como formar rede de escolas solidárias
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8/14/2019 Como formar rede de escolas solidrias
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Rev. FAE, Curiti ba, v.6, n.2, p.125-136, maio/dez. 2003 | 125
Revista daFAE
Como formar rede de escolas sol idrias
Helosa Lck*
Resumo
A parceria, a formao de redes, o intercmbio e a troca de experinciasentre escolas so considerados como condio fundamental para querealizem o seu t rabalho educacional. Esse processo colocado no contextode uma prtica milenar: a da solidariedade, sem a qual as redes de parceriasse transformam em meros negcios, ou em formalidades vazias designificado educativo e transformador. De modo a contribuir para oentendimento de possibil idades e atuao sobre tal condio, analisam-se
aqui as perspect ivas e demandas para a formao de redes, no contextode um mundo em transformao; ademais, o artigo visa mostrar o sentidode solidariedade e suas implicaes quanto educao e s parceriaseducacionais, assim como pressupostos, princpios e estratgias orientadoresdo estabelecimento dessas redes e os fundamentos e prticas dasolidariedade como um conceito fundamental para orientar a vida humana.
Palavras-chave: formao de redes; escolas solidrias; solidariedade.
Abstract
Partnership, network gathering, changing and exchanging experiencesamong schools are considered basic condit ions to fulf il t he educationaltask. This process is placed in a millenarian practical context: the solidarity,without which network partnerships become mere businesses, or an emptyformality that lacks educational meaning. Adding to the understandingof the possibil it ies and action under t hese condit ions, perspect ives anddemands in network gathering are analysed in an ever changing w orld; itis analysed the solidarity feeling and its implications in education andeducational partnerships, as well as presuppose, principles and strategiesorientating establishments in networks, its fundaments, solidarit y practicesas a main concept to guide human beings lives.
Key-words: network gathering; solidarit y schools; solidarity.
* Doutora em Educao pelaColumbia University e DiretoraEducacional do Centro deDesenvolvimento HumanoAplicado (CEDHAP).E-mail: [email protected]
Um galo sozinho no tece a manh:
Ele precisa
Sempre de outros galos...
Para que a manh se v tecendo,
desde uma teia tnue,
entre todos os galos .
(Cantiga popular Cear)
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Introduo
As escolas e os profissionais da educaoenfrentam, a cada dia, novos e mais instigantesdesafios para envolver seus alunos em experinciaseducacionais significativas sua formao. Osprojetos educacionais delineados nas escolas,respondendo aos desafios e s demandas de umasociedade que se sofistica e se diversifica,concomitantemente sua globalizao e seu
desenvolvimento cientfico e tecnolgico, estabe-lecem novas responsabilidades educacionais,como por exemplo, a de oferecer aos alunosambiente escolar desafiador, capaz de estimulare orientar sua curiosidade para que conheam omundo e se conheam nesse mundo. A partirdesse conhecimento, propem-se a tornar osalunos capazes de resolver problemas, atuar emequipe, ser empreendedores, largar seus
horizontes pessoais e culturais, dentre outrosaspectos. Tal proposio demanda visoabrangente, experincia fundamentada eperspectivas inovadoras, perspiccia ecompromisso com resultados educacionais.
Verifica-se, pois, uma crescente demandapela renovao da escola quanto renovao de
seu currculo, atualizao de seus processos e dos
mtodos e tecnologia para sua efetivao, assim
como a contnua capacitao de seusprofissionais. No entanto, ao mesmo tempo em
que os profissionais da educao se defrontamcom essas demandas e desafios, enfrentam
tambm problemas igualmente instigadores,
como, por exemplo, casos de tenso derelacionamento entre eles e o corpo diretivo das
instituies educacionais, assim como entre
escola e famlias; dificuldades de se manterematualizados para o seu exerccio profissional;
expresso de comportamentos agressivos entre
jovens e o seu esprito de contestao e
irritabilidade; falta de motivao para a aprendi-
zagem escolar e, at mesmo, a prpria falta deorientao de todos, incluindo os prof issionais da
educao, pelo iderio educacional.
Tendo em vista as situaes complexas,adversas e em certas condies problemticas e
diante, portanto, do aumento da responsabilidadepela educao, em paralelo ao aumento dos seus
desafios, percebe-se, muitas vezes, a expresso de
perplexidade e, at mesmo, de imobilidade dos
profissionais da educao no enfrentamento deseu trabalho.
