanar um fim, para ele estas no podem ser desconsideradas, porm ainda

    no mostram sua essncia. Desta maneira, considera tal definio correta, mas no verdadeira

    e na tentativa de determinar o verdadeiro que o autor tece suas reflexes, afirmando que (...)

    a tcnica no algo meramente passivo, ela influencia de forma decisiva a relao que o

    homem tem com seu mundo, ela participa desta forma na fundamentao do mundo

    (HEIDEGGER , apud Brseke,2001,p.61) .

    Neste caso, para Heidegger a compreenso do que verdadeiro encontra-se no

    desocultamento (Entbergung), neste funda-se todo o produzir (poieses), segundo o autor o

    desabrigar desvelar a verdade, esse entendimento perpassa a questo da tcnica ser um mero

    instrumento, remetendo a importncia de questionarmos as circunstncias que surgem os

    meios e fins, pois no caso especfico da dana, o instrumento trata-se do prprio sujeito que

    dana.

    Desta forma, definir a tcnica como uma maneira de desocultamento significa entender

    a essncia da tcnica como verdade do relacionamento do homem com o mundo e no mais

    algo exterior e exclusivamente instrumental, mas a maneira como o sujeito apropria-se e

    aproxima-se da natureza, trata-se um fato histrico onde cada civilizao mantm sua singular

    maneira e propsito de desocultamento.

    De certa forma, podemos observar tal fenmeno em alguns procedimentos adotados na

    composio coreogrfica, quando ignorada a individualidade, isto , as experincias dos

    sujeitos, nivelando suas diferenas em movimentos padronizados e amorfos de significados,

    pessoais. Todavia, Brseke (2001) considera que o processo de homogeneizao somente

    um dos aspectos do desocultamento tcnico.

    Santin (1990) tambm explora a questo da tcnica e sua validade reduzida e ou

    confundida na sua produtividade, concepo que acaba anulando a criatividade no trabalho

    humano.Assim, podemos lanar um olhar para o fenmeno da tcnica e compreender suas

    diferentes acepes, ora com nfase na criao ora no criado, ou seja, na tcnica como meio

    eficaz para se alcanar um fim - o produto.

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    Desta forma, torna-se urgente ampliao do conceito de tcnica vigente na composio

    coreogrfica, de um procedimento meramente mecnico casual, vislumbrando a possibilidade

    de atuar como um desocultamento, deixar-aparecer o movimento expressivo, permitindo que

    a ao seja puramente ao e no representao mecnica do movimento na dana. Neste caso

    a desconstruo desse termo, volta-se para explorar a vivncia do ato de coreografar e

    partilhar esse fenmeno com os sujeitos que o constituem.

    ELEMENTO: EXPRESSIVIDADE

    A expressividade dos gestos representa a

    possibilidade discursiva do contato imediato com o mundo da percepo(...)

    Merleau-Ponty, 1999

    Ao utilizar o termo vivenciar a dana, estamos evidenciando outra questo importante

    neste estudo, quer dizer, para que um sujeito se expresse e mergulhe nessa aventura que a

    arte da dana, no basta estar reproduzindo movimentos adequadamente, pois h a necessidade

    de outras percepes e sentidos, a fim de ultrapassar um simples conjunto de movimentos j

    estruturados, cuja criao no singular, conseqentemente o sujeito no se entrega

    aventura de interpretar e expressar-se artisticamente.

    A expressividade faz-se presente no comportamento humano, na vida humana,

    entretanto, preciso focalizar para esse fenmeno no contexto artstico, mais especificamente

    na composio coreogrfica, questionando a respeito da essncia da expressividade no ato de

    coreografar? Como se relaciona o fenmeno da expressividade na coreografia em relao

    supremacia do domnio tcnico? Como ampliar a viso reducionista do conceito de expresso

    e tcnica? Ou seja, como chegar a essncia da expresso nos movimentos que constituem uma

    coreografia?

    Conforme Mller (2001) Merleau-Ponty tendo como intuito o ataque diplopia

    cartesiana prope o conceito de expressividade da experincia, entendendo esta como a

    maneira espontnea cujo contato institui significao ou fenmenos (p.15). Desta forma, este

    autor concebe expresso como a operao primordial na forma da qual nossas experincias

    gestuais induzem fenmenos ou significaes simblicas. Lembrando que estas eram

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    destitudas de valor cognitivo por Descartes, passaram assim a fazer parte das reflexes

    filosficas a cerca dos fenmenos, considerando estas indissociveis da nossa

    existncia, reconsiderando o contato primordial do corpo prprio com as coisas

    mundanas e com o outro (MLLER, 2001 p.26).

