como se formam os sujeitos do campo

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    Como se formam os sujeitos do

    campo?IDOSOS, ADULTOS, JOVENS, CRIANAS E EDUCADORES

    Roseli Salete Caldart

    Conceio Paludo

    Johannes Doll

    Organizadores

    Fevereiro de 2006

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    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio/MDA

    Ncleo de Estudos Agrrios e

    Desenvolvimento Rural - NEAD

    Instituto Nacional de Colonizao e Reforma

    Agrria - INCRA

    Programa Nacional de Educao na Reforma

    Agrria - PRONERA

    dos autores1a edio: 2006Direitos reservados desta edio:Programa Nacional de Educao na

    Reforma Agrria - PRONERA

    Projeto grfico, capa e diagramaoCaco Bisol Produo [email protected]

    Rita de Cssia Avelino Martins

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA)www.mda.gov.br

    Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural(NEAD)SCN Quadra 1 - Bloco C,Edifcio Trade Center,5o andar, sala 501CEP 70711-902- Braslia/DFTelefone: (61) 3328-8661www.nead.org.br

    PCT MDA/IICA - Apoio s Polticas e Participao Social no

    Desenvolvimento Rural Sustentvel

    P184c

    Caldart, Roseli Salete, Paludo, Conceio, Doll, Johannes.Como se formam os sujeitos do campo? Idosos, adultos, jovens, crianas e educadores.

    / Roseli Salete Caldart, Conceio Paludo, Johannes Doll (organizadores). - Braslia:PRONERA : NEAD, 2006.

    160p.; 21x28 cm.

    1. Educao - Brasil 2. Educao do Campo. 3. Formao de educadores 4. Sujeitos docampo I. Caldart, Roseli Salete. II. Paludo, Conceio. III. Doll, Johannes. IV. NEAD. VPRONERA.

    CDD 630.7

    mailto:[email protected]://www.mda.gov.br/http://www.nead.org.br/http://www.nead.org.br/http://www.mda.gov.br/mailto:[email protected]
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    "Educar depositar em cada pessoa toda a obra humana que a antecedeu, fazer decada pessoa uma sntese do mundo at o dia em que vive..."

    Jos Mart

    "necessrio que a revoluo democrticase aprofunde para estabelecer condies

    de criar uma universidade capaz de serviraos trabalhadores, sem submet-los a condies

    de escravos, onde possam receber uma educaoinstrumental, til para sua auto-emancipao e,sobretudo, para que no se desvencilhem, em sua identidade, e em seus papis sociais, dos objetivos

    que definem a relao da classe trabalhadora com a transformao da sociedade capitalista."

    Florestan Fernandes

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    Sumrio

    Prefcio ..................................................................................................................................6

    Introduo.................................................................................................................................10

    Pesquisa e formao de educadores nos movimentos sociais do campo..........................................................18

    Envelhecimento: conhecendo a vida de homens e mulheres do campo ..........................................................29

    Post scriptumdos orientadores ..............................................................................................39

    Sujeitos adultos do campo: Sua formao nos movimentos sociais ..................................48

    Sujeitos jovens do campo................................................................................................................72Jovens em movimento(s)................................................................................................................96

    A infncia e a criana no e do campo................................................................................................109

    Forma o de educadores e educadoras do e no campo...........................................................................137

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    PrefcioMnica Castagna Molina1

    Senti-me extremamente honrada em prefaciar o livro "Como se formam os sujeitos docampo?". Ele traz contribuies relevantes para o avano da construo dos paradigmas daEducao do Campo, que tem como um de seus pressupostos a necessidade de cons-truirmos um novo projeto de Nao, popular e revolucionrio, e um novo papel para ocampo nesse projeto.

    Projeto de Nao cujas bases prioritrias sejam a promoo da igualdade e da justiasocial, por meio da efetiva garantia dos direitos a todos os cidados. No h possibilidadede construo de justia social no Brasil sem efetuarmos profunda e radical mudana no

    acesso a dois bens fundamentais: terra e educao. Democratizar o acesso terra, por meioda Reforma Agrria, e democratizar o acesso ao conhecimento e aos processos queviabilizam sua produo so imperativos para criarmos as condies que possam gerar

    justia social em nosso pas.Este livro simultaneamente um produto da democratizao do acesso terra e da

    democratizao do acesso ao conhecimento. Seus autores so protagonistas da luta pelodireito a terra, ao trabalho, ao conhecimento. Educandas e educandos do Curso de Peda-gogia da Terra, desenvolvido pelo Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa da ReformaAgrria (Iterra) e pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), com o apoio doPrograma Nacional de Educao na Reforma Agrria (Pronera), nos mostram a beleza e a

    dor da realidade rural brasileira, em distintos territrios. Trazem-nos a vida e os processosde humanizao e desumanizao aos quais esto submetidas as crianas, os jovens, os adultose os idosos do campo.

    Constituem-se pesquisadores durante o prprio processo que os forma educadores.Como sujeitos do campo, desafiaram-se a olhar para dentro, a mergulhar na constituio desua prpria identidade e da identidade dos diferentes ciclos de vida de suas comunidades.Re-educar o olhar para ver relaes humanas e condies socioeconmicas antesnaturalizadas. Aprender e apreender a construo das categorias cientficas como instru-mento de leitura crtica de suas realidades.

    Um dos fundamentos da Educao do Campo que s h sentido em construir

    processos pedaggicos especficos s necessidades dos sujeitos do campo vinculados construo de outro modelo de desenvolvimento cuja base produtiva principal d-se apartir das unidades familiares de produo e no do agronegcio e do latifndio. Pois, nohaveria sentido desencadear esforos para a produo de teorias pedaggicas para umcampo sem gente, para um campo sem sujeitos, ou, dito de outra forma, para umaruralidade de espaos vazios.

    A base fundamental de sustentao da Educao do Campo, qual se vincula oPronera, que o territrio do campo deve ser compreendido para muito alm de um espaode produo agrcola.

    1. Doutora em Desenvol vi mento Sustentvel, coordenadora do Programa Nacional de Educa o na Reforma Agr ria (Proner a/INCRA) e professora pesquisadorada Uni versidade de Braslia.

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    O campo territrio de produo de vida; de produo de novas relaes sociais; denovas relaes entre os homens e a natureza; entre o rural e o urbano. O campo umterritrio de produo de histria e cultura, de luta de resistncia dos sujeitos que ali vivem.

    A relevncia dessa experincia e do registro neste livro traduz-se pela afirmaoprtica e exitosa de valores estruturantes da concepo de formao de educadores docampo. Primeiro, porque prioriza o que consideramos mais importante nesse paradigma demodelo de desenvolvimento e de campo: os seres humanos so os protagonistas dequalquer processo de transformao social. Este livro prioriza compreender as contradies eos conflitos entre os projetos de desenvolvimento para o campo, a partir das condies devida de seus sujeitos.

    Segundo, porque a sua criao tambm prioritariamente produto do trabalho dessesmesmos sujeitos do campo. Rompe-se com a clssica dicotomia sujeito e objeto doconhecimento. Avana-se para a produo de um novo tipo de cincia, que questiona

    princpios consolidados, e que servem somente para manuteno da (des) ordem vigente,como a "neutralidade" cientfica. Terceiro, porque nos ensina muito sobre o processo de construo coletiva de um

    projeto social de conhecimento. D-nos pistas concretas para avanarmos na edificao deum outro papel para as universidades pblicas brasileiras. Demonstra-nos como possvelrecuperarmos a necessria vinculao das universidades construo de um projeto deNao, num momento histrico, no qual a globalizao capitalista deseja exatamentesufocar tais projetos, subsumindo as necessidades dos pases lgica da mxima concen-trao da riqueza. Garantir a presena dos movimentos sociais do campo nos cursos su-periores e, com eles, construir projetos de pesquisa que pensem sadas para os problemas dopovo brasileiro que vive no e do campo, significa resistir aos interesses do sistema docapital privatizao do processo de produo do conhecimento que vem ocorrendo nasinstituies pblicas, ao mesmo tempo que se prope uma outra lgica para esta produo,muito mais democrtica e coletiva.

    Quarto, porque tambm oferece elementos para resgatarmos parte de nossa dvidahistrica com os sujeitos do campo que, alm de todos os dbitos no tocante garantia doacesso aos direitos, tambm uma dvida de conhecimento. Num pas com as dimensesrurais como o Brasil, e com o papel que teve e tem na histria este territrio, de fatoimpressionante a ausncia e o desconhecimento sobre o que a infncia no campo; sobre a

    juventude; sobre a velhice no mundo rural. Como ressalta Miguel Arroyo, cada tempo davida uma sntese da condio humana. Desconhecer as caractersticas e necessidades

    tpicas de cada tempo da vida significa tambm reduzir nossa capacidade, comoeducadores, de contribuir para a completa humanizao desses tempos, e para garantir, queos sujeitos que neles se encontram tornem-se, de fato, sujeitos de direito.

    urgente e necessrio construir e reconhecer poltica, social e culturalmente o direito infncia no campo; juventude; velhice no meio rural. No h possibilidade deconstruirmos sistemas educativos para esses tempos da vida no campo, enquanto nolegitimarmos seus titulares como sujeitos de direito. Esse , a meu ver, um dos grandesmritos do processo coletivo de produo do conhecimento deste livro: contribuir paraavanarmos na compreenso e no conhecimento das especificidades desses tempos, e dascarncias as quais esto submetidos esses sujeitos.

    O tempo da infncia no campo est privado de todos os benefcios j produzidos pelogrande acmulo de conhecimento cientfico sobre a centralidade desse tempo nos

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    processos de construo dos saberes e da psique humana, porque a infncia no campo no um tempo de direitos. Praticamente no h acesso educao infantil ofertada pelo Estadono meio rural pesquisado. Um tempo central e r iqussimo de possibilidades de aprendizado ignorado e desperdiado pelo Estado e por partes da sociedade que, culturalmente, ignora

    a existncia da infncia no campo. Seria por que a infncia no campo a infncia dasclasses trabalhadoras?

    Apesar da ausncia do Estado, significativo o esforo de reconhecimento e valori-zao desse tempo da vida por parte de alguns movimentos sociais do campo. As pesquisasencontraram experincias e prticas relevantes de educao infantil, organizadas emantidas por organizaes sociais, que tm contribudo para ampliar a conscincia dostrabalhadores e suas comunidades sobre os cuidados necessrios com a infncia.