Portanto, ao se verem diante de novos desafiosna efetivao de seu trabalho e de suas escolas,
alm da necessidade de desenvolvimento da
qualidade do seu ensino, os educadores sentemque no bastam as competncias tradicionais que
eram consideradas como fundamentais para aqualidade do ensino. Essas funcionavam em um
mundo com poucas mudanas, que ocorriammuito lentamente; em um mundo conservador, em
que a educao era uma virtude e necessidade deuma elite; um mundo em que a educao seria
orientada para legitimar papis e funes na
sociedade e no para abrir espao nessa sociedadee, at mesmo, contribuir para a sua transformao.
Em um mundo considerado como dado e certo,
os profissionais e as escolas podiam voltar-se parasi mesmos e para dentro de suas organizaes,
como estratgia para o melhor enfrentamento dosproblemas vivenciados. Atualmente, precisam abrir-se para o mundo mediante o estreitamento de
relaes, a troca, a reciprocidade e o intercmbio.
Diante de uma nova ordem de coisas e
situaes, caracterizadas pela dinmica, pelamaior exigncia da participao competente, asinstituies de ensino, como ocorre com todo tipo
de organizaes, so desafiadas a voltarem-se
para o seu ambiente externo, e no apenas oprximo, como tambm o mais distante. Essa
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estratgia depende, no entanto, para seu sucesso,
da prt ica de uma cultura de rede, que pressupeum contnuo intercmbio e inter-relao, para odesenvolvimento de um iderio conjunto.
De modo a contribuir para o entendimentode possibilidades e atuao sobre tal demanda,neste artigo analisam-se as perspectivas edemandas para a formao de redes, no contexto
de um mundo em transformao; ademais, oartigo visa mostrar o sentido de solidariedade esuas implicaes quanto educao e asparcerias educacionais, assim como pressupostos,princpios e estratgias orientadores doestabelecimento dessas redes e os fundamentose prticas da solidariedade como um conceitofundamental para orientar a vida humana.
A parceria, a formao de redes, ointercmbio e a troca so considerados como
condio fundamental para a formao do serhumano como pessoa plena, e so colocadas nocontexto de uma prtica milenar: a dasolidariedade, sem a qual as redes de parceriasse transformam em meros negcios, ouformalidades vazias de significado educativo etransformador. com este enfoque que soanalisados o significado e a formao de redes eparcerias como base para o entendimento de suaexpresso nesse processo solidrio recproco.
Por outro lado, a formao de redes deparceria solidria proposta como consistindo em
estratgia fundamental de interao e troca entre
instituies e profissionais. No mbito dasinstituies de ensino, ela constitui-se emprocesso pelo qual as escolas envolvidas nesseprocesso se apiam reciprocamente em seutrabalho, mediante o intercmbio de experinciase conhecimentos, de modo a melhor e maisefetivamente realizarem seus objetivoseducacionais. Trata-se de uma nova perspectivade atuao que se torna fundamental pararesponder s constantes necessidades de
adequao evoluo e complexidade do atualambiente socioeconmico-cultural. A part ir dessaperspectiva, promovem a transformao emelhoria contnua de suas prticas.
A partir da formao de redes, as escolas,acima de tudo, cumprem o preceito maisfundamental para o qual as instituieseducacionais e seus profissionais devem sefundamentar para legitimar o seu papel social: ode contribuio para o desenvolvimento doesprito de humanidade pelo qual, solidariamente,todos se ajudam reciprocamente a despertar e adesenvolver as dimenses pessoais e sociais quetornam a todos efetivamente seres humanos emais plenos. Da mesma forma como praticadaentre pessoas, as escolas realizam esse processo apartir do esprito de reciprocidade na realizaode seus objetivos comuns.
