como uma escolha atrasada influencia nos fenômenos...

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Página 1 Como uma escolha atrasada influencia nos fenômenos quânticos que você vê? Da proposição teórica à realização experimental Renan Cunha Universidade Federal de Minas Gerais Artigo apresentado à disciplina Redação Científica Quando ouvimos ou falamos sobre física quântica, não é incomum surgirem frases evidenciando seu caráter misterioso, escondido nas curiosas restrições do formalismo e nos surpreendentes recursos oferecidos de maneira não intuitiva. Uma classe de restrições curiosas, inaugurada na física apenas com o advento da teoria quântica, é a de observáveis complementares. Quando observar uma característica num sistema quântico digamos, um elétron implica em não observar outra característica, dizemos que elas são complementares ou que as variáveis dinâmicas associadas a elas não comutam. Por exemplo, se podemos observar precisamente a posição desse elétron, simplesmente não podemos observar seu momentum. Por outro lado, um recurso surpreendente sem qualquer análogo na física clássica é o emaranhamento, que não vamos discutir aqui por ser um desperdício economizar palavras para descrevê-lo. Mas de estendermos esses conceitos à curiosa questão da escolha atrasada, que é o principal assunto deste artigo, vamos introduzir as situações preliminares que tem lugar cativo no coração da mecânica quântica. Conceitos Preliminares No mundo clássico em que formamos nossa intuição, atribuímos aos fenômenos dois principais caracteres: um corpuscular, onde se incluem todas as partículas materiais e de energia, e um ondulatório que dispensa explicações. Vejamos como nossa intuição clássica funciona: se duas bolas de tênis colidem, não nos surpreende se alguém disser que esse fenômeno é tipicamente corpuscular. Já se duas pessoas falam de costas uma para outra, torna-se difícil explicar através de uma teoria corpuscular como elas conseguem se ouvir. Mas a mesma situação explicada através de uma teoria ondulatória também não nos surpreende muito se sabemos que o som se propaga como uma onda omnidirecional e sofre difração. Na mecânica quântica, porém, nossa intuição clássica será de pouca ajuda, e por vezes até nos atrapalhará. Para se ter uma idéia da dramaticidade presente nos fenômenos quânticos, vamos contrastar duas versões, uma clássica e uma quântica, de um dos experimentos mais famosos da história da física: o experimento da fenda dupla. Fenda Dupla: versão clássica O experimento clássico da fenda dupla é erroneamente atribuído a Thomas Young, um jovem inglês, prodígio não apenas em anatomia do olho humano e nos quatorze idiomas que falava, mas também na decifração de hieróglifos do egípcio antigo. De fato, foi ele o autor do experimento que demonstrou à Royal Society of London o comportamento ondulatório da luz ao realizar um experimento de difração por um a linha, segundo o documento Philosophical Transactions de 1804. Já o experimento da fenda dupla, realizado anos mais tarde, consistia num feixe intenso de luz solar atingindo um anteparo de papel depois de passar por dois orifícios extremamente pequenos e próximos (as fendas). À época uma surpresa: ao invés do papel ser iluminado como iluminaríamos hoje com uma lanterna, com aquele clarão central, o papel era iluminado com uma sequência de colunas iluminadas e escuras, como se a luz chegasse aos pontos claros, mas simplesmente não chegasse aos pontos vizinhos (fig. 1). Sabendo hoje que um feixe intenso de luz se comporta como onda, a saber uma onda eletromagnética, atribuímos a causa do fenômeno a uma propriedade comum a todas as ondas: a interferência. Figura 1: Formação de padrão de interferência devido a emissão de luz sobre uma fenda dupla Nos pontos claros as ondas interferem construtivamente, enquanto nos pontos escuros elas interferem destrutivamente. Fenda Dupla: versão quântica Num experimento análogo com elétrons uma partícula material nossa intuição diria que elétrons jogados aleatoriamente, um a um em direção a duas fendas, se comportariam como bolinhas. Uma tela detectora posta depois das fendas registraria a posição de cada elétron que passa pelas fendas e atinge a tela. Naturalmente intuiríamos duas colunas se formariam: uma na frente de cada fenda, demonstrando que em média uma parte das “bolinhas” (elétrons) passa por uma das fendas, enquanto outra parte delas passa pela outra, diferindo drasticamente do padrão de várias colunas formados no caso anterior, com ondas (fig. 2). O que é registrado num experimento de fato é que os elétrons ficam distribuídos em várias colunas com intensidades (número de detecções) variadas. Figura 2: Padrão formado por bolas de Golf atiradas sobre uma fenda dupla Isto é, os elétrons atingem certas regiões, mas simplesmente não atingem regiões vizinhas! Isso significa que os elétrons partículas! também estão exibindo um comportamento tipicamente ondulatório: um padrão de interferência (fig. 3)! Para aumentar a “dramaticidade” desse fenômeno, olhamos para uma região onde os elétrons não chegam: se emitimos elétrons com uma das fendas tampadas, os elétrons passam pela fenda aberta - digamos fenda #1 - e uma pequena parcela deles chega ao ponto que antes (com ambas as fendas abertas) não havia elétrons. Se tampamos a fenda #1 e abrimos a fenda #2, também registramos uma pequena parcela deles chegando lá. Porém quando abrimos ambas as fendas, o resultado é o que já dissemos: nenhum elétron chega até aquele ponto! Mesmo se esperamos muito tempo! Figura 3: Padrão de interferência exibido por elétrons numa fenda dupla. Os elétrons exibem um comportamento tipicamente ondulatório

