competência: um conceito indispensável

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Competência: um conceito indispensável Flavio Farah* Histórico O movimento em favor do uso das competências começou em 1973, com a publicação do artigo Testing for competence rather than for “intelligence” (Testar competência em vez de “inteligên- cia”) pelo psicólogo norte-americano David McClelland. 1 Nesse trabalho, McClelland condenou o uso dos testes de aptidão e de inteligência na avaliação de estudantes e na seleção de candidatos a emprego sob o argumento de que esses testes não conseguiam prever o sucesso em situações de vi- da fora da escola e, em particular, o sucesso profissional, por não haver correlação entre o resultado alcançado nesses testes e o desempenho no trabalho. McClelland defendeu a substituição dos testes de aptidão e de inteligência por testes de competên- cia, alegando que estas seriam medidas mais adequadas para prever o desempenho no trabalho do que os testes tradicionais. O autor não definiu expressamente o termo competência, chamando-o apenas de “símbolo para uma abordagem alternativa aos tradicionais testes de inteligência”. 2 Ele forneceu, porém, algumas indicações de como deveriam ser os novos testes. McClelland sustentou que os testes de competência deveriam ser testes de desempenho tendo como padrão de referência amostras de comportamento no trabalho (criterion sampling) de profissionais bons e ruins. Ele citou alguns exemplos: se desejarmos saber se uma pessoa é capaz de dirigir um automóvel, deveremos dar-lhe um teste de direção, não um teste de inteligência; se quisermos saber quem será um bom policial, deveremos descobrir o que um policial faz, elaborar uma relação de suas atividades e escolher uma amostra dessas atividades como base para testar candidatos; 3 se de- sejarmos identificar quem são os bons professores dentre vários candidatos à docência, temos, pri- meiro, que filmar várias aulas e identificar quais são as diferenças de comportamento entre os pro- fessores bons e os ruins. 4 McClelland também defendeu que os resultados dos testes de competência deveriam refletir as mu- danças ocorridas na capacidade dos indivíduos como resultado do treinamento ou da experiência. 5 Ele propôs ainda que os testes deveriam avaliar competências mais ou menos genéricas, isto é, com- petências que pudessem ser usadas em várias situações similares, sob a justificativa de que, se fos- sem escolhidas competências exclusivas de cada atividade típica de um cargo, correr-se-ia o risco de ter que elaborar dezenas de testes para cada ocupação profissional. 6 Uma não menos importante recomendação de McClelland foi que deveriam ser consideradas não apenas competências técnicas mas também as comportamentais. Ele ilustrou essa recomendação com o exemplo do frentista de posto de combustível. Pode-se medir sua competência em desatarraxar a tampa do tanque e colocar a gasolina, mas o que influirá na quantidade de combustível que ele irá vender não serão essas capa- cidades técnicas, mas sim, o fato de ele se mostrar simpático e limpar o pára-brisa do carro do clien- te, competência que se pode chamar de Orientação para o Cliente ou Foco no Cliente. 7

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Page 1: Competência: um conceito indispensável

Competência: um conceito indispensável Flavio Farah*

Histórico

O movimento em favor do uso das competências começou em 1973, com a publicação do artigo

Testing for competence rather than for “intelligence” (Testar competência em vez de “inteligên-

cia”) pelo psicólogo norte-americano David McClelland.1 Nesse trabalho, McClelland condenou o

uso dos testes de aptidão e de inteligência na avaliação de estudantes e na seleção de candidatos a

emprego sob o argumento de que esses testes não conseguiam prever o sucesso em situações de vi-

da fora da escola e, em particular, o sucesso profissional, por não haver correlação entre o resultado

alcançado nesses testes e o desempenho no trabalho.

McClelland defendeu a substituição dos testes de aptidão e de inteligência por testes de competên-

cia, alegando que estas seriam medidas mais adequadas para prever o desempenho no trabalho do

que os testes tradicionais. O autor não definiu expressamente o termo competência, chamando-o

apenas de “símbolo para uma abordagem alternativa aos tradicionais testes de inteligência”.2 Ele

forneceu, porém, algumas indicações de como deveriam ser os novos testes.