1 Demanda pela formao de
redes e resgate dos valores
da solidariedade
Uma escola de sucesso era, no h muitotempo atrs, aquela que, fechada em si mesma,
procurava preservar e perpetuar seus padres de
qualidade, de modo individual e zeloso. Professorescompetentes eram aqueles que se bastavam a si
A partir da formao de redes, as
escolas cumprem o preceito mais
fundamental para o qual as
instituies educacionais e seus
profissionais devem se
fundamentar para legitimar o seupapel social: o de contribuio
para o desenvolvimento do
esprito de humanidade
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mesmos e julgavam-se bons profissionais
trabalhando isoladamente seu compromisso eracom seus alunos e no com a escola. Esseentendimento estava associado a uma compre-
enso de escola no como um ambiente unitrio,
uma organizao social e interativa de formaode alunos e promoo de sua aprendizagem, mas
sim como um conjunto de turmas de alunos e
servios. Esse modelo de escola funcionou bemdurante o perodo de tempo em que havia muito
mais estabilidade e verticalizao na sociedade,
caractersticas orientadas por um paradigmasimplif icador e fragmentador.
O isolamento, o hermetismo, a conservaoe a preservao de padres de funcionamentoconstituam-se em seu modo de ser e de fazercotidiano em todos os segmentos da sociedade.As organizaes em geral tinham reserva demercado, eram protegidas da competio, pelatradio e esprito de lealdade irrestrita e
incondicional construdos ao longo do tempo,e, assim, sobreviviam tranqilamente, semmudar seus padres de funcionamento. Isto ,podiam ser conservadoras, no se importandomuito com o que acontecia ao seu redor, nemcom novos desafios e demandas. Isto porque seconcebia que os elementos mais importantes deuma organizao eram as suas estruturas fsicas,materiais e funcionais e no as pessoas, da
porque ser adotado, de forma explcita ouimplcita, em nome dos padres e normasestabelecidos, um sistema seletivo, protecionistae elitista muito forte. Nesse contexto, cabia spessoas adaptarem-se s organizaes em queatuavam e no o contrrio, e aquelas que no seenquadravam eram descartadas.1
Os tempos, porm, mudaram de forma
significativa. Mudou o paradigma e alteraram-seas demandas sobre as organizaes em geral e
conseqentemente sobre as instituies
educacionais. Inseridas na sociedade tecnolgica
e da informao, sofrem diretamente e devem
responder, em seu processo educacional, s suasdemandas. Dentre as mudanas ocorridasregistram-se o deslocamento do foco da forma
de atuao, por exemplo, do princpio da
permanncia e cont inuidade, para o da mudana;do princpio dos controles internos, para o da
articulao com o ambiente externo; da fora que
limitava o passado, para as foras queimpulsionariam o futuro (NAISBITT e ABURDENE,
1990). Peter Drucker (1992) afirma que tudo que
deu certo at agora est fadado ao fracasso nonovo contexto das organizaes, orientado pela
dinmica, pela tecnologia e pelo conhecimentoe pela agregao de valor, como uma condiode sua sobrevivncia. Dito de outra forma, Toffleraponta que a primeira regra da sobrevivncia
bem clara: nada mais perigoso do que o sucessode ontem (1990, p.14).
A partir de tal orientao para e pela
mudana, do ponto de vista humano, so revistosos preceitos de relacionamento entre pessoas e
instit uies, sendo aprovados cdigos de direitos
humanos, a fim de serem respeitadas as pessoasem si e em sua dimenso social, impondo-se
limites explorao da atividade humana e o
reconhecimento de seu direito a desenvolver-secomo ser social atuante e ativo. A capacidade de
atuar de forma colaborativa passa a ser no apenas
um valor, mas uma necessidade e orientao notrabalho. E, finalmente, vislumbra-se nesse
contexto a necessidade de se evidenciar o esprito
de solidariedade entre instituies e de seestabelecerem cdigos de tica entre elas (NAISBITT
e ABURDENE, 1987; HARMAN e HORMANN, 1992).
1Alis, seguindo esta lgica que se mant iveram, atmesmo considerados como legtimos, os elevados ndices dereprovao e excluso de alunos da escola.
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O estabelecimento de redes e de parcerias
passa a constituir-se em uma necessidadefundamental, que vai alm da solidariedadeconvencional e de senso comum. Organizaesque eram competidoras ent re si reconhecem queseu isolamento muito mais um problema doque uma soluo. Precisam associar-se, noapenas para sobreviver, mas para tambm sedesenvolverem. Assim que se registramhistrias diversas de sucesso entre organizaesque se associaram. As experincias demonstram
que quando os problemas so comuns a todos,no faz sentido isolar-se na busca de umasoluo, para ver quem resolve primeiro, nemmelhor. Isso porque, problemas so umaconstante, so recorrentes, e surgem cada vezmais complexos, exigindo maior sofisticao emseu enfrentamento; a duplicao de esforos e algica de reinventar a roda apenas provocamaumento de custo, associado ao retardamento e
enfraquecimento de resultados. Alm do que,deixa de contribuir para o alargamento dehorizontes do conjunto das organizaeshumanas e seus participantes.