    Entre outras privaes, marcante o relato dos jovens pesquisados sobre sua ex-cluso do direito educao e cultura. Ainda mais forte a reivindicao de renda, poistrabalho tem muito, porm sem reconhecimento financeiro e sem valorizao. A diversi-

    dade encontrada nas situaes pesquisadas exige que falemos em juventudes do meio rural.Ao mesmo tempo que confirmam aspectos que tm nos orientado na construo dosparadigmas da Educao do Campo como, por exemplo, a centralidade das relaesfamiliares para os jovens rurais, os achados das pesquisas tambm interrogam parte dasespecificidades at ento defendidas, avanando nos questionamentos sobre os dbeislimites do rural e do urbano para este ciclo da vida.

    A velhice no campo carrega a sabedoria da natureza. Ainda que os relatos das pes-quisas desnudem mais uma vez que, culturalmente, ignoramos esse tempo da vida nocampo como um tempo de direitos, revelam-se tambm os valores e as particularidades dasrelaes sociais construdas por sujeitos cujo trabalho, de uma vida inteira, esteve sempreligado vida da natureza. marcante a fora e o peso da espiritualidade nesse tempo davida. Das vrias riquezas encontradas pelos estudantes do curso de Pedagogia da Terra emsuas pesquisas, vale destacar a beleza do encontro com o ser idoso. Como so sensveis osrelatos de quem, vivendo outro tempo da vida, tempo de fora e vigor, soube penetrar numtempo de balano e incertezas. A mudana do olhar dos estudantes sobre o tempo de seridoso no campo nos ensina a importncia de nos aproximarmos dos sujeitos, e ouvirmos suaprpria voz, ainda que seja rouca e frgil.

    So instigantes os resultados do grupo de pesquisa que analisou criticamente oprprio processo de formao de educadores e educadoras do campo. Apontam inovaesnas teorias e prticas pedaggicas que orientam a formao destes educadores. Mas tam-bm, ao estruturarem os resultados de suas investigaes, focando os limites existentes no

    processo formativo desses futuros profissionais, em aspectos relacionados ao mtodoorganizativo dos coletivos onde atuam; s relaes pessoais e coletivas por elesestabelecidas; as suas prticas de estudo e prticas educativas, as pesquisas trazemindicativos de necessrias e inadiveis alteraes em alguns procedimentos adotados, casoqueiramos continuar cultivando a coerncia entre a prtica e a teoria nos processosformativos dos educadores do campo.

    Nos diferentes grupos pesquisados, embora haja dificuldades enfrentadas em seusprocessos formativos, existem tambm, simultaneamente, importantes potencialidadesdescobertas, derivadas exatamente de encontrarem-se esses sujeitos no territrio rural. Aotrmino da leitura deste livro, fica-nos a confirmao de que os movimentos sociais

    produzem conhecimento e a formao para pesquisa um elemento pedaggico estrat-gico, que deve ser cultivado, ensinado e praticado em todos os nossos cursos. O conhe-

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    cimento construdo a partir da prtica desses educadores, confrontado com as teoriasexistentes, possibilita a rica construo de um conhecimento coletivo, de novo tipo, a partirdas prticas sociais e que ser uma das condies para podermos produzir as mudanas tonecessrias no meio rural e na sociedade brasileira.

    Expressamos aqui nosso reconhecimento ao valoroso trabalho realizado pelas equipes doIterra, da UERGS, do INCRA/RS, que, com sua determinao e competncia, contriburam aolado das diferentes organizaes dos trabalhadores presentes neste Curso, Movimento dosPequenos Agricultores, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra, Movimento das Mulheres Camponesas, Movimento dos TrabalhadoresDesempregados e Pastoral da Juventude Rural, para formar mais uma turma depedagogos(as) da terra que, com certeza, faro avanar a garantia do direito educao aossujeitos do campo e, principalmente, atuaro como educadores comprometidos com aconstruo de um projeto popular de desenvolvimento para o Brasil.

    Agradecemos tambm a frutfera parceria com o NEAD, que tem valorizado a pro-

    moo dos debates dos paradigmas da Educao do Campo, promovendo a disseminaodestas publicaes.

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    IntroduoRoseli Salete Caldart2

    A pesquisa foi uma das estratgias pedaggicas do nosso curso. Numprimeiro momento foi necessrio que entendssemos a importncia da

    pesquisa para as nossas organizaes e para o perfil de pedagogo que o cursoestava propondo. (...) Um dos aprendizados do processo foi sobre o prprio atode pesquisar, sobre como observar coletar dados, como fazer anlise,buscando dialogar com os elementos tericos estudados, e como isso nos

    remete a ter que construir uma metodologia prpria da pesquisa. Peloexerccio, percebemos que somos capazes de produzir conhecimentos, eentendemos como a pesquisa importante, podendo se constituir numaferramenta (deformao e de luta) para a classe trabalhadora (Memria da

    Turma Jos Mart).3

    Este livro pretende ser testemunho de um processo de formao de educadores queinclui a pesquisa como estratgia pedaggica e foi desenvolvido ao longo de um curso degraduao em Pedagogia, especfico para educadoras e educadores do campo vinculados a

    movimentos sociais. Formar-se educador pela prtica da pesquisa e iniciar-se na pesquisaformando-se como educador foi um dos desafios importantes propostos pelo curso aos seusparticipantes.

    O que apresentamos na seqncia uma amostra dos resultados do trabalho depesquisa realizado pelos estudantes da Turma Jos Mart, do curso Pedagogia da Terra daVia Campesina Brasil, que teve como tema comum "a formao dos sujeitos do campo".So artigos produzidos pelos estudantes organizados em grupos de pesquisa, junto com osprofessores-orientadores, a partir dos trabalhos monogrficos e atravs da reflexo coletivasobre a trajetria e os resultados do processo de construo de conhecimento vivenciado nogrupo.

    Um dos objetivos da publicao deste livro o de valorizar a produo coletiva feitapela turma e pela equipe de orientao. A elaborao dos artigos em cada grupo depesquisa foi um momento pensado inicialmente apenas como culminncia do processo, emum exerccio de sntese das diferentes produes individuais em torno do foco temticogeral da pesquisa. Consideramos depois que, alm de demonstrarem a importncia peda-ggica do exerccio feito, os textos acabaram se constituindo em uma boa expressomaterial de seus resultados.

    2. Doutora em Educao, integrante da Unidade de Educao Superior do Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa da Reforma Agrria (Iterra) e da equipe decoordenao do curso de Pedagogia. 3. A "Memria da Turma Jos Mart" foi o registro feito pelos estudantes autores deste livro sobre a experi ncia educativa no curso, a cada etapa. Na lti ma,

    concluda e m setembro d e 2005, a turma construiu, a partir do conjun to de seus registros, um texto narrati vo com elementos d e anlise sobre sua trajetria col etiva.Esse trecho escolhido como epgrafe foi retirado do captulo sobre as Estratgias Pedaggicas do Curso.

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    Outro objetivo que temos com a socializao desses textos contribuir em umareflexo que nos parece muito importante, e que diz respeito formao de educadores, atuao dos movimentos sociais do campo, produo do conhecimento e valorizao dos

    sujeitos e de sua experincia humana. Trata-se de pensar a pesquisa como estratgiapedaggica na formao de educadores e de militantes sociais, como parte do prpriodesafio de produo do conhecimento comprometido com as questes atuais da vida no edo campo, e da construo de um projeto educacional emancipatrio para seus sujeitos,protagonizadas ambas por eles prprios.

    Mais do que apenas informar aos leitores sobre o contedo de cada um dos artigos,queremos nesta introduo dizer algo sobre os seus autores e sobre o contexto e o processode formao e(m) pesquisa que os produziu. Consideramos, nesse caso, que a prpriarememorao do processo apresenta o produto, medida que estamos tratando deexperincias de formao de sujeitos do campo.

    A turma que se batizou como Jos Mart, em homenagem ao poeta educador revo-lucionrio cubano, composta de estudantes que participam das seguintes organizaes emovimentos sociais do campo: Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dosAtingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Trabalhadores De-sempregados (MTD) e Pastoral da Juventude Rural (PJR). Concluram o processo do curso 45estudantes (dez homens e 35 mulheres) originrios de comunidades rurais dos estados doRio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran e So Paulo,

    O curso uma graduao em Pedagogia "Anos iniciais do ensino fundamental: crianas,jovens e adultos", realizado pelo convnio entre o Instituto Tcnico de Capacitao e

    Pesquisa da Reforma Agrria (Iterra) e a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UER-GS), com o apoio do Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (Pronera/Incra). ATurma Jos Mart fez seu curso em Veranpolis, Rio Grande do Sul, na sede do Iterra, noperodo de maro de 2002 a setembro de 2005.4

    O nome Pedagogia da Terra indica uma especificidade de pblico e de projeto peda-ggico que caracteriza tambm outras experincias do curso de Pedagogia desenvolvidaspor meio de parcerias entre diferentes universidades, movimentos sociais do campo ePronera.5 No caso da experincia do Iterra com a UERGS, h tambm a particularidade de seruma iniciativa que integra, em uma mesma turma, diferentes organizaes sociais queparticipam da "Via Campesina",6 e tambm da articulao nacional "Por uma Educao doCampo". Trabalhar esse pertencimento, essa identidade, tem sido outro grande desafio

    pedaggico para os sujeitos desse curso.

    4. Desse mesmo convnio de Pedagogia, h uma segu nda turma em anda mento no Iterra, a Turma Margarida Alves, qu e iniciou o curso em 2003 e dever conclu-lo no primeiro semestre de 2007.

    5. O primeiro Pedagogia da Terra iniciou em 1998, numa parceria e ntre Iterra, Uni versidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Uniju) ePronera . Hoje, incio de 2006, h 11 turmas em di versos estados. Outras informaes sobre a construo dessas iniciati vas podem ser encontradas em: Cadernosdo Iterra ano II, n. 6, dezembro de 2002.

    6. A Via Campesina uma articulao internacional de organizaes camponesas criada no incio da dcada de 1990 a partir de diferentes aes na Amri caLatina e Europa. Atualmente, composta por 127 organizaes de todos os continentes e sua secretaria executi va funciona em Jacarta, na Indon sia. No Brasil,integram a Via Campesina: MST, MAB, MPA, MM C, PJR, CPT (Comisso Pastoral da Terra) e Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil (Feab).

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    As turmas de Pedagogia da Terra so especficas para educadoras e educadores docampo que atuam em espaos educativos de comunidades rurais e tm se desenvolvidoespecialmente pela iniciativa de movimentos sociais. No projeto pedaggico desse curso huma intencionalidade formadora que reconhece a especificidade do campo e de seus

    sujeitos, no apenas acolhendo suas necessidades educativas, mas tambm abrindo auniversidade para novas alternativas de formato da oferta da educao superior, de modo apermitir o acesso e a permanncia nos cursos para aquelas pessoas que vivem e traba lhamlonge (geogrfica e socialmente) dela.

