comportamento social, produção agregada e prática ... · a fatos ou eventos de interesse...

10
183 Psicologia: Teoria e Pesquisa Jan-Mar 2010, Vol. 26 n. 1, pp. 183-192 Comportamento Social, Produção Agregada e Prática Cultural: Uma Análise Comportamental de Fenômenos Sociais 1 Angelo Augusto Silva Sampaio 2 Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) Maria Amalia Pie Abib Andery 3 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) RESUMO - A Análise do Comportamento deve e tem lidado com os fenômenos sociais: fatos ou eventos envolvendo as ações de mais de uma pessoa. A partir da literatura, buscou-se distinguir três eventos rotulados como fenômenos sociais: comportamento social – contingência tríplice cujas consequências são mediadas pelo comportamento operante de outro(s) indivíduo(s); produção agregada – conjunto de comportamentos de mais de um indivíduo que geram um produto agregado; e prática cultural – comportamentos aprendidos similares propagados por sucessivos indivíduos. Características e complexidades destes três fenômenos são discutidas. Possibilidades de diálogo com as Ciências Sociais são ressaltadas. Palavras-chave: comportamento social; produção agregada; prática cultural; Análise do Comportamento. Social Behavior, Aggregated Production, and Cultural Practice: A Behavioral Analysis of Social Phenomena ABSTRACT - Behavior Analysis ought to deal with and has effectively dealt with social phenomena: facts or events involving actions of more than one person. Based on the published literature, this paper seeks to distinguish three events labeled as social phenomena: social behavior – three-term contingencies whose consequences are mediated by the operant behavior of another organism(s); aggregated production – sets of behaviors of more than one individual that result in an aggregated product; and cultural practice – similar learned behaviors propagated by successive individuals. Characteristics and complexities of these three phenomena are discussed. Dialogue possibilities with Social Sciences are highlighted. Keywords: social behavior; aggregated production; cultural practice; Behavior Analysis. 1 Trabalho derivado da Dissertação de Mestrado do primeiro autor, sob orientação da segunda autora, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento (PUC-SP) e realizada com o apoio do Conselho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os autores agradecem a Alexandre Dittrich, Nilza Micheletto, Tereza Sério e Hélder Gusso pelos comentários e sugestões em versões anteriores do trabalho. 2 Endereço para correspondência: Av. da Integração, 870, apt. 303, Alto Cheiroso. Petrolina, PE. CEP 56303-450. Tel. (87) 3862-9320. Email: [email protected]. 3 Bolsista CNPq - Produtividade em Pesquisa. O objeto de estudo da Análise do Comportamento é a ação 4 de organismos individuais. Seus princípios, conceitos e métodos já foram aplicados ao estudo das ações dos mais diversos seres vivos, mas o interesse principal desse campo de conhecimento recai sobre o comportamento humano (Andery, 1990; Skinner, 1953). Ora, o mundo dos seres hu- manos é formado em grande parte por outros seres humanos e mesmo o ambiente “físico” no qual vivem é, em boa medida, construído por sua própria espécie. Se a compreensão do comportamento humano, como o de outras espécies, depen- de da análise das interações entre sujeito e ambiente, e se o ambiente humano é em grande parte composto pelas ações de outras pessoas, logo, grande parte do comportamento humano é determinado por outros homens e mulheres. Po- demos afirmar, portanto, que o interesse especial da Análise do Comportamento pelo comportamento humano a obriga a tratar de fenômenos sociais. O termo “fenômeno” refere-se a fatos ou eventos de interesse científico; e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade ou ao coletivo, à união de várias pessoas (Houaiss, Villar & Franco, 2001). Podemos entender fenômenos sociais, portanto, como fatos ou eventos de interesse científico envolvendo os com- portamentos de várias pessoas (ou de mais de uma pessoa). Trata-se das interações e dos resultados das interações de pessoas agindo em conjunto. Muito cedo, Skinner (e.g., 1948/1978, 1953) incluiu o estudo de fenômenos sociais como parte da Análise do Comportamento. A investigação empírica de muitos desses fenômenos, inclusive, já vem sendo conduzida há bastante tempo (Guerin, 1994; Schmitt, 1998). Contudo, muitas questões ainda permanecem em aberto. Uma questão central envolve o agrupamento de fenômenos diversos sob o mesmo rótulo (Andery, Micheletto & Sério, 2005). Uma distinção entre fenômenos com propriedades semelhantes usualmente envolve algum grau de arbitrariedade, mas pode facilitar a interlocução entre estudiosos e permitir avanços na pesquisa e na intervenção. Autores como Glenn (1986, 1988, 2003, 2004; ver também Malott & Glenn, 2006) e Guerin (1992, 4 Os termos ação e comportamento serão utilizados como sinônimos, ambos referindo-se à interação entre respostas de um organismo e estímulos do ambiente.

Upload: others

Post on 15-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

183

Psicologia: Teoria e Pesquisa Jan-Mar 2010, Vol. 26 n. 1, pp. 183-192

Comportamento Social, Produção Agregada e Prática Cultural: Uma Análise Comportamental de Fenômenos Sociais1

AngeloAugustoSilvaSampaio2

Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)MariaAmaliaPieAbibAndery3

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

RESUMO -AAnálisedoComportamentodeveetemlidadocomosfenômenossociais:fatosoueventosenvolvendoasaçõesdemaisdeumapessoa.Apartirda literatura,buscou-sedistinguir trêseventosrotuladoscomofenômenossociais:comportamentosocial–contingênciatríplicecujasconsequênciassãomediadaspelocomportamentooperantedeoutro(s)indivíduo(s);produçãoagregada–conjuntodecomportamentosdemaisdeumindivíduoquegeramumprodutoagregado;epráticacultural–comportamentosaprendidossimilarespropagadosporsucessivosindivíduos.Característicasecomplexidadesdestestrêsfenômenossãodiscutidas.PossibilidadesdediálogocomasCiênciasSociaissãoressaltadas.

Palavras-chave:comportamentosocial;produçãoagregada;práticacultural;AnálisedoComportamento.

Social Behavior, Aggregated Production, and Cultural Practice: A Behavioral Analysis of Social Phenomena

ABSTRACT-BehaviorAnalysisoughttodealwithandhaseffectivelydealtwithsocialphenomena:factsoreventsinvolvingactionsofmorethanoneperson.Basedonthepublishedliterature,thispaperseekstodistinguishthreeeventslabeledassocialphenomena:socialbehavior–three-termcontingencieswhoseconsequencesaremediatedbytheoperantbehaviorofanotherorganism(s);aggregatedproduction–setsofbehaviorsofmorethanoneindividualthatresultinanaggregatedproduct;andculturalpractice–similarlearnedbehaviorspropagatedbysuccessiveindividuals.Characteristicsandcomplexitiesofthesethreephenomenaarediscussed.DialoguepossibilitieswithSocialSciencesarehighlighted.

Keywords:socialbehavior;aggregatedproduction;culturalpractice;BehaviorAnalysis.

1 Trabalho derivado daDissertação deMestrado do primeiro autor,soborientaçãodasegundaautora,apresentadaaoProgramadePós-GraduaçãoemPsicologiaExperimental:AnálisedoComportamento(PUC-SP)erealizadacomoapoiodoConselhoNacionaldeDesen-volvimentoCientíficoeTecnológico(CNPq).OsautoresagradecemaAlexandreDittrich,NilzaMicheletto,TerezaSérioeHélderGussopeloscomentáriosesugestõesemversõesanterioresdotrabalho.

2 Endereçoparacorrespondência:Av.daIntegração,870,apt.303,AltoCheiroso.Petrolina,PE.CEP56303-450.Tel.(87)3862-9320.Email: [email protected].