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Página 1

Como uma

escolha atrasada

influencia nos

fenômenos

quânticos que

você vê?

Da proposição teórica à realização

experimental

Renan Cunha

Universidade Federal de Minas Gerais

Artigo apresentado à disciplina Redação

Científica

Quando ouvimos ou falamos sobre física

quântica, não é incomum surgirem frases evidenciando seu caráter misterioso, escondido nas curiosas restrições do formalismo e nos surpreendentes recursos oferecidos de maneira não intuitiva. Uma classe de restrições curiosas, inaugurada na física apenas com o advento da teoria quântica, é a de observáveis complementares. Quando observar uma característica num sistema quântico – digamos, um elétron – implica em não observar outra característica, dizemos que elas são complementares ou que as variáveis dinâmicas associadas a elas não comutam. Por exemplo, se podemos observar precisamente a posição desse elétron, simplesmente não podemos observar seu momentum. Por outro lado, um recurso surpreendente sem qualquer análogo na física clássica é o emaranhamento, que não vamos discutir aqui por ser um desperdício economizar palavras para descrevê-lo. Mas de estendermos esses conceitos à curiosa questão da escolha atrasada, que é o principal assunto deste artigo, vamos introduzir as situações preliminares que tem lugar cativo no coração da mecânica quântica.

Conceitos Preliminares No mundo clássico em que formamos

nossa intuição, atribuímos aos fenômenos dois principais caracteres: um corpuscular, onde se incluem todas as partículas materiais e de energia, e um ondulatório que dispensa explicações. Vejamos como nossa intuição clássica funciona: se duas bolas de tênis colidem, não nos surpreende se alguém disser que esse fenômeno é tipicamente corpuscular. Já se duas pessoas falam de costas uma para outra, torna-se

difícil explicar através de uma teoria corpuscular como elas conseguem se ouvir. Mas a mesma situação explicada através de uma teoria ondulatória também não nos surpreende muito se sabemos que o som se propaga como uma onda omnidirecional e sofre difração. Na mecânica quântica, porém, nossa intuição clássica será de pouca ajuda, e por vezes até nos atrapalhará. Para se ter uma idéia da dramaticidade presente nos fenômenos quânticos, vamos contrastar duas versões, uma clássica e uma quântica, de um dos experimentos mais famosos da história da física: o experimento da fenda dupla.