    Essa adequao metodolgica uma das razes do porqu essas experincias tm seucurrculo organizado em etapas, com tempos e espaos alternados entre universidade(tempo escola) e locais de origem e de trabalho dos estudantes (tempo comunidade). H,pois, um tempo intensivo de aulas e de outras atividades pedaggicas que so realizadas nolocal do curso (em nosso caso, no Iterra), entre 40 e 50 dias letivos em cada etapa, e umoutro tempo de atividades, vinculadas ao curso, mas tambm ao trabalho e militncia nos

    movimentos sociais, que acontece em suas comunidades de origem, num perodoaproximado a 90 dias por etapa. No curso Iterra/UERGS, foram oito etapas. A organizao de tempos acaba sendo aceleradora de dimenses pedaggicas im-

    portantes na formao dos educadores, entre elas a de intencionalizar o processo deformao na perspectiva da prxis, no que as atividades de pesquisa podem contribuirsignificativamente.

    O curso de Pedagogia da UERGS, criado no mesmo perodo da negociao do con-vnio para este Pedagogia da Terra, nasceu com a marca da Educao Popular, 7 e incluiu apesquisa como uma de suas principais estratgias de formao do educador. Em sua basecurricular, foram garantidos alguns componentes (disciplinas) responsveis pela articulao

    e coordenao do processo em cada etapa, ao longo de todo o curso, culminando com aelaborao do trabalho de concluso. Na discusso especfica do projeto pedaggico do curso do Iterra definimos com a

    universidade, por meio de sua coordenao especial para as turmas de convnio commovimentos sociais, que seria construdo um projeto de pesquisa geral para cada turma,desdobrado na constituio de grupos de pesquisa e de projetos individuais que culmina-riam em trabalhos monogrficos a serem defendidos publicamente, perante banca, at astima etapa do curso. A escolha do tema caberia aos prprios estudantes, por meio dodilogo com suas organizaes sociais de origem.

    O que se pretendia era desenvolver um processo que, alm de exercitar/iniciar osestudantes na produo de conhecimento mais rigorosa e metdica, gerasse como resultado

    conhecimentos relevantes para as questes das prticas pedaggicas dos movimentos epara seu desafio comum de construo da Educao do Campo.

    Buscou-se, na experincia concreta, incluir a pesquisa no ambiente educativo docurso, no apenas como atividade, mas como ao articuladora da produo do conheci-mento e da sua atuao de pedagogos e pedagogas da terra, educadoras e educadores dossujeitos do campo, estes mesmos sujeitos que foram afinal transformados em seu "objetode pesquisa".

    7. A U ERGS foi criada em 2001 e entre as caractersticas de seu processo inicial destacam-se a articulao com os movimentos sociais e o debate de um projeto dedesenvol vimento regio nal vinculado aos re ferenciais da educao popular.

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    O tema escolhido para a pesquisa da Turma Jos Marti foi o da "formao dos sujeitosdo campo". O recorte proposto foi o da formao dos sujeitos coletivos (especialmente decomo os prprios movimentos sociais vo se constituindo como sujeitos coletivos e comdimenso pedaggica), articulado a questes do desenvolvimento humano em seus

    diferentes ciclos etrios. "Quem so os sujeitos do campo?" "Como se formam/se educam nos diferentes

    espaos onde desenvolvem sua experincia humana: na famlia, no trabalho, nas relaescomunitrias, na escola, no movimento social?" "Quem so e como se educam as crianas,os jovens, os adultos, os idosos do campo?" "Como se constituem a infncia, a juventude, aidade adulta e a velhice no campo?" E "quem so e como se formam os educadores dossujeitos do campo?" "Que processos formadores vivenciam na prpria ao de educar?"Essas questes, formuladas nas etapas iniciais do curso, orientaram todo o processo depesquisa e certamente permanecem como possibilidades fecundas para continuidade dareflexo.

    A deciso sobre o tema foi tomada pelo "Colegiado da Via Campesina", instnciacriada para coordenao geral dos convnios com a UERGS.8 As discusses principaisaconteceram no perodo das duas primeiras etapas do curso, momento em que os seus"sujeitos" j eram para ns pessoas concretas, e que podiam tomar posio sobre a propostada pesquisa junto com suas organizaes. Foi ali tambm que se decidiu trabalhar com osciclos etrios da infncia, juventude, idade adulta e velhice, e tambm ter um grupotrabalhando especificamente com a questo da formao do sujeito educador, incluindognero como uma das categorias a ser abordada pelos trabalhos, ou pelo menosconsiderada na escolha dos sujeitos da pesquisa emprica.

    No contexto de atuao dos movimentos sociais, estudar sobre a formao de sujeitos

    significa afirmar uma concepo de histria que, sem desconsiderar as condies objetivasdos processos sociais, inclui o movimento dos sujeitos humanos, pessoas e coletividades,suas experincias, iniciativas, escolhas, e as relaes, contradies, tenses e conflitos quevivem e provocam. Os movimentos sociais tm como fundamento de sua dinmica aconvico de que o ser humano sujeito da histria, e de que possvel (alm de necessrio)formar cada pessoa, cada grupo social, para que passe (ou pelo menos se movimente) de"sujeitado", passivo, a sujeito, "portador de ao".9

    No caso desse processo de pesquisa, o recorte temtico dos sujeitos do campo foicompreendido pelas organizaes, e depois pelos prprios estudantes, a partir de duassignificaes principais. De um lado, como uma oportunidade de conhecer-se mais pro-

    fundamente, enquanto sujeitos coletivos, e tambm de conhecer melhor os sujeitos hu-manos que integram a sua base social e ento poder qualificar seu trabalho organizativo,pedaggico; sua poltica e seus mtodos de formao.

    8. Inclui a particip ao de representantes dos movimentos sociais e pas torais, do Iterra, da Fundep, da UERGS e dos estudantes de cada turma. A Fundao deDesenvolvi mento, Educao e Pesquisa da Regio Celeiro (Fundep) a entidade que realiza o curso de "Desenvolvimento Rural e Gesto Industrial", tambm emconvnio com a UERGS. 9. Esta tenso conceitual est na pr pria trajetria da palavra "sujeito". Segundo Leandro Konder, "o termo sujeito mais comple xo do que pode parecer primeira vista (...). A palavra existia no latim medieval, escol stico, empregada em contraposio a objectus. Em sua orig em latina, anterior ao seu uso medi eval,subjectus o particpi o passado masculino do verbo subjicere (...) qu e, entre muitos outros sentidos, significa submeter, subjugar.." Ou seja, nesta acepooriginal, sujeito quer dizer sujeitado, subordinado e r eduzido passividade. Mas, tambm segundo nos chama a ateno Konder, paralelamente hist ria deconser vao do sentido antigo, o ter mo passou a se firmar com o sentido novo da distino entre sujeitoe objeto. Kant e Hegel, na passage m do s culo XVIII para oXIX, na Alemanha, foram os filsofos que "enfrentaram com disposio radical o desafio de r epensar a relao sujeito/objeto luz das novas condies histricas,

    nas qu ais os i ndivduos , em nmero cr escente, estavam se reconhecendo como sujeitoscapazes de se afirmarem sobre os objetos, inter vindo, de algum modo, noprocesso histrico da mudana da realidade 'obj etiva'." Marx, em que pese todo seu acerto de contas com o idealismo alemo, incorporou e levou adiante estenovo sen tido de sujeito, que hoje mais comum entre ns. (Konder, Leandr o. A questo da ideologia. So Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 24-28.) Nosmovi mentos sociais geral mente a palavra sujeito e mprega da indica ndo ao.

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    De outro, pensando em parte da sociedade (que inclui parte da universidade) que aindareluta em admitir a pertinncia de um tratamento especfico, especialmente na rea daspolticas pblicas, para o povo que vive no campo, esta pesquisa poderia integrar o esforode afirmao destes sujeitos, com sua existncia concreta, suas questes e identidade. O

    reconhecimento dos sujeitos do campo materializa os chamados "direitos universais" emdireitos coletivos especficos, objeto de lutas sociais concretas, e uma condio necessriapara a construo de polticas como as de Educao do Campo.

    Mesmo assim, a deciso de compor os grupos de pesquisa pelos ciclos etrios implicouuma discusso mais demorada; pela novidade que isso representava para as organizaes etambm pelos limites que esse recorte imporia aos trabalhos. E a novidade maior ficou porconta de pesquisar sobre os idosos do campo, o que ainda no tinha sido feito por cursos oupesquisadores vinculados a essas organizaes sociais. Na turma, este tambm foi o grupoconstitudo por ltimo, porque os estudantes temiam que sua escolha pudesse parecer

    "esquisita" para suas comunidades de origem, j que em nenhum dos movimentos havia umaintencionalidade de atuao com os idosos, o que j existe h certo tempo, pelo menos emalguns deles, com as crianas e com os jovens, por exemplo.

    A opo pelo estudo dos sujeitos, e especialmente pelos ciclos etrios, exigiu dosestudantes-pesquisadores uma reeducao do olhar, que precisou ser exercitada tambm emoutras atividades do curso. E talvez essa reeducao do olhar tenha sido um dos principaisresultados desse processo de pesquisa, especialmente do ponto de vista da formao dopedagogo, do educador: uma atitude de prestar ateno aos sujeitos e como se educam, quefoi se tornando uma convico pedaggica, "testada" tambm durante as prticas educativase os estgios de docncia acompanhados pelo curso. Sobre essa reeducao do olhar refletiu

    uma das educandas em seu "Memorial de Aprendizados:

    10

    Para mim, o maior significado da realizao deste trabalho de pesquisa foi o deaprender a olhar para o ser humano como centro de tudo. E, a partir deste olhar,aprender a conhecer desde as suas razes culturais at o meio em que vive hoje.Saber por que determinada pessoa atua ou age de tal forma, compreendendo asrelaes que se estabelecem no meio em que vive, extraordinrio para qualificar aprtica de pedagogos militantes (Marilene Cupsinski).

    A partir das discusses e do detalhamento da proposta da pesquisa com a turma, e daescolha individual do grupo a pertencer (ou dos sujeitos a "olhar"), comearam os "mo-vimentos da pesquisa", que perpassaram todas as etapas, a partir da segunda, com tempos eritmos marcados pela prpria "circunstncia" dos tempos/espaos do curso, j que algumasatividades podiam ser melhor desenvolvidas durante o tempo escola (como pesquisabibliogrfica, produo escrita e interlocuo mais direta com os orientadores) e outras notempo comunidade (como o trabalho de campo ou o encontro com os sujeitos/ objetos dapesquisa).

