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Commons e direitos das diferenças: práticas de direito vivo nos movimentos sociais contemporâneos 1 Lorenzo Grimaldi, PPGA-UFPE Resumo: A proposta do presente trabalho é comparar formas de construir socio- políticamente o territorio e estratégias de ação coletiva que sujeitos políticos em situações de conflito elaboram. Frente a políticas de liberalização de lugares ou recursos específicos, atuadas pelos Estados-Nacionais, os movimentos sociais contemporâneos elaboram estratégias discursivas e práticas distintas. Uma das características comuns é a necessidade de novo direito. A categoria dos commons, em Europa e EE.UU., é usada na defesa de lugares específicos, como uma alternativa aos regimes de propriedade baseados na dicotomia publico/privado, tornando-se fundamental na definição e legitimação das lutas contemporâneas e ao mesmo tempo importante na elaboração das estratégias e táticas políticas. Identidade, territórios e poder (expresso por meio da linguagem do direito) são extremamente entrelaçados. O ponto de vista aqui desenvolvido reflete sobre as distintas categorias, como formas de lidar com a diferença social e cultural, elaboradas a partir de contextos de poder estruturados e específicos. Desde lugares e territórios culturalmente e politicamente determinados, e diferentes, se desenvolvem práticas sociais que abrem espaços para constituir novo direito e para possíveis mudanças do Estado-Nação. A contemporaneidade dos casos apresentados e o focus nas diferenças são os principais aspetos que fundamentam e legitimam este estudo. Palavras-chave: Bens Comuns, Territorialidade, Poder. 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03-06 de Agosto de 2014, Natal (RN).

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Commons e direitos das diferenças:

práticas de direito vivo nos movimentos sociais contemporâneos1

Lorenzo Grimaldi, PPGA-UFPE

Resumo:

A proposta do presente trabalho é comparar formas de construir socio-

políticamente o territorio e estratégias de ação coletiva que sujeitos políticos em

situações de conflito elaboram.

Frente a políticas de liberalização de lugares ou recursos específicos, atuadas

pelos Estados-Nacionais, os movimentos sociais contemporâneos elaboram estratégias

discursivas e práticas distintas. Uma das características comuns é a necessidade de

novo direito.

A categoria dos commons, em Europa e EE.UU., é usada na defesa de lugares

específicos, como uma alternativa aos regimes de propriedade baseados na dicotomia

publico/privado, tornando-se fundamental na definição e legitimação das lutas

contemporâneas e ao mesmo tempo importante na elaboração das estratégias e táticas

políticas.

Identidade, territórios e poder (expresso por meio da linguagem do direito) são

extremamente entrelaçados. O ponto de vista aqui desenvolvido reflete sobre as

distintas categorias, como formas de lidar com a diferença social e cultural, elaboradas a

partir de contextos de poder estruturados e específicos.

Desde lugares e territórios culturalmente e politicamente determinados, e

diferentes, se desenvolvem práticas sociais que abrem espaços para constituir novo

direito e para possíveis mudanças do Estado-Nação. A contemporaneidade dos casos

apresentados e o focus nas diferenças são os principais aspetos que fundamentam e

legitimam este estudo.

Palavras-chave: Bens Comuns, Territorialidade, Poder.

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03-06 de Agosto de 2014, Natal (RN).

Introdução:

O debate sobre a categoria de commons ou new commons tem hoje em dia certa

ressonância. Em 2009 a economista estadunidense Elinor Ostrom recebeu o premio

Nobel pelos estudos realizados sobre os “commons”. O texto, Governing the commons

(1990), contesta as idéias de Garrett Hardin, que em The tragedy of the commons (1968)

mostrava a primazia do homo oeconomicus frente aos bens comuns.

Más o que significa esta expressão? O significado literal remite a bens, materiais

ou imateriais, que pertencem a coletividades especificas ou utilizados de formas

heterogênea por ditas coletividades, que, de alguma forma, são comuns. De alguma

forma significa que existem várias formas de ser compartilhados e usados

coletivamente.