3 BolsistaCNPq-ProdutividadeemPesquisa.

OobjetodeestudodaAnálisedoComportamentoéaação4 deorganismosindividuais.Seusprincípios,conceitosemétodosjáforamaplicadosaoestudodasaçõesdosmaisdiversosseresvivos,masointeresseprincipaldessecampode conhecimento recai sobre o comportamentohumano (Andery,1990;Skinner,1953).Ora,omundodossereshu-manoséformadoemgrandeparteporoutrossereshumanosemesmooambiente“físico”noqualvivemé,emboamedida,construídopor suaprópria espécie.Se a compreensãodocomportamentohumano,comoodeoutrasespécies,depen-dedaanálisedasinteraçõesentresujeitoeambiente,eseoambientehumanoéemgrandepartecompostopelasações

de outras pessoas, logo, grande parte do comportamentohumanoédeterminadoporoutroshomensemulheres.Po-demosafirmar,portanto,queointeresseespecialdaAnálisedoComportamentopelocomportamentohumanoaobrigaatratar de fenômenos sociais.Otermo“fenômeno”refere-seafatosoueventosdeinteressecientífico;eotermo“social”adjetivaalgoconcernenteàsociedade,àcomunidadeouaocoletivo,àuniãodeváriaspessoas(Houaiss,Villar&Franco,2001).Podemosentenderfenômenossociais,portanto,comofatosoueventosdeinteressecientíficoenvolvendooscom-portamentosdeváriaspessoas(oudemaisdeumapessoa).Trata-sedas interaçõesedos resultadosdas interaçõesdepessoasagindoemconjunto.

Muito cedo, Skinner (e.g., 1948/1978, 1953) incluiuoestudodefenômenossociaiscomopartedaAnálisedoComportamento.Ainvestigaçãoempíricademuitosdessesfenômenos,inclusive,jávemsendoconduzidahábastantetempo (Guerin, 1994; Schmitt, 1998). Contudo,muitasquestõesaindapermanecememaberto.Umaquestãocentralenvolveoagrupamentodefenômenosdiversossobomesmorótulo(Andery,Micheletto&Sério,2005).Umadistinçãoentrefenômenoscompropriedadessemelhantesusualmenteenvolvealgumgraudearbitrariedade,maspodefacilitarainterlocuçãoentreestudiososepermitiravançosnapesquisaenaintervenção.AutorescomoGlenn(1986,1988,2003,2004;vertambémMalott&Glenn,2006)eGuerin(1992,

4 Os termosaçãoecomportamentoserãoutilizadoscomosinônimos,ambos referindo-se à interação entre respostas de umorganismo eestímulos do ambiente.

Page 2: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

184 Psic.:Teor.ePesq.,Brasília,Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

A. A. S. Sampaio & M. A. P. A. Andery

1994,2001),alémdopróprioSkinner(1953,1957/1992,1981),propuseramdiferenciaçõesentrefenômenossociaisapartirdaperspectivadaAnálisedoComportamento.Nossoobjetivoé,apartirdotrabalhodessesautores,tentarrefinaroquechamamosdefenômenossociais,distinguindotrêseventosquesãocomumentetratadossobomesmorótulo:comportamentosocial,produçãoagregadaepráticacultural.

Comportamento Social

Otermocomportamento socialpodesugerirumacon-traposição como que seria “comportamento individual”,implicandoqueomodo comoas pessoas agem, pensam,falam, aprendemetc. e/ou os princípios explicativos em-pregadosnasuacompreensãosãodiferentesemsituaçõessociaisenãosociais.Énessesentidoqueexpressõescomo“aprendizagem social”, “cognição social”, “dinâmica degrupo”e “fato social” sãoalgumasvezesutilizadas.ParaaAnálise doComportamento, entretanto, os princípios econceitos construídos (principalmente) a partir do estudodo“comportamentoindividual”seriamsuficientesparali-darcomoqueénormalmenterotuladode“comportamentosocial”. Esse último apresentaria características próprias(talvez singulares),mas características que ainda podemserdescritasapartirdosmesmosfundamentosfilosóficos,teóricos,metodológicoseconceituaisválidosparatodotipodecomportamento(Andery&Sério,2006).

Assim,otermo“comportamentosocial”sósejustificariaparaenfatizarcertasparticularidadesdeumtipoousubca-tegoriadecomportamento(comotodocomportamento,ne-cessariamente“individual”).NaAnálisedoComportamento,de fato,o termo temsidoutilizadosemprequeumaaçãoenvolve a participação ou mediaçãodeoutrapessoacomoambienterelevanteparaaaçãoanalisada.Oquepodeseraceito como participação ou mediação,entretanto,aindaéobjetodediscussão(Guerin,1994).AdotaremosapropostadeSkinner (1953, 1957/1992), que toma comportamentosocialcomoumtipodecomportamentooperanteeenfatizaomodocomosuasconsequências(geradasporoutroindi-víduo)sãoproduzidasporumaclassederespostas.Nossadefinição,portanto,enfatizarácontingênciastríplices,maisespecificamente,arelaçãoresposta-consequência.

Ao tratar de comportamento social, Skinner (1953,1957/1992)de inícioparece igualá-loacontingências trí-plicescujasconsequênciassãoproduzidascomamerapar-ticipaçãodeoutro(s)indivíduo(s).Emtaiscontingências,aoutrapessoa“participameramente...comoumobjetofísico”(Skinner,1957/1992,p.224).Skinnercitaosexemplosdeumboxeadordesferindoumgolpenoseuadversárioedeummédico realizandoumacirurgia.Emambososcasos,asconsequênciasrelevantes(acertaroadversárioeremoverumapêndiceinflamado)nãoseriamproduzidassemaparti-cipaçãodeoutrapessoa.Noentanto,aoutrapessoafuncionacomoumobjetofísicoqualquer,seucomportamentonãoérelevanteparaaproduçãodasconsequências.Nessescasos,aproduçãodasconsequênciasrelevantesparaocomporta-mentoédiretaepodeserexplicadaapenaspelasciênciasfísicas,sem recorreràsciênciasdocomportamento.

Skinner (1953, 1957/1992) restringe o termo com-portamento social, contudo, a contingências tríplicescujas consequências relevantes comportamentalmentesãoproduzidaspelocomportamento operantedeoutro(s)indivíduo(s).Aqui,ooutroindivíduonãofuncionacomoummeroobjetofísico,eleagecomoumorganismo vivo; as consequências são produzidas apenas pormeio deuma açãosua.Nessecaso,Skinnerrefere-senãomaisàparticipação,masàmediação de outro indivíduo. As con-sequênciasmediadaspodemser:(1)asprópriasrespostasoperantes,(2)asconsequências(reforçosoupunições);e/ou(3)resultadosdiretosdessasrespostaseconsequênciasdooutroindivíduo.Algunsexemplosseriam:umprofessorensinandomúsicaaumaprendiz,umacriançapirraçandoopaiparaelelhecompraralgoetodoequalquercompor-tamentoverbal.Nessescasos,oaprendiz,opaieoouvinteagem como organismos vivos e, além disso, não respondem “mecanicamente”.AFigura1ilustraasrelaçõesenvolvi-dasnocomportamentosocial.Noexemplodessafigura,apenasocomportamentodoindivíduoAé,pordefinição,necessariamente social.

Comportamento social, assim, envolveoqueSkinner(1953, pp. 201, 229, 310; 1957/1992, p. 432) chama de“sistemasentrelaçadosderesposta”ou“sistemasentrelaça-dosdecomportamento”(interlocking systems of response ou interlocking systems of behavior) ou “contingênciasentrelaçadas”(interlocking contingencies),expressõesqueenfatizamquecontingênciastríplicesdedoisindivíduosdecertaformasesobrepõemousecruzam:aresposta,ouumprodutogeradopelaresposta,ouaconsequênciaemumadas contingências participa como consequência emoutracontingência.

Consideramoscomportamentosocial,portanto,qualquercontingência tríplice cujas consequências são mediadas pelo comportamento operante de outro(s) indivíduo(s). Essas contingênciastríplices apresentampropriedades distintivas, quenãosãoredutíveisadescriçõesdasciênciasfísicasesó podem ser explicadas,portanto,pelasciênciasdocompor-tamento.Nessescasos,aproduçãodasconsequênciasexigea análise do comportamento de outro(s) indivíduo(s), ouseja,envolve–aindaquenasuaorigem–comportamentooperante de outro(s) indivíduo(s) (Andery,Micheletto&Sério,2005).

Figura 1. Diagramailustrandoadefiniçãodecomportamentosocial.