    10. C ada estudante escreveu um Memorial de Aprendizados do Curso, concludo na ltima etapa, em setembro de 2005.

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    Destaque-se que uma das grandes riquezas do processo foi a constituio dos grupos depesquisa. Sua composio incluiu estudantes de diferentes movimentos sociais e, portanto,de diferentes lugares, s vezes de diferentes estados, o que permitiu um dilogo fecundopara o conjunto do processo pedaggico do curso. H uma breve descrio da composio

    e do processo de trabalho dos grupos em cada artigo. E foi uma experincia especialmentesignificativa a de buscar construir a identidade do grupo pelos sujeitos: "grupo dos jovens","grupo das crianas",... a ponto de que este "pertencimento" acabava sendo o destaque dasapresentaes pblicas de cada grupo, estendendo-se para diferentes tempos e atividadesdo curso: "os idosos esto chegando..."

    Podemos identificar dois "tipos" de movimentos (entrecruzados) da pesquisa que doconta, de certo modo, de descrever o processo vivenciado pela Turma Jos Mart:movimentos ligados s aes que foram se desdobrando at chegar produo dos textosque compem este livro, e movimentos ligados aos aprendizados ou formao de umadeterminada postura de pedagogo-pesquisador que estiveram permeando o movimento

    entre as aes. Ressaltam-se como movimentos importantes nessa trajetria: o movimento entre oencontrar-se de cada estudante consigo mesmo na tarefa de pesquisador, percebendo (svezes com certa dor) que ningum podia fazer a tarefa por ele, e o constituir do grupo depesquisa como coletivo de interlocuo e entre ajuda solidria.

    O movimento entre o trabalho individual e a construo coletiva, passando pelodilogo (s vezes enfrentamento) com o orientador, a orientadora da pesquisa, com ogrupo, a turma e a organizao de origem. Entre fazer o projeto e fazer a pesquisa; entre otrabalho de campo e a leitura da bibliografia, com a descoberta de que o dilogo entre oemprico e o terico mais complexo do que parece.

    O movimento entre observar, pensar, falar e escrever, aprendendo que nem sempreessas aes coincidem e geram os mesmos significados, que os processos no so linearese nem sempre se caminha para frente. Entre a exposio oral dos resultados para os colegasdo grupo e para a orientao e a defesa perante a banca, e depois (ou antes) perante osprprios sujeitos pesquisados e os representantes de sua organizao.

    O movimento entre sensibilizar-se para o estudo daqueles sujeitos especficos, apai-xonar-se pelos "achados de pesquisa", racionalizar a compreenso da realidade e entusiasmar-se com as novas possibilidades de estudo e de ao.. Entre dar-se conta e aproveitar osconhecimentos que j se tem sobre a realidade pesquisada, medida que a maioria dosestudantes fez o trabalho de campo no mesmo lugar em que mora ou trabalha, e "estranhar" ou"desnaturalizar" essa mesma realidade, formulando perguntas, muitas perguntas.

    Tambm o movimento entre analisar e propor, compreender e tomar posio, distin-guindo (enquanto processos) o tempo da pesquisa do tempo da "interveno" ou damilitncia poltica; e entre buscar o rigor intelectual, quebrar a resistncia ao estudo dasteorias e, ao mesmo tempo, valorizar a experincia e as prprias idias, suas e da suaorganizao.

    De cada um desses movimentos se poderiam compor uma densa narrativa e refletirsobre mltiplas possibilidades de aprendizados desdobrados e lies que ficam para outrosprocessos. Isso fica como convite, especialmente aos prprios sujeitos da experincia.

    Olhando para a cronologia desse processo, podemos dizer que as etapas tiveramalgumas nfases, relacionadas aos passos dados na pesquisa. O projeto de pesquisa teve

    sua elaborao principal durante a terceira etapa; iniciou-se no tempo comunidade dasegunda e teve "decretada" sua verso final no incio da quarta. O trabalho de campo

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    comeou no tempo comunidade da terceira etapa, mas concentrou-se principalmente nostempos comunidade da quarta e quinta etapas e para alguns se prolongou at a sexta; oexerccio coletivo de anlise dos dados teve nfase no tempo escola da quinta etapa, ondetambm iniciou para a maioria dos estudantes a produo escrita da monografia e acon-

    teceu um exerccio de "defesa" oral (perante a turma e a coordenao do curso), do "planoprovisrio do trabalho monogrfico".

    As bancas de defesa pblica foram realizadas em duas fases, respeitando-se o tempode produo de cada estudante. Na sexta etapa, foram 22 defesas e na stima 23. Tambmna stima etapa os grupos de pesquisa comearam a produo dos artigos e fizeram umaapresentao dos principais resultados das suas pesquisas para o Colegiado da ViaCampesina e outras pessoas convidadas de cada organizao.

    A equipe de orientao foi constituda durante o tempo comunidade da segunda etapae passou a atuar com os estudantes a partir do tempo escola da terceira, exatamente nomomento principal da elaborao dos projetos individuais de pesquisa. Comeou nesse

    momento porque foi necessrio certo tempo para que o curso conseguisse articular pessoasdispostas tarefa (voluntria e generosa), com experincia de pesquisa e conhecimentoespecfico sobre o recorte dos ciclos etrios. Devido recente criao da UERGS, no erapossvel contar somente com seus professores. Foi acionada a rede de educadorescolaboradores do Iterra e da Via Campesina.

    A maioria dos orientadores veio da Faculdade de Educao da UFRGS e todos tiveramque incluir a tarefa de orientao em uma agenda j carregada de trabalho. Fizeram isso,como disseram em vrios momentos, pelo compromisso social e pela convico de que setratava de um processo com mltiplas possibilidades de aprendizado mtuo. Para alguns, anovidade era o recorte do campo; para outros, da relao mais direta com os sujeitos dosmovimentos sociais e para outros ainda, no era a novidade, mas a continuidade de umtrabalho que j faziam com outros grupos de estudantes, do prprio Iterra.

    Cada grupo de pesquisa teve dois professores-orientadores. Primeiro, a idia era com-binar a orientao de grupo, feita nos encontros de cada tempo escola, com uma orientaoindividual feita por outra pessoa, que seria buscada pelos prprios estudantes em seus locais deorigem. Logo depois de comear o processo, a equipe decidiu que assumiria tambm aorientao personalizada de cada membro do grupo, prosseguindo o trabalho durante o tempocomunidade, "do jeito que fosse possvel". A reflexo era de que uma dupla orientaopoderia mais confundir do que "orientar" quem estava se iniciando em atividades de pesquisa.

    Cada grupo de pesquisa foi constituindo sua prpria dinmica, a partir de diferentesformas de relao, de estilos de trabalho, de mtodos de orientao. De certo modo, pode-se

    dizer que vivenciaram diferentes processos, dentro de um processo comum. Gruposmaiores acabaram se dividindo para facilitar o dilogo, ficando um orientador para cadasubgrupo. O desafio era combinar a ao autnoma de cada grupo, de cada dupla deorientadores, com metas comuns e com a perspectiva terico-metodolgica que orientava aproposta geral da pesquisa. As tenses dessa escolha fizeram parte dos aprendizados doprocesso para todos. Trabalh-las a cada etapa com a turma foi uma das tarefas assumidaspela coordenao do curso e pelas "aulas" de metodologia da pesquisa.

    Os "movimentos da orientao" em cada grupo tambm poderiam compor uma ricanarrativa. De certo modo, ficam um pouco expressos nos textos produzidos pelos grupos.Mas o que ficou demonstrado no processo , de fato, a importncia da orientao efetiva

    (de grupo e personalizada) em um processo de iniciao pesquisa como esse. E nosdepoimentos da Turma Jos Mart, possvel perceber que se trata de uma relao que,

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    centrada no conhecimento, e no seu mtodo de construo, no se restringe a ele:

    No comeo eu ficava incomodada com tantas perguntas. Ele s me perguntava;em vez de me dizer o que Jazer, o que ler, ele me Jazia perguntas, muitas perguntas. Aos

    poucos fui entendendo por qu.A tarefa dos orientadores era nos fazer pensar, muito; e nos fazer reescrever um mesmotexto muitas vezes; no comeo a gente fica chateado; depois que a distncia sequebra, fica mais fcil.Os nossos orientadores nos ensinaram a amar e ser ousados; nunca esquecereiisso, parece que os sinto fortes dentro de mim quando penso na alma e energiaque nos repassaram durante todo o processo, a cada etapa.O mais importante que eles no nos disseram como fazer; eles fizeram a genteentender como deveria fazer... 11

    A produo coletiva dos artigos nos grupos foi um desafio especfico. Comeouainda no "calor" das defesas individuais da stima etapa e se prolongou at depois do final docurso. Como fazer uma sntese de trabalhos monogrficos, s vezes to diversos? E comotrabalhar abstraindo das pesquisas individuais, mas sem perder talvez a parte mais rica dostrabalhos, que foi a sua pesquisa emprica? E como escrever um texto a tantas mos?Novamente, cada grupo estabeleceu sua prpria dinmica, e a tarefa teve menosdificuldades para aqueles que j tinham conseguido instituir no processo uma prtica deconstruo coletiva. O que se buscou garantir em todos os textos foi combinar a partici-pao ativa dos orientadores no prprio processo de escrita com a efetiva autoria dosestudantes. Os resultados so apresentados a seguir.

    Por fim, algumas informaes sobre a estrutura deste livro.So sete artigos. O primeiro, "Pesquisa e formao de educadores nos movimentossociais do campo" foi escrito por ltimo. Seus autores, que tambm foram orientadores degrupos de pesquisa, buscaram fazer uma reflexo sobre o significado deste processo parapensar a formao de educadores e a produo de conhecimento nos movimentos sociais.A deciso de escrever o texto foi tomada durante o processo de organizao do livro, porentendermos que ele ajudaria a chamar a ateno para questes relevantes, algumas delas

    j brevemente indicadas nesta introduo, suscitadas por esta experincia, mas queintegram um debate bem mais amplo e atual.

    Depois comea a seqncia dos seis artigos produzidos pelos grupos de pesquisa daTurma Jos Marti: idosos, adultos, jovens (que so dois textos porque foram dois grupos),

    crianas e educadores, este ltimo, o que no trabalhou com a questo especfica de cicloetrio. Cada texto procurou responder, do seu jeito, e a partir das pesquisas realizadas pelosestudantes, a pergunta que comeou tudo isso: "Como se formam os sujeitos do campo?" Einiciar com o que pareceria o fim uma provocao para pensarmos: onde mesmo est ocomeo? Talvez esteja na constante possibilidade de continuar.

