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262 Telma Ferraz Leal Gilda Lisbôa Guimarães Como as professoras avaliam os textos narrativos das crianças? * ESTUDOS Palavras-chave: produção de texto; avaliação; formação de professor. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 262-276, maio/ago. 1999. * Este artigo apresenta resulta- dos parciais do Projeto de Pesquisa "Produção e Corre- ção de Textos por Professo- ras das Séries Iniciais", finan- ciado pela Fundação de Am- paro à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe). Participaram como colabora- doras nas fases de coleta e categorização de dados: Maria do Socorro Martins Lima da Universidade Fede- ral do Piauí (UFPI); Arlete M. S. Nascimento e Maria do So- corro M. de Santana, gradu- andas do curso de Letras da UFPI; Márcia Fernanda Gon- çalves dos Santos e Raquel Pereira Belo, graduandas do curso de Psicologia da Uni- versidade Federal de Per- nambuco (UFPE); e Maris- tane Maria dos Anjos, bolsis- ta de Aperfeiçoamento do Conselho Nacional de De- senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Telma Ferraz LealGilda Lisbôa Guimarães

Como as professoras avaliamos textos narrativos das crianças?*

ESTUDOS

Palavras-chave: produção detexto; avaliação; formação deprofessor.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 262-276, maio/ago. 1999.

* Este artigo apresenta resulta-dos parciais do Projeto dePesquisa "Produção e Corre-ção de Textos por Professo-ras das Séries Iniciais", finan-ciado pela Fundação de Am-paro à Ciência e Tecnologiade Pernambuco (Facepe).Participaram como colabora-doras nas fases de coleta ecategorização de dados:Maria do Socorro MartinsLima da Universidade Fede-ral do Piauí (UFPI); Arlete M.S. Nascimento e Maria do So-corro M. de Santana, gradu-andas do curso de Letras daUFPI; Márcia Fernanda Gon-çalves dos Santos e RaquelPereira Belo, graduandas docurso de Psicologia da Uni-versidade Federal de Per-nambuco (UFPE); e Maris-tane Maria dos Anjos, bolsis-ta de Aperfeiçoamento doConselho Nacional de De-senvolvimento Científico eTecnológico (CNPq).

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Investiga quais os critériosque as professoras das sériesiniciais adotam para correção dostextos dos alunos. Foramanalisadas três questões: quaisos critérios que as professorasdizem adotar na avaliação dostextos?; os critérios que asprofessoras explicitam sãorealmente os que elas adotam?;os aspectos estruturais do texto ea capacidade de estabelecer aunidade de sentido sãoconsiderados como critérioscentrais na avaliação dascrianças? A metodologia constouda correção de oito textos decrianças, por 160 professoras dealfabetização à 3a série deescolas públicas e particulares.Observou-se que as professorasexplicitam que é importanteconsiderar aspectos estruturais,ortográfico-gramaticais eorganizacionais, e são coerentescom estes critérios. No entanto,não há uma confluência doscritérios em função dascaracterísticas essenciais do queseria um texto (ter unidade desentido, ter interlocutores,objetivos, mediar situações deinteração). Assim, parece estarhavendo uma simplescompensação entre aspectosestruturais e ortográfico-gramaticais. Por outro lado, os

aspectos ortográfico-gramaticaisparecem estar sendo avaliadosapenas pela quantidade deviolações, e não pela riqueza derecursos lingüísticos utilizadospara a manutenção temática e aexpressividade do texto.

Introdução

A avaliação de textos produzidos emsala de aula tem sido uma preocupaçãoconstante entre professores. O estabeleci-mento de critérios e de níveis de exigênciapara com o que os alunos escrevemmerece atenção especial e não há comoseparar essa temática da própria discussãoacerca dos objetivos de ensino da LínguaPortuguesa.

Em relação aos objetivos do ensino daLíngua Portuguesa, a preocupação com aquestão da produção e compreensão dosdiversos tipos de textos tem se configuradocomo núcleo central em diversas propostascurriculares do País e na voz de autoresque tratam da questão. Cagliari (1995, p.28) aponta que o objetivo central doprocesso pedagógico é "mostrar comofunciona a linguagem humana , de modoparticular, o português; quais os usos quetem, e como os alunos devem fazer paraestenderem ao máximo, ou abrangendometas específicas, esses usos nas suasmodalidades escrita e oral, em diferentessituações da vida". Tal perspectiva deslocao eixo do ensino da teorização gramaticalpara o uso efetivo da linguagem. Travaglia(1996, p. 17-18) também aponta que é defundamental importância "desenvolver acompetência comunicativa dos usuários deempregar adequadamente a língua nasdiversas situações de comunicação".

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Essa idéia está presente também emvárias propostas curriculares de Estadose municípios brasileiros. Geraldi, Silva eSalek Fiad (1996) realizaram uma análi-se de 14 planos, programas ou propostascurriculares produzidos em diferenteslocalidades do País na década de 80 e inícioda década de 90. Os autores apontaramquatro tópicos que aproximam as propostasanalisadas. O primeiro ponto é que estaspropostas adotam a concepção de linguagemenquanto espaço de interação. Em segundolugar, apontam que um conceito básico naspropostas é o texto. Em terceiro lugar,mencionam a relevância do aspecto socialda linguagem e de suas conseqüênciaspara o ensino. Por fim, propõem uma novaforma de organização do ensino do Por-tuguês, em que o tempo pedagógico deveriaser dividido em atividades de leitura,produção de textos e análise lingüística.