As organizaes educacionais, fazendo parte
do amplo contexto socioeconmico-cultural, no
podem ser diferentes das demais organizaes.Os desafios de desenvolvimento e de gesto para
esse fim so basicamente e em sua essncia os
mesmos, embora os objetivos especficos do seutrabalho sejam muito diferentes. Porm,
sobretudo porque a prpria educao pressupeum sistema educacional, simultaneamente uno emlt iplo, segundo indicado por Drkheim (1984),no qual existem tantas e diferentes espcies de
educao, quantos diferentes meios da sociedade,e esta variao pressupe a interao para a
superao de aes limitadas e ocasionais. Esse
pensador refora ainda que a educao envolve
um pensamento social amplo, em vista do queno se pode pensar que seja possvel promov-la
a partir de ticas e experincias restritas, sendo
necessrio para a observao de diferentescontextos, situaes e experincias.
Assim que os colgios e seus profissionais sedefrontam com a situao ou de se associarem,formando uma rede de apoio mtuo paraenfrentarem os novos desafios e alcanarem umcrescimento conjunto, ou de correrem o risco deperder espao e de passar por srios problemas desustentao. Isolado ningum sobrevive nummundo em globalizao. A sociedade est cadavez mais exigente sobre os resultados educacionais,uma vez que se complexif ica a demanda no sentidode que as pessoas, para dela participaremefetivamente, sejam capazes de competnciascomplexas e mltiplas. Isto porque os seusprocessos esto se tornando cada vez maiscomplexos, tecnologizados, rpidos e dinmicos.Dentre outros aspectos, a formao profissional, ainovao dos mecanismos de gesto, a
dinamizao do currculo escolar, a relao famlia-escola, o marketing institucional, a compreensoe atendimento a uma srie de fatores, como oestresse social que repercute nas famlias, nascrianas e nos profissionais da educao,constituem-se em algumas das questes sobre asquais os estabelecimentos de ensino e osprofissionais podem com muito proveito cooperar.
2 O sent ido de solidariedade
e suas impl icaes quanto
educao e parcerias
A solidariedade consiste na responsabilidadeque se estabelece entre pessoas e organizaes,
caracterizada por laos duradouros, mot ivados por
um reconhecimento de que, apesar de diferenasparticulares, a igualdade as une. Essa responsabi-
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lidade um lao ou ligao mtua e fraternal,
motivada por um sentimento de unioestabelecido pelos mesmos interesses, em vista doque as pessoas e organizaes se ajudam
reciprocamente. Compartilham os mesmos
problemas, desafios e objetivos e com um carterde reciprocidade, e ao mesmo tempo de
interdependncia, pelo reconhecimento de que
sobrevivem todos apenas em interao de uns comos outros. Tratar-se-ia de uma ao cooperativa
de desenvolvimento recproco, caracterizada por
um processo de ganha-ganha, tal como indicadopor Covey (1997).
A verdadeira solidariedade aquela que tem
como fim a eqidade que, em ltima instncia,busca a distribuio inteligente de oportunidades
e dos recursos bsicos para uma vida decente, de
tal forma que cada pessoa e cada organizaosocial possam realizar-se em sua singularidade e
desenvolver-se para contribuir o mais plenamente
possvel para o desenvolvimento humano dasociedade como um t odo. Ela, portanto, est para
alm da distribuio considerada justa , pela
qual todos recebem o mesmo da mesma forma,sem considerar suas diferenas e particularidades.
Cabe lembrar que a palavra solidariedade
vem do latim solidusque signif ica slido, inteiro, e
est associada ao termo grego holos, que significa
inteiro, global, constitui hoje um movimento
paradigmtico importante de nossa poca oholismo. Portanto, o termo solidariedade no
representa apenas um ato de bondade daquele
que d ao necessitado, ou o esforo pelo convvio
amistoso ou at mesmo amoroso com o prximo,
ou o respeito s necessidades dos outros, como
em outros tempos fora o entendimento, chegando
o mesmo a ser associado ao assistencialismo. Muito
menos representa a caridade que expressa a
superioridade da pessoa que d em relao que recebe.