:

:

Page 3: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

185Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

Fenômenos Sociais

Algumas questões quanto à definição de comportamento social

Adefinição de comportamento social que adotamoslevanta algumas questões.Umadessas questões é se umindivíduo agindo sozinhopodesecomportarsocialmente.Guerin(2001),emposiçãosemelhanteaaqueladefendidajáem1950porKellereSchoenfeld,respondeafirmativamentea essaquestão, enumerando18maneiraspelasquais agirsozinhopoderiasimserconsideradocomportamentosocial.O argumento central fundamenta-se na noçãode queumoperanteéumaunidadeestendidanotempoeque,comotal,sempredeveseranalisadoconsiderando-setodaahistóriadeinteraçõesentresuasclassesderespostasedeestímulos,jáqueéessahistóriaquedeterminasuaspropriedades.Assim,se as consequências de umoperante já foram mediadas por outros indivíduos, independente de algumas de suasinstâncias(respostasparticulares)serememitidasquandooindivíduoestásozinho,eledeveriasimserconsideradoumcomportamentosocial.

Outraquestãoquedecorredadefiniçãoqueadotamosdecomportamentosocialéseindivíduosdeoutras espéciesapre-sentamcomportamentosocial.Nossadefiniçãonãoimplicalimitaçõesquantoà espécie dos indivíduos envolvidos em contingênciastríplicessociais.Seasconsequênciasdocom-portamentodeumchimpanzéaointeragircomoutrochim-panzéoucomumveterinárioedeumveterinárioaointeragircomoutroveterináriooucomumchimpanzéforemmediadaspelooutroindivíduoemitindocomportamentooperante,todospoderiamserconsideradoscomportamentossociais.

Umaúltimaquestão relaciona-se coma ausência, emnossadefinição,delimitaçõesquantoao modo pelo qual o comportamentooperantedeoutro(s)indivíduo(s)afetaumcomportamentosocial.Elepodefazê-lodiretamente(e.g.,quandoumsorrisoreforçaumelogio),ouindiretamente(e.g.,quandoavisualizaçãodeumamensagemdecorreioeletrô-nico–enviadaporoutroindivíduo–reforçaoconectar-seàinterneteleremails).Oscomportamentosqueenvolveminterações com objetos construídos por outros indivíduos (e.g.,computadores)poderiam,então,serconsideradoscom-portamentosocial?Aqui,ofundamentalnaidentificaçãodeumoperantecomosocialseriaaidentificaçãodamediaçãodas consequênciasporoutros indivíduose também que o operante caracterize-se pelas propriedades distintivas docomportamento socialmentemediado,discutidas a seguir.Taispropriedadesexigemqueseempregueasciênciasdocomportamentoparaquesecompreendacomosedáame-diação–diretaouindireta–dasconsequênciasnocompor-tamentosocial.Talnecessidade justificariaumtratamentodistinto do comportamento como comportamento social.Dessaanálise,portanto,équedecorreriaaclassificaçãodeumcomportamentooperanteindiretamentemediadocomosocialounão.

Propriedades distintivas do comportamento social

Quais propriedades, portanto, justificamum termo eumtratamentodistintosparalidarcomrelaçõescomporta-

mentaissociais?CombasenostrabalhosdeSkinner(1953,1957/1992), que apresentou diversas delas, e deGuerin(1992,1994),queretomouostrabalhosdeSkinneretambémasespecificou,podemosenumeraralgumasdaspropriedadesdocomportamentosocial:

1) Suas consequências geralmentesãocondicionadas;2) Suas consequências geralmentesãocondicionadas

generalizadas;a) Comomuitasdessasconsequênciasgeneraliza-

dassãoproduzidasdiretamenteporoutrosindi-víduos(e.g.,“atenção”,“sinaisdeaprovação”oude“afeição”),aspectos da pessoa que gera tais consequências (e.g., sua mera presença) podem tornar-se os únicos antecedentes controlando a classe de respostas consequenciada, mesmo que taisaspectosnãoserelacionemcomocritériodeconsequenciaçãovigente.Esseprocessopodeexplicar,porexemplo,porqueapenasolharnosolhosdealguémpodeproduzirgrandesaltera-çõesemseucomportamento;

b)Emparte devido a tais características, geral-menteasconsequênciascomportamentalmenterelevantes não sãoóbvias ou facilmentemen-suráveis;eventos, objetos ou características de objetos extremamente sutis podem ser consequ-ências funcionais;

3) Comomuitasvezesooutro indivíduoprecisadetempo para reagir, as consequências podem seratrasadasemrelaçãoàrespostaqueasgerou;

4) Em geral, não há relação direta entre a energia da resposta e a magnitude das consequências produzi-das(umsussurro,porexemplo,podeproduzirumagargalhadaestrondosadoouvinte);

5) Ocritériodeconsequenciação geralmente“variademomentoamomento,dependendodacondiçãodoagente reforçador [istoé,dooutro indivíduo].Destaforma,respostasdiferentespodemproduziromesmoefeito,euma[mesma]respostapodepro-duzirdiferentesefeitos,dependendodaocasião.”(Skinner, 1953, p. 299)Ou seja, osesquemas de reforço e punição nosquaisasconsequênciassãoarranjadasemgeralsão:a) Intermitentes –oindivíduogeradordasconse-

quênciascomumentenãorespondedemodotão“confiável”quantooambientefísico.Alémdomais,diferentesesquemasintermitentesgeramdiferentespadrõesdecomportamento,explican-doemparteavariabilidadedasaçõesmantidasportaisesquemas;

b)Variáveis–essesesquemastendemagerarcom-portamentomaisresistenteàextinçãoecomfre-quênciamaisestávelqueesquemasfixos.Alémdisso,ocomportamentoassimmantidotendeasermaisextensoeflexível,jáquemaisvariaçãoéproduzidaquandoaconsequêncianãoocorre;

c)Ajustáveis–essesesquemasajustam-seaosatossendo consequenciados, por exemplo, comoresultadodo aumentoda tolerância a controle

Page 4: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

186 Psic.:Teor.ePesq.,Brasília,Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

A. A. S. Sampaio & M. A. P. A. Andery

aversivooudoaumentodeexigênciaparareforçoporpartedooutroindivíduo.Asconsequênciasraramentesãoindependentesdocomportamentoreforçado,demodoqueooutroindivíduoquasesemprefica sob controle das respostas conse-quenciadas;

d)Concorrentes–consequênciasdiferentestendemaestardisponíveisaomesmotempoparadife-rentesclassesderespostas;

e)Complexos, combinados–osesquemassimples(intervalo variável -VI, intervalo fixo – FI,razãovariável-VR,razãofixa-FR)sãorarosem situações sociais. Esquemas complexos(e.g., concorrentes encadeados com retençãotemporáriadadisponibilidadedoreforço)sãoanorma, produzindo repertórios comportamen-taisextensoseflexíveis,nosquaisumarápidaalternaçãodeumaclassederespostasparaoutraseria comum;

6) Osantecedentes,porseremdeterminadosporumahistória individual constituída de consequênciasmediadasporoutraspessoasearranjadasemesque-mascomplexos,tambémsediferenciam.Demodogeral, eles são extremamente sutis, complexos edifíceisdeidentificar.

Essas propriedades são dificilmente encontradas em“comportamentos não-sociais” e são, portanto, típicas docomportamentosocial.Assim,umacompreensãoadequadadessefenômenodeveriabasear-sefortementenosresultadosdeáreasdepesquisataiscomo:consequênciascondicionadas,generalizadaseatrasadas;relaçõesentreenergiadarespostaemagnitude das consequências; esquemas complexos dereforço; e o controle de estímulos estabelecidopor todasessascontingências.

ComoSkinner(1953)sugeriu,ocomportamentosocialpodeserestudadocomoumfenômenonoâmbitodoindiví-duo,compropriedadesdistintivas,tomando-seacontingênciatríplicecomounidadedeanálise.Apesardealgumascarac-terísticasparticularesedesutilezasdasuaanálise,nenhumprincípioouconceitonovoserianecessárioparalidarcomessefenômeno.Osfenômenossociaisdiscutidosaseguir,contudo,emborapossamsercompostosporcontingênciastríplicescujasconsequênciassãomediadasporoutrosindiví-duos,levantamaquestãodanecessidadedeoutrosconceitosouunidadesdeanáliseparaquesejamadequadamentecom-preendidosedescritos.

