como fazer análise de conjuntura - claudia santiago e reginaldo carmello de moraes

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Programa de Formao da CNTEUm novo conceito de atuao sindical Fascculo 3

Como Fazer Anlise de ConjunturaFormao de Dirigentes SindicaisClaudia Santiago Reginaldo Carmello de Moraes

Eixo

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Como Fazer Anlise de Conjuntura 1

Um novo conceito de atuao sindical Fascculo 3

Programa de Formao da CNTE

Como fazer Anlise de ConjunturaClaudia Santiago Reginaldo Carmello de Moraes

2 Como Fazer Anlise de Conjuntura

Confederao Nacional dos Trabalhadores em EducaoGesto 2008 a 2011 Diretoria ExecutivaRoberto Franklin de Leo (SP)Presidente

Milton Canuto de Almeida (AL)Vice-presidente

Rejane Silva de Oliveira (RS)Secretria de Assuntos Jurdicos e Legislativos

Juara Maria Dutra Vieira (RS)Secretria de Finanas

Raquel Felau Guisoni (SP)Secretria de Relaes de Gnero

Denlson Bento da Costa (DF)Secretrio Geral

Rui Oliveira (BA)Secretrio de Poltica Sindical

Ftima Aparecida da Silva (MS)Secretria de Relaes Internacionais

Alex Santos Saratt (RS)Secretrio de Sade

Heleno Arajo Filho (PE)Secretrio de Assuntos Educacionais

Marco Antonio Soares (SP)Secretrio de Direitos Humanos

Gilmar Soares Ferreira (MT)Secretrio de Formao

Maria Madalena A. Alcntara (ES)Secretria de Aposentados e Assuntos Previdencirios

Marta Vanelli (SC)Secretria de Assuntos Municipais

Joel de Almeida Santos (SE)Secretrio Adjunto de Assuntos Educacionais

Maria Inez Camargos (MG)Secretria de Organizao

Maria Antonieta da Trindade (PE)Secretria Adjunta de Assuntos Educacionais

Rosana Sousa do Nascimento (AC)Secretria de Polticas Sociais

Jos Carlos Bueno do Prado - Zezinho (SP)Secretrio Adjunto de Poltica Sindical

Antonia Joana da Silva (MS)Secretria de Imprensa e Divulgao

Jos Valdivino de Moraes (PR)Secretrio Adjunto de Poltica Sindical

CNTESDS, Edifcio Venncio III, Salas 101/106 CEP 70393-902 - Braslia-DF - Brasil Telefones: (61) 3225-1003 - Fax: (61) 3225-2685 E-mail: [email protected] www.cnte.org.br

Como Fazer Anlise de Conjuntura 3

Programa de Formao da CNTEUm novo conceito de atuao sindical Fascculo 3

Como fazer Anlise de Conjuntura

4 Como Fazer Anlise de Conjuntura

Mensagem da CNTEA Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao apresenta o fascculo 3 do eixo 2 do Programa de Formao de Dirigentes Sindicais. mais um fascculo da nossa srie que visa dar melhores condies para cada militante da nossa Confederao poder saber mais, conhecer mais e assim ter mais e melhores condies de luta. O objetivo do tema COMO FAZER ANLISE DE CONJUNTURA possibilitar aos dirigentes sindicais o acesso a um instrumento que lhes possibilite analisar criticamente o contexto histrico no qual vivemos e no qual desenvolvemos nossas lutas. Cada um de ns sabe que necessrio se capacitar, a cada dia, para poder intervir e mudar o curso dos acontecimentos segundo os interesses imediatos e histricos da nossa categoria e da nossa classe. S assim poderemos dar passos seguros rumo transformao da sociedade na qual atuamos e avanar na construo de uma sociedade baseada na justia, na solidariedade e na incluso social. Para o dirigente sindical, a ferramenta da anlise de conjuntura condio essencial em sua tarefa de denir, mobilizar e lutar por um projeto poltico de atuao sindical de acordo com os princpios e os ideais da nossa Confederao. Veremos, ento, ao longo deste caderno que a anlise de conjuntura uma arte que ns precisamos colocar a servio do nosso projeto sindical e social.

Direo da CNTE Abril 2008

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ApresentaoPor Reginaldo Carmello de Moraes

Para comear, preciso que se diga: se voc acha que depois de ler essa cartilha vai virar um especialista em anlise de conjuntura, que vai sair por a dizendo o que o mundo e o que deve ser, perca a esperana. Ela no serve para isso. A primeira coisa que a cartilha pretende dizer o seguinte: para comear a entender o mundo, comecemos pela humildade. Um grande sbio j disse: s sei que nada sei. No precisa chegar a tanto. Basta a gente reconhecer que sabemos pouco e que temos muito que aprender. Alis, a primeira coisa importante, para aprender a analisar a conjuntura, reconhecer qual tipo de conhecimento, qual tipo de habilidade, qual tipo de ferramenta temos que dominar. Em outras palavras, reconhecer aquilo que no sabemos e distinguir aquilo que precisamos aprender. Dissemos ferramenta? Sim, os conhecimentos especializados - economia, poltica, sociologia, psicologia, fsica, matemtica, estatstica - so ferramentas. Instrumentos intelectuais para explicar o mundo. Uns servem para algumas aplicaes, algumas realidades, e no servem para outras. Este caderno tenta dizer quais conhecimentos so ferramentas indispensveis. E tenta

tambm tirar da nossa cabea isso que podemos chamar de fetiche da ferramenta universal. Quer dizer: no podemos imaginar que uma ferramenta, por mais fascinante que seja, resolva todos os problemas. Martelos servem para pregos, no para parafusos. Se voc se deixar fascinar pelo seu martelo, voc vai estragar o parafuso. Tem gente que se especializa num desses conhecimentos - matemtica, economia, psicologia, qualquer um - e tenta explicar tudo com ele. No funciona. A realidade vem de todos os lados e precisa ser examinada por vrios ngulos. O caminho difcil, trabalhoso - mas melhor saber disso, melhor do que dar a impresso de que explica um fato, s porque usa uma ferramenta charmosa, sosticada. Outra coisa. A cartilha tenta nos mostrar um outro lado da humildade fundamental. a dvida. Muitos de vocs j ouviram falar de um grande sbio e matemtico francs, Ren Descartes, l do sculo XVII. Um dia, Descartes pensou em escrever um livro sobre o mtodo, o caminho para o conhecimento seguro. E a primeira coisa que fez foi reconhecer a confuso em que estava, com tantas certezas sendo jogadas na sua mente.

6 Como Fazer Anlise de Conjuntura

Olhava para um lado, e um respeitvel lsofo dizia que o mundo era isto e aquilo, que o comportamento correto era este e aquele. Tudo muito bem demonstrado, com razes e exemplos rmes. Vinha de outro lado um outro sbio, igualmente respeitvel, e dizia o contrrio. Com razes e exemplos tambm muito slidos. Da, Descartes tomou a primeira e importante deciso de seu mtodo: o ceticismo preventivo. Colocar em dvida tudo o que parecia verdadeiro. Aquilo que sobrevivesse duvida seria a primeira verdade, pedra sobre a qual ele ergueria o conjunto das outras verdades. Muitos de ns tambm ouvimos falar de outro sbio, um italiano do sculo XVI que cou famoso como um dos primeiros analistas de conjuntura poltica dos tempos modernos. Para muitos, o fundador dessa arte. Maquiavel dizia que tnhamos que tratar a poltica - a cincia do poder com racionalidade, frieza, clculo. Quase como se fosse um clculo de fsica. Ele fazia a seguinte comparao. Pensemos em algum que fosse calcular como acertar uma echa num alvo - ele mediria a distncia e a altura do alvo, o peso da echa, a velocidade do vento, a fora do arco, etc. Se ele conseguisse ter exatamente todos esses nmeros, poderia calcular a trajetria e, sem erro, atingir o alvo. Maquiavel dizia que deveramos pensar na poltica, na cincia de controlar o comportamento dos homens, de modo semelhante. Porm, ele tambm dizia que o clculo da poltica tinha que ser diferente, por um

motivo muito simples: na poltica, o alvo no um objeto morto, inerte. O alvo pensa, calcula, ele tambm atira em voc. A cincia do fsico diferente da cincia do poltico. O fsico pega uma pedra e calcula exatamente como ela vai cair no cho. Esse conhecimento que ele produz, contudo, no afeta o comportamento da pedra. A pedra seguir seu caminho, com ou sem o enunciado das leis da fsica. Na cincia do comportamento humano diferente: o conhecimento que o cientista produz sobre o comportamento e sobre as suas conseqncias afeta as atitudes do objeto, isto , dos homens. Os homens tomam em suas mos e na sua cabea esse conhecimento e, assim, podem contrariar a previso sobre seu comportamento. Podem mudar suas reaes e, portanto, mudar o futuro. O exato conhecimento do passado e do presente, mesmo se fosse possvel, no seria suciente para determinar exatamente o futuro - pelo contrrio, funcionaria como instrumento para alter-lo, para criar alguma coisa que no estava previsto. Desistir do conhecimento especializado? Desistir da previso? No. O que temos que fazer, em primeiro lugar, aprender a utilizar o conhecimento especializado, dos prossionais da cincia social - os economistas, os psiclogos, os socilogos, etc. E, principalmente, levar em conta que nossa anlise de conjuntura no apenas o nosso modo de ver o mundo,

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mas um modo de ver o mundo para transform-lo, no para justic-lo, para se conformar com ele. Em segundo lugar, preciso reconhecer que nossa anlise de conjuntura tem que ser uma obra de arte coletiva. Um sindicato no pode ter uma anlise de conjuntura encomendada de especialistas, nem uma anlise feita pela sua direo, no isolamento de uma sala com computadores. A nossa anlise precisa ser alimentada e processada por centenas, milhares de companheiros - que sabem coletar a informao relevante, l onde esto, que sabem reetir sobre ela e comunic-la aos demais. Por que isso preciso? Primeiro, pela quantidade e qualidade dos dados a recolher informao que no feita apenas de nmeros frios e distantes, mas da temperatura de nosso meio, informao sobre o nimo da nossa tropa, seus sentimentos, inclinaes, preferncias. A gente no encontra esse tipo de informao consultando censos, jornais, Internet. Segundo, porque a informao que recolhemos, elaboramos e transmitimos imediatamente absorvida por outros companheiros, contribuindo para que eles tambm alterem seu modo de ver, seu nimo, sua compreenso. E o mesmo ocorre do nosso lado. Por que um sindicato faz um nmero enorme de reunies de avaliao, empresa por empresa, escola

por escola, bairro por bairro, cidade por cidade, at chegar a uma deciso sobre o tipo de movimento que vai iniciar? Para conhecer a situao da categoria e tambm para estimular a categoria a se conhecer, a conhecer o seu momento, a se reconhecer. Nesse processo de mobilizao e reunies, produz-se um conhecimento novo, um conhecimento que um fator de mudana, de transformao. Por isso, uma entidade nacional, por exemplo, precisa construir canais horizontais de interao, de troca de informao e opinio. Canais horizontais - no apenas canal de comunicao entre base e direo, mas de comunicao e fermentao entre as bases. Isso contribui para produzir anlises melhores, no apenas da direo, mas das bases, do conjunto da categoria. Por isso ns dizemos que a nossa anlise de conjuntura precisa ser uma obra de arte coletiva e voltada para a transformao da realidade.