Uma primeira distinção que pode ser feita é entre:

a. Bens propriamente comunitários herdeiros da tradição histórica (communia,

communalia). Trata-se dos recursos materiais da natureza utilizados por

comunidades especificas em seu território.

b. Bens necessariamente compartilhados, naturais ou artificiais, como rios,

mares, montanhas, ar, ou por exemplo as infraestruturas públicas fundamentais.

c. Bens ou serviços públicos indispensáveis como saúde, informação,

educação, más também obras da criatividade como internet e outras tecnologias.

Um bem não é comum em si mesmo, más exclusivamente devido a uma

particular interação com o homem. Os bens comuns são ontologicamente fruto de um

processo histórico de interação entre homens e natureza. Bens significados a partir da

necessidade e/ou do uso prático.

Na classificação apresentada podemos ver uma outra classificação implícita,

aquela entre bens tendencialmente abertos a todos (open source) e bens cujos direitos,

uso e vivência são vinculados a uma comunidade especifica. Esses últimos eram

presentes na idade media na Italia, assim como na Inglaterra pre-moderna ou em outros

países.

Segundo o histórico italiano Alessandro Dani, “trata-se de um fenômeno jurídico

moldado por normas consuetudinarias ou estatutárias locais -iura propria territorial-,

em referência a contextos econômicos, ambientais e sociais diferentes. É um fenômeno

não vinculado com o direito romano justinianeo” (2013, p.27).

A heterogeneidade de contextos jurídicos locais sofreu com as legislações

centrais unificadoras.

O texto de Dani, Le risorse naturali come beni comuni (2013), mostra através de

uma atenta reconstrução histórica as várias regulamentações jurídicas dos bens comuns

na Italia durante a Idade Media o seu estreito vinculo com uma comunidade de

referência. A idéia de comunidade remite aqui a relações de parentesco e à relação

privilegiada com um território por parte de um grupo humano.

Vários autores concordam em ver a ideologia liberal como o elemento que irá

destituindo os bens comuns da Idade Media da sua proteção jurídica em favor da

propriedade privada (DANI, 2013; MATTEI, 2011).

Estas experiências humanas de séculos atrais parecem ressurgir nos movimentos

sociais ocidentais contemporâneos que adotaram na sua linguagem e formas de desafiar

o poder a categoria dos Bens Comuns, tornando-a uma categoria nativa.

O principal movimento italiano que fiz do uso desta categoria a sua bandeira foi

o movimento contra a privatização dos serviços hídricos, autodenominado Movimento

Acqua Bene Comune. O movimento pela agua pública conseguiu formar uma

plataforma nacional e internacional se ligando em rede com outros movimentos de

outros países com objetivos similares. Em 2010 a vitoria do Referendum pela abolição

de uma série de decretos legislativos que queriam passar a gestão da agua do público

para o privado consolidou o movimento. No entusiasmo desta vitoria começaram várias

ocupações de teatros históricos por parte de trabalhadores precários do setor cultura -

diretores, fotógrafos, dançarinos, etc. - reivindicando a partir da ocupação de ditos

lugares, na maior parte dos casos abandonados ou destinados a especulação privada, a

cultura como Bem Comum que deve ser preservado frente aos projetos neoliberistas e à

suposta crises econômica, usada para legitimar a venda de bens públicos - prédios,

teatros, cinemas, etc -.

Os movimentos sociais que desde anos lutam contra a construção de grandes

obras em seus respectivos territórios igualmente acharam abrigo na noção de Bens

Comuns - uma estrada de origem romana que deveria se tornar uma estrada privada

começou a representar a apropriação privada de um bem comum, assim como a

perfuração de uma montanha rica de amianto representa um perigo para a saúde como

bem comum.

Nos exemplos tratados observamos alguns usos contemporâneos desta categoria

nos movimentos sociais italianos que representam a ampla heterogeneidade com a qual

esta categoria é atualmente utilizada.

No Brasil, o antropólogo Alfredo Wagner desenvolve, em Terras

tradicionalmente ocupadas (2008), uma análise das categorias jurídicas do direito

brasileiro para regularizar a relação entre territórios e coletividades especificas. O

trabalho de Little, Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil (2002), salienta as

múltiplas formas de construir territórios com regimes de propriedade comum no Brasil e

a necessidade de uma política de reconhecimento da razão histórica desses povos frente

a razão instrumental do Estado. Tudo isto envolve questões jurídicas em relação à

autonomia e às soberanias territoriais, que levam Little a falar da necessidade de um

“pluralismo legal” (2002, p.21). Como lidar com a diferença? Escobar fala de

“multiples praticas basadas-en-lugares” com a intenção de elaborar uma teoria da

diferença (2005, p.160).