Produção Agregada

Muitosproblemassociaissãodefinidosnãopeloqueosindivíduosfazem,maspeloresultadogeradoporsuasações.Essas ações podem ser realizadas conjuntamente ounão;podemenvolvertopografiasdecomportamentosemelhantesounão;podemsercontroladaspelasmesmasconsequênciasounão.Oefeitoestufa,porexemplo,éumaquestãoambientalprementequeresultademuitaspessoasagindodediferentesmodos(utilizandoautomóveis,queimandoflorestas, traba-

lhando em fábricas poluidoras etc.), emconjuntoounão,envolvendodiferentes topografiase sendocontroladaspordiferentesconsequências.Fenômenossociaisdessetiposãodelimitadosnãopelasrelaçõesfuncionaisentrerespostasdeum indivíduo e eventos ambientais,maspelos resultadosgerados pelas respostas dos indivíduos.As respostas quecontribuemparataisresultadossãoemitidaspordiversosin-divíduosenãoprecisamsercontroladaspelopróprioresultadooupelasmesmascontingências.Ainclusãodeumarespostacomopartedofenômenodeinteressedecorredesuacontri-buiçãoparaumprodutoenãodasrelaçõesqueacontrolam.

Oconceitodeproduto agregado (aggregate outcome ou aggregate product) (Glenn,1988,1991;Glenn&Malott,2004;Malott&Glenn,2006)foipropostoparalidarcomtaisfenômenossociais.Produtosagregados,talcomocon-sequênciascomportamentais,sãoeventossubsequentesàsrespostaseporelasproduzidos.Elessempresão,noentanto,umresultadogeradopelasrespostasde mais de uma pessoa. Umapessoasozinha,porexemplo,nãoécapazdemoverumapedradeuma tonelada,mas10pessoas trabalhandojuntaspodemgeraroprodutoagregado“pedradeslocada”.

Damesmaformaqueumaconsequênciaproduzidapelarespostadeumindivíduopodenãoseconstituirumeventoambientalparatalresposta,umprodutoagregadonão precisa afetar as relações comportamentais que o produziram para ser rotulado enquanto tal.Noexemplododeslocamentodapedradeumatonelada,oconjuntodepegadascriadopelas10pessoastambémpoderiaserconsideradoumprodutoagregadodeseuscomportamentos,apesardeprovavelmentenãoafetarcompor-tamentalmenteessaspessoas.Ouseja,emalgumassituaçõesháretroaçãodoprodutoagregadosobreoscomportamentosqueoproduziram,enquanto,emoutras,issonãoocorre.

Na discussão do comportamento social, nosso foco éo comportamento, isto é, as relações indivíduo-ambiente(outroindivíduo)constitutivasdofenômenoe,portanto,aaçãoindividualéavariávelaserexplicada.Quandonossointeressemigraparafenômenossociaisenvolvendoprodu-tosagregados,nossofocomudadocomportamentoparaasalteraçõesambientaisproduzidaspelocomportamento.Oscomportamentos(asinteraçõesprodutoras)envolvidosemtaisfenômenosdeixamdeser,emumprimeiromomento,pelomenos,avariávelaserexplicadaepassamaservariávelqueexplicataisprodutos.

Umfenômenosocialenvolvendoprodutoagregadopodeserchamadoabreviadamentedeprodução agregada. Produ-çõesagregadascomosãoaquidefinidassempreenvolvemaçõesdemaisdeumindivíduo.Etaisaçõesnãoprecisamsernecessariamentesociais–emborasejaquaseimpossívelfalaremcomportamentohumanoquenãotenha“componentes”decomportamentosocial.

Hávários tiposdeproduçõesagregadas,dediferentesníveis de complexidade, englobando, por exemplo, desdeduaspessoasjuntaspuxandoumacorda,atéaproduçãodeumautomóvelemumagrandeempresa.Algumascaracterísticasdessesfenômenospermitemumatentativadeclassificação.

Emprimeiro lugar, como jámencionamos,produtos agregados podem afetar (de diferentes modos) as relações comportamentais que os produziram ou não ter efeito algum sobre elas (Malott&Glenn,2006).

Page 5: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

187Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

Fenômenos Sociais

Emsegundolugar,quandoumprodutoagregadoafetaoscomportamentosqueoproduziram,ele pode fazê-lo com ou sem mediação de outros comportamentos. Ostrabalhadores e administradores de uma fábrica quedespejaresíduostóxicosemumriopodemserafetadosporesteprodutoagregadopela mediação de avisos das autoridades responsáveis pela proteção ambiental daárea. Os comportamentos dosmembros de um grupotambém podem ser afetados por um produto agregadopela mediação de um de seusmembros, quando, porexemplo, esse indivíduodescreveverbalmenteas rela-çõesexistentesentrecomportamentosdosmembrosdogrupoeoprodutoagregado (umengenheiroambientalda fábrica poderia notar os prejuízos causados ao am-biente e propor alterações na produção). Por sua vez,quandoumprodutoagregadoafetaoscomportamentosque o produziram sem nenhuma mediação (de outras pessoasoudeoutroscomportamentos),oprodutocoin-cide comconsequências comportamentais.Aproduçãodeartesanatoporumpequenogrupopode sermantidadiretamentepelaspeçasproduzidas(produtosagregadosque coincidem com consequências comportamentais).Essa distinção é relevante porque as características daretroaçãodoprodutoagregadosobreoscomportamentosqueoproduzirampossivelmentesãodiferentesquandoháequandonãohámediação.

Em terceiro lugar, outra característica que distingue produçõesagregadaséo entrelaçamento (ou não) das con-tingências que geram o produto agregado5.

Assim, propomos uma classificação das produçõesagregadas a partir de três distinções (sugeridas emparteporMalott&Glenn,2006):produtosagregadosqueafetamoscomportamentosqueosproduziramvs.aquelesquenãoafetam;produtosqueafetamsemmediaçãovs.aquelesqueafetamcommediaçãooscomportamentosqueosproduziram;eprodutosagregadosgeradosporcontingênciasentrelaça-das vs.aquelesgeradosporcontingênciasnão-entrelaçadas.Essasdistinçõespodemsersobrepostasresultandoemcincodiferentes tiposdeproduçõesagregadas, representadasnaFigura 2.

Emcasossimples,comoodalocomoçãodapedradeumatonelada,envolvendopoucosindivíduossecomportandodemaneira entrelaçada e um resultado imediato de grande mag-nitude,oprodutoagregadopodeafetaroscomportamentosque o produziram sem mediação, já que, nesse caso, elecoincidecomasconsequênciascomportamentais(primeiralinhadaFigura2).

Quandoumprodutoagregadoégeradopeloscomporta-mentos–entrelaçadosounão(oqueémaisfrequente)–deum

5 Estadistinçãoseparametacontingênciasemacrocontingências(Glenn,2004;Malott&Glenn,2006).

Figura 2. Representaçãoesquemáticadecincotiposdeproduçõesagregadas.Cadaconjuntodecírculo-quadrado-círculorepresentaumacontingênciatríplice(antecedentes-resposta-consequências)deum indivíduoespecífico;as setaspequenas indicamquea respostadeum indivíduogeraestímulosqueafetamocomportamentodeoutroindivíduo,istoé,queascontingênciassãoentrelaçadas.

Page 6: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

188 Psic.:Teor.ePesq.,Brasília,Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

A. A. S. Sampaio & M. A. P. A. Andery

númeromaiordepessoase/ouéatrasado,cumulativo,oudepequenamagnitudeparaosindivíduos,essacoincidênciadeprodutoagregadoeconsequênciatendeasermaisrara.Nessescasos,osefeitosdocomportamentodeumúnicoindivíduoraramenteterãoumimpactodiscernívelnoprodutoagregado(Glenn,2004;Malott&Glenn,2006).Comoumarespostaindividualnãoafetasensivelmenteoprodutoagregadoparaoqualcontribui,oprodutoagregadonãotemefeitocomporta-mentaldiretosobreaação,istoé,nãoseconstituiumeventoambiental parao indivíduo cujo comportamento contribuiparaoprodutoagregado.Produtosagregadosdessetipoge-ralmentenãoafetamoscomportamentosqueosproduziram,continuandoaseremproduzidosenquantoascontingênciasindividuais se mantiverem. Essa característica assinalaria a importânciadessetipodeproduçãoagregada:resultadosperi-gososdenossasaçõesquenãoafetamessasmesmasaçõessãopotencialmentecatastróficos(segundoGlenn,2004,envolvema“tragédiadobemcomum”).TaisproduçõesagregadassãodiagramadasnaterceiralinhadaFigura2.