OS AUTORES: . CLAUDIA SANTIAGO jornalista, ps-graduada em Brasil-ps 30, coordenadora do NPC e estudante de Histria. . REGINALDO CARMELLO DE MORAES lsofo, professor titular do Departamento de Cincia Poltica da Unicamp e professor do programa de ps-graduao em Relaes Internacionais da Unicamp/Unesp/PUC-SP.

8 Como Fazer Anlise de Conjuntura

Sumrio11Apresentao ________________________________________________ Pgina 5 2 - Introduo ________________________________________________ Pgina 9 3 O que conjuntura _____________________________________ Pgina 11 4 O que anlise de conjuntura _________________________ Pgina 14 5 Para que fazer anlise de conjuntura _________________ Pgina 21 6 Quem faz anlise de conjuntura ___________________ Pgina 27

7 Elementos-chave da anlise de conjuntura: ________ Pgina 32a) Dados do quadro econmico b) Dados do quadro poltico c) Fatores ideolgicos e culturais d) Antecedentes histricos e) Quadro internacional e seus reexos locais f) Sintetizar as informaes g) Quadro nacional: econmico-poltico-social h) Informaes especcas sobre o tema em foco i) Uma pesquisa ampla, vital e permanente j) O exemplo do Inqurito Operrio de Marx, em 1878.

8 - Interpretao e qualidade das informaes ______ Pgina 461 - Fontes seguras 2 - Internet e casa da Maria Joana 3 - Toda mdia tem seu lado

9 Atores e planejamento da ao ____________________ Pgina 541 Os atores sociais inuenciam a conjuntura 2 Atores e atrizes so elementos da conjuntura 3 - Uma lio que vem de longe

Analisar para transformar _______________________________ Pgina 581 Um exemplo de anlise acertada 2 Mudar a correlao de foras

Bibliograa bsica _________________________________________ Pgina 63

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IntroduoPara compreender uma determinada realidade social, devemos procurar a raiz dos fenmenos. Esta idia, simples e ao mesmo tempo complexa, vale para todo mundo, mas, sobretudo, para aqueles que querem transformar a sociedade em que vivem e atuam. Quem quer mudar uma situao dada, especicamente uma situao social, precisa, primeiro, conhecer a fundo aquilo que quer mudar e, logo em seguida, ter a noo clara do que se quer colocar no lugar do antigo.

Para os atores sociais, indispensvel um profundo conhecimento da sociedade. E como que se adquire tal conhecimento? Os trabalhadores da Educao conhecem bem a resposta: com muita informao, muito estudo e uma anlise sria de tudo o que se v e se ouve.

Para compreender e agir sobre a conjuntura, precisamos das mais completas e seguras informaes sobre a situao econmica, poltica, militar, religiosa, cultural e ideolgica do perodo que queremos conhecer. Precisamos conhecer os antecedentes histricos do quadro esboado. E, alm disso, saber a histria de organizao e luta coletivas e quais as marcas que estas componentes deixaram nos atores de hoje. Estas informaes sero os pilares da nossa anlise de conjuntura. Elas nos permitiro desvendar e compreender quais as foras em jogo e a quais regras estas esto submetidas.

Finalmente, precisamos entender quais as inuncias histricas, polticas, ideolgicas determinantes e como elas se relacionam e atuam em um dado quadro poltico e social.

Com esta anlise, ser mais fcil tentar acertar os rumos de uma ao, de um plano organizativo, de uma luta. A ao proposta ser mais ecaz e o sonho de mudar o mundo, ou pelo menos aspectos dele, poder se concretizar.

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Como Fazer Anlise de Conjuntura 11

Captulo 1

O que conjunturam cada reunio, discurso, palestra, seminrio, encontro num sindicato ou num movimento social, sempre se ouve a palavra conjuntura. conjuntura para c, conjuntura para l. De uma forma ou de outra, o termo est presente em discursos de agentes sociais, ativistas, comentaristas.... comum encontrarmos na fala de dirigentes sindicais frases na quais a palavra conjuntura sempre central, como: - A conjuntura est nos atropelando. - A conjuntura est nos desaando. - A conjuntura nos adversa.

E

- Esta a conjuntura mais difcil dos ltimos anos. - Temos de enfrentar a conjuntura. - Precisamos analisar muito bem a evoluo da conjuntura.

Estas frases no so exerccio de retrica. Elas no so da boca para fora: elas reetem uma necessidade interna, real, profunda. Elas expressam a necessidade de analisar o conjunto dos fatores que esto presentes nas condies da ao e, sobretudo, nas possibilidades de xito ou no.

1 - A Conjuntura no uma paisagem

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Mas... o que mesmo esta tal de conjuntura?Entender o seu signicado no um exerccio de linguagem ou de interpretao de texto. uma necessidade poltica para quem quer transformar a sociedade na qual vive e atua.Sem entender para onde caminha a sociedade, sem saber quais as foras que esto em jogo naquele exato momento, no se constri um plano de ao. Ou melhor, at se constri, mas seu xito ser to incerto quanto jogar na loteria. Ser uma ao s escuras. Um pouco como no jogo de crianas que brincam de cabra cega. Podemos denir a palavra conjuntura como a combinao de foras distintas sobre uma dada realidade. um conjunto de elementos que atuam no resultado nal de uma ao. responder a questes sobre a Inquisio praticada pela Igreja Catlica, na Idade Mdia, e bem depois? Ou, como explicar que as mulheres inglesas, as chamadas sufragetes, tiveram que colocar vrias bombas nas casas de deputados do Parlamento do seu pas para convenc-los a votar a favor do voto feminino, ou seja, para conseguir o direito de voto? Como explicar que em alguns cantes da Sua o voto feminino tenha sido implantado somente em 1971? Somente com uma anlise dos antecedentes histricos de cada um dos fatos acima possvel compreender estes e mil outros comportamentos da humanidade ou de determinadas pessoas.

A palavra conjuntura indica a relao que cada fora, cada componente do quadro geral mantm entre si e com o quadro onde atua. A conjuntura est intimamente ligada ao ambiente histrico, sempre em movimento, no qual acontece determinada ao.

1 - A CONJUNTURA NO UMA PAISAGEMA conjuntura no pode ser comparada a uma paisagem para ser vista de longe, para ser contemplada e admirada. A conjuntura como um rio tempestuoso, como uma cachoeira agitada numa paisagem que ameaa chuvas e trovoadas. s vezes, num determinado momento, pode ser comparada a um ambiente tranqilo que tem at um pacco arco-ris. De toda maneira, conjuntura movimento. ao. a combinao e a interao de vrias foras que agem sobre o mesmo fato. , ao mesmo tempo, a atuao de pessoas que vem de modo diferente os mesmos fatos e que agem sobre estes, modicando-os. Em se tratando de ao poltica, a idia sempre associada ao conceito de conjuntura a ao de um conjunto de foras que agem e interagem, no tempo e no espao, e inuenciam e s vezes determinam os fatos que iro acontecer.

Quem d aula de Histria sempre se depara com situaes onde precisa recorrer clssica frase: Precisamos ver este fato na conjuntura histrica daquele momento. Isto, seja se referindo a usos e costumes de povos que agiam ou agem de acordo com padres estabelecidos por sculos de tradies e experincias particulares ou a comportamentos pontuais em determinado momento. Peguemos um exemplo clssico que exige muita ginstica mental de todo professor de Histria. Como

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Esse entrelaamento de foras costuma ser chamado de correlao de foras. Ou seja, o peso e a inuncia que cada componente da realidade exerce sobre o fato em anlise.

Esta expresso, a correlao de foras, d a idia de uma disputa entre os vrios componentes da realidade.

por isso que um sindicato, um movimento, um partido precisa analisar os vrios elementos da conjuntura e tambm estudar o jogo destes componentes, destas foras.

Uma destas foras determinantes que inuem na conjuntura so os atores sociais, que no so esttuas e nem plantas: so gente, com suas experincias, antigas

e recentes. Com seus sonhos e frustraes, que no d para pesar numa balana de supermercado, mas so reais e atuantes sobre o resultado nal de uma ao.

pergunta o que conjuntura?, podemos responder, resumidamente, que a atuao de todas as foras distintas, em determinado momento, sobre uma realidade determinada.

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1 - Qualquer ao pressupe uma anlise da situao 2 Anlise de conjuntura no um clculo matemtico

Captulo 2

O que anlise de conjunturaQualquer sindicalista ou ativista de movimentos sociais precisa saber quais foras jogam no xadrez social e poltico em que ele atua. preciso saber disso, porque ele precisa vencer barreiras. Precisa saber quem so seus amigos e quem so seus inimigos. Quem so seus adversrios e seus aliados. Quais pedras podem ser movidas, quais jogadas podem ser feitas. Isto no pelo gosto de uma fofoca inconseqente ou por legtima curiosidade intelectual. Ao contrrio, para saber para onde ir, com quem ir e o que encontrar pela frente. Um sindicato de trabalhadores da Educao, ao iniciar uma disputa salarial com a administrao pblica, precisa levar em conta todos os componentes da conjuntura. Para saber se possvel ganhar a queda de brao com a Secretaria Estadual de Educao, por exemplo, necessrio saber quem quem no poder e quais interesses representa. Anal, com quais foras o Sindicato dos Prossionais da Educao daquele estado pode contar e com quais foras ter de se confrontar.

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A luta sindical, seja ela puramente reivindicativa ou poltica, assemelha-se a uma guerra. Uma guerra onde se confrontam interesses contrrios. O mesmo vale para o conjunto das lutas sociais.

Todo movimento dos sem-terra, dos sem-teto, o movimento popular, o estudantil e toda atividade partidria precisa ter noo exata do que est em disputa em cada reivindicao, em cada campanha.

ra, no geral, ou sobre determinadas guerras especcas que aconteceram mais de 2.000 anos atrs. Em todos esses livros, a guerra mostrada como uma arte que precisa levar em conta muitos componentes. Uma coisa era uma guerra nos tempos do arcoe-echa, outra, totalmente diferente, a de hoje, com todo o arsenal de armas disponveis para a destruio em massa dos inimigos. E mais, na guerra, de ontem e de hoje, h muitos outros componentes alm das armas a serem levados em conta, por exemplo, quais as fontes de abastecimento dos exrcitos? Quais as bases logsticas? E mais: nos dias de hoje, qual a inuncia que a propaganda mundial tem sobre o nimo das tropas?

Embora no aparea primeira vista, a luta social uma guerra com interesses contrrios e exrcitos contrapostos.