A partir daquele entendimento, fundamental
em uma sociedade que se desenvolve democrati-camente e pelos princpios de eqidade, o conceitode solidariedade deve ser revisto no sentido de
ultrapassar uma conotao assistencialista e
humanitria voltadas ao atendimento dasnecessidades bsicas do ser humano, para alcanar
o seu sentido pleno de atendimento das
necessidades humanas plenas de dignidade e derealizao como pessoa, no contexto de suas
organizaes sociais, tambm plenamente
desenvolvidas. Ela passa pelo princpio dedesenvolvimento do potencial humano como ser
social pleno e pelo de igualdade entre todos. Nessesentido, a solidariedade passa a demandar umexerccio que exige organizaes slidas e inteiraselas mesmas e, o que mais importante, passa
sempre pela educao, pois por meio da qualque as pessoas se tornam slidas e plenas.
Oferecer educao de qualidade constitui,
portanto, em si uma tarefa eminentementesolidria pela qual se propicia s pessoas
assegurar os seus direitos essenciais, assim como
os seus deveres bsicos estabelecidos pelo
regime natural e social de interdependncia. E
nada melhor para realizar esse trabalho do que
estabelecer, entre as escolas que assumem essa
responsabilidade, uma rede solidria de apoio
recproco na realizao de seus objetivos
educacionais que, por si, pedaggica, uma vezque cria um ambiente educativo em seu modode ser e de fazer.
Esse entendimento de solidariedade,
portanto, v no trabalho de construo de redes
e de parcerias a sua objetivao, isto , deixa deser apenas uma aspirao, um sentimento e uma
atitude e passa a representar aes concretas que
promovem diferenas significativas no fazer
humano.
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3 O significado de rede na
const ruo de ambienteseducacionais solidrios
A concepo de rede corresponde a uma
nova metfora iluminadora da realidade, queprocura apreender as relaes caractersticas
entre elementos, atores, ambientes e cenrios
que a constituem. Essa metfora faz parte de um
conjunto de novas concepessobre a realidade, ao qual esto
associados conceitos comoecologia, interdisciplinaridade,
holismo, globalizao, gesto,
dentre outros.
A idia de rede tem como
pano de fundo a compreenso
da realidade como um sistema,
no qual todos os elementosesto interl igados por um
princpio de interdependncia,
de maneira que o que acontece
em um elemento do sistema
afeta a todos os demaiselementos que o compem.
Dessa forma, estabelece-se
sobre o reconhecimento de que
todos so complementares esuplementares entre si, mas que somente
usufruem dessas condies mediante a
capacidade de organizao e interao marcadas
pela interao cooperativa e solidria. Esta
associao foi identif icada como coeso, referida
por Robow (1972) como capacidade de manter
solidariedade. Em estudos realizados por Emile
Durkheim, conforme citado por McGee et al.
(1977), pesquisando diversas sociedades,2
identificou-se haver nelas um sistema de coeso
social, sistema esse diferente nas sociedades
primitivas, onde ele se manifestaria como coeso
mecnica, tendo em vista serem caracterizadaspelo sentido da permanncia e conformidade
tradio, pelo ordenamento da vida por valores
religiosos e sentimento de pertencer; j nas
sociedades complexas, industriais, marcadas por
diversidade social e moral, pelo encorajamento
diversidade, em que as pessoas se associam por
sua interdependncia, ela seria uma
solidariedade orgnica.
Essa coeso social,conforme j previsto por
Durkheim, foi-se enfraque-
cendo na sociedade industrial
e ps-industrial, sendo, no
entanto, substituda por outras
formas de interao, mais
espontneas, e desenvolvidas
a part ir de bases ocupacionais.
Conforme proposto por estepensador, se o hom em
conseguiu ultrapassar a fase
em que os outros animais se
detiveram, foi antes do mais
por no se ter reduzido ao
simples frut o dos seus esforos
pessoais, antes cooperando
regularmente com os seus
semelhant es (DRKHEIM ,1984, p.23). Da porque a forte emergncia e a
grande importncia de redes que superam at
mesmo a solidariedade social orgnica proposta
por Durkheim.