    Porto Alegre, janeiro de 2006.

    11. Estes depoi mentos f oram extrados das anotaes de um balano sobre o processo da pesquisa, feito pela turma logo depois da primeira fase das bancas dedefesa das monografias.

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    Pesquisa e formao de educadores nos

    movimentos sociais do campo Conceio Paludo e Johannes Doll12

    Um dos aprendizados significativos que tive no processo desta pesquisa e naconstruo da monografia est ligado prpria importncia de pesquisar para

    entender, de fato, uma realidade. A tendncia que temos de pensar queconhecemos um determinado espao e o povo com quem trabalhamos, e duranteo processo de pesquisa fui percebendo como sabemos pouco e precisamosaprofundar este conhecimento, para fazer um trabalho organizativo e educativomelhor fundamentado. Nesse sentido aprendi a estranhar aquilo que parecia normal,que era consenso. Outro aprendizado est ligado ao mtodo de pesquisa, no sentidodos aspectos que devem ser olhados pelos pedagogos/as: a necessidade de perceberos sujeitos e as relaes entre eles, como vivem, como se relacionam, qual omovimento que percorrem na sua formao, qual sua historicidade, cultura,quais as contradies da sua realidade; ou seja, preciso olhar as pessoas narelao com sua realidade, no movimento e nas suas contradies... (Alexandra

    Borba da Silva).13

    Pesquisa um elemento necessrio para formar educadores? Durante muito tempono se viu essa necessidade, e alguns autores ainda defendem a idia de que o trabalho doeducador no tem nada a ver com pesquisa e que, portanto, no seria necessria para a suaformao. Por outro lado, especialmente no contexto da Didtica, cresceu nos ltimos anos aliteratura que destaca a. pesquisa como um dos eixos da formao do educador. Ainda, demodo geral, h uma tendncia em considerar a pesquisa como importante na graduao eem outros nveis de ensino.

    Consideramos que a tendncia de valorizao da pesquisa tambm pode ser as-sociada Terceira Revoluo Industrial e s mudanas no padro de acumulao docapital, aliados a outras transformaes mundiais, como a globalizao e a supremacia domercado, ocorridas nas ltimas dcadas, que possibilitaram um destaque muito grande aoconhecimento, evidenciando a necessidade de t-lo e provocando uma verdadeira corridaem sua busca. Isto to palpvel que, no Brasil, a exemplo de muitos outros pases, aeducao prevista para todos a Educao Bsica, que inclui o Ensino Mdio - o que, at

    12. Conceio Paludo, doutora em Educao, professora pesquisadora da UERGS. Johannes Doll, doutor em Educao, professor pesquisador da Faculdadede Educa o da UFRGS. Ambos integraram a equipe de orienta o da pesquisa de que trata este li vro.

    13. Alexandra uma das estudantes do curso de Pedagogia e tambm autora deste livro. Essa citao foi extrada do seu "Me morial de Aprendiz ados" , escrit o emsetembro de 2005.

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    bem pouco tempo no se colocava na Legislao sobre Educao, o que se buscava era oEnsino Fundamental, determinado em lei, na obrigatoriedade dos oito anos de estudo.

    nesse contexto que a palavra pesquisa vem ganhando destaque. sobre o "ato depesquisar", seu papel na graduao e, especificamente, na formao de educadores, que

    nos propomos a refletir desde a experincia que vivenciamos nos movimentos sociais docampo, parte dela apresentada neste livro, sob a forma de artigos.

    Num primeiro momento, refletimos sobre a importncia da democratizao do acessodas ferramentas da produo do conhecimento na graduao, o que ocorre por meio dainiciao cientfica, de modo a propici-las ao conjunto dos estudantes sem que impliqueperda da qualidade e do papel que deve ser desempenhado pela pesquisa no processo deproduo do conhecimento. Num segundo momento, trazemos alguns significados dapesquisa para os movimentos sociais do campo e algumas das tenses que se apresentamnestes processos quando insere, na agenda dos estudantes, o aprendizado da realizao depesquisas e, finalmente, buscamos refletir sobre a pesquisa na formao de educadores,

    sujeitos especficos da experincia da qual participamos.

    Pesquisa na graduao

    Uma das tendncias atuais ainda define o espao da pesquisa, compreendida comoum processo formal, rigoroso e sistemtico de produo de conhecimento relevante, 14

    como sendo a academia, na qual, o seu lcus privilegiado continua sendo reconhecidocomo a ps-graduao, cujo objetivo o de formar pesquisadores. Nesse caso, vinculada aocontexto cientfico, pesquisa aparece como uma forma, para um leigo incompreensvel, dedescobrir uma verdade escondida. "Pesquisa comprova que o primeiro homindeo foi

    morto, dois milhes de anos atrs, por uma grande ave de rapina". Para dominar os mtodoscientficos, que revelam tais segredos, necessrio, ser cientista, doutor, e acessvelsomente a um pequeno grupo de pessoas escolhidas e com dedicao total.

    Hoje, entretanto, acompanhando a grande nfase dada ao conhecimento, ampla-mente reconhecida a importncia da iniciao cientfica na graduao. Ela tida como uminstrumento que permite a introduo dos estudantes de graduao na pesquisa cientficacumprindo, entre outros, com os objetivos de formar recursos humanos; incentivar possveistalentos para a pesquisa; contribuir para a reduo do tempo mdio de titulao de mestrese doutores; qualificar para a realizao de pesquisas e qualificar a formao profissional egeral dos estudantes. 15

    O Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), porexemplo, embora desde sua criao, em 1951, tenha institudo algumas bolsas de iniciaocientfica, em 1989 criou o Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica (Pibic),ampliando significativamente o apoio pesquisa na graduao. Assim como o CNPq, outrasinstituies de fomento possuem programas semelhantes. As universidades tambm e cadavez mais institui tais programas, realizando, mostras de iniciao cientfica. 16

    14. Conheci mento relevante est sendo compreendido como o q ue importante para a sociedade e como o que possui possibilidade de aplicao e m reasexternas a do desen volvimento da pesquisa.15. Paludo, 2005.16. Consultamos as pginas, na Internet, de algumas Universidades brasileiras: Unicamp; Unifest; UFMG; PUC-SP; UFPR; UFRGS e UCS. Ver, tambm, Rocha,2003.

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    O que importante resgatar, neste texto, que atualmente h um conjunto de ini-ciativas que objetiva vincular somente alguns estudantes da graduao, das diferentes reasdo conhecimento e cursos, a programas de pesquisa existentes nas universidades, na suamaioria, vinculados a ps-graduao. Embora alguns alunos participem voluntariamente, os

    programas institudos fomentam essas iniciativas com bolsas de iniciao cientfica. Damesma forma que a anterior, essa tendncia continua privilegiando uns em detrimento deoutros, como se, na graduao, tambm tivesse de ter somente alguns poucos escolhidospara realizar tal trabalho.

    H a terceira tendncia, tambm fruto de um contexto em mudanas, que aponta paracerta banalizao da palavra "pesquisa", principalmente na sua forma de verbo - pesquisar.Pesquisamos os preos e quando os alunos na escola procuram uma informao em umlivro, costuma-se dizer que pesquisam. Assim, a pesquisa tornou-se sinnimo de procuraralgo ou de comparar coisas. Uma atividade nada misteriosa, bem simples, quase banal. Nopoucas vezes, tal tendncia se apresenta sob o nome de "a pesquisa como princpio

    educativo", indicando, o que nem sempre a prtica confirma a importncia do aprendizadoda investigao, desde cedo, pelos estudantes. 17Desde a experincia que vivenciamos, tivemos um processo de pesquisa que ao

    mesmo tempo em que se aproxima se distancia das tendncias apontadas. A proximidade com a primeira tida pelo reconhecimento de que o ato de pesquisar

    um processo formal, rigoroso e sistemtico de produo de conhecimento relevante e, delase afasta, quando elege a academia e a ps-graduao e uns poucos que a podemfreqentar como os que so capazes de realizar pesquisas.

    Da segunda tendncia nos aproximamos quando estende a pesquisa para a gradu-ao, reconhecendo a importncia da mesma para a formao dos estudantes, mas nos

    distanciamos quando, do mesmo modo, privilegiam alguns para o aprendizado e realizao dapesquisa.Da terceira tendncia, nos afastamos quando banaliza o processo de realizao das

    pesquisas e nos aproximamos quando resgata a importncia para as prticas educativas doseducadores, em todos os nveis, se pautarem por procedimentos que possibilitem aosestudantes se apropriarem de ferramentas que os levem para alm de ser repetidores decontedos. Ou seja, h um ambiente de aprendizagem, no cotidiano, que torna relevante,sob a orientao do educador, o esforo de busca e elaborao por parte dos estudantes.(Demo, 2002)

    Sendo assim, faz-se necessrio refletir um pouco sobre a pesquisa e o papel quedesempenha na graduao. Alguns aspectos merecem destaque:

    1) A pesquisa na graduao deve ser compreendida como iniciao cientfica. Como aprpria nomeao se refere, diz respeito ao aprendizado das ferramentas que permitem, paraalm de organizar o conhecimento, produzir conhecimentos relevantes socialmente. Esse um aprendizado que requer mais do que algumas aulas de metodologia cientfica.

    17. Gatti (2002) trabalha no sen tido de diferenciar a pesquisa em sentido amplo e a pesquisa em sentido restrito. O primeiro tr ata da pesquisa como o ato de"procurarmos obter conhecimento sobre qualquer coisa" (p. 9); o segundo, "visando criao de um cor po de conhecimentos sobre certo assunto, o ato depesquisar deve apresentar certas caractersticas especficas" (p.9). A autora se refere da sistematicidade, da rig orosidade nos procedimentos, no rompimento com osenso comum, na busca do desvendamento de processos, entr e outros.

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    Em nossa experincia, demandou uma disciplina que atravessou os semestres e anos deformao dos estudantes. 18 Esse tempo necessrio, porque os estudantes trazem ac-mulos de conhecimento e de experincias diferenciadas e, na medida em que se querpossibilitar este processo de aprendizagem para todos, preciso partir do que uma turma de

    estudantes pode coletivamente, mas tambm respeitar o processo de cada um, respeitandoas individualidades e apostando em todos e em cada um sempre.