Para que se assuma a posição de queo eixo do processo de ensino-aprendizagemde Língua Portuguesa é o desenvolvimentoda capacidade de usar efetivamente alinguagem nas diversas situações deinteração, é necessário que se conceba otexto como unidade básica de ensino. Noentanto, para a adoção dessa perspectivaé de fundamental importância que oprofessor venha, de fato, a compreender oque é um texto. Segundo Koch e Travaglia(1989, p. 8-9), texto é uma "unidade lingüís-tica concreta (...), que é tomada pelos usu-ários da língua (...), em uma situação deinteração comunicativa específica, comuma unidade de sentido e como preenchendouma função comunicativa reconhecível ereconhecida, independentemente da suaextensão." Nesse sentido, para realizar ava-liação de textos, torna-se fundamental quese busque analisar a situação de interaçãoem que o texto foi gerado, os objetivosestabelecidos e as características dosinterlocutores que participam da situaçãode interação.

Assim, deve-se ter a clareza de que umtexto é composto a partir de uma preocu-pação com o conteúdo que se deseja vei-cular e com o formato que o mesmo deveassumir. Kaufman e Rodriguez (1995, p. 84)apontam que existem dois aspectos glo-bais profundos: "um relativo à construçãode um significado e que está diretamenteligado ao assunto, que seria a macroes-trutura, e outro relativo à construção de umaarmação sustentadora do assunto, que es-taria ligado ao gênero, que seria a estrutu-ra ou superestrutura".

É fundamental, portanto, que se bus-que analisar as características dos diver-sos tipos de textos que circulam social-mente. Pode-se observar uma falta de cla-reza quanto às características textuais,quando o professor solicita a produçãode uma história e induz textos descritivos,através de questões como "o que vocês es-tão vendo aqui?" Tal fato é também per-cebido em alguns livros didáticos queanunciam "leia a história abaixo" e apre-sentam um texto descritivo ou um amon-toado de frases sem coerência ou coesão.

A análise dos tipos textuais auxilia osprofessores a planejarem as atividades eos questionamentos em sala de aula, alémde favorecer o processo de avaliação dasproduções das crianças. Assim, para setrabalhar com produção de histórias épreciso saber quais as características deuma história. As histórias, no sentido quetratamos neste estudo, são contos comfunção lingüística predominantementeliterária.

Ao falar sobre a estrutura do conto,Kaufman e Rodriguez (1995, p. 21) apontamque este

consta de três momentos perfeitamentediferenciados. Começa apresentando umestado inicial de equilíbrio; segue com aintervenção de uma força, com a apariçãode um conflito, que dá lugar a uma sériede episódios; encena com a resoluçãodesse conflito que permite, no estágiofinal, a recuperação do equilíbrio perdido(...) Todo conto tem ações centrais,núcleos narrativos, que estabelecementre si uma relação causal. Entre estasações, aparecem elementos de recheio(secundários ou catalíticos), cuja funçãoé manter o suspense. Tanto os núcleoscomo as ações secundárias colocam emcena personagens que as cumprem emum determinado lugar e tempo.

Enquanto texto narrativo, o contoapresenta um narrador, que é

uma figura criada pelo autor para apre-sentar os fatos que constituem o relato...Esta voz pode ser de uma personagem,ou de uma testemunha que conta osfatos na 1a pessoa ou, também, pode sera voz de uma 3a pessoa que não intervémnem como ator nem como testemunha(Idem, p. 22).

O narrador pode aparecer em diferen-tes posições. Ele pode

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conhecer somente o que está acontecen-do, isto é, o que as personagens estãofazendo ou, ao contrário, saber de tudo:o que fazem, pensam, sentem os perso-nagens, o que lhes aconteceu e o quelhes acontecerá. Estes narradores quesabem tudo são chamados de oniscien-tes (Kaufman, Rodriguez, 1995, p. 22).

A caracterização acima está de acor-do com o que propõe Rumelhart (1975,1977). Este postula que as histórias, ter-minologia que será adotada neste estudo,apresentam uma série de seqüências quese ligam através de relações de causas eefeitos. Essas seqüências apresentam seismomentos principais: começo, situação,ação, reação, resultado e final.

Assim, para que o professor estimulea produção de histórias, saiba conduzir oprocesso e avaliar a evolução da criança,questionando e orientando a revisão dotexto, precisa estar consciente das caracte-rísticas acima especificadas. Além desseconhecimento a respeito do tipo de textoa ser trabalhado, o professor precisatambém refletir sobre as dificuldades queos alunos têm com a tarefa de produçãode textos, até para que possa definir onível de exigência com as produções e oscritérios que deve adotar, quando resolveavaliar o que seus alunos produzem nasdiferentes etapas de escolarização.

Alguns autores apontam que uma dasdificuldades que as crianças enfrentam équanto à apropriação das característicasda modalidade escrita. Góes e Smolka(1992) evidenciaram marcas da fala emtextos infantis, como as hipossegmenta-ções baseadas na percepção de grupostonais da fala. No entanto, autores comoAbaurre (1992), Kato e Scavazza (1992)têm evidenciado o esforço das criançasem estabelecer as diferenças entre asmodalidades.