Fenda Dupla: versão clássica O experimento clássico da fenda dupla é erroneamente atribuído a Thomas Young, um jovem inglês, prodígio não apenas em anatomia do olho humano e nos quatorze idiomas que falava, mas também na decifração de hieróglifos do egípcio antigo. De fato, foi ele o autor do experimento que demonstrou à Royal Society of London o comportamento ondulatório da luz ao realizar um experimento de difração por um a linha, segundo o documento Philosophical Transactions de 1804. Já o experimento da fenda dupla, realizado anos mais tarde, consistia num feixe intenso de luz solar atingindo um anteparo de papel depois de passar por dois orifícios extremamente pequenos e próximos (as fendas). À época uma surpresa: ao invés do papel ser iluminado como iluminaríamos hoje com uma lanterna, com aquele clarão central, o papel era iluminado com uma sequência de colunas iluminadas e escuras, como se a luz chegasse aos pontos claros, mas simplesmente não chegasse aos pontos vizinhos (fig. 1). Sabendo hoje que um feixe intenso de luz se comporta como onda, a saber uma onda eletromagnética, atribuímos a causa do fenômeno a uma propriedade comum a todas as ondas: a interferência.

Figura 1: Formação de padrão de interferência devido a emissão de luz sobre uma fenda dupla

Nos pontos claros as ondas interferem construtivamente, enquanto nos pontos escuros elas interferem destrutivamente.

Fenda Dupla: versão quântica Num experimento análogo com elétrons – uma partícula material – nossa intuição diria que elétrons jogados aleatoriamente, um a um em direção a duas fendas, se

comportariam como bolinhas. Uma tela detectora posta depois das fendas registraria a posição de cada elétron que passa pelas fendas e atinge a tela. Naturalmente – intuiríamos – duas colunas se formariam: uma na frente de cada fenda, demonstrando que em média uma parte das “bolinhas” (elétrons) passa por uma das fendas, enquanto outra parte delas passa pela outra, diferindo drasticamente do padrão de várias colunas formados no caso anterior, com ondas (fig. 2). O que é registrado num experimento de fato é que os elétrons ficam distribuídos em várias colunas com intensidades (número de detecções) variadas.

Figura 2: Padrão formado por bolas de Golf atiradas sobre uma fenda dupla

Isto é, os elétrons atingem certas regiões, mas simplesmente não atingem regiões vizinhas! Isso significa que os elétrons – partículas! – também estão exibindo um comportamento tipicamente ondulatório: um padrão de interferência (fig. 3)! Para aumentar a “dramaticidade” desse fenômeno, olhamos para uma região onde os elétrons não chegam: se emitimos elétrons com uma das fendas tampadas, os elétrons passam pela fenda aberta - digamos fenda #1 - e uma pequena parcela deles chega ao ponto que antes (com ambas as fendas abertas) não havia elétrons. Se tampamos a fenda #1 e abrimos a fenda #2, também registramos uma pequena parcela deles chegando lá. Porém quando abrimos ambas as fendas, o resultado é o que já dissemos: nenhum elétron chega até aquele ponto! Mesmo se esperamos muito tempo!

Figura 3: Padrão de interferência exibido por elétrons numa fenda dupla. Os elétrons exibem um comportamento tipicamente ondulatório

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Essa característica impressionante de entidades quânticas (prótons, elétrons, fótons, etc) exibirem comportamentos ora corpuscular, ora ondulatório, ganha o nome de dualidade onda-partícula. Essa característica curiosa irá nos acompanhar até o final do texto, onde será protagonista de uma grande tensão.

Algumas Modificações Suponhamos agora que vamos realizar o

mesmo experimento da fenda dupla com elétrons, mas com uma pequena diferença (fig. 4): em frente às fendas (3) haverá uma lente convergente

1 (4) capaz de focalizar o

feixe incidente (2) tal que os feixes que passam por cada fenda (5) se encontrem num ponto. Exatamente nesse ponto, colocamos a tela (6) de detecção que registra a posição de chegada dos elétrons. Essa tela é completamente opaca, de modo que uma vez que a tela é colocada, nenhum elétron é capaz de passar através dela. Se esta tela não estiver presente, os feixes passam a divergir (7) e uma segunda tela (8) é capaz de registrar a posição dos elétrons que chegam. Suponhamos, por último, que nossa fonte (1) de elétrons emite apenas um elétron por vez. Com isso garantimos que não há interação entre os elétrons.