    2o) Outro elemento importante no ter a pretenso de que o aprendizado vai fazer detodos os estudantes profissionais da pesquisa. O processo de pesquisa na graduao, paramuito alm de encurtar o tempo de realizao de uma ps-graduao, "formar recursoshumanos",... tem que ser compreendido na sua potencialidade para a realizao daformao humana, para a emancipao humana. Isto , na possibilidade que propicia para aformao de sujeitos crticos, com capacidade de problematizao, organizao, manejo eproduo de conhecimento que os coloca no patamar efetivo de poder se renovarpermanentemente, com autonomia. Isso, independentemente do local de atuao, coloca o

    estudante em condies de garantir meios de sobrevivncia e de ampliar as possibilidadesde se colocar como sujeito frente aos desafios apresentados pela realidade, discutir estesdesafios, tendo condies posicionar-se e de nela intervir.

    3o) Pensar assim a iniciao cientfica requer que ela seja pautada, alm do rigorformal, pela desmistificao da cincia19 como a que tudo pode, porque quem faz cincia soseres humanos que, como lembra Freire (2003), so seres de opo, e a atividade cientfica,como toda a atividade humana, est voltada para valores e fins.

    4o) Enquanto procedimentos terico-metodolgicos e de cientificidade das propostas depesquisa, nossas experincias nos cursos que envolvem movimentos sociais tm mostradoque, em primeiro lugar, devemos realizar a discusso sobre a cincia e o conhecimento, o que

    no impede de, numa articulao entre teoria e prtica, os estudantes realizarem observaesde algum aspecto da realidade acompanhada de registro e de anlise. importante, entretanto,os estudantes terem a compreenso de que a cincia tambm produo humana e, como tal,sujeita a diferentes concepes e mtodos. Igualmente, necessrio que compreendam acrise de paradigmas hoje instaurada (Kuhn, 2001).

    fundamental, ainda, que compreendam os mtodos cientficos como caminhos quepodem nos levar a obteno de anlises e resultados confiveis se houver sistematicidadena busca das respostas. 20 Tambm preciso a discusso da tica cientfica, como forma desubmeter o ato de pesquisa a fins e valores condizentes com a cincia, como atividadehumana a servio do bem-estar humano. Enfim, apesar das normatividades, a cincia e ocampo cientfico so permeados por conflitos e contradies e sumamente relevante queos estudantes tenham acesso a estas controvrsias. 21

    18 C oncor damos co m Demo (2002), q uando diz qu e es te processo de Iniciao Ci entfica no deveria constituir um programa em separado e q ue a pesquisadeveria p ermear toda a vida acadmica. Enquanto as condies para viabilizao de um ambiente educativo desta natureza no se efeti varem, um componente ouprograma nesta direo contribui para o avano nesta perspectiva.19. Isso no significa " desvalorizar", ao contr rio, valorizar o conhecimento e os mtodos cientficos, conhecendo seu poder, suas possi bilidades, ao mesmo tempotambm saber das suas limitaes.

    20. O processo de iniciao cie ntfica no um faz-de-conta, trazendo, em muitos casos, resultados interessantes e cientificamente rele vantes, como os artigosdeste livro d emonstram.

    21. Referimo-nos, por exemplo, aquelas que dizem respeito cientificidade das cincias sociais na sua comparao com as cinci as da natureza; a supremaciado conheci mento cientfico sobre os outros conhecimentos; a relao entre mtodos quantitati vos e qualitativos; a relao entr e conhecimento e ideol ogia e aquesto da verdade e da relati vidade do conhecimento.

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    Somente depois de iniciada a discusso dos aspectos tericos, metodolgicos,polticos e ticos implicados sob o pomposo nome de cincia, que, de forma sistemtica,se inicia o processo de elaborao do projeto de pesquisa que deve garantir os critrios derigorosidade, para a realizao da pesquisa. No processo de formulao e implementao

    do projeto, muitas e muitas vezes se retorna discusso dos aspectos anunciados. Dos aspectos metodolgicos22 envolvidos no "ciclo da pesquisa" (Minayo, 1994), que

    devem ser compreendidos como em permanente movimento e de modo interconectado,destacamos as seguintes fases: - a inicial, exploratria, que precede a definio do objeto; - ada definio e formulao clara do objeto e da compreenso dos seus vnculos com arealidade e com um campo de conhecimento, da elaborao de questes secundrias,importantes de serem investigadas para se chegar questo ou problemtica principal23 e dapreciso e formulao dos objetivos; - a da busca de um quadro terico que, nesse nvelpode ser o de definir, no dilogo com autores, os principais conceitos relacionados com aproblemtica de estudo; - a de elaborao dos procedimentos de coleta e de dados; a de

    anlise e escrita de relatrio; a de apresentao pblica dos resultados e de planejamento dadevoluo para os sujeitos envolvidos no processo de pesquisa. O desenvolvimento de processos de iniciao cientfica, bem como a orientao aos

    grupos e a cada um individualmente no uma tarefa fcil. Essa tarefa tem-se revelado,entretanto, fundamental para o processo de aquisio de autonomia intelectual por partedos estudantes. Assim como para conseguirem compreender que a realidade movimento eque o movimento do pensamento tem de ser direcionado no sentido de captar estemovimento, o que os coloca tambm na condio de estar sempre se renovando, sabendoverificar tendncias, e poder, apesar de todos os condicionantes, se colocarem comosujeitos na direo da interveno qualificada na realidade.

    Pesquisa nos movimentos sociais do campo24

    hora de entrarmos em mais um nvel de aproximao com a experincia vivenciada.Nesse nvel, falamos dos movimentos sociais do campo que integram a Via Campesina25 e dosestudantes do Movimento dos Trabalhadores Desempregados, que tambm realizam o curso.O que nos interessa destacar alguns elementos de potencialidades e tambm de limitesque observamos, na relao entre os movimentos (seus estudantes) e os processos depesquisa.

    Uma primeira observao quer chamar a ateno sobre a insero desses movimentosnas atividades formais de educao. So estes movimentos que tm impulsionado esustentado, desde a sociedade civil, o que se chama de Educao do Campo, que uma

    nova forma de conceber e realizar a formao dos sujeitos que vivem no e do campo, in-fluenciando, tambm, na formulao de polticas pblicas, um dos passos necessrios, noBrasil, para instituir direitos. Ainda, esses movimentos possuem um grande trabalho deeducao de jovens e adultos e realizam experincias de formao em todos os nveis,inclusive em nvel de graduao e em alguns cursos de extenso de grande durao, onde sorealizados processos de pesquisa com os estudantes.

    22. Meto dologia est sendo compreendida como "o caminho do pensamento e a prtica exercida na abordagem da realidade" (Minayo, 1994).23. Neste nvel de Iniciao Cientfica nem sempre os es tudantes conseguem formular uma hiptese. Isso depende de uma srie de aspectos da trajetria de cadaum. Todos conseguem, entretanto, formul ar questes secundrias. Esta formulao tem ajudado na precis o do objeto e tambm tem contribudo para oaprofundamento da rigorosidade nos procedimentos.

    24. "Movimentos sociais do campo" se referem, no processo de pesquisa de que este livro trata, a formas de mobilizao de massa e organizao da classetrabalhadora do campo que passaram a fazer parte da dinmica da sociedade brasileira, pela agenda poltica que pressionam e pela fora pedaggica na formao

    de novos suj eitos soci ais. As pesquis as dos estudantes da Tur ma Jos Mart do curso "Pedagogia da Terra" convnio Iterra/UERGS, tiveram ainda outro recorte:entre os movi mentos sociais do campo, aqueles que int egram a Via Campesina.

    25. Ver a i ntroduo deste livro q ue explica o que a Vi a Campesina e nomeia os movi mentos q ue a integram.

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    A exemplo do que ocorre na sociedade em geral, aqui tambm se verifica a buscapelo conhecimento, ainda que com objetivos diferenciados, porque no se trata, para oconjunto desses movimentos, de melhorar a vida de alguns, trata-se de garantir um direitohistoricamente negado s populaes que vivem no e do campo, assim como ocorre com

    contingentes de pessoas que vivem na cidade, e trata-se, igualmente, de qualificar a for-mao humana para a emancipao humana, que s acontecer plenamente com a trans-formao social. Ainda, trata-se de qualificar os dirigentes, lideranas e pessoas das co-munidades e assentamentos, na perspectiva da superao dos desafios colocados por umarealidade cada vez mais difcil, tanto para a construo cotidiana de alternativas, como para ainstituio de direitos e para transformaes em nveis mais profundos, na direo decolocar no centro das preocupaes o ser humano concreto e o seu bem-estar.

    Desse modo, a pesquisa para os movimentos sociais do campo, alm da produosistemtica e rigorosa do conhecimento da realidade, deve propiciar a qualificao da inter-veno dos militantes nos diferentes espaos de atuao e deve contribuir para o avano da

    organizao como um todo, na perspectiva de superao dos desafios que enfrentam. Da que, nesses processos, a dialtica da relao entre teoria e prtica, processo eproduto, produo de conhecimento e relevncia social, produo de conhecimento einterveno, tende a ter um melhor equacionamento do que se observa, por exemplo, nasuniversidades, quando grande parte da produo fica, literalmente, estocadas e, muitasvezes, no apresenta relevncia social. Por outro lado, h nesses processos, tenses que seapresentam. Algumas que conseguimos observar so:

    1) a escolha pessoal e a necessidade coletiva, do conjunto da organizao. Na expe-rincia que vivenciamos a escolha da linha de pesquisa - "Como se formam os sujeitos docampo" - e os eixos de pesquisa - crianas, jovens, adultos, idosos e educadores, - foi de-finido pelo colegiado da turma. Os estudantes discutiram a proposta e, com base em critriosdefinidos coletivamente, optaram por um dos eixos de pesquisa. O que se observa o dire-cionamento da pesquisa para as necessidades de qualificao da atuao dos prpriosmovimentos, em aspectos considerados relevantes, nesse caso, a formao dos sujeitos,visando qualificao das prticas a partir dos desafios da Educao do Campo. Ao contrriode outros espaos, onde as pesquisas ocorrem, nesse caso, o limite da escolha pessoal foidado pela definio coletiva, o que, num primeiro momento, gerou tensionamento.Entretanto, importante salientar a viso global que esse processo possibilitou dos sujeitos docampo e seus processos formativos trazendo, inclusive, informaes que so, em muitos casos,novas e importantes para a qualificao das prticas educativas e formativas.