A formao de redes no se trata portanto
de uma estratgia ou de uma soluo tcnica de
A idia de rede tem
como pano de fundo a
compreenso da
realidade como um
sistema, no qual todos
os elementos esto
interligados por um
princpio deinterdependncia, de
maneira que o que
acontece em um
elemento do sistema
afeta a todos os
demais elementos que
o compem
2A publicao original dessas idias foi feita na obraclssica de Drkheim, intitulada A diviso do t rabalho social, em1893, conforme citado por Doby, Boskoff e Pendleton (1973).
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problemas de interao, mas, sim, de uma
concepo maior e mais profunda, que emana deum novo paradigma, uma nova concepo demundo, uma nova epistemologia pela qual secompreende a realidade e se age sobre ela, tendo,no entanto, como base a prpria natureza do tecidosocial, que construdo por uma obra coletiva ecooperativa de todas as pessoas e organizaessociais. Diz respeito a um novo norteamento deaes que se traduzem em todos os mbitos e reasde atuao. Atravs dele, busca-se no apenas a
maior eficcia e eficincia em aes, mas,sobretudo, a transformao de prticas paratransformar instituies, de modo a tornarem-semais plenas e autnticas no empreendimentohumano que desenvolvem. Em seu sentido pleno,
as redes estariam para alm da solidariedade.
4 Pressupostos que embasam
as aes em rede
importante compreender os pressupostosque sustentam a idia de rede, a fim de, ao seprocurar constru-la, faz-lo de modo maisadequado e efetivo. Como sustentadores da idiade rede, podem ser citados, dentre outrosaspectos fundamentais, o reconhecimento e a
compreenso de que: todos os elementos da realidade so
interligados, funcionando em cadeia,fazendo parte de um sistema, uma vezque nada isolado e cada unidade doconjunto se explica apenas por suainterao com o conjunto;
a proatividade e a tica do ganha-ganha,caracterizada pela lgica da reciprocidade,
produtiva, enquanto a reatividade e atica do perde-ganha negativa, porpressupor que numa interao, para
algum obter alguma vantagem, a outra
parte tem que perder alguma coisa, destaforma promovendo o enfraquecimentogeral do sistema em que praticada;
a realidade social construda socialmen-te, mediante a interao dos agentessociais que a compem;
a transformao das organizaes e daspessoas ocorre a partir da interaosinrgica entre elas e nelas se revitalizaem carter de reciprocidade;
a colaborao, troca e reciprocidadefuncionam como mobil izadoras emotivadoras para o trabalho produtivoe comprometido;
o conjunto de organizaes, pessoas,processos e aes muito mais do que asoma das partes, isto , em interaoconstituem processos que superam asimples soma de esforos, promovendo
result ados inesperados quando as aesso realizadas isoladamente;
O desenvolvimento e a superaosignificativa de estgios limitados dedesenvolvimento somente so promovi-dos a partir de esforos coletivos ecompartilhados;
A diviso do trabalho, que resulta emorganizaes e ncleos profissionais
diferentes, no representa um fim em simesma, mas sim uma forma artificial dedar conta de problemticas complexas,em vista do que no prescindem dainterao, de modo que se complemen-tem reciprocamente e interativamentecom outros segmentos semelhantes e atmesmo diversos.
Esses pressupostos evidenciam sublimi-narmente a fora das aes de interao eintercmbio como base de construo deorganizaes e processos sociais.
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Revista daFAE
5 A const ituio de parcerias
e a formao de rede: aobjet ividade da solidariedade
Comumente, quando se fala em redes, fala-
se tambm em parcerias. Parcerias e redes so doisconceitos comuns que esto mobilizando a
ateno das organizaes. Muitas vezes, eles so
tomados como similares. Mas tm significado e
alcance diferentes, que vale a pena analisar.Torna-se necessrio esclarecer o significado desses
conceitos, de modo a, pela sua clareza, tirarmelhor proveito das aes por eles orientadas.
A parceriadiz respeito associao que asorganizaes estabelecem entre si, com o objetivo
de se apoiarem reciprocamente e tirarem alguma
vantagem dessa associao. Por exemplo, umaescola de ensino fundamental e uma pr-escola
podem fazer parcerias pelas quais esta secompromete a encaminhar alunos para estudarem
naquela, em t roca de orientao pedaggica paraseus professores, de alguma forma de marketing
ou consultoria peridica. Ambas as escolasganham alguma coisa, mas no se transformam,mantendo um certo distanciamento entre si,preservando a sua individualidade. Eventualmen-
te, podem romper a parceria a qualquer momento,uma vez que sint am que seus interesses no esto
sendo atendidos com a associao. Os seus
vnculos tendem a ser formais e superficiais, umavez que centrados em aes especficas.