Produtosagregados,noentanto,podemexercerfunçõescomportamentaisparaoutrasclassesderespostase/ouparaoutras pessoas que não as responsáveis pela geração doproduto(segundalinhadaFigura2).Nessecaso,ascaracte-rísticasdaretroaçãodoprodutoagregadosobreoscomporta-mentosdaquelesenvolvidosemsuaproduçãodependerãodoscomportamentosmediadoresenvolvidos(sejamdemembrosdoprópriogrupoprodutorounão).Analogamenteaocom-portamento individual, produções agregadas envolvendoretroaçãopodemtantoserselecionadaspelosseusprodutosagregadoserecorrer(oure-ocorrer),como,pelocontrário,podemseenfraqueceredesaparecer.

Outromododediferenciarproduçõesagregadasenvolveclassificaras relações entre os comportamentos que geram o produto agregado(Malott&Glenn,2006).AcolunadireitadaFigura2representapessoassecomportandode modo indepen-dente (sem entrelaçamento).Istoé,oseventosqueparticipamdascontingências tríplicesdeumapessoanãointegramascontingênciasdeoutraspessoasquetambémcontribuemparaoprodutoagregado;ascontingênciasnãosãoentrelaçadas. Nessescasos,qualquermudançanaproduçãoagregadade-penderádealteraçõesem cada umadascontingênciastríplicesindividuaiseoscomportamentosdosparticipantespoderãoserinclusivenãosociais(aomenos teoricamente).

Semprequeoprodutoagregadocoincidircomconsequ-ênciascomportamentais(primeiralinhadaFigura2),con-tudo, haverá entrelaçamentoentreascontingênciastríplicesenvolvidas,jáquepelomenosaconsequênciadetodasascontingências(e.g.,alocomoçãodapedra)seráproduzidatambémpelasaçõesdeoutraspessoas.Alémdisso,ospar-ticipantesdaproduçãoagregadapodeminteragir,istoé,ascontingênciaspodemserentrelaçadasquandoosprodutosagregados não retroagemou quando retroagem sobre oscomportamentos que os produzemapenas commediação(segundaeterceiralinhasdacolunadaesquerdadaFigura2).Emqualquerhipótese,oentrelaçamentocomplexificaasrelaçõesenvolvidasnaproduçãoagregada,jáqueumaalte-raçãoemumadascontingênciastríplicespodeafetartantooprodutoagregadocomooutrascontingênciasenvolvidasnaprodução.Aestruturadoentrelaçamentodeterminaráamaioroumenorfacilidadedealteraraproduçãoagregada.

Aosedefinirempeloresultadodasaçõesdemaisdeumapessoa, as produções agregadas envolvemum recorte deanálisedistintodoutilizadoparaocomportamentosocial,su-geremanecessidadedenovosconceitos(comoodeprodutoagregado)eenglobameventoscomcaracterísticasecomple-xidadesdistintas.Aclassificaçãoaquipropostasugerequeacompreensãoeaintervençãosobrediferentesproduçõesagregadaspodemdemandardiferentesferramentasanalíticas.Emalgunscasos,orecursoàcontingênciatríplicepodesernecessárioesuficiente,enquantoemoutros,aretroaçãodoprodutoagregadoexigiriaumaanálisemaisamplaquetomacomoseuobjetoasaçõeseprodutosgeradospormaisdeumindivíduo(envolvendoosconceitosdemetacontingênciaemacrocontingência,porexemplo).

Prática Cultural

Umterceiroconjuntodeeventosnomeadocomofenôme-nosocialabrangeosobjetosdeestudodasCiênciasSociaisusualmenteenglobadosportermoscomo“cultura”e“práticacultural”,ouonívelculturaldeseleçãodocomportamentoporconsequências(Skinner,1981).Duascaracterísticaspa-recemdespertaruminteresseespecialportaiseventos.Umacaracterísticaéarepetiçãooumanutençãodeaçõessimilaresaolongode“gerações”6departicipantes.Defato,éfunda-mentalmente amanutençãode comportamentos similaresmesmo com a substituição dos participantesquediferenciaaspráticasculturaisdosdemaisfenômenossociais.Aoutracaracterísticaéchamadadetransmissão de modos de agir7. Seumgrupodepessoasqueinteragedurantealgumtempotemseusparticipantessubstituídosesuasaçõespermanecemsemelhantesaosdosantigosmembros,issopodesedevera duas coisas: os novos membros entraram em contato com circunstâncias semelhantes àquelas as quais osmembrosanterioresestiveramexpostos,ou–oqueémaisprovável–osmembrosantigosdealgummodoensinaramaosnovosmembroscomoagir.Osfenômenossociaisqueenvolvemessa segunda situação tendema atrairmaior interesse nadiscussãodacultura.

Assim,oqueparecefundamentalnadistinçãoentreosoutrosfenômenossociaiseaspráticasculturaiséa propaga-ção de comportamentos aprendidos similares por sucessivos indivíduos. A expressão “propagação” indica que certoindivíduoAafetaumindivíduoBdemodoaproduziremBumcomportamentosimilaraoseu,ouaodeumterceiroindivíduoC.O indivíduoB, por sua vez, posteriormenteafeta outros indivíduos demodo a propagar omesmocomportamento,eassimpordiante.Os“comportamentos” referidosnadefiniçãosão sempre aprendidos,epoderiam

6 Emdiscussõessobreaevoluçãobiológicadasespécies,otermo“ge-ração”éusadoemumsentidopróximoaoseguinte:“espaçodetempocorrespondente ao intervalo que separa cadaumdos graus de umafiliaçãoequeéavaliadoemcercade25anos”(Houaiss,Villar&Franco,2001,p.1446).Nadiscussãodepráticasculturais,otermotambéméocasionalmenteutilizado.Paraevitarconfusõescomoprimeirouso,porém,não utilizamos essetermoaotratardepráticasculturais.

7 Otermo“transmissão”podeimplicarocasionalmenteempropagaçãopormeiodeseleçãofilogenética.Comonossofoconãoénesseníveldeseleção,evitamos utilizaressetermoaotratardepráticasculturais.

Page 7: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

189Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

Fenômenos Sociais

ser,emprincípio,respondentes condicionados ou envolver componentes respondentes condicionados; no entanto, as práticasculturaisdemaiorinteresseparecemsempreenvol-vercomportamentooperante.

Otermo“similares”,porsuavez,ressaltaqueasaçõesenvolvidasdevemparticipardeumamesmaclasse,definidaemtermosfuncionais.Essasimilaridadenãoexcluiapossi-bilidaderessaltadaporGlenn(2003):

Podem ocorrer variações nas consequências (assim como va-riações nos próprios atos) à medida que as contingências com-portamentais são replicadas [ou propagadas] em sucessivos repertórios [comportamentais individuais]. De fato, variações em qualquer um ou em todos os elementos das contingências comportamentais replicantes contribuiriam bastante para a variação necessária à rápida evolução algumas vezes vista nas culturas. (p.232)

Aexpressão “sucessivos indivíduos”, porfim, ressaltaa necessidade de haver substituição dos participantes daprática.Os participantes não precisammanter relação dedescendênciaentresi,istoé,nãoprecisamserde“gerações”distintasno sentidobiológicodo termo.Apropagaçãodaprática,alémdisso,nãoprecisasermantidaporumperíododetempoespecialmentelongo.Muitasaçõespropagadasentreindivíduosdeumamesmafaixaetáriaemantidasapenasporumcurtoperíododetempopodemserconsideradaspropria-mentepráticasculturais(e.g.,uma“modajovemdeverão”).