Por outro lado, percebe-se, desde oinício, um esforço de aproximação dostextos produzidos pelas crianças aosmodelos de textos com os quais elas sedeparam na escola. Essa questão fica claraquando encontramos crianças produzindotextos em que há uma justaposição defrases que, na maioria das vezes, nãoapresenta coesão nem coerência. Estascrianças não se deparam, fora da escola,com textos desse tipo.

Observa-se, pois, que é necessário,para a produção do texto, refletir acercade várias dimensões, como o conteúdo aser veiculado, a estruturação do texto, a se-qüência, as características gramaticais, quefazem com que a criança termine, em al-guns momentos, centrando a atenção maisdiretamente sobre alguns aspectos que emoutros.

É importante que o professor possaperceber que a coordenação entre todosesses níveis de conhecimentos (ortográficos,gramaticais, textuais) deve ser guiada pelosentido pretendido no texto e pelo efeitoque se pretende provocar. Logo, ele deveajudar a criança a perceber que o escritorprecisa, antecipadamente, definir qual oseu interlocutor e imaginar seus conheci-mentos acerca do que se quer comunicar.

A partir dessas antecipações, o escritorpassa a tomar as decisões sobre oconteúdo e formato do texto. É importanteperceber que

Muitas dessas decisões, assim como acoordenação com a busca dos recursoscoesivos, são tomadas na própria atividadede geração do texto. Assim, autores comoRego (1988), Góes e Smolka (1992), Weisz(1992) e Kato (1995) advertem que acriança precisa desenvolver habilidadesmetacognitivas de planejamento, monito-ração da atividade, revisão, avaliação dotexto produzido (Leal et al., 1997, p. 11).

Em suma, é importante perceber queas dificuldades que as crianças encontramnas atividades de produção são decorrentes,muitas vezes, da necessidade de conjugaçãodos vários níveis de conhecimentos exigidose da coordenação das várias tarefas adesenvolver durante a escrita. É importanteque o professor perceba se essa coorde-nação de conhecimentos foi orientada pelabusca de unidade e comunicabilidade dotexto.

Assim, na tarefa de avaliação do textodo aluno, deve-se ter como critério centrala capacidade que ele demonstrou emproduzir um texto com as característicasbásicas do gênero solicitado, em direçãoao estabelecimento de uma unidade desentido e presença de um autor que consi-derou a existência de um interlocutor paraseu texto.

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É claro que o atendimento às normasgramaticais e à escrita ortográfica são fer-ramentas essenciais para a produção tex-tual, são elementos que também favorecemuma maior interação através do texto, faci-litando a tarefa do leitor. No entanto, se aconcepção de linguagem adotada no pro-cesso de ensino e aprendizagem for a deque esta se constitui enquanto espaço deinteração deve-se, primeiramente, conside-rar o esforço da criança em manter a uni-dade de sentido, em estabelecer relaçõescoesivas, em atentar para a seqüência dotexto. A consideração dos aspectos orto-gráfico-gramaticais não deve ser restrita àquantidade de violações cometidas. Deve-se tentar avaliar como a criança lança mãodos recursos lingüísticos para manter aunidade de sentido e o esforço que ela fazpara produzir os efeitos de sentido em seusinterlocutores.

Nesse sentido, o objetivo destapesquisa foi investigar quais os critérios queas professoras das séries iniciais adotampara correção dos textos dos alunos.Assim, foram analisadas três questões: 1)quais os critérios que as professoras dizemadotar na avaliação do texto do aluno?; 2)os critérios que as professoras apontaramsão realmente os que elas adotam quandoavaliam os textos?; 3) os aspectos estruturaisdo texto e a capacidade de estabelecer aunidade de sentido são consideradoscomo critérios centrais na avaliação dascrianças?

Metodologia

A amostra foi composta por 160professoras das cidades de Recife (PE) e

Teresina (PI). Em cada cidade, foramcompostos dois grupos amostrais: 40professoras da rede municipal de ensi-no e 40 professoras da rede particularde ensino, em que havia 10 professorasem cada série (alfabetização, 1a, 2a e 3a

séries).Os examinadores apresentaram às

professoras oito textos, solicitando queelas os avaliassem, atribuindo a cadaum a devida nota e justificando-a. Ostextos selecionados foram do tipo narrati-vo, pois considerou-se que: a) é um tipode texto muito utilizado nas séries inves-tigadas; b) está muito presente nos livrosdidáticos das séries iniciais; c) vem sendomuito abordado em cursos de capacitaçãoe atualização de professores.

O objetivo dessa tarefa foi analisar oscritérios que as professoras valorizam paracorrigir textos. Os textos utilizados varia-ram segundo três critérios básicos: estru-tura, aspectos ortográfico-gramaticais eorganização, conforme mostrado no Qua-dro 1.

Os textos foram analisados por quatrojuízes (professores do curso de Letras daUniversidade Federal do Piauí – UFPI), quefizeram uma comparação entre os textos,considerando os três critérios acimaespecificados. Os resultados das análisesfoi compatível com a análise realizada pelogrupo de pesquisa.