Os educadores sabem que a contradio entre os que mandam na Educao (seja na administrao pblica, seja no sistema privado) e os vrios prossionais do ensino, nas suas vrias funes, no se d somente sobre a remunerao. Existem outras necessidades para se concretizar a ao educativa que so vistas de maneiras completamente diferente pelos trabalhadores ou pelos administradores da mquina administrativa. Sobretudo, h uma srie de aspectos polticos mais gerais que so vistos de maneira completamente divergentes por estas duas partes. O tipo de ensino deve ser voltado para a cidadania ou para o mercado? Os valores centrais no nosso ensino devem ser o sucesso individualista ou a viso baseada na solidariedade? A Educao deve preocupar-se com a formao integral de homens e mulheres ou deve limitar-se a aspectos parciais da formao? Questes como estas dividem pessoas, grupos, classes. Essas simples perguntas j colocam as pessoas em lados diferentes da vida, conseqentemente, da prtica social. Como essas, h muitas divergncias entre os trabalhadores da Educao e os administradores ou patres das estruturas de ensino. evidente que a guerra est sempre s portas da atuao da nossa classe. E a, como vencer esta guerra? Como enfrentar cada batalha? H livros clssicos sobre A Arte da Guer-

Pois , a anlise de conjuntura a aplicao da arte da guerra. Uma guerra que tem que levar em conta a realidade puramente militar e, ao mesmo tempo, a situao social e poltica geral. Sem uma exata anlise da conjuntura, como entrar numa briga com os olhos vendados, enquanto o inimigo est vendo perfeitamente onde golpear.

Mas, no s o ativista que quer transformar a sociedade que necessita de uma anlise sria das foras em jogo e do jogo das foras. Qualquer atividade humana, para ter sucesso, necessita que seus autores faam uma correta anlise de conjuntura. Uma nova linha de nibus, um novo ponto comercial, a nova cor de um carro que uma montadora planeja, o sistema de bloqueio das portas de um prdio ou de um elevador, tudo enm resultado de uma sria anlise de conjuntura.

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1 - QUALQUER AO PRESSUPE UMA ANLISE DA SITUAONa sociedade atual, poucas coisas so feitas sem planejamento, sem uma perspectiva estratgica. Uma simples marca de cosmticos, um novo tipo de sabonete, leva meses de anlises, estudos, testes e todo tipo de pesquisas. As empresas de um certo porte lanam sempre algum prottipo para testar o mercado uma edio limitada de suco de fruta, uma verso beta de um programa de computador. Isso faz parte do planejamento, da estratgia, da anlise das possibilidades.

Anal, a empresa vai querer saber se, na atual conjuntura, o mercado comporta mais um tipo de sabonete ou de um novo programa de computador. H modelos de pesquisa baseados na seleo de amostras de consumidores, para saber como eles reagem diante de determinados produtos e de determinadas estratgias de marketing. E quanto mais sria for a empresa, vai querer saber muito mais. Quais as novas fragrncias, quais os tamanhos, etc. Cada vez com maior freqncia, grandes empresas internacionais contratam cientistas brasileiros socilogos, economistas, especialistas em marketing e em comunicao para saber quais as melhores condies para seus investimentos aqui no pas. Os capitalistas sabem muito bem da importncia de uma anlise de conjuntura acertada para o sucesso dos seus negcios.

Entender para onde sopram os ventos polticos, econmicos e sociais ou comportamentais de um determinado momento essencial para saber como navegar e, sobretudo, como mudar os ventos a seu favor.

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Analisar uma conjuntura no fazer uma previso do futuro absolutamente exata e infalvel. Na fsica, podemos calcular a velocidade de queda de uma pedra. Na qumica, podemos prever o resultado que teremos se juntarmos determinadas substncias em determinada proporo. Na biologia, podemos saber como evoluem os organismos. Dos estudos sobre o DNA evoluo das clulas-tronco, tudo pode ser previsto cada vez com maior preciso.

exato e preciso, porque a conjuntura est em constante mudana. Nela, atuam foras que no existem nem na fsica, nem na qumica e nem na biologia: a conscincia, os sonhos e a deciso das pessoas e do inteiro sistema econmico e poltico do pas.A pedra no faz previso de conjuntura e no muda seu comportamento a partir disso. A lei da gravidade no muda de acordo com a conscincia ou a experincia histrica que as pedras teriam dela. O homem, no caso, o fsico, elabora a cincia da pedra, faz a previso do comportamento da pedra. A pedra no usa essa cincia para compreender a si mesma. Antes e depois do conhecimento, ela continua a mesma pedra. O homem, no: o conhecimento que ele produz sobre si mesmo e sobre o mundo transforma a ele prprio e ao mundo.

2 - ANLISE DE CONJUNTURA NO UM CLCULO MATEMTICOA anlise da conjuntura no um jogo de adivinhao. Ela no nos permite fazer uma previso, como se fosse um clculo matemtico

Os seres humanos tm conscincia da concatenao da realidade e do peso de cada coisa. Eles podem mudar o futuro que haviam previsto. O conhecimento transforma o homem de objeto de anlise em sujeito, em ator e autor de determinada ao. E essa ao, ao se desenrolar, entra na composio e congurao da nova conjuntura que est em constante movimento.No caso de uma pedra, a ao externa. No altera sua conscincia, nem o seu comportamento. Ela vai continuar caindo como antes, seja em tempo de paz, seja em tempo de guerra. Nos humanos, a coisa totalmente diferente. Peguemos o caso dos trabalhadores da Educao. O conhecimento adquirido e elaborado por estes atores pode alterar o seu comportamento. Pode inuir nos acontecimentos e mudar o seu futuro. Pode mudar as foras que esto em jogo na conjuntura. No meio de uma campanha salarial, o fato de saber que os trabalhadores da Educao de tal estado conseguiram um aumento real de 25%, muda o quadro totalmente. Ter esta informao, por exemplo, inverte o quadro de desmobilizao que predispunha conciliao entre as foras. Muda os argumentos, seja dos que exigiam determinado aumento, a qualquer custo, seja dos que estavam dispostos a conciliar com quem se negava a conced-lo.

No caso de uma luta de professores por aumento e melhores condies para ensinar, o nvel de informao sobre a situao salarial e as condies em outros pases pode determinar um tipo de ao ao invs de outra.

A informao dada pelo presidente de um instituto de pesquisa ocial, no nal de 2007, de que o Brasil tem de seis a oito vezes menos funcionrios pblicos do que qualquer pas mais desenvolvido pode ser uma bomba a estourar numa assemblia sindical.

18 Como Fazer Anlise de Conjuntura

Ela inuir tremendamente na determinao das foras da conjuntura. Muda completamente o quadro anterior, onde o poder executivo repetia exausto que o servio pblico de tal estado ou municpio estava inchado e por isso precisava fazer uns cortes. Uma coisa entrar numa campanha salarial com o conjunto da populao repetindo o que a televiso fala, achando que h educadores de sobra nas escolas. Outra, bem diferente, entrar na mesma campanha aps o sindicato ter espalhado aos quatro ventos a informao do presidente do instituto de pesquisa. A reao de pais de alunos e do conjunto da populao a uma passeata que bloqueie o trnsito ser bem diferente se ela tiver sido informada pelo sindicato. Esta variante pode determinar uma mudana substancial no desenrolar de uma luta e no seu desfecho nal. Por isso, fazer anlise de conjuntura no fazer previso do desenrolar dos acontecimentos e dos seus possveis resultados, com exatido matemtica. conhecer a realidade e as foras que agem sobre ela para melhor denir os passos que sero dados em uma direo, com um determinado objetivo.

Hoje, no clima neoliberal dominante, a tendncia de cada governo falar da necessidade de reduzir a mquina para reduzir custos. A atitude ideolgica dos trabalhadores, por outro lado, ser de mostrar a insucincia de funcionrios, a necessidade de melhorar a qualicao atravs da formao permanente para poder melhorar os servios ao pblico. Por isso, conhecer dados nacionais e internacionais importante na hora da argumentao e da deciso da ao.

Esta anlise d pistas, orienta escolhas, orienta a ao. Sem garantias, mas baseando-se em dados e fatos comprovados.A anlise de conjuntura uma mistura de conhecimento e descoberta, uma leitura especial da realidade e que se faz sempre em funo de alguma necessidade ou interesse. Nesse sentido, no h anlise de conjuntura neutra, desinteressada: ela pode ser objetiva, mas estar sempre relacionada a uma determinada viso do sentido e do rumo dos acontecimentos, arma Hebert de Souza, Betinho, no livro Como fazer anlise de conjuntura.

3 - O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO E A CONJUNTURAVamos introduzir aqui um exemplo que retomaremos ao longo deste caderno devido sua atualidade e abrangncia. No ano de 2007, o governo federal apresentou sociedade o Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE). Isto um fato. Como qualquer fato, est inserido em uma determinada conjuntura. Ou seja: sobre ele atuam muitas foras distintas. Uma fora o prprio governo, que, com o Plano, pretende atingir determinados objetivos e atender a interesses especcos. Que interesses? Como qualquer projeto, o contedo do PDE, em si, j e fruto de presses de diversos grupos sobre o governo. Grupos nacionais e grupos internacionais. O Plano foi construdo dentro de uma determinada viso poltica. Ele lho de uma dada poca. Qual a relao entre as orientaes dadas pelo antigo, e sempre atual, Consenso de Washington e o PDE?

No caso de qualquer discusso entre um sindicato de trabalhadores e o poder pblico, as anlises e os posicionamentos dependem da posio de cada uma das partes.

Como Fazer Anlise de Conjuntura 19

Ele vai no sentido da privatizao do ensino ou da universalizao de um direito esquecido? Quais os interesses dos grandes grupos empresariais, seja da Educao seja dos vrios ramos do capital, do nanceiro ao produtivo-industrial? Como esses interesses agem? E no apenas no Executivo, aquilo que chamamos em geral de governo, mas tambm no Legislativo, no Congresso, que pode interferir pesadamente nesses planos. E no s o Legislativo que inui no destino de uma luta dos trabalhadores, o Judicirio tambm entra no jogo. Como a disputa de interesses das diferentes classes da sociedade se entrelaa com o Judicirio, que muitas vezes pressionado por diferentes grupos, para retardar ou sabotar os planos de uma categoria em luta? Ento, para se analisar o PDE preciso que se conheam quais as foras que esto em disputa no campo da Educao. Mas no s. Uma anlise sria e consistente pressupe que se conheam as caractersticas do modelo polticoeconmico vigente no Brasil e do modelo hegemnico mundialmente. necessrio conhecer qual o grau de interdependncia entre ambos. preciso que se responda,

inicialmente, que modelo brasileiro de desenvolvimento, de poltica social, de proteo social e de cidadania est sendo perseguido e como a educao se insere neste modelo. Para alm, necessrio que se pense sobre o grau de autonomia do Estado brasileiro para desenvolver uma poltica de educao independente frente globalizao da economia. Ora, o PDE brasileiro, ou qualquer outro plano, est livre das amarras dos organismos internacionais - como FMI, Banco Mundial, OCDE - ou ele contm elementos ditados por estas organizaes? Todas estas so questes que compem uma determinada conjuntura.

O PDE, como qualquer outro plano, precisa ser visto luz desta conjuntura. No pode ser analisado fora do tempo e do espao e da presso que os seus vrios atores exercem sobre ele.

20 Como Fazer Anlise de Conjuntura

Podemos armar que sobre ele, alm das foras citadas, atuam os interesses dos grupos privados e dos movimentos sociais. Obviamente, os prossionais de Educao com seus interesses especcos, como categoria e como classe, entram neste jogo que modica a situao, isto , a conjuntura. A edio e a imple-

mentao ou no deste Plano precisa ser relacionada com a situao da Central nica dos Trabalhadores (CUT) e das outras centrais sindicais, hoje legalizadas e legitimadas. E qual o peso, na concretizao ou no do PDE, da confederao diretamente ligada Educao, a CNTE?