RecorrendoaGlenn(1991,2003),então,podemosenu-merar como características definidoras do fenômenoquedenominamospráticacultural:

1) Englobaprincipalmentecomportamentosoperan-tes,sensíveisàssuasconsequências–mastambémpodeenvolverrelaçõesrespondentescondicionadas;

2) Envolvecomportamentosfuncionalmente similares de mais de uma pessoa;

3) Oscomportamentossimilarespropagam-se através de (são emitidos por) sucessivos indivíduos por meio de processos de aprendizagem;

4) Jáqueapropagaçãodecertoscomportamentosne-cessariamenteimplicaoentrelaçamentodecontin-gências,oscomportamentosenvolvidossãosociais ouenglobampelomenoscomponentessociais.

Essadefiniçãodepráticaculturalestáarticuladaaumaabordagemdosfenômenossociaissemelhanteàqueladescritaaquiparacomportamentosocial,porquecolocasobfocodeanáliseoscomportamentosdosmembrosparticipantes,masagoraemoutropatamar,umavezque,pordefinição,práticasculturaisenvolvemcomportamentosdeváriosindivíduoseoprocessodepropagaçãodessescomportamentos.

As características definidoras de umaprática culturalpermitemainclusãosobesserótulodefenômenosdediver-sosníveisdecomplexidade.Defato,“comportamentonãosocial”,comportamentosocialeproduçõesagregadaspodemserpropagadosatravésdesucessivosindivíduoseconstitu-írem-se,portanto,empráticasculturais.Acomplexidadedeumapráticaculturalseriadeterminada,assim,pelomenosemparte,pelosfenômenoscomportamentaisqueacompõem.

Umexemplo“simples”,muitasvezescitado,equeapre-sentatodasessascaracterísticaspodeservirparadiscutiressesdiferentesníveisdecomplexidade.Pesquisadoresjaponesesobservaramdurante anosumgrupodemacacos (Macaca fuscata) emuma ilha (Itani,Miyadi, Itani&Nishimura,conforme citados porHarris, 1980;Chauvin&Berman,2004).Ospesquisadoresatraíamosmacacosparaacostacombatatas-doces para facilitar a observação.Em certomomento,umajovemmacacalavouasbatatas-docenaáguaantesdecomê-las,aoinvésdelimpá-lasnoprópriopelo,e,então,passouafazê-losempre.Apósnoveanos,entre80%e90%dosmacacosdogrupoestavamlavandoasbatatas-doce.Pelanossadefinição,esseseriaumexemplodeseleçãodeumapráticacultural.Trêscaracterísticas,entretanto,nospermitemdescrevê-locomoumapráticacultural“simples”:(1)ocomportamentopropagadoeraemitidoindividualmentejáquesóentravaemcontatocomoambientefísico;(2)apráticanãogeravaumprodutoagregado;e(3)apropagaçãodapráticaprovavelmenteenvolveuummodoelementardeimitação – umprocesso comportamental simples quandocomparado,porexemplo,comainstruçãoverbal.

Cadaumadessas características, por suavez, permitevislumbrarcomplexidadesqueoutraspráticasculturaispo-demapresentar.Aprimeiradelaséquemuitasvezesoqueépropagadocomoumapráticaculturalnãoéumúnicocom-portamentoquepodeserrealizadoindividualmente(comoolavarbatatas-doce),masumconjuntoentrelaçado de com-portamentosde mais de um indivíduo. Nesses casos, o que épropagadosãosequênciasoucombinaçõesespecíficasdecomportamentossociaisdediferentespessoasenãosóumaclassederespostassingulareindependente.Taisconjuntosdecontingênciasentrelaçadaspodemenvolvertantoefeitosrelevantessobreoambientefísicoquantosobreoutraspesso-asdogrupo.Emsegundolugar,práticasculturaistambémsetornammaiscomplexasquandogeramumprodutoagregado.Porfim,apropagaçãodepráticasculturaisnãoserestringeàimitação;outrosprocessosmaiscomplexospodemestarenvolvidos;nocasohumano,porexemplo,comportamentoverbal(especialmenteinstruções)pareceestarquasesempreenvolvido.

Essa caracterizaçãodoque seriampráticas culturais ébastanteampla,englobandoboapartedasaçõeshumanas.Dadoquequasetodonossorepertórioéconstruídoemam-bientessociaisculturalmentediferenciados,prever,interpre-tareinterferirsobrepráticasculturaiséumdesafioteóricoepráticodamaiorrelevância.Aconsecuçãodessesobjetivos,entretanto,defronta-secomumaquestãoaindanãoresolvida:comolidarcomacomplexidadecaracterísticadasculturas.

A complexidade das culturas: diálogos com as Ciências Sociais

As práticas culturaismais relevantes atualmente sãoextremamentecomplexaseencontram-sefortementerela-cionadasadiversasoutraspráticasquecompõemnossasso-ciedades.Apesardosmecanismosbásicosenvolvidosnasuaseleçãopoderemfuncionarexatamentedamesmaformaquecompráticasmaissimples,aanáliseeintervençãosobretaispráticasrequermaneirasdelidarcomsuacomplexidadeeseu

Page 8: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

190 Psic.:Teor.ePesq.,Brasília,Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

A. A. S. Sampaio & M. A. P. A. Andery

enredamentocomdiversasoutraspráticas.Istoé,conceitosvoltadosparaomanejodeconjuntos complexos de práticas culturais inter-relacionadas (culturas)podemsernecessáriosparaqueperguntasrelevantespossamserrespondidas:Terãotodasaspráticasdeumaculturaamesmaimportânciaparaasobrevivênciadasociedade?Comoasdiversaspráticasdeumaculturaserelacionam?Comoumaculturasurgeemuda,ouseja,comosuaspráticassãoselecionadaseevoluem?Aevoluçãoculturalseriaguiadamaisfortementeporalgumconjuntodepráticasculturais?

A discussão sobre a complexidade e a evolução dasculturastemumalongahistórianasCiênciasSociais,comainvestigaçãodaspráticasculturaiscaracterísticasdepovosespecíficoseoacúmulodegrandequantidadededadossobresociedadescomplexas–oquepodeserumagrandevantagemaoabordaressaquestão.Apesardagrandebaseempírica,contudo,diversasabordagensteóricasincompatíveisconvi-vemnasCiênciasSociais.AlgumasseaproximammaisdospressupostosdaAnálisedoComportamentodoqueoutras.Paradiscutiraquestãodacomplexidadeedaevoluçãodasculturas,umaabordagemantropológicaemparticular temsidoapontadacomoprofícua:oMaterialismoCulturaldoantropólogoMarvinHarris (Catania, 1984;Glenn, 1988;Guerin,1992;Harris,2007;Lloyd,1985;Malagodi,1986;Malott,1988;Vargas,1985).

DoisaspectosdaobradeHarrissãoespecialmenterele-vantesparaaspresentesquestões:suaênfasenaanálisedeconjuntosintegradosdepráticasculturaiseseuprincípio do determinismo infraestrutural. Oprimeiroaspectoreafirmaa relevânciadaobradeste autorpara adiscussão sobre acomplexidadedasculturas.Quantoaoprincípiododeter-minismoinfraestrutural,énecessáriodescreverbrevementeoutrafacetadesuaobraantesdeapresentá-lo.

AspropostasdeHarris(1979)paradescreveraculturaeaevoluçãoculturalpartemdeumadistinçãodoqueseriam“doistiposradicalmentediferentesdefenômenos”(p.31):eventos“mentais”eeventos“comportamentais”.Harrisaindadistingueduasperspectivasmetodológicas,apartirdasquaisoseventosquesãoimportantesdeseremestudadosquandosetomaaculturacomoobjetodeestudopoderiamserabor-dados:aperspectivadosprópriosparticipantes(emic)eadeoutrosobservadores,porexemplo,deantropólogos(etic)8.