Figura 4: Fenda dupla modificada. Uma primeira versão para a montagem do experimento de escolha atrasada

Ao realizar o experimento com a tela (6) presente, tudo que estamos fazendo é o já descrito experimento da fenda dupla com elétrons. Já sabemos que eles exibem interferência: a convergência dos feixes cria uma região de "superposição de caminho", de modo que nessa região, na qual colocamos a tela (6), é impossível saber por qual fenda os elétrons vieram. Se agora recomeçamos o experimento, mas sem a tela (6), a segunda tela registra duas colunas nas posições de chegada dos elétrons, exibindo um padrão de partícula clássica! Se mais uma vez recomeçarmos o experimento, mas com tela (6) presente, novamente a tela exibe interferência! Embora esse comportamento pareça não fazer sentido, quando iniciamos nossa discussão falamos

1 Pode parecer estranho ao leitor uma lente para

elétrons. Mas esse efeito de lente convergente é

conseguido com campos magnéticos. Embora

talvez soe estranho inicialmente, esse é o dia a

dia da microscopia eletrônica.

exatamente sobre algumas características que impedem a observação de outras características. A divergência dos feixes devido à propagação para além da região de superposição, possível apenas na ausência da tela (6), projeta a imagem de cada fenda separadamente no plano da tela (8), o que passa a nos permitir obter informação sobre a fenda que o elétron passou. O que é curioso é que obter essa informação impede a observação de um padrão de interferência! A resposta para esse impasse é que a essas características, informação de que caminho e interferência, estão associadas a observáveis que são complementares ou não comutam! Se pensarmos por um momento, veremos que porque não medimos por qual fenda o elétron passou, ele carrega uma informação que é uma superposição das duas fendas. A tela (6) exibe um padrão que demonstra que não há qualquer informação disponível sobre por qual fenda o elétron passou, então ela não pode registrar elétrons em frente a uma ou outra fenda apenas, pois nunca obtivemos essa informação. No entanto, refazendo o experimento, porém sem a tela (6), a divergência dos feixes disponibiliza a identificação do caminho que os elétrons tomaram. Quando medimos por qual fenda os elétrons passaram, não há qualquer superposição. Já adquirimos toda informação.

Interferômetro de Mach-Zehnder A discussão da seção anterior pode ser ainda explorada num interferômetro quase tão simples como a fenda dupla, mas cuja representação desse problema se torna mais dramática. Próximo à entrada do interferômetro de Mach-Zehnder existe um dispositivo divisor de feixes (DF1). Quando um feixe interage com um divisor de feixes, o feixe é refletido ou transmitido. Se o feixe é refletido, ele segue em direção ao espelho (E1), onde uma reflexão direciona o feixe para o segundo divisor de feixes (DF2), que executa sobre o feixe a mesma operação que o primeiro divisor, ou seja, o feixe pode ser refletido e detectado no detector D1 ou pode ser transmitido e detectado em D2. Analogamente, se o feixe é transmitido pelo DF1, ele segue até o espelho E2, que o redireciona para o segundo divisor de feixes, o qual opera sobre o feixe de modo que se o feixe é transmitido, ele é detectado em D1; se é refletido, é detectado em D2.

Figura 5: Interferômetro de Mach-Zehnder com dois divisores de feixes

É ainda necessário dizer que as

reflexões adicionam uma fase de π

2 ao feixe

(fig. 5). Suponha agora que vamos incidir um

feixe de luz num regime de baixa intensidade. Queremos que a intensidade seja tão baixa que, em média, apenas um fóton entra no interferômetro e é detectado. Por mera simplicidade, assumimos aqui que os caminhos tem o mesmo tamanho e que os divisores de feixes tem 50% de chance de refletir o fóton incidente e 50% de chance de transmiti-lo. Ao realizar o experimento, veremos que 100% dos fótons são detectados em D1 e nenhum fóton é detectado em D2! Isso é devido aos ganhos de fase nas reflexões, de modo que a diferença de caminho é um número inteiro de comprimento de onda em D1 e um número semi-inteiro em D2. Ou seja, há interferência construtiva em D1 e destrutiva em D2.

Se agora fizermos um novo experimento, mas sem o segundo divisor de feixes, um fóton será refletido (transmitido) em DF1, direcionado ao espelho E1 (E2) e refletido em direção a D2 (D1), onde é detectado (fig. 6).