McClelland sustentou que os testes de competência deveriam ser testes de desempenho tendo como

padrão de referência amostras de comportamento no trabalho (criterion sampling) de profissionais

bons e ruins. Ele citou alguns exemplos: se desejarmos saber se uma pessoa é capaz de dirigir um

automóvel, deveremos dar-lhe um teste de direção, não um teste de inteligência; se quisermos saber

quem será um bom policial, deveremos descobrir o que um policial faz, elaborar uma relação de

suas atividades e escolher uma amostra dessas atividades como base para testar candidatos;3 se de-

sejarmos identificar quem são os bons professores dentre vários candidatos à docência, temos, pri-

meiro, que filmar várias aulas e identificar quais são as diferenças de comportamento entre os pro-

fessores bons e os ruins.4

McClelland também defendeu que os resultados dos testes de competência deveriam refletir as mu-

danças ocorridas na capacidade dos indivíduos como resultado do treinamento ou da experiência.5

Ele propôs ainda que os testes deveriam avaliar competências mais ou menos genéricas, isto é, com-

petências que pudessem ser usadas em várias situações similares, sob a justificativa de que, se fos-

sem escolhidas competências exclusivas de cada atividade típica de um cargo, correr-se-ia o risco

de ter que elaborar dezenas de testes para cada ocupação profissional.6 Uma não menos importante

recomendação de McClelland foi que deveriam ser consideradas não apenas competências técnicas

mas também as comportamentais. Ele ilustrou essa recomendação com o exemplo do frentista de

posto de combustível. Pode-se medir sua competência em desatarraxar a tampa do tanque e colocar

a gasolina, mas o que influirá na quantidade de combustível que ele irá vender não serão essas capa-

cidades técnicas, mas sim, o fato de ele se mostrar simpático e limpar o pára-brisa do carro do clien-

te, competência que se pode chamar de Orientação para o Cliente ou Foco no Cliente.7

Page 2: Competência: um conceito indispensável

De todo o exposto, concluímos que, para McClelland:

Competência é um conceito cuja principal finalidade é embasar a construção de testes capazes

de prever o desempenho futuro. Em outras palavras, o teste de competências é uma ferramenta

de seleção de pessoal;

Os testes não devem refletir caracteres imutáveis do indivíduo, mas sim, características que pos-

sam ser modificadas pelo treinamento ou pela experiência. Isso quer dizer que as competências

também podem servir de base para avaliações de desempenho no trabalho;

As competências devem ser procuradas nos ocupantes dos cargos que se está examinando, não

em descrições de cargos;

Os profissionais que possuem desempenho superior exibem comportamentos diferentes dos que

apresentam desempenho mediano ou inferior;

Se um indivíduo apresenta um desempenho superior, então ele é competente. Em outras pala-

vras, competência equivale a desempenho superior que, por sua vez, equivale a comportamento

diferenciado;

O pesquisador deve observar os ocupantes do cargo em estudo para identificar os comportamen-

tos que diferenciam os profissionais de desempenho superior dos outros;8

O pesquisador deve procurar identificar comportamentos genéricos, isto é, as condutas comuns a

várias ocupações profissionais.

Deve-se ressaltar que, embora McClelland defenda o uso de competências genéricas não vinculadas

a um posto de trabalho específico, todos os exemplos por ele oferecidos exprimem competências

associadas a ocupações profissionais determinadas.

Trabalhos posteriores

Após o trabalho pioneiro de McClelland, vários estudiosos, pesquisadores e consultores escreveram

sobre o assunto, produzindo uma enorme variedade de definições de competência. Vamos examinar

as mais famosas, bem como o debate que produziram.

Boyatzis, por exemplo, definiu competência como os atributos subjacentes de uma pessoa que con-

duzem a um desempenho eficaz e/ou superior em uma ocupação profissional. Nesses atributos in-

cluem-se características como motivos, traços de personalidade, habilidades, auto-imagem e conhe-

cimentos. Para o autor, competências são características que apresentam uma relação causal com o

desempenho superior no trabalho, ou seja, devem existir evidências de que a posse daquelas carac-

terísticas conduz ao desempenho superior. Em outras palavras, as competências não são característi-

cas que apenas teoricamente ou supostamente levam ao desempenho superior, mas sim, característi-

cas que comprovadamente, isto é, empiricamente, conduzem a esse desempenho.9

Page 3: Competência: um conceito indispensável

Spencer e Spencer seguem a linha de Boyatzis, definindo competência como uma característica sub-

jacente que apresenta uma relação causal com o desempenho superior em um cargo ou situação. Os

autores incluem no conceito atributos como motivos, traços de personalidade, auto-conceito, conhe-

cimentos e habilidades.10

Spencer e Spencer apresentam duas formas de se visualizar as competências: como um iceberg e