Éapartirdessasdistinções,masenfatizandoarelevânciados eventos “comportamentais” e da perspectiva de ob-servadoresexternos,queHarris(1979)discuteaevoluçãocultural e o princípio do determinismo infraestrutural. Tal princípioenvolveasuposiçãodequeaspráticasculturaisde

8 Glenn(1988),aodiscutiressaclassificação,apontouqueelanãoseadequaàperspectivaanalítico-comportamentalepropôsuma“tradução”dostermosapresentadosporHarris.Paraessaautora,osfenômenos“comportamentais”descritosporHarrisenvolveriamcomportamentoaberto não-verbal, enquanto os fenômenos “mentais” englobariamcomportamentoverbal(abertoouencoberto)eoutroscomportamentosencobertos.Aperspectivaetic (deoutrosobservadores)deanálise,porsuavez,envolveriaabuscapeloestabelecimentoderegraspassíveisdevalidaçãoempíricaindependentementedacomunidadeverbalemquesurgiram,enquantoaperspectivaemic (dosprópriosparticipantes)envolveriaabuscapeloestabelecimentoderegraspropagadasdentrodeumacomunidadeverbalparticularequepodemounãoserempiri-camentetestáveis.

umgrupoou,melhor,deumacultura/sociedade9podemserdivididassignificativamenteemtrêsgrandes“componentesousetores”queconfiguramaestruturauniversaldasculturas:infraestrutura,estruturaesuperestrutura(Harris,1979).Essaestruturatripartitedasculturassebasearia“nasconstantesbiológicasepsicológicasdanaturezahumanaenadistinçãoentrepensamentoecomportamentoeentreasperspectivasemic e etic”(Harris,1979,p.51).

ParaHarris(1979),todasassociedadesprecisamgarantirseusrequisitosmínimosdesobrevivênciapormeiodecertosmodos de produção:tecnologiasepráticasempregadasnaproduçãodecomidaedeoutrasformasdeenergia.Todasassociedadestambémbuscamevitaraumentosoureduçõesdestrutivasnotamanhodesuapopulação,pormeiodemodos de reprodução:tecnologiasepráticasempregadasparaessefim,comopráticasdecasamento,cuidadodecrianças,con-tracepçãoeaborto.Osmodosdeproduçãoedereproduçãodecadasociedadeformamainfraestrutura da cultura.

Todasassociedades,alémdisso,precisammanterrela-çõesordenadasentreseusgruposconstituintesecomoutrassociedades(sobretudoemtermosdadistribuiçãodotrabalhoedosprodutosdotrabalhoentreindivíduosegrupos)pormeio de economias domésticas e políticas: por exemplo,estruturafamiliaredeclasse,divisãodotrabalho,papéisdegêneroeeducaçãodomésticaepolítica.Essesconjuntosdepráticasculturaisconstituemaestrutura da cultura.

Porfim,Harris(1979)argumentaqueemtodasassocie-dadesháatividadesestéticas,esportivas,religiosaseintelec-tuais.Todasessasatividadesemaisquaisquerperspectivasemicefenômenos“mentais”(deacordocomaclassificaçãodeHarris),mesmoaquelesassociadosà infraestruturaeàestrutura, constituem a superestrutura da cultura (incluindo práticastaiscomo:noçõesdosensocomum,estruturasdeparentesco,ideologias,símbolos,mitos,padrõesestéticos,religiõesetabus).

Oprincípio dodeterminismo infraestrutural descreve-ria as relações entre esses três componentesdas culturas.Segundoesseprincípio,ainfraestruturadeterminaprobabi-listicamenteaestruturaque,porsuavez,determinaprobabi-listicamenteasuperestrutura.Odeterminismoinfraestruturaléformuladocomoumaafirmaçãodaprioridadedasrelaçõesasereminvestigadasenãocomoumpressupostoirrefutável:

A infraestrutura, em outras palavras, é a principal interface entre cultura e natureza, a fronteira através da qual as limita-ções ecológicas, químicas e físicas às quais a ação humana está submetida interagem com as principais práticas socioculturais que almejam superar ou modificar aquelas limitações. A ordem das prioridades materialistas culturais da infraestrutura para os outros componentes comportamentais e finalmente para a superestrutura mental reflete a distância cada vez maior desses componentes da interface cultura/natureza. Como o objetivo do materialismo cultural, de acordo com a orientação da ci-ência no geral, é a descoberta da maior quantidade possível

9 Harris(1980)definesociedadecomo“umgrupodepessoasquecom-partilhamumhabitatcomumedependemumasdasoutrasparasuasobrevivênciaebemestar”(p.106)edefineculturacomo“umestilodevidasocialmenteadquiridodeumgrupodepessoasqueincluimo-dospadronizados,repetitivos,depensar,sentireagir”(p.106).Nestetrabalhotomaremostaistermoscomoequivalentes.

Page 9: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

191Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

Fenômenos Sociais

de ordem no seu campo de investigação, a prioridade para a construção teórica assenta-se logicamente naqueles setores sob as maiores restrições diretas dos dados [givens] da natureza. (Harris, 1979, p. 57)

Nessa perspectiva, umaprática estrutural comoo no-madismodosesquimós,porexemplo,deveriaseranalisadaremetendo-a,emprimeirolugar,asuasrelaçõescompráticasinfraestruturaiscomoasubsistênciabaseadaemumafaunaefloraselvagensdispersas.

ApesardeváriosanalistasdocomportamentoafirmaremaproximaçõesentreoMaterialismoCulturaleoBehavioris-moRadicaledoprincípiododeterminismoinfraestruturalsugerirproblemasdepesquisainteressantes,odiálogoentreessesdoiscamposnãoseconsolidoueinfelizmenteaindanãogerouumprogramadepesquisa10.OqueaobradeHarris(edeoutroscientistassociaiscomoDiamond,1997/2001,2005)destaca,contudo,éanecessidadedeumaanálisedepráticasculturaisedaculturatratartambémdasrelaçõesentreconjuntosdepráticasculturais.Ignoraresseníveldeanálisepode comprometer qualquer compreensãoou intervençãovoltada para comportamentos propagados entremembrosdeumgrupo.

O Estudo dos Três Fenômenos Sociais

Adistinçãoaquisugeridaentrecomportamentosocial,produçãoagregadaepráticaculturaldeveriapromoverumaavaliaçãomaisprecisaesistemáticadecomoosfenômenossociaisvêmsendopesquisadosna tradiçãodaAnálisedoComportamentoeestimularsuainvestigação.

Apesquisa,tantobásicaquantoaplicada,sobreocom-portamentosocialealgunstiposdeproduçõesagregadasjátemtradiçãonaAnálisedoComportamento(Guerin,1994;Schmitt,1998).Osestudossobrepráticasculturais,porém,aindasãoescassosenãointegrados.Issotalvezocorrapor-queaindafaltamdistinçõesconceituaiscomoaquelasquetentamosproporouqueautorescomoGlenntambémvêmpropondo.Comodestacamos,ademais,aspropostasdeHarrisedeoutroscientistassociaistambémpoderiamserexploradasnosentidodedelassederivarprogramasdepesquisasobreaseleçãoeevoluçãodasculturasedepráticasculturais.

Nessesentido,aviabilidadeeautilidadedaexperimenta-çãoemlaboratórionãodevemsermenosprezadas(Baum,Ri-cherson,Efferson&Paciotti,2004;Martone,2008;Pereira,2008;Vichi,2004,2005).Aexperimentaçãoemlaboratórioéumaalternativaenriquecedoraparaumaáreanaqualmuitostrabalhosenvolvembasicamenteainterpretaçãoarespeitodepráticasculturaisespecíficasouteorizaçõessemembasa-mentoempíricosistemático(videadiscussãodeOtero,2002,sobreaproduçãodoperiódicoBehavior and Social Issues).

Algunsanalistasdocomportamento,porém,têmressal-tado a possibilidadedas práticas culturais também seremabordadasempiricamentecomoutrosmétodos,entreelesoschamadosmétodos quase-experimentais, comparativos ou

10 Recentemente,entretanto,Ward(2006)conduziuumexperimentodelaboratóriobuscandoanalisaroprincípiododeterminismoinfraestru-turaldeMarvinHarris.

experimentos naturais (Andery,Micheletto&Sério,2005;Kunkel&Lamal,1991;Lamal,1991;Mattaini,1996;Pier-ce,1991)11. Em um momento no qual ainda sabemos muito poucosobretaisfenômenos,ediantedodifícildesafiodeproduzir suas complexas características em laboratório, aexploraçãodemétodosalternativospodeserespecialmenteenriquecedora–inclusivecomomeiodelevantarquestõesaseremanalisadasexperimentalmente.Essesmétodostam-bémmerecemserdiscutidosesuasvantagenselimitaçõesapreciadasadequadamente.

