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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA 27 Especial 30 anos da AGB Presidente Prudente ISSN 1413-4551 Associação dos Geógrafos Brasileiros Seção Local Presidente Prudente Presidente Prudente-SP Dezembro de 2005 DIRETORIA EXECUTIVA Diretor: Túlio Barbosa Vice-diretor: Vitor Koiti Miyazaki Secretárias: Érika Vanessa Moreira e Fabiana Caldeira Tesoureiros: Thiago Aparecido Trindade e Júlio César Zandonadi COMISSÃO DE PUBLICAÇÃO Eliseu Savério Sposito, Margarete Cristiane da Costa Trindade Amorim, Wagner Miralha COMISSÃO DE DIVULGAÇÃO E EVENTOS Ademilson Damasceno, Caio Augusto Marques dos Santos, Rodrigo César Criado COMISSÃO DE EXTENSÃO E ENSINO Aline Pereira da Silva e Elias Oliveira Noronha COMISSÃO DE ASSUNTOS PROFISSIONAIS Adilson Aparecido Bordo, Arthur Magon Whitacker, Maria Cristina Perusi Indexação: Os artigos publicados no Caderno Prudentino de Geografia são indexados por: GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais www.uem.br/dge CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA é editado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Local Presidente Prudente – AGB-SLPP. Rua Roberto Simonsen, 305 – CEP: 19.060-900, Presidente Prudente, SP, Brasil. Tel.: (18) 3229-5379. E-mail: [email protected]. www.prudente.unesp.br/agbpp CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA Associação dos Geógrafos Brasileiros. – vol.1, nº1, 1981 – Presidente Prudente, SP: AGB. v.26: 22cm, il. ISSN 1413-4551 1981-2005, 1-27 Periodicidade: Anual 1. Geografia – 2. Geografia Humana – 3. Geografia Física

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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA

27 Especial

30 anos da AGB Presidente Prudente

ISSN 1413-4551

Associação dos Geógrafos Brasileiros

Seção Local Presidente Prudente

Presidente Prudente-SP Dezembro de 2005

DIRETORIA EXECUTIVA Diretor: Túlio Barbosa

Vice-diretor: Vitor Koiti Miyazaki Secretárias: Érika Vanessa Moreira e Fabiana Caldeira

Tesoureiros: Thiago Aparecido Trindade e Júlio César Zandonadi

COMISSÃO DE PUBLICAÇÃO Eliseu Savério Sposito, Margarete Cristiane da Costa Trindade Amorim,

Wagner Miralha

COMISSÃO DE DIVULGAÇÃO E EVENTOS Ademilson Damasceno, Caio Augusto Marques dos Santos,

Rodrigo César Criado

COMISSÃO DE EXTENSÃO E ENSINO Aline Pereira da Silva e Elias Oliveira Noronha

COMISSÃO DE ASSUNTOS PROFISSIONAIS

Adilson Aparecido Bordo, Arthur Magon Whitacker, Maria Cristina Perusi

Indexação: Os artigos publicados no Caderno Prudentino de Geografia são indexados por: GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais www.uem.br/dge

CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA é editado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Local Presidente Prudente – AGB-SLPP. Rua Roberto Simonsen, 305 – CEP: 19.060-900, Presidente Prudente, SP, Brasil. Tel.: (18) 3229-5379. E-mail: [email protected]. www.prudente.unesp.br/agbpp

CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA Associação dos Geógrafos Brasileiros. – vol.1, nº1, 1981 – Presidente Prudente, SP: AGB. v.26: 22cm, il. ISSN 1413-4551 1981-2005, 1-27 Periodicidade: Anual 1. Geografia – 2. Geografia Humana – 3. Geografia Física

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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA

EDITOR RESPONSÁVEL Eliseu Savério Sposito

CONSELHO EDITORIAL

Antonio Thomaz Júnior (FCT/UNESP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira (FFLCH/USP), Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP), Cláudio Zanotelli

(UFES), Diamantino A. C. Pereira (PUC/SP), Giovanni Alves (FCC/UNESP), Horário Capel (Universidade de Barcelona – Espanha), João Ferrão (Universidade

Técnica de Lisboa – Portugal), João Lima Sant’Ana Neto (FCT/UNESP), Maria Encarnação Beltrão Sposito (FCT/UNESP), Raul Borges Guimarães (FCT/UNESP), Ricardo Aguero (Universidade Nacional de Rio Cuarto – Argentina), Roberto Gonzáles Souza (Universidade de Havana – Cuba),

Rubén Lois Gonzáles (Universidade de Santiago de Compostela – Espanha), Ruy Moreira (UFF), Sérgio Leite (CPDA/UFRRJ)

CAPA

Caio Beltrão Sposito

DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO Eliseu Savério Sposito e Vitor Koiti Miyazaki

DIGITAÇÃO DOS ARTIGOS

Ademilson Damasceno, Adilson Aparecido Bordo, Alessandra Silva de Souza, Caio Augusto Marques dos Santos, Érika Vanessa Moreira, Fabiana Calderia, José Roberto Nunes de Azevedo, Thiago Aparecido Trindade, Vitor Koiti Miyazaki e

Wagner Miralha

DIGITALIZAÇÃO (FIGURAS E TABELAS) Vitor Koiti Miyazaki

IMPRESSÃO

Gráfica CopySet

TIRAGEM 500 exemplares

Os textos aqui publicados são de exclusiva responsabilidade dos autores.

Permite-se a reprodução parcial, desde que mencionadas as fontes.

Solicita-se permuta – Se solicita intercambio – We ask for exchange

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

ARTIGOS

OS POSSEIROS E A LUTA CONTRA O CAPITAL: “...A TERRA É DE NINGUÉM”

Ariovaldo Umbelino de OLIVEIRA

9

PROBLEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANOMichel ROCHEFORT

23

QUARENTA ANOS DE SERVIÇOS PRESTADOSOrlando VALVERDE

39

CAPITAL E FORÇA DE TRABALHO NO SETOR SECUNDÁRIO EM PRESIDENTE PRUDENTE

Olga Lúcia Castreghini de FREITAS

59

IDENTIDADE NACIONAL, IMAGEM DO BRASIL E OS DISCURSOS DA GEOGRAFIA

Micheline LADOUCEUR

77

A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E O TERRITÓRIO: REALIDADES E PERSPECTIVAS

Milton SANTOS

83

OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA MODERNAGEOGRAFIA FÍSICA

Alexander A. GRIGORIEV

95

HOMEM E NATUREZA: POR UMA POLÍTICA DE MEIO AMBIENTE PARA O BRASILManuel Correia de ANDRADE

107

SOFTWARE E VALOR Armando Corrêa da SILVA

121

GEOGRAFIA ESCOLAR: CONTEÚDOS E/OU OBJETIVOS?

Diamantino PEREIRA

139

GLOBALIZAÇÃO E GEOGRAFIA: A COMPARTIMENTAÇÃO DO ESPAÇO

Milton SANTOS e María Laura SILVEIRA

153

COMPÊNDIO

165

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 181

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APRESENTAÇÃO

A publicação deste número coroa uma vontade que vem, de longe, sendo pauta das pessoas que se encarregaram, há vários anos, do Caderno Prudentino de Geografia, cujo primeiro número foi publicado em 1982. Já se passaram 24 anos e o caderno, que foi divulgando artigos de vários geógrafos, tornou-se elemento importante na construção do pensamento geográfico. Por essa razão, a edição de um número especial com vários artigos já divulgados tem, como objetivo, consolidar uma história que já falou, pelas páginas amarelecidas do periódico, de muitas idéias que fazem parte do pensamento geográfico.

Além disso, em 17 de maio de 2005, a Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Presidente Prudente completou 30 anos. Eis, portanto, uma boa justificativa para esta edição especial que vem para comemorar um período de muitos esforços e contribuições para a Geografia proporcionados pela seção local.

Para escolher os artigos que são republicados nesta edição, o critério foi não ter critério. A Comissão Editorial reuniu-se e, analisando todos os números até 2000, resolveu escolher autores que não fossem de Presidente Prudente e que tivessem matérias que, de uma maneira ou de outra, foram citados por estudantes e professores do Curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. Selecionamos, assim, textos de importantes geógrafos brasileiros, como Milton Santos, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Armando Corrêa da Silva, Manuel Correia de Andrade e Orlando Valverde, de brasileiros que escreveram enquanto jovens geógrafos, como Diamantino Pereira, María Laura Silveira (enquanto colaboradora de Milton Santos) e Olga Lucia Castreghini de Freitas (hoje Firkowski), e de estrangeiros, como Michel Rochefort, Alexander. A. Grigoriev e Micheline Ladouceur.

Temos certeza que os textos apresentados neste número continuarão sendo importantes testemunhos do pensamento geográfico das duas últimas décadas do século XX.

Como os textos foram editados em papel, para a organização deste número foi necessário digitar cada um deles, revisar a digitação e fazer a sua editoração. Para isso, foi necessário contar com o trabalho voluntário de vários estudantes que, como sócios da AGB, deram sua importante contribuição. Foram eles: Ademilson Damasceno, Adilson Aparecido Bordo, Alessandra Silva de Souza, Caio Augusto Marques dos Santos,

Érika Vanessa Moreira, Fabiana Caldeira, José Roberto Nunes de Azevedo, Thiago Aparecido Trindade e Vitor Koiti Miyazaki.

Enfim, reapresentar artigos que marcaram a trajetória do Caderno Prudentino de Geografia em um número especial demonstra o compromisso da Seção Local de Presidente Prudente na divulgação de diferentes idéias e contribuições para a reflexão do pensamento geográfico.

Eliseu Savério Sposito Editor

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OS POSSEIROS E A LUTA CONTRA O CAPITAL: “...A

TERRA É DE NINGUÉM”1

Ariovaldo Umbelino de OLIVEIRA Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento

de Geografia “Segue nessa marcha triste

Seu caminho aflito Leva só saudade

E a injustiça Que só lhe foi feita Desde que nasceu

Pelo mundo inteiro Que nada lhe deu”

(VALLE) Introdução

Os conflitos pela terra no Brasil assumem a cada dia que passa, características de uma verdadeira luta armada no campo. O trabalho de Murilo de Carvalho intitulado “Sangue da Terra” é um exemplo eloqüente da situação que vivemos hoje. Outro exemplo é o trabalho de Vera L. G. da Silva Rodrigues e José Gomes da Silva intitulado “Os conflitos de terra no Brasil”. Esses trabalhos têm mostrado à inteligência brasileira o que está ocorrendo no campo, por todo o país: a luta, que na maioria das vezes chega a ser mortal, entre os posseiros e índios e os jagunços, pagos por fazendeiros e empresários deste país.

Esses conflitos têm sua raiz na estrutura econômica brasileira, ou seja, na própria dinâmica de desenvolvimento do modo capitalista de produção monopolista em território brasileiro. Mais à frente procuraremos dar conta desta questão.

A amplitude desses conflitos pela terra tendo como vítimas geralmente índios e posseiros, tem razão estrutural, pois aí estão presentes duas formas de propriedade da terra não (anti) capitalista, como escreveu José de Souza Martins, a propriedade tribal, a propriedade comunitária e a posse. Formas de propriedade que instauram a subversão da propriedade

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº 3, de 1982.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

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capitalista. Formas de propriedade que distinguem fundamentalmente a terra de trabalho da terra de exploração; distinguem a terra para trabalhar da terra para explorar o trabalho alheio.

É por isso que o Estado e as classes dominantes se levantam contra essas formas de propriedade, tentando por todos os meios aniquilá-las. Mas se a condição da luta é distinta entre si, com relação aos índios e posseiros esses têm demonstrado ima vitalidade de expansão que constitui concretamente a prática da traição às leis do capital. Pois o que assistimos nos últimos decênios não é expropriação e uma conseqüente proletariazação da totalidade dos trabalhadores do campo, mas sim, o que ocorre é uma ocupação por parte dos expropriados, de novas áreas, nos mesmos Estados de origem ou na Amazônia Legal.

Esse aumento significativo dos posseiros, configurado nos Censos Agropecuários de 1960/1970 e 1975, e a conseqüente luta entre esses posseiros e o capital é que dão a característica peculiar da expansão do capital no campo. È por isso que o eixo principal da questão política no campo está na expropriação e não na exploração, como tem demonstrado com grande felicidade José de Souza Martins.

Esse fato tem provocado a manifestação da Igreja, através do documento de Itaici de 1980 “Igreja e Problema da Terra”. Essa manifestação do episcopado brasileiro marca no seu eixo principal a condenação do capitalismo e especificamente da propriedade “capitalista”. Dessa forma,

Decorre a formulação concreta de uma sociedade nova que nasce da contradição da sociedade capitalista, como resultado da consciência crítica, da mobilização, da organização e das lutas populares que já estão ocorrendo no campo. O documento de Itaici apresenta a grande novidade de se constituir num manifesto anticapitalista que não nasce das contradições ideológicas e meramente teóricas. É um documento que codifica e sistematiza todos esses anos de Pastoral da Terra, nascida das lutas sociais no campo, dos conflitos abertos ou aprofundados pelo grande capital. É um documento que vem de baixo para cima, em que os bispos assumem a tarefa evangélica de dar voz a quem não a tem (MARTINS, 1980, p. 39).

De forma clara, Martins destaca que o documento da Igreja

constitui-se em verdadeiro “documento da terra Prometida”, pois “em Itaici, a Igreja condena o capitalismo campo e prevê sua superação”.

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Em função do caráter que esse movimento no campo adquire é que o Estado Brasileiro, representado pelo governo militar na defesa dos interesses das classes dominantes, criou o GETAT – Grupo Executivo de Terra do Araguaia - Tocantins, órgão subordinado ao Conselho de Segurança Nacional, para intervir na área que conheceu a guerrilha de Xambioá (1972/1974). Essa intervenção de um órgão militar para “resolver” conflitos de terra nessa região do país, faz com essas lutas sejam entendidas como verdadeira deflagração do que os órgãos de segurança chamam de “guerra interna”. Na verdade é o recurso extremo para evitar que a questão principal venha a debate, ou seja, que o governo assuma a necessidade de discutir a questão do regime de propriedade. Sobre essa questão, José de Souza Martins afirma:

Na prática; a criação desses grupos de intervenção federal constituem o reconhecimento público, por parte do governo, da completa falência do sistema institucional na solução do problema fundiário do país. Concretamente significa que as instituições administrativas e judiciárias não tem a menor condição para enquadrar e solucionar a grave e crescente questão social da terra. As funções e compromissos dessas instituições estão baseadas numa concepção do que efetivamente é. De fato, os grupos executivos são órgãos de emergência e de intervenção militar, como se estivéssemos numa situação de guerra. É um recuso para evitar que a questão efetiva e básica do regime de propriedade seja colocado em debate, juntamente com os compromissos do governo, de modo que o Legislativo pudesse agora, como fez em 1850, a reformulação do direito de propriedade em nosso país, ajustando-o à realidade destes tempos e aos interesses dos trabalhadores do campo (MARTINS, 1980, p. 90).

O governo brasileiro atual foi mais além, no claro reconhecimento

da situação em que vivem os posseiros, em conflito deflagrado, criou uma solução paliativa, a Lei Usucapião Especial (26/11/81) que permite a efetivação e o reconhecimento da posse em terras não tituladas e ocupadas por no mínimo cinco anos. O problema é saber se o Estado patrocinará a distribuição dos títulos de propriedade maciçamente; pois os exemplos históricos de governos militares anteriores a este, são cheios de leis e medidas para a promoção da distribuição de titulação, porém a realidade ficou muito longe do esperado. A questão é saber se essa distribuição não

Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

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ficará apenas às áreas de conflitos, numa clara intenção de refrear os reflexos desses conflitos. Mas mesmo que assim seja, certamente os reflexos da necessidade da luta pela terra espalhar-se-á pelos confins dos sertões de boca a boca entre os posseiros.

Assim é que concebemos a discussão desse tema, e nessa perspectiva é que procuraremos desenvolvê-lo. Trataremos primeiramente das questões teóricas que envolvem a terra e os posseiros no modo capitalista de produção; discutiremos depois, a situação geral dos posseiros no Brasil de hoje, e finalizaremos tratando da situação política no campo e os posseiros. A Questão da Terra e o Desenvolvimento do Capitalismo

As questões que envolvem o campo, são frutos do desenvolvimento do modo capitalista de produção em sua fase monopolista. Em nosso país a questão agrária tem dias fases combinadas: a expropriação e a exploração.

Função da violenta concentração da propriedade fundiária, um grande número de pequenos lavradores perde ou deixa o seu principal meio de trabalho (a terra) para os capitalistas de todos os naipes. Esse processo é realizado diretamente por grandes empresas capitalistas nacionais ou multinacionais, sob o manto protetor do Estado, que além de proteção lhes oferece incentivos financeiros. O País inteiro tem sido sacudido inúmeras vezes de forma violenta por esse processo de expropriação. Murilo de Carvalho em “Sangue da Terra” muito bem retrata momentos desse processo na Amazônia, em Itaipu e no sertão da Bahia. Mas apenas alguns conflitos chegam a vir à tona, muitos não são divulgados, no entanto a grande faceta desse processo de expropriação não tem sido percebida pela sua falsa impressão de um processo sem conflito.

Esse processo tem na expropriação a característica principal do processo de crescimento do capitalismo. Constitui-se, portanto, num componente da lógica da reprodução do capital. “O capital só pode crescer, só pode se reproduzir, á custa do trabalho, porque só o trabalho é capaz de criar riqueza. Por isso, uma lei básica do capital é a de subjugar o trabalho. Não há capitalismo sem subjugação do trabalho. Assim, na medida em que o trabalhador vende a sua força de trabalho ao capitalismo, mediante ao salário, os frutos do seu trabalho aparecerão necessariamente como frutos do capital que o comprou, como propriedades do capitalista. Para que isso ocorra é necessário separar o trabalhador dos seus

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instrumentos de trabalho; para evitar que deixe de trabalhar para o capitalista. A instauração do divórcio entre o trabalhador e as coisas de que necessita para trabalhar – a terra, as ferramentas, as máquinas, as matérias primas - é a primeira condição e o primeiro passo para que se instaure, por sua vez, o reino do capital e a expansão do capitalismo. Essa separação, esse divórcio, é o que lhe é próprio, perde a propriedade dos seus instrumentos de trabalho. Pra trabalhar terá que vender a sua força de trabalho ao capitalista, que é quem agora tem esse s instrumentos”.

O processo de expropriação no meio rural brasileiro está articulado com as transformações nas relações de trabalho na agricultura e com as migrações que demandam para as cidades e para outras partes do país. O número de expropriados eleva-se dia a dia, porém o número de empregos não cresce na mesma proporção, isso devido á tendência geral das grandes empresas capitalistas, quer no campo, quer na cidade, em modernizar seus processos de trabalho, tecnologias avançadas que fundamentalmente diminuem o uso de mão-de-obra. Essa política de modernização conta hoje com o beneplácito do Estado que a incentiva através de assistência técnica gratuita e financiamentos bancários com juros subsidiados. Como exemplo basta lembrar os efeitos provocados no campo com o uso de herbicidas.

O capital ao realizar a expropriação do trabalhador cria as condições sociais para que ele próprio, o capital, mostre a outra face do seu processo de reprodução: a expropriação do trabalhador que já foi expropriado. O trabalhador “terá agora que vender a sua força de trabalho ao capitalista, segundo regras do mercado, e não conforme as suas necessidades reais. Já não é ele, o trabalhador, quem diz quanto precisa juntamente com sua família para sobreviver; é o capital que lhe dirá quanto quer pagar segundo as leis de mercado. Se houver muita gente procurando trabalho, se for muito grande o número de expropriação que não conseguiu encontrar emprego, a tendência será a queda dos salários, a sua redução a níveis até inferiores às necessidades mínimas vitais do trabalhador”.

Entretanto, ao mesmo tempo em que o capital cresce, e esta é sua tendência constante, acumula contradições intrínsecas a esse próprio crescimento. Esse crescimento não pode ocorrer sem o trabalho e, simultaneamente dispensa esse trabalho, pois “...a produção já não é mais individual e artesanal - agora ela é uma produção social, baseada na divisão do trabalho e no trabalho combinado de centenas e milhares de trabalhadores. Apesar, porém, do capital ter socializado completamente a produção, implantou ao mesmo tempo a apropriação privada dos

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resultados dessa produção. O capital tem que crescer tem que se ampliar, enquanto se reproduz, enquanto é aplicado na produção. Nenhum capitalista fará o investimento para não ganhar mais do que investiu. A reprodução ampliada está na própria essência do capital. À medida em que o capitalismo cresce e cria mais problemas do que soluções; à medida em que se pode observar que esse descompasso nem depende dos capitalistas nem do Estado, pois frutifica de contradições que são inerentes ao próprio processo de reprodução do capital; à medida que a reprodução e ampliada do capital é necessariamente, ao mesmo tempo, reprodução ampliada das contradições das sociais, a tendência será a de que as vítimas procurem uma solução”.

No Brasil, o processo de desenvolvimento do capitalismo nos mostra claramente o processo de expropriação do lavrador pelo capitalista, e não como se poderia imaginar os grandes capitalistas engolindo os pequenos. O país vive uma distinta oposição entre os diferentes regimes de propriedade. Entre esses regimes encontramos o da propriedade capitalista que se incumbe de levar os conflitos aos trabalhadores rurais e lavradores; e os regimes de propriedade que têm sido atacados pelo capital, como o da propriedade familiar, da propriedade comunitária e o da posse.

Para aclararmos os conceitos de regimes de propriedades capitalista, familiar e da posse deveríamos entender que “a propriedade capitalista é um regime distinto da propriedade. Baseia-se no princípio da exploração que o capital exerce sobre o trabalhador que já não possui os instrumentos e materiais de trabalho para trabalhar, possuídos adora pelo capitalista. Nesse caso, a propriedade capitalista é uma das variantes da propriedade privada, que dela se distingue porque é propriedade que tem por função assegurar o capital o direito de explorar o trabalho; é fundamentalmente instrumento de exploração. Por isso não podemos confundir a propriedade capitalista coma propriedade familiar, ainda que propriedade privada. São coisas completamente diferentes, ainda que a passagem de uma a outra seja muito sutil e a muitos pareça não existir diferença alguma. A propriedade familiar não propriedade de quem explora o trabalho de outrem; é propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte de quem trabalha. Não é propriedade capitalista; é propriedade do trabalhador. Seus resultados sociais são completamente distintos,porque nesse caso a produção e reprodução das condições de vida dos trabalhadores não é regulada pela necessidade de lucro do capital, porque não se trata de capital no sentido capitalista da palavra. O trabalhador e lavrador não recebe lucro. Os seus ganhos de capital, exatamente porque esses ganhos não

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provêm da exploração de um capitalista sobre um trabalhador expropriado dos instrumentos de trabalho. Apenas quando o capital subordina o pequeno lavrador, controlando os mecanismos de financiamento e comercialização, processo muito cloro no sul e no sudeste, é que subrepticiamente as condições de existência do lavrador e sua família, suas necessidades dadas as possibilidades econômicas e sociais, começam a ser reguladas e controladas pelo capital, como se o próprio lavrador não fosse o proprietário da terra, como se fosse um assalariado do capitalista. Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho. São regimes distintos de propriedade, em aberto conflito um como outro. Quando o capitalista se apropria da terra, ele o faz com o intuito do lucro, direto ou indireto. Ou a terra serve para explorar o trabalho de quem não tem terra; ou a terra serve pra ser vendida por alto preço a quem dela precisa para trabalhar e não a tem. Por isso, nem sempre a apropriação da terra pelo capital se deve à vontade do capitalista de se dedicar à agricultura. O monopólio de classe sobre a terra assegura ao capitalista o direito de cobrar da sociedade inteira um tributo pelo uso da terra. É chamada renda fundiária ou renda da terra. A renda não existe apenas quando a terra é ligada; ela existe também quando a terra é vendida. Alugar ou vender significa cobrar uma renda para que a terra seja utilizada. É o que se está observando agora nos chamados projetos de colonização particular. Posseiro não pode ter acesso a terra e dela é expulso porque não pode pagar por ela. Embora o Estado ceda essas terras a preços simbólicos a empresários capitalistas para que as revendam, para que negociem com ela. Fica com a terra quem pode pagar por ela. A terra é completamente diferente dos outros meios de produção. A apropriação de uma máquina pelo capitalista e, através dela, do trabalho do operário, pode parecer legítima na medida em que , tendo os trabalhadores que produziram trabalhando sob tutela do capital; mediante o salário, o resultado, do seu trabalho aparece como produto do capital. O mesmo não acontece com a terra. Já constatavam os economistas clássicos dos séculos XVIII e XIX que a propriedade capitalista da terra é uma irracionalidade porque a terra não é produto do trabalho e, por isso mesmo, não pode ser produto do capital. A terra é um bem natural. Pesquisadores têm observado, entre lavradores brasileiros, que eles próprios podem perceber na existência direta, como costumam dizer, que “a terra é uma dádiva de Deus”, por isso é de todos.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

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Por essas razões é que os posseiros de vastas regiões se concedem o direito de abrirem suas posses nas chamadas terras livres, desocupadas e não trabalhadas, sem “sinal de ferro”, de vastas regiões desertas, pois entendem que a terra é um patrimônio comum, é de todos. Só é legítima a posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade. Esse direito está em conflito com os pressupostos da propriedade capitalista. (MARTINS, 1980, p. 59/61).

Dessa forma, podemos verificar que no Brasil de hoje, o próprio

capital impôs a luta pela terra contra a propriedade capitalista da terra. É a terra de trabalho contra a terra de exploração, contra aterra de negócio. É a luta dos posseiros contra a expropriação da posse que o capital quer transformar em equivalentes de capital.

Esse processo é que define hoje o caráter anti-capitalista dos conflitos pela terra no país, que constituem verdadeiras resistências obstinadas contra a expansão da apropriação capitalista da terra. E é nesse processo de luta que os posseiros estão construindo sua própria concepção de propriedade, o seu próprio regime de propriedade anti-capitalista: a posse, a terra de trabalho. É assim que os próprios posseiros estão construindo sua concepção de posse:

A terra não deve ter dono, ela é dos verdadeiros agricultores, dos quais nela trabalham. No começo a terra era toda de Deus, que não deu documento, nem vendeu para ninguém, nem botou cercas. Agora o governo e os grandes pensam que são donos (LAVRADORES BRASILEIROS apud CAMERMAN, 1980, p. 25).

Esses mais de um milhão de famílias de posseiros existentes no

Brasil travam uma surda batalha pelo reconhecimento de que a terra é um bem coletivo, um bem comum, sujeito ao trabalho privado, mas não à propriedade privada (MARTINS, 1980, p. 42).

O caráter anti-capitalista dos conflitos pela terra no Brasil de hoje, deve ser entendido no seio do próprio processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção que no modelo clássico conheceu um desenvolvimento do modo capitalista de produção que no modelo clássico conheceu um desenvolvimento diverso, pois lá, a concentração da terra, das propriedades,

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tendia a proletarizar o lavrador, de modo a obrigá-lo a procurar trabalho junto ao proprietário que o expropriara. No nosso caso, de diminuição crescente de emprego no campo, a concentração opera de modo diferente. Ao invés de produzir a protetarização do lavrador, produz a sua exclusão do regime de propriedade, levando-o a continuar lavrador autônomo sem propriedade, especialmente na condição de posseiro. Esse é um dos motivos pelos quais a posse deve se vista como a negação da propriedade, como uma das contradições da propriedade privada, como a manifestação subversiva do direito à terra que nasce dentro do próprio ventre da propriedade capitalista (MARTINS, 1980, p. 79).

É assim que se pratica uma verdadeira traição às leis do capital, pois

uma parte dos expropriados, posseiros ou não, reconquistam a autonomia do trabalho, ocupando novos espaços em terras sem ocupação, às vezes já tituladas ou griladas, ou em terras do Estado. Num verdadeiro movimento dialético de criação, destruição e recriação.

Os Posseiros no Brasil de Hoje

No Brasil o posseiro sempre se constituiu em um desbravador do território, como “amansador da terra”. Na realidade os posseiros sempre pressionados pelos capitalistas interessados em desalojá-lo de suas terras, têm se constituído em instrumentos de deslocamento sobre pressão do capitalismo faz com que o posseiro desalojado por este, desaloje os índios de suas terras.

Desse modo a ocupação do que resta do território brasileiro ainda com a presença de tribos indígenas, as propriedades comunais, vai conhecendo uma forma peculiar de ocupação territorial.

Aí o terreno vai sendo definido como se fosse constituído de faixas, cada uma ocupada de forma social distinta e cada forma social em conflito com a outra. Caracteristicamente, no limite mais interior do território estão as sociedades tribais. No limite mais exterior está a sociedade capitalista plenamente constituída. Entre ambas, está o posseiro que concebe a terra de modo completamente distinto do capitalista, embora esteja

Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

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vinculado ao mercado como produtor simples de mercadorias (MARTINS; 1980, p. 74) [grifo nosso].

Nessa perspectiva, José de Souza Martins define o processo de

ocupação territorial como

[...] dois momentos distintos e combinados de ocupação territorial, que ocupam de formas distintas e conflituosas entre si territórios via de regra já ocupados por sociedades tribais. Através do deslocamento de posseiros é que a sociedade nacional, isto é, branca, se expande sobre territórios tribais. Essa frente de ocupação territorial pode ser chamada de frente de expansão. Um segundo movimento é constituído pela forma empresarial e capitalista de ocupação do território – é a grande fazenda, o banco, a casa de comércio, a ferrovia, a estrada, o juiz, o cartório, o Estado. É nessa frente que surge o que em nosso país se chama hoje, indevidamente, de pioneiro. São na verdade os pioneiros das formas sociais e econômicas da exploração e dominação vinculadas às classes dominantes e ao Estado. Essa frente pioneira é essencialmente expropriatória porque está socialmente organizada com base numa relação fundamental, embora não exclusiva, que é a de superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão é que surgem os conflitos pela terra (MARTINS, 1980, p. 74/5).

Assim é que com a expansão do capitalismo no Brasil, nas últimas

décadas, o número desses conflitos tem aumentado, e da expropriação num ponto do país surge no outro o posseiro para mais uma tentativa de reconquista do trabalho.

Os posseiros estão presentes em todo o país, todos os Estados da Federação conhecem sua presença. Por isso é que desejamos apresentar sua realidade a partir dos dados do censo Agropecuário do FIBGE. Para o Censo os posseiros são cadastrados como ocupantes, que se constituem como tal, quando ocorrer “casos em que a exploração se processasse em terras públicas, (devolutas ou de terceiros com ou sem consentimento do proprietário), nada pagando o produtor pelo seu uso”.

Nós usaremos o conceito de posseiro como sendo

[...] um lavrador pobre, que vende no mercado os excedentes agrícolas do trabalho familiar, depois de ter

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reservado uma parte da sua produção para o sustento da sua família. O que ganha coma venda desses excedentes é para comprar remédios, sal, querosene,às vezes roupa e mais uma ou outra coisa necessária á casa ou ao trabalho. Como não possui o título de propriedade da terra em que trabalha, raramente tem acesso ao crédito bancário, á assistência agronômica ou qualquer outro tipo de apoio que lhe permita aumentar a produtividade do seu trabalho. É importante saber que, a rigor, o posseiro não é um invasor da propriedade de outrem. Invasores são os grileiros, fazendeiros e empresários que o expulsam da sua posse (MARTINS, 1981, p. 104).

Entendemos pois o posseiro como,

[...] produto das próprias contradições do capital. A funcionalidade da sua existência se desenvolve porque está inserido em relações dominadas pelo capital e não porque esteja nos cálculos do capitalista. A mesma sociedade que dele se beneficia o quer destruir. A expansão do capital se faz preferencialmente sobre terras ocupadas por posseiros, através da expropriação e da expulsão (MARTINS, 1981, p. 116).

Dessa forma, podemos verificar através do Censo Agropecuário do

Brasil, a situação geral dos posseiros no país. Com relação aos dados sobre o número de estabelecimentos e área ocupada, comparando-se os Censos de 1940, 1950, 1960, 1970 e 1975, teremos:

POSSEIROS – BRASIL TOTAL 1940 1950 1960 1970 1975

Nº de Esta-belecimentos 109.016 208.627 356.502 792.972 917.271

% 5,72 10,11 10,68 16,10 18,37 Área

Ocupada (Ha) 5.278.125 9.947.687 9.087.028 18.955.220 20.259.138

% 2,67 4,28 3,64 6,44 6,25

Como podemos observar, o país tem conhecido nas últimas décadas um aumento considerável dos estabelecimentos (unidades de exploração) conduzidos por posseiros, passando de uma participação no conjunto dos

Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

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estabelecimentos rurais do país de 5,72% em 1940 para 10,11% em 1950, ou seja, praticamente dobrando sua participação. Outro período significativo é de 1960 a 70, quando a participação dos posseiros passa de 10,68% para 16,10%. Estes dados são a demonstração inequívoca de que a expansão rápida do capitalismo no país, nas últimas décadas, tem como contradição intrínseca o aumento dos posseiros. É a prática da traição às leis do capital. A mesma situação pode ser observada com relação à área ocupada pelos estabelecimentos. Os posseiros e a questão política no campo

O desenvolvimento do modo capitalista de produção como processo (contraditório) de reprodução ampliada do capital, e esta, como reprodução de formas sociais não capitalistas (embora dominada pela lógica do capital). É assim que esse modo de produção se nutre de realidades não capitalistas; e essa desigualdade não pode ser entendida como incapacidade histórica de superação, mas sim demonstra as condições recriadas pelo próprio desenvolvimento que redefine antigas relações de produção, cria condições contraditórias para a sua reprodução, engendrando relações não capitalistas de produção igual e contraditoriamente necessárias a essa mesma reprodução.