Analisar uma conjuntura , ento, descortinar uma janela e reconhecer, atravs dela, quais os personagens que esto encenando uma determinada histria. Qual a fora real desses atores sociais? Quais as classes e quais seus interesses? Quais os objetivos que os mobilizam? Quais os interesses histricos e imediatos que esto em jogo, quais as regras do jogo e qual a atuao de cada classe sobre o tabuleiro da vida?

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Captulo 3

Para que fazer anlise de conjuntura?Analisar constantemente a conjuntura a tarefa nmero um dos agentes sociais que se propem a agir sobre a realidade buscando a sua alterao. a velha mxima: conhecer para mudar. necessrio conhecer onde estamos e para onde queremos ir, para, quem sabe, chegar meta. H um filme poltico de 1969, Queimada, de Gillo Pontecorvo, o mesmo autor de A Batalha de Argel, que ilustra a necessidade de se conhecer a realidade para poder agir. Queimada retrata a luta de libertao do povo nativo de uma ilha imaginria do Caribe, com o mesmo nome do lme. Os rebeldes, a um certo ponto, se encontram encurralados e prestes a serem exterminados pelas foras opressoras do imprio colonial ingls. O lder da revolta, Jos Dolores, solicitado para indicar o que fazer, d sua resposta lapidar:

1 - Todo mundo faz anlise de conjuntura 2 - Da anlise emprica anlise prossionalizada 3 - Um sindicato precisa analisar a conjuntura para vencer a luta

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melhor estar numa oresta sabendo onde queremos chegar, mesmo sem saber como, do que saber como, sem saber aonde queremos chegar.

aumentar as possibilidades de qualicao prossional dos seus associados. Para alcanar este objetivo preciso ter clareza de tudo o que envolve esta deciso. Esta, como todas as outras, uma deciso poltica e preciso saber analisar as condies para ver se, atravs de muita luta, ser possvel que esta deciso seja tomada e aplicada.

uma bela aula sobre a necessidade de conhecer a realidade. Primeiro, o ponto de partida. E, logo em seguida, a meta da chegada. Na ao poltica, este conhecimento fundamental. absurdo, na vida poltica ou sindical, que se tomem decises sem que sejam identicados todos os componentes, dos atores aos interesses que esto em jogo. E aqui, quando falamos em poltica, no estamos nos referindo apenas s grandes questes. Poltica no se esgota nas reformas constitucionais, ou eleies, reforma agrria, negcios internacionais, guerras ou rompimentos diplomticos. A poltica tudo isto, mas tambm, em escala menor, cada assemblia, cada campanha de um sindicato. Tal sindicato da Educao, por exemplo, quer

1 - TODO MUNDO FAZ ANLISE DE CONJUNTURAA anlise da conjuntura necessria sempre. Qualquer ao, individual ou coletiva, exige que seja pensada e programada. Isto serve para a ao revolucionria, para uma empreitada comercial, para um projeto industrial. Um camel, um empresrio, um artista, um pastor ou um ativista social, todos precisam analisar as tendncias do momento, os ventos que sopram. Para cada caso da ao humana h uma srie de componentes a serem levados em conta. Embora esta anlise seja particularmente necessria para a ao sindical ou de movimentos sociais, ela precisa ser feita em cada situao da vida, da mais simples mais complexa.

As pessoas, sem saber, fazem uma anlise da conjuntura em muitas situaes, das mais simples s mais complexas. Imagine um trabalhador, um cobrador de nibus, por exemplo, que quer sair do aluguel e pensa em comprar sua casinha. Sem saber e sem querer, acaba fazendo uma anlise de conjuntura.

Tem que levar em conta seu emprego e ver se d para ele segurar uma prestao de tantos reais. E se perder o emprego? E se a empresa falir? E se a funo de cobrador for extinta e substituda por catraca eletrnica, como o prefeito j anunciou? E se sua mulher for mandada embora do supermercado que est sendo engolido pela Wall Mart? E se a irm que mora junto

com eles no receber mais camisas vindas da China para vender como camel? E se mudar a poltica do Brasil com relao aos produtos chineses? E o cmbio? E se os livros do lho na escola carem muito caros? Essas e mais cem questes passam pela cabea de qualquer trabalhador que sonhe em comprar sua casinha, seu barraco ou seu apartamento.

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Sem saber, para tomar deciso de comprar uma casinha e, assim, acabar com o pagamento do aluguel, ele est fazendo uma anlise de conjuntura, uma anlise em que vai usar todas as informaes que conseguiu reunir, atravs dos meios que ele teve: rdio, televiso e conversa com colegas de trabalho. Vai precisar juntar tudo, analisar, pesar, conversar com parentes e amigos e, ao nal, tomar a deciso.

Mas, qual essa conjuntura? Qual a poltica industrial do pas? Qual a poltica de incentivos ao setor industrial que o governo federal est planejando? Qual a posio do governador do Estado que, todo mundo lembra, prometeu isso e aquilo para o setor industrial antes da sua eleio? E na de macroeconomia, o Pas vai realmente chegar a crescer os 7% ao ano que esto sendo trombeteados? E a poltica scal vai continuar como est ou vai ter uma reforma global? E o dlar? E a recesso nos Estados Unidos, vai atingir o Brasil? Como? Em qual medida? E a China, sim, a China, como vai? Vo continuar a chegar suas exportaes a um preo que mata qualquer empresa do mundo? E o Plano de Aceleramento da Economia (PAC) proposto pelo governo federal? Ele poder ser implementado mesmo frente recesso mundial e s escaramuas da oposio? Estas e mais dezenas de questes precisam ser analisadas antes de tomar essa ou aquela deciso. O que nosso diretor precisa fazer para se preparar para a prxima reunio de diretoria? Exatamente: uma boa anlise de conjuntura. Sem isso, vai falar abobrinhas. O grave que no s falar abobrinhas. que a empresa vai dar com os burros ngua. Vai falir. Vai fechar. E a, adeus lucros! E os 7% de crescimento que o ministro do Planejamento prometeu, onde que cam?

Este um caso de anlise de conjuntura, diramos, artesanal. Feita na prtica do dia-a-dia. Mas, h mil outras situaes, das mais simples s mais complexas, onde cada pessoa recorre anlise da conjuntura, de forma parecida.

2 - DA ANLISE EMPRICA ANLISE PROFISSIONALIZADATomemos o caso mais complexo de um diretor comercial de uma empresa de confeces. A discusso, neste caso, como a empresa vai sair da crise. A discusso se arrasta h anos. A empresa j foi orescente. Era lder no mercado. Mandava seus produtos para vrios estados e at para algum pas da Amrica Latina. A partir de 1990, com a febre dos importados, provocada pela poltica do governo da poca, aquele Collor de Mello que foi posto para correr, a empresa comeou a patinar. Passou de 2.000 funcionrios para os atuais 150 e, agora, est se falando de novo corte. O que nosso diretor comercial vai propor na reunio da diretoria da prxima semana? Vo estar l todos os diretores, uma reunio decisiva. Este o dilema: o que fazer? Para onde vamos? Qual a deciso a ser tomada frente a essa situao? Ou seja, o que fazer na atual conjuntura?

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Mas no s ele, individualmente, que precisa analisar a conjuntura. Toda a diretoria precisa usar esta ferramenta essencial para tomar qualquer deciso. provvel que o diretor-presidente da empresa tenha contratado uma empresa de consultoria para, no comeo da reunio da prxima semana, iniciar com uma anlise das tendncias econmicas nacionais e internacionais. O que so estas tendncias? So exatamente aspectos da conjuntura. Peas do quebra-cabea da tal anlise de conjuntura. aqui que uma grande empresa chama uma consultoria externa, chama experts nacionais e internacionais. Sabemos que, para uma empresa, cada centavo regateado, pesado e entra na composio nal dos preos e dos lucros. E como se explica que ela gaste milhes com assessorias e consultorias? Exatamente pelo fato de que qualquer grande empresa sabe que, sem uma anlise correta da conjuntura, os lucros nais despencam.

Agora, chegou a hora de concretizar esta conquista. Daqui a trs meses haver eleio. O problema que pouca gente se disps a se candidatar. H muito pouco interesse para esta eleio. E a? O que vamos fazer? Hoje, mesmo aps aquela greve que conquistou 3,7% de aumento acima da inao, o pessoal est desmotivado. A militncia est desanimada. Poderamos dizer a clssica frase: Ningum quer nada!. Sim, mas e da? A eleio do representante de escola est a. Vamos desistir? A eleio de representantes de escola no um fato isolado. Sofre inuncias da poltica de Educao do municpio ou do estado, da relao dos governantes com a Educao. Ela pode mexer no nvel de luta da categoria e tambm em velhos equilbrios clientelistas aos quais determinados membros da administrao estavam acostumados. Mais ainda, esta eleio pode ser um marco na resistncia ao projeto neoliberal ou pode ser uma ao menor, sem nenhuma conseqncia na mudana dos rumos de toda a categoria dos professores. Tudo isso, politicamente, correto. Teoricamente, est certssimo. Mas o fato trgico, e tremendamente concreto, que este determinado sindicato, agora, no encontra gente disposta a se candidatar funo poltica de Representante de Escola. E da? O que fazer? Por onde comear a desenrolar este novelo?

3 - UM SINDICATO PRECISA ANALISAR A CONJUNTURA PARA VENCER A LUTATomemos agora o caso de um sindicato de trabalhadores da Educao. Aqui no se trata de ver como produzir para ter mais lucros. Trata-se de tomar medidas para ampliar sua penetrao na base. Ou seja, aumentar a participao da categoria nas lutas que o sindicato organiza. Como este sindicato pode criar razes em cada escola, em cada unidade de ensino? Como pode aprofundar a formao poltica de seus membros e lev-los a um maior compromisso com o coletivo, com a categoria?

Analisar a inuncia de fatos novosEra uma vez um determinado sindicato em que houve um fato novo muito importante no ano de 2007. Na campanha salarial, que teve como pice uma greve vitoriosa, os trabalhadores conquistaram o direito de eleger representantes de escola em cada unidade. Foi uma luta dura, que conseguiu um aumentozinho mixuruca, mas garantiu a eleio do representante de escola. Na avaliao nal da greve, a direo do sindicato deu muita importncia a essa conquista e armou que ela mudaria toda a vida do sindicato.

Estamos frente a um caso tpico onde os atores sociais, no caso a diretoria do sindicato, precisam analisar todos os componentes polticos, econmicos, histricos, para depois decidir o rumo a seguir. Ou seja, de novo, precisam analisar a conjuntura. Mil elementos precisam ser levados em conta.