Figura 6: Interferômetro de Mach-Zehnder com o segundo divisor de feixes removido

Nessa situação, a detecção em qualquer um dos detectores nos permite inferir, sem dúvida alguma, por qual caminho o fóton rumou. Nada acontece no “meio”. Veja: se foi detectado em D1, o fóton só pode ter sido refletido por E2, o que garante que ele veio do braço inferior do interferômetro devido ao fato de ter sido transmitido por DF1. Um raciocínio completamente análogo se aplica à detecção em D2. Ao realizar esse experimento, veremos que 50% dos fótons

são detectados em D1 e 50% em D22! Isso demonstra, mais uma vez, que interferência e informação de que caminho são mutuamente excludentes! Se sabemos por que caminho rumou o fóton, não é exibido interferência nos detectores.

A questão da escolha atrasada Em ambos os experimentos das seções

anteriores, tanto na fenda dupla, quanto no interferômetro de Mach-Zehnder, observamos os caracteres corpuscular e ondulatório das entidades quânticas (em nosso caso, elétrons e fótons) e

2 Ou seja, estamos observando um caráter

corpuscular. Isso é exatamente o que aconteceria

se atirássemos bolas de golf!

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identificamos esses caracteres com a observação ou não de um padrão de interferência. A formação de duas colunas na fenda dupla, evidenciando um comportamento corpuscular, corresponde à contagem de 50% em cada detector no interferômetro de Mach-Zehnder. O comportamento ondulatório é atribuído à observação do padrão de interferência. Ilustrativamente, é como se as entidades quânticas tivessem se dividido em dois pacotes, passado por ambas as fendas ou por ambos os braços do interferômetro, e assim os dois pacotes de onda interferem, produzindo o observado padrão.

Nesse contexto, surgem algumas perguntas: os elétrons e os fótons possuem um comportamento de fato? Por que eles mudam seu comportamento e não se comportam apenas de uma maneira? Nesse cenário, nós citamos o físico Niels Bohr, o qual teve grande participação na formulação de uma interpretação concisa dos resultados da física quântica. A argumentação da complementaridade proposta por Bohr é de que é o aparato experimental que determina o comportamento da entidade quântica. Portanto, ao mudar a montagem, o experimental seleciona o comportamento a ser observado.

Um outro físico astuto, John Wheeler, propôs a seguinte questão: e se o experimental decidir qual experimento ele quer realizar depois que o elétron ou o fóton já entrou no aparato? E se ele se atrasasse em escolher qual experimento fazer e a entidade quântica já estivesse no meio do experimento?

No caso da fenda dupla (fig. 4) teríamos a seguinte situação: suponha que a tela (6) esteja presente e o experimental ligue a fonte de elétrons. Já sabemos que os elétrons detectados na tela (6) exibem um padrão de interferência. Mas e se depois que os elétrons já passaram pelas fendas (3), mas antes de serem detectados na tela (6), o experimental escolhesse medir por qual fenda os elétrons passaram e por isso retirasse a tela (6)? Os elétrons que forem detectados na segunda tela (8) vão exibir um padrão de interferência ou duas colunas? Já no interferômetro de Mach-Zehnder, suponha que o segundo divisor de feixes esteja presente (fig. 5). Já sabemos que nessa configuração, os fótons seriam detectados apenas no detector D1, exibindo um padrão de interferência nas contagens. Mas e se depois que o fóton já tiver entrado no interferômetro, mas antes de atingir o segundo divisor de feixes (digamos que ele provavelmente esteja depois dos espelhos, mas antes do segundo divisor de feixes), o experimental escolhesse retirar o segundo divisor de feixes? O fóton será detectado em D1 ou D2 ? Se ele fizer isso várias vezes, 100% dos fótons serão detectados em D1 ou 50% deles serão detectados também em D2?