As parcerias so feitas com nmero fechadode parceiros, mediante contratos em que so
estabelecidos os objetivos e os resultados
pretendidos de parte a parte. Cada uma dasorganizaes tem seus objetivos especficos,
diferentes da(s) outra(s).
Uma forma de parceria mais ou menos rpidae eventual a do benchmark, ou apoio recproco
na busca de referncias posit ivas para a realizao
de seu trabalho. Buscam-se em outros colgiosprticas promissoras, cuja metodologia essasescolas disponibilizam e do a conhecer. Por
exemplo, uma escola que teve sucesso com a
realizao de maratonas intelectuais com os seusalunos e com essa prtica aumentou a motivao
e o comprometimento deles para os estudos, pode
disponibilizar informaes e orientaes sobreessa prt ica. Em t roca, poder receber, mesmo de
outra escola, informaes sobre programa de
estreitamento da relao escola-pais. Projetospedaggicos especiais podem ser realizados por
um conjunto de escolas, de modo que seusprofessores e alunos construam conhecimentosde modo interativo.
Parcerias podem ser formadas a partir do
objetivo de realizar capacitao de seusprof issionais em conjunto, de modo a maximizar
recursos. Para uma escola pode ser muit o caro e
impraticvel cont ratar um curso para um nmeropequeno de seus prof issionais, porm, juntando-
os com os de outra escola, podero ter a
possibilidade de organizao e sustento de talcurso, como tambm a vantagem da troca de
experincias entre os prof issionais, estratgia que
muito enriquecedora profissionalmente econdio para o alargamento dos horizontes de
todos, pela troca de sua viso e conhecimentos.
importante, no entanto, que essas parceriassejam realizadas, no mbito educacional, no no
sentido interesseiro, mas sim tenham um cunho
de solidariedade verdadeiro, de convvio e trocagenunos pelo sentido do reconhecimento de que
nesse convvio que nos realizamos como seres
humanos e aprendemos a s-lo de forma maissignificativa.
A rede, por sua vez, diz respeito intercomu-
nicao constante entre organizaes eprofissionais, que comungam dos mesmos
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propsitos e ideais, no sentido de construrem
em conjunto uma ao social, em vista do queesto continuamente trocando idias a respeitode como podem se apoiar reciprocamente para
realizarem os objetivos comuns.
As redes so abertas e dinmicas. So
iniciadas a partir do reconhecimento de
propsitos e do entendimento comum de que
querem juntos alcanar uma transformao e se
propem a apoiar-se reciprocamente na
realizao desses objetivos. Portanto, no sopontuais, eventuais, ou estabelecidas a partir de
interesses conservadores e limitados. Dessa
forma, a rede objetivaria a solidariedade para
alm da simples coeso e voltada para o sentido
de realizao plena do seu conjunto, em
interao recproca com a sociedade.
6 Princpios para ofuncionamento de redes
No basta, portanto, o estabelecimento de
objetivos e propsitos comuns, para se construir
a rede. Tornam-se necessrios dedicao contnuae ateno especial ao seu funcionamento. A rede
s existe pela ao constante de comunicao,
associao, intercmbio e reforo recproco quefazem entre si as partes componentes das redes,
no sentido de sustentar, alimentar e promover o
seu iderio e identidade comum.
A seguir so lembrados alguns princpios
importantes a serem assumidos para suaefetivao. fundamental que sejam norteadores
na formao e promoo de redes:
Identificao, por parte dos estabe-
lecimentos de ensino e de seus prof issio-nais, de que fazem parte de um sistema,
pelo reconhecimento de que o que
acontece em um afeta os demais e oconjunto todo.
Reconhecimento de igualdade de valor
entre todos os colgios, independen-
temente de seu tamanho, tempo de
existncia e localizao, ou entre
profissionais, independentemente de
sua rea de atuao, tempo de servio e
nvel de formao, de modo a se evitar a
concepo de hierarquia entre eles. Aproveitamento dos valores, competncias
e experincias recprocas, que so
importantes, do ponto de vista cultural,
independentemente de sua abrangncia.