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Entre eles, h um que muitas vezes esquecido nas anlises clssicas. Este o que veiculado em toda a mdia empresarial e, especicamente, o que a televiso mostra em suas novelas. Estas atingem milhes e milhes e possuem um tremendo poder de inuenciar coraes e mentes. A ao da mdia um componente essencial da anlise do momento, das idias e humores das massas. Ela, ao mesmo tempo, reete e cria comportamentos e valores. S relembrando uma das tantas novelas recentes. No ano de 2007, a Rede Globo exibiu uma novela que tinha como uma de suas personagens uma professora, interpretada pela atriz Gabriela Duarte, que tomava para si a tarefa de cuidar da escola, de transformar, atravs de sistema de mutiro, uma escola pblica que estava destruda. Poderia haver ali uma mensagem subliminar que indicaria aos professores a idia de agir com as prprias foras para mudar a realidade escolar, ao invs de exigir do Estado que assuma a sua responsabilidade com a Educao Pblica. A transmisso dessa novela faz parte da conjuntura do perodo. Ela fruto da conjuntura e ao mesmo tempo a inuencia grandemente por seu poder de seduo. No caso dessa novela, analisar o poder da mdia sobre a conjuntura ver at onde vai a idia de participao ativa de um educador e onde entra a substituio do Estado, como quer o neoliberalismo.

Os irmos professores dos outros pases latinoamericanos, o que andam fazendo? Qual a situao deles? Quais as lutas que esto travando? Conhecer e analisar o mundo, neste caso, no um deleite turstico. importante para se atuar no seu prprio pas. Mas h um passo anterior a ser dado. Para ter um quadro completo da situao dos trabalhadores da Educao e da possibilidade de melhor-la, preciso conhecer a realidade do ensino em cada estado brasileiro. Ao se propor uma campanha como esta, exige-se conhecer a realidade presente e a histria da Educao no Brasil, dos sculos passados at os dias de hoje. Os objetivos e as metas a serem denidas devem levar em considerao todas as foras envolvidas na Educao no Pas. Caso contrrio, corre-se o risco de se subestimar ou de se superestimar as prprias foras.

Fazer anlise da conjuntura necessrio porque atravs dela que se conhece o cenrio e as foras envolvidas com as quais um sindicato ter de se relacionar.Conhecemos assim as foras que atuaro simultaneamente sobre os prossionais da educao e sobre a sociedade que se pretende atingir com a campanha. Com o estudo minucioso dos vrios componentes, podese saber quem so os aliados e quem so os oponentes dessa luta. Quais so os interesses de cada grupo social. Quem ganha e quem perde com a valorizao da Educao Pblica. Com estas informaes, podemos buscar as alianas certas. Podemos nos preparar melhor para resistir e responder altura s investidas de quem no quer a valorizao dos prossionais da Educao.

O caso de uma campanha de valorizao dos prossionais da educaoImaginemos uma hiptese real, de um sindicato decidir fazer uma campanha de valorizao dos trabalhadores do ramo da Educao. Uma campanha que abrange desde o aumento dos salrios at a melhoria da qualidade do ensino. Desde as condies fsicas das escolas a um programa de atualizao dos prossionais do ensino. Como fazer isso sem conhecer a conjuntura do momento?

De novo exige-se uma anlise econmica e poltica abrangente. Precisamos selecionar as informaes teis e procurar por elas. importante conhecer qual a realidade dos trabalhadores da Educao em outros pases deste mundo globalizado e marcado por polticas neoliberais, cada vez mais iguais em todos os pases.

Tudo vale a pena, se a alma no pequenaA luta sindical, tradicionalmente, centrada na capacidade de ao direta dos trabalhadores nos seus locais de trabalho. Historicamente, greves e manifestaes tm sido a marca registrada da ao sindical. Ainda est por ser elaborada uma pesquisa exaustiva sobre milhares e milhares de greves realizadas pelos trabalhadores do nosso Pas desde o nascimento das primeiras indstrias.

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Especicamente, os trabalhadores da Educao, sobretudo a partir da exploso das greves, em 1978, ao nal da ditadura, tm realizado inmeras greves, passeatas, manifestaes e atos pblicos. Greves locais, greves quase nacionais, greves de curta durao e longas greves provocadas pela insensibilidade dos vrios governos. Sem dvida, esta a marca registrada do sindicalismo combativo.

Nos vrios parlamentos, estaduais ou federal, acabam por ser votadas decises que determinaro enormemente os rumos das lutas dos trabalhadores. Por isso, ao se fazer uma anlise das foras em jogo em determinado momento, em determinada conjuntura, preciso analisar, tambm, as foras dentro do Parlamento. Analisar qual a composio de cada casa legislativa. Quais as classes que tm preponderncia, naquele momento? Quais as formas de presso que podem surtir efeito sobre determinado bloco, naquele momento determinado? Quais os partidos que podem estar do lado daquela reivindicao da classe, naquela situao? Quais os partidos que historicamente tm se colocado de um lado ou de outro, com relao s reivindicaes dos trabalhadores?

Mas, alm desta histria, desta memria gloriosa, para uma boa anlise de conjuntura preciso levar em conta todos os aspectos, desde a herana histrica ao jogo parlamentar.

De posse destas informaes e cruzando-as com muitas outras, ser possvel planejar uma ao com maior ou menor chance de xito.

Nota: A frase Tudo vale a pena, se a alma no pequena do poeta portugus, Fernando Pessoa. Est no poema Mar Portuguez.

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Captulo 4

Quem faz anlise de conjunturaUma anlise de conjuntura pressupe, inicialmente, a identificao de alguns elementos-chave para o seu sucesso. Primeiramente precisamos definir se ela pode ser feita por qualquer pessoa ou se existem profissionais, ou militantes polticos, especializados nesta tarefa. Como j dissemos anteriormente, todo mundo, de uma forma ou de outra, obrigado pela vida a fazer anlise da conjuntura, para saber como agir nas diferentes situaes.

1 Preparar-se para analisar a conjuntura 2 Cada um tem sua contribuio

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Ou seja, a anlise de conjuntura no pode se restringir s anlises dos grandes especialistas. Querendo ou no, cada um tem que se virar e avaliar como puder a situao que lhe est na frente. Cada um tem que fazer sua anlise de conjuntura.

Peguemos, agora, um outro grupo de amigos da classe trabalhadora que ganha at dois salrios mnimos. Eles tambm esto planejando as frias, mais informalmente. Quase todos trabalham na mesma empresa e esta vai dar frias coletivas em julho. Aps o trabalho, de p, num boteco ao lado da fbrica, beliscando uma pizza francesinha, isto , cortada em pequenos quadradinhos, e tomando umas cervejas de garrafa, o papo rola sobre o que fazer nessas frias. Joo convida quem estiver a m a ajud-lo a puxar a laje da sua casa. Vai ser legal, no almoo vai ter uma rabada que a me vai preparar e uma boa caipirinha.

Mas, e a entra a conjunturaVamos ver um exemplo do dia-a-dia. Um grupo de amigos de classe mdia planeja fazer uma viagem de frias. Marca um encontro para denir o local. Despretensiosamente, tomando um Ice Smirmoff ou um suco de frutas, aquele grupo vai fazer uma anlise da conjuntura econmica nacional e internacional para, simplesmente, decidir para onde vai. Vai analisar a economia do pas. Se a moeda fraca, planeja-se uma viagem domstica. Se, caso contrrio, forte, pensa-se numa viagem internacional, que pode car mais barata. Pode ser que se faa tambm uma anlise da conjuntura poltica, embora seja difcil acreditar que algum deixe de ir a Itlia por causa de Berlusconi ou Frana devido s aventuras sexuais de Sarcozy. Mas se o grupo de amigos de esquerda, pode ser que opte por uma viagem a Cuba, a Chiapas ou Venezuela. Vale a pena? A viagem pode ser uma forma de apoio concreto quele pas? Se forem judeus, desejaro conhecer Telaviv. Ento, cou claro? Mesmo as escolhas mais triviais so marcadas por anlises de conjuntura.

...

Joo no tem certeza se d para fazer essa laje. Depende de uma poro de coisas... da conjuntura. A empresa diz que est mal das pernas e no sabe se vai pagar as frias coletivas antes ou depois. Alm disso, o pai do Joo est em dvida se vale a pena comprar agora a laje, ou se melhor esperar para o m do ano, quando dizem que a construo civil vai baixar os preos. Mais ainda, a irm que iria contribuir com uma parte da despesa pode ser mandada embora do banco, que est automatizando tudo. E ento, o que fazer, tem ou no tem laje no sbado e domingo?

Depende

... da conjuntura.

Por este raciocnio, ento, poderamos concluir que todos fazemos e podemos fazer anlises de conjuntura. Mas ser que assim to fcil? No e no. Uma coisa um planejamento, feito sobre uma anlise, que vai afetar a vida individual ou de uma famlia ou de um pequeno grupo de pessoas. Outra a denio de estratgias que inuiro na vida de milhares de pessoas, como o caso de um sindicato, por exemplo.

importante, muito importante, que a cada reunio de diretoria haja espao para uma anlise da conjuntura. Nela, todos os membros podero falar suas idias sobre o perodo.

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Mas esta anlise, diramos, artesanal, informal, no substitui a outra, feita por quem estudou para saber como funciona a sociedade. Estes prossionais so os socilogos, os economistas, os historiadores, os jornalistas, os cientistas polticos, os formadores do movimento social e os ativistas muito bem preparados. J que assim, algum poderia fazer algumas perguntas. Um mdico no pode fazer anlise de conjuntura? Pode. Assim como um bancrio, um professor de matemtica, um camel ou um engenheiro. Mas, seja l quem for, precisa ter uma srie de noes e informaes de economia, de histria, de sociologia e de poltica. Sem isso no anlise, chute! Qual a concluso desta parte, sobre quem so os analistas da conjuntura? preciso rearmar que no se cumpre esta tarefa sem muito preparo. Vejamos mais um exemplo.

O sindicato vai ter de propor uma anlise da conjuntura e buscar nela elementos que justiquem a sua proposta. Por que uma central mais importante do que a outra para a luta daquela categoria? Quem for fazer a anlise ter de falar sobre o sistema nanceiro mundial, os lucros dos bancos, as mudanas no mercado de trabalho, a automao bancria, a relao do governo do pas com o capital nanceiro, a relao da central com os banqueiros, a relao do governo com o projeto neoliberal, com o FMI, enm, analisar a grande poltica nacional e internacional. Para falar a favor ou contra a desfiliao a uma central ou outra, necessrio analisar o sindicalismo mundial. Se ele est em crise ou no e por qu. E mais, quais os novos arranjos internacionais no campo sindical. Quantas e quais confederaes mundiais existem? Qual sua poltica? Qual sua influncia sobre a central em discusso? Qual o reflexo sobre a luta da categoria desta desfiliao ou no desfiliao? Sobretudo, descer s ltimas situaes concretas. Discutir qual foi o comportamento da Central na ltima mobilizao da categoria. Analisar o signicado e o peso da Central nas lutas recentes, nas negociaes. Qual a reao dos bancrios na base e tantas outras questes. Ficou claro? Ento... isso. Todo mundo precisa fazer sua anlise de conjuntura. Cada um tem que quebrar o galho. Mas s isso no suciente. necessrio fazer a melhor anlise possvel.