Referências

Andery,M.A.P.A.(1990).Uma tentativa de (re)construção do mundo: a ciência do comportamento como ferramenta de intervenção.TesedeDoutorado,PontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo,SãoPaulo.

Andery,M.A.P.A.,Micheletto,N.,&Sério,T.M.deA.P.(2005).Aanálisedefenômenossociais:esboçandoumapropostaparaaidentificaçãodecontingênciasentrelaçadasemetacontingências. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 1, 149-165.

Andery,M.A. P.A., & Sério, T.M. deA. P. (2006).Comportamento social.EmH. J.Guilhardi&N.C. deAguirre(Orgs.),Sobre comportamento e cognição – Vol. 18(pp.124-132).SantoAndré:ESETEC.

Baum,W.M.,Richerson,P.J.,Efferson,C.M.,&Paciotti,B.M.(2004).Culturalevolutioninlaboratorymicrosocietiesincludingtraditionsofrulegivingandrulefollowing.Evolution and Human Behavior, 25, 305-326.

Catania,A.C. (1984).Editorial:Conceivablebook reviews. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 42, 165-169.

Chauvin, C.,&Berman, C.M. (2004). Intergenerationaltransmissionofbehavior.EmB.Thierry,M.Singh&W.Kaumanns(Eds.),Macaque societies: A model for the study of social organization (pp. 209-230).Cambridge:CambridgeUniversityPress.

Diamond,J.M.(2001).Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas(S.S.Costa,C.Cortes,P.Soares,Trads.).RiodeJaneiro:Record.(Trabalhooriginalpublicadoem1997)

Diamond,J.M.(2005).Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso(A.Raposo,Trad.).RiodeJaneiro:Record.(Trabalhooriginalpublicadoem2005)

Glenn, S. S. (1986).Metacontingencies inWaldenTwo.Behavior Analysis and Social Action, 5, 2-8.

Glenn, S. S. (1988).Contingencies andmetacontingencies:Towardasynthesisofbehavioranalysisandculturalmaterialism.The Behavior Analyst, 11, 161-179.

Glenn, S. S. (1991).Contingencies andmetacontingencies:Relations amongbehavioral, cultural, and biological evolution.EmP.A.Lamal(Ed.),Behavior analysis of societies and cultural practices(pp.39-73).NewYork:Hemisphere.

Glenn,S.S.(2003).Operantcontingenciesandtheoriginsofcultures.EmK.A.Lattal&P.N.Chase(Eds.),Behavior theory and philosophy (pp. 223-242). NewYork:KlewerAcademic/Plenum.

11 Aexperimentaçãonaturalpodesertratadacomoumtipodedelinea-mentodepesquisa.Consideramosmaisadequado,entretanto,tratá-lacomo um método distinto.

Page 10: Comportamento Social, Produção Agregada e Prática ... · a fatos ou eventos de interesse científico;e o termo “social” adjetiva algo concernente à sociedade, à comunidade

192 Psic.:Teor.ePesq.,Brasília,Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.183-192

A. A. S. Sampaio & M. A. P. A. Andery

Glenn,S.S. (2004). Individualbehavior, culture, andsocialchange.The Behavior Analyst, 27, 133-151.

Glenn,S.S.,&Malott,M.E.(2004).Complexityandselection:Implicationsfororganizationalchange.Behavior and Social Issues, 13, 89-106.

Guerin,B.(1992).SocialbehaviorasdiscriminativestimulusandconsequenceinSocialAnthropology.The Behavior Analyst, 15, 31-41.

Guerin,B.(1994).Analyzing social behavior: Behavior Analysis and the Social Sciences. Reno:ContextPress.

Guerin,B.(2001).Individualsassocialrelationships:18waysthatactingalonecanbethoughtofassocialbehavior.Review of General Psychology, 5, 406-428.

Harris,M. (1979).Cultural materialism: The struggle for a science of culture. NewYork:Vintage.

Harris,M.(1980).Culture, people, nature: An introduction to general anthropology (3rded.).NewYork:Harper&Row.

Harris,M.(2007).Culturalmaterialismandbehavioranalysis:Commonproblemsandradicalsolutions.The Behavior Analyst, 30, 37-47.

Houaiss,A.,Villar,M.deS.,&Franco,F.M.deM.(2001).Dicionário Houaiss da língua portuguesa.RiodeJaneiro:Objetiva.

Keller, F. S.,& Schoenfeld,W.N. (1950). Principles of Psychology.NewYork:Appleton-Century-Crofts.

Kunkel,J.H.,&Lamal,P.A.(1991).Theroadahead.EmP.A.Lamal(Ed.),Behavioral analysis of societies and cultural practices (pp.243-247).NewYork:Hemisphere.

Lamal,P.A.(1991).Behavioralanalysisofsocietiesandculturalpractices.EmP.A.Lamal(Ed.),Behavioral analysis of societies and cultural practices(pp.3-12).NewYork:Hemisphere.

Lloyd,K.E. (1985).Behavioral anthropology:A reviewofMarvinHarris’“CulturalMaterialism”.Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 43, 279-287.

Malagodi,E.F.(1986).Onradicalizingbehaviorism:Acallforculturalanalysis.The Behavior Analyst, 9, 1-17.

Malott,M.E.,&Glenn,S.S.(2006).Targetsofinterventioninculturalandbehavioralchange.Behavior and Social Issues, 15, 31-56.

Malott,R.W.(1988).Rule-governedbehaviorandbehavioralanthropology.The Behavior Analyst, 11, 181-203.

Martone,R.C. (2008).Efeitos de consequências externas e de mudanças na constituição do grupo sobre a distribuição dos ganhos em uma metacontingência experimental. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília.

Mattaini,M.A. (1996).Public issues, humanbehavior, andculturaldesign.EmM.A.Mattaini&B.A.Thyer(Eds.),Finding solutions to social problems: Behavioral strategies for change (pp.13-40).Washington,D.C.:APA.

Otero, M. R. (2002).O compromisso do analista do comportamento com as questões sociais: uma análise a partir de publicações.Dissertação deMestrado, PontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo,SãoPaulo.

Pereira, J.M. C. (2008). Investigação experimental de metacontingências: separação do produto agregado e da consequência individual.Dissertação deMestrado, PontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo,SãoPaulo.

Pierce,W.D.(1991).Cultureandsociety:Theroleofbehavioralanalysis.EmP.A.Lamal(Ed.),Behavioral analysis of societies and cultural practices(pp.13-37).NewYork:Hemisphere.

Schmitt,D.R.(1998).Socialbehavior.EmK.A.Lattal&M.Perone(Eds.),Handbook of research methods in human operant behavior (pp.471-505).NewYork:PlenumPress.

Skinner,B.F.(1953).Science and human behavior.NewYork:Free Press.

Skinner,B.F.(1978).Walden II: uma sociedade do futuro (2ª ed.)(R.Moreno&N.R.Saraiva,Trads.).SãoPaulo:EPU.(Trabalhooriginalpublicadoem1948)

Skinner,B. F. (1981). Selection by consequences.Science, 213, 501-504.

Skinner,B.F.(1992).Verbal behavior. Acton:Copley.(Trabalhooriginalpublicadoem1957)

Vargas, E.A. (1985).Cultural contingencies:A review ofMarvinHarris’“CannibalsandKings”.Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 43, 419-428.

Vichi,C.(2004).Igualdade ou desigualdade em pequeno grupo: um análogo experimental de manipulação de uma prática cultural. DissertaçãodeMestrado,PontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo,SãoPaulo.

Vichi,C. (2005). Igualdade ou desigualdade:manipulandoum análogo experimental de prática cultural em laboratório.Em J. C.Todorov, R. C.Martone&M.B.Moreira (Orgs.),Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade(pp.86-100).SantoAndré:ESETec.

Ward,T.A. (2006).An experimental analysis of Harris’s Cultural Materialism: The effects of various modes of production on metacontingencies.DissertaçãodeMestrado,StephenF.AustinStateUniversity,Nacogdoches,Texas.

Recebido em 29.10.08Primeira decisão editorial em 17.03.09

Versão final em 16.04.09Aceito em 03.06.09 n