como um conjunto de círculos concêntricos. Apenas os conhecimentos e as habilidades são visíveis,

por constituirem características relativamente superficiais ou externas das pessoas. Por outro lado,

atributos como auto-conhecimento, traços de personalidade e motivos são menos visíveis, porque

mais profundos ou situados no círculo mais íntimo do modo de ser do indivíduo. Spencer e Spencer

afirmam que os conhecimentos e as habilidades são relativamente fáceis de desenvolver, razão pela

qual a maneira mais econômica de assegurar que os empregados possuam essas características é por

meio do treinamento. Já os motivos e a personalidade são difíceis de identificar e de desenvolver, o

que leva Spencer e Spencer a recomendarem que tais atributos sejam procurados nos indivíduos du-

rante o processo seletivo.11

Lawler critica a definição de competência oferecida por Spencer e Spencer perguntando: Por que

tentar recompensar alguém por possuir algo que está “sob a superfície” e que, portanto, é difícil de

avaliar e de relacionar ao desempenho no trabalho? Não seria melhor trabalhar com os conhecimen-

tos e as habilidades, que são mais fáceis de medir e estão diretamente relacionados à eficácia profis-

sional? 12

Do lado contrário, defendendo a conceituação ampla de competências de Boyatzis, Hofrichter e

Spencer argumentam que conhecimentos e habilidades são competências básicas que, como tais,

produzem um desempenho apenas mediano; não constituem, portanto, as características que levam

ao desempenho notável. Conhecimentos e habilidades medem o que as pessoas podem fazer, não o

que elas irão fazer (grifo original). São as características profundas da personalidade que fazem as

pessoas exibirem os comportamentos de que são capazes.13

Ledford questiona a excessiva amplitude do conceito de Boyatzis, que não permite distinguir entre

o que é competência e o que não é. O autor apresenta sua própria definição de competência como as

“características demonstráveis da pessoa, incluindo conhecimentos, habilidades e comportamentos,

que possibilitam o desempenho”. Ledford ressalta três elementos em seu conceito. Primeiro, com-

petência diz respeito à pessoa, ou seja, é independente de um cargo ou posição. Assim, um empre-

gado pode levar suas competências de um cargo para outro. Segundo, as competências devem ser

passíveis de comprovação para que possam servir como base de remuneração. Terceiro, as compe-

tências indicam o potencial de desempenho.14

Parry também critica a inclusão de valores, estilos e traços de personalidade no conceito de compe-

tência, argumentando tratar-se de caracteres inatos ou cristalizados no indivíduo muito antes da ida-

de adulta, e que, por esse motivo, não podem ser desenvolvidos por meio de treinamento. O autor

também lembra que muitos especialistas em recursos humanos acreditam que programas de treina-

mento, avaliações de desempenho e gestão da remuneração devem visar o desempenho, não a per-

sonalidade.15

Page 4: Competência: um conceito indispensável

Para Parry, competência é “um agrupamento de conhecimentos, habilidades e atitudes inter-relacio-

nados que afeta a maior parte do cargo, que se relaciona com o desempenho nesse cargo, que pode

ser avaliado em relação a padrões de referência pré-estabelecidos, e que pode ser melhorado por

meio de treinamento e desenvolvimento”.16

De acordo com McFall, competência traduz a idéia de uma “capacidade aprendida, adquirida atra-

vés de treinamento ou experiência”. O autor complementa sua definição afirmando que competên-

cia “é um termo avaliativo, refletindo o julgamento de alguém, com base em algum critério, de que

o desempenho de uma pessoa em uma tarefa é adequado”. McFall explica que esse conceito tem vá-

rias implicações, entre as quais, que competência não é um traço de personalidade, mas representa

uma avaliação de desempenho, e que avaliações de competência são sempre realizadas em uma si-

tuação tarefa/contexto específica, cuja variação afeta o desempenho da pessoa avaliada.17

Von Krogh e Roos, referindo-se ao dicionário Webster, argumentam que a definição de competên-

cia ali contida pressupõe um conhecimento específico e uma tarefa determinada. Os autores obser-

vam que o termo competência deriva do latim competentia, que significa acordo, concordância. No

caso, concordância entre “conhecimento” e “tarefa”. E concluem com a afirmativa de que discutir

competência faz sentido somente em um contexto conhecimento-tarefa específico.18

Comentários

McClelland

Em 1973, McClelland condenou o uso dos testes de aptidão e de inteligência na na seleção de can-

didatos a emprego sob o argumento de que esses testes não conseguiam prever o sucesso em situa-

ções de vida fora da escola e, em particular, o sucesso profissional, por não haver correlação entre o

resultado alcançado nesses testes e o desempenho no trabalho.