    No horizonte do projeto merleau-pontyano est nfase ao mundo vivido, ou seja,

    retornar ao meio perceptivo originrio, para ele a retomada do mundo da percepo a quem de

    nossos pensamentos rompe com o legado ontolgico da tradio cartesiana.Assim, podemos

    considerar que Merleau-Ponty props uma nova ontologia eminentemente realizada sob a

    forma de uma descrio do mistrio da expresso inerente nas experincias, sejam elas

    perceptivas ou simblicas. (MLLER,2001, p.13)

    Para Merleau-Ponty nossas experincias simblicas ultrapassam um conjunto aleatrio

    de movimentos, portanto de causalidade, tampouco so dependentes de estmulos exteriores,

    mas elas formam uma organizao espontnea, estabelecendo uma relao de no

    independncia e portanto fazem sentido na vivncia primordial do sujeito .

    importante salientar que nesta perspectiva o corpo prprio considerado um espao

    eminentemente expressivo, visto que primeiramente o fenmeno expressivo vivido, a

    expresso significa a capacidade de transcendncia inerente a cada dispositivo corporal, cujo

    alcance perpassa esses dispositivos, num sentido de afirmar a totalidade (MERLEAU-

    PONTY, 1999).

    Como afirma Mller (2001) possvel detectar uma aproximao entre o conceito de

    expresso de Merleau-Ponty e o conceito de Fundao (Fundierung) de Husserl, o qual prope

    uma teoria sobre o todo e as partes, onde uma das concepes estabelece uma relao de no

    independncia entre as partes, o que faz com que se exijam mutuamente.

    A relao de implicao defendida por Merleau-Ponty se aproxima da idia de

    fundao de Husserl, onde as partes de nossa vivncia guardam entre si uma relao de no-

    independencia, constituindo uma forma espontnea, sem necessidade de uma representao

    exterior que as coordene, a estruturao implicativa que as caracteriza uma relao de

    fundao, a partir da qual uma totalidade expressa nas experincias simblicas e em todos os

    comportamentos, podendo observar a transcendncia dos dispositivos anatmicos,

    caracterizando dessa forma, o ser como um potencial expressivo.

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    Com relao ao conceito de expresso, Moura (2001) afirma que Merleau-Ponty,

    refere-se ao ato intencional, a operao da intencionalidade como conceito de expresso,

    sendo o fenmeno expressivo essa idia de todo, uma espcie de sinergia expressa pelos

    elementos que a compe, do mundo vivido, da percepo.

    A respeito da representao do corpo prprio, Heller (2003) ainda afirma que mesmo

    que seja possvel nos representarmos, como na fala ou nos gestos simblicos, nossas

    representaes no necessitam ocorrer simultaneamente , por um pensamento acerca delas,

    "...o corpo no representa a si mesmo previamente o movimento a ser executado- no h algo

    como uma pr-estruturao do movimento, mas uma sinergia das partes envolvidas" (Heller

    2003,p.51). Aqui podemos lembrar tanto o danarino que se deixa envolver pelo fluxo

    expressivo e vivencia o ato de danar, quanto o que segmenta sua dana na tentativa de

    acertar os passos previamente ensaiados e codificados.

    Como podemos observar, o fenmeno expressivo requer uma anlise diferencial,

    indispensvel para ultrapassar certas posies puramente intimistas e dualistas, considerando

    que este fenmeno est presente na prpria existncia humana e tambm enquanto sinnimo

    de arte. Visto que a confuso quase universal de auto-expresso como expresso da dana, de

    emoo pessoal com forma significativa bastante comum de encontrarmos, entretanto,

    tambm se torna fcil de compreender, se considerarmos as complexas relaes que a dana

    realmente tem com o sentimento e seus sintomas manifestados nas nossas experincias.

    CONSIDERAES FINAIS

    Torna-se necessrio traarmos um dilogo que permita discutir e ampliar o conceito

    dos elementos tcnica, expressividade e movimento humano, presente no ensino da dana e

    na composio coreogrfica, trazendo ainda em sua proposta caractersticas dualistas,

    instrumentais e utilitaristas, reflexo quem sabe de uma sociedade que insiste em ter o corpo

    como um objeto a ser comandado por uma conscincia, por uma ferramenta em detrimento de

    um fim. Fomentar discusses a fim de transcender a questo do boa formao tcnica e

    profissional que parte da concepo de tcnica segundo as questes que j abordamos no

    incio deste texto, onde este fenmeno tratado resumidamente como um fazer humano,

    formatado e codificado, como algo separado da expressividade, da potica, do fazer arte.

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    Desta forma, impossibilita um desocultamento baseado na essncia da tcnica, pautando-se no

    que tcnico em dana.

    Na composio coreogrfica a tcnica e a expresso no podem ser conceituadas e

    praticadas como um mero meio de dominao dos movimentos, para a representao

    especfica de determinados movimentos j devidamente codificados, mas sim, deve

    representar um fundamento presente no desencobrimento dos movimentos artsticos na

    coreografia e que portanto no se equivale a um meio, mas algo que se fundamenta num

    fazer potico, no se-movimentar significativo.

    importante ressaltar que o olhar pelo vis de alguns princpios do pensamento

    fenomenolgico permitiu conceber estes elementos, representando uma possibilidade de

    dilogo com o mundo, no campo da educao esttica.

    REFERNCIAS

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