1 PREPARAR-SE PARA ANALISAR A CONJUNTURADigamos que um sindicato de bancrios decida alterar a sua liao a uma central sindical. A proposta ser levada para uma assemblia com a base da categoria. O que dir a diretoria autora da proposta? Vamos sair desta central porque todos os seus membros so feios ou sujos?. Ou assim: Propomos a liao do nosso sindicato central x porque ela amiga do povo palestino. possvel que seja desta maneira? So estes argumentos sucientes para uma disputa poltica? Evidentemente que no.

Ento, para fazer uma anlise de conjuntura sria preciso se preparar para tanto. No basta chegar numa reunio e desandar a falar tudo o que vem na cabea. preciso que sejam usados os dados mais objetivos e vastos possveis. E, em seguida, que se tenha a capacidade de analisar esses dados para chegar a uma proposta de ao para o momento.

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2 CADA UM TEM SUA CONTRIBUIOCelso Furtado atribua ao intelectual um papel decisivo na sociedade e particularmente, no auge de sua atuao poltica na dcada de 1960, nas sociedades que procuravam se libertar do subdesenvolvimento. O intelectual, dizia ele, era o agente poltico que, pela sua posio na sociedade e pelo tipo de formao que recebera, tinha condies deantecipar-se ao consenso e preparar o caminho para que este se formasse. Tinha como visualizar as possibilidades do futuro, descrever suas vantagens e desvantagens e, portanto, orientar as decises de seus concidados, envolvidos nos diferentes conitos de interesses e portadores de vises mais estreitas, segmentadas, de curto prazo.

O importante ter sempre bem presente que anlise de conjuntura no previso. Ela d pistas, orienta as escolhas, orienta a ao. E s. Para isso ela deve estar em sintonia na com o tempo que se est vivendo. A anlise da conjuntura ajuda a ter sempre muita atualidade nas propostas.

Para que nossa anlise de conjuntura seja sempre atual e possa ser til para a ao, necessrio que cada militante, no seu local de trabalho, seja uma fonte que traga informaes na hora da anlise coletiva das tendncias da sociedade.

Ou seja, o intelectual, na viso de Celso Furtado, tem a tarefa de fornecer o mximo de elementos para fazer a melhor anlise de conjuntura. Concretamente, na vida real, cada um tem que ser um intelectual capaz de analisar a conjuntura e propor aes para mud-la no sentido dos interesses da classe.

Ele poder fornecer dados muito teis sobre a reao dos colegas de trabalho a tal ou tal medida do governo. Poder dizer qual a disposio do mundo onde ele vive, de levar adiante tal proposta de luta que o sindicato est pensando. Poder dar um quadro real de como os companheiros de trabalho esto vendo a atuao do sindicato. Se o sindicato tem respeito na base ou no. Se est desgastado ou est cheio de moral. Suas contribuies podem ser muito teis para ter um quadro realista da situao e disposio dos trabalhadores na base.

Sua contribuio tornar o trabalho uma obra de arte coletiva. Obra produzida por uma rede de militantes de olhos e ouvidos bem abertos e dirigente dispostos a perceber a eccia, nos locais de trabalho, da anlise produzida no sindicato.

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1 O que conhecer: informaes necessrias 2 Interpretao e qualidade das informaes 3 Planejamento estratgico da ao

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Elementos da anlise de conjunturaara fazer uma anlise de conjuntura satisfatria necessrio dar uma srie de passos. Vejamos primeiro esquematicamente o caminho a seguir e em seguida vamos qualicar os vrios elementos. Como mtodo de anlise, propomos alguns passos que devem ser dados por sindicatos, movimentos sociais ou indivduos que tm como funo social a elaborao de uma anlise sria de conjuntura. Este mtodo contm alguns elementos essenciais que precisam ser conhecidos por quem faz este trabalho. Resumidamente poderamos esquematizar assim os elementos e passos essenciais a serem dados para se fazer uma boa anlise de conjuntura:

P

1) Informaes necessrias: quais so 1 as informaes que precisam ser levadas em conta para fazer uma anlise de conjuntura. 2) Interpretao dos dados: avaliao e 2 seleo das informaes coletadas.3 3) Planejamento estratgico da ao: nossa anlise de conjuntura tem um objetivo claro: ser um guia para a ao. Dela deve sair um plano de ao.

Vamos, agora, ver esquematicamente a lista destes pontos e, em seguida, veremos ponto a ponto estes elementos essenciais.

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1 O que conhecer: informaes necessriasa) Dados do quadro econmico b) Dados do quadro poltico c) Fatores ideolgicos e culturais d) Antecedentes histricos e) Quadro internacional e seus reexos locais f) Sintetizar as informaes g) Quadro nacional: econmico-poltico-social h) Informaes especcas sobre o tema em foco i) Uma pesquisa ampla, vital e permanente j) O exemplo do Inqurito Operrio de Marx, em 1878.

2 Interpretao e qualidade das informaesa) Fontes seguras b) Internet e casa da Maria Joana c) Toda mdia tem seu lado caso 1 - O Globo e as ocupaes do MST caso 2 - A Veja e o acidente do metr em So Paulo

3 Planejamento estratgico da aoa) Atores e atrizes sociais b) As foras que interagem sobre a conjuntura

1 - Transformaes econmicas Quem controla a terra Quem controla os mercados Como se d o controle dos uxos nanceiros 2 - Transformaes polticas Papel do Estado Peso dos Poderes e das instituies Funcionamento das estruturas corporativas Funcionamento das estruturas partidrias e sindicais 3 - Transformaes culturais Quem controla os uxos de informao Quem orienta as percepes e decises dos indivduos.

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1 O que conhecer:

informaes necessriasO primeiro passo, quando se trata de analisar uma conjuntura, saber de quais informaes precisamos. Juntar informao demais pode mais atrapalhar do que ajudar. Em seguida iremos pensar na qualidade, na conabilidade e na preciso das informaes que utilizaremos. Para comear a pensar sobre um determinado quadro social e seus desdobramentos, nosso ponto de partida ter informaes que permitam chegar a concluses com uma margem de previso a mais prxima do real. No se trata de chutes, de achismos ou de adivinhaes. Trata-se de observao, anlise e projees as mais srias possveis. Dentre os nove itens listados vamos tratar de alguns deles mais demoradamente. De outros, que so quase auto-explicativos, daremos s um toque. Cada um, com sua experincia, saber preencher estes temas com suas observaes. O que falta, muitas vezes, no ter a compreenso de cada item. Falta levar em conta a existncia dele e coloc-lo na lista das coisas a serem includas na anlise a ser feita.

emprego, sobre aumento ou no do comrcio popular, no Brasil, precisa levar em conta todos estes componentes.

B) DADOS PARA O QUADRO POLTICOA poltica internacional, tanto quanto a economia, tem uma forte inuncia na poltica nacional. Historicamente s pensar no golpe militar de 1964. Ele foi totalmente fruto do quadro poltico mundial. Pela geopoltica da poca, com o mundo dividido em dois blocos antagnicos, o Brasil, na viso dos EUA, no poderia sair de sua esfera de inuncia. Foi assim que foi preparado o golpe que se repetiu em quase todos os pases da Amrica Latina, considerada o eterno quintal dos Estados Unidos. Mas isso j histria. E hoje? Qual a diferena, para a Amrica Latina, da vitria dos republicanos ou dos democratas na eleio de novembro deste ano? E, entre Hillary Clinton e Barack Obama, o que muda para o Brasil? E para a Venezuela? E para toda a Amrica Latina? Para os trabalhadores, muda alguma coisa com a criao da nova central sindical mundial, a CSI, fruto da fuso da antiga CIOSL com a CMT, em 2005? Qual sua poltica? Qual sua poltica especca para a Educao? Em qualquer anlise do quadro poltico internacional, preciso fazer o balano do neoliberalismo. A quantas anda, no mundo inteiro, a onda neoliberal? Ela estancou? Estaria mostrando seus efeitos altamente malcos ou continua iludindo milhes pelo mundo afora?

A) DADOS PARA O QUADRO ECONMICOHoje, mais do que em outras pocas, ca evidente que as economias dos vrios pases esto interligadas entre si e principalmente com a dos pases que denem o quadro econmico mundial. Os juros do Brasil esto ligados ou dependentes dos juros dos EUA. O mesmo se aplica s bolsas. Ainda comum, no Paran, ouvir o ditado: Se a Bolsa de valores de Londres desse um espirro, o preo do caf do Brasil despencava. E era exatamente isso que acontecia. No primeiro semestre de 2008, o mundo todo est em suspense por causa da crise e da recesso que est se implantando nos Estados Unidos. O que tem a ver isso com a economia brasileira? E a realidade econmica da China? O que signica um computador ser montado em Porto Alegre, com peas fabricadas na China, no Canad, nos EUA e na frica do Sul? O que signica motores do ltimo modelo da Fiat serem produzidos totalmente em Betim (MG) e serem montados na matriz de Turim? Qualquer discusso sobre crescimento ou no do

C) FATORES IDEOLGICOS E CULTURAISPara se propor uma ao a um grupo social determinado preciso conhecer, em profundidade, suas tradies, sua cultura especca. Falar de libertao da mulher no Paran, no Par ou no serto do Piau, so coisas diferentes. Diferentes, porque diferentes so a histria e as experincias de cada um destes trs estados do mesmo Brasil. Mas esta diferena, ns a encontramos muito forte, dependendo de onde cada pessoa ou grupo se encontra na escala social. O famoso caos dos aeroportos, que ocupou milhares de pginas dos jornales no ano de 2006 e 2007, certamente comoveria muito pouco quem nunca viajou e nunca viajar de avio.

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D) ANTECEDENTES HISTRICOS Qual a inuncia da psicologia das grandes massas neste fato com forte cunho poltico? Qual o peso dessa reao psicolgica na conjuntura?No podemos entender a situao atual, sob qualquer ponto de vista, se no tivermos um amplo conhecimento de como foi o ontem, o anteontem, enm, o decorrer da histria. Os processos so construdos por grupos sociais ao longo da histria. o devir histrico. Ou seja, ao analisar uma conjuntura especca no ano de 2008, estamos no tempo presente. Trata-se do hoje, do aqui e agora. Mas preciso conhecer o ontem, tambm. Os fatos atuais, as situaes, ou mesmo uma situao especca que tomemos como referncia, no so lhos de chocadeira. So lhos da histria. Ento, assim como podemos estudar o passado a partir do presente, podemos reetir sobre o presente a partir do passado. Mas estudar o passado, no decorar nomes de reis, rainhas e presidentes. No saber, de cor e salteado, a cronologia dos acontecimentos. , sim, entender quais foram os problemas do passado, como se constituram ao longo da histria e como se relacionam e interferem nos problemas atuais. Isto o que queremos dizer quando falamos em entender os antecedentes histricos como condio prvia para a anlise de conjuntura. Agora, entender a histria no apenas debruar-se sobre a sua dimenso poltica, mas sobre todas as atividades humanas.

O movimento Cansei, aps a queda do avio da TAM em So Paulo, em 2007, que expressava os sentimentos de uma parte da classe mdia, teria condies de se transformar num movimento mais amplo? Que condies necessitaria? Existiam estas condies? evidente que, sem uma anlise que leve em conta estas variantes, um plano, um movimento, uma ao podem ter resultados diferentes dos esperados por seus planejadores. Sobram exemplos. Numa sociedade conservadora, quais reaes provoca uma pregao libertria, com uma nova moral sexual, como muitas vezes a esquerda, pelo mundo afora, tem feito? Sem levar em conta estes fatores culturais, s vezes, todo um plano de implantao de uma determinada viso pode ir gua abaixo.