É nesse contexto que devemos entender os posseiros no Brasil de hoje. É nesse contexto que a luta pela conquista de autonomia de trabalho deve ser entendida. É nessa luta pela independência que o posseiro passa a por em questão o regime de propriedade capitalista da terra, pois as lutas estão marcadas e determinadas pelo processo de expropriação. Este processo evidentemente visa despojar o posseiro de todos os meios de produção e particularmente, da terra, para torná-lo um trabalhador proprietário apenas da sua força de trabalho. Mas a luta dos posseiros é contra esse mecanismo. A questão que se coloca é se esses posseiros teriam condições de se unirem para fazer avançar suas lutas. A

Questão que se coloca é se esses posseiros teriam condições de se unirem para fazer avançar suas lutas. A resposta evidentemente requer algumas considerações.

Não podemos esquecer de início que a mercadoria do posseiro é o produto do seu trabalho, enquanto que a mercadoria do operário é a força de trabalho. É pois “através do mercado que a mercadoria perde a sua individualidade, que ela se socializa. Ela só pode ser trocada quando o seu

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conteúdo, o seu trabalho, se torna equivalente do conteúdo de todas as outras mercadorias, quando a substância da mercadoria, que é o trabalho, se socializa pela troca. Quando o trabalhador vende diretamente a sua força de trabalho, essa socialização mediada pela troca o atinge diretamente. A mercadoria aí nasce é produto do trabalho combinado, social, socializado, de muitos trabalhadores. Quando, porém, o trabalhador é proprietário dos seus instrumentos de trabalho, suas ferramentas, sua terra, esse processo atinge o fruto do seu trabalho, mas não o atinge diretamente. Ele comparece perante a sociedade, perante o mercado, sozinho, dono das coisas que produziu, quando muito, junto com a família, isolado e isoladamente. As suas condições individuais e familiares de trabalho, isoladas, produzem também uma consciência, uma cisão de mundo, que reflete, que expressa esse isolamento. Só uma força de fora do mundo lavrador, uma força que atinja por igual a todos os lavradores, é que pode levá-los a se unirem, a se verem como uma classe, uma força social. O capital é essa força que procura expropriar o lavrador, ou pelo menos submeter o seu trabalho, que procura divorciá-lo dos instrumentos de trabalho, da terra, para que, ao invés do lavrador trabalhar livremente para si mesmo, passe a trabalhar para ele, capital, como acontece com os operários. A união e a força dos trabalhadores do campo não vem de dentro da sua condição social. O lavrador que trabalha isoladamente com a sua família não tem possibilidade de perceber a extensão social e a força política que todos os lavradores da sua sociedade. Somente quando o capital, de fora da sua existência, invade o seu mundo, procura arrancá-lo da terra, procura transformá-lo num trabalhador que não seja proprietário de nada além da força dos braços, somente aí é que as vítimas dessa invasão, dessa expropriação, podem se descobrir como membros de uma classe. Essa descoberta se dá pela dedicação do capital.É o que está acontecendo em nosso país” (MARTINS, 1980, p. 14/16).

É assim que devemos entender a disposição dos trabalhadores que expropriados numa área partem para outra, numa luta insana pela autonomia. E como procuramos demonstrar pelos dados apresentados, essa luta está avançando sobre as áreas já tituladas (de forma correta ou griladas) e o aumento dos conflitos parecem eminentes. É por isso que o GETAT aí está.

Mas na sua luta diária que os posseiros constrõem o conceito de terra de trabalho, numa autêntica subversão do regime de propriedade capitalista da terra. É nesse processo que eles vão se enxergando como classe, se unindo e colocando em marcha seu projeto futuro.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

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É por isso que escolhemos o poema canção de Marco e Paulo Sergio Valle para abrir e fechar este trabalho, pois os versos traduzem certamente o projeto futuro dos posseiros deste País:

Mas o dia vai chegar Que o mundo vai saber Não se vive sem se dar Quem trabalha é que tem Direito de viver Pois a TERRA É DE NINGUÉM

Bibliografia

ASSELIN, Victor. Grilagem: Corrupção e violência em terras do Carajás. Petrópolis: Vozes, 1982.

CARVALHO, Murilo. A luta pela terra: a luta armada no campo. São Paulo: Brasil Debates, 1980.

COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. A QUESTÃO DA TERRA INDÍGENA. Cadernos da Comissão Pró-Índio. São Paulo: Global, n. 2, 1981.

CONCEIÇÃO, Manuel da. Essa terra é nossa. Petrópolis: Vozes, 1979.

CNBB. Igreja e problemas da Terra. Documentos da CNBB. São Paulo: Paulina, 1980.

MANUAL SIMPLIFICADO DO TRABALHADOR RURAL. Coleção Estudos da CNBB. São Paulo, Paulinas, n. 18, 1978.

PASTORAL DA TERRA. Coleção Estudos da CNBB. São Paulo: Paulinas, n. 11, 1981.

PASTORAL DA TERRA: POSSES E CONFLITOS. Coleção Estudos da CNBB. São Paulo: Paulinas, n. 13, 1981

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PROBLEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO1

Michel ROCHEFORT Universidade de Paris I

Naturalmente, quando se trata do problema de organização do

espaço urbano, poderíamos falar durante dias, pois esse problema é complicado. Então eu gostaria de falar sobretudo de dois aspectos importantes da organização do espaço urbano e das conseqüências desses aspectos sobre a mobilidade da população no interior desse espaço urbano.

O primeiro problema que eu gostaria de discutir com vocês é o da influência da estrutura das atividades da economia urbana sobre a organização do que eu vou chamar de espaço funcional, quer dizer, da parte do espaço urbano que tem como papel ser o suporte das atividades da economia urbana. E aí aparece um problema bastante específico da economia urbana nos países em desenvolvimento que é o problema da existência de dois circuitos da economia, e quais são as conseqüências desses circuitos sobre a organização do espaço urbano.

O segundo, que é específico do ponto de vista de porcentagem e não da realidade dentro da organização do espaço urbano dos países em desenvolvimento, é o problema da pobreza, que no Brasil já foi muito bem estudado por economistas como Tolosa, por geógrafos como Fani Davidovich e outros, mas que foi estudado do ponto de vista mais da porcentagem, dos critérios de pobreza dentro da população de uma maneira geral. Nos países do Terceiro Mundo é um problema que vai gerar formas especiais de produção do espaço urbano, para servir de residência a esta parte da população de baixa renda.

Estes dois aspectos de organização do espaço urbano – a organização para a localização de atividades econômicas dos dois circuitos e a localização das diferentes categorias sociais e sobretudo a localização desta porcentagem importante da população, a de baixa renda, no espaço urbano – vão fazer com que de uma maneira talvez ainda mais clara, mais sistemática do que nos países desenvolvidos, o espaço urbano das grandes cidades do Terceiro Mundo (naturalmente não das pequenas) vá se dividir em unidades de organização com aspectos específicos, naquilo que eu vou chamar de sub-espaços, e então o problema do funcionamento da vida

1 Palestra publicada no Caderno Prudentino nº 4, de 1982.

Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

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urbana, seja da vida econômica, seja da vida social, vai ser o da articulação entre estes sub-espaços dentro do conjunto do espaço utilizado pelo crescimento da grande cidade. E esta articulação vai necessitar de uma mobilidade da população e essa mobilidade gera um problema de transporte e cansaço de uma parte da população.

Então vamos ver primeiro o problema da economia urbana nas grandes cidades dos países em desenvolvimento e o da organização do espaço a serviço do funcionamento dessa economia urbana.

A primeira questão a discutir é a da distinção entre o setor chamado moderno e o chamado informal, ou de pequenas atividades tradicionais, pois tem várias maneiras de ser chamado. A existência desses dois setores e a existência de dois circuitos econômicos, é uma coisa óbvia, é só observar um pouco o funcionamento da economia urbana para verificar a existência deles. Por exemplo, uma cidade da África do Norte, que apresenta de um lado as indústrias, supermercados (para tomar um exemplo do secundário e outro do terciário), e do outro lado, todo o pequeno artesanato de fabricação de cobre, de tecidos, em lugares que têm alguns metros quadrados para cada artesão. Do ponto de vista comercial, em contraposição ao supermercado, uma multidão de pequenas boutiques, o que é o lugar no espaço urbano de localização de todas essas pequenas atividades comerciais tradicionais, na civilização do Maghreb, e em geral na civilização árabe.

De uma maneira talvez um pouco menos organizada, em todas as cidades do Terceiro Mundo, quer seja na África Tropical, quer seja na América Latina, pode se encontrar estas diferenças entre o setor moderno da produção e o setor dos pequenos artesãos, entre o setor moderno da distribuição e o setor informal (qualquer que seja o perigo de adotar esta palavra) do comércio, a feira, o pequeno vendedor de rua, etc.

Então, a existência de dois setores é bem clara. E, naturalmente vai ter conseqüência sobre a organização do espaço urbano. Mas antes de ver estes aspectos e conseqüências no espaço urbano, eu queria abrir um pouco a reflexão sobre o problema da interpretação, na economia urbana, desses dois setores, porque a partir do momento que se fala de dois setores, imediatamente aparece a famosa teoria dualista. Durante muito tempo, todo mundo começou a utilizar esta teoria, eu mesmo tenho que fazer auto-crítica, e o Milton Santos também quando chegou a escrever os dois circuitos caiu na teoria do dualismo. Ou seja, imaginar uma teoria em que a economia urbana desses países funcionassem como dois setores separados: um setor moderno, que é afinal de contas a reprodução do setor

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capitalista dos países desenvolvidos, com todo sistema de funcionamento dum setor capitalista; e por questões de pobreza ou de tradição, um setor que seria autônomo, de pequena produção, ligado a um pequeno consumo da parte pobre da população das cidades.

Então seriam dois setores separados e assim a teoria se chama teoria dualista de dois setores.

Só que a meu ver – e é sempre uma coisa a discutir, todas as opiniões, todas tentativas de interpretação – eu acho que isso é um erro bastante grande, de querer separar os dois circuitos, os dois setores. O setor que eu vou continuar a chamar de informal não é – mas talvez foi, no começo – um setor separado, no começo da implantação do setor moderno. Mas agora nós podemos verificar que ele não é separado, tem uma articulação entre os dois setores, com um setor, afinal de contas, a serviço do outro. O setor informal está direta ou indiretamente a serviço do setor moderno. Eu vou tentar explicar um pouco essa posição.

Vamos verificar: Do ponto de vista da força de trabalho, o setor moderno da

economia urbana nos países em desenvolvimento funciona à base de salários baixos. A maior parte dos salários é baixa, é esse um dos aspectos que justifica o desenvolvimento nos países do Terceiro Mundo porque têm os salários bem baixos que nos países desenvolvidos. E uma parte dos capitais transferidos, como exemplo, um empresário francês, que tem fábrica nos arredores de Paris, vai colocar outra fábrica em Abidjan porque vai verificar que quaisquer que sejam os custos de instalação e de manutenção, a economia sobre a mão-de-obra é de tal importância que ele finalmente vai chegar a um lucro maior. Então um dos fatores que vão atrair capitais estrangeiros, de multinacionais, etc, é a mão-de-obra barata. Mão-de-obra porque no mercado de emprego da cidade existe uma oferta de empregos menor que a demanda; se de repente aparece uma oferta de emprego da parte dos empresários maior ou igual à demanda, naturalmente vai ter uma subida de salários por razões da escassez de mão-de-obra.

Então o sistema do setor moderno funciona somente com uma mão-de-obra em excedente, que é a famosa reserva de mão-de-obra, indispensável para o setor moderno da economia urbana dos países em desenvolvimento. Bom, é mais importante nesses países por razões da necessidade de salários mais baixos na estrutura do funcionamento do setor moderno, seja industrial ou seja terciário. Então essa mão-de-obra de reserva tem que sobreviver na cidade. E como pode sobreviver? Pode sobreviver se ela tem a possibilidade de pequenos empregos, de pequenos

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sub-empregos até chegar ao setor moderno que depois vai deixar uma parte dessa mão-de-obra que vai continuar nesses empregos; vai ser esta então uma condição da reprodução da força de trabalho na medida em que tem uma força de trabalho que não está empregada no setor moderno. E quando se estuda o mercado de empregos da parte informal do setor da distribuição comercial se verifica que esse setor, que tem o pequeno vendedor de rua, o pequeno comerciante que vende na feira, etc., é exatamente um setor de transição que tem gente que é trabalhador permanente assalariado ou de empresas comerciais ou da indústria, que foi demitido por diversas razões e que se torna um pequeno vendedor até encontrar um outro emprego permanente. Existem já alguns estudos que mostram claramente esta inter-relação entre o setor de tradição, de refúgio, com o setor moderno que vai formar o emprego. Esta é uma primeira justificação.

Segunda justificação: de qualquer modo esta mão-de-obra de reserva e mesmo a mão-de-obra permanente tem um nível de vida bastante baixo. O consumo, pode-se verificar, é um pouco desligado da maneira moderna de distribuição dos bens, dos serviços. Porque quando não tenho bastante dinheiro, não posso comprar uma quantidade importante. E se você não pode comprar uma lata de óleo, você vai comprar uma colher de óleo. Se não pode comprar um quilo de arroz, vai comprar um punhado de arroz, etc., então esta é uma maneira da distribuição se adaptar a essa baixa renda da maioria da população.

Então o setor informal tem o primeiro papel que é o de assegurar a reprodução da força de trabalho do ponto de vista do emprego e do ponto de vista da distribuição dos bens para toda a população de baixa renda, e necessário ao funcionamento da economia urbana.

Mas não é somente esta justificação. Teria um outro aspecto, uma articulação indireta, entre um setor que é separado do ponto de vista do circuito que funciona separadamente, mas que é articulado do ponto de vista da reprodução da força de trabalho necessário ao setor moderno. E tem um outro aspecto que aparece muito nitidamente num trabalho bastante bem feito, de Dakar, do Bureau Internacional do Trabalho, e também de Campina Grande, no estudo de Henri Coincq feito no ano passado, que mostram que várias indústrias têm uma parte do processo de produção que é feito nas fábricas com operários permanentes, como uma organização moderna de produção e tem uma outra parte que é feita a domicílio, pelas famílias onde existe uma distribuição das coisas a fazer, para a mulher, os filhos, o homem da família, que trabalham sem entrar no

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sistema permanente de emprego pago pelo trabalho, e isso pode ser importante na fábrica de sapatos, na indústria têxtil, etc.

Essa é uma articulação mais clara que aquela articulação direta porque é mais rentável ao setor moderno se é feita pelo setor informal. Isso é, afinal de contas, uma certa maneira de sub-contratação – palavra errada do ponto de vista econômico – que é uma utilização de um processo particular por parte do processo de produção industrial, que é o processo informal. Então se nós vamos querer compreender a economia urbana das grandes cidades médias dos países em desenvolvimento, devemos compreender que existem verdadeiramente dois setores que têm uma articulação estrutural, que fazem do funcionamento da economia urbana um funcionamento global. E que nos dois circuitos separados têm somente dois aspectos da economia urbana interligados cuja finalidade é o núcleo do setor moderno.

Só que no espaço urbano, para voltar ao assunto do espaço, vamos ver grandes diferenças entre os espaços do setor moderno e os espaços do setor informal. Isso vai permitir passar a discutir alguns problemas de planejamento.

Do lado do setor moderno, existem algumas coisas que não são muito diferentes qualquer que seja o grau de desenvolvimento do país, que é a evolução do terciário moderno, com a tendência absolutamente geral à verticalização do espaço – que dizer, fazer cada vez mais edifícios de muitos andares (arranha-céus). Essa tendência é geral. Só que o surgimento de arranha-céus é um problema de estrutura fundiária. É talvez um aspecto um pouco específico, quando você faz esforço para encontrar especificidades, pelo fato que muitas vezes a evolução do centro de negócios (CBD), das cidades do Terceiro Mundo, vai se dar como uma fase ainda mais liberal do ponto de vista da produção do espaço urbano que nos países desenvolvidos.

Vamos explicar. Geralmente, o centro de uma cidade não é diretamente um centro vertical, ela já começa – porque tem sempre o começo de uma cidade, mesmo se um país é chamado novo – e no começo a utilização foi bastante horizontal. E logo depois aparece a verticalização, pois para passar de uma estrutura de casas ou de pequenos edifícios à estrutura vertical, tem-se que ocupar o terreno. Então vai aparecer a estrutura fundiária na divisão dos terrenos. Muitas vezes, na primeira fase, o terreno foi muito dividido em pequenas parcelas, pequenos lotes, cada um ocupado por uma casa ou pequeno edifício. Então se a produção do espaço é ainda uma iniciativa privada, uma urbanização sem planejamento

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urbano, que vai acontecer? Uma incorporadora ou um banco, que vão querer construir diretamente um edifício, vão querer comprar o respectivo lote, e vão construí-lo. E o vizinho não vai querer vender o lote, mas vai ficar com a casa. E o vizinho não vai querer vender o lote, mas vai ficar com a casa. E o outro vizinho vai vender, e uma outra incorporadora vai comprar o lote e construir outro edifício. Assim, vai aparecer este aspecto bem característico da Avenida Paulista de São Paulo, que passou – bom, até a dar uma impressão de desorganização, mas somente impressão, porque tem um edifício bastante estreito, muito alto, uma casa, um edifício um pouco maior, bem alto, etc. Isso prejudica muito a organização global do espaço do centro, do tamanho das ruas, a interação entre os edifícios para os serviços globais e é exatamente o oposto do sistema de reorganização dos preços das grandes cidades, tipo de Paris, que deixou o centro mas organizou um espaço que foi apropriado pelo serviço de planejamento, e limpou tudo, reorganizou tudo plano para a localização dos edifícios, com o famoso Plan de la Défense, àqueles que o conhecem.

Então isso é uma especificidade que eu vou chamar de atraso dos serviços de intervenção do poder municipal para o planejamento dessa verticalização, que é um fato geral. Então o problema é de intervenção na estrutura fundiária, muito sério para o planejamento urbano, porque é muito difícil planejar sem ter o que se chama “la maitrise”, quer dizer, o controle, que também não existe na França. É que está faltando implantar o controle da estrutura fundiária. Quer dizer, fazer com que quando se passa de uma fase anterior de organização do espaço urbano para uma fase nova, a estrutura fundiária anterior seja destruída, que ela não seja uma condição básica para a reorganização do espaço.

Mas isso é muito complicado porque o espaço urbano é um espaço da apropriação individual. Ou então você muda de sociedade e quebra a propriedade individual ou você aceita a sociedade e a propriedade individual que é uma das bases dessa sociedade. Você tem que imaginar uma política que vai conciliar o respeito da propriedade individual como a necessidade de quebrar as conseqüências da apropriação individual do solo. Este é um quebra-cabeça de todos os urbanistas. Mas ainda mais nítido quando se trata da reorganização do espaço urbano do centro para as atividades terciárias.

Quando se trata da localização do espaço industrial, eu vou deixar de lado, porque encontrar um espaço para as indústrias, que sempre ocorre nas periferias das cidades depende da intervenção do poder público: vamos deixar esse problema de lado.

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Quando se trata da localização do setor informal, aparecem coisas bastante complicadas que não permitem uma visão global. Ele pode se localizar na rua. Então é um problema de relação entre o transporte, a função fundamental da rua, e a localização do setor informal. Para a feira de Campina Grande, algumas ruas do centro da cidade são fechadas, de sexta-feira à noite até domingo. Então o setor informal chega lá, se organiza: tem gente com bancos de madeira, tem gente só com um pano (saco) no chão, um tabuleiro, etc. De repente, tem um transtorno na organização do espaço urbano, que é a feira.

Existem também outras atividades mais modestas que utilizam a calçada. Eu conheço um pouco do setor informal de Campina Grande, que tem bastante estudos por razão da política de cidades de porte médio de Brasília, CNPU, e lá tem a reparação de carros, consertos de carros, que é uma função muito importante do setor informal, sendo que alguns têm uma oficina, um lugar, outros vão fazer na periferia da cidade, e outros na própria calçada.

Sem dúvida, esse é um problema de utilização da rua. Um outro aspecto é a reutilização de uma parte degradada da cidade. Reutilização de velhas casas, quase casebres, que não têm nenhum conforto, que em vez de servir – e nós vamos voltar a esse assunto depois – para residência dos pobres de baixa renda, vão servir para o funcionamento de pequenas atividades de produção, de comércio. Então vai haver uma reorganização dessa parte da cidade para a localização do setor informal. Isso é um problema para esse setor, porque na dinâmica de uma cidade, o problema das zonas de degradação não é eterno, é uma fase. A degradação vai até que essa parte do espaço urbano se torne de novo um espaço interessante para o setor moderno, seja de produção, seja de residência, e então vai haver uma renovação, uma transformação. E que vai acontecer? O setor informal terá que encontrar uma outra localização. Então é essa, para ganhar tempo, uma das características essenciais do setor informal em várias cidades do Terceiro Mundo e que não tem um lugar próprio, e que utiliza parte do espaço urbano sem poder pagar o verdadeiro preço por ele. Porque dentro do funcionamento do setor informal não há possibilidade de pagar o preço real da localização, daí a utilização da calçada, da rua, dos casebres, etc.

Já estava o setor adicional que não era formal ou informal, que era o global da economia urbana, onde estavam estas pequenas atividades comerciais e artesanais. Lá tinha um lugar bem perto onde estava o famoso “souc” que é muitas vezes o centro da cidade com pequenas ruas, em geral

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fechadas, que tem um teto ou uma cobertura de fazenda (toldo), onde havia pequenos lugares para cada artesão com 3m², 4m², 2m². Lá ainda tem um lugar para uma parte do setor informal. Então os problemas são bastante diferentes. O problema de modernizar o “souc”, é muito difícil para o planejamento, enquanto que nos países onde não tem essa tradição muitas vezes o setor informal não tem um espaço próprio e então há o problema da instabilidade, ao contrário da estabilidade do setor formal do espaço urbano. Vamos deixar então o problema da economia urbana e do espaço funcional, que é o espaço da localização das atividades da economia urbana, para voltar ao problema da residência da população urbana ou o problema da produção do espaço urbano para a residência. Porque na verdade, o problema da organização do espaço urbano do ponto de vista da residência existe porque, de um lado tem uma população que vai crescer e vai ter as características ligadas à economia urbana e às condições de empregos, e de outro lado vai ter todo um mecanismo que é o próprio mecanismo econômico de produção do espaço urbano para fornecer a esta população a residência e um jogo de certa demanda de mercado. Então o problema nos países em desenvolvimento é de fazer um confronto entre as condições econômicas de produção do espaço urbano e a parte da população que pode ser um mercado para estas atividades de produção do espaço urbano.

Isto naturalmente vai ser bastante diferente segundo os níveis de vida da população. O que quer dizer mercado; isto é, alguém que pode comprar o apartamento que o incorporador vai produzir ou que vai poder alugar um apartamento num edifício onde alguém colocou um investimento de capital para obter uma rentabilidade do capital investido. Então é um problema de renda da população que necessita de uma residência. Nós podemos ver que há uma diferença muito importante entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento: são os limites de categoria de renda dentro da população em relação ao processo de produção do espaço urbano. O primeiro processo de produção do espaço urbano é naturalmente o processo privado, quer dizer o processo de incorporadores, de imobiliárias, que vão comprar um terreno, produzir sobre o terreno um edifício de apartamentos e encontrar um mercado para obter um lucro do capital investido na construção do edifício ou que vão construir casas, etc. Isso vai dar um primeiro nível. Quer dizer que nós poderíamos mas neste ponto de vista está faltando muitos estudos quantitativos que são muito difíceis, imaginar um estudo que vai conseguir ver o nível de renda indispensável, o nível de renda da população, para ver

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quem pode ser um mercado para os incorporadores. Só que naturalmente isso vai variar, porque um incorporador vai saber que aqui vai fazer para a classe alta, aqui vai fazer para a classe média e vai diminuir o conforto e chegar a um preço menor guardando o benefício, guardando a taxa de lucro do capital investido. Mas mesmo assim ele não pode descer muito. Isto é que é o problema: de saber até que ponto do nível de renda da população o incorporador privado pode descer, guardando a mesma taxa de lucro do capital, porque se não tem a mesma taxa de lucro, ele não vai aplicar o capital, para atender a população que não tem esse nível de renda. Esse é um processo absolutamente geral nos países desenvolvidos. Nos países subdesenvolvidos, o processo de produção capitalista do espaço urbano tem o problema que ele vai atender só uma parte da população, a parte que pode pagar, só que esta parte pode ser 70% da população de uma cidade da França e que talvez aqui seja 30% ou 25% da população, não se tem dados precisos. E o resto?

Aparece então o segundo processo de produção do espaço de residência que é o processo de intervenção do poder público, intervenção do Estado, para tentar produzir uma condição, produzir um espaço moderno, com boas condições de residência mas a um preço mais baixo. Então aí vai aparecer uma diferença muito grande entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, o Estado vai produzir mais ou menos o mesmo tipo de edifício que o incorporador privado, só com uma taxa de conforto um pouco mais baixa, mais ou menos do mesmo tipo de edifício que um incorporador produz para a classe média. Só que ele vai conseguir diminuir o custo do terreno porque tem um processo de intervenção sobre a estrutura fundiária, que vai fazer com que o poder público possa utilizar terreno de baixo custo. Ao contrário, nos países em desenvolvimento as reservas públicas de terra em geral são muito escassas ou não existem. Então ele vai conseguir baixar o preço do apartamento, baixando já o preço do terreno para construir o edifício e vai utilizar um crédito do governo, dinheiro do banco do governo com juros muito baixos, vai conseguir baixar também o preço do dinheiro e vai tentar fazer concorrência nas indústrias de construção, que vão baixar o preço. Ele vai produzir o espaço que não é exatamente o espaço do incorporador privado mas quase o mesmo, a um preço mais baixo e assim ele vai atender quase todo o resto da população que vai ser a população de “logement” social.

Parte da população que vai ter a possibilidade de utilizar estes alojamentos construídos pelos serviços ligados ao poder público, que em

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geral não é diretamente do poder público, é uma sociedade mista controlada pelo poder público e com todas estas facilidades. Nos países em desenvolvimento o nível de renda da população a alojar, que não entra no sistema privado da produção do espaço urbano dos incorporadores, é bastante baixa então muitos resolveram fazer este tipo que vocês chamam de habitações a aluguel moderado, “achelai” em francês, que vai diminuir um pouco o limite de renda, vai baixar o limite de renda. Vai faltar – ainda muita gente sob esse segundo limite de renda e então tem que se fazer outra coisa. Podem-se fazer os conjuntos habitacionais que vocês conhecem melhor do que eu, que é uma maneira de aceitar que vão se elaborar condições bastante diferentes de habitação porque são bastante diferentes das habitações do setor moderno, como estas pequenas casas uma perto da outra, mas que vai ter um custo bastante menor. Então vamos de repente baixar de uma maneira muito forte o nível de renda necessário para entrar nesse processo de produção do espaço residencial só que vamos produzir um espaço residencial bastante diferente. Então vamos aceitar a segregação social dentro do espaço urbano, pois que as pessoas vão viver em condições de paisagem, de estrutura do espaço bastante diferente dos ricos ou da classe média. Mas aceitando isso nós vamos baixar bastante o limite de renda.

Outra possibilidade que também é específica dos países em desenvolvimento é a famosa auto-construção, que existe na América Latina, que existe em quase todas as cidades do Brasil e existe talvez ainda como processo oficial dos poderes do planejamento nos países da África Tropical, que nesses países se chama o habitat sub-integrado, “l’habitat sous-integré”. É de se pensar, que afinal de contas, a primeira necessidade para o espaço urbano é o saneamento básico, a eletricidade e a água se possível, sobretudo saneamento básico, porque do contrário é muito perigoso se deixar construir muitos espaços urbanos sem o saneamento básico, pois podem ameaçar a saúde pública. Então vamos fazer o saneamento básico, vamos dividir o espaço em lotes. Isso pode ser um processo público, ou pode ser um processo privado; quem possui um terreno, que é o particular, vai poder recuperar uma boa parte do valor da terra, não vai ser prejudicado dentro de um sistema que tem de planejar aceitando a propriedade privada da terra e esses lotes, quem vai comprá-los é gente de baixa renda, que vai construir ela própria a sua casa. Então sábado, domingo ele vai comprar um pouco de madeira, alguns tijolos e vai começar a construir um quarto, depois outro quarto, etc... Este processo de auto construção é um processo que também vai baixar bastante o nível

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de renda necessário para poder entrar nesse processo de produção do espaço urbano, que é então um processo intermediário entre o processo do famoso habitat espontâneo e o habitat produzido. Ao final das contas a produção comercializada do espaço é só o saneamento básico, porque muitas vezes é o poder público que vai fazê-lo, e o loteamento. Desde que o lote é comprado, o segundo processo de produção que é a construção da casa é um processo doméstico, não é mais um processo comercializado. É o famoso “quase-modo” de produção doméstica com diz “Adimpiès”. É uma maneira de utilizar esta força de trabalho de sábado e de domingo, que é de gente que trabalha durante a semana, dentro de um processo que foge do sistema capitalista de produção do espaço urbano.

Esta auto-construção é um negócio interessante a estudar porque muitas vezes a divisão que se vem a fazer é uma divisão um pouco artificial, porque mesmo neste processo doméstico de produção da casa, de construção, vai aparecer indiretamente o sistema capitalista representado pela venda do material para construir a casa. Assim vai aparecer toda uma atividade de pequenos, de médios comerciantes de tijolos, de tubos, de madeira, de pias, que vão se instalar na beira de duas calçadas, nesta zona de loteamento de habitat de auto-construção, para vender (o proprietário do lote, vai ele mesmo construir a casa) esse material. Ele vai vender em pequenas quantidades, vai haver um setor informal, vamos dizer, da venda, mas com um lucro bastante bom para quem vai vender. Esta é uma maneira indireta de recuperação desta população de baixa renda para a produção do espaço urbano. O nível de renda não permite a existência de um mercado para uma verdadeira produção capitalista do espaço urbano. Então a maneira indireta é utilizar o poder de consumo desta população, que compra alguns tijolos, madeiras, para construir a casa.

E ao final das contas, nos países em desenvolvimento, mesmo com a auto-construção, mesmo com a política de conjuntos habitacionais de casas bastante pequenas, de 23m² no Brasil, existe uma parte da população que está ainda mais aquém do nível necessário para entrar nesses processos de produção do espaço urbano. Assim aparece o famoso “habitat espontâneo”, à maneira dos franceses, e que chamam de favelas. O que isso quer dizer é que ninguém quer construir alguma coisa para esta população, porque ela tem renda tão baixa que não interessa a todos aqueles que participam do processo de produção do espaço urbano. Como ninguém vai produzir um espaço urbano para eles e como eles têm que ter um teto para poder sobreviver, então vão fazer um teto espontâneo. Vai aparecer o problema da favelização, pode-se dizer, dentro do espaço

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urbano, que é um problema absolutamente geral nos países em desenvolvimento. Na fase atual de organização da economia urbana dos países em desenvolvimento com todo esse fenômeno das migrações, das reservas da mão-de-obra, é um processo absolutamente normal; em todas as grandes cidades dos países em desenvolvimento existem favelas, com outros nomes, mas são favelas, e elas representam a parte mais baixa da renda geral da estrutura da economia urbana destes países.