Nas décadas posteriores, todavia, descobriu-se que os testes que medem a inteligência geral – tam-

bém conhecidos como testes de aptidão cognitiva geral (em inglês GMA – General Mental Ability

Tests) e identificados pelo símbolo g – parecem ser previsores válidos para o desempenho em um

grande número de funções. Os indivíduos que alcançam boa pontuação em testes de aptidão cogniti-

va geral tendem a apresentar melhor desempenho no trabalho. As pesquisas indicam que quanto

maiores as exigências mentais da função, maior a correlação entre aptidão cognitiva e desempenho.

Isto quer dizer que aptidões cognitivas são mais importantes para funções mentalmente mais com-

plexas, tais como as funções gerenciais. Os dados indicam, portanto, que os testes de inteligência

demonstram ser bons previsores de desempenho para as funções que apresentam maior complexida-

de cognitiva, como as de gerência.19

Boyatzis / Spencer e Spencer

O conceito de competência de Boyatzis e de Spencer e Spencer merece reparos. Em primeiro lugar,

os estudiosos têm demonstrado repetidamente que traços de personalidade possuem baixa validade

como previsores de desempenho.20

Em outras palavras, a posse de um conjunto específico de traços

de personalidade não produz necessariamente um desempenho superior. Há, portanto, uma incoe-

rência por parte de Boyatzis, que defende a existência de uma relação causal entre as competências

do indivíduo e o desempenho superior mas inclui no conceito atributos que não têm relação com

esse desempenho.

Page 5: Competência: um conceito indispensável

Em segundo lugar, Boyatzis se opõe a McClelland porque atributos tais como traços de personalida-

de, aptidões, valores e motivos são relativamente permanentes no indivíduo adulto e, assim, difíceis

de adquirir ou modificar por meio do treinamento ou da experiência. A pessoa os possui ou não os

possui. Assim, se não faz sentido esperar que qualquer adulto adquira tais atributos durante sua vida

profissional, então tais caracteres não podem ser exigidos após a contratação nem devem ser objeto

de avaliação de desempenho.

Por fim, resta observar que Boyatzis também se afasta radicalmente de McClelland porque, para es-

te último, competência não é um conjunto de atributos que levam a um comportamento diferencia-

do, mas sim, o próprio comportamento.

O conceito amplo de competências de Boyatzis é, portanto, inaceitável. A definição proposta por

Spencer e Spencer apresenta as mesmas deficiências que a de Boyatzis, razão pela qual deve ser

tida como igualmente inadequada.

Ledford

O conceito de Ledford também suscita comentários. Sobre a afirmativa de que competência é inde-

pendente do cargo, deve-se objetar que uma mesma competência, se associada a cargos diferentes,

poderá se expressar por meio de comportamentos completamente distintos. Seja, por exemplo, a

competência denominada Orientação para o Cliente ou Foco no Cliente. Se a ocupação em exame

for a de frentista de um posto de gasolina, a competência em questão se expressará por meio de um

certo conjunto de comportamentos; se se tratar de uma atendente de empresa de locação de auto-

móveis, a mesma competência implicará outras tantas condutas; se estivermos falando de um pro-

fessor, então poderemos pensar que seus clientes são os alunos para os quais ele leciona, caso em

que o foco no cliente se traduzirá em comportamentos específicos e diferentes de todos os outros.

Até mesmo o projetista de um bem de consumo durável pode manifestar uma Orientação para o

Cliente por meio de condutas específicas, como por exemplo, pela tentativa de se colocar no lugar

do cliente ao usar o produto.

Parry

Preliminarmente, deve-se ressaltar que Parry teve o mérito de incluir as atitudes na definição de

competência, sob o argumento de que a Psicologia considera esse tipo de atributo como passível de

aprendizagem.21

A inclusão das atitudes supre uma deficiência que Hofrichter e Spencer dizem

existir no conceito restrito de competência: que conhecimentos e habilidades medem apenas o que

as pessoas podem fazer mas não o que irão fazer. Ora, atitudes são exatamente os atributos que fa-

zem as pessoas terem a pré-disposição de exibir os comportamentos de que são capazes.