Ident if icao de necessidades comuns, de
carter construtivo e estratgico, como
elemento concreto de manuteno do
iderio de rede.
Estabelecimento de um compromisso
conjunto para o atendimento dessas
necessidades e cultivo de entusiasmo e
prt icas de intercmbio e reciprocidade.
7 Est ratgias para a
promoo de rede int ra
e entre escolas
De modo a sugerir maior objetividade para
as aes em rede, algumas estratgias podem
ser t eis:
1. Realizao de projet os especiais de
desenvolvimento de inovaes em gesto,
segundo os princpios da participao,
proatividade, competncia e promoode resultados avanados.
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Rev. FAE, Curiti ba, v.6, n.1, p.135-136, maio/dez. 2003 | 135
Revista daFAE
2. Manuteno de contactos contnuos com
profissionais e instituies como formade troca de experincia e dinamizaode subprojetos conjuntos, a partir de
referenciais mais avanados.
3. Estabelecimento de intercmbio entreoutros sistemas de ensino e instituies,
na busca de referncias positivas para a
transformao do prprio t rabalho.
4. Promoo de seminrios e cursos de
atualizao sobre desdobramentossignificativos da gesto do sistema emconjunto.
5. Formao de grupos de estudo e reflexosobre assuntos de gesto, tendo por base
a anlise de experincias diversificadas e
inovadoras na rea, bem como a expansodo seu significado e de sua aplicao.
6. Divulgao de conhecimentos produzi-
dos no contexto da rede e fora dela, demodo a incentivar a construo de
conhecimento a partir das bases,
seguindo o princpio de que a autonomia
se faz com o desenvolvimento da
competncia e autoria.
7. Promoo de visitas de estudo e intercm-
bio de experincias em instituies de
ensino de alto nvel e centros de estudos
em gesto educacional, nacionais e
internacionais.
8. Participao em eventos nacionais e
internacionais de educao e gesto
educacional e disseminao de seus
resultados na rede.
9. Realizao de fruns temticos, visando
ao debate, melhor entendimento e
encaminhamento para a resoluo deproblemticas especficas.
10.Manuteno de intercmbio constante,
troca de informaes e divulgao eintercomunicao, por meio de corres-
pondncia, newsletters, fax, telefone e
e-mail.
As estratgias para a formao e manuteno
de redes no se esgotam a. Essas so apenas
alguns exemplos de possibilidades. De acordo
com a criatividade estimulada pela prpria
interao, novas estratgias podem surgir.
importante ter em mente, no entanto, que elas
no valem por elas mesmas e sim pelos result ados
que promovam no sentido do enriquecimento e
fortalecimento da experincia humana.
Palavras f inais
A prtica da solidariedade pela formao deredes no necessariamente fcil. Para
estabelecer esta cultura, preciso que se cultive
um esprito de colaborao recproca, marcado
pela lgica do ganha-ganha, pela qual se entende
que, para ganharmos alguma coisa que possa ser
til, sustentvel e duradoura, necessrio que os
benefcios que desejamos para ns mesmos sejam
compartilhados com as instituies e pessoas que
formam o nosso ambiente. Por outro lado, essacolaborao condio inerente construo e
desenvolvimento do prprio tecido social. Para
tanto, fundamental reconhecer e manter vivos
o princpio da solidariedade, assentado no
entendimento de que a dimenso de ser humano
se alcana pela plenitude do ser e pelo
reconhecimento de igualdade entre todos, por
sobre as diferenas de expresso observadas.
necessrio, tambm, que nos mantenhamosem contnua comunicao e interao, trocando
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Referncias
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informaes, criando sinergia e estimulando-nos
reciprocamente na realizao dos objetivoscomuns de contribuir para a formao da
sociedade brasileira.
Atuar em rede representa reconhecer o fato
de que juntos, mediante a combinao dos nossos
talentos e energia, podemos construir muito maise melhor do que isolados e, dessa forma, podemos
nos realizar mais plenamente. A troca e a
reciprocidade so elementos substanciais para anecessria formao de sinergia que transformaorganizaes e lhes d vitalidade. Estas condies,em lt ima instncia, so elementos fundamentaisda estimulao dos nossos talentos potenciais que,do contrrio, ficariam adormecidos deixando,portanto, de virem a nos ajudar a sermos pessoase organizaes plenas.