Ento, est claro o que entendemos por antecedentes histricos e o seu papel na anlise de conjunturaVamos relembrar:As situaes que encontramos hoje e sobre as quais queremos agir tm um histrico que precisa ser conhecido. Isto, no apenas para no repetir os erros do passado, como se tornou comum dizer. Mas para, atravs do estudo do passado, entendermos o presente. Quais as questes centrais de um determinado episdio e quais as suas implicaes para uma dada situao hoje? Para entender o presente, conhecer o passado fundamental porque algumas questes permanecem atuais. E essas questes podem ser de ontem , de anteontem ou de sculos, como o caso da cultura catlica no Brasil, por exemplo.

?

Voltemos ao exemplo do PDE. No podemos analisar o PDE sem conhecermos quais os problemas centrais para a Educao no Brasil. E como o analista de conjuntura vai conhecer os problemas centrais da Educao no Brasil? Atravs do estudo dos documentos ociais, atravs das notcias e anlises da imprensa, atravs de depoimentos orais, e por meio da literatura. Atravs do conhecimento da Histria ser possvel tirar lies preciosas. Ser possvel aprender com os erros que visivelmente aparecero ao analisar o passado. E este conhecimento ser mais um elemento no grande mosaico dos componentes da nossa anlise de conjuntura.

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EXEMPLO

A memria histrica de uma Associao Comunitria

Um grupo de pessoas quer revitalizar uma associao de moradores num bairro muito pobre da periferia de uma grande cidade do pas. A inteno das melhores, as pessoas esto cheias de boas intenes. Mas, sem uma anlise sria da situao atual, real, concreta, facilmente o grupo poder dar com os burros ngua.

E por onde comea esta anlise? Exatamente pelo quadro histrico desta comunidade. Quando foi criada? Como foi? Nasceu do zero ou foram trazidas para o local famlias de uma favela j existente? De onde vinham seus moradores? Migrantes? De onde? Quais formas de organizao foram criadas nos quarenta anos de existncia deste novo conjunto? Quais foram as lideranas neste processo? Qual a presena de organizaes da sociedade civil, ao longo desses anos? Qual a atuao da Igreja Catlica? E como foi o aparecimento das outras denominaes crists, as chamadas Igrejas Evanglicas? H mais umas vinte, cinqenta ou cem perguntas a serem respondidas. Por exemplo: qual a presena dos partidos polticos nesta comunidade? Qual a presena da esquerda? E dos movimentos sociais? E quando e como o poder pblico apareceu, se que existe, neste local? Escolas, creches, postos de sade, segurana pblica, etc. Qual sua relao com a clssica poltica clientelstica que corrompe as conscincias?

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E outro aspecto fortssimo a ser analisado historicamente: o trco de drogas e suas correlaes. Quando apareceu o trco da maconha? E a cocana e o crack? E como foi a atuao da organizao do trco do comeo at hoje, quando o trco simplesmente chamado de movimento. Mais ainda. Qual a atuao da polcia no bairro? Sua relao com a populao, seu envolvimento com a cor-

rupo e o controle que ela tem sobre os tracantes e sobre toda liderana comunitria que aparea. Qual o sentimento da populao com relao polcia e aos tracantes? E, historicamente, como a escola neste bairro? Onde estudam seus lhos? H escolas? Quais os problemas alm da estrutura fsica do prdio, se que existe? H professores, ou a violncia tornou invivel continuar com as aulas? Violncia de qu?

Como vemos, o rosrio de perguntas no acaba nunca. So dezenas de questes que precisam ser formuladas e respondidas pelo grupo que quer atuar e inuir nessa comunidade. Parece uma enormidade. E realmente muito complicado. Mas, sem essas respostas, a ao transformadora com a qual aquele grupo de pessoas bem intencionadas sonha, muito provavelmente produzir frustraes e desnimo. E no os resultados positivos esperados.

necessrio ver, analisar as aes desenvolvidas por outros agentes anteriores. Ver os erros e os acertos. As diculdades e como elas foram superadas ou contornadas. Este o sentido da recuperao histrica de dados e fatos. Com esse instrumental poderemos continuar na nossa anlise.

EXEMPLO

Carros, sapatos, computadores, tudo est transnacionalizado

E) QUADRO INTERNACIONAL E SEUS REFLEXOS LOCAISHoje, so cada dia mais raros os que no percebem as implicaes internacionais na vida de cada um. Todo mundo j comprou um canivete suo que no mais suo ou uma camiseta de algodo de uma famosa marca brasileira que no tem nada de Brasil. No h quem no veja, no diaa-dia, que o mundo est todo relacionado e que tudo tem a ver com tudo. Vamos olhar dois exemplos que podem reforar a idia de que para fazer uma boa anlise de conjuntura necessrio colocar na balana o que est acontecendo no mundo.

Quais os reexos para quem quer planejar uma luta na Fiat, em Betim (MG) do fato da multinacional estar planejando abrir uma nova fbrica no Mxico ou na frica do Sul? E para a indstria caladista de Franca (SP), como vai car a situao com a abertura indiscriminada das importaes da China? Chegaro tnis e outros sapatos a preos irrisrios de dois dlares cada? E, ento, d para fazer uma greve at a vitria? Mas j corre o boato que a maior empresa da regio de Franca estaria planejando a importao de 700 containers de sapatos da ndia. E a? A situao da economia mundial tem reexos diretos na economia de cada pas. A globalizao dos capitais representa uma inter-relao que seria impensvel 50 anos atrs. Mas hoje ela tem que ser levada em conta para ter um quadro completo das possibilidades de uma luta dos trabalhadores de tal setor ser vitoriosa.

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EXEMPLO

Inuncias da derrota de Chvez no plebiscito de 12/2007

No vamos aqui fazer uma avaliao da poltica do presidente venezuelano Hugo Chvez. No est no propsito deste caderno. O que vamos tratar unicamente do aspecto antecedentes histricos que precisa ser muito bem analisado por quem quer entender o sentido daquele fato que mobilizou as atenes do mundo, em dezembro de 2007. Nas mil anlises que circularam em jornais, revistas e, sobretudo, pela Internet, houve uma cujo ttulo ilustra a importncia da anlise histrica dos fatos. A manchete de um analista francs dizia: Muitas vezes uma derrota pode ensinar e ser mais til do que dez vitrias. Era uma anlise crtica, tendencialmente positiva para Chvez. Mas o que chamou a ateno foi a necessidade de ver historicamente como se chegou a este resultado que, para o projeto bolivariano do presidente da Venezuela, obviamente no foi positivo. A importncia de conhecer bem todos os antecedentes histricos clara. Por que se chegou a esse revs? Como foi desde que Chvez apareceu na cena venezuelana? Qual a participao popular neste movimento? Ela cresceu, estagnou ou diminuiu? E quais as reaes dos seus opositores de direita?

Qual o signicado e os reexos da deciso da Justia italiana de condenar nossos belos torturadores da poca da ditadura? Aqui no Brasil, diferente de quase todos os pases latino-americanos, at hoje se saram livres e vivem tranqilssimos. O que a deciso da Itlia pode signicar para a luta do Grupo Tortura Nunca Mais? No segredo para ningum que a queda dos regimes chamados socialistas do Leste Europeu, no nal dos anos 1980, teve um profundo reexo sobre milhares de militantes e dirigentes de esquerda do nosso pas e do mundo. Qual era o peso da falncia daquelas experincias, que pouco tinham de socialista, em qualquer anlise de conjuntura da poca?

Mas o que essencial para usar os vrios dados que compem o quadro da conjuntura ter clareza de que as informaes que coletamos no signicam muita coisa isoladamente.

F) SINTETIZAR AS INFORMAES OBTIDASMas no s a realidade econmica internacional que deve ser levada em conta. H uma srie de dados polticos que precisam ser analisados. O que signica para o Brasil e para a Amrica Latina a vitria de tal ou tal outro candidato Presidncia dos Estados Unidos? Existe alguma diferena, para ns no Brasil, entre Obama e Hillary Clinton? E uma derrota do projeto bolivariano de Hugo Chvez, o que signicaria para a direita do nosso pas? O que daria de flego direita brasileira? Esses dados precisam ser confrontados uns com os outros. preciso fazer uma nova sntese que muito mais do que a soma de um monte de dados desconexos.

De pouco me adianta saber que o Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, o conjunto das riquezas produzidas num pas, de tantos bilhes. Esta informao, porm, pode se tornar valiosa, se compararmos este PIB com o de outros perodos da histria e com o PIB de outros pases da mesma regio e tambm de outras regies. As informaes que obtivermos para a nossa anlise devem ser contextualizadas geogrca e historicamente. Uma anlise de conjuntura na primeira dcada do sculo XXI, necessariamente, dever se debruar sobre conceitos como globalizao, Estados nacionais, atuao do imprio norte-americano, valor da democracia e muitos outros. Precisar analisar atores como as corporaes, as ONGs, o papel dos organismos internacionais, alm dos tradicionais partidos polticos e dos movimentos sociais. Todos estes elementos inuem com suas caractersticas sobre os tempos atuais.

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As caractersticas que compem o cenrio do mundo em que vivemos precisam ser localizadas e encaixadas no conjunto da anlise que pretendemos fazer. Algumas delas so centrais, como: encurtamento do tempo, inexistncia de fronteiras, uniformizao e enfraquecimento de valores, rpidos uxos de capital e informao, interdependncia entre os Estados, desastres ambientais.

sindical. As conseqncias saltam aos olhos: desregulamentao do mercado de trabalho e perda de direitos. Tudo isso deve ser levado em conta ao pensar em qual ambiente ter que ser desenvolvida tal luta. Na dcada de 1990, o neoliberalismo j havia dominado a Europa com os velhos partidos socialistas aderindo ao novo sistema e chegando a ser considerados, por muitos, como social-liberais. Naquele momento, diversos autores produziram artigos discutindo os problemas relativos emergncia, expanso e crise do Estado de Bem-estar Social e abordando as condies histricas de emergncia do Welfare State nas sociedades capitalistas avanadas. Debatiam-se questes como investimento e consumo social, crise scal, legitimao do poder, democratizao, crise do Welfare State, ascenso neoliberal e crtica conservadora. Esse clima, evidentemente inuenciou politica e, sobretudo, subjetivamente a atuao de milhares de militantes. Todos estes fatores entram na correlao de foras da qual falamos acima. Precisam ser colocados em qualquer balana.

Do lado especco dos trabalhadores, a conjuntura deste comeo de sculo de perdas, com a fragmentao e redistribuio da produo.

A antiga cadeia produtiva hoje se espalha por diversos pases, gerando o deslocamento do capital para locais com mo-de-obra mais barata e baixa organizao

Em sntese, em toda anlise de conjuntura, sempre se precisa levar em conta o quadro internacional. Os velhos militantes dos partidos comunistas lembram que toda reunio de clula comeava com uma anlise de conjuntura. E nessa, sempre era traado, primeiro, o quadro internacional e, depois, o nacional. Que tal manter esta tradio bsica?