Não adianta falar dos problemas de favelas, naturalmente são problemas muito graves para a população e para a estrutura geral do espaço urbano. Só que nesta visão da relação do processo de produção do espaço urbano e estrutura social da população em alguns países subdesenvolvidos, e estes eu chamo de subdesenvolvidos, ainda existe um outro tipo de relação entre espaço urbano e residência que felizmente é só em alguns países que aparece. Que eu conheça é só na Índia. Se vocês vão a Bombaim ou Calcutá vêem um outro processo, que é a residência de calçada. Como vou explicar isso? Para ter um lugar nas favelas de Bombaim, poder entrar nas favelas de Bombaim, já se necessita de um pouco de renda para poder ter algumas condições de construir o habitat espontâneo e precisa-se de um lugar, porque tem tanta gente, há uma densidade demográfica tão grande, que não há lugar para todo mundo nas favelas. Então, a quem não tem meios, que verdadeiramente não tem nenhuma condição de obter uma renda qualquer, a única maneira de encontrar um lugar na calçada é, em geral, colocar um pouco de tecido, de juta, de velhos sacos, para não receber ao fim da noite a pequena umidade. E só isso. Só que isso não existia em 1968, quando fui pela primeira vez a Bombaim; em 1978 fiz a experiência de chegar a Bombaim, no aeroporto, às cinco da manhã. Do aeroporto ao centro da cidade, existem grandes avenidas com calçadas bastante largas, de 2 ou 3 m de largura. Então lá se vê gente que está levantando ao nascer do sol. Essa gente acorda e se pode verificar que há uma verdadeira vida, tem um que está fazendo a barba, outro está levando a roupa, outro está fazendo café, tudo na calçada. E quando eu cheguei a discutir com vocês sobre o urbanismo de Bombaim, cheguei a saber que tem mais ou menos 300 mil pessoas vivendo assim. Em Calcutá isso ainda é pior e mais antigo, porque eu já observei em 1968. Então é o último nível é o pior da relação pois nem se tem lugar para um habitat espontâneo, daí ter que viver na calçada.

Com isso, mostramos esses problemas de relação de produção do espaço urbano, condição de produção do espaço urbano e nível de renda da população. Mas o segundo problema é de saber onde se localizam esses

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tipos de produção do espaço urbano, ou seja, onde se localizam os bairros-ricos, onde se localizam os conjuntos habitacionais, onde se localizam as favelas, etc.

E isso vai nos mostrar um processo que não é total mas que é um processo, uma tendência. A tendência é que as formas de produção do espaço urbano para a gente mais pobre, vamos dizer, o espaço da pobreza, seja cada vez mais distante do centro da cidade. Essa é uma tendência que não se verifica em todos os lugares, mas é uma certa tendência. Por quê? Porque na verdade, a localização dos conjuntos habitacionais e das auto-construções necessita de um preço de terreno bastante baixo. Então onde se vão encontrar os terrenos baratos? Nos lugares onde não tenha uma grande competição para os preços dos terrenos, o uso do terreno, onde não vai ter alguém para pagar mais. É só na periferia da cidade, sobretudo nas grandes cidades é que vai se encontrar em geral, estas condições de preço de terreno. Quando se trata de favelas tem que se encontrar um terreno que ainda não seja utilizado por outros processos de produção do espaço urbano. Muitas vezes, o mais distante e a favela tem uma existência precária. No caso de Abdijan que nós estávamos falando, as favelas começaram na periferia da cidade, só que na cidade – cresce muito rapidamente e tem que encontrar espaço. Então há uma maneira um pouco autoritária do urbanista de acabar com as favelas. Ele manda o trator para limpar a terra e os favelados têm que ir embora em algumas horas e assim as favelas são destruídas. E vai haver uma reconstrução, a favela vai mais longe e mais longe. Só que esse processo de periferização da classe mais pobre sofre bastante exceções.

Uma exceção, é claro, é quando do meio do espaço urbano tem uma parte que não interessa aos outros processos de produção do espaço urbano, porque é mangue e ninguém quer construir nessas zonas ou então é um morro que é tão difícil de subir que não dá. Então vão se localizar as favelas de Recife no mangue, as favelas do Rio no morro, etc. Isso então vai dar algumas localizações que podem ficar bem centrais, até que esse espaço se torne válido para um processo qualquer de produção do espaço urbano comercializado. Então a favela vai embora.

Outra exceção que vai dar à população de baixa renda a possibilidade de ficar um certo tempo perto do centro da cidade é o processo de degradação que falei para a localização do setor informal vai também localizar uma parte da população pobre, que são os casebres, as casas antigas perto do centro da cidade, que em função do envelhecimento, vão se tornar cada vez mais sem conforto e vai-se passar da casa para o

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quarto, cada quarto para uma família e quando não há família, dentro de um quarto várias camas, onde o que se aluga é a cama. No momento (verifiquei isto no mês passado), isso existe no bairro da Bela Vista, em São Paulo, e que é quase central, entre a praça da República e a Avenida Paulista. Poderia ser um espaço de alta valorização mas por razão de um processo de degradação não chegou ainda a uma revalorização completa. Está começando, porque agora a Rua Augusta já tem o Cad’oro e outros hotéis, mas que ainda é pouco. Então, até o processo de renovação não seja completo, a população pobre pode utilizar estas zonas de degradação, estes casebres. Tudo isso não vai interferir completamente na tendência geral de periferização da classe pobre. Aparece a conseqüência de tudo isso sobre o funcionamento da vida urbana e sobre o funcionamento do sistema sócio-econômico da cidade.

O problema é que o espaço urbano vai ser dividido em sub-espaços: o sub-espaço do terciário superior do centro da cidade, os sub-espaços industriais, o sub-espaço de residência rica, o sub-espaço de residência da classe média, o sub-espaço dos conjuntos habitacionais, o sub-espaço das favelas, etc. Esta divisão do espaço em sub-espaços vai depender de um processo, dos mecanismos da produção do espaço urbano, que são mecanismos com todas as leis da economia capitalista que eu tentei explicar mas que vão obedecer a fatores que não têm nada a ver com os problemas de articulação com os sub-setores. Os sub-setores, como um todo, vão lá por razões de processo de produção do espaço urbano, o setor industrial vai lá por processo de produção do espaço urbano, só que o bairro de pobre tem que fornecer a mão-de-obra do setor industrial.

Então nós vamos ver que tem uma contradição muitas vezes entre as condições que vão dividir o espaço urbano em sub-espaço e as necessidades do funcionamento da vida urbana, que dizer, da mobilidade do homem dentro do espaço urbano, quer seja a mobilidade ligada ao problema de ir da zona de residência até a zona de emprego, quer seja o problema da mobilidade ligada à necessidade de ir da zona de residência até a zona de serviço e de distribuição comercial, etc... O espaço urbano vai ser dominado por estes problemas de mobilidade, de deslocamento da população entre os sub-espaços. Os sub-espaços não são autônomos, o funcionamento da cidade é um funcionamento global e a cidade dividida em sub-espaços tem de se articular, e infelizmente os fatores de localização do sub-espaço não tem a ver com as necessidades de articulação. Então esta é a maior contradição, maior ainda infelizmente nas grandes cidades dos países em desenvolvimento por razões de precaridade da intervenção

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do urbanismo para tentar diminuir esta contradição entre a localização do sub-espaço e as necessidades de articulação.

Aparece então o problema do transporte urbano: é o da organização de produção do serviço de transporte e de qualquer modo é um problema de tempo. Quando alguém necessita de duas a três horas para ir da zona de residência até o emprego e gasta o mesmo tempo para voltar e sobretudo se as condições de transporte são cansativas, não são confortáveis, torna-se um fator muito grave para as condições de vida da população. Naturalmente seria uma outra consideração falar qual é a resposta à organização do transporte urbano. Eu só queria deixar como conclusão desta palestra que todos esses processos de organização do espaço urbano estão ligados a todos os processos de produção capitalista ou doméstica do espaço urbano e por isso tem de um lado, as condições de organização do espaço urbano e de outro lado as necessidades de articulação dentro do espaço urbano. Esta contradição é talvez o maior desafio para o planejador urbano e infelizmente um desafio talvez acima da capacidade do planejador.

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PALESTRA: QUARENTA ANOS DE SERVIÇOS1 PRESTADOS

Orlando VALVERDE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Como cumpri quarenta anos de serviço, creio que preciso sentar-me. Confesso-lhes que nada preparei porque não sabia qual seria minha participação neste conclave. Aqui, somente, compreendi que os colegas desejam ouvir a “avant premiere”das declarações que farei lá no Rio, no próximo dia 26 (de outubro de 1978). Vou falar-lhes, por isso, um pouco livremente, sem plano; apenas com umas ou outras idéias amarradas.

A idade nunca é uma coisa agradável; preferiria muito mais ser jovem. Essa é uma das razões porque procuro aproximar-me dos jovens; para sentir-me um pouco como eles. Pela vivência, pude testemunhar, como poucos, o nascimento da Geografia Científica no Brasil, no plano da pesquisa, do IBGE particularmente, isto é, fora do âmbito universitário.

A reunião da AGB em fortaleza, em julho do ano passado, foi um ponto singular na história do pensamento geográfico brasileiro. O professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, fez lá uma brilhante exposição sobre a evolução da Geografia brasileira, de 1934 até hoje. Ele reproduziu e sintetizou, de maneira muito feliz, as idéias. Tomo aqui a liberdade de acrescentar algumas informações porque, felizmente, ele não completou 40 anos de serviços, tendo ainda muito serviço a prestar, pela frente.

Ele dividiu a evolução da Geografia brasileira em várias fases, das quais darei testemunho; e como todo testemunho pessoal, será rico em pormenores.

A primeira fase da geografia científica no Brasil, entre os anos de 1934 e 1948, foi por ele denominada de “Implantação da Geografia Científica”. Na verdade, foi isso mesmo; entretanto, essas fases assim delimitadas constituem marcos que não devem ser tomados rigorosamente. Pode-se comparar ao fim da Idade Média e começo da Idade Moderna:

1 Palestra proferida dia 21 de outubro de 1978, no Instituo de Planejamento e Estudos Ambientais – UNESP – Campus de Presidente Prudente, por ocasião do XVIII Congresso da UPEGE (União Paulista dos Estudantes de Geografia) e publicada no Caderno Prudentino de Geografia nº 7, de 1984.

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alguns marcam essa passagem com as Grandes Navegações; outros, com a tomada de Constantinopla pelos turcos; outros, ainda, com a descoberta da América. Voltando à nossa Geografia, a extensão daquele período pode-se colocar realmente entre os anos de 1934 3 1946/48.

Em 1934 foi criado o primeiro curso em Geografia, em nível superior, na USP, coincidindo justamente com a criação do Instituto Brasileiro de Estatística, no Rio de Janeiro. Logo após, em 1938, criou-se o Conselho Nacional de Geografia, e o conjunto dos dois órgãos paralelos tornou-se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Nesse tempo, eu era estudante. O criador daquela estrutura não era um geógrafo, mas um engenheiro: Cristóvão Leite de Castro. Ele era, então, chefe da Seção de Estatística Territorial, do Ministério da Agricultura, onde se faziam mapas estatísticos. Animado pelo professor Pierre Deffontaines, foi tirar o curso de Geografia, ocasião em que se tornou meu colega de turma.

Um belo dia, num café, igual ao que todos os estudantes freqüentam, próximo à escola e ao Palácio do Catete, Leite de Castro perguntou-me se gostaria de trabalhar com ele! Ante minha indagação de trabalhar em quê, ele me disse: “Fazer Geografia para o Governo”. Como estudante é um pouco irreverente, respondi: “Ó rapaz, você fica de porre, depois de um cafezinho? Nunca vi ninguém assim!”. Ele então me falou que a proposta era séria, e que inclusive estavam sendo tratados entendimentos a respeito. Explicou-me também da existência de um Instituto de Estatística, que seria o responsável pelo futuro censo de 1940. Como esse órgão não tinha lastro geográfico algum, queria que trabalhássemos juntos. Como naquele tempo eu era um renegado da sociedade, - havia pouco tempo saído da Marinha -, e com a consciência política entre os estudantes ainda era pouco expressiva, minha primeira resposta foi duvidar, para em seguida concordar, dizendo: “Eu estou aqui, somente estudo, e no resto do tempo não tenho o que fazer. Se você se der mal, irei junto com você”.Terminamos, assim, fazendo um pacto de honra.

Qual não foi minha surpresa quando, seis meses depois, ele me chamou, pedindo que fosse ao seu gabinete, no Ministério da Agricultura, num prédio que estão demolindo!

Agora, no Rio, as coisas do meu passado estão ficando só na recordação; os testemunho concretos estão desaparecendo: a casa onde me criei foi posta abaixo, o lugar onde comecei a trabalhar está em demolição...

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Inicialmente, trabalhei durante três meses de graça; depois, passei a ganhar um conto de réis. O salário era tão alto que muita gente deixou da falar comigo, achando que era empistolado, talvez um privilegiado da ditadura de Vargas. Na realidae, fui o primeiro a ser contratado diretamente pelo CNG. Tenho até hoje comigo, como um título de glória, num papel amarelado pelo tempo, datada de 1º de outubro de 1938, minha portaria de nomeação, para trabalhar com Secretário Assistente do Conselho Nacional de Geografia, do IBGE, assinada por José Carlos de Macedo Soares.

O fato é que Cristóvão Leite de Castro criou uma estrutura; essa glória ninguém lhe tira, embora ele tenha pago muito caro por isso. Ele é dessas personalidades que sabem planejar para o futuro, que vêem mais longe! Numa escala mais modesta, eu comparo sua visão à do presidente Juscelino Kubistchek, com seu ideal de construir Brasília - tomou-se de entusiasmo e a fez construir! Em 1947, como integrante da equipe do professor Wailbel, fui fazer pesquisas no Planalto Central. Unanimemente, achávamos uma loucura mudar a capital do país para lá; tratava-se para nós, apenas, de mais uma oportunidade de fazer pesquisa em Geografia. Qual não foi nossa surpresa, anos mais tarde, após mil politicagens, quando verificamos que, de fato, a criança realmente nascera!

Comparativamente, o IBGE também nasceu assim. Leite de Castro logo conseguiu o decreto-lei nº 311, apelidado de “Lei Geográfica do Estado Novo”- reparem bem a expressão -, que obrigava os município a elaborarem os respectivos mapas municipais e as plantas das sedes de municípios e de distritos, sob pena de perderem a autonomia, devendo ser incorporados aos municípios vizinhos, caso não cumprissem as determinações legais. Era uma lei drástica, típica de uma fase ditatorial. No entanto, graças a ela reuniram-se, pela primeira vez, numa exposição, mapas de todos os municípios brasileiros; alguns bons, outros verdadeiros croquis.

Aquele resultado foi algo de extraordinário: começou logo em seguida a ser organizado todo o material, ainda que tosco, possibilitando obter a base cartográfica para o Recenseamento de 40. Enriqueceu-se a nossa toponímia. Paralelamente, iniciou-se a Cartografia no IBGE. Foi então convidado o professor de Geodésia e Astronomia de Campo, da antiga Escola Politécnica do Rio, o Professor Allyrio Hugueney de Matos para chefiar a Cartografia. Nessa ocasião foram convidados engenheiros dos Estados para treinarem determinação de coordenadas.

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A Cartografia brasileira era feita da seguinte forma, nas áreas remotas, não levantadas: dispunha-se de um mapa onde estavam astronomicamente localizadas as sedes dos municípios. As informações restantes deveriam caber naqueles limites; se a sede de um município estava aqui e outra acolá, a divisa deveria passar entre ambas, em algum lugar.

Desta maneira, foram feitos aqueles mapas toscos, ao mesmo tempo que se ia estruturando a Cartografia. Por causa disto, mas sobretudo por falta de viaturas e por causa das estradas ruins, naquela época não se trabalhava em pesquisa geográfica de campo, no IBGE. Houve apenas uma ida a Goiânia, em 1943, com o Professor Ruellan.

O Professor Francis Ruellan “caiu”no Rio, inesperadamente, como um bólido, em 1940. Por ocasião da queda da França, ele estava no Japão. Foi para a América Central e, um belo dia, apareceu no Conselho de Geografia, no velho prédio do Silogeu, hoje já demolido. Como eu era o secretário-assistente, recebi aquele francês que nem sabia quem era, mas... um aluno de De Martonne. Em breve começou a treinar a gente, com aquela sua grande capacidade de trabalho. No campo profissional, mostrava uma geografia que não se conhecia aqui. Capturou, assim, grande número de alunos do curso de História, congregando.

Embora ainda com a França em guerra, De Martonne veio ao Rio de Janeiro, e através do IBGE realizou uma excursão a Minas, “olhou” a Serra do Mar e a Mantiqueira e, com aquela capacidade extraordinária, produziu um artigo clássico que se chamou “Problemas Morfológicos do Brasil Tropical Atlântico”, simultaneamente aparecido nos “Analles de Geographie” e na “Revista Brasileira de Geografia” recém-fundada. Esse artigo foi dos primeiros aparecidos no mundo sobre Morfologia Climática. Martonne teve mais que seu do que seu discípulo Ruellan, a facilidade de observação, a capacidade de discernir as diferenças entre os processos morfogenéticos nos trópicos úmidos e semiúmidos, em relação ao que chamavam de erosão normal, que nada mais era senão um processo morfogenético das zonas temperadas úmidas. Isto o levou à elaboração de uma das teses fundamentais de geomorfologia climática tropical.

Data igualmente daquela época a criação da Revista Brasileira e Geografia. Havia um grupo que trabalhava nessa revista, não constituído por geógrafos – já que não havia geógrafos, pura e simplesmente -, mas por pessoas de ciências afins, que tinham sensibilidade para a Geografia. Entre os participantes figurava o Professor Sílvio Fróes Abreu, que era químico de formação, mas tivera curso de Geologia e havia feito alguns

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trabalhos de Geografia. Era professor de Geografia no Instituto de Educação e, além de ter feito tese sobre o Nordeste do Brasil, dava uma contribuição muito boa. O engenheiro José Carlos Junqueira Schimidt, era funcionário de Meteorologia e foi atraído para a Geografia por Deffontaines; o coronel José de Lima Figueiredo trabalhava na Comissão de Fronteiras e mais tarde foi governador do território do Guaporé, hoje Rondônia. Além destes, havia pessoas que chegavam lá perto, de vez em quando, para prestar alguma colaboração, como foi o caso de Deffontaines, e posteriormente Ruellan. Havia realmente um entusiasmo pela própria formação da Geografia.

Em 1945, já no apagar das luzes da Segunda Guerra, um grupo de geógrafos do Brasil recebeu um convite para ir aos EUA com bolsa de estudos. Cinco geógrafos foram, com o apoio do chamado Witbeck, Fellowship, inicialmente para a Universidade de Wisconsin, do Midle West, e depois se dispersaram. Dois, eu e Fábio de Macedo Soares Guimarães ficamos em Wisconsin; dois outros, Lúcio de Castro Soares e Lindalvo Bezerra dos Santos, foram para a Universidade de Chicago, e um terceiro, José Veríssimo da Costa Peneira, grande estusiasta da AGB, foi para Northwestern University, em Illinois. Todos ficaram nas vizinhanças dos Grandes Lagos.

Somente quando regressamos foi criada a carreira de Geógrafo no IBGE; com esse título: Geógrafo. Surgiu assim a palavra. Iríamos fazer Geografia, mas somente dentro do IBGE éramos alguma coisa, porque afinal de contas, uma carreira que não é regulamentada quase nada significa. Temos porém, hoje, uma consciência profissional, e isso é extremamente importante.

Em 1946, antes mesmo que regressássemos, obtivemos de Cristóvão Leite de Castro a contratação de um geógrafo, já cidadão americano, mas egresso da Alemanha, ex-diretor do maior departamento de geografia da Alemanha, em Bonn. Era Leo Waibel, que havia sido nosso professor de Geografia Tropical,em Madison.

Leo Waibel foi contratado para fazer pesquisa e treinar gente, assim como quem treina para pós-graduação.

Naquela época, minha família já era grande; eu dava minhas aulinhas para complementar meus magros vencimentos. Quando chegava a ocasião de excursão, eu deixava as aulas e acompanhava meu mestre como um cachorrinho. Assim percorri o Sul, o Planalto Paulista, o Planalto Central, até que ele foi embora em 1950. Foi uma lástima! Ele realmente devia ir, mas pretendia continuar o trabalho, tendo inclusive acertado comigo que

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faríamos juntos – ele o principal autor – uma “Geografia Agrária do Brasil”, na qual ele faria a parte da agricultura, e eu a de pecuária. Acontece porém que ele voltou aos EUA e em seguida à Alemanha, onde conseguiu readquirir todos os seus direitos de cidadão alemão, além de receber os “atrasados”, garantindo assim a situação da esposa e da cunhada que morava com eles.

Lá na Alemanha, no dia em que, indo de Bonn a Colônia, viu a destruição desta cidade, Waibel sofreu um infarte. Em seguida, chegou a Heidelberg, onde veio a falecer, justamente no dia em que havia convocado os ex-alunos – já então quase todos diretores de institutos de geografia – para transmitir-lhes suas experiências sobre o Brasil e apelar para uma colaboração mais estreita entre a Geografia alemã e a brasileira. Se seus planos tivessem prosseguido, acho que teríamos lucrado muito também, porque seria superada a barreira da língua, uma vez que o alemão, até hoje, é para os brasileiros uma língua “fechada”.

Esta fase de Ruellan e de Waibel, iniciada por Deffontaines, foi extremamente rica em experiências.

Devo dizer que eu era o secretário da AGB do Rio. Quando em 1946 houve a fusão das AGB em Lorena, eu estava numa correria de trabalho e não pude ir. Mandei então o livro de atas e os três mil réis das contribuições, que eram feitas em dinheiro (naquela época, não havia pagamentos em cheque, não). Meti, então, num envelope um macinho de notas de 5 mil réis, juntamente com todas as atas das reuniões – reuniões que diziam respeito, por exemplo, a um estudo sobre a “Colonização do Sul do Brasil”de Preston James (que, por sinal, perguntou-me, na noite de sua palestra, depois de um tremendo temporal, se na reunião que havia seis pessoas deveria ir de smoking ou traja de passeio). Lá compareceram seis pessoas. Havia uma contribuição de Josué de Castro sobre “Os Mocambos de Recife”; uma de Othon Leonardos, sobre as pesquisas que havia realizado nos vales do Araguaia e Tocantins; outra, de um médico, sobre a Região de Petrópolis... A partir de então, as assembléias da AGB passaram a se realizar em julho, ocasião em que interrompia minhas aulas para fazer pesquisas de campo. Como agebeano fui falho; reconheço, porém, que, ou vinha às reuniões da AGB ou fazia excursões maiores, a princípio até acompanhando Waibel (isso era para mim de extremo valor!).

Foi uma época muito rica: as reuniões da seção carioca eram animadas por Deffontaines e, posteriormente, por Silvio Fróes Abreu. Com a saída de Deffontaies houve um esmorecimento. As reuniões eram à noite, após o jantar. Nem sempre era fácil chegar até a Avenida Venezuela,

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embora não houvesse grande perigo, já que não havia tanto banditismo no Rio; de qualquer maneira, era um esforço que se fazia.

Porque se estruturou tão bem e rapidamente a nossa Geografia? Como aconteceu isso no Brasil?

Talvez lhes surpreenda que o Brasil foi o primeiro país do mundo a ter pesquisa de Geografia para fina de planejamento para o governo, fora do âmbito universitário. Isso, pouca gente sabe e é um paradoxo, num país periférico! Ainda mais: o Brasil foi o primeiro país do hemisfério ocidental a fazer levantamento aerofotogramétrico, antes mesmo dos EUA. Pouca gente sabe disso também, e lhes vou contar como isso aconteceu.

Quando terminou a primeira Guerra Mundial, o império Austro-Húngaro ficou arruinado e fracionado em diversos países. Aquela riqueza formidável baseada na exploração de vários povos da Europa Central estava acabada! O governo da Áustria não podia sustentar o serviço de cartografia que possuía. Um grupo de oficiais técnicos emigrou, sem que conheçamos as razões. Aqui, os referidos oficiais receberam cidadania brasileira e patentes oficiais honorárias, trabalhando no serviço geográfico do exército. Sob orientação deles, começaram os levantamentos aerofotogramétricos, na década de 1920. Ainda não havia aviões apropriados para tais levantamentos; utilizavam-se aparelhos biplanos e, para se fotografar, era preciso por a cabeça para fora. A foto ficava melhor quando o piloto inclinava um pouco o avião para a fotografia sair vertical.

Com a utilização daquele tipo de fotografia, foi feita a primeira carta, na escala 1:50.0000, do Rio de Janeiro, Distrito Federal àquele tempo, usando-se também a fotogrametria terrestre, apoiada em fotos tomadas de pico – como o Pão de Açúcar, Tijuca, Corcovado, etc.

Vocês vêem, então, que um país subdesenvolvido pode ter a capacidade de criar, embora não tenha capacidade de prosseguir a pesquisa, que os países ricos, do 1º Mundo, são capazes de sustentar (os primos ricos da divisão internacional do trabalho).

E isso aconteceu: fomos ficando para trás; não fabricávamos aviões; além disso a cartografia pertencia ao serviço geográfico do exército.

Um dos oficiais austríacos, major honorário do exército brasileiro, ainda foi professor dos primeiros cartógrafos formados dentro do IBGE. Chamava-se Major Langer. Ele costumava dizer que se conhece o bom cartógrafo pela letra. Seus alunos ficavam fazendo aquelas letras bem torneadas, organizadas em linha ordenatrizes, como que fazia caligrafia nos velhos cursos. Assim, colegas meus, hoje em dia, cartógrafos e até

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professores de cartografia, como Ari de Almeida, estudaram com o Major Langer, treinando aquelas letrinhas para, no fim, desenhar mapas bem.

Cristóvão Leite de Castro implantou no Conselho Nacional de Geografia, serviços de geodésia, topografia e cartografia e, por volta de 1948 apareceram as primeiras folhas, curiosamente na escala de 1:250.0000, de uma região que o IBGE havia levantado no Oeste da Bahia, na região do chapadão divisor de águas entre o Tocantins e o São Francisco. A equipe de levantamento era chefiada pelo engenheiro baiano Gilvando Simas Pereira, falecido há alguns anos.

Assim nasceu a Cartografia no IBGE, fato que provocou uma enorme ciumeira no Serviço Geográfico do Exército, que tivera até então o monopólio dos levantamentos terrestres. Essa foi a causa primeira das perseguições que sofreu Leite de Castro, até que conseguiram afastá-lo, acusado de corrupção, com grande escândalo na imprensa. O nome dele foi arrastando na lama, até que acabou largando a Geografia. Tornou-se empresário, como sócio da companhia de funiculares do Pão-de-Açúcar, da qual é hoje dono absoluto. Largando a Geografia, tornou-se “homem de bem”. É bem recebido em toda a parte, tornando-se limpa sua reputação.

A segunda fase que se estende de 1948 até 1956, foi bastante conturbada. Por volta de 1950, com os inquéritos administrativos, o IBGE entrou em crise; esse período até 53/54 foi terrível; a muito custo consegui afastar-me.

Sempre que o IBGE estava em crise e vinha uma nova administração para moralizar, eu era um dos primeiros a ser afastado de qualquer cargo.

Aproveitando a saída do general-presidente (era o tempo da administração militar no IBGE), consegui uma requisição para a “Campanha Nacional de Educação Rural”. Esta era chefiada por um sociólogo – Arthur Rios – rapaz inteligente e compreensivo das atividades geográficas.

Fiz então uma série de pesquisas para aplicação prática; mas a meu ver, esta foi mal sucedida. A CNER pretendia melhorar as condições do meio rural, partindo de cima para baixo. Tentavam provocar uma motivação da população, tendo por objetivo a organização da comunidade. Ora, é uma verdade sediça que, se a estrutura fundiária for ruim, a estrutura agrária obsoleta, não adianta organizar comunidade alguma. Onde foram instaladas as chamadas “Missões Rurais” em terras de latifúndios, os “missionários” foram corridos, às vezes, a bala. Era uma

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verdadeira ousadia tentar organizar comunidades rurais em ilhas de pequenas propriedades nesse oceano de latifúndios que é o Brasil. Mal conseguiram salvar alguma coisa; Cruz das Almas, na Bahia, foi uma das regiões em que os trabalhos colheram os resultados mais honrosos.

Foi também nessa fase de crise do IBGE que Ruellan foi embora, acentuando-se assim a depressão no Rio de Janeiro.

Em 1956, com a subida de Juscelino ao poder, foi colocado na presidência do IBGE, um amigo dele. Mais uma vez fui perseguido e tive de arranjar uma requisição para o Serviço Social Rural, ancestral do atual INCRA.

Aí, tive novamente boas oportunidades; dava aulas de Geografia agrária para Agrônomos, Médicos, Técnicos Agrícolas, Enfermeiras, Assistentes Sociais, tendo eles em vista a tal organização da comunidade. Havia porém a chance de ir ao campo e ver muita coisa, de modo que para mim foi uma época bastante proveitosa.

Em 1956, o Congresso Internacional de Geografia marcou uma nova fase, trazendo grande afluxo de influências múltiplas de vários países. Uma grande quantidade de geógrafos veio ao Brasil antes do Congresso, aqui permanecendo durante a após o congresso, participando de discussões e mesmo dando cursos. Desta forma, nossos geógrafos se renovaram com esses novos conceitos.

Lembro-me bem das preocupações dos geomorfólogos cm as diáclases curvas dos trópicos úmidos, até que encontraram explicação na própria litogênese das rochas cristalinas, independente da estratificação da rocha, direção e mergulho das camadas. Lembro também das questões de Geografia Humana, Agrária e Econômica.

Foi naquela ocasião que Tricart se lançou na Bahia e preparou aquilo que eu chamo de Escola Baiana. Lá estavam Milton Santos, Teresa Cardoso e todo aquele pessoal trabalhando entusiasticamente. Criou-se lá, então, um núcleo da AGB. Aquela época foi realmente um período de expansão da AGB. Surgiram diversos núcleos, como por exemplo, o tímido grupo de Pernambuco (até hoje um grupo pequeno mais de grande valor) se estruturou e trouxe contribuições muito válidas através de Manoel Correia, Mário Lacerda, Gilberto Osório, Raquel Caldas Lins. Em seguida criou-se um núcleo em Santa Catarina, por iniciativa de Victor Peluso Junior e Wilmar Dias. Essa época da ampliação das atividades foi denominada, por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, “1ª Fase do Caminho da Afirmação da Geografia Brasileira”.

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Não concordo; a meu ver, foi o único caminho da afirmação da geografia brasileira, porque na realidade fez-se uma geografia científica, pragmática, moderna para aquela época, feita com o que havia de melhor; eu diria melhor que aquela se fez posteriormente.

A partir da fase juscelinista de euforia econômica, da filosofia desenvolvimentista tomou impulso o planejamento, aparecendo então os economistas como figuras da administração com poder de decisão.

Celso Furtado era o chamado vice-rei do Nordeste, e tinha poder mesmo. Aos trancos e barrancos, ele foi aprendendo que havia uma coisa chamada Geografia, e que era importante. A princípio, o primeiro plano, da chamada CODENO, ignorava totalmente a Geografia; entretanto após as críticas feitas em Penedo, a superintendência da SUDENE foi se convencendo, e reconhecendo que a figura do geógrafo era indispensável nas equipes de planejamento.

Criou-se, então, uma filosofia de trabalho, que era haurida nas melhores escolas de Geografia da Europa. Havia uma influência americana, porém secundária, de Preston James, Clarence Jones... Estes, a bem dizer, não deixaram discípulos aqui no Brasil, nem chegaram a formar uma escola, apesar de terem feito pesquisas e recebido apoio de forma irrestrita do Conselho Nacional de Geografia, do IBGE.

Depois de 1968 a Geografia sofreu uma nova revolução. Relendo o trabalho de Carlos Augusto (pois o li duas vezes, a

segunda a poucos dias. As coisas importantes eu gosto de ler duas vezes, e quando elas são realmente boas, da segunda vez gosto mias que da primeira, porque já tenho tranqüilidade de analisar mais profundamente as palavras), reparei que o autor salientou uma coisa extremamente importante, que não foi absolutamente casual: 1968 foi o ano em que veio o AI-5 e que igualmente apareceu a Geografia Quantitativa.

A Geografia Quantitativa foi divulgada no Brasil a partir de 1968, consagrada por um artigo chamado “A Revolução Quantitativa na Geografia”, assinado por Esperidião Faissol e Marília Veloso Galvão.

Acho que este artigo deveria chamar-se “A Reação Quantitativa na Geografia”, porque é realmente reacionário, de alheiamento completo. Eu não sou contra a quantificação; compreendo que é importante quantificar, mas desde que se conheça quantitativamente o fenômeno, senão quantificar o que? Para isso é preciso um conhecimento filosófico, do problema para então se fazer uma mensuração matemática.

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Sofrendo diretamente a influência da “Revolução Quantitativa”, a Revista Brasileira de Geografia tornou-se uma revista de fórmulas matemáticas que eu não entendia.

No passado, ganhei dinheiro, quando estudante, dando aulas de matemática, com o acervo que tinha trazido dos meus velhos tempos da Marinha. Mas aquilo eu na entendia. Levei alguns daqueles artigos a analistas de sistemas, e também eles não entendiam. Senti, então que estava tudo perdido.