Em estrutura, foram consideradosbons os textos que atendiam às caracte-rísticas estruturais desse gênero, ou seja,presença de um narrador, personagens eenredo. Os enredos desses textos apre-sentaram uma boa seqüência e organizaçãodos fatos, contendo pelo menos trêsmomentos distintos: apresentação, com

Quadro 1 – Classificação dos textos

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localização dos personagens no tempo eno espaço; um conflito bem delineado,com um problema a ser resolvido pelospersonagens; um desfecho, com a soluçãodo conflito.

Quanto ao aspecto ortográfico-gra-matical, foram considerados bons os tex-tos com menor número de violações or-tográfico-gramaticais por linha produzidae fracos, os que tiveram maior númerode erros dessa natureza. Essa forma deavaliar os aspectos ortográfico-gramati-cais foi utilizada em função da hipótesede que essa concepção de desempenholingüístico é a adotada na escola. Maisadiante, tentar-se-á apontar outras formasde se avaliar os conhecimentos gramati-cais das crianças, em função da capaci-dade destas em usar os recursos lingüís-ticos para construção de textos coesos ecoerentes.

Quanto à organização, foi consideradaa distribuição espacial do texto no papel.

Resultados

As professoras atribuíram notas a oitotextos que variavam quanto a aspectosestruturais, ortográfico-gramaticais eorganizacionais. Após a atribuição das no-tas, as professoras foram solicitadas aexplicitar os critérios adotados.

Foram citados aspectos que se en-quadram em quatro grandes categorias,a saber: aspectos estruturais (seqüência;história com começo, meio e fim; organi-zação lógica, estrutura do texto); aspec-tos ortográfico-gramaticais (ortografia,gramática, letras maiúsculas, parágrafo,pontuação); aspectos organizacionais(apresentação, estética, caligrafia) ecriatividade.

Os aspectos mais salientados foramos relativos a questões ortográfico-grama-ticais, por 118 professoras (73,4%) e osaspectos estruturais, por 112 professoras(70%); criatividade foi citada por 57(35,6%), ainda que esse aspecto não te-nha sido considerado na seleção dos tex-tos, e 39 professoras (24,4%) apontaramaspectos organizacionais.

Quando as professoras justificavam asnotas atribuídas, combinavam os aspectosacima, mas não definiam qual deles ti-nha maior peso. Na Tabela 1, estão apre-sentadas as combinações encontradas

nas justificativas com as freqüências epercentuais em cada uma delas. Como podeser observado, 31,9% das professorasdeclararam que consideravam na correçãodos textos os aspectos estruturais e ortográ-fico-gramaticais, o que aponta que estasprofessoras percebem que é necessárioconsiderar as características discursivas enão apenas os aspectos ortográficos egramaticais. O segundo tipo de justificativamais freqüente voltou-se para os aspectosestruturais, os aspectos ortográfico-grama-ticais e a criatividade do aluno (15%). Oterceiro tipo ressaltou os aspectos estruturais,ortográfico-gramaticais e organizacionais(9,4%). Quando são somados todos ostipos de justificativas que conjugam osaspectos estruturais e ortográf ico-gramaticais, encontramos 56,3% dasprofessoras, o que significa que existe apercepção de que esses dois tipos decritérios são os mais relevantes para aconstituição da textualidade. No entanto,observamos ainda grande número deprofessoras que não parecem considerarconscientemente esses dois aspectosquando corrigem os textos (43,7%).

Outro ponto que merece atenção é aqualidade das justificativas dadas. As res-postas que foram classificadas como con-sideração dos aspectos estruturais mostra-ram que não havia uma argumentação nemexplicitação do que realmente vinham a serestes aspectos estruturais. Algumas pro-fessoras falavam de "organização das idéi-as", "estrutura do texto", mas sem con-ceituar o que estava sendo consideradocomo organização das idéias ou estruturado texto. Muitas professoras diziam queconsideravam se o texto apresentava "co-meço, meio e fim" ou "boa seqüência defatos". Na discussão travada na introduçãodesse trabalho, percebemos que não sepode restringir os aspectos estruturais dotexto a essa característica, pois podemosencontrar textos narrativos com começo,meio e fim que não apresentam conflito aser resolvido, nem exercem o efeito de sen-tido que se pretende provocar com essetipo de texto. Nessa perspectiva, não po-demos atribuir o mesmo peso a um textoque relata um fato apenas como uma se-qüência de eventos e a um texto que apre-senta um conflito, com tentativas de reso-lução, provocando no leitor o desejo deconhecer o desfecho da história.

Em relação às respostas que foramclassificadas como voltadas para os as-pectos ortográfico-gramaticais, a maior

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parte referia-se à ortografia, ao empregode letras maiúsculas, à pontuação, à con-cordância. Não foram observadas respos-tas que considerassem: o uso de recur-sos coesivos (as pronominalizações, as re-petições, as substituições lexicais, etc.),as estratégias de marcação de parágra-fos, o uso de períodos compostos por su-bordinação ou coordenação, o uso de ora-ções coordenadas reduzidas ou outras ca-racterísticas próprias do tipo de texto emquestão.

A análise dos textos apontou queaqueles com menor quantidade de errosortográfico-gramaticais foram os que apre-sentaram mais orações simples e palavrasmenos complexas do ponto de vistaortográfico. Foram também os textosmenores, que, conseqüentemente,apresentaram menor probabilidade deerro.

