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24 Março/Abril de 2012 STORE MAGAZINE Fátima de Sousa jornalista [email protected] Passeio Público Como peixe na água Ambicionava ser engenheiro mas o 25 de Abril trocou-lhe as voltas do futuro. Durante cinco anos tirou “o curso superior de pescas” em águas internacionais. Foi uma lição de vida que, provavelmente, não é alheia a um percurso de 32 anos naquele que hoje é o grupo Auchan e que conduziu Aníbal Marques, 54 anos, de operador num Minipreço a director de Compras de Produtos Frescos na a que se dedicava há quase cinco anos. Faina, sim, porque Aníbal era pescador, sediado no porto de Peniche e embarcado por águas dos Açores, de Mar - rocos ou da Mauritânia. A pesca aconteceu-lhe na vida. Não foi vocação, antes a esco- lha de um jovem acabado de mas também precisava de tra- balhar. “Casei muito cedo, fui pai muito cedo, assumi respon- sabilidades cedo”. Não se arrepende. E diz mesmo que, afinal, tem um curso supe- rior… de pescas. “Se calhar, se tivesse feito a faculdade tinha sido uma desilusão”, comenta. Quando, a 1 de Outubro de 1980, Aníbal Marques começou a trabalhar no Minipreço de Al- gés estava convencido de que, ao fim de um mês, se iria embo- ra. E porquê? Porque aceitou o emprego contrariado, muito por pressão do irmão mais velho que o queria ver afastado da fai- concluir o liceu e a quem o 25 de Abril trocou o rumo, como a muitos outros jovens de então. Ainda se inscreveu na faculda- de – Engenharia era a ambição – mas os tempos não estavam fáceis para quem queria estudar e trabalhar ao mesmo tempo. E Aníbal Marques queria estudar, Ramon de Melo

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Como peixe na água

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24 Março/Abril de 2012 STORE MAGAZINE

Fátima de [email protected]

Passeio Público

Como peixe na água

Ambicionava ser engenheiro mas o 25 de Abril trocou-lhe as voltas do futuro. Durante cinco anos tirou “o curso superior de pescas” em águas internacionais. Foi uma lição de vida que, provavelmente, não é alheia a um percurso de 32 anos naquele que hoje é o grupo Auchan e que conduziu Aníbal Marques, 54 anos, de operador num Minipreço a director de Compras de Produtos Frescos

na a que se dedicava há quase cinco anos. Faina, sim, porque Aníbal era pescador, sediado no porto de Peniche e embarcado por águas dos Açores, de Mar-rocos ou da Mauritânia.A pesca aconteceu-lhe na vida. Não foi vocação, antes a esco-lha de um jovem acabado de

mas também precisava de tra-balhar. “Casei muito cedo, fui pai muito cedo, assumi respon-sabilidades cedo”. Não se arrepende. E diz mesmo que, afinal, tem um curso supe-rior… de pescas. “Se calhar, se tivesse feito a faculdade tinha sido uma desilusão”, comenta.

Quando, a 1 de Outubro de 1980, Aníbal Marques começou a trabalhar no Minipreço de Al-gés estava convencido de que, ao fim de um mês, se iria embo-ra. E porquê? Porque aceitou o emprego contrariado, muito por pressão do irmão mais velho que o queria ver afastado da fai-

concluir o liceu e a quem o 25 de Abril trocou o rumo, como a muitos outros jovens de então. Ainda se inscreveu na faculda-de – Engenharia era a ambição – mas os tempos não estavam fáceis para quem queria estudar e trabalhar ao mesmo tempo. E Aníbal Marques queria estudar,

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Aníbal Marques tem acompanhado o percurso das marcas que hoje são próprias da distribuição mas que começaram por sem marca. E começaram no Minipreço, há 30 anos, recorda: “Eram os produtos sem marca, chamavam-se mesmo assim, tinham embalagens completamente brancas, guardana-pos, lixívia…”. O passo seguinte foram as mar-cas brancas e dessa vez o pioneirismo coube ao Jumbo - Pão de Açúcar: “A embalagem era toda branca, quer fosse uma lata de conservas quer fos-se um pacote de esparguete”. Até que em 1995 a empresa decidiu lançar produtos de marca própria, com mais visibilidade das embalagens e códigos

de cor conforme a categoria dos produtos. Os pro-dutos tinham uma imagem própria, eram reconhe-cidos na sua categoria”. O trabalho com as marcas no desenvolvimento de embalagens trouxe algu-mas inovações que vieram acrescentar valor aos produtos: “Fomos nós que introduzimos o braille nas embalagens, fomos nós que lançamos as latas com sistema easy open”, enumera, para relembrar como, até aí, abrir uma lata de fruta em calda era um verdadeiro exercício de força e como uma lata de conservas precisava de uma pequena chave que se enrolava na tampa e que, demasiadas ve-zes, se partia…