Na realidade, aquilo representava uma deturpação da realidade. Nós geógrafos, estamos numa nova fase, estamos diante de uma revolução tecnológica. A partir da década de 50, processo de desencadeou; em 1957, lançaram um satélite no espaço. Daqui a pouco vai ser preciso até colocar um DETRAN lá em cima.

Mas, para isso é preciso uma série de avanços tecnológicos: conhecimentos de astronomia, de astrofísica, de matemática e eletrônica. A época da revolução tecnológica ainda na acabou; a cada dia vem novidade, e todos precisamos nos adaptar a elas. Nesse sentido nós geógrafos ficamos um pouco atrasados.

Nós vivemos numa época de constantes revoluções tecnológicas: a guerra inventou o radar, que permitiu elaborar os levantamentos radarométricos.

Em 1956, na Comissão de Geomorfologia da UGI, um dos assuntos mais complicados e que não chegou a uma solução final era esse: como fazer levantamentos aerofotogramétricos corretos na selva amazônica? Era um problema bem objetivo. A mata reveste tudo; em alguns lugares, é mais baixa e, noutros, mais alta. Como marcar a superfície do terreno, se ela mascara tudo?

O radar resolveu o problema; fez um strip-tease da vegetação. Ele a atravessa, tornando-a translúcida. Sua utilização é ótima para a geologia e geomorfologia; regular para levantamento de solos, entretanto fraca para vegetação e uso do solo.

Posteriormente, com os satélites veio o sensoriamento remoto para descobrir o que havia na Rua – habitantes, riquezas, etc.

Na realidade, o sensor remoto existe desde que nós existimos: o olho humano é um sensor remoto, assim como a fotografia, utilizada desde o século passado. Porém esses sensores remotos sofisticados, que operam numa faixa do espectro além da faixa visual, aumentam nossa capacidade indutiva; isso é um fato de extrema importância. Conforme o canal utilizado, podem-se realçar as informações de um objeto ou detalhes a

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serem estudados, em virtude das diferentes faixas de comprimento de onda dos canais existentes.

Para tanto, pode-se usar um canal para destacar a vegetação, um para a drenagem, outro para o relevo, e assim por diante. Hoje em dia, com o uso do satélite, pode-se delimitar numa imagem (nas escalas de 1:1.000.000, 1:500.000 ou mesmo 1:25.000), por exemplo, o que é mata de várzea, mata de terra firme, hiléia, mata tropical, cerradão, cerrado, campo limpo, com seus limites seguros.

Com essas conquistas, precisamos conhecer essas técnicas, naquilo que elas podem oferecer, uma vez que nos dão novas armas para conhecer a realidade objetiva. Como se sabe, a realidade pode ser conhecida de duas maneiras: primeiro, em regra, pelo conhecimento qualitativo e, segundo, através da mensuração do fenômeno. Convém notar que dependendo da escala, muda o enfoque dos problemas.

Nós sabemos disso: educar, treinar um grupo de 3 ou 10 alunos é uma coisa; treinar um grupo de 600, é outra. Precisamos escolher qualitativamente os meios adequados, pois modificando-se a quantidade modifica-se a qualidade, modificam-se as técnicas. Devemos medir também os fenômenos, sempre que necessário, para termos dele um conhecimento completo.

Não gosto de me perder em filosofanças, porque não sou professor; sou professor apenas como atividade secundária; primeiro, para ganhar a vida fui professor de Matemática; depois, de Geografia. Passei muitos anos fora do ensino e, quando eu entrava numa Universidade para fazer uma palestra, geralmente era feita na sala do Diretório, porque o salão não me era concedido.

Com isso, fiquei sempre à margem; não ensinei na federal, não ensinei na Católica, em fim em lugar algum. Treinava gente no IBGE, trabalhando com eles em pesquisa. Sigo até hoje a rotina de trabalho que seguia Wailbel (alguns presentes são testemunhas disso): Observação de dia; anotação; volta para casa, e aí, as 4/5 horas da tarde, colocam-se em ordem as idéias e observações. Após o jantar, descanso de meia hora, seminário, e depois cada um para o seu canto para escrever o diário até meia noite, uma hora. Acorda-se por volta de 6/6.30, para aproveitar ao máximo a luz do dia. Esse é o tipo de trabalho que a gente precisa fazer.

O Brasil ainda é um país para reconhecimento terrestre, apesar da existência de meios tão sofisticados como imagens de satélites e cobertura de fotografias aéreas. Somos o 1º país do mundo totalmente coberto por

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imagens de radar. Nem os EUA têm isso; nem mesmo, o Panamá que foi a primeira cobaia, num de seus departamentos.

Como é que acontecem coisas assim, aqui, num país do Terceiro Mundo? De repente, leva vantagem em determinado setor, mas dura pouco; é como o Campeonato de Futebol: ia bem, depois tira o 3º lugar.

Pois bem, o IBGE ficou naquilo: quem não fazia geografia quantitativa – esta era sinônimo de emprego de computador e análise fatorial – não era geógrafo; era superado.

A verdade porém é a seguinte: anos antes, sofri críticas em Mossoró, numa reunião da AGB, porque, estudando a região do baixo Açu eu mostrava como, calculando mesmo sem grande refinamento, a renda bruta dos trabalhadores, nos diferentes setores de atividade, chegava-se ao fundamento da estratificação social do grupo que explorava os carnaubais. Depois, calculando a rentabilidade de um carnaubal, eu mostrava como, naquela época, ele rendia mais do que uma fazenda de café, em zonas novas do Norte do Paraná. Ora, se aquela população era tão miserável, e a população do Norte do Paraná tão próspera, isso se devia à distribuição da renda. Para isso, fiz uns cálculos, aritméticos, dentro do artigo, que depois reproduzi na “Geografia Agrária”, no capítulo da “Carnaúba”. Sofri críticas sérias, naquela época, dizendo que eu estava fazendo uma quantificação absurda – quantificação naquele tempo, não estava na moda. O fato é que eu sabia muito bem o que estava calculando, na medida em que se tratava do ganha-pão deles, e esse era o principal horizonte de trabalho, disponível na região, para os camponeses sem terra.

A Revista Brasileira de Geografia, hoje em dia, está praticamente desativada; não tem quase assinantes; os excedentes são distribuídos, aos maços, para as faculdades. Tive a ocasião de ver na Puc, um monte, uma casa cheia, até mais ou menos a altura do peito, de números de Revista Brasileira de Geografia e Boletins Geográfico, encerrando artigos de Quantitativa. Passei ao largo, escrupulosamente, porque não queria sujar a minha roupa com poeira. Mas o fato é que ficou completamente morta a Geografia no IBGE.

Discutiu-se muito, na França, uma Geografia aplicada, defendida por Tricart e Philiponneau. Estes receberam severas críticas do grupo de Paris - de George, de Dresch, etc - ,mostrando que, sendo científica ela poderia ser aplicável. A Geografia Quantitativa do IBGE, não aplicável, não teve freguesia; ficou em edições de luxo.

Em vista disso, passei a não colecionar as publicações do IBGE; passei a tirar apenas um ou outro artigo que servia.

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Mas as discussões foram-se tornando freqüentes; e a AGB teve um papel muito importante nisso. Primeiro foi em Presidente Prudente (nessa ocasião eu estava em Rondônia fazendo pesquisa não pude ir), mas quando chegou em Fortaleza, a tingimos um ponto singular, na curva do desenvolvimento da Geografia Brasileira. Foram realizadas as exéquias da Geografia Quantitativa. Hoje em dia, os grandes corifeus da Quantitativa do IBGE tem vergonha de se confessarem como tal.

A antiga comissão da revista passou a ser controlada; foi substituída pelo diretor da divisão de Geografia, e agora ela é apanágio de uma pessoa escolher o material que vai ser publicado. Acabou-se o debate, a crítica!

A que se deve isso? 1968 foi ao no do AI-5; foi o ano da CONFEGE (Conferência de

Estatística e da Geografia) do IBGE, em que se consagram os métodos quantitativos. Foi a partir daí que começaram a ser contratados geógrafos americanos da pior estirpe: Brian Berry, Cole. Este último declarou, em sua segunda aula que, para se fazer boa Geografia não é necessário ir ao campo; basta colocar dados corretos no computador. Quando houve pouco depois, um Congresso da UGI, em Vitória (ES), sobre Quantitativa, foi feita uma crítica pelo Presidente (um geógrafo nigeriano, cujo nome não me recordo) dizendo que nós, brasileiros, estávamos usando computador como quem usa máquina de lavar roupa; bota-se a roupa suja e queremos que saia roupa limpa. Infelizmente, ele tinha razão.

As pessoas que procuram transformar a Geografia numa técnica, parecem evitar toda e qualquer idéia: têm que se limitar a um automatismo, um processo com rotina fixa de trabalho.

Isso já existia no Middle West, quando eu lá estive. Nas pesquisas de campo não se podia observar o que estava longe; tinha-se que anotar rigorosamente, a passo, o que estava na beira da estrada, ainda que fosse uma faixa de apenas uns 10 metros de largura. Assim, era o chamado curso de “Field Techniques”, ensinado pelo Prof. Glenn Thomas Trewartha, em Wisconsin. Apesar de considerá-lo um eminente climatólogo, ele procedia tal qual os colegas de lê de Chicago e de Northwestern. Então, vejam que uma certa razão tinha Carl Sauer, quando ironicamente dizia que, para a evolução do pensamento geográfico americano, nada aconteceria se um movimento tectônico reunisse os Apalaches às Rochosas. Na realidade perderia Richard Hatshorne, o chamado Hettner americano, sempre mantido um pouco à margem dessa “nouvelle vague”do Middle West.

O fato é o seguinte: o objetivo essencial do prestígio oficial, gozado pela Geografia Quantitativa no IBGE, foi justamente o de alienar os

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geógrafos dos problemas econômicos e sócias que afligem nosso país. Em 1968 entrou em vigor a legislação vinda de cima para baixo, do Estatuto do Trabalhador Rural. Em conseqüência, os trabalhadores foram despejados das fazendas; criaram-se os “bóias-frias”. Houve um êxodo em massa para as cidades; mais de um milhão de pessoas no SE brasileiro, desde o Norte do Paraná até o Sul de Goiás. Quem de nós, geógrafos, analisou e denunciou essa calamidade, resultante das tristes condições de trabalho dessa gente? Entretanto, um geógrafo que se preza não pode ignorar isso; é um grave problema social. É muito mais importante do que aplicar a cadeia de Markov.

A completa alienação dos geógrafos do IBGE, a que eu, ou melhor, um grupo se recusou a participar, levaram-me, depois de um certo tempo, a me afastar do IBGE. Fui então trabalhar na Enciclopédia Britânica; não porque eu lá fizesse pesquisa de campo, mas porque tinha um certo número de verbetes para fazer, e aquilo constituía para mim uma espécie de exercício. Toda a parte de Geografia que os outros não queriam tomar por empreitada, era entregue a mim. Assim, eu escrevi verbetes sobre: Geografia, Geografia Agrária, Geografia Econômica, Brasil, China, Alemanha – desdobrada em Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental, Berlim Ocidental, Berlim Oriental, - Laos, Formosa, Itália, França, Inglaterra, Irlanda, eyc. Serviu muito para me fazer estudar! A “Britannica” tinha uma hemeroteca de excelente qualidade; ademais, uma vez produzida aquela quantidade satisfatória de trabalhos por mês, eu podia me ausentar para fazer trabalhos de campo. Assim, fui ao Amazonas, ao Acre... Trabalhando com Antonio Houaiss, fui um homem livre e, como a ciência, a pesquisa é apanágio de homens livres. O meu chefe imediato na Enciclopédia Britannica, coordenador dos trabalhos de Geografia, não era um geógrafo, mas autor de um livro muito interessante: “Quatro séculos de Latifúndio”. Chama-se Alberto Passos Guimarães; possui uma extraordinária visão geográfica dos problemas. Com grande espanto meu, vários ídolos do IBGE tiveram seus verbetes recusados, assim como o contrato rescindido para a elaboração de outros verbetes. Em compensação, alguns bons geógrafos, não reconhecidos com tal, no IBGE, produziram belos verbetes.

A partir do Encontro de Fortaleza, os defensores da Quantitativa se envergonharam; houve algumas profissões de fé, e eles estão numa situação semelhante à daquela fábula dos ratos que estavam à procura de um rei.

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O fato é o seguinte: estamos passando por uma fase de transição e insegurança, de tal forma que alguns geógrafos, por iniciativa própria, estão pagando professor de filosofia para dar-lhes um curso de Filosofia das Ciências na PUC, ao qual assistem clandestinamente. Todos sentem desassossego, mas ao mesmo tempo a covardia e o medo de enfrentar a realidade.

Esses dez anos de Geografia do IBGE foram uma Idade Média. Temos que buscar agora uma nova Geografia.

Encontramo-nos atualmente no limiar de uma época nova. Temos que abrir os olhos para o futuro. Temos que usar a Geografia como uma Ciência concreta. A paisagem deve ser o nosso ponto de partida, pois ela é uma realidade concreta. Pode ser difícil de delimitar, mas é uma realidade bem objetiva. Devemos estudar os problemas que as populações enfrentam, resultantes de uma exploração má, de uma estruturação social injusta. Tudo isto se reflete naquilo que se observa ou nas entrevistas que colhemos. Não podemos trair essa gente. É um serviço que estamos prestando ao nosso país. E por “nosso país” significo nosso povo. Compreendo também o dilema de vocês: se o governo for do povo, isto é, representar o povo, trabalhando para este último, vocês estarão servindo ao governo. Tudo fica muito simples. Mas desde que haja o divórcio entre governo e povo, vocês não podem hesitar. Têm que fazer sua opção: se quiserem fazer uma Geografia para o governo, a fim de satisfaze-lo, não farão uma Geografia Científica; por outro lado, se quiserem fazer uma Geografia para o povo, sofrerão as conseqüências. Eis as perspectivas da atual geração! ......

Mas não se deixem abater; hoje em dia, a consciência política é muito mais avançada do que nos meus tempos de Marinha, quando fomos afastados sem ter sequer o direito de defesa. Quem era contra o Integralismo, era contra o Brasil, segundo escreveu o próprio Ministro da Marinha, em nosso processo.

Se vocês quiserem realmente fazer carreira de cientistas, o único compromisso que vocês devem ter é com a verdade, com o povo. Isto se reflete hoje em minha concepção de Pátria, de humanismo, de tudo enfim.

Devemos fazer uma Geografia que sirva ao povo brasileiro, porque somos sustentados com o dinheiro retirado dele. É então com ele que devemos ter compromisso, e não com quem está no poder. Se o povo não tivesse problemas, não haveria razão de se pesquisar. Devemos, pois, levantar esses problemas com a máxima honestidade.

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Para isso é necessária uma certa preparação; não vale apenas o ideal. E aí, caímos no problema que diz respeito a formação do geógrafo. Há um trabalho talvez organizado contra essa formação, o qual não podemos aceitar. Não há reconhecimento da carreira de geógrafo. Não há boa formação em nossos cursos superiores de Geografia; não há sequer uma noção correta do que seja Geografia em nível médio; conseqüentemente, há uma deturpação de toda a formação profissional de um geógrafo, em nosso país.

Confesso minha pequena classificação para abordar esse tema, porque fiz carreira basicamente como pesquisador; o magistério foi para mim um complemento. Além disso, acho que devem ser abolidas dos cursos de nível médio e superior, matérias tais como “Organização Social e Política do Brasil” e “Problemas Brasileiros”. Não tem conteúdo algum; não são nem História, nem Geografia, nem Sociologia, nem Administração. Ademais, são ministradas por militares aposentados, geralmente reacionários, que conseguem um adendo a seus vencimentos, excluindo civis qualificados. Sou militar aposentado, mas não me inclui nesta farsa! Temos que lutar, no nível superior de ensino, pelos currículos mínimos. Darei algumas idéias gerais sobre o que penso qual deva sr a formação de um Geógrafo Pesquisador também:

A Geografia é uma ciência, como diz Monbeig, que tem o privilégio de se encontrar na charneira das ciências naturais e das ciências sociais. Não devemos abrir mão desta situação privilegiada. No meio dos cientistas naturais, passamos por “especialistas em generalidades”; não somos especialistas em nada. Em contrapartida, junto das Ciências Sociais, possuímos um “back ground” do conhecimento do meio ambiente, da ecologia, que raramente um cientista social – sociólogo, historiador – apresenta.

Esta é, portanto, uma situação cômoda para o geógrafo. Como a Geografia tem como centro de interesse o Homem, embora não seja uma ciência puramente social, mas tem como objetivo a sociedade humana, ela se situa muito melhor entre as ciências sociais do que junto às chamadas geociências. Esta opção foi sabiamente feita ao meu ver, pela PUC e pela USP.

Além das matérias específicas da Geografia Geral e Regional, devemos ter na nossa formação cursos de geologia, que sirvam de embasamento para a geomorfologia; cursos de meteorologia, para servir de fundamento a climatologia; de hidrologia envolvendo também a oceanografia; pedologia – principalmente à parte de morfologia de solos e

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sistemática; de economia política para dar fundamento a Geografia Econômica e a própria Geografia Política; na parte de matemática, acho que nos devemos restringir a Estatística, incluindo demografia e técnicas de amostragem, muito úteis para levantamentos florestais. A sociologia e a antropologia serviram de fundamento para a Geografia Humana; cartografia, incluindo leitura de cartas, fotointerpretação e noções de sensoriamento remoto; Geografia Agrária, Geografia Urbana, Biologia para servir de base a fitogeografia e a zoogeografia, e por fim a metodologia, última disciplina a se fazer, na minha opinião, para que permita realizar a grande síntese dos conhecimentos, quando o estudante já estiver mais amadurecido.

Somente a partir das noções teóricas e de umas “tinturas” práticas adquiridas na universidade se pode iniciar a carreira de um geógrafo pesquisador. Quando se sai dos bancos escolares, ninguém, em país algum do mundo, é geógrafo. Assim também, um jovem que termina a Escola de Medicina não é um médico completo, enquanto não tiver a tarimba profissional.

Acho também que devemos lutar pela regulamentação da profissão, sem a qual não pode haver salários dignos. Essa é uma condição necessária, embora não suficiente, para se produzir trabalho de qualidade.

O geógrafo tem sido sub-aproveitado em escritórios particulares. Isto sem contar os calotes que estou cansado de levar, em pesquisas que fiz para escritórios particulares. A tal empresa privada não tem muito de digna, mas tem muito de privada.

Aqueles que se dedicam à pesquisa, comumente não têm muito senso econômico, e se envergonham de arrochar os que não lhes pagam o que lhes é devido.

Se fizermos uma Geografia digna do Brasil, do povo brasileiro, nós nos tornaremos indispensáveis; mas isso é por pressão, por luta, por sofrimento.

Confesso que passei dificuldades muito sérias, tendo uma família de sete filhos. Muitas vezes, deixei de ir às assembléias da AGB, porque não tinha dinheiro nem gozava dos benefício da Geografia oficial, dos “homens ilustres” do governo.

Eu prenuncio a vocês dias difíceis; mas ninguém tem o direito no Brasil, a longo prazo, de ser pessimista.

Porque o Brasil teve essas revelações repentinas? Primeiro país a fazer Geografia de pesquisa aplicada, fora dos meios universitários; primeiro país do Hemisfério Ocidental a fazer levantamento

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aerofotogramétrico; primeiro no mundo a ter levantamento radarométrico completo? Por que? É porque temos uma potencialidade fora do comum!

Se gruparmos os grandes países do mundo (não no sentido de potências militares), no sentido de possuir grande superfície e amplas potencialidades econômicas, reservas potências e riquezas, temos os Estados Unidos, a União Soviética, o Canadá, a Austrália, que já são países desenvolvidos; a China, que está se tornando desenvolvida, e o Brasil, que ainda é isso que se conhece. Entretanto, o Brasil apresenta todas as condições necessárias para ser um grande país, dos maiores do mundo.

Tirando a União Soviética, que tem grandes reservas despovoadas, a superfície que temos a ocupar é enorme! A Amazônia é um desafio aos brasileiros, tão grande como era no fim do século XVII, esse interior do Brasil ainda está à espera de ser conquistado pelos bandeirantes. Temos um patrimônio que herdamos do passado – a Amazônia – e não podemos esquecê-la. Ela sofre atualmente o que está sofrendo o restante do Brasil: infiltração de multinacionais, desnacionalização completa, destruição ecológica. Temos que lutar contra isso, e esse é um dos nossos compromissos profissionais: temos que guardar para o povo brasileiro o futuro, e esse futuro está na Amazônia.

Já temos, no Brasil, uma população apreciável; embora não tenhamos os melhores solos do mundo, não há talvez um quilômetro quadrado do chão brasileiro que não seja agricolamente aproveitado. Possuímos grandes reservas minerais, que ainda estão sendo descobertas. Nessa revolução energética pela qual o mundo está passando, o Brasil, para meu grande espanto, era apelidado, em agosto de 78, “O Gigante da Biomassa!” Nenhum país do mundo recebe tal quantidade de energia solar quanto o nosso, devido ao fato de sermos o maior país localizado na faixa tropical! Esse fato nos dá o privilégio de aproveitar, no futuro, a energia solar direta, ou transformada através da biomassa, como alternativa energética. Possuímos ao mesmo tempo água em quantidade suficiente, assim como desníveis favorecendo sobremaneira a implantação de hidroelétricas, que apresentam a vantagem de fornecerem energia não poluente.

Temos, pois, grandes possibilidades para o cultivo de florestas artificiais, bem como de cana, de mandioca, enfim de uma série de outros produtos que podem gerar energia.

O futuro está, portanto, conosco; não devemos deixar que o tirem de nossas mãos. Temos que assegura-lo para este país, para que seu povo tenha melhores dias. Do contrário não seremos dignos desse povo, nem

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do nosso país. Portanto sofram, mas ganhem esta luta, porque eu tenho esperança que ainda viveremos dias mais felizes.

Muito Obrigado

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CAPITAL E FORÇA DE TRABALHO NO SETOR SECUNDÁRIO EM PRESIDENTE PRUDENTE1

Olga Lúcia Castreghini de FREITAS 2

Universidade Federal do Paraná Introdução

Presidente Prudente localiza-se numa região denominada no final do século passado e início do atual de “Sertão do Paranapanema”. Segundo Abreu (1972), o café foi a primeira atividade aqui desenvolvida entre as décadas de 20 e 30, sua época de maior produção. A crise de 1929, as constantes geadas, o cansaço da terra e a baixa qualidade do café para exportação, foram fatores que muito contribuíram para provocar uma mudança de cultura, surgindo como novas tendências o plantio do algodão e amendoim e a criação de gado bovino, que suplantaram o café efetivamente a partir de 1940; além de mudança de atividades – da agrícola às primeiras tentativas de atividade industrial – representada pelas máquinas beneficiadoras e pequenas indústrias, como veremos mais abaixo.

Os tipos de atividade industrial desenvolvidos na cidade foram um complemento à economia agrícola, predominante até hoje. Surgem, então, as máquinas beneficiadoras da produção agrícola regional (café, algodão e amendoim). Observamos que além do café ter sido um importante produto agrícola, sua presença favoreceu a instalação das primeiras máquinas beneficiadoras da região, sendo as pequenas de iniciativa local e as maiores vindas de fora.

Assim, as primeiras indústrias foram as serrarias, as olarias, as máquinas beneficiadoras e os curtumes, todas ligadas à agricultura, ao extrativismo e à pecuária.

“Com o crescimento do centro urbano, surgiram fábricas de bebidas e gelo, de massas alimentícias, de sabão e sabonáceo, serralherias, gráficas, fábricas de ladrilhos e engarrafamento de água de fonte natural. São pequenas empresas, exigindo pouco capital e empregando pequeno 1Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº8, de 1986. 2Quando escreveu o artigo, a autora era aluna do Curso de Graduação da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente, então Instituto de Planejamento e Estudos Ambientais.

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número de operários. A produção visava a abastecer a cidade e a região eventualmente, alguma sobra era encaminhada para fora” (ABREU, 1972, p.140).

A partir desse crescimento do centro urbano, algumas firmas de fora se estabeleceram em Presidente Prudente, o que levou ao fechamento de muitas indústrias pequenas, pois essas levavam desvantagem na qualidade e no preço de seus produtos. Nos últimos anos da década de 30 instalaram-se em Presidente Prudente algumas firmas de expressão como a S/A I.R.F. Matarazzo e a Anderson Clayton e Co. S.A., motivadas pela presença do algodão na região. A instalação de máquinas de beneficiamento e outros tipos de atividade industrial funcionou como um atrativo para que as pessoas da região se fixassem em Presidente Prudente em busca de emprego, aumentando, assim, o movimento comercial e financeiro.

Notamos, então, o grande vínculo indústria/agricultura onde, sem dúvida, a indústria surgiu na região como um complemento às atividades agro-pecuárias.

Através da análise temporal dos dados obtidos no cadastro industrial do SENAI, levando em conta o ano de fundação constatamos que as primeiras iniciativas ligadas à atividade industrial não sobreviveram como tal, pois a indústria mais antiga data de 1945.

No quadro abaixo, poderemos observar a freqüência de instalações segundo as décadas:

Décadas 40 50 60 70 80

(até 83) Total

Número de es-tabelecimentos 6 18 57 108 33 222

Fonte: SENAI – Cadastro Industrial, 1981 Prefeitura Municipal de Presidente Prudente

A evolução do número de estabelecimentos é clara e convém lembrar que os dados da década de 80 são parciais. Desse modo fica evidente o aumento do número de estabelecimentos industriais na década de 70; nessa época o Brasil iniciava seu “milagre econômico” e a industrialização passava a ser uma das prioridades para o desenvolvimento do país. Nesse contexto encontra-se a cidade de Presidente Prudente tendo, durante os anos setenta, dobrando o número total de estabelecimentos industriais em relação à década anterior (sessenta).

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Nessa perspectiva todos os ramos industriais tiveram um significativo aumento no número de estabelecimentos, exceção feita àqueles ligados ao produto “madeira” que tiveram na década de sessenta um certo número de estabelecimentos instalados o qual não foi superado na década seguinte. Outros ramos também se destacaram na década de sessenta como o metalúrgico, o alimentício e o de vestuário.

Origem do capital

Um dos objetivos do trabalho foi o de detectar a origem do capital aplicado nas indústrias prudentinas; para tanto efetuamos algumas entrevistas que nos levaram a algumas considerações que estão a seguir.

Primeiramente cabe-nos situar o processo da origem do capital industrial de forma global, ou seja, levando em conta o Estado e principalmente a cidade de São Paulo, que é sem dúvida o universo mais representativo em se tratando de industrialização no país. Desse modo retrocedemo-nos à fase cafeeira onde o processo se inicia e temos as primeiras investidas financeiras no setor industrial, uma vez que os grandes fazendeiros do café detinham o capital, possibilitando-lhes grandes investimentos, porém esses não eram “bons” empresários o que os levou a vender suas indústrias a terceiros.

Nesse contexto aparecem os imigrantes, até então a maioria trabalhando na lavoura, porém quando obtém recursos financeiros satisfatórios transferem-se para os centros urbanos. Os imigrantes vinham de países, na maioria europeus, onde o desenvolvimento industrial era bem maior e as relações capitalistas mais adiantadas; assim acabavam tendo uma experiência anterior valiosa e desse modo começaram a investir em indústrias, geralmente de tamanho modesto, onde o capital era pequeno e proveniente de pequeno acúmulo adquirido no Brasil ou remanescente dos bens e acúmulos feitos nos países de origem.

Inserida nesse processo aparece-nos Presidente Prudente, em uma região voltada à agricultura, em princípio dedicada ao café, depois ao algodão e amendoim; desse modo passou a receber imigrantes que vinham para o Brasil e mais especificamente para o oeste paulista à procura de trabalho na lavoura. Os imigrantes que para cá vieram eram originários não só da Europa mas também houve uma grande incidência de orientais, principalmente japoneses.

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Os japoneses tiveram e têm certa importância no processo de industrialização prudentina e exemplificam muito bem a ascensão social do imigrante no Brasil.

A relação imigrante/industrialização existente em Presidente Prudente comprova o estudo feito por Mamigonian (1976), onde o autor relaciona a industrialização de São Paulo à presença do imigrante a partir do século passado.

Com a execução da entrevistas formulamos algumas conclusões sobre a origem do capital aplicado nas indústrias prudentinas: a) capital proveniente diretamente do campo; b) capital proveniente indiretamente do campo, ou seja, a indústria atual não foi o primeiro investimento quando da saída do campo, porém ao investir na indústria o capital para o negócio era remanescente do campo; c) capital proveniente do comércio, a atividade comercial forneceu o acúmulo necessário para o investimento na indústria; d) capital proveniente de negócios em ramos afins do atual: oficinas, moinhos, alfaiataria, etc... e) capital proveniente de pequenos acúmulos, empréstimos ou venda de bens, feitos por funcionários que posteriormente adquiriram seus próprios negócios; e f) “negócios de ocasião”; o capital é levantado em empréstimos ou venda de bens, a escolha do ramo é aleatória, à vontade do investidor.

Reduzindo em dois grupos teríamos: as indústrias originadas com capital vindo do campo e as provenientes de acúmulo do comércio ou serviços. Entre aquelas de capital proveniente do campo cabe-nos salientar a não freqüência de investimentos feitos por grandes fazendeiros e pecuaristas, os quais, ao que parece, preferem investir seu capital em aquisições de terras em estados vizinhos.

As indústrias cujo capital provém do campo são pertencentes a imigrantes ou a seus descendentes diretos, os quais trabalhavam inicialmente na lavoura e depois adquiriram suas próprias terras que, quando vendidas, forneceram o capital necessário ao investimento na cidade. Alguns aplicaram diretamente na compra de indústrias, outros passaram antes pelo comércio; o início era em sociedade com um irmão ou parente próximo.

Outras iniciaram suas atividades como pequenas oficinas, seja de reparo de peças, seja de trabalho em madeira além de outras, e hoje são consideráveis indústrias metalúrgicas, madeireiras, etc...

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Tipos de estabelecimentos

Uma das maiores dificuldades encontradas na execução do trabalho foi a grande divergência dos dados disponíveis em diferentes órgãos.

Os quadros abaixo dão a dimensão desse problema:

Quadro 1 – Número de estabelecimentos por tipo

Tipo de estabelecimento Nº de estabelecimentos

Curtumes 4 Frigoríficos 12 Fábricas de bebidas 25 Fábricas de calçados 147 Indústria alimentícia, cerealista e atacadista 33 Máquina de beneficiamento de cereais e algodão 13 Olarias 15 Serralherias e esquadrilhas 30 Total 279

Fonte: Relatório 1981/82 do Instituto de Economia de Presidente Prudente

Quadro 2 – Número de estabelecimentos por atividade econômica

Atividade econômica Nº de estabelecimentos

Indústria de produtos minerais não metálicos 27 Indústria metalúrgica 11 Indústria mecânica 10 Indústria de material elétrico e de comunicações 3 Indústria de material de transporte 11 Indústria de madeira 7 Indústria de mobiliário 26 Indústria de papel e papelão 1 Indústria de borracha 4 Indústria de couros, peles e produtos similares 5 Indústria química 7 Indústria de produtos de matéria plástica 4 Indústria têxtil 4 Indústria vestuário, calçados e artefatos de tecidos 41 Indústria produtos alimentares 41

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Indústria de bebidas 5 Indústria editorial e gráfica 12 Indústrias diversas 12 Total 231

Fonte: Cadastro Industrial SENAI, 1973 A fonte de dados que nos pareceu mais segura foi aquela obtida na

Prefeitura Municipal, através das fichas “modelo B”, utilizadas para cálculo do ICM. Segundo essa fonte temos 172 estabelecimentos industriais e 1.786 estabelecimentos comerciais e de serviços, ou seja, aproximadamente um estabelecimento industrial para cada dez estabelecimentos comerciais e de serviços (ver tabela 1).

Tabela 1 – Classificação dos estabelecimentos quanto à: atividade industrial, dimensão e participação no movimento financeiro

Gru

po

Atividade industrial

Nº d

e es

tabe

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cim

ento

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Dimensão Vendas (%) Compras (%)

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.

1 Agrícola (cereal.benef)

4 2 - - 2 6,6 2,6 0,06 1,7 2,1

2 Pecuária 1 1 - - - 0,03 0 0 0,004 0

3 Pedras e outros materiais p/ construção

2 - 2 - - 0,2 0,02 0 0,05 0,0007

4 Prod. minerais não metálicos

20* 14 4 - - 0,9 0,08 0 0,5 0,3

5 Prod. metalúrgicos

23 7 12 4 - 6,2 2 0,02 3,5 0,4

6 Prod. mecânicos 5 - 4 1 - 1,1 0,8 0 0,8 0,04

7 Mat. Elétricos e de comunicação

5* - 2 2 - 1,3 3,2 0 1,8 0,08

8 Mat. de transp. não motorizado

3 - - 3 - 2,2 1,3 0 3,4 0,4

9 Madeira 6* 2 1 2 - 0,9 0,6 0 0,2 0,3 10 Mobiliário 18 8 9 1 - 1,4 0,4 0 0,6 0,3 11 Papel e papelão 2 - 2 - - 0,2 0,0007 0 0,04 0,02 12 Borracha 3 2 1 - - 0,1 0,004 0 0,02 0,002

13 Couros, peles e prod. similares

5 - 1 2 2 5,5 20,4 0 14 1,1

14 Químicos 5 - 1 4 - 2,1 2,6 0 2,3 0,2

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15 Prod. farmac., médic. e perf.