Em relação às respostas classificadascomo consideração da criatividade, tambémnão houve explicitação do que seria um

Tabela 1 – Critérios de correção apontados nas justificativas das professoras,por tipo de escola

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texto mais criativo. Esse texto seria maiscriativo apenas do ponto de vista doconteúdo? Ou poderia ser consideradocriativo em função da própria estruturaçãotextual, por exemplo, pela presença de umconflito a ser resolvido? Nesse caso, essajá seria uma característica do tipo de textoem questão. Ou também se poderia pensarem texto criativo do ponto de vista daredação do texto, quanto ao uso de recursoslingüísticos? Tais questões não foramexplicitadas.

Em relação às respostas classificadascomo considerando os aspectos organi-zacionais, foi mais freqüente a citação dacaligrafia das crianças, a organização es-pacial, a estética, mas não houve ne-nhuma indicação da relação disso com acapacidade de maior comunicabilidadeatravés do texto. Quando se referiam à

caligrafia, não deixavam claro se estavamvalorizando determinadas característicasdos tipos de letras (letras arredondadas,letras grandes...) ou se consideravam alegibilidade. Quando mencionavam a or-ganização espacial, não esclareciam sehavia relação com a questão da para-grafação.

A análise das notas atribuídas aos tex-tos esclarece melhor as questões levanta-das. As professoras receberam os textos eforam informadas de que os mesmos fo-ram produzidos por crianças da 2a sériede escolas públicas. As médias das notasatribuídas por professoras de escolas pú-blicas e particulares aos oito textos estãoapresentadas na Tabela 2.

Como pode ser observado, podemosdetectar três blocos de textos quanto à pro-ximidade das notas. As duas primeiras

histórias (boas em aspectos estruturais eortográfico-gramaticais) obtiveram as no-tas mais altas (7,2 e 8,5). As duas últimashistórias (fracas em aspectos estruturaise ortográfico-gramaticais) receberam asnotas mais baixas (5,0 e 5,1) e as outrashistórias (3 e 4 – boas em aspectos estru-turais e fracas em aspectos ortográfico-gramaticais; e 5 e 6 – fracas em aspectosestruturais e boas em aspectos ortográfi-co-gramaticais) receberam notas interme-diárias (6,1; 6,6; 5,8 e 6,4).

Para verificar estatisticamente se houveefeito dos critérios utilizados sobre asnotas atribuídas pelas professoras, foramrealizadas Análises de Variância (Tabela 3).Os resultados apontaram efeitos significa-tivos tanto dos aspectos estruturais[F(145,1)=358,46; p<.000], quanto dosortográfico-gramaticais [F(145,1)=278,85;p<.000] e organizacionais [F(145,1)=87,92;p<.000]. Dessa forma, foram encontradasevidências de que as professoras conside-raram os três aspectos em suas avaliações

Tabela 2 – Médias das notas atribuídas aos textos, por tipo de escola

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dos textos. As análises de variância apon-taram interação apenas entre tipo de esco-la e aspectos gramaticais [F(145,1)=6,43;p<0,12]. Este efeito deve ter sido provo-cado, porque as notas atribuídas pelasprofessoras das escolas públicas aostextos fracos no aspecto ortográfico-gramatical foram mais altas que as notasatribuídas pelas professoras das escolas

particulares, especialmente em relaçãoao texto "O dia azarento", que contém mui-tas violações ortográfico-gramaticais, masé bom quanto aos aspectos estruturais.

As análises qualitativas mostraramque as professoras foram coerentes comos critérios explicitados, quando consi-deravam os aspectos estruturais e orto-gráfico-gramaticais, mas em relação aos

Tabela 3 – Análises de variância (3), tendo como variável independente o tipo deescola (pública x particular), como fatores intra os aspectos estruturais, ortográfico-gramaticais e organizacionais, e como variáveis dependentes as notas atribuídas

às histórias

aspectos organizacionais, esse efeito foi in-verso. A média dos textos com organiza-ção fraca (textos 2, 4, 6 e 8) foi mais altaque a média dos textos com boa organiza-ção (textos 1, 3, 5 e 7). Esse resultadodeve ter sido provocado pelo fato de queo texto "A menina queria ser bailarina", queera bom nos aspectos estruturais e orto-gráfico-gramaticais e fraco do ponto devista organizacional, obteve média bemmais alta que os demais (8,5). Para expli-car tal fato, pode-se levantar algumas hi-póteses: 1) O conteúdo do texto pode terinterferido na predileção, pois o texto "A

floresta", que é bom dos pontos de vistaestrutural , ortográfico-gramatical eorganizacional, obteve média 7,2. Essanota é próxima às notas atribuídas aos tex-tos considerados intermediários, pois oterceiro texto com média mais alta obteve6,6. A diferença entre o segundo e o ter-ceiro colocados é de apenas 0,6 pontos,enquanto que a diferença entre "A me-nina queria ser bailarina" e "A floresta" éde 1,3 pontos; 2) Outro fator que pode terinterferido é que as professoras registra-ram nos critérios de correção que a cali-grafia é importante, no entanto, os textos

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selecionados apresentavam diferençasapenas em relação à distribuição espacial.Todos os textos são bons quanto àcaligrafia.