O reconhecimento das diferenças a partir das estratégias de localização se torna

um eixo de reflexão na formação dos modernos estados-nacionais.

Paul Little sublinha como “nos últimos quinze anos a temática dos chamados

„regimes de propriedade comum‟ tornou-se uma importante linha de pesquisa dentro da

antropologia. Um dos resultados mais significativos desses estudos foi a demonstração

etnográfica de que tais regimes estão presentes em países de todas as partes do mundo”

(2002, p.8).

Desafios etnográficos: como comparar?

Este texto se apresenta como o começo de uma pesquisa. Desde um primeiro

levantamento de informações sobre a temática a idéia é avançar em favor de um estudo

comparativo sobre a forma com a qual territórios são construídos socio-políticamente

em situações de conflito.

Os casos etnográficos aqui escolhidos para esta análise são a Comunidade

Montana Val di Susa e Val Sangone, perto da cidade de Turim nos pré-alpes italianos,

considerada juridicamente uma unidade territorial e cultural, e o grupo étnico

Tumbalalá, cujo território é localizado entre os municípios de Abaré e Curaçá na Bahia,

em Brasil. Em ambos os casos a implementação de grandes obras desenvolvimentistas

tem um papel muito importante na formação de territorialidades especificas e das

estratégias políticas elaboradas pelos distintos sujeitos sociais.

Começarei da mobilização Tumbalalá para me introduzir no âmbito de análise e

nas possibilidades comparativas. Este grupo étnico foi reconhecido formalmente em

2001 pelos órgãos competentes, mas está ainda em espera da regularização fundiária

(foram identificados 44.978 ha. como “território tradicional” e publicados no Diário da

União em 2009, frente aos quase 60.000 ha. reivindicados pelo grupo étnico).

As formas de territorialidade e a organização social dos Tumbalalà foram

mudando constantemente, desde os anos ‟60 e ‟70, com a construção das barragens de

Sobradinho e Itaparica. São registradas mudanças no âmbito econômico, devido o

controle artificial das aguas, que transformou o ecossistema do rio, e nas configurações

das relações sociais (nos anos ‟80 uma parte da população atingida pela barragem de

Itaparica foi assentada em 19 agrovilas construídas dentro do território atualmente

reivindicado).

Nos anos 90 houve o desencadeamento da mobilização étnica, que desde o

assentamento do cruzeiro para dançar Toré, na localidade de São Miguel nos anos 1940,

ia se articulando por meio de debates arredor de uma origem comum e de redes de

trocas político-rituais.

Um dos eixos de análise da minha dissertação sobre o grupo étnico Tumbalalá

(GRIMALDI, 2013) foi representado pela relação entre poder e território, que me levou

a dividir (de forma puramente analítica) a historia das relações de poder, que informam

o campo interétnico Tumbalalá, em duas situações históricas determinadas. Em cada

uma, os Tumbalalá privilegiam determinadas estratégias de ação coletiva e vão criando

e moldando sua relação com o território de diferentes formas.

Esta análise me levou a captar as diferentes visões do território que tem os

membros do grupo étnico, uma fragmentação caracterizada por diferentes cosmografias.

Seguramente um processo inacabado, em espera de regularização e ameaçado pela

construção de duas novas barragens, Riacho Seco e Pedra Branca.

O território da Comunidade Montana Val di Susa e Val Sangone abrange uma

área de 127.697 ha. repartida em 43 municípios, onde vivem aproximadamente 116.000

pessoas. Em um território que mede o dobro daquele reivindicado pelos Tumbalalá tem

uma densidade populacional 50 vezes maior.