1 - - 1 - 1,2 0,5 0 1,3 0,02

16 Prod. de matéria plástica

5 1 3 1 - 3,7 1,5 0 0,9 0,2

17 Vestuário, calç. e artef. tecidos

26 5 16 5 - 8,8 6,5 0 5,4 0,9

18 Prod. aliment. origem agrícola

9 - 4 3 2 6,1 18 0 46,5 4,7

19 Prod. aliment. vários

14 2 8 4 - 4,1 6,2 0 4,1 0,5

20 Bebidas, liq. alc. e vinagre

5 - 2 2 1 5,2 13,9 0,07 6,4 1,7

21 Editora e gráfica 4 - 3 1 - 1,2 0,2 0 0,6 0,122 Diversos 2 - 2 - - 0,3 0,2 0 0,2 0,02

23 Ind. trans. pedras e outros mat. p/ construção

3 - 3 - - 0,6 0,01 0 0,3 0,06

24 Frigoríficos 1 - - - 1 39,6 18 99,8 4,5 86,2 Total 172 44 80 36 8

* Há nesse grupo indústrias que não tiveram movimento financeiro e não foram classificadas. Fonte: Fichas “modelo B” – Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, 1983.

Tentamos fazer uma classificação das indústrias em micro, média e grande, baseado no número de funcionários; porém, não retratou a realidade, pois o que dá realmente a dimensão e importância de uma indústria é o giro de capital da mesma e o número de funcionários nem sempre é o reflexo disso, uma vez considerada a produção artesanal em contraste com a moderna (maquinaria). Assim, para efetuar essa classificação, levamos em conta o movimento financeiro e obtivemos quatro categorias: micro indústria (menos de Cr$ 5.000.000); pequena indústria (de Cr$ 5.000.000 a menos de Cr$ 100.000.000); média indústria (de Cr$ 100.000.000 a menos que Cr$ 1.000.000.000) e grande indústria (mais de Cr$ 1.000.000.000).

Desse modo, temos a seguinte distribuição:

Categoria Nº de estabelecimento % sobre vendas Micro indústria 44 0,2 Pequena indústria 80 3,2 Média indústria 36 12,5 Grande indústria 8 84,0 Sem movimento 4 --

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Observando essa distribuição, fica evidente a participação de cada categoria no montante.

Os estabelecimentos classificados como micro indústrias são os chamados “familiares”, denominados por Souza (1981), como de “pequena produção”, onde a característica principal é que o “proprietário dos meios de produção não está totalmente desvinculado das tarefas diretamente produtivas”. É comum vermos nas micro e em algumas pequenas indústrias, o proprietário ou seus familiares trabalhando diretamente na produção, exercendo atividades que vão desde a compra de matéria-prima, passando pela auxílio direto na produção, até a venda do produto acabado. Essas indústrias têm pouca maquinaria, a produção se faz geralmente à base do trabalho manual; o capital não é intensivo.

Os principais ramos onde a maior incidência é de micro indústrias são: produção de minerais não metálicos (olarias); produtos metalúrgicos; mobiliários e vestuário, calçados e artefatos de tecidos. A participação desse grupo com 44 estabelecimentos (25% do total) é diminuta no que concerne às vendas totais do município, pois se restringem a 0,2%.

As indústrias classificadas como pequenas apresentam, as menores, características de “produção familiar”, e dentre os vários ramos, são mais expressivos: produtos metalúrgicos, mobiliário, vestuário, calçados e artefatos de tecidos e produtos alimentícios. Esse grupo, com 80 estabelecimentos (46%), é o maior numericamente, porém participa com 3,2% das vendas totais.

As indústrias classificadas como médias, são de capital local e algumas apresentam franca tendência ao crescimento e mudança de categoria, de média para grande. Vários ramos estão nesta classificação e não há nenhum que se sobressaia em termos de número de estabelecimentos. As médias indústrias são em número de 36 (21%) e sua participação no total das vendas é de 12,5%.

Entre as grandes indústrias temos 50% de capital externo à cidade e 50% de iniciativa local; são geralmente voltadas para o ramo alimentício (ver tabela 1). Quanto a essas, é visível sua importância, onde apenas 8 (oito) estabelecimentos concentram 84% do total de vendas.

Assim, fica patente a força do capital externo à cidade; apesar do pequeno número de estabelecimentos, sua participação é importante na economia prudentina (como fonte de emprego, entre outras coisas), e a baixa participação das indústrias de capital local no montante do movimento financeiro.

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Proveniência da matéria-prima

No que concerne à matéria-prima, com base nos gêneros industriais encontrados em Presidente Prudente, notamos que a mesma é fator de localização industrial somente para as indústrias vindas de fora, unidades de grandes firmas, nacionais ou não, como o Frigorífico Bordon, instalado na cidade em virtude desta área ser de engorda para o gado (Mamigonian, 1976). Além dessa, outras firmas como a CICA, a Lotus, a Sanbra – esta última entre outras que estão desativadas – foram atraídas pela matéria-prima existente na região, ou como a CICA, que organizou sua própria rede de abastecimento de tomate com incentivos ao produtor, como “certeza” de venda da produção.

O destaque em fornecimento de matéria-prima é dado à cidade de São Paulo, isto porque a maior utilização se dá não da matéria-prima “in natura”, o que ocorre é uma “re-transformação”, ou seja, a matéria-prima já sofreu uma transformação antes de ser utilizada, por exemplo: as indústrias químicas existentes em Presidente Prudente somente fazem a mistura dos elementos químicos, pois não possuem laboratórios; no setor gráfico ocorre o mesmo, segundo um proprietário entrevistado “as gráficas de Presidente Prudente são prestadoras de serviço, não há gráficas em nível industrial como é por exemplo a Tilibra, que é fábrica, as daqui produzem por encomenda”.

Segundo as fichas “modelo B”, o fornecimento de matéria-prima para as indústrias prudentinas é feito em 39% por cidades do Estado de São Paulo e em 61% por cidades de outros Estados.

O interior dos Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, participam com destaque no fornecimento da matéria-prima utilizada nas indústrias alimentícias: farinha, gado bovino, tomate, algodão entre outras. (figura 1).

Destino dos produtos industrializados

A comercialização da produção é feita a nível local, regional, dentro e fora do Estado de São Paulo e algumas indústrias chegam a comercializar com o exterior, mas em pequenas proporções. Sem dúvida o mercado regional é o mais importante, entendendo-se por regional o espaço compreendido entre os municípios vizinhos de Presidente Prudente no

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Estado de São Paulo, o norte do Paraná e a porção meridional do Mato Grosso do Sul. Esse é o principal raio de atuação das indústrias prudentinas, porém algumas extrapolam essa delimitação e distribuem seus produtos para todo o Brasil através de filiais comerciais, revendedores e distribuidores, esporadicamente alcançam países vizinhos como o Paraguai e a Bolívia (no caso de bebidas).

Figura 1 – Presidente Prudente: Procedência da matéria-prima destinada aos estabelecimentos industriais – 1.983

Das vendas de produtos fabricados em Presidente Prudente, segundo as fichas “modelo B”, ficam no Estado de São Paulo 52% e vão para outros Estados 48% da produção; essa porcentagem de fornecimento para outros Estados tem como principais ramos participantes: produtos alimentícios, couro, peles e produtos similares, frigoríficos e bebidas. Já no

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fornecimento para o próprio Estado destacam-se: frigoríficos, produtos alimentícios, vestuário, calçados e artefatos de tecidos.

Um dos problemas encontrados na venda da produção para mercados distantes é o encarecimento no preço dos produtos em função do transporte, o que pode deixar em desvantagem as indústrias que tentam entrar em um novo mercado; para superar esse problema, do frete, as indústrias maiores têm suas próprias transportadoras e fazem o transporte da matéria-prima e do produto acabado, diminuindo ou pelo menos não aumentando o preço final uma vez que essas transportadoras não visam lucro. Força de trabalho

Após tratarmos alguns fatores inerentes à industrialização, nos deteremos ao estudo da mão-de-obra, um aspecto de grande importância, que será considerado agora. Segundo Mincer (1975), o crescimento econômico de uma cidade, região de país, está diretamente vinculado à força de trabalho aí existente e “a transformação de grandes massas de mão-de-obra marginalmente produtivas numa força de trabalho moderna, educada e produtiva é tanto a condição mais importante quanto o objetivo mais essencial do desenvolvimento econômico” (p.26).

No processo histórico de desenvolvimento, temos uma transferência de mão-de-obra do setor primário para o secundário (ANGELO, 1980). A mobilidade da mão-de-obra e a migração são gerados e intensificados pelo desenvolvimento econômico, o qual promove um aumento do número de empregados no setor industrial (MINCER, 1975).

Segundo o Censo 1980, o município de Presidente Prudente tem uma população economicamente ativa de 54.774 pessoas e desse total, 13.100 exercem atividades no setor secundário entre as indústrias de transformação, construção e outras, distinção feita pelo próprio IBGE e encontram-se distribuídos entre 11.745 homens (89,5%) e 1.394 mulheres (10,5%). Devemos ter cautela ao considerarmos esses dados, pois a indústria de construção entra nesse montante com aproximadamente 40% e nem sempre a mesma é considerada em outras fontes com tamanha significância.

Como há uma grande diversidade de dados optamos por aqueles obtidos através do Cadastro Industrial do SENAI de 1981, onde temos 108 estabelecimentos industriais com um total de 4.007 funcionários e

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destes 613 são qualificados. Assim, constatamos que a maior parte concentração de funcionários dá-se no ramo alimentício, que detém 49,8% do total de mão-de-obra ocupada no setor industrial prudentino, refletindo mais uma vez a grande importância das empresas de capital externo à cidade para absorção de mão-de-obra; assim três empresas, a saber: CICA, Frigorífico Bordon e a Lótus, absorvem, juntas, 34% da mão-de-obra industrial total e 70% do setor alimentício, enquanto que as demais, num total de 17 empresas absorvem 30% da mão-de-obra ocupada nesse setor. A atuação dessas empresas é ambígua, pois ao mesmo tempo que se apresentam importantes para o processo industrial e absorvem uma grande quantidade de mão-de-obra, nos períodos de safra, contribuem para o aumento do desemprego nas épocas de entre safra, visto que nesse período há uma sensível diminuição do número de funcionários devido a liberação de mão-de-obra que no período da safra encontravam-se ocupada.

O outro ramo mais significativo quanto à absorção de mão-de-obra é o metalúrgico, ocupando 15,2% da mão-de-obra total, é seguido pelo químico (10,7%), vestuário (9,1%), construção (5,7%), madeira (5,6%) e gráfico (3,6%) (ver tabela 2).

Quanto à qualificação temos dois enfoques à luz dos quais considerá-la: a porcentagem dos funcionários qualificados sobre o total dos funcionários do ramo e a porcentagem dos funcionários qualificados de cada ramo sobre o total dos funcionários qualificados.

Assim, dentro do primeiro enfoque destacam-se os ramos: madeira (45,5%), metalúrgico (43,1%), gráfico (35%) e vestuário (20,5%). Considerando o segundo enfoque temos: metalúrgico (43%), madeira (16,6%), alimentício (13,5%) e vestuário (12,2%), como os mais significativos.

O ramo alimentício apesar de ser o que concentra o maior número de funcionários (1.977), apresenta apenas 4,2% com qualificação (83 funcionários), número este alto para o total geral de funcionários qualificados mas muito reduzido para o total de funcionários do setor.

A porcentagem de qualificação é, de um modo geral, da ordem de 15%.

A seguir, as tabelas 2 e 3 conseguidas através dos dados do Cadastro Industrial do SENAI para os anos de 1973 e 1981 dar-nos-ão uma idéia do que ocorreu nesse período no que concerne ao número de estabelecimentos e à mão-de-obra ocupada nesse setor. Assim, o setor secundário num período de oito anos ofereceu menos 965 empregos em 1981 se comparado a 1973. Desse modo, além de não haver o crescimento

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“natural” de empregos, em virtude do próprio aumento da população, houve uma redução em termos absolutos.

Em 1973 os ramos mais representativos enquanto porcentagem de absorção da mão-de-obra total eram: alimentício (57,8%), químico (11,5%), metalúrgico (10%) e vestuário (8,2%); em 1981 a participação era a seguinte: alimentício 49,8%; metalúrgico, 15,2%; químico, 10% e vestuário, 9,1%, ou seja, os quatro ramos que mais absorvem mão-de-obra continuaram sendo os mesmos, somente houve uma variação no índice entre o metalúrgico e o químico. Tabela 2 – Distribuição dos funcionários por ramos de atividade industrial Ramos

Alim

en-

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Mad

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Quí

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alúr-

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Out

ros

Tota

l

Total funcionários para o ramo

1997 365 224 230 430 610 145 6 4007

Porcentagem do ramo so-bre o total de funcionários

49,8 9,1 5,6 5,7 10,7 15,2 3,6 0,1

Número total de funcioná-rios qualifica-dos

83 75 102 17 22 263 51 -- 613

Porcentagem de qualifica-dos sobre o total do ramo

4,2 20,5 45,5 7,4 5,1 43,1 35 --

Porcentagem dos funcio-nários quali-ficados sobre o total de qualificados

13,5 12,2 16,6 2,7 3,6 43 2,3 --

Fonte: Cadastro Industrial – SENAI, 1981.

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Tabela 3 – Número de estabelecimentos industriais e de funcionários por ramos de atividade industrial

Ramo Número de estabelecimentos

Número de funcionários

% de func. sobre o total

Nº de func. qualificados

1973 1981 1973 1981 1973 1981 1981 Alimentício 47 20 2874 1997 57,8 49,8 83 Vestuário 45 16 410 365 8,2 9,1 75 Madeira 33 16 257 224 5,1 5,6 102 Construção 27 11 159 230 3,2 5,7 17 Químico 20 9 571 430 11,5 10,7 22 Metalúrg. 35 27 510 610 10,2 15,2 263 Gráfico 13 8 164 145 3,3 3,6 51 Outros 12 1 27 6 0,5 0,1 -- Total 232 108 4972 4007 613

Fonte: Cadastro Industrial – SENAI, 1973 e 1981.

Com os dados obtidos em entrevistas diretas nas indústrias, (uma amostragem de 157 funcionários) pudemos construir algumas tabelas, gráficos e mapas, enfocando: idade, salário, deslocamento da residência ao local de trabalho, correspondentes a 4% da mão-de-obra total, ocupada nesse setor.

Construímos uma pirâmide das idades dos ocupados na indústria prudentina (Figura 2), onde constatamos que a maior ocorrência é de funcionários com idade variando entre 15 e 29 anos, com destaque para a faixa de 15 a 19 anos; assim, caracterizaríamos o funcionalismo industrial prudentino principalmente como jovens.

A distribuição dos funcionários do sexo masculino dá-se de modo mais equilibrado, ou seja, praticamente em todas as classes de idade que aparecem na pirâmide, há a presença de homens, o que já não ocorre com as mulheres, cuja participação diminui sensivelmente após a faixa dos 29 anos e há também uma progressiva diminuição das mesmas nas faixas 15-19, 20-24 e 25-29 anos, evidenciando uma maior instabilidade.

A presença de mulheres dá-se principalmente nas indústrias alimentícias e de calçados, de modo geral, em indústrias onde o trabalho manual ainda prevalece e o “artesanato” seja a base da produção.

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Figura 2 – Presidente Prudente – Pirâmide das idades dos ocupados na indústria – 1984.

Fonte: Entrevistas nas indústrias (amostragem)

Quanto ao salário, 86% dos funcionários recebem de um a dois

salários mínimos, 8,8% de dois a quatro, 3,5% menos que um e 0,8% mais que quatro; isso evidencia o baixo nível de remuneração da grande maioria do funcionalismo industrial prudentino. Temos ainda uma redução no salário das mulheres de aproximadamente um terço em relação ao dos homens, ou seja, para funções similares as mulheres – bem como os menores – tem seu salário um terço mais baixo que o dos homens.

Dispondo dos salários e dos endereços dos funcionários, fizemos uma relação entre ambos e tivemos algumas áreas de destaque em moradia de funcionários cujos salários variam de um a dois salários mínimos, como é o caso da zona leste da cidade, dos bairros chamados popularmente “além linha” devido a sua localização a leste dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana que corta parte da cidade. Há ainda outras áreas que demonstram uma certa concentração de mão-de-obra como é o caso dos

Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

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bairros populares (COHAB/CECAP e adjacências), ou seja, entre as porções oeste e nordeste da cidade.

O cartograma (figura 3) foi elaborado levando em conta o local de moradia e o local de trabalho do funcionário, dando-nos o fluxo e o deslocamento dos mesmos para atingirem seus locais de trabalho. Notamos que a minoria mora perto do trabalho; a maioria tem um grande deslocamento diário e muitos atravessam quase que a cidade inteira, utilizando-se para tanto de ônibus urbano, visto que limitadas indústrias transportam seu pessoal com ônibus próprio. Os que residem próximo ao trabalho deslocam-se de bicicleta ou então “a pé”.

Figura 3 – Presidente Prudente – Deslocamento diário dos funcionários das indústrias na cidade - 1984

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Considerações finais

Finalizando, temos em Presidente Prudente a predominância das pequenas indústrias, onde as relações de produção são ainda arcaicas, ou seja, ainda predominam as indústrias “familiares”, de caráter pessoal e sem muito capital para a sofisticação de produção através de maquinários.

As indústrias existem, mas não se constituem na mola propulsora da economia local. Há uma grande predominância do setor primário, principalmente no que diz respeito aos grandes estabelecimentos agrícolas ou pecuaristas, sobre o setor secundário.

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IDENTIDADE NACIONAL, IMAGEM DO BRASIL E OS

DISCURSOS DA GEOGRAFIA 1

Micheline LADOUCEUR Universidade de Quebec (Canadá)/Universidade de São Paulo

Da geografia tradicional até uma chamada geografia moderna, essa

disciplina teve principalmente o papel de descrever a paisagem sem explicá-la. Quando a geografia começou a tentar explicar essa paisagem, fez uma explicação da “natureza-sociedade”, limitando-se à questão da natureza e mostrando uma paisagem que nega os homens e as mulheres como fazendo parte do meio ambiente (ou seja, da natureza), e ocultando as relações sociais. O geógrafo canadense, De Konninck, chamou isto de paisagem idealizada. A geografia se tornou uma disciplina reacionária, ou seja, se tornou um saber a-crítico que é recuperado e manipulado pelo Estado moderno e as classes dominantes. (A geografia da paisagem constrói ordem ocultando a desordem e assinala o “vivido” atrás do “visto”.

Esse discurso da geografia foi reproduzido nas revistas acadêmicas e os livros didáticos que dão uma imagem idealizada do território Estado-nação. O discurso dessa geografia é um discurso sobre um espaço neutro, sem conteúdo das relações sociais, a produção e a reprodução. Essa literatura recusa discutir uma crítica do capital. Se esquece que antes de arranjar o espaço, se tenta arranjar os homens e as mulheres. Isto é, para poder dominar os homens e as mulheres.

O discurso dominante dos livros didáticos brasileiros durante o período da ditadura é uma ilustração de um discurso homogêneo que reproduz o “saber” geográfico veiculando as noções de identidade nacional construída pelo Estado moderno. O conceito de território e/ou espaço que se descreve nos livros, é o conceito de território construído pelo Estado moderno.

Os autores de livros didáticos reproduzem o saber que os ensinaram da escola primária até a universidade, com a influência do IBGE., instrumento do Estado moderno, que teve um papel importante no discurso “oficial” da geografia. Na minha tese estou tentando ver as relações e as não relações entre os três discursos: discurso do Estado

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº11/12, de 1989.

Micheline Ladouceur – Identidade nacional, imagem do...

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através das revistas do IBGE, discurso acadêmico através das revistas da AGB e discurso da escola através dos livros didáticos de geografia. (por exemplo, se vê que a partir do milagre econômico no Brasil aparece uma geografia do desenvolvimento econômico dando uma marcante importância à industrialização e aos grandes projetos do Estado... aparece pela primeira vez a noção de “regionalização” como estratégia.

O discurso acadêmico se reflete também nos autores e pode ter relações importantes entre a geografia dos professores, dos pesquisadores e conselheiros dos poderes como no planejamento, urbanismo, etc... A geografia que se ensina é uma interpretação dos outros discursos geográficos. Não se deve esquecer que os livros didáticos vão buscar as fontes na geografia dos pesquisadores, acadêmica ou “oficial” como o IBGE. Os livros didáticos vão ter o papel de simplificar esse discurso acadêmico. Não há sempre uma grande divisão entre o papel do ensino e da prática. De Konninck diz que a geografia “colaboradora” (ou colaboracionista) não é esquizofrênica, a geografia ensina o que ela pratica, prática no sentido de como arranjar o mundo segundo os interesses de uma minoria. Isto demonstra a importância da crítica dos programas curriculares da geografia – programas quase sempre criados pelos tecnocratas do Estado.

Os autores de geografia, tem a princípio, o poder do saber acadêmico. Então seria importante mostrar como, por exemplo, os planos são um instrumento que tenta dar um certo equilíbrio às contradições do capital no espaço – espaço onde se encerram os homens e as mulheres.

Também os livros didáticos veiculam discursos sobre a nação que se chama brasileira, canadense ou francesa, por exemplo. Se dá uma etiqueta nacional às paisagens, e assim um rio, por exemplo, tem uma nacionalidade também. Então os brasileiros se tornam “co-proprietários” do rio amazonas. Se cria uma relação homem-natureza através da identidade nacional. O estudo da geografia é muito ligado ao sentimento nacional. Reforçar a identidade nacional pela geografia é uma boa razão para que seja uma disciplina obrigatória. Nos livros didáticos, parece que o Estado-nação não é um fato resultante de uma construção histórica, mas a construção de um território, primeiro, pela natureza. O espaço físico se torna o elemento essencial da identidade nacional, onde nasce uma cultura única da nação-país, projetando a mistura de três raças – aqui se distingue a sociedade pela cor da pele e não pelas classes sociais (ou senão pelos sexos).

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Através do discurso geográfico escolar, a identidade nacional se define através do desenvolvimento econômico favorecendo a unidade e a integração nacional - assim tendo o papel de ocultar as outras identidades. A identidade nacional é uma dialética de diferença/identificação - em relação com o sentimento de pertencimento a uma nação pelo território, a história e a cultura comum – e essa “identidade nacional” quer incluir todos os grupos sociais num mesmo discurso e simula as correlações de poderes ou de forças.

Se mascaram as relações dominates/dominados e se constrói uma imagem representativa e positiva da nação-país hieriarquizando as culturas: por exemplo: o autóctone tem uma cultura subdesenvolvida, o sul do país tem uma cultura rica por causa de sua origem européia, etc... Não se reconhece a própria identidade dos autóctones ou, senão, se pretende falar para os autóctones negando o discurso deles – como o conceito de território que é diferente para eles. As mulheres são reduzidas às pirâmides de população, o que tem o papel de ocultar como a ação do capital reforça as desigualdades mulheres-homens. De maneira geral, o saber geográfico reproduzido nos livros didáticos nega um projeto de sociedade homens-mulheres.

Pois, a imagem do Brasil se constrói pelos chamados recursos naturais e o desenvolvimento industrial e capitalista. Essa imagem é baseada na super-valorização dos recursos econômicos. Mas isto não é só o discurso geográfico e escolar do Brasil. A geografia de Quebec e do Canadá que se ensina tem como tema central os recursos naturais vistos como uma riqueza coletiva e um fator de desenvolvimento quando é explorado, industrializado, criador de empregos, e quando circula no mercado. Na realidade se fala de matérias primas e não de recursos naturais. O geógrafo Raffestin, que elaborou a questão de territorialidade e trabalho, sublinhava que não existem recursos naturais, mas existem matérias naturais, vendo os recursos como um produto de uma multiciplidade de relações. No Brasil, como no Quebec, se representam as matérias primas como as propriedades de todos os cidadãos num território grande. Se oculta a energia do trabalho, base da relação do homem e da mulher com o meio ambiente. Como se sabe, o espaço-tempo é controlado pelo capitalismo, concentrando a economia e dividindo o trabalho.

Nos livros didáticos se define uma unidade nacional a partir da própria divisão do território em regiões, mostrando o nordeste como a região subdesenvolvida em que precisa copiar o modelo de São Paulo, região desenvolvida, no exemplo perfeito da sociedade capitalista. De

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outro lado, se divide também a sociedade, não em classes sociais, mas se faz uma divisão dos sexos, homem-mulher, e de raças, ocultando a questão de territorialização e desterritorialização das várias identidades.

Também no Brasil temos os desenvolvidos e os subdesenvolvidos, da mesma maneira que se divide o “mundo”. Se constrói uma imagem de um mundo segundo as leis geográficas: norte-sul, se identifica o norte com os desenvolvidos- o chamado primeiro mundo, termo que quase não se usa no Quebec – diminuindo o valor do terceiro mundo. E hoje, se tenta substituir essa divisão norte-sul em divisão leste-oeste.

Os mapas são apresentados não para mostrar uma visão do mundo, mas uma divisão do mundo (Christine Risi). Ainda os mapas são bons exemplos de uma caricatura desse mundo dividido.

Os livros didáticos do Quebec não escapam a esse “ recorte” do território em regiões administrativas. Também se usa muito a carta “topográfica”, usando de técnica moderna para fazer como se a criança estivesse no terreno. O problema não é de usar ou de não usar da técnica como tal, o problema é que os livros didáticos de geografia querem mostrar o máximo de mapas, imagens, etc., sem se preocupar com uma explicação, que termina numa descrição simplificada do mundo e justificando o recorte (a divisão).

Quer seja no Canadá ou quer seja no Brasil, o discurso dominante dos livros didáticos têm o papel de maximizar a projeção do mundo para observar as organizações territoriais, mas esquecendo das práticas territoriais (c. Risi), ou seja, das práticas sociais que são uma produção econômica e uma reprodução ideológica, valorizando o capital pelas indústrias, por exemplo, em vez de valorizar o trabalho que hoje pertence ao capital e não aos homens e as mulheres. Se desterritorializam os homens e as mulheres.

Dividindo tudo, a geografia confunde o “espaço vivido” e o “espaço construído”. E quando se fazem exercícios com os mapas, é para comentar. Mas para isso, teria que ensinar as crianças a criticar. Porque o aluno não poderia aprender a construir um quadro, uma trilha de investigação, etc.?

Hoje no Brasil, começam a surgir novos discursos da geografia e no Quebec se mudou o programa curricular de geografia. Mas na realidade não tem nada de novo. Os livros didáticos de “geografia do Quebec e do Canadá” aproveitados pelo ministério da educação, veiculam o mesmo tipo de discurso tradicional, mas cheios de imagens bonitas. O ministério da educação no Quebec aproveita os livros com critérios de racismo e

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sexismo, mas não tem crítica do discurso geográfico. Na realidade, o discurso geográfico continua a fazer a propaganda do nacionalismo do estado Quebequense e do estado canadense.

No Quebec não houve uma tentativa concreta de mudar o discurso, a não ser um Atlas feito por Jean Carrierè que usa da projeção do mundo de Peters. Mas houve uma tentativa de mudar o discurso pedagógico como tal. Na origem, foi um grupo de 36 pessoas, estudantes e professores, que iniciou um tipo de caderno pedagógico que propõe atividades para várias disciplinas e níveis diferentes. A primeira experiência era local, tentando mostrar e explicar as realidades vividas numa cidade mineira. Os objetivos eram: 1) Partir da realidade quotidiana da criança, do meio dele para que possa

construir sua própria experiência social (defesa dos direitos, mudar valores da sociedade baseada na competição, o sexismo, a violência, etc.);

2) Partir da realidade vivida (ex. de Paulo Freire e Celestin Freinet) para que a criança possa reconhecer-se no conteúdo e dar uma apropriação ativa do saber das crianças.

Também o sindicato dos professores (C.E.Q.) do Quebec fez outro caderno pedagógico sobre os direitos humanos no Quebec e no mundo. Tem 3 etapas: a observação da realidade; a análise da realidade; e a transformação da realidade. São várias atividades sobre temas diferentes, como sobre os autóctones (análise geográfica) e a fome no mundo. Foram feitos vários cadernos que constituem um trabalho de equipe: racismo (visão do mundo); a paz; etc... Esses cadernos pedagógicos poderiam ser recuperados pelos geógrafos, que poderiam também melhor desenvolver o princípio ponto. No Quebec é o único instrumento que permite ultrapassar ou evitar o discurso “oficial”... mas sempre depende de quem vai utilizá-lo, porque os professores têm uma boa formação acadêmica mas muitos não ultrapassam esse discurso acadêmico vulgarizado (sem mudar o conteúdo do discurso).

Não sei se um tipo de caderno pedagógico como tal, poderia ser criado aqui – no sentido de adaptar essas idéias às realidades brasileiras. De outro lado, a geografia quebecna poderia tentar aplicar um novo discurso escolar dentro da geografia, no exemplo dos novos discursos no Brasil.

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A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E O TERRITÓRIO:

REALIDADES E PERSPECTIVAS1

Milton SANTOS Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento

de Geografia

Nas épocas de grande mudança, um dos graves problemas que se impõem aos estudiosos é o encontro do novo. Sem isso, o seu trabalho científico e a possibilidade de uso desse trabalho ficam comprometidos. De todo modo, o presente que buscamos jamais conhecemos inteiramente. Seja isso uma desculpa para o caráter exploratório do texto que segue e que se apresenta mais como uma hipótese de trabalho e uma base de discussão, empreendidas, sobretudo, a partir de análise do empírico, ainda que sem desprezo pelos ensinamentos teóricos.

O fato de que o processo de transformação da sociedade industrial em sociedade informacional não se completou inteiramente em nenhum país, faz com que vivamos, a um só tempo, um período e uma crise, e assegura, igualmente, a percepção do presente e a presunção do futuro, desde que o modelo analítico adotado seja tão dinâmico quanto a realidade em movimento e reconheça o comportamento sistêmico das variáveis novas que dão uma significação nova à totalidade.

Nesse exercício, o ponto de vista adotado aqui é, sobretudo, o de nosso campo de estudo, isto é, o do espaço territorial, espaço humano. Mas a interdependência, ao nível global, dos fatores atuais de construção do mundo deve assegurar às propostas aqui avançadas um certo interesse no que tocas às demais ciências sociais. Com a globalização do mundo, as possibilidades de um enfoque interdisciplinar tornam-se maiores e mais eficazes, na medida em que a análise fragmentadora das disciplinas particulares pode mais facilmente suceder um processo de reintegração ou reconstrução do todo. Nesse processo de conhecimento, o espaço tem um papel privilegiado, na medida em que ele cristaliza os momentos anteriores e é o lugar de encontro entre o passado e o futuro, mediante as relações sociais do presente que nele se realizam. Desde que um enfoque particular se proponha com uma visão contextual, deve ser possível, através da soma de estudos setoriais, recuperar a totalidade da globalização das relações

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº13, de 1991.

Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

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sociais, assim como o caráter aparentemente irrecorrível da modernidade atual são, por outro lado, dados que devem permitir uma visão prospectiva.

1 - A revolução científico-técnica e suas conseqüências

1.1. O período técnico-científico

A fase atual da história da Humanidade, marcada pelo que se denomina de revolução científico-técnica, é freqüentemente chamada de período técnico-científico (ver, por exemplo, Radovan Richta, La Civilisation au Carrefour, Paris, Editions Du Seuil, 1074). Em fases anteriores, as atividades humanas dependeram da técnica e da ciência. Recentemente, porém, trata-se da interdependência da ciência e da técnica em todos os aspectos da vida social, situação que se verifica em todas as partes do mundo e em todos os países. O próprio espaço geográfico pode ser chamado de meio técnico-científico (Tratamos do assunto em Espaço e Método, São Paulo, Editora Nobel, 1985). Essa realidade agora se estende a todo o Terceiro Mundo, ainda que em diferente proporção, segundo os países. Na América Latina, não há país em que essas transformações não se dêem, entronizando a ciência e a tecnologia como nexos essenciais ao trabalho e à vida social, ao menos para os respectivos setores hegemônicos, mas com repercussão sobre toda a sociedade.