Como dito acima, houve coerênciaquanto à consideração dos aspectos es-truturais e ortográfico-gramaticais, pois56,3% das professoras afirmaram que con-sideram aspectos estruturais e ortográfico-gramaticais e, de fato, as notas atribuídasaos textos bons em aspectos estruturais eortográfico-gramaticais foram as mais altase as notas atribuídas aos textos fracos nosdois aspectos foram as mais baixas.

Porém, quando os textos eram bonsem apenas um desses aspectos, elasatribuíam notas similares, independente-mente da capacidade que a criança tenhamostrado em produzir um texto comunidade de sentido. Além disso, comotinha sido previsto, os aspectos ortográfico-gramaticais foram avaliados em função daquantidade de violações, pois algumascrianças que produziram textos bons emestrutura, apesar de cometerem muitasviolações ortográf ico-gramaticais,apresentaram recursos lingüísticos ricos

que conferiram aos textos coesão ecoerência. Por outro lado, os textos fracosem estrutura apresentaram menor quanti-dade de violações ortográfico-gramaticais,mas foram construídos com poucos recursoscoesivos e orações predominantementesimples. A seguir, apresentaremos algunsexemplos que fortalecem essa idéia.

As professoras atribuíram, em média,6,1 à história "Destino", boa em aspectosestruturais e fraca quanto à quantidade deviolações ortográfico-gramaticais, e atribu-íram nota muito próxima ao texto "Passari-nho de Maria" (5,8), fraca em estrutura, mascom menor quantidade de violações orto-gráfico-gramaticais. No tocante às notasatribuídas a esses textos, não foram obser-vadas diferenças estatísticas entre escolaspúblicas e particulares. Na escola particu-lar, a média das notas dadas a "Destino" foi5,9 e a "Passarinho de Maria", 5,8. Na es-cola pública, a média das notas dadas a"Destino" foi 6,3 e a "Passarinho de Maria",5,9. A comparação entre esses textos mos-tra que os aspectos estruturais e coesivosnão foram muito valorizados, como serádiscutido adiante.

"Destino" "Pasarinho de Maria"

Éra uma ves um menino maria tem um pasarinhoQuerindo eli gostaria di pegar ele é muito bonitoum passarinho eli armou uma o pasarinho canta muitoArapuca e nunca pegor nada Ele voou para a casa do visinhoEli paro para pensa e eli A vovó gosta muito do pasarinhopensol eu vou pegar um Pedrinho gosta muito do pasarinhogalhinho e bem verdinho é O pai de Maria gosta muito delepara pegar meu passarinho Ele canta muitoNem num visgo e nemNa Arapuca e eli ficavamuito tristi e so pensavapegar passarinho e eli sóvivia num mato e eli ArmouA sua Arapuca e ficava olhadopro que o passarinho nãoEntrava na mina Amadilapro que eli não nasceu prapegar passarinho

Obs.: Foram mantidos os erros ortográficos e gramaticais da criança. As mudanças de linhas correspondemàs mudanças do texto da criança.

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"Passarinho de Maria" é um texto curto,composto por palavras que se repetemfreqüentemente, pois a criança não produziuorações subordinadas, que poderiam evitarmuitas repetições. As orações simples sãointerligadas apenas pela repetição dapalavra passarinho ou pela pronomi-nalização. Do ponto de vista estrutural, acriança apresentou os personagens (o pas-sarinho, Maria, a vovó, o pai de Maria ePedrinho) e produziu frases que ligamesses personagens apenas pelo sentimentode "gostar", que é repetido continua-damente. Apesar de ter delineado umproblema (o passarinho voou para casa dovizinho), este não foi explorado nem reto-mado na escrita das frases. Não há desfecho.O texto apresentado não pode ser consi-derado uma história, no sentido conside-rado na fundamentação desse trabalho.

Por outro lado, o texto "Destino" apre-senta um personagem (o menino), umproblema a ser resolvido (a vontade depegar um passarinho), episódios de tenta-tivas de resolução do conflito (arapuca,fisgada, espera na mata) e um desfecho(constatação de que fazia parte do destinodo menino não pegar passarinho) que éuma retomada do título da história. O texto,apesar de apresentar muitas violaçõesortográficas (ves, querindo, eli, pensol,etc.), apresenta uso de expressões conven-cionais (Era uma vez); uso de verbos nopretérito perfeito (armou, pensou, nasceu),pretérito imperfeito (pensava, ficava), futurodo pretérito (gostaria) e infinitivo (pegar);períodos compostos por coordenação;

discurso direto e indireto (embora nãomarque no texto a separação entre osdois).

Pode-se perceber, pelas análisesrealizadas, que a possibilidade de cometerviolações é bem maior na produção dotexto "Destino", pois o mesmo, além de sermaior, apresenta estruturas sintáticas maiscomplexas e que são mais difíceis paraas crianças. Os erros ortográficos na flexãodos verbos, por exemplo, podem não teracontecido no texto "Passarinho deMaria" porque a criança utilizou os verbosno presente do indicativo (com exceçãode voou). O uso de verbos no presentedo indicativo é pouco freqüente nesse tipode texto, aparecendo mais em discursosdiretos. Além do que, a criança do texto"Destino" cometeu nesses casos erros detranscrição ("paro") ou de supercorreção("pensol", pois algumas vezes o l marca osom de u; "pegor", porquanto algumasvezes o r marca a tônica de palavras),tipos de erros freqüentes em crianças deséries iniciais, como apontam vários estudos(Nunes, 1992; Leal, Roazzi, 1999).