    2a) O estranhamento, distanciamento, ruptura epistemolgica, do contexto concreto

    ao contexto terico, do senso comum ao conhecimento cientfico. Essas diferentesnomeaes apontam para a necessidade, que foi um dos grandes tensionamento dosestudantes, de conseguirem fazer a anlise dos seus objetos de estudo. Trata-se, nesseaspecto, da "produo de um conhecimento que ultrapasse nosso conhecimento imediatona explicao ou na compreenso da realidade que observamos" (Gatti, 2002, p. 9). Ainda,de acordo com a autora, um conhecimento que tem de negar as explicaes oucompreenses bvias, superficiais no sistemticas, e que v alm dos fatos, desvelandoprocessos e explicando os fenmenos segundo algum referencial.

    Nesse caso, estamos fazendo pesquisa para construir o que entendemos por cincia, ou

    seja: tentando elaborar um conjunto estruturado de conhecimentos que nos permitacompreender em profundidade aquilo que, primeira vista, o mundo das coisas e dos

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    homens nos revela nebulosamente, sob uma aparncia catica. Vamos entopercorrendo aqueles caminhos que nos parecem, segundo critrios, mais seguros paracompreenso mais aproximada dos homens, da natureza, das relaes humanas, etc.(Gatti, 2002, p. 10).

    Parece-nos, entretanto, que h muito que investigar, no que diz respeito a postura ecapacidade de busca para alm da aparncia, porque est associada a aspectos que voalm da simplificao de que devemos nos colocar como se fssemos estranhos ao objetoinvestigado. Fazer a ruptura com as explicaes simplistas e lanar-se ao desafio decompreender os processos, requer aprendizado e acmulos que a educao/formao eescolarizao anterior, por exemplo, nem sempre propiciaram aos estudantes. Por sua vez, ainsero dos estudantes nos movimentos sociais pode contribuir para o adentramento narealidade porque, se acompanhada de postura e procedimentos condizentes, pode fazeremergir aspectos que so facilitados pela insero, que permite uma aproximao com

    questes da dinmica dos movimentos: concepes, organicidade, lutas,... Que sofundamentais para a compreenso mais profunda dos processos. Enfim, a ruptura com o senso comum uma necessidade e o estudante acaba por

    incorporar essa duplicidade de papis: ser dos movimentos e, ao mesmo tempo, ser pes-quisador, o "que lhe confere as possibilidades de expresso criativa da condio simultneade sujeito dos movimentos sociais e sujeito pesquisador.26

    3a) A relao entre a qualidade formal e poltica. Esse tensionamento acontece porqueos estudantes demoram em compreender que a qualidade formal na apresentao dostrabalhos, resultantes da pesquisa, principalmente no que diz respeito s normas tcnicas,assim como o rigor e sistematicidade de busca dos referenciais tericos e do levantamento

    dos dados empricos, bem como a necessidade da rigorosidade nos procedimentos quandoda anlise, no podem ser confundidos com a dimenso do assumir o conhecimento comoestando a servio da transformao da realidade e explicitar, sem medo, o seu carterpoltico. Quando a compreenso do significado do ato de pesquisar suficientementeincorporada, o que se manifesta na postura investigativa e tica, o medo em ser panfletriodesaparece e o conhecimento apresentado num nvel de profundidade e de reflexo que,muitas vezes, tratando-se da iniciao cientfica, surpreende. Qualidade poltica e qualidadeformal, portanto, so processos complementares que esto intimamente associados aoprocesso da aprendizagem do ser pesquisador.

    4a) Tempo da militncia e tempo da pesquisa. Esse tensionamento se traduz na di-ficuldade apresentada pelos estudantes, durante o perodo de realizao da pesquisa, em

    conseguir um tempo prprio para a produo do conhecimento sem deixar de atuar nomovimento. Essa dificuldade, na experincia em questo, pode estar associada a uma certaresistncia ao estudo terico que se manifesta, de modo diferenciado em cada estudante,revelando uma distncia entre o entendimento de que preciso o conhecimento rigoroso ea disposio de "enfrentar" o estudo. No processo, foi possvel perceber que quando acompreenso terica e o desejo/gosto pela pesquisa se encontram, os estudantes avanamrapidamente no sentido da superao destas tenses.

    26. Esta citao da pesquisadora Andra Paul a dos Santos, do Ncl eo de Estudos em Histria Oral da USP. Foi escrita num pequeno texto de avaliao doprocesso da turma de Especializao em Educao do Campo, (parceria Iterra-UnB-Pronera) em 2005. Ainda, de acordo com a professora, muitos sujeitosacadmic os e pesquisadores, principalmente nas reas da Histria, Sociologia, Educao, Antropologia, tamb m foram sujeitos de acontecimentos i nvestigados e,nem por isso seus trabalhos deixaram de ter aceitao como pesquis as consistentes e relevantes. Um dos e xemplos que pode ser citado o do educador PauloFreire,

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    5a) Por fim, gostaramos de comentar um ltimo aspecto de tensionamento, que dizrespeito s relaes entre a expresso oral e a escrita. Isso pode ser analisado sob doisngulos.

    O primeiro se refere dificuldade de escrita, e novamente nos deparamos com in-

    suficincias que, antes de serem dos sujeitos, devem ser atribudas escolarizao anterior,uma vez que, para fazer a graduao, como se sabe, tem de se ter o ensino mdio com-pleto. Nesse aspecto, h uma proximidade destes estudantes com os demais, quandoiniciam a graduao. Uma especificidade dos estudantes dos movimentos sociais do campo,nesse aspecto, que apresentam uma oralidade muito desenvolvida que expressa comriqueza de detalhes o conjunto de suas vivncias. Quando se trata, porm, de traduzir essaoralidade para a linguagem escrita, aparecem os problemas.

    O segundo aspecto j bem especfico dos estudantes dos movimentos sociais.Nesse caso, trata-se de algumas nuances da oralidade desenvolvida pela prtica damilitncia que acaba sendo questionada pelo processo de pesquisa e que se traduz, por

    exemplo, pelo discurso poltico de convencimento, que se contrape racionalidade exigidapelo ato de pesquisar, que analtica demonstrativa e reflexiva.Em ambos os casos, os tensionamentos no se resolvem mandando fazer uma cor-

    reo de textos. necessrio fornecer o referencial terico e metodolgico para a com-preenso da importncia e o aprendizado da forma de linguagem expressa em texto, assimcomo fundamental o aprendizado dos significados e do instrumental necessrio ao ato depesquisar. Esse aprendizado, entretanto, no pode significar a perda da fora de expressoapresentada na linguagem oral, tampouco significa colocar-se como se no fosse o autor dotexto. Antes, significa a compreenso de que esses aprendizados ampliam as possibilidadescriativas e de comunicao do sujeito dos movimentos sociais que est se formandotambm para a pesquisa.

    Pesquisa e formao do educador

    Dando mais um passo na direo da aproximao com a experincia que vivenciamos,podemos voltar pergunta: A pesquisa um elemento necessrio para formar educadores?Quando o trabalho do professor era visto como uma passagem de contedospreestabelecidos de forma metodologicamente correta, no havia necessidade disso. Mas apartir de olhares novos sobre o processo de ensino-aprendizagem cresceu, nos ltimosanos, a literatura que destaca a capacidade de pesquisar como uma das bases para otrabalho educativo. 27

    Um dos primeiros passos dessa mudana foi tomado com uma reviso das teorias deaprendizagem, saindo de um paradigma principalmente comportamentalista, para uma pers-pectiva construtivista. Na perspectiva do construtivismo, no existe uma transmisso deconhecimentos por parte do educador, e a aprendizagem vista como uma (re)construo deconhecimentos e saberes pelo prprio estudante. A funo do educador, nessa perspectiva, criar condies: questionamentos, ambiente estimulador e caminhos para a busca deinformaes, para que o estudante, da melhor forma possvel, construa seus conhecimentos. Aidia de que o aluno deveria (re)inventar para si os saberes trabalhados na escola, aproxima oprocesso de ensino-aprendizagem do processo de pesquisa. O conceito "pesquisa", como jnos referimos, tornou-se bastante popular no meio escolar, por vezes, de forma banalizada.

    27. Para ver o desenvol vimento da id ia de professor pesquisador, ver L dke, 2001.

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    MINAYO, Maria Ceclia de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, mtodo e criatividade.Rio De Janeiro, Vozes, 1994.

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    Pginas da Internet da Unicamp; Unifest; UFMG; PUC-SP; UFPR; UFRGS e UCS. Ver,tambm, Rocha, 2003.

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    TURMA JOS MART. Memorial de Aprendizados. Texto digitado. Veranopolis, 2005.

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    Envelhecimento: conhecendo a vida de homens

    e mulheres do campoCarmen Lcia Bezerra Machado32

    Elisiane JahnFabiane Purper

    Gibrail CordeiroInajara BogoJohannes Doll

    Katiane Machado

    Soniamara Maranho

    Introduo

    Este texto resultado do trabalho coletivo dos educandos e das educandas do cursode Pedagogia da Terra, da Turma Jos Mart da Via Campesina. Vejamos como se deu esteprocesso.

    No dia 03 de agosto de 2002, teve incio a caminhada da Turma Jos Mart, quandoocorreu a diviso dos grupos por linhas de pesquisa, que abordam a formao dos sujeitosdo campo, como educadores/as e agrupados por faixas etrias: crianas, jovens, adultos/ase idosos/as. Assim se formou o grupo de pesquisa voltado ao estudo do envelhecimento.Aps a diviso feita em sala de aula, fomos ao primeiro encontro, enquanto grupo depesquisa, buscando responder a quatro questes que permeavam a discusso. So elas:

    O que cada um/a sabe, conhece sobre o sujeito de sua pesquisa;Como buscar informaes/dados sobre o sujeito da pesquisa;Como cada um/a compreende a velhice;Quais as expectativas sobre o desenvolvimento da pesquisa.

    Destaca-se que no incio tudo era muito novo e nem sabamos de fato o que cada

    um/a buscava nesse grupo de pesquisa especfico. Assim, no decorrer da caminhada foram se constituindo expectativas, medos,

    questionamentos, dvidas, ansiedades e apaixonamentos em relao ao tema de cada umdos coletivos de pesquisa. Porm, consolidamo-nos como grupo de pesquisa, dispostos anos desafiar a entender o envelhecimento, enquanto grupo etrio e sua identidade social.

    32. Carmen Machado e Johannes Doll, Doutores em Educa o e professores pesquisadores da FACED/UFRGS foram os orientadores dos trabalhosmonogrficos que deram origem a este artigo. Os demais autor es so estudantes do curso de Pedagogia UERGS/Iterra que integrara m o "Coletivo de Pesquisasobre o Envelhecimento" da Turma Jos Mart.