Nesta nova fase histórica, o mundo está marcado por novos signos, como: a multinacionalização das firmas e a internacionalização da produção e do produto; a generalização do fenômeno do crédito, que reforça as características da economização da vida social; os novos papéis do Estado em uma sociedade e uma economia mundializadas; o frenesi de uma circulação tornada fator essencial da acumulação; a grande revolução da informação que liga instantaneamente os lugares, graças aos progressos da informática.

1.2. A percepção da simultaneidade

O fenômeno da simultaneidade ganha, hoje, novo conteúdo. Desde sempre, a mesma hora do relógio marcava acontecimentos simultâneos, ocorridos em lugares os mais diversos, cada qual, porém, sendo não apenas autônomo como independente dos demais. Hoje, cada momento

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compreende, em todos os lugares, eventos que são interdependentes, incluídos em um mesmo sistema de relações. Os progressos técnicos que, por intermédio dos satélites, permitem a fotografia do planeta, permitem-nos uma visão empírica da totalidade dos objetos instalados na face da Terra. Como as fotografias se sucedem em intervalos regulares, obtemos, assim, o retrato da própria evolução do processo de ocupação da crosta terrestre. A simultaneidade retratada é fato verdadeiramente novo e revolucionário para o conhecimento do real e o correspondente enfoque das ciências do homem, alterando-lhes, assim, os paradigmas.

1.3. Unicidade técnica e da mais-valia

O espaço geográfico agora mundializado redefine-se pela combinação desses signos. Seu estudo supõe que se levem em conta esses novos dados revelados pela modernização e pelo capitalismo agrícola, pela especialização regional das atividades, por novas formas e localizações da indústria e da extração mineral, pelas novas modalidades de produção da energia, pela importância da circulação no processo produtivo, pelas grandes migrações, pela terceirização e pela urbanização extremamente hierárquicas. Os espaços rurais e urbanos são redefinidos, na sua transformação, pelo uso sistemático das contribuições da ciência e da técnica e por decisões de mudança que levam em conta, no campo e na cidade, os usos a que cada fração do território vai ser destinada. Trata-se de uma geografia completamente nova. Todo esforço de conceptualização exige que os novos fatores ao nível mundial (cuja lista certamente não esgotamos) sejam levados em conta, tanto ao nível local, como regional ou nacional. Os estudos empíricos ganham a partir desse enfoque.

Para a compreensão de um sem-número de realidades, e particularmente no que se refere ao espaço, o aparecimento de dois novos fenômenos constitui a base de explicação histórica de sua nova realidade. De um lado, o período atual vem marcado por uma verdadeira unicidade técnica, isto é, pelo fato de que, em todos os lugares (Norte e Sul, Leste e Oeste) os conjuntos técnicos presentes são “grosso modo” os mesmos, apesar do grau diferente de complexidade; e a fragmentação do processo produtivo à escala internacional se realiza em função dessa mesma unicidade técnica.

Antes, os sistemas técnicos eram apenas locais, ou regionais, e tão numerosos quantos eram os lugares ou regiões. Quando apresentavam

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traços semelhantes não havia contemporaneidade entre eles, e muito menos interdependência funcional. Por outro lado, a impulsão que recebem esses conjuntos técnicos atuais (ou suas frações) é única, vinda de uma só fonte, a mais-valia tornada mundial ou mundializada, por intermédio das firmas e dos bancos internacionais. O conhecimento empírico da simultaneidade dos eventos e o entendimento de sua significação interdependente são um fator determinante da realização histórica, ao menos para os setores hegemônicos da vida econômica, social e política. Mas estes arrastam todos os demais. Daí porque nos referimos a uma empiricisação da universidade (M. Santos, “Geography in the late twentieth century: new roles for a threatened discipline”, número especial sobre Epistemology of social science, Internacional Social Science Journal, Unesco, 1984, vol. 36, nº 4).

1.4. Fluxos de informação superpostos aos fluxos de matéria

O papel crescente da informação nas condições atuais da vida econômica e social permite pensar que o espaço geográfico e o sistema urbano considerado como o esqueleto produtivo da Nação, são atualmente hierarquizados por fluxos de informação superpostos a fluxos de matéria não propriamente hierarquizantes. Os objetivos são utilizados segundo um modelo informacional que amplia a esfera do trabalho intelectual; na verdade, os novos objetos já nascem com um conteúdo em informação, de que lhe resultam papéis diferenciados na vida econômica, social e política.

A importância da informatização e da creditização do território, o novo papel dos bancos e dos diversos meios de transmissão das mensagens, a crescente necessidade de regulação de qualquer tipo de intercâmbio (inclusive as trocas de natureza social e cultural) pelo Estado, mas também por outras instituições e organizações em diversos níveis, o imperativo de estar sempre se adaptando às condições, em permanente mudança da economia internacional, a necessidade de reconversão das economias regionais e urbanas são alguns dos elementos a levar em conta para a construção de um quadro de reflexão, que leve em conta as especificidades novas que, sob formas materiais aparentemente imutáveis, respondem rapidamente às modificações sobrevindas às relações internacionais e internas de cada país.

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2 - Um período e uma crise

Parece importante colocar desde logo algumas idéias de base.

2.1. Uma crise e um período

A primeira é a questão da crise, da crise não apenas como uma transição entre períodos, mas da crise como período. Durante a história dos países subdesenvolvidos, dentro do sistema capitalista e da América Latina, em particular, esta é talvez a primeira ocasião na qual estamos diante de um momento de crise e que também se define como um período, na medida em que as variáveis que o definem são duráveis, estruturais, dando um novo caráter às realidades que nos cercam.

2.2. Solidariedade das mutações no plano mundial

Um outro dado a sublinhar agora, é o fato de que, mais que em

qualquer outro momento da história da humanidade, há uma solidariedade das mutações em plano mundial; e essa solidariedade é, em grande parte, administrada. A administração da solidariedade, seja como colaboração entre países e firmas ou como nova forma de dependência, é um dado fundamental no entendimento do que se passa. Em particular, impõe-se uma mudança epistemológica, às vezes radical, conseqüência das mudanças históricas mencionadas.

2.3. Conhecimento do planeta e empirização dos universais

Em terceiro lugar, e pela primeira vez na história, é possível saber

em extensão e em profundidade o que se passa na superfície da Terra. Quem conhece, e para que se conhece, é outro assunto. O fato é que apenas algumas poucas potências, alguns poucos grupos têm o conhecimento do filme do mundo, isto é, aquilo que ocorre na face do Planeta. Ao mesmo tempo em que, pela primeira vez na história do homem, os universais tornam-se passíveis de empirização, o processo de totalização pode ser constatado empiricamente. Teríamos, desse modo, penetrado na era de ouro da teorização e do discernimento das perspectivas: era de ouro ou na da, se não pudermos utilizar os instrumentos que estão diante de nós para construir um novo pensamento.

Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

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3 - O meio técnico-científico

A fase atual, chamada também de período científico, do nosso

ponto de vista particular, é, em primeiro lugar, a fase na qual se constitui, sobre territórios cada vez mais vastos, o que se chamará de meio científico-técnico, isto é, um momento histórico no qual a construção ou a reconstrução do espaço se dará com um conteúdo de ciência e de técnica.

3.1. Nova composição orgânica do espaço

O fato de que o espaço seja chamado a ter cada ver mais um

conteúdo em ciência e técnica traz consigo um grande acervo de conseqüência, a primeira das quais, certamente, é uma nova concepção orgânica do espaço, pela incorporação mais ampla de capital constante na instrumentalização do espaço (instrumentos de produção, sementes selecionadas, fertilizantes, pesticidas, etc.) ao mesmo tempo em que se dão novas exigências quanto ao capital variável indispensável. Como conseqüência das novas condições trazidas pelo uso da ciência e da técnica na transformação do território, há menos emprego ligado à produção material e uma maior expressão do assalariado em formas diversas (segundo os países e segundo regiões em cada país), uma necessidade maior de capital adiantado, o que vai explicar a enorme expansão do sistema bancário. O mapa respectivo mostra como os territórios se cobrem cada vez mais da presença de bancos, de tal maneira que, arriscamos dizer que se nos anos 50 o nexo que explicava de certa forma a expansão capitalista, era o consumo, desde os fins dos anos 70 esse nexo é dado pelo crédito. De tal forma que poderíamos falar de uma creditização do território, que dará uma nova qualidade ao espaço.

3.2. Formas de ajustamento

Cabe, igualmente, lembrar de que nesta fase se corporifica aquela

antevisão de Marx, segundo a qual, ao ser vigente o trabalho universal, isto é, o trabalho intelectual como forma de universalização da produção, teríamos uma maior área da produção com uma menor arena da produção. Isto é, a produção em sentido lato, isto é, em todas as suas instâncias, se daria em áreas maiores do território, enquanto o processo produtivo direto se daria em áreas cada vez menores. Essa é uma tendência facilmente

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assinalável em muitos países da América Latina. Ela é tornada possível em boa parte pela possibilidade agora aberta à difusão das mensagens e ordens em todo o território, através dos enormes progressos obtidos com as telecomunicações. A creditização do território, a dispersão de uma produção altamente produtiva, não seriam possíveis sem a informatização do espaço. O território é hoje possível de ser usado, com o conhecimento simultâneo das ações empreendidas nos diversos lugares, por mais distantes que eles estejam. Isto permite, também, a implantação de sistemas de cooperação bem mais largos, amplos e profundos, agora associados mais estreitamente a motores econômicos de ordem não apenas nacional, mas também internacional. De fato, os eventos são, hoje, dotados de uma simultaneidade que se distingue das simultaneidades precedentes pelo fato de que são movidas por um conjunto motor, a mais-valia ao nível mundial que é em última análise responsável, direta ou indireta, pela forma como os eventos se dão sobre os diversos territórios. Essa unificação faz-se em grande parte através do nexo financeiro e conduz a uma reformulação do espaço à escala mundial.

O ajustamento do espaço às novas condições do período tem dados particulares, que são ao mesmo tempo fatores de implantação e de aceleração do processo. Um deles é o modelo econômico, do qual um subtítulo é o modelo exportador que agrava a sua ação em função da dívida.

3.3. Emergência de um novo espaço

Há emergência de um novo espaço e de uma nova rede urbana. Nas

fases mais recentes, constata-se, em primeiro lugar, a luta pela formação de um mercado único, através da integração territorial. Um novo momento, o atual, conhece um ajustamento à crise desse mercado, que é um mercado único e segmentado; único e diferenciado; um mercado hierarquizado e articulado pelas firmas hegemônicas, nacionais e estrangeiras que comandam o território com apoio do Estado. Não é demais lembrar que, ainda aqui, mercado e espaço, mercado e território, são sinônimos. Um não se entende sem o outro.

3.4. A metrópole onipresente e novas categorias explicativas

Neste momento, a metrópole está presente em toda parte, e no

mesmo momento. A definição do lugar é, cada vez mais no período atual,

Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

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a de um lugar funcional à sociedade como um todo. Os lugares seriam, mesmo, lugares funcionais de uma metrópole. E, paralelamente, através das metrópoles, todas as localizações tornam-se hoje funcionalmente centrais. O vaticínio de André Siegfried (Aspects du XXème Siécle) vendo em cada lugar o centro do mundo, ter-se-ia realizado.

Antes, sem dúvida, a metrópole estava presente em partes do país. Digamos que o núcleo migrava para o campo e para a periferia, mas a fazia com defasagens e perdas, com dispersão das mesmas e ordens. Se ao longo do tempo, o espaço se tornava mais e mais unificado e mais fluido, todavia faltavam as condições de instantaneidade e de simultaneidade que somente hoje se verificam.

Mas ao contrário do que muitos foram levados a imaginar e a escrever, na sociedade informatizada atual nem o espaço se dissolve, abrindo lugar apenas para o tempo; nem este se apaga. O que há é uma verdadeira demultiplicação do tempo, devida a uma hierarquização do tempo social, graças a uma seletividade ainda maior no uso das novas condições de realização da vida social. Com isso, uma nova hierarquia se impõe entre lugares, uma hierarquia com nova qualidade, a partir de uma diferenciação muitas vezes maior do que ontem entre os diversos pontos do território.

A simultaneidade entre os lugares não é mais apenas a do tempo físico, tempo do relógio, mas do tempo social, dos momentos da vida social. Mas o tempo que está em todos os lugares é o tempo das metrópoles, que transmitem a todo o território o tempo do Estado e o tempo das multinacionais. Em cada outro tempo, nodal ou não, da rede urbana ou do espaço, temos tempos subalternos e diferenciados, marcados por dominâncias específicas.

Nenhuma cidade, além da metrópole, “chega” a outra cidade com a mesma celeridade. Nenhuma dispõe da mesma quantidade e qualidade de informações que a metrópole. Informações virtualmente de igual valor em toda a rede urbana não são igualmente disponíveis em termos de tempo. Sua inserção no sistema mais global de informações de que depende o seu próprio significado depende da metrópole, na maior parte das vezes. Está aí o novo princípio da hierarquia, pela hierarquia das informações... e um novo obstáculo à uma inter-relação mais flutuosa entre aglomerações do mesmo nível, uma nova realidade do sistema urbano.

Os momentos que, ao mesmo tempo do relógio, são vividos por cada lugar, sofrem defasagens e se submetem a hierarquias (em relação ao emissor e controlador dos fluxos diversos). Porque há defasagens, cada

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qual desses lugares é hierarquicamente subordinado. Porque as defasagens são diferenciadas para os diversos variáveis ou fatores, é que os lugares são diversos.

As questões do centro-periferia, como precedentemente colocadas, e as das regiões polarizadas, ficam, assim, ultrapassadas. Hoje, a metrópole está presente em toda parte, no mesmo momento, instantaneamente. Antes a metrópole não apenas não chegava ao mesmo tempo a todos os lugares, como a descentralização era diacrônica: hoje a instantaneidade é socialmente sincrônica.

Trata-se, assim, de verdadeira dissolução da metrópole, condição, aliás, do funcionamento da sociedade econômica e da sociedade política. Ainda uma vez, para que e para quem é o funcionamento dessa sociedade assim constituída é outra coisa, um outro problema. O fato é que estamos diante do fenômeno de uma metrópole onipresente, capaz, ao mesmo tempo, pelos seus vetores hegemônicos, e desorganizar e reorganizar, ao seu talante e em seu proveito, as atividades periféricas e impondo novas questões para o processo de desenvolvimento regional.

3.5. Entropia e neg-entropia no espaço

Tomemos, de modo figurativo, o exemplo brasileiro. No passado,

São Paulo sempre esteve presente no país todo: presente no Rio um dia depois, em Salvador três dias depois, em Belém dez dias depois, em Manaus trinta dias depois... São Paulo hoje está presente em todos os pontos do território informatizado brasileiro, ao mesmo tempo e imediatamente, o que traz como conseqüência, entre outras coisas, uma espécie de segmentação vertical do mercado enquanto território e uma segmentação vertical do território enquanto mercado na medida em que os diversos agente sociais e econômicos não utilizam o território de forma igual. Isso representa um desafio às planificações regionais, na medida em que as grandes firmas que controlam a informação e a redistribuem ao seu talante, têm um papel entrópico em relação às demais áreas e somente elas podem realizar a neg-entropia. O espaço é assim desorganizado e reorganizado a partir dos mesmos pólos dinâmicos. O fato de que a força nova das grandes firmas neste período científico-técnico traga como conseqüência uma segmentação vertical do território, supõe que se redescubram mecanismos capazes de levar a uma nova horizontalização das relações que esteja não apenas ao serviço do econômico, mas também do social.

Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

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3.6. Em busca de novas horizontalidades

Haveria, pelos menos, duas formas de se chegar lá: uma através da

intervenção sobre o cotidiano, seja o cotidiano dos indivíduos nas suas relações interpessoais, seja o cotidiano da produção. Ma medida em que, nas áreas agrícolas, o território se especializa do ponto de vista produtivo, há também uma certa restauração da horizontalidade das relações territoriais, mas em benefício dos atores hegemônicos da economia. E há outra forma de restaurar a horizontalidade das relações territoriais, isto é, através do poder. No caso do Brasil, nós sabemos, porém, que haverá talvez apenas dois Estados capazes de uma ação regional autêntica: o Estado de São Paulo e o Estado do Rio Grande do Sul. Os outros Estados por intermédio dos poderes neles constituídos são, praticamente incapazes de regionalização. Como pensar, através de uma nova regionalização do poder, uma realização eficaz do poder político no sentido de superar a fragmentação vertical, e através de uma horizontalidade recuperada, atribuir às porções do território desse modo atingidas um conteúdo não apenas econômico, mas também um conteúdo social? Em países como os da América Latina, o progresso técnico modifica as regiões em benefício de alguns atores hegemônicos, responsáveis por novas relações territoriais onde os nexos distantes primam sobre os nexos próximos e o interesse econômico sobre o interesse social. Para reverter a tendência, uma política territorial adequada supõe a regulação social da atividade econômica. Por exemplo, o fato de que, no Brasil, uma nova Constituição consagre uma nova distribuição do ingresso fiscal entre as diversas entidades territoriais (União, Estados e Municípios) deve ser aproveitado, a partir dos ensinamentos históricos, para a instalação de uma sociedade mais redistributiva.

4 - O dilema latino-americano

A América Latina sempre foi, desde os inícios de sua história ocidental, um continente aberto aos ventos do mundo, enormemente permeável ao novo, em todos os momentos. Daí a sua vulnerabilidade e a sua força. A aceitação mais fácil e mais pronta dos modelos de modernização lhe tem permitido saltar etapas, percorrendo em muito menos tempo caminhos que o Velho Continente exigiram uma lenta

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evolução. Por outro lado, esse processo de integração se tem dado às custa de enormes distorções do ponto de vista territorial, econômico, social e político. O período técnico-científico começa a se implantar no continente sob esses mesmos signos, ajuntando novas distorções às herdadas das fases anteriores. Pode-se, todavia, imaginar, neste novo período histórico que é a fase das organizações, e, também, a fase da inteligência, que será possível reverter essa tendência? Aí está, sem dúvida, um grande desafio para os povos latino-americanos e os seus intelectuais, voltados a pensar o futuro a partir das realidades do presente. O ponto central não é, apenas, a escolha das novas variáveis históricas, num mundo em que a modernidade se tornou irrecusável; mas a dosagem de sua combinação, não mais a partir dos imperativos da técnica, de que a economia se tornou subordinada, mas a partir dos valores, o que ensejaria uma nova forma de pensar um porvir onde o social deixaria de ser residual e à tecnologia seria atribuído um papel histórico subordinado, em benefício do maior número.

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OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA MODERNA

GEOGRAFIA FÍSICA1

Alexander A. GRIGORIEV2 1. O Estrato Geográfico da Terra

O estrato geográfico da Terra compreende a crosta, a baixa atmosfera (troposfera e parte da estratosfera), hidrosfera, regolito (manto do solo), cobertura vegetal e reino animal. É uma das camadas básicas da Terra que difere daquelas que se situam abaixo e acima da superfície e na qual se incluem matérias nos três estados agregados. Seu processamento advém de fontes energéticas cósmicas e terrestres (nas outras camadas o processamento é produzido, principalmente, por uma ou por outra); é o único estrato que sustenta a vida, habitat da sociedade humana. Os anos recentes têm sido marcados pela penetração do homem nos limites superiores do estrato geográfico, rumo ao espaço exterior. Atualmente, o homem cava poços profundos com o propósito de penetrar nos limites interiores.

Estudos sobre as partes componentes do estrato geográfico têm revelado que a estrutura e evolução são tão profundamente interconectadas

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº15, de 1993. Traduzido do inglês por João Lima Sant’Anna Neto, Professor do Departamento de Geografia – FCT/UNESP. 2 Nota do Tradutor: Alexander A. Grigoriev, um dos mais importantes geógrafos da ex-URSS e membro da Academia de Ciências daquele país, é responsável por uma vasta e significativa produção científica na àrea da Geografia Física. Ele e outros expoentes cientistas russos, como Gerasimov, Afanasiev, Sotchava, Kalesnik e Snytko, formam o que chamamos de “escola russa”, que trouxe uma enorme contribuição à sistematização, metodologia e técnicas à moderna Geografia Física. Para estes autores, a Geografia Física se constitui em ciência autônoma que apresenta métodos, linguagem e leis próprias, o que não significa que deixe de integrar o rol das “ciências geográficas”. Este artigo de Grigoriev foi originalmente publicado em Moscou, em russo, e em inglês na edição do “The Interaction of Sciences in the Study of the Earth”, em 1968, numa coletânea de contribuições metodológicas em Geociências. Mesmo passados 25 anos de sua publicação original, permanece um artigo atual e relevante.

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e inter-relacionadas que formam um todo inseparável, um peculiar fenômeno natural, com leis próprias de estrutura e evolução.

Tendo se originado e evoluído na superfície do planeta, o estrato geográfico tem ligações geneticamente inseparáveis com a superfície da Terra, aberta à radiação solar. Devido à prevalência das condições hidrotérmicas e geoquímicas, o estrato geográfico, que no princípio era desprovido de vida, tornou-se, com o tempo, uma arena para a origem e evolução da vida, que adicionou as suas partes componentes o regolito, a cobertura vegetal e o reino animal. Isso alterou radicalmente sua composição geoquímica, enriquecendo-a com oxigênio (o que é especialmente importante) e muitas outras substâncias.

Os limites do estrato geográfico não são definidos e representam zonas de transição. Assumimos que o limite superior atravessa a estratosfera, até algo próximo à camada de concentração máxima do ozônio, a mais ou menos entre 20 e 25 km acima da superfície. Abaixo, a atmosfera se apresenta num contínuo movimento turbulento devido à sua interação com os continentes e oceanos: acima do limite, estes movimentos desaparecerem rapidamente. A radiação solar, de sua parte, perde os excessos letais dos raios ultravioletas ao atravessar a camada de ozônio, e sua composição se aproxima daquela observada na troposfera.

O limite inferior do estrato geográfico não fica muito abaixo da crosta terrestre, em uma camada subcrostal, onde as altas temperaturas e as grandes pressões que agem sobre estas massas tornam-se mais plásticas do que a crosta, embora ainda exibindo as propriedades de um sólido.

As interações entre os processos tectônicos de formação do relevo na crosta e os processos verificados nas regiões subcrostais, diminuem rapidamente na camada superior destas últimas, por onde passa o limite inferior do estrato geográfico. Ela se situa, aparentemente, um pouco abaixo da camada sísmica de “Mohorovici”, onde as ondas sísmicas longitudinais alteram abruptamente sua velocidade, indicando uma mudança aguda nas propriedades físicas das rochas.

O estrato geográfico apresenta uma estrutura semelhante a uma série de camadas empilhadas, cujos componentes se interpenetram consideravelmente e é caracterizada pelo complexo natural das diferenciações regionais.

Do ponto de vista da energia, ele pode ser dividido em duas camadas: a exterior, onde a energia solar é a principal fonte de calor, e a interior, onde o calor é gerado por decomposição radioativa e processos análogos. O limite entre elas ultrapassa algumas dezenas de metros abaixo

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da superfície (15 a 30 metros nas zonas moderadas). A parte litosférica do estrato geográfico também pode ser dividida em várias camadas. 2. A Posição da Geografia Física entre as Ciências

A extrema diversidade de composição e da estrutura do estrato geográfico e as diferenciações e singularidades resultantes dos processos naturais que nelas se realizam, os quais estão em um estado de interação contínua, tornam possível, do ponto de vista filosófico, encarar o movimento característico do estrato geográfico como uma forma especial de movimento de matéria.

Os movimentos do estrato superior de outros planetas do tipo da Terra (Vênus, Marte, etc.) também são formas especiais de movimento, cada qual possuindo características próprias. Há, sem dúvida, muitos planetas desse tipo no universo.

Foi Frederick Engels que escreveu, referindo-se à classificação das ciências naturais, que cada ciência “analisa uma simples forma de movimento, ou uma série de formas de movimento que são comuns entre si e que passam de uma para outra”. Engels assim discriminava as ciências que tratam de uma única forma de movimento, daquelas que estudam as leis que governam várias combinações de formas. A este último grupo, pertence a Geografia Física.

A combinação natural de um número de formas de movimento no estrato geográfico, constitui uma forma complexa e específica geográfica de movimento de matéria. A característica peculiar do estrato geográfico, acima mencionada, e a complexa forma de movimento que a caracteriza, assim como a ampla distribuição de fenômenos análogos através do universo, permite-nos enquadrar a Geografia Física entre as poucas ciências naturais fundamentais. 3. O Sistema de Disciplinas Físico-Geográficas e seu

Relacionamento Interno e Externo

Como os demais setores fundamentais das ciências naturais a Geografia Física diferenciou, em seu processo de desenvolvimento, várias disciplinas intimamente relacionadas, que constituem o crescente e complexo sistema das ciências físico-geográficas (ver nota no final do texto). Este sistema compreende a Geografia Física propriamente dita e um certo número de ciências especializadas.

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A Geografia Física divide-se em Geografia Geral e Geografia Regional. A primeira estuda os problemas físico-geográficos no geral, como as leis gerais da estrutura, composição, dinâmica, desenvolvimento e diferenciações territoriais (a divisão do extrato externo da Terra em regiões naturais), seus relacionamentos internos e externos e a utilização prática de suas leis. A Geografia Física regional, também conhecida como “corográfica” trata das leis naturais, mas em suas manifestações locais em diferentes regiões naturais.

Outro setor distinto da Geografia Física é a paleogeografia, incluindo a Geografia Física histórica, que estuda a estrutura e evolução do estrato geográfico no passado geológico e histórico (tanto a Terra como um todo, como as regiões individualmente).

As categorias de leis naturais já mencionadas são tão íntimas e inseparavelmente inter-relacionadas, que é inútil tentar estudá-las isoladamente. Isto significa que devemos estudar a Geografia Física geral e regional juntamente com a paleogeografia e a Geografia Física histórica, como divisões inseparáveis da própria Geografia Física.

Assim como é impossível estudar o todo sem compreender suas partes, a Geografia Física geral permanece necessariamente, no campo das ciências físico-geográficas especializadas.

As principais ciências físico-geográficas especializadas são: geomorfologia, climatologia, oceanografia, hidrologia, geopedologia, geobotânica, zoogeografia, glaciologia e geocriologia. Seus objetivos básicos são os estudos dos componentes individuais do estrato geográfico, como partes de um todo, não isoladamente como eles são tratados por outras ciências próximas (como a física da litosfera na geologia, a física da atmosfera na meteorologia, a taxonomia das plantas e animais na biologia e assim por diante).

Cada uma dessas ciências especializadas da Geografia Física estuda as leis que governam a estrutura e a evolução de componentes individuais do estrato geográfico em seu íntimo relacionamento com os demais componentes. Elas procedem, por sua vez, das leis estudadas pela própria Geografia Física, já que estas leis (por exemplo, a lei da regionalização, a lei da reciprocidade de componentes, a lei da troca de energia e matéria entre as partes do estrato geográfico) abarcam todos os componentes do estrato geográfico, embora, naturalmente, manifestando-se através de diferentes formas. Estas são as bases da inseparável conexão entre as ciências especializadas da Geografia Física e a Geografia Física propriamente dita.

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A Geografia Física geral e suas ciências especializadas fornecem um suporte a um número de setores adjacentes das naturais (geologia, geoquímica, geofísica, biologia, bioquímica e várias outras) e vice-versa. Sua íntima ligação produz ciências limítrofes que gravitam no sistema físico-geográfico de ciências3. 4. Os Fundamentos Teóricos das Ciências Físico-Geográficas

A Geografia Física, como se apresenta hoje, começou a tomar forma na virada do século, quando V. V. Dokuchayev enunciou duas leis físico-geográficas fundamentais: 1- a lei de um ambiente geográfico integral e contínuo, isto é, a mútua interdependência de todas as suas partes componentes (litosfera, baixa atmosfera, hidrosfera, regolito e biosfera); 2- a lei das áreas geográficas.

Ao postular a integridade e a indivisibilidade do ambiente geográfico, Dokuchayev deixou de definir os processos naturais específicos que formam as bases do desenvolvimento integrado de seus componentes. Mais tarde, o mesmo autor demonstrou que as interconexões, interações e inter-relações entre os componentes do estrato geográfico da Terra são todas baseadas em um intercâmbio de matéria e energia entre si, e entre o estrato geográfico e os elementos do universo, especialmente a radiação

3 Nota do Tradutor: Tanto GRIGORIEV quanto ANAFASIEV, entendem por “sistemas de ciências”, uma combinação de ciências estreitamente relacionadas, que estudam leis similares. Por outro lado, os mesmos autores, distinguem estes “sistemas de ciências” de “complexo de ciências” que significaria uma estreita combinação de ciências afins, que estudam diferentes categorias de leis. Dela surgiram novas disciplinas, como a geografia química (ou geoquímica topográfica), a escola geofísica da Geografia Física, etc. A Geografia Física está intimamente relacionada com a Geografia Econômica e seus ramos, à medida que: a) a economia tem que desenvolver condições naturais específicas que a afetam de uma maneira ou de outra; b) a exploração de recursos naturais é parte essencial da produção; e c) a produção social está relacionada com a transformação da natureza espontânea ou planejada, para assegurar, na medida do possível, a reprodução de recursos. Por estas razões, o estrato geográfico só pode ser estudado com êxito, quando os efeitos do modo de produção da sociedade humana na natureza são plenamente levados em conta. Cada uma das ciências geográficas (a geografia física, a econômica) recorre a métodos específicos de investigação. Comum a todas elas, é que elas devem partir da noção do estrato geográfico como entidade estruturalmente complexa.

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solar, de um lado, e as massas sub-crostais com suas fontes de energia, de outro.

Para chegar a estas conclusões, o autor se baseou, em muitos aspectos, nas pesquisas de V. I. VERNADSKY, que demonstrou, principalmente no aspecto geoquímico, a extraordinária importância do intercâmbio de matéria e energia entre os diferentes componentes da biosfera, especialmente entre matérias vivas e inanimadas e, de outro lado, entre a Terra e o universo. 5. Intercâmbio de Matéria e Energia e seu Papel na Evolução do

Estrato Geográfico e do Universo

O intercâmbio de energia e matéria entre os componentes do estrato geográfico está construído sobre uma inseparável relação, mas os processos de entrada e saída de matéria e energia e sua assimilação e dissimilação, são contraditórios. No decurso deste intercâmbio, uma parte de matéria e energia de um componente está sendo continuamente transferida para outros componentes. Um tipo de energia sendo transformada em outra. Ao mesmo tempo, a composição de substâncias dos componentes, se altera em virtude da assimilação por outros componentes, e a massa básica de cada um se altera, sob a ação de longa duração de substâncias de outros componentes (no curso das interações físicas e químicas e, em casos específicos, bioquímicas e biofísicas).

Regra geral, tais mudanças no decorrer da evolução de nosso planeta tendem a tornar mais complexa a composição e estrutura dos componentes do estrato geográfico. Isto complica, inevitavelmente, o processamento do intercâmbio de matéria e energia entre os componentes, assim como entre a esfera geográfica e o mundo exterior. Nessas reações geoquímicas e bioquímicas, outros processos naturais se desenvolvem no estrato geográfico, o que, definitivamente, leva a outras complicações de sua estrutura e composição.

Estas complicações se desenvolvem em períodos de tempo geológico e se manifestam através de várias formas. A estrutura geológica da crosta torna-se mais complexa. Novos e mais organizados tipos de plantas aparecem, o que produz novos e mais complexos compostos orgânicos; surgem novas e mais organizadas espécies de animais cuja atividade de vida estava, freqüentemente, relacionada a novos tipos de plantas. A introdução no solo de novos tipos de compostos orgânicos e minero-orgânicos até então inexistentes, produzidos pelos novos tipos de

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plantas, resultam na formação de novos topos de regolitos. O seu surgimento altera e complica a composição química das águas continentais e, conseqüentemente, das oceânicas, nas quais também aparecem organismos marinhos mais organizados.

Todas estas alterações na composição de componentes bióticos, assim como na hidrosfera, têm um efeito importante na composição da atmosfera, também na direção de sua complexidade. Processos de maior complexidade na composição e estrutura do estrato geográfico caminham lado a lado com processos de natureza oposta (morte, degeneração, etc), como um componente essencial do processo de desenvolvimento, mas sem desempenhar um papel dominante.

Assim, o processo de intercâmbio de matéria e energia entre os componentes do estrato geográfico resulta geralmente na complexidade crescente de suas composições e estruturas, desse modo, condicionando sua evolução do simples para o complexo, do inferior para o superior, isto é, de acordo com uma das leis fundamentais do materialismo dialético.

A força motriz por trás dessa evolução do estrato geográfico é a unidade de todo um sistema de processos, de interações contraditórias em contínua expansão unidade de um processo fundamental, inseparável, de direção contraditória de fluxo e influxo de matéria e energia, sua assimilação e dessimilação, bem como de seus processos resultantes.