Não obstante, seu conceito não pode passar sem crítica. A definição de Parry inclui apenas compe-

tências “principais”, qualificando como tais aquelas utilizadas amplamente. Ele exclui, portanto, as

competências específicas usadas esporadicamente.22

Trata-se de uma qualificação arbitrária. Com-

petência é um conceito contingente. Cabe, portanto, a cada empresa definir o que é relevante em

termos de competências. Ademais, uma empresa poderá atribuir pesos diferentes a competências di-

versas, segundo sua relevância.

Page 6: Competência: um conceito indispensável

Ademais, é redundante a referência à “avaliação segundo padrões pré-estabelecidos”, pois avaliar já

significa comparar algo com um padrão de referência. O desempenho de um profissional, portanto,

só pode ser avaliado pela empresa se esta dispuser de um padrão de comparação. Desnecessária é

ainda a menção de que competência é algo que pode ser melhorado por meio de treinamento exata-

mente porque a Psicologia considera que conhecimentos, habilidades e atitudes podem ser objeto de

aprendizagem. Por fim, é de se notar que o autor não explicitou o que seja desempenho.

Proposta de um conceito de competência

Vistos os problemas dos conceitos examinados anteriormente, e considerando-se as contribuições

de McFall e de Von Krogh/Roos, propõe-se a seguinte definição de competência no trabalho:

Competência de um indivíduo para exercer um certo cargo ou uma certa atividade profissional é o

conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que contribuem para que o indivíduo, ao exercer

esse cargo ou essa atividade, apresente o desempenho esperado pela empresa.

A definição apresenta os seguintes elementos:

a) Ao mencionar “um certo cargo ou uma certa atividade profissional”, o conceito descarta implici-

tamente a idéia de uma lista única contendo competências genéricas que seriam aplicáveis a to-

das ou a um grupo de posições de uma organização. A razão é que: a1) a mesma competência

poderá ser expressa por desempenhos diversos conforme o cargo a que estiver relacionada; e

a2) posições diferentes exigem competências diversas;

b) Competência é um conjunto de atributos: conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer) e ati-

tudes (querer fazer);

c) Competência é um conjunto de atributos passíveis de aprendizagem, ou seja, atributos que po-

dem ser adquiridos por meio de educação profissional ou da experiência. Rejeita-se, portanto, o

conceito amplo de competências, que inclui traços de personalidade e outras características per-

manentes do indivíduo;

d) A competência não causa o desempenho, apenas contribui para ele, isto porque o desempenho

de um indivíduo no trabalho depende de outros fatores além de sua qualificação;

e) O desempenho deve ser exibido no exercício de um cargo ou de uma atividade. Isto significa

que o desempenho deve ser demonstrado sob a pressão e as circunstâncias de uma situação real

de trabalho, não apenas durante um treinamento.

Resta definir os termos conhecimento, habilidade e atitude.

Conhecimento. Possuir conhecimentos significa possuir informações armazenadas na memória

tais como, imagens, nomes, datas, termos técnicos, fórmulas, números, fatos históricos, conceitos,

classificações, princípios, teorias científicas etc. Exemplos de conhecimentos: conhecer a aparência

de um computador tipo tablet (imagem); saber a data do descobrimento do Brasil (data); conhecer a

fórmula química da água (fórmula); saber qual é a população atual do Brasil (número); saber como

ocorreu a Proclamação da República (fato histórico); saber o que é qualidade (conceito); conhecer

os tipos de mamíferos (classificação); conhecer as teorias de motivação no trabalho (teoria científi-

Page 7: Competência: um conceito indispensável

ca). A necessidade de possuir conhecimentos decorre da necessidade de resolver problemas. Por

conseguinte, para exercer um certo cargo ou atividade profissional é necessário possuir certos co-

nhecimentos específicos indispensáveis à resolução rotineira de problemas relativos ao exercício

desse cargo ou atividade, desde os mais simples até os mais complexos.

Habilidade. Uma habilidade representa a capacidade de executar com destreza uma certa atividade.

A aquisição de habilidades depende essencialmente de prática. As habilidades abrangem a capaci-

dade de manipular materiais e objetos, de fazer desenhos, de usar instrumentos, de operar máquinas

etc. Possuir uma habilidade significa saber fazer algo. É preciso ressaltar, porém, que habilidade

não diz respeito somente a tarefas manuais; é preciso prática também para realizar com desenvoltu-

ra atividades predominantemente intelectuais, tais como elaborar um projeto de engenharia ou um

estudo de viabilidade econômica.