Esta Comunidade Montana foi criada em 2009, juntando três comunidades

anteriormente existentes, como forma de reajuste territorial. Esta mudança aconteceu

em virtude da redefinição de “zonas homogêneas” por parte da região Piemonte, por

meio de um decreto regional. Este vale é o ponto de encontro de três áreas lingüístico-

culturais: piemontês a Este, franco-provençal (ou arpitana) ao Noroeste e provençal (ou

occitana) ao Sudeste.

A mobilização dos habitantes da vale organizados no Movimento No Tav

conseguiu formar um movimento com ligações em âmbito nacional e obstaculizar um

projeto europeu sustentado pelo governo italiano. Trata-se de uma mobilização que se

opõe a construção da linha de Trem de Alta Velocidade-TAV, que liga Lisboa no

Suroeste da Europa a Kiev no Nordeste e cujo lote Turim-Lyon é objeto de disputa entre

moradores e instituições do Estado. O plano dos trabalhos prevê a construção de 50 km

de túnel em uma montanha rica de urânio e amianto, com conclusão prevista para o ano

de 2035.

O projeto da TAV nasce nos anos 90, mas a abertura dos primeiros canteiros foi

em 2005, quando o movimento conseguiu se articular com maior eficácia. Deste ano

foram organizados os primeiros “centros de ocupação”, pontos de articulação e de

controle do território que tomaram a forma de casas em madeira construídas nos lugares

onde deviam se colocar os canteiros da obra ou perto deles para organizar ações de

distúrbio.

É importante observar que a comunidade Montana da Val de Susa se caracteriza

por sua diferenciação sócio-ecológica devido à sua colocação. “Valligiani” ou

Valsusini” são os termos utilizados para identificar seus moradores, cuja organização da

produção caracteriza como camponeses (REVELLI, 2012).

Desde 2005 até hoje, a história dos “centros de ocupação” parece a uma historia

de guerra de baixa intensidade. Os primeiros centros foram destruídos por meio da força

policial e sempre reconstruídos em novos lugares, seguindo o desenvolvimento dos

trabalhos. Atualmente, existe um centro internacional itinerante (estabelecido em um

container móvel) e um camping onde se desenvolvem as principais atividades do

movimento.

Vamos observando algumas diferenças entre os dois casos etnográficos

apresentados e alguns pontos de convergência:

- O movimento No Tav, aparentemente, não tem o seu focus na etnicidade.

- Ao nível jurídico, um território indígena oficialmente reconhecido, no Brasil,

apresenta especificidades e formas de tutela seguramente maiores respeito a uma

Comunidade Montana na Itália.

- Trata-se de projetos diferentes: o território Tumbalalá é atingido pela

construção de grandes obras desde os anos 60; as tipologias de projetos implementados

foram essencialmente dois: hidroelétricas e transposição do rio São Francisco. A Val di

Susa foi atingida pela construção de uma autopista e de uma primeira linha de trem nos

anos 70; atualmente o conflito social é associado a uma nova linha de trem de alta

velocidade. Um elemento característico é que estamos falando de um território situado

entre dois estados-nacionais, Itália e França, que são conectados por meio destas

grandes obras.

- Os contextos nacionais são diferentes, em particular do ponto de vista

econômico. A Itália vive uma situação de decrescimento significativo (oficialmente

chamada de “crise”), contrariamente ao Brasil. Paralelamente à “crise” econômica

assistimos a um aumento dos conflitos sociais e à implementação de políticas de

austerity por parte do governo italiano. Estas políticas se caracterizam por uma

“flexibilização” do mercado do trabalho que é traduzida no sentido comum como

“precariedade social”.

O contexto social e histórico do Brasil onde emergem os conflitos sociais que

envolvem os Tumbalalá é muito diferente e ao mesmo tempo tem alguns elementos

familiares.

- É um contexto que se define dentro o quadro de nation-building.

- Territórios “tradicionalmente” ocupados são atingidos por megaprojetos

desenvolvimentistas.

- As reivindicações das “unidades de mobilização” consideradas é relacionada

com descentralização do poder e democratização dos recursos.

- Sua estratégia principal, implícita ou explicita, é a conquista de direitos.

- O contexto de conflito permite a consolidação ou formação de novas formas

identitárias com conseguinte mudança dos domínios de poder.