G) QUADRO NACIONAL: ECONMICO-POLTICO-SOCIALH vrias maneiras de se apresentar dados e fatos da realidade do pas. Vejamos uma de autoria de Ernesto Germano Pares, estudioso do sindicalismo, que forneceu no seu Boletim Semanal de Anlise de Conjuntura, de 30 de dezembro de 2007. O cenrio que Ernesto analisa o Brasil do ano de 2007. Por esta anlise dos dados a economia vai de vento em popa. Embora o preo do feijo tenha subido, as classes populares vo s compras.

A Construo Civil foi o setor da economia que teve o maior crescimento na gerao de empregos com carteira assinada este ano, de acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministrio do Trabalho Emprego. De janeiro a novembro, o segmento apresentou uma expanso recorde de 203 mil vagas, o que representou uma alta de 15% no total de empregos formais desta atividade. Em seguida, aparecem Agropecuria (9,9%), Indstria de Transformao (8%), Comrcio (6%) Servios (5,6%). A segunda maior taxa de crescimento da construo civil havia sido registrada em 2005,

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quando o estoque de empregos subiu 9,77%. Nos onze primeiros meses de 2006, o setor teve um saldo de 121 mil novas vagas, crescendo 10,4%, segundo os dados do Caged, informa. As classes populares compram, a indstria vende. Ao mesmo tempo, aumentam os programas de transferncia de renda o acesso s universidades privadas: bolsa famlia, bolsa escola, PROUNI.

Esta uma anlise baseada em dados. Mas

esses dados so ltrados pela avaliao pessoal do autor em questo. Dias depois da publicao do boletim acima, o velho militante Plnio de Arruda Sampaio fez circular pela Internet uma posio favorvel greve de fome realizada pelo bispo dom Luiz Flvio Cappio. Interessante notar que todos os dados que Ernesto elencou acima, ou so contestados ou so interpretados de maneira completamente oposta. Qual a melhor avaliao? Aquela que partir de dados mais prximos do real.

Seja qual for a paixo poltica que nos move, necessitamos de basear nossa ao em fatos reais. Sem isso, caremos no mundo dos desejos, longe do real, do concreto. A avaliao poltica posterior.

Cada um tem sua avaliao, que depende de seu posicionamento poltico-ideolgico. Aqui no h problemas. O problema existe quando o posicionamento ideolgico nos impede de ver os fatos. De senti-los e de perceber seu peso na conjuntura, objetiva e subjetivamente. Vejamos um caso polmico que aconteceu em nal de 2006 e se arrastou at meados de 2007.EXEMPLO

Quando o convite chegou s pessoas que iriam ao curso, houve uma grita generalizada. Todos queriam discutir a mdia luz do resultado eleitoral. Menos Frankfurt e mais prtica. Rapidamente o tema geral teve que mudar ou, ao menos, se ampliar para: Comunicao e hegemonia - a mdia onipotente? A resposta que as pessoas queriam viria menos de anlises comunicacionais e mais de uma anlise de fatos, dados, nmeros concretos. Ou seja, de uma anlise de conjuntura. Para entender o resultado eleitoral servia mais saber quantos milhes recebem o Bolsa Famlia. O que representa essa quantia para quem nunca viu uma nota de 100 ou 50 reais. Saber como vai o emprego, com ou sem carteira assinada. Saber mais cem dados de como est a economia. O povo est comprando mais ou menos? O comrcio est vendendo mais ou menos? Come-se mais ou menos? E muitas outras questes que antes de ser questes so dados, nmeros, fatos. Claro que s dados e nmeros, sozinhos, no nos do um quadro geral. Mas estes so prvios. Politicamente cada um pode ter sua opinio sobre o Prouni, ou sobre a questo mais geral das vagas em escolas privadas pagas com dinheiro pblico. Perfeito, a discusso poltica deve existir e deve ser uma arena para debates acalorados e encaminhamentos num sentido ou

Comportamento da mdia na eleio presidencial de 2006

Logo aps a eleio presidencial de 2006, muitos ncleos de anlise se formaram para explicar a vitria do candidato que no era o escolhido pela mdia. Quem estava acostumado a dar uma importncia fundamental ao poder da mdia se encontrava atnito. Quase catatnico. Anal, a mdia faz cabeas ou no? Ela determina comportamentos, ou no? Ela tem poder ou no? Nos ltimos dias de novembro, ainda com a eleio fresquinha, o Ncleo Piratininga de Comunicao realizou seu tradicional curso anual. O tema central daquele ano, pensado em agosto, antes da eleio, portanto, era: Comunicao como disputa de hegemonia. O plano era de fazer uma discusso mais terica, baseadas em Gramsci e tantos outros mestres da comunicao, da Escola de Frankfurt a Martin Jesus Barbeiro.

Como Fazer Anlise de Conjuntura 41

no outro. Mas, o que precisamos ter claro que antes das nossas concluses, necessrio conhecer as reaes de quem diretamente atingido pelo programa social a ou b. Esta informao deve entrar na nossa anlise de conjuntura ao lado de muitos dados e fatos. H dados dos diferentes institutos que existem no pas, do IBGE ao IPEA, de dados e pesquisas de fontes particulares, a dados e nmeros levantados por ONGs ou algum organismo de governo.

Em todos os casos, tudo deve ser pesado, com a desconana prpria dos pesquisadores. Se pegarmos os dados sobre a Reforma Agrria fornecidos pelo INCRA e os que o MST nos d, teremos a impresso de estarmos em planetas diferentes.

Por isso, repetimos, essencial selecionar os dados, as fontes e analis-los com uma lupa bem possante. Sem isso, estaremos bebendo veneno achando que gua cristalina.

H) INFORMAES ESPECFICAS SOBRE O TEMA EM FOCOAlm da enormidade de informaes de que necessitamos para ter um quadro econmico, poltico, cultural, ideolgico do que est em volta da nossa discusso, preciso ter informaes muito exatas sobre o tema que estamos querendo atacar. Precisamos conhecer tudo sobre aquele assunto especco. Um sindicato de prossionais da Educao no precisa ser especialista em combustveis, biocombustvel, etanol, gs, etc. Estas so coisas de petroleiros. verdade. Mas os prossionais da Educao precisam saber tudo sobre seu assunto. Para qualquer prossional desta rea importante saber como, na Venezuela, o governo Chvez conseguiu erradicar totalmente o analfabetismo, em menos de dois anos. Qual mtodo foi usado? Como foi mobilizada a populao? Em quais outros pases obtiveram-se resultados parecidos? Aqui no Brasil, em que p est o combate ao analfabetismo? Existe analfabetismo? Qual a porcentagem? E os analfabetos funcionais? E os milhes e milhes que nunca leram nem lero um jornal? Como vamos explicar para a populao o baixssimo nvel dos resultados do Programa Internacional de Avaliao de Alunos (PISA), em matemtica, fsica e lngua portuguesa, publicados no comeo de dezembro? Estes dados foram gerados como? So verdadeiros? Anal, h muitas e muitas informaes especcas que os prossionais da Educao precisam saber para planejar uma nova jornada de lutas.

Sem essas informaes nossos argumentos sero derrubados com a maior facilidade, seja numa mesa de negociao, seja numa assemblia, seja numa roda de amigos. Sobretudo, sero derrubados pela realidade dos fatos.

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I) UMA PESQUISA AMPLA, VITAL E PERMANENTEH um conjunto de dados que no so facilmente quanticveis, mas so essenciais para qualquer anlise que vise uma ao poltica coletiva. Precisamos conhecer a realidade scio-econmica dos que desejamos que sejam os atores da mudana. preciso conhecer uma srie de dados scio-econmicos dos setores sociais que se costuma chamar de massa, mas que, na verdade, no um amontoado annimo e sim uma soma de individualidades. Qual seu nvel de escolaridade? Sua qualicao prossional. Seu nvel salarial. Onde e como mora. E qual o transporte que usa? Outro grande bloco de informaes conhecer

os hbitos sciopolticos dos futuros atores da transformao que sonhamos. Qual sua participao sindical? E poltico-partidria? Participa de alguma religio? E seu lazer? Em sua vida existem teatros, cinemas, shows? E praia, ele vai? E futebol? E leitura, l jornal? Qual? E livros, algum dia leu algum? E televiso, qual canal ele v? Gosta, reclama? Qual o sonho de vida da maioria dos companheiros da base? Qual sua expectativa de ascenso social? Estas e outras perguntas so necessrias para no cair no eterno choror de que a diretoria do sindicato est afastada da vida real do dia-a-dia. A velha orientao que o lder guerrilheiro do Vietn, Ho Chi Min, dava aos seus comandados, nos anos 1960, era muito clara. O guerrilheiro deveria estar no meio do povo que ele queria que se levantasse, como o peixe na gua. E para isso devia obedecer aos Trs juntos: Viver junto, comer junto e trabalhar junto.

Essa receita pode ser aplicada ao caso de ter que fazer uma ecaz anlise de conjuntura. Precisamos conhecer tudo dos que sonhamos em ver na frente do campo de batalha da libertao da classe trabalhadora.

J) O EXEMPLO DO INQURITO OPERRIO DE MARX, EM 1878.Em 1880 Marx escreveu um texto para os sindicatos franceses que pode ser tomado como exemplo da necessidade de se conhecer todos os mnimos detalhes da vida dos trabalhadores. Ele faz uma lista enorme de informaes que os militantes operrios daqueles sindicatos precisariam ter para planejar suas lutas com xito. incrvel o detalhismo de Marx, a exigncia de conhecer a fundo tudo sobre a vida, as condies de trabalho, os mtodos de trabalho e as expectativas dos trabalhadores. Vale a pena ler e aproveitar para nosso mtodo de buscar elementos para analisar a conjuntura. Reproduzimos aqui algumas das tantas questes minuciosas colocadas pelo autor de O Capital, para ajudar aqueles trabalhadores a entender o mundo no qual precisavam agir. Para quem pensa em fazer uma anlise de conjuntura profunda bom ver o exemplo, vindo do meio da luta dos trabalhadores, de quase 130 anos atrs.

interessante observar o nvel de detalhismo que o fundador da teoria do Materialismo Dialtico exige dos trabalhadores que lhe pediram ajuda.

Se eles quisessem acertar na sua anlise e no plano de lutas era necessrio conhecer a fundo tudo sobre a produo e seus mecanismos macro-econmicos. Aplicando esta lio anlise de conjuntura, temos uma idia da amplido e da seriedade da tarefa.

Selecionaremos uns trinta pontos, dos 100 apresentados por Marx, somente para ter uma idia geral. A realidade de hoje outra, mas a necessidade de conhec-la permanece a mesma de 1880. Deixamos os nmeros da seqncia original.

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O INQURITO OPERRIOItem 2-A fbrica em que voc trabalha pertence a um capitalista ou a uma sociedade annima? D os nomes dos patres capitalistas ou dos diretores da empresa. Item 3-Declare o nmero de trabalhadores da empresa. Item 4-Declare a idade e o sexo destes trabalhadores. Item 5-Qual a idade mnima em que as crianas (meninos ou meninas) comeam a trabalhar? Item 8 - Existem, alm dos operrios empre