Marcas próprias que já foram brancas

DESAFIO

Não é que não tivesse equa-cionado inscrever-se de novo: equacionou, mas o sentido de “chefe de família” falou mais alto. E, afinal, não ser licenciado não o impediu de progredir na empresa em que entrou empur-rado pelo irmão. Não ia para ficar nesse 1 de Outubro. Talvez por isso, e pela juventude, se tenha atrevido a dizer a quem o entrevistou “Um dia vou ocupar o seu lugar”. “Era um miúdo, saiu-me…”. Não ocupou propriamente esse lugar, mas ocupou muitos, numa carreira de quase 32 anos que o catapultou para as actuais fun-ções de director de Compras de Produtos Frescos no Grupo Auchan.Tudo começou no Minipreço de Algés. Era – recorda – “uma vida extremamente dura, não havia meios mecânicos, era tudo feito à força de braços”. Uma rude-za nada comparada com a da pesca, pelo que se desenvenci-lhou com facilidade. E ao fim de nove meses era promovido – de operador a sub-encarregado e, nove meses depois, a encarre-gado da loja. De tal forma que – diz – o nove é o seu número da sorte. Há mais noves na sua vida: o dia do nascimento da fi-lha, única, é um deles. Do Minipreço de Algés – que foi “um sucesso” – transitou para o Jumbo de Almada: como chefe de secção mas para ser promo-vido a gerente ao fim de… nove meses. Alfragide – a loja refe-rência do grupo – foi a paragem seguinte deste percurso, como gerente de departamento. E em 1994 foi um dos primeiros a in-tegrar a central de compras que o grupo acabara de constituir, então nas funções de gestor de produto. A alternância entre o terreno e o escritório voltaria a cumprir--se em 2001, quando assumiu a direcção do Jumbo de Castelo Branco. Voltou a Lisboa, para aceitar mais um desafio – “um dos mais interessantes”: ser di-rector de marcas próprias. Ac-tualmente é responsável pelas compras da área que mais peso tem na companhia – os produ-tos frescos.

“É muita responsabilidade”, co-menta. Mas uma responsabilida-de que não enjeita, no respeito pela filosofia que o tem acom-panhado em 32 anos de Auchan: “Dar o máximo em cada função e estar disponível para a empresa”. Como director de compras, tem de negociar. Mas Aníbal Mar-ques rejeita o rótulo de nego-ciador. Pelo menos numa certa leitura: “Nunca saí de uma ne-gociação a dizer ‘que grande negócio, espremi aquele indi-víduo’. Posso ir para uma ne-gociação com um objectivo, sabendo qual a minha margem de cedência e tentando sempre chegar aos melhores acordos para a minha empresa, mas par-to sempre do princípio de que quem está do lado de lá tam-bém tem objectivos e também tem de os conseguir. Há dois princípios que têm de estar pre-sentes – a ética e o win-win”. Aníbal Marques sente-se bem a negociar, mas sente-se igual-mente bem no ambiente de loja. “Adoro estar numa mesa com fornecedores, sejam adminis-tradores de grandes multina-cionais, seja o proprietário que pouco mais tem do que um hec-tare de terreno. É uma grande escola, todos nos ensinam. Mas nas lojas batem-se recordes de vendas, fazem-se topos, feiras, recria-se o ambiente do merca-

“Temos de perceber as mudanças do consumidor, saber como a sociedade

está estruturada, se há mais idosos, mais famílias monoparentais, pessoas que estão dispostas a abdicar de uma

certa qualidade numas categorias de produtos mas não noutras e encontrar

soluções para todas”

Actualmente é responsável pelas compras da área que mais peso tem na companhia – os produtos frescos. “é muita responsabilidade”, comenta. Mas uma responsabilidade que não enjeita, no respeito pela filosofia que o tem acompanhado em 32 anos de Auchan: “Dar o máximo em cada função e estar disponível para a empresa”

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do, há proximidade ao cliente”. Estes dois “amores” cruzam-se sempre que vai a uma loja do grupo. Aí é espectador aten-to do modo como a estratégia da Auchan se concretiza. É um olhar entre a Sociologia e o Mar- keting que o ajuda a perceber como as decisões tomadas, não só por si e pela sua equipa, vão ao encontro das necessidades e expectativas dos consumidores.“Temos de perceber as mudan-ças do consumidor, saber como a sociedade está estruturada, se há mais idosos, mais famí-lias monoparentais, pessoas que estão dispostas a abdicar de uma certa qualidade numas categorias de produtos mas não noutras e encontrar soluções para todas”. E o preço? Tam-bém pesa nesta balança, mas Aníbal Marques recorda que há produtos que há cinco anos eram mais caros do que ago-ra… Ainda assim, sublinha que “a Auchan tem como política de preço ser mais barato artigo a

Passeio Público

“Adoro estar numa mesa com fornecedores, sejam administradores de grandes multinacionais, seja o proprietário que pouco mais tem do que um hectare de terreno.”

artigo”, pelo que a sua obriga-ção é assegurar os preços mais competitivos nos produtos que são comparáveis com os da concorrência.Aníbal Marques está como pei-xe na água nesta área de ne-gócio. Afinal, é oriundo da zona “com os melhores produtos de Portugal”, o Oeste, conhece bem as artes da pesca e tem na

agricultura o hobby que lhe de-volve a tranquilidade no tempo livre entre os dias em que toma decisões que afectam todo o grupo empresarial que o aco-lheu há quase 32 anos.Não sabe que mais desafios en-contrará pela frente, mas tem a certeza de que este percurso não é só fruto do acaso. É que “a sorte dá muito trabalho”.

Aníbal Marques é cliente das lojas Auchan. Por vá-rias razões, em que pontua a dedicação ao grupo, o facto de, como funcionário, beneficiar de des-conto nas compras e, ainda, a conveniência, já que o Jumbo de Almada é o que fica mais próximo da sua casa. Mas não é um cliente como os outros. Nunca entra nas lojas a correr, mesmo quando vai comprar só um produto ou dois, daqueles que es-

tão mesmo a fazer falta, demora-se mais do que o necessário. É aqui que entra em campo o director de compras: “Páro, vejo a sinaléctica, falo com as pessoas…”.Geralmente as compras são feitas na companhia da mulher: “Empurro o carro, ela vai à frente e eu vou ficando para trás. Fico a ver, é impossível des-ligar”.

uma maneira própria de fazer compras

EXPERIêNCIA

Tudo começou no Minipreço de Algés. era – recorda – “uma vida extremamente dura”