Atribuir notas similares aos dois textosanalisados acima seria, em último caso,desconhecer que a criança que escreveu"Destino" foi muito mais eficiente em mantera unidade de sentido do texto, em asse-gurar os aspectos estruturais do tipo detexto solicitado e em utilizar recursoslingüísticos apropriados para manter acoesão textual. Acrescente-se a tal análiseo comentário de que atribuir 5,9 (escolaparticular) ou 6,3 (escola pública) ao texto

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em questão é, no mínimo, desestimular acriança a se arriscar a cometer erros paraconstruir textos. Talvez a criança aprendaque "é melhor escrever textos curtos eapenas o que ela tem certeza", o que nãocontribui para que ela aprenda a produzirtextos mais interessantes e que atendamaos critérios de textualidade apontados naintrodução deste trabalho.

A seguir, apresentaremos umacomparação do texto "O dia azarento" e "Agrande árvore", que receberam dasprofessoras nota média de 6,6 e 6,4. Emrelação ao texto "A grande árvore", asprofessoras de escolas particulares atri-buíram 6,4 e as de escolas públicas, 6,3,não havendo diferenças entre os doistipos de escolas.

"O dia azareto" "A grande árvore"

(P) Era uma vez um menino: que se chamava Era uma vez uma árvore que caiu emcimaFernado. Um dia fernado tava paseando e do ônibusvil uma arvore e na arvore avia um E o ônibus se amassou e morreram muita genteGalo muito grande e avia uma comea E algumas pessoas se salvaram.Fernado vil a comea e quis pega um poco de Chamaram a polícia e a ambulanciamel A polícia prendeu os ladroes.(P) subil, subil, subil quando ele foi agara Os ladroes se escoderao atras da árvore queum poco de mel o galo quebro e as abelha estava junto da árvore quePicarao picarao picarao e fernando grito eles derrubaraoGrito tentando afasta as abelha Eles fugirao e os meninos foram espionar(P) Fernandinho vil um lajo e pulo no e eles disseram à políca.Lajo quando as abelha sairao fernandinho E foram pessoas para o enterro das pessoasCoreu para sua casa que morrem(P) Quando ele chegol sua mae perguto por Depois foram embora.Que voce ta todo picado? Por que algumasAbelha me picarao(P) fernandinho nunca mas foi pega mel deUma comea

Obs.: Foram mantidos os erros ortográficos e gramaticais da criança. As mudanças de linhas correspondemàs mudanças do texto da criança.

Em relação a "O dia azarento", houveuma diferença entre as médias atribuídaspelas professoras de escolas particulares(6,3) e escolas públicas (6,9). A Análisede Variância do efeito do tipo de escolasobre as notas atribuídas a esses textosapontou que as diferenças são estatisti-camente significativas [F(140, 1)=5.43;p<.021]. Esse resultado ocorreu porque,para as professoras da escola pública, otexto "O dia azarento" foi valorizado de for-ma similar ao texto "A floresta". Pode-seressaltar que, como dito anteriormente, "Afloresta" é um texto bom nos aspectos es-truturais e ortográfico-gramaticais e "O diaazarento" é bom nos aspectos estruturais,mas apresenta maior quantidade de vio-lações ortográfico-gramaticais, como serádiscutido adiante. Logo, pode-se inferirque houve, por parte das professoras deescolas públicas, maior valorização dos

aspectos estruturais que entre as profes-soras de escolas particulares no que serefere ao texto em análise.

"A grande árvore" é um texto que, apesarde apresentar personagens, ocorrências eum desfecho, apresenta muitos problemasna seqüência. Nas histórias, mesmo quandoa seqüência de narração não é idêntica àseqüência de ocorrência dos fatos, o autoraponta pistas para que o leitor perceba asinterrupções e possa acompanhar as ocor-rências. Nesse texto, apesar de a criançausar uma expressão convencional (Erauma vez), não dá continuidade ao fatoanunciado por essa expressão. Na apre-sentação inicial e no título, há um desta-que à árvore, o que induz à idéia de que aárvore desempenhará um papel importantena história. Isso não ocorre. A criança dizque a árvore caiu em cima do ônibus,delineando um problema (O ônibus se

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amassou, algumas pessoas morreram, ou-tras se salvaram, chamaram a polícia e aambulância). Mas logo depois, há um cor-te no texto e parece delinear-se um desfe-cho (A polícia prendeu os ladrões). Apósdizer que a polícia prendeu os ladrões, nãose sabe como foram integrados ao texto,a criança passa a relatar como a políciaprendeu os ladrões (Os ladrões se escon-deram atrás da árvore que estava junto daárvore que eles derrubaram; eles fugiram;os meninos espionaram e disseram parapolícia). Por fim, a criança passa a falardo enterro das pessoas. Muitos problemaspodem ser detectados. A criança apresen-ta personagens que aparecem sem queo leitor perceba o que fizeram na história.Não se sabe o que os ladrões roubaram,nem por que derrubaram a árvore; ignora-se quem são os meninos, e de onde surgi-ram; nada se sabe sobre as pessoas quemorreram, nem por que morreram (aci-dente? os ladrões tinham intenção?). Otexto tem, assim, uma trama que é confu-samente delineada (o núcleo é a caça-da aos ladrões? é a queda da árvore?).Na realidade, a criança narra ocorrênciassem que o sentido dos acontecimentos eo papel dos personagens sejam explici-tados. Do ponto de vista ortográfico-gra-matical, a criança demonstra bom nível deconhecimentos ortográficos, com poucoserros, e uso de acentuação, o que não émuito freqüente entre crianças de 2a sé-rie. No entanto, as ligações entre as ora-ções deixam muito a desejar.