Esse raciocínio reforça a idéia de que o intercâmbio de matéria e energia é uma força motriz primária da evolução, não apenas nas divisões externas dos planetas do tipo da Terra, mas como no corpo cósmico em geral. As últimas concepções sobre a origem e evolução de “associações estelares” e outras entidades cósmicas parecem falar em favor dela. 6. A Lei Periódica das Áreas Geográficas e as Diferenciações da

Geosfera nas Regiões Naturais A lei da regionalização geográfica tem por base uma diferenciação

natural muito complexa do estrato geográfico da Terra verificado nas regiões naturais caracterizadas por aspectos específicos, cuja evolução depende de sua localização geográfica na face da Terra.

As maiores regiões naturais básicas são as zonas geográficas, que são subdivididas em “setores” ou “províncias”, que por seu turno subdividem-se em áreas geográficas. As zonas e províncias naturais incluem tanto planícies quanto montanhas, embora as áreas naturais se confinem às planícies. Nas montanhas, seu lugar é tomado por cinturões verticais.

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Planícies e montanhas muito extensas que cortam várias zonas geográficas são geralmente chamadas de “domínios” geográficos naturais. A divisão de continentes em zonas é baseada principalmente nas diferenças das condições de radiação na superfície. Divisões em províncias e áreas baseiam-se nas diferenças das taxas de balanço anual de radiação na superfície e no total anual de precipitação. Os cinturões climáticos verticais nas montanhas variam, dependendo das mudanças verticais das condições hidrotérmicas análogas às que servem de base à regionalização horizontal. Os sistemas de regionalização vertical nas montanhas combinam naturalmente com as áreas horizontais ao pé das montanhas.

As áreas geográficas são geralmente bastante extensas. As mais típicas delas são alongadas, e suas características externas usualmente determinadas pela natureza da vegetação, da qual deriva comumente seu nome. Áreas geográficas encerram paisagens geográficas que se agrupam de diferentes modos. Estes grupos são os mais diversificados e de estrutura mais complexa do estrato geográfico de uma dada área.

Paisagens geográficas, que em última análise constituem o sistema integrado de regiões naturais de planícies e montanhas, são manifestações locais das leis gerais físico-geográficas associadas às características locais do relevo, da litologia, meso e microclima, do regolito e outros fatores semelhantes. As paisagens se desenvolveram como resultado de interações das dinâmicas da camada externa do estrato geográfico e sua camada subterrânea.

Um estudo comparativo das áreas geográficas da Terra revela que elas constituem um sistema natural baseado em alterações no índice anual de radiação na superfície em territórios intimamente interligados (que pouco diferem, apenas no índice de radiação no período vegetativo), no total anual das precipitações e nas proporções entre o nível de radiação e as precipitações anuais, expressas em termos de unidades de calor, isto é, calorias necessárias para a evaporação da pluviosidade anual.

Essa razão R/Lr, onde R é o total anual de radiação superficial, L é o calor latente de evaporação e r as precipitações totais anuais, tem sido chamada de “índice de aridez de radiação”.

As investigações revelam que as fronteiras das áreas geográficas possuem íntimas relações com o índice de aridez da radiação e com o total de radiação superficial. As relações desses parâmetros com as características do regime hidrológico, da cobertura vegetal e do regolito para toda a superfície terrestre do globo foram estabelecidas e estudadas.

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Uma comparação de dados de distribuição geográfica da radiação total e das precipitações com a geobotânica mundial e mapas do solo, confirma que, para cada zona latitudinal, observou-se uma correspondência definida entre as fronteiras de áreas naturais e as faixas de índice de aridez da radiação. Ao mesmo tempo descobriu-se que idênticos índices de aridez da radiação em diferentes zonas latitudinais correspondem a áreas naturais que mostram marcante similaridade no que diz respeito a certos aspectos importantes. Em conseqüência, indo de uma zona latitudinal para outra (o que corresponde a mudanças no balanço de radiação, isto é, nas bases da energia térmica de processos naturais) através de áreas naturais correspondentes a mudanças nas condições de umidade, semelhantes aspectos ocorrem periodicamente ao lado de diferenças devidas a mudanças nas condições de energia térmica.

Uma representação esquemática generalizada da lei periódica de regionalização é apresentada no Quadro 1. Dele podem-se tirar certas conclusões teóricas, notadamente, todas as graduações da umidade são caracterizadas por mudanças não apenas no tipo, mas também na produtividade da cobertura vegetal e produção de material biológico. Além do mais, cada coluna do quadro corresponde a uma seqüência definida de mudanças nos tipos de solos os quais possuem aspectos apreciavelmente semelhantes em uma mesma coluna.

Dados disponíveis dão base suficiente para encarar (de acordo com o esquema acima) a seqüência periódica de áreas como uma lei geral abarcando os ambientes geográficos com um todo e a maioria expressiva dos processos físico-geográficos fundamentais (ver Quadro 1).

O Quadro de áreas geográficas indica que o grau de intensidade dos processos físicos-geográficos e a produtividade correspondente dos componentes bióticos é o de mais alto valor para o balanço anual de radiação superficial e de melhor avaliação para a unidade do índice de aridez da radiação, quando a umidade do solo é ótima para o desenvolvimento da cobertura vegetal. Assim, para um índice de aridez de 0,8 a 1 na sub-área de florestas decíduas da zona temperada, o incremento anual da cobertura vegetal natural do solo é de aproximadamente 5,6 toneladas métricas de matéria vegetal seca por hectare, enquanto na floresta tropical de áreas alagadas é de 40 a 50 toneladas por hectare.

Com uma redução no índice de aridez por um aumento excessivo da umidade do solo (para 0,45 e menos), assim como um fator que eleva a aridez pela maior deficiência da umidade (3 ou mais), o rendimento da cobertura vegetal natural cai para 0,4 toneladas por hectare na região semi-

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desértica do Ártico ou nos desertos semi-arbustivos da zona temperada, ou ainda menos nos desertos tropicais e subtropicais.

Todos os dados apresentados confirmam que existe uma unidade interna da estrutura e desenvolvimento da camada exterior do estrato geográfico, que se estende por todas as áreas, ao mesmo tempo, confirmam a unidade de todas as regiões naturais que as constituem, por maior que sejam suas diferenças superficiais.

Descobriu-se, recentemente, que a produtividade da cobertura vegetal natural é maior onde os solos recebem um suprimento ótimo de água, isto é, onde o regime de água assegura ao solo uma quantidade suficiente de umidade na maior parte do ano, para que a transpiração da cobertura vegetal se processe continuamente, enquanto que, ao mesmo tempo, a quantidade de água não seja tão grande a ponto de impedir o curso normal do processo de aeração do solo.

As investigações revelam que tal regime de umidade do solo contribui para a fotossíntese e assegura a remoção rápida e completa de assimiladores oriundos das folhas, acumulação que retarda o funcionamento da clorofila. Tudo isto é de grande valor tanto prático quanto teórico, na medida em que revela a essência do mecanismo natural que opera na cobertura vegetal e pode ser usado para incrementar a produtividade da vida tanto da planta natural quanto da cultivada.

Duas importantes conclusões podem ser tiradas das leis de estruturas diárias e da diferenciação territorial da geosfera: 1. dando mais ou menos valores similares de calor da radiação, o grau de saturação do estrato geográfico, devido à umidade e aos componentes biológicos, a diversidade de sua dinâmica e composição é tanto maior quanto mais próximo da unidade, o índice de aridez (tendo-se em conta o passado geológico da região); 2. dando mais ou menos valores similares ao índice de radiação das regiões áridas (com raras exceções), o grau de saturação é maior quanto maior o balanço anual de radiação da superfície terrestre, também levando-se em conta o passado geológico. 7. As Ciências Físico-Geográficas e os Requisitos Práticos

O tema e as tarefas das ciências físico-geográficas acima mencionados, revela que, como regra, elas investigam os fenômenos naturais de considerável importância para a expansão da produção. Elas estudam leis, conhecimentos e utilizações para a solução correta de muitos

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problemas práticos. Esta aplicabilidade prática tem sido sempre de especial importância para o desenvolvimento das ciências geográficas.

Ao mesmo tempo seu valor prático cresce à medida que elas se desenvolvem. Seu papel, em particular é especialmente grande nos países socialistas em condições de economia planificada e exploração e desenvolvimento planejado dos recursos naturais, na utilização de terras aráveis, técnicas agronômicas diferenciadas, no combate à erosão e solos áridos, no desenvolvimento da irrigação e suprimento de água em regiões secas, etc; na projeção de usinas hidrelétricas e na previsão das alterações de longo alcance na natureza e no desenvolvimento econômico de áreas circunvizinhas, na implantação de ferrovias, rodovias, oleodutos e gasodutos e na construção de sistemas de irrigação, de estruturas de melhoria das terras e canais de navegação, no estudo de problemas da silvicultura, pesca, elaboração de métodos de prospecção mineral, etc.

Os planos de desenvolvimento econômico traçados pelo Programa do Partido Comunista da União Soviética exigem, além de uma íntima cooperação entre as ciências geográficas e a indústria, estudos mais detalhados das leis geográficas necessárias para a solução correta, em primeiro lugar, de problemas ligados à eficiente localização geográfica das forças produtivas, à utilização mais eficiente dos recursos naturais tendo em conta sua preservação e reprodução, e mudanças planejadas das condições naturais. Uma parte importante disso é o trabalho direcionado para a alteração das condições climáticas.

Somando os avanços da geografia física dos últimos vinte anos, pode-se notar que ela tem mudado de ciência caracterizadamente descritiva e cognitiva, para uma ciência amplamente experimental e transformadora, essencial para a alteração proposital das condições naturais para benefício da economia e da sociedade.

Hoje, o principal objetivo da geografia em todo o mundo, como apontou Gerasimov, não é tanto “facilitar o pioneirismo em novas terras e recursos naturais”, como aconteceu até recentemente, mas principalmente “proporcionar um serviço científico ao maior trabalho do homem dedicado a utilização diversificada, e ainda mais intensiva dos recursos naturais já descobertos e da transformação da natureza e da economia das regiões e países já desenvolvidos”. Investigar esses problemas, examinar os índices quantitativos pertinentes à dinâmica e ao balanço de matéria e energia, empregando métodos desenvolvidos pela cibernética é de fundamental importância.

QUADRO 1 – Quadro das Áreas Geográficas Energia Termal

Básica

Balanço de Radiação

Abaixo de 0

Umidade extrema-

mente excessiva

Condições de umidade Índice de aridez e radiação 0 1 2 2 3 Mais de 3

Umidade excessiva

Umidade optima 4/5 - 1

Umidade moderada

insufic.

Umidade insufi- ciente

Umidade extremam.

insufic. 0 - 1/5 1/5 - 2/5 2/5-3/5 3/5 – 4/5

Abaixo de 0 Baixas latitudes

Neve Eterna

___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___

0-50 Kcal/cm²por ano

Sudeste Ártico Sub-Ártico e

Médias latitudes

___

Deserto Ártico

Tundra(com

manchas de flores-tas ao sul)

Taiga(nas

médias e altas

latitudes)

Taiga(ao sul)

Florestas

mistas

Florestas decíduase bos-

ques c/ estepes

Estepes

Zona dos semi

desertos modera-

dos

Zona dos desertos

moderados

50-70 Kcal/cm² por ano

Latitudes Sub-tropicais

___

___

Região das flo-

restas sub tropicais e pântanos

Bosques e matas

sub tropicais

Florestas pluviais

Florestas pluviais

Estepes e florestas

sub tropicais e cerrados

Semi desertos

sub tropicais

Desertos

sub tropicais

Mais de 70 kcal/cm²

Por ano Baixa latitudes (Equatorial e

Tropical)

___

___

Florestas equatori-

ais em região super

úmida e alagada

Florestas equatoriai

s em região muito úmida

Florestas equatoriais em região

úmida

Florestas equat.

transição florestas tropicais

e savanas

Savanas secas e campos cerrados

Áreas tropicais

semi-áridas e savanas desertifi-

cadas

Desertos tropicais

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HOMEM E NATUREZA: POR UMA POLÍTICA DE MEIO AMBIENTE PARA O BRASIL1

Manuel Correia de ANDRADE Fundação Joaquim Nabuco-PE

1. A Política de Meio Ambiente: Utopia ou realidade?

Vive-se, hoje, uma situação de perplexidade com o desmoronamento do chamado socialismo real e a tentativa de integração dos países, dito socialistas, nas áreas de influência capitalista. Forma-se a Pax Americana, com o controle de toda a superfície da terra por uma superpotência.

Acabou-se a bipolarização política e, com ela, uma série de mitos. Entre eles o de que o capitalismo, que tem como objetivo final a maximização dos lucros, teria preocupação com o meio ambiente, de vez que o desprezo ao mesmo otimizaria os lucros das empresas. E este mito é real, sobretudo quando os grandes grupos econômicos planejam os empreendimentos a desenvolver nos paises classificados como do terceiro mundo. Quanto aos paises socialistas, admitia-se que, como uma economia planificada cuja meta era produzir para atender às necessidades elementares da população, houvesse uma preocupação com a qualidade de vida, e conseqüentemente, com a preservação do meio ambiente. O que se observa, porém, é que no confronto entre os dois sistemas, as preocupações militares, de defesa do Estado, têm sido maiores do que com aquelas do bem estar da sociedade, e que nos paises socialistas, o processo de degradação do meio ambiente não foi eficientemente combatido. Que fazer, então, com a natureza e, após a sua destruição, com o homem que a destruiu?

O movimento ecologista surgiu com grande força em todo o mundo, defendendo com um idealismo aberto e agressivo a necessidade de preservação da natureza, ou de utilização de processos que explorem os recursos naturais mantendo um mínimo de conservação do meio ambiente.

Nos congressos e reuniões científicas nacionais e internacionais, nos livros, revistas e jornais, a Ecologia vem se transformando em um assunto de grande atualidade e até criando, em certos setores, uma utopia,

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº15, de 1993.

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semelhante àquela do progresso continuo do século XIX e do socialismo, na primeira metade do século XX. E, como toda utopia, os seus adeptos podem se acreditar iluminados e cometer exageros que possam prejudicar o próprio homem, principal elemento da natureza.

Analisando-se a bibliografia ecológica moderna, observam-se pelo menos três correntes de posicionamento: a utópica, que deseja manter a natureza intocada, preservar as associações vegetais, os cursos d’água e o ar, esquecendo que os recursos naturais necessitam ser explorados a fim de atenderem as necessidades dos homens em um momento em que a população cresce de forma acelerada; uma segunda corrente, a predadora, aferrada aos princípios capitalistas mais ortodoxos, acha que o poder público deve omitir e deixar que as empresas explorem os recursos com uma intensidade cada vez maior para que obtenham mais lucros, deixando à natureza a “obrigação” de se recompor, a fim de fornecer mais riquezas a serem apropriadas; e uma terceira corrente, ainda influenciada por princípios socialistas e comunitários, defende um processo de exploração dos recursos naturais dentro de um planejamento que leve em conta as condições naturais e as formas mais compatíveis à exploração das mesmas. Para desenvolver uma política deste tipo, é necessário que o Estado ou o poder público de um modo geral fiscalize e intervenha para conter a cobiça dos grandes grupos econômicos.

Pensamos que a fase da utopia ecológica deve ser ultrapassada e substituída por uma ecologia científica e racionalizada que possa conduzir o homem a fazer o manejamento da natureza sem destruí-la.

Momentos de crise econômica, social, política e cultural, como o que ora vivemos, são propícios à reformulação de idéias e de ideologia, de retificação de metodologias, de posições epistemológicas, e de procura de novos paradigmas. É oportuno que se faça uma reflexão sobre a situação brasileira no que diz respeito ao uso de recursos e a sua repercussão sobre o meio ambiente, a fim de que se possa propor uma política de proteção ao mesmo e que, indiretamente, dê proteção ao homem, de vez que já se disse “que a pior forma de poluição é a miséria”. 2. O Problema do Meio Ambiente no Brasil

Os quase quinhentos nos de História do Brasil podem ser considerados como cinco séculos de depredação e devastação do meio ambiente, acompanhados de cinco séculos de poluição. Para facilitar uma

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reflexão, em escala nacional, pode-se catalogar este processo destrutivo em quatro grandes itens:

a) destruição da vegetação natural; b) degradação das águas; c) destruição dos solos; d) degradação do homem.

O Brasil em 1500, ano em que foi iniciada invasão portuguesa, era uma das áreas com maiores extensões florestais do mundo. Florestas que deslumbravam os visitantes e que levaram Pero Vaz de Caminha, em famosa carta ao Rei de Portugal, a elogiar, entusiasmado, a beleza da terra e a afirmar que ela parece tão fértil que “em se plantando tudo dá”. Era o país maravilhoso posteriormente batizado como “país do futuro”.

Mas, no processo de povoamento e de ocupação do território, o português procedeu à derrubada impiedosa dessas florestas, a fim de ocupá-las com canaviais, e muita árvore foi destruída para produzir o combustível necessário a alimentar as fornalhas dos engenhos burguês. A ação devastadora era feita com o fogo, com a chamada “coivara” – atribuída ao indígena -, para diminuir o trabalho do homem, do agricultor. E da floresta, além da lenha, se tirava a madeira para as construções, para a confecção de móveis, de caixas de açúcar, de bordalesas para a aguardente, etc; não se preocupava o colonizador em poupar reservas de matas ou deixar áreas em reflorestamento, despindo os solos da vegetação de grande porte2. Desse modo, a mata Atlântica, que se estendia do Rio Grande do Norte ao Norte do Rio Grande do Sul, foi sendo paulatinamente destruída e em seu lugar surgiram áreas destinadas ao cultivo da cana de açúcar, à pecuária, à cultura de mantimento e ao café. Na zona do cacau, a mata só não foi completamente destruída porque essa cultura necessitava de sombra para sobreviver e o agricultor adotou o sistema do cabrocamento3 em que algumas árvores eram destruídas pra ceder lugar, dentro da parte restante, ao cacaueiro. E, à proporção que as técnicas agrícolas foram evoluindo, se dinamizando, as áreas de cultura foram se expandindo e a floresta foi rareando.

Na segunda metade deste século, observou-se a exploração criminosa das florestas do sul da Bahia e do Norte do Espírito Santo, por madeireiras que substituíram a floresta nativa por pastagens, fazendo 2 ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o Homem no Nordeste. 5ª. Edição. São Paulo: Atlas, 1986. 3 SANTOS, Milton. Zona do Cacau. Introdução ao Estudo Geográfico. 2ª. Edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.

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desaparecer madeiras nobres, madeiras de lei, como o jacarandá, a sucupira, o mogno e tantas outras, que poderiam ter sido preservadas. Só em pontos mais acidentados, como na encosta da Serra do Mar, ainda restam conjuntos florestais expressivos, hoje transformados em parques nacionais; mas a preocupação com a preservação da mata Atlântica chegou muito tarde, quando ela já estava quase completamente destruída.

Nas caatingas nordestinas, de vegetação pouco esparsa e caducifólia, a expansão da pecuária se fez dessa vegetação natural. Tanto nas áreas de caatingas arbóreas como nas de arbustivas, os criadores de gado passaram a usar a “queima do pasto”, antes da estação das chuvas, para facilitar o brotamento do mesmo, lançando na área uma grande quantidade de animais, bovinos, caprinos e ovinos, acima da capacidade de lotação das mesmas. A tendência após anos de uso, é que a vegetação definhe, os solos fiquem mais expostos à ação dos raios solares e dos lençóis de escoamento pluvial, fazendo com que o processo de desertificação se acelere e se acentue. Este problema muito preocupou o ecólogo e botânico Vasconselos Sobrinho, na fase final de sua carreira.

Mas os criadores de gado não degradaram apenas a caatinga, eles avançaram pelas florestas existentes nas serras, onde estabeleceram áreas agrícolas e de refúgio para os animais na estação da seca, destruindo a vegetação natural e acelerando a erosão. Recentemente, a exploração mineral na área de caatinga acelera mais ainda o desflorestamento, como ocorre em Currais Novos, com a siderúrgica que produz ferro gusa usando carvão vegetal como combustível4, e nas áreas do alto sertão pernambucano onde se explora a gipsita, ou a de Gilbués no Piauí, com os garimpos de diamante.

A floresta sub-tropical, conhecida como Araucária, e as matas do norte do Paraná, que cobriam grande parte dos estados do Sul até meados do século XX, também foram derrubadas impiedosamente na conquista de solos para plantação de algodão e café, inicialmente, e, mais recentemente, do trigo e da soja. O processo ai foi planejado “cientificamente” por uma empresa inglesa5 e acompanhado da implantação de cidades e de uma ferrovia provocando deslocamentos de população, depois, nas décadas de Quarenta e Cinqüenta, quando houve a retração da produção de algodão e café, seguiu-se uma nova migração para o Centro Oeste. O crescimento de 4 ANDRADE, Manuel Correia de. O Minério de Tungstênio no Nordeste do Brasil. Mossoró: Coleção Mossoroense, série A, n.XL, 1990. 5 MULLER, Nice Lecocq. Contribuição o Estudo do Norte. São Paulo: Boletim Paulista de Geografia nº 22, 1956.

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pastagens para a pecuária e a expansão de culturas mecanizadas – trigo e soja – desalojaram e expulsaram a força do trabalho nos anos Setenta. Isto sem falar no excedente populacional provocado pela formação do grande lago de Itaipu.

O atual Mato Grosso do Sul foi invadido do sul para o norte e teve as suas florestas destruídas, visando a comercialização da madeira e a expansão da pecuária e da agricultura. Onde está hoje a produção de mate, tradicional, quando as áreas de florestas são transformadas em pastagens, plantações de trigos, de soja e canaviais? Só na região que circunda Dourados existem em funcionamento cerca de cinco destilarias de álcool.

Mais para o norte, o cerrado, que foi objeto de estudos para o seu aproveitamento agrícola, e as florestas, ricas em castanheiras, em seringueiras e em ipeca, foram destruídas para permitirem o desenvolvimento de campos cultivados, muitas vezes em solos muito pouco férteis, e para implantar garimpos que exploram o ouro, as pedras preciosas e semi-preciosas e a cassiterita. É impressionante como o Brasil, ao se tornar o maior produtor de cassiterita, transformou-se também em um dos paises do mundo campeão de florestas destruídas e de solos degradados6; devendo-se acrescentar a estes danos também a exploração feita pelas madeireiras e a degradação e destruição das tribos indígenas. Os programas desenvolvidos em Rondônia para a implantação da cultura do café e do cacau, são profundamente comprometidos pela mineração e pela baixa qualidade dos solos; e os programadores esqueceram ainda os problemas ligados ao custo do transporte para produtos cultivados em áreas distantes do mercado consumidor interno e dos portos de exportação.

Nos anos Setenta e Oitenta, muito se discutiu o processo de destruição da Floresta Amazônica, com incentivos governamentais distribuídos pela SUDAM, e com a implantação de projetos megalômanos e danosos à economia nacional, como o Jarí7 e o Carajás8. No primeiro, o caprichoso milionário norte – americano, Daniel Ludwig, chegou a substituir, contra a opinião dos técnicos, a floresta heterogênea, típica das

6 ANDRADE, Manuel Correia de. A produção de Cassiterita nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro. CNPq/CETEM, 1991. 7 GARRIDO FILHA, Inês. O Projeto Jarí e os Capitais Estrangeiros na Amazônia Petrópolis. Vozes, 1980. 8 VALVERDE, Orlando. Grande Carajás. Planejamento de Distribuição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

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regiões equatoriais, por florestas homogêneas de gnelina9; com capitais garantidos pelo governo brasileiro, que teve ainda de forçar empresas privadas nacionais a assumirem o projeto, com grandes investimentos do Banco do Brasil, quando a multinacional se retirou.

Tão grave quanto o desmatamento é o processo de degradação das águas que ora são prejudicadas pelo próprio desmatamento, ora pelas atividades desenvolvidas nas margens dos rios e nas áreas drenadas para os mesmos. O simples desmatamento, sobretudo em áreas montanhosas, provoca uma maior rapidez no escoamento das águas das chuvas, permitindo que elas aumentem o poder de transporte e levem das partes altas para os vales e várzeas os sedimentos produzidos pela meteriorização. Daí o fenômeno dos canais fluviais que se depositam nas depressões marginais aos rios e que, paradas, encharcam o solo e permitem o desenvolvimento de larvas e insetos prejudiciais ao homem. O caso da baixada Fluminense é um exemplo histórico da maior importância: de área rica e grande produtora agrícola nos períodos colonial e imperial, ela foi se tornando uma sucessão de pântanos, devido ao assoreamento a que foi submetida. A sua recuperação, feita no período getuliano, foi imposta pela necessidade de expansão da cidade do Rio de Janeiro. E, se as suas condições físico-geográficas melhoraram, suas condições sociais se tornaram ainda mais difíceis.

Os rios, no Brasil, nunca forma objeto de uma preocupação maior; embora fossem essenciais ao abastecimento e à navegação, assim como ao desenvolvimento da agricultura, nunca houve uma política de preservação dos mesmos. Pierre Mombeig, geógrafo francês, chamou a atenção para a importância dos pequenos rios que, tendo leitos pouco profundos, exerciam uma grande influência na umidificação dos solos marginais, aguando plantas por capilaridade. Gilberto Freyre defende a mesma tese e salienta a importância dos rios como áreas de banho e lazer nos primeiros séculos de colonização. Mas é o mesmo Gilberto Freyre que, ao estudar o Nordeste agrícola, canavieiro10, se revolta e chama a atenção que as usinas de açúcar transformaram os rios em mictórios ou canais de escoamento de imundície, ao lançarem aos mesmos as águas servidas pelas indústrias e, sobretudo, o vinhoto. Mas isto continua a ser feito, apesar da celeuma que causa e da existência de toda uma legislação que proíbe este costume. 9 PINTO, Lúcio Flávio. Amazônia: no Rastro de Sangue. São Paulo: HUCITEC, 1980. 10 FREYRE, Gilberto. Nordeste. Aspectos de influência da Cana na Vida e na Paisagem do Nordeste do Brasil. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951.

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Mesmo quando o geverno Federal financiou, com o PRÁLCOOL, a implantação de destilarias a custos baixíssimos, não exigiu dos empresários uma política ecológica, limitando-se a determinar que fossem construídas áreas de decantação onde o vinhoto fosse depositado na época da safra. Estes açudes, porém, são abertos para os rios na época das cheias matando a fauna ictiológica e os crustáceos que constituem a alimentação básica da população pobre ribeirinha. Desse modo, toda a riqueza fluvial é periodicamente destruída, mesmo sabendo-se que existem processos técnicos que podem impedir o lançamento do vinhoto nos rios.

Mas não é apenas a agroindústria açucareira a responsável pela destruição dos rios, eles são largamente poluídos por outras indústrias e pelo esgoto urbano. As indústrias químicas, por exemplo, lançam aos rios líquidos com matérias químicas altamente poluidoras, inutilizando-os. Muitas vezes em camadas superficiais são transformadas em espumas que denunciam a poluição. Isto sem falar no grande dano causado às correntes fluviais pelo lançamento do mercúrio usado na lavagem do ouro, com conseqüências danosas à fauna e ao próprio homem. Esse processo de lavagem de minérios leva até o leito dos rios uma grande quantidade de sedimentos, ás vezes correntes de lama que sedimentam o leito, tornando-os mais largos e menos profundos.

Outro hábito nocivo também é o lançamento dos detritos urbanos nos cursos d’água, poluindo com matéria orgânica em degradação, sobretudo com matérias fecais. Durante muito tempo, no Brasil, o mar e os rios eram os lugares onde se lançavam os “tigres”, barris cheios de fezes acumuladas das residências; posteriormente, ao serem implantadas as primeiras redes de saneamento urbano, estes materiais e as águas servidas, eram lançados ao mar a uma certa distância da costa. Estas praias ficavam desvalorizadas, mas continuavam sendo utilizadas pelos habitantes das vizinhanças e por pessoas pobres, para o banho. Um exemplo bastante conhecido foi o da praia do Pina, no Recife, onde havia um grosso cano onde escorriam os dejetos da cidade. Os rios de grande volume d’água também têm essa serventia, convindo lembrar que, recentemente, apontou-se como uma das causas da transmissão do cólera na Amazônia – região drenada pelo Solimões – a utilização do grande rio como esgoto das cidades localizadas em suas margens e como fonte de abastecimento da população. Até no paraíso ecológico que deveria ser o Pantanal Matogrossense, em conseqüência tanto da mineração como do lançamento de restos orgânicos no leito de seus afluentes.

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Quanto ao problema dos solos, observa-se um grande ataque aos mesmos, tanto físicos, como a aceleração do processo de transporte dos sedimentos, como químico, com o uso de inseticidas, de agrotóxicos e de resíduos industriais. O processo de transporte do solo e do regolito é estimulado pelo desmatamento, sobretudo em áreas inclinadas, fazendo com que os lençóis superficiais, difusos e concentrados, transportem partículas para as partes baixas, provocando acumulação nas mesmas, enquanto as costas, desnudas, tendem a ter as suas rochas expostas; isto pode ser largamente observado no norte do Espírito Santo11. São degradados ainda pela retenção das águas nas áreas planas, onde há dificuldade de escoamento fluvial – a montante de barragens, por exemplo – e os solos ficam encharcados, dificultando as atividades agrícolas. Nas encostas mais inclinadas e que servem de pasto, a grande quantidade de animais ai colocadas, provoca um super pisoteamento e a formação de pequenos terraços chamados pelos franceses, de “terrasettes de vaches”. No vale do Paraíba, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, eles são largamente encontrados nas áreas pastoris.

A permanência de uma mesma cultura durante muitos anos em uma mesma área, sem que se proceda uma adubação periódica, provoca o empobrecimento do solo em sais minerais e leva a uma queda de produtividade agrícola; isto ocorreu na área canavieira do Nordeste, nos anos Quarenta e Cinqüenta, quando a produtividade por hectare caiu a menos de quarenta toneladas, forçando a utilização de técnicas de adubação para melhorar este nível.

Na Amazônia, região de clima quente e muito úmido, nos solos da “terra firma”, após o desmatamento, há um rápido processo de lixiviação, ou seja, de lavagem dos sais minerais, fazendo que a fertilidade caia verticalmente e haja uma forte tendência a desertificação. Nas regiões de clima equatorial, como o vale do Amazonas e do Zaire, há um domínio de solos arenosos e pobres, mas que mantêm uma cobertura florestal muito densa, dando a impressão de que essa associação vegetal – a idéia de Humboldt – cresce em solos de grande fertilidade; na verdade, a floresta se auto-alimenta com as suas folhas e conserva a umidade no sub-bosque; com o desmatamento, estes solos perdem o suprimento em matéria orgânica e as águas passam a escoar rapidamente, diminuindo a sua

11 ANDRADE, Manuel Correia de. O relevo da Zona Pioneira do Espírito Santo e da Região Contestada. Recife: Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1958.

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umidade. Daí o grande problema representado pelo desmatamento desenfreado da Amazônia.

O grande problema moderno, porém, é provocado pelo uso desenfreado de inseticidas que aniquilam a fauna existente, fauna que tem uma forte ação na formação do próprio solo; pelo uso de agrotóxicos que provocam não só transformações prejudiciais nos solos como também, ao serem levados aos rios pelas águas pluviais, contaminam e destroem a fauna fluvial e lacustre. Os usuários dos agrotóxicos e inseticidas argumentam que eles evitam um maior uso da força de trabalho, diminuindo o custo de produção, e provocam a aceleração na produção agrícola. Preocupam-se com os lucros imediatos e esquecem as conseqüências futuras.

Depois destes exemplos, que são poucos diante da tragédia ambiental em que vivemos, deve-se chamar a atenção para a degradação do próprio homem. O Brasil é habitado, em grande parte, por uma população doente, pobre, analfabeta e sem perspectivas de futuro, fazendo com que uma nova forma de poluição, a miséria, se torne um flagelo, talvez o maior problema nacional. A pobreza e a má alimentação levam ao definhamento do homem, à sua pouca capacidade de reação às doenças, ao raquitismo, à fome crônica, tão denunciada pelo geógrafo e médico Josué de Castro12, à preguiça, à desmoralização e à incapacitação para o estudo e o trabalho. Qualquer programa de melhoramento da qualidade de vida no país e de procura de uma modernidade sincera, deveria iniciar-se por uma política de distribuição de renda e de atendimento social à população. Política que deveria ser desenvolvida pelo Estado, com controle da economia e vocação para o social. Mas, uma política deste tipo, procurando estender a cidadania à população, dificilmente pode ser aplicada no Brasil, país com uma tradição secular de dominação de muitos por poucos. E estes poucos têm o controle da economia e do poder.