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    Posteriormente, tivemos a contribuio para a orientao dos trabalhos do compa-nheiro Johannes Doll, profissional na rea de gerontologia da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS), e da companheira Carmen Lcia Bezerra Machado, educadora namesma universidade, que se dispuseram a caminhar conosco. No primeiro encontro, rea-

    lizamos o levantamento de idias acerca do que buscvamos compreender sobre o enve-lhecimento, iniciamos o d ilogo de modo mais intencional e reflexivo sobre o tema.

    Tudo isso nos entusiasmou para o retorno as nossas bases (comunidades, acampa-mentos, assentamentos e reassentamentos) a fim de realizarmos a nossa primeira aproxi-mao ao campo na perspectiva de uma pesquisa/objetivando nossa identificao com otema e o grupo. E, no decorrer desse perodo, todas as observaes e constataes foramsendo registradas em dirio de campo individual, seguindo as orientaes aprendidas nadisciplina "Prtica de pesquisa".

    De volta escola com as anotaes registradas em nossos dirios de campo, inicia-mos a anlise dos dados e continuamos a construo de nossos projetos de pesquisa. Esse

    foi um momento de definies, tanto em relao ao tema quanto em relao a per manncianesse coletivo de pesquisa. E, para darmos continuidade ao aprofundamento dos estudos,retornamos mais vezes a campo, buscando compreender melhor o grupo social que nosdesafiamos a entender.

    Contudo, ressalta-se que, entre anlises, conflitos, produes e reflexes, nos foiproporcionado um momento de socializao dos primeiros resultados obtidos com a pes-quisa. Nesse momento fomos questionados pelos companheiros e companheiras dos outrosgrupos da Turma Jos Mart quanto escolha e forma de desenvolvimento da temtica.Aps a apresentao do grupo como um todo, envolvendo tambm a mstica, 33 surgiramquestionamentos e debates sobre o contedo e a forma da apresentao e da pesquisa,envolvendo as pessoas, despertando o interesse pelo tema do envelhecimento e sensibili-zando a coletividade na qual nos inserimos, o Instituto de Educao Josu de Castro.

    A construo de nossos trabalhos de concluso de curso (monografias) objetiva noapenas atender a uma exigncia legal da Universidade Estadual do Rio Grande de Sul(UERGS), mas principalmente responder a uma necessidade da Via Campesina no sentido debuscar compreender quem so e como se formam os sujeitos do campo. Nesse processo,buscamos tambm nos reconhecermos enquanto pessoas, compreender um pouco mais aosoutros envolvidos no processo (sujeitos pesquisados) e qualificar nossa atuao comopedagogos/as em movimento, na troca com os demais grupos de pesquisa.

    Assim, continuando nossa caminhada chegamos a defesa pblica de nossos trabalhos,sendo que, num primeiro momento, no tempo escola 6, foram apresentados os trabalhos: A

    Arte de Construir Seres Humanos (Soniamara Maranho), A Histria de vida dos Idosos e sua Contribuiocom oMST(Gibrail Cordeiro), A Vidade uma Lutadora:O Enraizamento da Sem Terra Maria Siqueira(Katiane Machado). Num segundo momento, no tempo escola 7, respeitando os temposnecessrios s pesquisadoras e aos sujeitos da pesquisa, os trabalhos defendidos foram:AVivncia do Idoso no Campo, o Resgate do Hoje (Fabiane Purper), A Trajetria das Mulheres do Campoe suas Transformaes do Corpo (InajaraBogo), Trabalho e Envelhecimento: Constituio do PapelSocial do Ser Mulher (Elisiane Jahn).

    33. A mstica dentro da organizao dos movimentos sociais e, em particular, da Via Campesina se constitui um espao e tempo de troca e de v ivnciacultural, atenta aos princpios ticos, estticos e espirituais, estruturantes do grupo.

    http://najara/http://najara/
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    Contudo, todo o processo desencadeado de reflexes, aprendizados, conhecimentos,constataes, lies... Serviu para a compreenso, tanto de ns mesmos, enquanto sereshumanos, como de quem nos cerca, assim, qualificando nossa luta em defesa da vida.Nesse processo, organizamos nossas pesquisas e construmos conhecimento para mostrar,

    neste texto, algumas de nossas descobertas.

    Por que pesquisar o envelhecimento

    Estudar as questes ligadas ao envelhecimento um desafio. Ao mesmo tempo, setorna cada vez mais necessrio em nossos dias, tendo em vista o aumento significativo daexpectativa de vida e do nmero de pessoas idosas na nossa sociedade (Camarano, 1999). Acontribuio dessas pesquisas no contexto dos movimentos sociais dar visibilidade histria, memria e s experincias de vida de sujeitos idosos integrantes dos movimentos.

    Tambm buscamos compreender para tentar mudar o que est posto em nossa

    sociedade, em muitos momentos, em que o idoso (ou a idosa), visto como um "intil",doente, assexuado, feio, dependente e no produtivo. Portanto, no so visualizados evislumbrados como indivduos nem como seres humanos em relaes e em suas vivnciasdirias.

    Assim, pesquisar os/as idosos/as, para ns, foi e , ir alm da prpria categoria da faseou faixa etria dos/as idosos/as. principalmente, olhar com mais intencionalidade paracomo se d a constituio dos seres humanos, percebendo nas novas relaes a construodo novo homem e da nova mulher, como sujeitos humanos, militantes e dirigentes dastticas e estratgias de nossos movimentos sociais e populares, que sonham em construiruma sociedade com novos valores.

    Dessa forma, queremos demonstrar que essa fase to importante quanto qualqueroutra; que deve ser vivida bem e intensamente como as demais, porque uma fase quepode trazer grandes aprendizados para as outras fases, pois tem um acmulo de experi-ncias. Esse estudo e experincia de pesquisa devem servir como uma fonte de conheci-mento, tanto para os/as idosos/as, quanto para os/as outros/as, pois os sujeitos devem servalorizados e respeitados, tendo em vista que representam nossa cultura, a nossa histria, anossa raiz.

    importante salientarmos e destacarmos, at mesmo para os futuros e prximostrabalhos a ser realizados, que a pesquisa um processo intrinsecamente ligado ao nossoconhecer-se enquanto pessoa, sujeitos de uma histria que construmos todos os dias.Buscar dados para aprofundar conhecimentos implica uma profunda relao de confiana e

    tica com as pessoas, sujeitos da pesquisa e de cada um consigo mesmo, e isso implica oenvolvimento alm do formal de pesquisados/as e de pesquisadores/as. Isso algo queultrapassa a relao que antes estabelecamos com os sujeitos, pois, tudo muda a partir domomento em que voc comea a entender as pessoas e, com isso, a compreender a formacomo elas agem. Assim, desconstruindo posturas de preconceitos e conceitos pr-formadosque temos, quando vamos a pesquisa, passamos a construir e adotar posturas de ajudamtua na construo dos conhecimentos, tanto no coletivo de pesquisa como na troca comos sujeitos pesquisados. Por isso, em muitos momentos, nos sentimos idosos/as duranteesse tempo de convivncia com eles. Ns nos sentamos idosos/ as sem territrio paraprojetar os nossos sonhos, s vezes nos sentamos mal e doentes, sem perspectivas, e

    tambm com preconceitos dos mais jovens.

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    Porm, no basta somente a simpatia que criamos com os idosos que pesquisamos. preciso que se construa nesse trabalho, e na convivncia cotidiana dos movimentos sociaise populares, atitudes e prticas de novas relaes diante da velha ordem do sistema atual.

    Pesquisas no acontecem de forma neutra e desinteressada. Para ns da Via

    campesina um trabalho ombro a ombro, com a causa das necessidades dos sujeitos pesqui-sados, em uma dimenso que vai alm dos/as idosos/as; um trabalho que se preocupe comas crianas, os jovens, os adultos. Consideramos que no podemos isolar uma fase da vidase queremos construir uma nova sociedade.

    Por isso, procuramos conhecer e resgatar a histria, a memria e a experincia devida desses sujeitos. Simultaneamente buscamos compreender e valorizar seus conheci-mentos, uma vez que esses so um dos "pblicos" dos movimentos sociais do campo.Portanto, essa uma necessidade interna de se conhecer mais, para dimensionar com maiorintencionalidade, a prtica. Sabe-se que esses sujeitos so possibilidades carregadas de vida eem plenas condies para intervir na luta.

    Quem o idoso/idosa?

    Os sujeitos dessa pesquisa, os idosos e idosas, vm historicamente desenvolvendo otrabalho na terra, como camponeses/as que lutam para preservar sua identidade. Sotrabalhadores/as que vivem da produo da terra, acumulando conhecimentos e experi-ncias, que permeiam as diferentes geraes, ao mesmo tempo em que resistem ao sistemaatravs da produo de auto-sustentao e da manuteno de valores comunitrios efamiliares. Ao mesmo tempo, inserem-se na sociedade atual, marcada pela aculturao daimagem negativa da velhice, acarretando o no reconhecimento de que so velhos. So

    frutos de uma realidade de conscincia construda, a partir de seu meio e realidade, diantede sua histria de contradies e da forma como vivenciam o seu processo de transfor-mao e autotransformao.

    Em cada momento histrico, de uma dada sociedade, diferentes significados soatribudos s diversas faixas etrias, agrupadas por idade, e no caso da nossa pesquisa, denossa investigao, foram considerados os grupos "infncia", "jovens", "adultos trabalha-dores", "educadores" e "idosos". A cada um destes grupos corresponde uma funo, umaexpectativa de comportamento, de atitude, de comprometimento. No entanto, como dizBritto da Motta (1993), tais atribuies nem sempre se firmam em materialidade ou numacronologia, ou mesmo nas aptides ou possibilidades reais. Geralmente so arbitrrias econstrudas como relaes sociais e, dessa forma, essencialmente dinmicos e mutveis. Porisso, difcil definir velhice, inclusive como delimitao referida ao biolgico, por suainseparabilidade do social.

    Essas idias convergem com as reflexes de autores que estudamos como, porexemplo, Barros, citando pensamentos de Debert:

    Como expresso disso, o envelhecimento no um processo homogneo (Debert,1984:130), mesmo em cada indivduo. H sempre partes, rgos ou funes docorpo que se mantm muito mais "jovens", "conservados', sadios, do que outros -os mdicos e a vida cotidiana esto sempre apontando isso. Do mesmo modoque no terreno dos sentimentos e das representaes, "a velhice nunca um fato

    total Ningum se sente velho em todas as situaes" (Debert, 1988, p. 62), nemdiante de todos os projetos. (A ve