- A retórica dos discursos nacionais é parecida e baseada nas noções de

modernidade, progresso e desenvolvimento.

Semelhanças e diferenças se originam a partir de historicidade que se tornaram

contemporâneas e por isto em dialogo. Segundo Borofsky, embora a maioria dos

antropólogos contemporâneos considere fundamental a comparação em antropologia, os

estudos comparativos diminuíram bastante nos últimos 50 anos (2000, p.106).

Os problemas sublevados pela antropologia interpretativa e pelo

desenvolvimento do mundo contemporâneo, relações de poder globais, interconexões

entre diferentes culturas, cosmopolitismo, colocaram dificuldades intrínsecas ao

desenvolvimento das metodologias “clássicas” de comparação.

Para Nader, os cânones de pesquisa comparativa geralmente aceitos – e que ela

debate criticamente - são principalmente dois:

1) Que os elementos comparados devam ter alguns elementos fundamentais em comum

(o conceito de comparação controlada) e 2) que os elementos comparados devam ser

descontínuos, isto significa que não devem ter uma influencia direta um sobre o outro”

(2000, p.119).

Esta forma comparativa é própria de uma perspectiva antropológica que vê as

sociedades como isolados culturais, independentes entre sim, que resulta incapaz de

lidar com os sistemas de interdependências criados pelos aspetos interativos do

movimento global de pessoas, idéias e mercadorias. Esta dificuldade estaria

influenciando as poucas comparações existentes.

“a tendência atual contra a comparação (especialmente contra os experimentos

controlados) pode ser atribuída a uma incapacidade, por parte de qualquer tipo de

comparação, de refletir sobre as condições de um mundo sempre mais caracterizado

pela interdependência, no contexto de relações dinâmicas e globais de poder, mantendo

a integridade das comunidades descritas” (NADER, 2000, p.120).

O desafio deste projeto é colocado nestas palavras de Laura Nader. Trata-se de

uma comparação explicita, ao mesmo tempo ciente da contemporaneidade dos

contextos estudados,

[...] o Planeta, hoje em dia, tornou-se, em graus variáveis, o horizonte e a referência de

todos os humanos, e o conjunto das revoluções tecnológicas que afetam a Terra inteira

traz conseqüências tanto para os estudos quanto para seu objeto, em perpetua

recomposição [...] Os „mundos passados‟ também não eram simples, más não

comunicavam, ou comunicavam menos, ou comunicavam pouco. Não eram, neste

sentido, contemporâneos (AUGÉ, 1997, p.86).

Ao mesmo tempo, ciente que não existem sociedades ou culturas como isolados

urbanos, as ferramentas teóricas propostas tentam lidar com interconexões e dinâmicas

históricas: as noções de “campo”, de “situação histórica” e de “unidade de

mobilização”, são utilizadas para definir formas de interação, as dinâmicas de poder em

ação e um sujeito social como centro de observação (claramente móvel e em constante

mudança). A noção de “drama social” e suas distintas fases permitem captar as

dinâmicas e as formas de relação social.

A orientação teórica proposta respeita a visão de fazer uma etnografia das

diferentes formas de lidar com o mundo global, sua complexidade tecnológica que

atinge e libera dinâmicas sociais.

Conclusão.

Nos dois casos apresentados tem uma necessidade compartilhada com muitos

outros movimentos sociais e relacionada à produção de direito, de transformar o direito

vivo, a forma na qual as comunidades vivênciam um espaço social, em direito vigente,

normas e leis que amparem juridicamente esta relação.

Uma hipotêse de trabalho consiste na análise das estratégias elaboradas pelos

dois sujeitos políticos, salientando a rede de relações ou campo de forças no qual se

inserem para poder ter eficácia em diferentes níveis de relações de poder.

O tipo de enquadramento jurídico dos vários regimes de propriedade, bem

comum, terras tradicionalmente ocupadas, terra indígena etc. representam não apenas

soluções formais de resolver conflitos sociais, más contribuem à construção dos sujeitos

por meio das estratégias de ação coletiva utilizadas.

É este ponto, onde o social e o subjetivo se intersectam que a análise

antropológica aponta, formas únicas que podem dizer-nos algo sobre nossa

contemporaneidade.

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