Realização Experimental Em 2007, Alain Aspect e outros

publicaram na revista Science um artigo

entitulado “Experimental Realization of Wheeler’s Delayed-Choice Gedanken Experiment” descrevendo os resultados da realização experimental do que discutimos na seção anterior. Algumas mudanças foram feitas por conveniência experimental, de modo que a descrição do experimento é mais facilmente entendida acompanhando a figura 9, na página suplementar. Nessa realização, os autores utilizam uma fonte de fótons únicos (isto é, uma fonte que emite um fóton por vez) que emite fótons linearmente polarizados a 45º. Os divisores de feixes são substituídos por divisores de feixes polarizados: no lugar de DF1, encontramos BSinput , enquanto no lugar de

DF2, encontramos BSoutput . Esse segundo

divisor de feixes é uma combinação de vários elementos ópticos e eletro-ópticos. Em particular, quando não há tensão no BSoutput , é como se ele não estivesse

presente. Quando recebe tensão, ele funciona como um divisor de feixes polarizado. O que decide se alguma tensão será fornecida ou não é um gerador de número aleatório quântico(GNAQ). No experimento, esse GNAQ é um ruído. Existe um sinal padrão de referência e quando o ruído é adicionado, esse sinal pode ir para acima da referência ou abaixo. Como é um ruído, reforço ou diminuição do sinal acontece aleatoriamente. Quando o sinal está acima da referência, um computador registra como um bit 1 e liga a tensão no BSoutput , fazendo-o se comportar como um

divisor de feixes polarizado. Quando o sinal está abaixo, nenhuma tensão é fornecida e é como se o objeto sequer estivesse presente, como na configuração do interferômetro de Mach-Zehnder da figura 6. Uma vez que fótons viajam na velocidade da luz, para que nenhuma “informação obscura” pudesse ser transmitida ao fóton pelo GNAQ antes que ele entrasse no interferômetro, os autores do experimento construíram um interferômetro de Mach-Zehnder com braços de 48 metros! Ao realizar o experimento, um fóton que entra no interferômetro linearmente polarizado a 45º tem suas componentes de polarização divididas em duas pelo BSinput ,

cada uma viajando por um braço do interferômetro. Todo o experimento é calibrado para que o GNAQ ative ou não o sinal quando o fóton está bem depois do BSinput , contudo sem atingir o BSoutput . Se o

GNAQ (ruído) levar o sinal acima da referência, o BSoutput recebe tensão e passa

a se comportar como presente no experimento, misturando as componentes de polarização, causando a interferência nas contagens. Um defasador num dos braços do interferômetro faz a probabilidade de detecção oscilar, de modo que na configuração com o BSoutput funcionando

como presente, há uma fase para o qual ambos os caminhos do interferômetro são aproximadamente iguais, de modo que quase 100% das contagens foram no detector N1. Para outras fases, há outras freqüências de detecção. É importante notar que as palavras “aproximadamente” e “quase” estão presentes aqui devido a erros

experimentais e técnicos. Os resultados desses dados podem ser

vistos na figura 7.

Figura 7: Número de contagem pela defasagem em radianos. Os dados em azul dizem respeito ao detector N1, e os em vermelho ao detector N2.

Analogamente, quando o sinal está

abaixo da referência, o BSoutput funciona

como se estivesse ausente, de modo que é possível determinar sem ambigüidade por qual caminho rumou o fóton. Na figura 8 vemos o padrão de igual distribuição nos detectores.

Figura 8: Número de contagem independente da defasagem. A distribuição de detecção é igual para ambos os detectores.

Discussão e Conclusão Numa interpretação muito ingênua da

complementaridade, o experimento de escolha atrasada parece colocar o experimental contra a mecânica quântica. Antes dessa proposta, alguém poderia ser tentado a pensar que na presença de um experimento que irá medir por qual fenda o elétron passa, ou por qual caminho no interferômetro o fóton passa, a entidade quântica escolhe se comportar como partícula. Quando o experimental constrói um experimento que irá medir a interferência de elétrons ou de fótons para verificar que de fato eles se comportam como partícula (como se comportaram no primeiro caso), os elétrons ou fótons identificam o aparato e confundem o experimental ao se comportar como onda. Essa atribuição de características humanas a entidades quânticas ou, ainda mais comum, a atribuição de realidades prévias, como dizer que o elétron ou o fóton deveria ter um comportamento de partícula ou de onda, desempenha um papel fundamental na confusão dos conceitos de física quântica. Levando uma interpretação assim a sério, com a proposta de Wheeler, o experimental constrói um experimento capaz de medir a interferência, mas no meio do caminho ele