Atitude. Atitude é uma tendência de comportamento em relação a um determinado indivíduo ou

objeto, concreto ou abstrato, percebido ou imaginado. Qualquer atitude possui três componentes: o

conhecimento (componente cognitivo), o sentimento (componente afetivo) e a tendência de compor-

tamento (componente comportamental). Vamos examinar cada um desses componentes.

O componente cognitivo da atitude é o conhecimento que uma pessoa tem em relação ao indivíduo

ou objeto. O conhecimento poderá ser verdadeiro ou falso. Será verdadeiro se for justificado, ou se-

ja, se tiver base em evidências ou fatos que o comprovem. Se não for justificado, não será conheci-

mento, mas sim, uma mera crença. O componente cognitivo da atitude poderá ser, portanto, um co-

nhecimento verdadeiro ou uma mera crença, sem base factual, sobre um indivíduo ou objeto.

O componente afetivo da atitude consiste de um sentimento, positivo ou negativo, que a pessoa tem

em relação ao indivíduo ou objeto. A natureza positiva ou negativa do sentimento dependerá das ca-

racterísticas que a pessoa lhe atribui em função do conhecimento que tem. Se as características fo-

rem positivas, o sentimento será positivo. Se forem negativas, o sentimento também o será.

O componente comportamental do preconceito é a tendência de comportamento. Em consequência

do sentimento que a pessoa tem em relação a um indivíduo ou objeto, ela tenderá a se comportar de

uma certa maneira em relação a esse indivíduo ou objeto. Se seu sentimento em relação a este for

positivo, o impulso da pessoa será exibir condutas de aceitação e aproximação, ao passo que, se seu

sentimento for negativo, sua tendência será expressar condutas de rejeição e distanciamento.

Page 8: Competência: um conceito indispensável

Notas 1 McClelland, David C. “Testing for competence rather than for „intelligence‟ ”. American Psychologist, January 1973,

28(1): 1-14.

2 McClelland. cit. p. 7.

3 Idem.

4 McClelland. cit. p. 8.

5 Idem.

6 McClelland. cit. p. 9.

7 DAÓLIO, Luiz Carlos. Perfis & Competências: Retrato dos Executivos, Gerentes e Técnicos. São Paulo: Érica, 2004.

p. 175.

8 Posteriormente, em lugar da observação, McClelland passou a usar outro método, a Entrevista Comportamental (BEI

– Behavioral Event Interview), desenvolvida por profissionais da então empresa de consultoria McBer (McClelland,

D. C. A guide to job competency assessment. Boston: McBer and Company, 1976).

9 BOYATZIS, Richard E. The competent manager: A model for effective performance. New York: John Wiley & Sons,

1982. p. 21.

10

SPENCER, Lyle M., Jr. e Signe M. Spencer. Competence at work: Models for superior performance. New York:

John Wiley & Sons, 1993. pp. 9-11.

11

SPENCER e Spencer. cit. p. 11.

12

LAWLER III, Edward E. “Competencies: A Poor Foundation for the New Pay”. Compensation & Benefits Review,

november/december 1996, 28(6): 23.

13

HOFRICHTER, David A. e Lyle M. Spencer, Jr. “Competencies: The Right Foundation for Effective Human

Resources Management”. Compensation & Benefits Review, november/december 1996, 28(6): 22.

14

LEDFORD JR., Gerald E. “Paying for the Skills, Knowledge, and Competencies of Knowledge Workers”.

Compensation & Benefits Review, july-august 1995, 27(4): 56.

15

PARRY, Scott B. “The Quest for Competencies”. Training, july 1996, 33(7): 50.

16

Idem.

17

MCFALL, R. M. (1976, 1982) em DEL PRETTE, Zilda A. P. e Almir Del Prette. Psicologia das habilidades sociais:

terapia e educação. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 45.

18

VON KROGH, Georg e Johan Roos. “A perspective on knowledge, competence and strategy”. Personnel Review,

1995, 24(3): 62.

19

FARAH, Flavio. “Ética da Seleção de Pessoas: Validade de Ferramentas de Seleção”. Disp. em:

http://pt.slideshare.net/flaviofarah/tica-da-seleo-de-pessoas-validade-de-ferramentas-de-seleo-31836988

20

FARAH, Flavio. “Ética da Seleção de Pessoas: Validade de Ferramentas de Seleção”. Idem.

21

PARRY. Idem.

22

Idem.

*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão

de pessoas”. Contato: [email protected]