No texto "O dia azarento", pode-severificar que a criança apresentou opersonagem (Fernando), contextualizou asituação, descrevendo a árvore e expondoo desejo do personagem diante da árvore.A criança apresenta o desejo de comer mele o problema de se atender a esse desejo(as abelhas). Apresenta a tentativa deresolução do conflito, através da ação dopersonagem (subir na árvore) e o resultadoda ação (as abelhas picando o personagem).Demonstra a situação de maior tensão nahistória (o personagem tentando livrar-sedas abelhas) e o desfecho (o personagempula no lago para se livrar das abelhas edepois vai para casa, onde fica em segu-rança). Por fim, a criança apresenta a"lição" tirada da história (Fernando nuncamais foi pegar mel na colméia). Além deconseguir apresentar uma boa seqüênciano texto, compondo-o com todos osmomentos importantes para a constituição

de uma história, a criança utiliza recursoslingüísticos apropriados para garantir acoesão do texto e a expressividade domesmo, como a repetição, que dá a idéiade continuidade da ação ("subiu, subiu,subiu"; "picarão, picarão, picarão"; "gritou,gritou"), a pronominalização que evita arepetição do nome do personagem (ele),o uso de expressões convencionais ("Erauma vez"; "Um dia"), o uso de períodoscompostos por coordenação e subordina-ção característicos desse tipo de texto.

O texto "O dia azarento" parececonduzir melhor o leitor, oferecendopistas para o resgate do sentido, o queparece ser insuficiente no primeiro textoanalisado (A grande árvore). Atribuir aotexto "O dia azarento" a mesma nota queao texto "A grande árvore", como ocorreucom as professoras de escolas particulares,parece evidenciar uma falta de conside-ração pela capacidade que a criança tevede manter a unidade textual, de utilizarrecursos lingüísticos para o estabeleci-mento da coesão textual e da coerência etambém não consideraram a seqüênciaque a criança conseguiu dar ao texto.

Conclusões

As discussões até o momento trava-das apontam que as professoras expli-citam que é importante considerar aspec-tos estruturais, ortográfico-gramaticais eorganizacionais, e são coerentes com es-tes critérios quando avaliam os textos. Noentanto, não há uma confluência dos cri-térios em função das características es-senciais do que seria um texto (ter uni-dade de sentido, ter interlocutores, obje-tivos, mediar situações de interação). Pelafalta de clareza desses aspectos, pareceestar havendo uma simples compensa-ção entre aspectos estruturais e ortográ-fico-gramaticais, pois foram dadas notassimilares quando um dos dois aspectosestava bom e o outro fraco. Por outrolado, os aspectos ortográfico-gramaticaisparecem estar sendo avaliados apenaspela quantidade de violações e não pelariqueza de recursos lingüísticos utilizadospara manutenção temática e expres-sividade do texto.

Tais conclusões remetem à necessi-dade de aprofundarmos tais questões juntoaos professores, para que estes nãofiquem restritos aos aspectos superficiais

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dos temas abordados e possam refletirmais sistematicamente acerca do quevem a ser realmente um texto e até a ex-plorarem melhor as características dostextos com os quais se deparam. É im-portante, ainda, redimensionar o ensinode gramática, de modo a propiciar ao alu-no o uso de recursos que tornem o texto

mais interessante e coerente. Nesse senti-do, não se usa o texto como pretexto parao ensino de gramática, nem se restringeao ensino de teorizações desvinculadas dotexto. Nesse caso, pode-se investir nasaquisições de ferramentas poderosas paraa constituição da textualidade.

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Recebido em 17 de agosto de 1999.

Telma Ferraz Leal, doutoranda em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federalde Pernambuco (UFPE), é professora de Metodologia do Ensino da Língua Portuguesanessa universidade.

Gilda Lisbôa Guimarães, doutoranda em Psicologia Cognitiva pela UFPE, é professorade Metodologia do Ensino da Matemática nessa universidade.

Abstract

This research aimed at look into the criteria adopted by teachers to correct childrentexts. Three questions were analysed: what are the criteria the teachers state they adoptin the evaluation of the texts? Are the assumed criteria really adopted? Are the structuralaspects and the ability to stablish meaning regarded as core criteria in the evaluation?The methodology consisted of the correction of 8 children´s texts by 160 teachers fromkindergarden to the third grade in private and state sector. It was found that teachers notonly state, but also showed coherence in the correction, taking into account structural,spelling-grammatical and organizational aspects. However, there is no confluence betweenthe criteria and the main characteristics of what a text would be (meaning, havinginterlocutors, targets, mediate interactions). Thus, there seems to be some compensationbetween the structural aspects and the spelling-grammatical ones. On the contrary, thespelling-grammatical aspects are probably being evaluated only by amount of mistakesand not by the wide variety of linguistic sources used to maintain the theme andexpressiveness of the text.

Keywords: text production; evaluation; teacher's development.