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confunde o elétron ou o fóton ao mudar para um experimento capaz de medir por onde eles passaram. A conclusão desse artigo é o ponto central que responde a pergunta aberta pelo Experimento de Escolha Atrasada de Wheeler: a realização experimental demonstra que de fato nós observamos um comportamento coerente com a escolha do experimento. Se o segundo divisor de feixes está presente, então temos um comportamento ondulatório. Caso contrário, vemos um comportamento corpuscular. No entanto, nenhuma alteração ocorre devido a uma escolha atrasada. Não existe qualquer diferença, senão na dramaticidade, entre fazer cada um dos experimentos (de observar caráter corpuscular ou caráter ondulatório) separadamente e entre mudar de idéia no meio de um experimento acontecendo. Ou seja, embora o comportamento observado dependa do tipo de experimento que o experimental decide fazer, o comportamento a ser medido não muda no meio do experimento. E o motivo é simples: toda a informação que podemos extrair de um sistema quântico reside na medição: se medimos, nos informamos. Se não medimos, não temos permissão para atribuir qualquer característica predita pela mecânica quântica às entidades físicas. Afinal, como poderíamos dizer como um elétron se comporta num experimento se nunca realizamos o experimento? Como podemos dizer que ele passou por ambas as fendas, se não observamos interferência? O elétron e o fóton, nem qualquer outra entidade quântica, não possuem uma característica de partícula ou de onda previamente. Isto é, o fato dos elétrons passarem pelas fendas não nos dá o direito de assumir que eles possuem um comportamento ondulatório. Somente após ser medido é que podemos dizer como ele se comportou naquele experimento. Mais dramaticamente, sequer podemos assumir que os elétrons passaram pelas fendas sem que eles atinjam uma das telas. A situação é ao contrário: é porque obtivemos um registro na tela é que assumimos que os elétrons passaram pelas fendas. Portanto, ao ser “confrontado” com um experimento que mede seu comportamento ondulatório, o elétron ou o fóton não assumem esse comportamento. Por isso, quando a primeira tela é removida ou o segundo divisor de feixes é removido, eles não mudam o comportamento. Na verdade, agora medido, e registrado a distribuição das posições na segunda tela ou a distribuição equiprovável de contagens, aí então podemos assumir que ao ter passado por uma das fendas ou por um dos braços do interferômetro, este elétron ou este fóton possui um comportamento comum a uma partícula. Assim, nenhuma escolha atrasada influencia nos fenômenos quânticos que você vê. A mecânica quântica não está sujeita à vontade ou indecisão, e mesmo sendo assim, tem contribuído amplamente com o desenvolvimento de tecnologias que realizam as vontades de muitos.

Referências R. P. Feynman, R. B. Leighton, and M. L. Sands, Lectures on Physics (Addison Wesley, 1963) Thomas Young, "Remarks on the Ancient Egyptian Manuscripts with Translation of the Rosetta Inscription" in Archaeologia vol. 18 (1817) Retrieved July 14, 2010 (see pp. 1–15) Thomas Young, Experimental Demonstration of General Law of the Interference of Light, “Philosophical Transactions of the Royal Society of London”, vol 94 (1804) “Great Experiments in Physics” p96-101, Holt Reinhart and Winston, NewYork, 1959 J. A. Wheeler, pp.182-213 in Quantum Theory and Measurement, J. A. Wheeler and W. H. Zurek Walborn, S. P.; Cunha, M. O. T.; Padua, S.; Monken, Carlos Henrique. Quantum Erasure. American Scientist (Print), v. 91, n.4, p. 336-343, 2003. V. Jacques, F. Grosshans , F. Treussart , P. Grangier, A. Aspect and J.-F. Roch, “Experimental realization of Wheeler’s delayed-choice GedankenExperiment”, Science 16 February 2007: Vol. 315 no. 5814 pp. 966-968

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Figura 9: Esquema original da realização experimental de Aspect e outros do experimento mental de Wheeler