3. O Estado e uma Política Ecológica no Brasil

Os vários governos que se sucederam no poder, não tiveram maior preocupação com o meio ambiente; preocupados com o crescimento econômico, confundiram crescimento com industrialização e

12 CASTRO, Josué de. Geografia da Fome. A fome no Brasil. Rio de Janeiro. O cruzeiro, 1940.

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desenvolveram uma política neste sentido, sem maiores preocupações com os danos causados ao meio ambiente pelas indústrias aqui estabelecidas. Alguns políticos chegaram a afirmar que a maior poluição era a miséria e que a falta de poluição significava a falta de indústrias e, portanto, um dano maior que a miséria. Prefeituras chegavam a exagerar, colocando out-doors nas estradas dizendo que a poluição seria bem-vinda ao município. Projetos industriais subsidiados, como os implantados pelo PROÁLCOOL e ligados à agroindústria canavieira, ou aqueles ligados ao transporte e industrialização do petróleo, à exploração florestal, as mais variadas indústrias químicas, foram campeões de poluição e de degradação do meio natural. Fato também largamente ocorrido com a exploração mineral.

A constituição de 1988, graças à pressão de correntes progressistas, apresentou uma grande preocupação com o problema do meio ambiente, determinando princípios essenciais ao desenvolvimento econômico do país. È claro que os grupos econômicos prejudicados por medidas progressistas e dispondo de grandes recursos, fizeram lobby sobre a Assembléia Constituinte e conseguiram algumas vitórias, mas também sofreram derrotas expressivas. Assim, em seu art. 5. item LXXIII, a Constituição estabelece que qualquer cidadão pode propor ação popular que vise anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônioi histórico cultural. No art. 23, ela considera como da competência dos Estados, do Distrito Federal e da União “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”, assim como “preservar as florestas, a fauna e a flora”. Ainda determina responsabilidade sobre danos ao meio ambiente. No art. 24 estabelece que cabe à União, Estados e municípios legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

O capitulo VI, muito longo, estabelece uma série de regras determinando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Em uma série de parágrafos e itens deste artigo, a Constituição estabelece exigências para atividades econômicas que causam maiores impactos, como a caça e a pesca, a fim de evitar a extinção de espécies e proteger as que se encontram em extinção; a exploração mineral, determinando que as empresas dedicadas a esta atividade fiquem obrigadas a “recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público

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competente, na forma da lei”; considera indisponíveis as terras públicas e arrendadas pelos estados, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais; sobre condições de localização de usinas nucleares; exigência de estudo prévio do impacto ambiental para a implantação de determinadas indústrias, etc.

Ainda estabelece a necessidade de promover a educação ambiental em, todos os níveis de ensino e de conscientização pública para a preservação do meio ambiente. “Estabelece sanções para as pessoas que apresentarem conduta ou desenvolverem atividades lesivas ao meio ambiente e estabelece ainda que são patrimônio nacional da Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona Costeira”.

Apesar dos dispositivos constitucionais, a Floresta Amazônica continua a ser impiedosamente devastada pela ação de grupos econômicos que a destroem para ocupá-la com pastagens. E o avanço da exploração capitalista, classificada como moderna pelos que dela se beneficiam, vem provocando choque entre os invasores e as populações indígenas e posseiros que se estabeleceram na Amazônia a partir do século passado, com o surto da borracha. O bárbaro assassinato de Chico Mendes, foi um episódio desta luta, de vez que o pecuarista e o minerador não toleram o homem da floresta, que pretende organizar e modernizar o extrativismo.

Da Mata Atlântica pouco resta a preservar, pois a sua destruição iniciada no século XVI, vem sendo intensificada até os dias atuais, restando apenas poucos pontos, localizados quase sempre em áreas íngremes onde subsistem relíquias da mesma. A Serra do Mar, no Sudeste do país só tem o meio ambiente preservado naquelas áreas quase inacessíveis onde é difícil exercer, com intensidade moderna, o processo exploratório. Mas, mesmo nessas áreas, a poluição provocada por indústrias localizadas na planície costeira, vem levando substâncias tóxicas para a floresta, provocando grande devastação. O problema na área de Cubatão – que foi até pouco tempo a cidade mais poluída do mundo – ainda tem grande atualidade, apesar das medidas protecionistas dos governos paulistas.

O Pantanal Matogrossense praticamente não tem defesa; dos rios que nele deságuam vem o mercúrio e os sedimentos provenientes da exploração aurífera. Na própria área, a caça do jacaré vem provocando o desaparecimento da espécie; nesta caça há um duplo interesse, o do caçador, que procura obter peles valiosas para vendê-las no mercado internacional, e a dos criadores de gado que vêem diminuir a ação predatória sobre os rebanhos.

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Na faixa litorânea, o homem vem removendo dunas e aterrando mangues para desenvolver a construção de habitações – segunda residência para a burguesia -, criando fortes impactos sobre a natureza e destruindo a fauna e a flora nativa, sem o menor respeito ao meio ambiente. A especulação imobiliária se estende hoje por todo o território brasileiro, provocando o surgimento de cidades de veraneio cuja população oscila consideravelmente entre os meses de veraneio, de férias, e a baixa estação. Uma propaganda que supervaloriza o turismo como indústria desenvolvimentista vem sendo usada para justificar grandes aplicações de capital no setor.

Como se pode ver, a ação desestabilazora do equilíbrio ambiental ocorre com maior ou menor intensidade em todo o território nacional, provocando a destruição da flora, fauna e o empobrecimento do homem. Necessário se torna que o Governo Federal e os estados e municípios criem uma legislação que complete os princípios estabelecidos na Constituição de 1988, racionalizando a expansão econômica e a ocupação do território, a fim de que se tenha um desenvolvimento equilibrado; que realize estudos ambientais, debatendo com a sociedade civil as vantagens e desvantagens das formas de exploração econômica a desenvolver, estabelecendo uma escala de prioridade e uma qualificação das formas de intervenção que atinjam estabelecimento industriais altamente poluidores e impeçam a implantação de novos que irão poluir.

Os recursos devem ser explorados respeitando os direitos dos povos que habitam as áreas onde se encontram e os interesses das populações futuras, utilizando métodos e técnicas que evitem destruição da natureza e, conseqüentemente, o empobrecimento da sociedade. Mas, ao lado da ação do Poder Público, é necessário uma conscientização da população porque ela tanto pode incentivar como sabotar uma política racional.

O Estado e a sociedade devem estar engajados nos mesmos princípios e objetivos; o patrimônio ecológico é de ambos e ambos devem se conscientizar da necessidade de defendê-lo quando grupos econômicos e políticos, visando o atendimento de interesses imediatos, se propuserem a fazer uma exploração irracional e uma degradação criminosa. A manutenção de um meio ambiente sadio é um dever da sociedade, uma obrigação do povo e do Estado. Daí ser indispensável a definição de uma política que permita a exploração dos recursos naturais mas impeça a sua degradação. A questão ambiental não pode ser transformada em um mito ou uma utopia a serviço de “xiitas” de diversas tonalidades, mas não pode

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ser ter condescência com aqueles que não sentem compromisso com a natureza e com o bem estar da população.

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SOFTWARE E VALOR1

Armando Corrêa da SILVA

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento de Geografia.

Em 1990, 1º semestre, elaborei um programa intitulado

“Prospectiva Epistemológica-Tecnológica da Organização do Espaço e do Meio Ambiente. Projetos Interdisciplinares. Geografia Humana”, que tem como tema “O futuro do homem e do espaço na década de 90”.

O esboço preliminar tem o título “Espaço, Forças Produtivas, Tecnologia e Geografia”. No total, são 29 Projetos, dos quais este é o primeiro.

Trata-se, então, de um comentário ao seu conteúdo e a relação de uma bibliografia preliminar. É o que é possível fazer, agora, na fase em que se encontra a introspecção futura.

Assim, comento, a seguir casa um dos itens do projeto, o que pode revelar seu conteúdo e permitir selecionar alguma bibliografia. O Conhecimento Codificado

Uma das características do conhecimento atual é sua codificação prévia, através dos programas computadorizados. Existe, hoje, um grande número de programas, adaptáveis a diversos fins.

Cheguei, mesmo, a iniciar uma aprendizagem em um PC com o programa WORD 4 para, numa fase inicial, editar textos. A idéia era ter um contato direto com a máquina, mais do que operá-la eficientemente. Interessou-me, mais que isso, refletir sobre esse aparato tecnológico para pensar suas implicações ao conhecimento.

Além disso, interessa-me, principalmente, estudar a questão da informática e valor e sua repercussão espacial. Consegui, já, escrever um texto aproximativo ao assunto, ainda não publicado¹. Esse trabalho tem relação com outro, escrito manualmente, e que se intitula “O Capital Técnico e o Espaço”, publicado².

Agora, tento ir mais adiante.

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº16, de 1994.

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O conhecimento teórico encontra-se numa encruzilhada: o que o sustenta – a razão ontológica – está em discussão. A teoria clássica não resiste ao argumento instrumental (epistemológico) moderno; ela parece obscura e tende a perder sua densidade ortodoxa. A teoria moderna, por sua própria condição de existir, só se sustenta apoiada na racionalidade operacional (lógica), destituída do significado valorativo. Melhor seria dizer, com Habermas, cognitivo³.

Enquanto os filósofos tentam desmontar o quebra-cabeças daí resultante, venho operando ultimamente com o que denomino ontologia analítica numa vertente marxista prospectiva, ao contrário do que afirmou a meu respeito, recentemente, Ruy Moreira4. O resultado a que cheguei, não publicado, apresenta-se como uma Fenomenologia Ontológica-Estrutural5.

Há uma razão atual, diversa das mencionadas, e que está contida no código. Isso assemelha um paradoxo: o código é inseparável da classificação, um atributo clássico do positivismo, retomado no positivismo lógico, que tem uma concepção muito especial, como o revelou Popper6. É preciso, apressadamente, não confundi-lo com um neopositivista.

O conhecimento codificado é um instrumento capaz de articular a fragmentação do real e de reunir os pedaços na reprodução e montagem7. Isto dá origem a um discurso novo, em que todo é parte e a parte é o todo.

Ora, o código dá conta da coerência do conjunto, mas em prejuízo da totalidade. Esta se apresenta em crise. É que a ruptura do discurso contempla mais o ver do que o pensar. A velocidade introduz um complicador no raciocínio teórico ontológico. As idéias tornam-se transparentes através da decodificação da mensagem.

Algo acontece com a noção de valor. Geração e transferência de valor

O valor tem sido considerado principalmente em seu aspecto econômico objetivo8.

Recentemente, começou-se a considerá-lo, também, de um ângulo subjetivo9.

O ponto central, ainda em estudos e objeto de pesquisas é a questão das idéias gerando valor. Refiro-me às idéias abstratas, núcleo da teoria e gênese do conhecimento.

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Para a máquina (o soft) o problema é o de tentar faze-la produzir idéias e, com estas, o raciocínio.

A transformação das idéias abstratas (teorias) em idéias concretas (ciências e tecnologia) demanda o estudo das relações que se passam no cérebro.

A criatividade, que depende da vivência do cotidiano (a existência) é o ponto de partida da geração de valor.

Isto significa diferenciar produtividade e trabalho produtivo. Este último é o valor objetivado. A transferência de valor assim realizado se dá na comunicação da

informação codificada. Portanto, como trabalho morto. Esse, o impasse. A inteligência artificial depende da construção de máquinas que

possuam a capacidade de realizar operações de combinações complexas, e articulações da ordem de bilhões.

Contudo, a inteligência humana cria ela mesma novas combinações (no processo genético), ao passo que a máquina apenas repete a programação.

No entanto, algo se passa no processo produtivo. A idéia e a mais valia relacional composta

O conhecimento tornou-se força produtiva. Mas, o conhecimento tem na sua origem a idéia.

Esta surge no insight que, elevado ao nível da razão é um intermediário entre a reflexão filosófica e a teoria científica.

Dizer isto é o mesmo que dizer que o conhecimento é um valor. Mas, um valor diverso dos valores de uso e de troca, embora com estes tenha uma relação.

Esta relação se expressa na produção e na apropriação da idéias. Mas, não se trata de um produto histórico. Tudo se passa na relação

espacial e psicológica. O intelectual, enquanto aquela que produz e divulga a idéia tem,

assim, a possibilidade de criar o valor de uso e de troca subjetivos espaciais e psicológicos.

Sua objetivação se dá no programa, contido no processamento eletrônico, ou seja, na relação entre o trabalho e o capital.

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Há, desse modo, uma relação nova entre a objetividade e a subjetividade gerando valor.

Esse valor é a mais valia relacional ou composta, que é resultado da fragmentação da totalidade, que se desloca das coisas às relações.

O valor, embora se tornando por assim dizer, a-espacial e a-histórico, torna-se imaterial, porque só se realiza no fluxo da informação e da comunicação, sujeito às indeterminações, geradas pelas rugosidades10.

O software representa a tentativa de recuperar as determinações no movimento aleatório.

Surgem, por isso, as noções de valor contido em esferas ou circuitos que se relacionam e se imbricam na interdisciplinaridade.

Isto só foi possível ocorrer com a transposição do elétrico ao eletrônico e tem implicações quanto à forma11.

A cidade informacional é a possibilidade do sujeito sobrepor-se aos condicionantes das estruturas pretéritas de geração do valor que, não obstante continuam a operar na maior parcela do cotidiano e que ainda estão excluídas do sistema.

Essa é a raiz da crise futura, que já se mostra presente na atualidade, quando se manifestam o suicídio e a esquizofrenia, enquanto incapacidade das pessoas assimilarem o novo, em razão da velocidade da inovação, que ultrapassa as possibilidades culturais de assimilação e operação da informação12.

O código, que deve ser codificado, para ser compreendido em sua gênese, contém a objetividade e a subjetividade, como um desdobramento da ocorrência do valor. Valor e Valor

A valorização do valor é um aspecto novo da tecnoesfera e da psiçõesfera13.

Ele representa a tendência atual do capital de aumentar a potencialidade do valor de uso e do valor de troca para além da necessidade objetiva.

É uma forma de socialização da civilização do conforto que, como técnica de marketing, é utilizada para apropriar-se da necessidade criada além dos limites do horizonte possível.

Assim, o imaginário é trabalhado até o limite da estética da forma.

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O sujeito da pós-modernidade termina por assimilar uma forma de pensar, agir e sentir que é o sintoma da paranormalidade utilizado com norma.

Por isso, a inteligência passa ser sobrevalorizada. O trabalho mental torna-se parte da esfera relacional que é a idéias

in flux. O valor daí derivado não é mensurável em termos quantitativos. Ele se move na espacialidade da distância socialmente necessária,

que se expressa como a percepção das vibrações ambientais. Certos estímulos como a pintura, a música, a escultura, a arquitetura,

o urbanismo etc., contribuem para criar um mercado invisível do qual o capital se apodera.

A ideologização da tecnologia gera formas de esquizofrenia da alienação, que podem levar à catatonia ou à histeria.

O valor de valor parece ser um limite apara a obtenção de mais-valia em sua forma humana.

Mas a máquina inteligente pode ultrapassar essa limitação. Para captar esse mundo novo, as teorias do conhecimento habituais

são precárias. O controle da indeterminação resulta na descoberta agora previsível,

através da modelagem. A totalidade transforma-se, por meio das possibilidades da

informática, no conjunto dos modelos possíveis. O certo e o errado reduzem-se às articulações entre as lógicas

imagináveis e passíveis de serem elaboradas através da teoria dos jogos. Assim, o valor de valor projeta o possível para além da eletrônica,

numa perspectiva que ultrapassa o cotidiano e o lugar. Apropriação e valorização da relação

É preciso distinguir as relações fora de contexto e as relações contextuais.

Estas últimas podem ser relações de significado ou não. As relações de significado dependem da interconexão cognitiva dos

modelos mentais dos atores da situação. Essas relações podem ser neutras ou de elitrição. Estas últimas são as mais importantes porque ultrapassam os

significados dos impulsos meramente eletrônicos.

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Ir além da eletrônica significa acionar os neurônios a um grau paranormal.

A apropriação da relação é, então, uma auto-apropriação que está próxima da vivência do êxtase.

Desaparecem as determinações naturais e só se manifestam as determinações que estão no limiar das indefinições e da indeterminação culturais.

É, pois, o reino da psiçõesfera. É que ocorre a valorização da relação. Mais do que isso: a valorização da relação-em-si e da relação-para-si. A apropriação implica na sobrevalorização da relação. É quando

ocorre o desdobramento da psique. O controle dos fluxos

O valor precisa circular. É um requisito de funcionamento do sistema.

Como circulam as idéias? É preciso objetiva-las em alguma forma de linguagem. O computador faz isso na produção e reprodução de textos. Ao faze-lo gera valor de valor. Estabelece-se, assim, um fluxo que, imediatamente, não deve ser

interrompido. Mas, existem as falhas técnicas e as falhas humanas. Então, é preciso eliminar o atrito. Mas a máquina é uma produção humana. Surge, por isso, a figura das pessoas ou dos mecanismos que

interferem nos sistemas para garantir a permanência dos fluxos. Isto implica em um outro aparato técnico produzido para controlar

a continuidade. Assim, como no trânsito, busca-se a otimização dos fluxos no

espaço. O mesmo acontece com o controle dos fluxos humanos. No entanto, as pessoas desenvolvem possibilidades teoricamente

infinitas de mobilidade ante a inércia dos elementos fixados14. O próprio sistema desenvolve recursos para vencer os obstáculos à

circulação informalmente codificado pelas pessoas.

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Por isso, a velocidade das indeterminações aumenta, geradas pelo próprio modelo isotrópico, tornando aparentemente impossível o controle dos fluxos.

A máquina defronta-se com as inúmeras possibilidades da criatividade humana.

Isso configura um novo impasse. A indeterminação da emotividade

Argumenta-se que a emoção bloqueia o raciocínio. Isso não é bem correto. Pode-se ficar, por exemplo, indignado, sem que se perca a lucidez.

Então, o que ocorre é a perda da razão no descontrole emocional, que gera uma das inúmeras formas de irracionalismo.

Com a máquina é diferente. Destituída de consciência (determinada apenas pela lógica do código programático), opera segundo o que o programa determina eletronicamente.

Por isso, quando a digitação é incorreta, a máquina explicita o erro para o operador.

O que se denomina descontrole emocional é o que na isotropia é o atrito.

No ser humano, o descontrole emocional, que em suas formas mais brandas é apenas a liberação da emoção, é uma das formas de humanização das pessoas.

Pode ser compreendida como a manifestação do inconsciente, que se explicita, por exemplo, no insight.

É essa dimensão do comportamento e da comunicação que a máquina (no estágio atual) rejeita como uma indeterminação.

A não ser que a indeterminação seja identificada e codificada sob a forma de uma nova variável a ser introduzida no sistema.

A razão iluminista compreende a indeterminação (em sua variante dialética) como um momento do movimento contraditório.

Mas, a máquina, o computador, não pode operar a contradição. Mais do que isso, ele rejeita a contradição, porque a identifica com o erro.

Contudo, a máquina de lógica binária, constitui um avanço e é capaz de resolver muitos problemas do cotidiano moderno.

Até aqui, no entanto, os computadores, mesmo os da última geração, apesar de, mais do que úteis, constituírem o fundamento do

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funcionamento das sociedades avançadas – não passam de aparelhos ainda simples.

A produção do software mais elaborado poderá implicar em ultrapassar a base binária até aqui utilizada.

Isto poderia permitir a máquina lidar com a indeterminação e com as determinações primárias decorrentes da emotividade, num processo de humanização de si mesma.

Isto põe um problema.

A entropia unilateral

As trocas entre o operador e a máquina são desiguais. Enquanto o operador consome sua força de trabalho, a máquina

apenas transfere valor. Isso se dá ao nível da mecânica. Se se introduz a variável eletrônica

ao processo é mais complexo. Essa complexidade depende do tipo de máquina, de acordo com a

maior ou menor quantidade de recursos que possui. O operador, mesmo que tenha muitos recursos, depende, para usá-los, de um soft bastante elaborado.

O sistema, embora seja regulado pelo rigor da lógica binária, é sujeito aos atritos (falhas mecânicas ou falhas humanas).

Assim, o uso inadequado do computador pode danificá-lo. Isso pode ser decorrência do desgaste técnico ou fadiga do operador.

No cotidiano da operação do sistema, o ideal é a substituição, tanto quanto possível, do mecânico pelo eletrônico.

O que ocorre mais freqüentemente é a ociosidade do equipamento, por desnecessidade de uso, ou incompetência do usuário.

A ???? vai ocorrer quando a preparação da força de trabalho é inadequada, ocorrendo uma produção e transferência de valor que implica num custo.

O mesmo pode ocorrer se a máquina é inadequada para o desempenho da função desejada.

Um dos problemas que podem ocorrer é o de que a velocidade do usuário é maior do que a capacidade de operação da máquina, gerando desperdício de tempo necessário à produção e transferência de valor de valor.

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Dessa forma, o computador, que em princípio deve acelerar o processo de trabalho, pela centralização-descentralizada de funções, pode gerar a administração lenta dos custos-benefícios.

E, o objetivo do ingresso pode ser prejudicado, assim como as condições de trabalho dos usuários.

Uma nova burocracia (uma tecno-burocracia) assume o lugar dos velhos processos, gerando a necessidade de ágeis serviços de manutenção do equipamento.

No caso do usuário, estabelece-se uma nova rotina, causadora de doenças industriais novas, sem contar o problema do tédio.

É que o movimento do real passa a ser substituído pelo desempenho apenas funcional.

Para ultrapassar esses obstáculos, a divisão do trabalho elabora um novo perfil social de técnicos de vários níveis, que operam, por sua vez, com novas técnicas, num processo permanente de transformação do sistema.

Qual o limite desse processo? Hi-Tec e disfunções

A tecnologia de ponta tornou-se o núcleo da inovação da vida contemporânea. Seu impacto na estrutura e organização sociais está revolucionando a linguagem e os relacionamentos, a partir da elaboração de uma nova mentalidade.

O consumo e os serviços explicitam isso com grande força, na a forma da existência de uma nova configuração da vida humana, no interior da velha sociedade.

Essa configuração não se expressa na forma antiga da revolução social clássica, mas através do reformismo, que atinge as próprias instituições e os modos das mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais.

Isso não seria novidade, a não ser por o processo dar-se num contexto de desigualdade e diferenças.

Daí a ocorrência de anomalias, que se expressam ao nível funcional. A disfunção tornou-se um componente do cotidiano que, por

paradoxal que pareça, gera uma alienação conservadora. A velocidade da inovação é acompanhada de sua institucionalização

que, em muitos casos, é uma institucionalização paralisante.

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A liberdade regulada é confrontada freqüentemente pela anomia gerada pela desregulação das normas tradicionais que se deseja mudar.

Isto gera uma situação de sonambulismo15, que já foi denunciada. Então, o sistema só ganha dinamismo quando ocorre a assimilação

do novo em escala hegemônica. Assim, sem os rumos que só o movimento do real pode dar, o

futuro e o passado tornam-se um presente de muitas incertezas. É como se fosse preciso começar tudo de novo a partir do nada. A disfunção torna-se o modo de ser da contradição que só se

resolve através da forma, que é a projeção, para frente e para trás, da satisfação das necessidades e liberdades impulsionadas pela mídia.

A socialização da inovação tecnológica gera a socialização das disfunções.

Isso ocorre em meio aos desníveis sociais que os modelos não democráticos não conseguem assimilar, por decorrência da ausência de flexibilidade.

É a nova forma na qual o capital e o trabalho procuram operar, gerando uma inversão: é a função que determina o movimento. Isso gera novos modos de expressão da contradição. Oligopólio da inovação tecnológica

A inovação tecnológica assume várias formas: pode ser um novo processo, uma mudança de processo, um componente, parte de um equipamento, um novo modo de relacionar acessórios ou partes de um produto, ou mesmo, uma descoberta que gera um objeto autônomo na forma e no conteúdo.

Ela depende, contudo, como ponto de partida, da concepção destinada a resolver um problema e que aparece, desde logo, como uma idéia.

No caso da informática há inovações no software e no hardware. As inovações no software vão consubstanciar-se nos programas do

computador. Esses programas podem ser patenteados por uma firma,

dependendo da legislação a respeito. Pode-se gerar, assim, um monopólio sob a forma de pagamento de

direitos de uso. O processo pode repetir-se no caso do oligopólio16.

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Mas nada impede que outra firma, ou país, copie os objetos que contêm as inovações tecnológicas.

Isto é uma hipótese, pois, bem vistas as coisas, as idéias em si possuem autonomia de uso.

O novo processo, ou mudança de processo deve ser comunicado e a única garantia que tem o seu autor é o direito autoral.

O software é assim, um valor de uso e um valor de troca que pode ser apropriado.

É um caso especial, porque ele gera valor de valor e isso impede a oligopolização perfeita.

Freqüentemente, as inovações tecnológicas, num sentido amplo, estão ingressando informalmente no mercado.

Certas inovações, por seu uso tático e estratégico são protegidas, nem sempre de modo eficiente, gerando a pirataria, de uma parte, ou o segredo industrial, de outra.

A concorrência, mesmo no mercado imperfeito, impede que a oligopolização da inovação tecnológica seja perfeita.

O que importa, no entanto, é a apropriação de valor, que se distribui, de modo diversificado, pela sociedade, gerando ingressos ao nível da produção, da troca, da circulação e do consumo.

E o consumo de um bem ou serviço imaterial. Liberação das funções

O computador é uma máquina que concentra funções, antes dispersas na divisão técnica e intelectual do trabalho.

O software procura desempenhar várias funções do cérebro humano que, em combinação com os disponíveis eletrônicos permite o desempenho de uma inteligência artificial, através dos programas gravados em dispositivos especiais.

O computador permite ao cérebro eletrônico operar com grande velocidade, mesmo operações complexas.

Isto libera mente humana para dedicar-se a outras tarefas mais criativas.

Aliás, a principal função da máquina é a progressiva eliminação do trabalho pesado e da fadiga física e mental do passado.

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Mas, como toda nova descoberta tecnológica, possui requisitos de uma nova lógica que, por sua vez, condiciona o comportamento e a mente humanos.

Daí a importância da codificação do trabalho. Trata-se de obter muita informação e comunicação a baixo custo. Isso, no entanto, se dá com aumento da racionalidade (lógica), que

nem sempre com o aumento do grau de razão (ontologia). Por isso, o computador repete, e não argumenta, no estágio atual em

que encontra. Contudo, pode realizar simulações com rapidez e quantidade

maiores que o cérebro humano. Este, por sua vez, é o produtor dos programas, é responsável pela

produção da reprodução. Persiste o avanço da tecnologia, superior ao avanço da teoria,

porque as pessoas não conseguem fazer com facilidade o que o computador realiza facilmente: a mudança de programação.

Isto se dá ao nível da criatividade que lida com as categorias do conhecimento.

A liberação de funções humana está na capacidade, ilimitada, da tomada de decisões, cujas funções nem sempre a máquina pode operar.

Isto significa que a flexibilidade humana é maior do que a do computador, e, com ela, a liberação de funções. Alternativas não codificáveis

O computador não raciocina, isto é, ele apenas opera. É o âmbito das funções ou das neo-funções.

O ser humano, por sua vez, pode interferir em suas próprias decisões e é sujeito a determinações e indeterminações, por vezes, imprevisíveis.

Isto ocorre porque o número de variáveis ainda não controladas pelo sistema são inúmeras. Basta citar o exemplo do clima. Numa outra esfera do conhecimento, o papel do inconsciente.

A chamada inteligência artificial, consubstanciada no software, é uma analogia que está muito longe, ainda, da perfeição-imperfeita do cérebro humano.

O valor do valor gerado pelo computador, como capital e trabalho técnicos, não abrange os aspectos subjetivos do próprio valor.

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O mundo objetivo é, por essência, funcional. O que se denomina no movimento do real, extrapola o reino das funções.

Então, o computador não consegue agir no âmbito do sentir, pensar e agir humanos.

É o caso, por exemplo, da ideologia que a máquina rejeita. Hoje se sabe que a ideologia não pode ser reduzida a um mero

reflexo. O conhecimento vem de fora, certo, mas depois se transforma em

autoconhecimento, no processo de elaboração das categorias e conceitos. Ora, estes são, em princípio, idéias. O computador não lida com a pré-ideação e, portanto, com a gênese

do raciocínio. Além disso, o nascer da consciência, como idéia abstrata, se dá a

partir do nada, do vazio. Normalmente, nega-se isto, porque, tanto as pessoas como a

máquina lidam com as idéias objetivadas, qualquer que seja a forma. Um dado importante é o de que, não só as coisas, as idéias, as

pessoas, podem ter valor, mas o ser humano valoriza e desvaloriza as coisas, as idéias, as pessoas17.

Por isso, é possível valorizar ou desvalorizar o próprio computador, ou, o que é parte do problema, valorizar ou desvalorizar o próprio soft, que foi criado como programa. A implosão da centralização-descentralizada

O sistema está se interiorizando. No entanto, quanto mais se centraliza, mais opera, com a força de uma contradição, a sua descentralização.

Essa a característica das tensões contemporâneas. Isto ocorre porque o valor tornou-se espacial e tem sua origem no

antigo valor temporal. Este, não desaparece, como no caso das mais valias absoluta e

relativa, medidas pelo tempo socialmente necessário. O espaço socialmente necessário, fonte de reprodução ampliada

composta do capital18, que gera a mais valia relacional ou composta, surgido com o período técnico-científico do pós-guerra, tornar-se, através da localização e dos componentes do espaço (distancia, tamanho, etc) o lugar privilegiado da geração e transferência de valor.

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Isto tem repercussões no perfil social e torna a história tradicional uma pré-história.

A modernidade esgota-se em seus fundamentos. A pós-modernidade é apenas é apenas o início da história humana

real, como pré-ideação. Daí, a mundialização19 e seus efeitos. No entanto, as formas pretéritas de existência, são inércias que tem

levado o período de uma geração para modificar-se. O avanço da informática, neste caso, desempenha um papel

importante, no sentido de acelerar o pensamento, elevando a razão e a racionalidade a um novo patamar.

Este projeto tem por objetivo tentar prospectar o advento de uma

nova era na existência da humanidade, mas restrito à década de 1990. As especulações ontológico-analíticas aqui visam apenas ultrapassar

aquilo que já é vivência das pessoas, na direção da sociedade nova que se deseja.

Os desafios atuais parecerão coisas do passado, quando a revolução funcional esgotar suas possibilidades. BIBLIOGRAFIA E NOTAS 1. SILVA, Armando C. da. A Metrópole e as Razões da Razão. São Paulo, Técnica, xerox, inédito, 1989. 2. ________ O Capital Técnico e o Espaço, Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, Associação dos Geógrafos Brasileiros, n.65, 1985. 3. _________ Ponto de Vista – O Póx-Marxismo e o Espaço Cotidiano. Terra Livre. São Paulo, Ed. Marco Zero, Associação dos Geógrafos Brasileiros, n. 7, 1990. 4. “15. Veja De Quem é o Pedaço. São Paulo, Ed. Hucitec, 1986, coletânea de textos desse período de renovação, voltados para a problemática do contato da Geografia com a Filosofia. A presença de Lukács será posteriormente substituída pelo deslocamento que levará o autor do marxismo para o campo da fenomenologia, alguns desses textos já prenunciado esta passagem”. In MOREIRA, Ruy Assim se Passaram Dez Anos (A Renovação da Geografia no Brasil: 1978-1988), Rio de Janeiro, xerox, 1988, p. 35. Ruy não considerou corretamente minha trajetória epistemológica na passagem de uma teoria do conhecimento, originalmente maxista-leninista, para a vertente que denomino ontologia analítica. Cf. Nota 5.

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5. A aparência, o Ser e a Forma (Geografia e Método). 1989. O problema da articulação de ontologias em uma ontologia plural específica, diversa do ecletismo, e que envolve a Fenomenologia e a Estrutura, é uma tendência de vários autores contemporâneos. Além disso, trata-se, não do resgate histórico, mas de avançar prospectivamente a partir de autores do passado, mesmo que estes (alguns deles) não sejam ortodoxamente marxistas. É uma questão em aberto para discussão. Além do mais, trabalho agora (1991) com a consideração da variável tecnológica, como já escrevia em 1988. Veja-se, por exemplo: SILVA, Armando C. da. A Produção do Conhecimento Científico e Tecnológico na Crise da Sociedade Contemporânea. Geosul. Florianópolis, Ed. Da UFSC, n. 6, 1988. 6. POPPER, Karl R. La Lógica de la Investigación Científica, Madrid, Ed. Tecnos, 1973. 7. SILVA, Armando C. da. De Quem é o Pedaço? São Paulo, Ed. Hucitec, 1986 (Espaço e Cultura). Este livro, além de ser uma proposta de Geografia Cultural, no contexto da renovação, foi uma oportunidade para o autor “limpar a fita do gravador”. 8. BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Valor e Capitalismo. Um Ensaio sobre a Economia Política. São Paulo, Livraria Brasiliense Editora S.A., 1980. É um exemplo, entre outros, que não implica em um julgamento da obra por mim. 9. BHASKAR, Roy (1988) “Ciência”. BOTTOMORE, Tom (editor) Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. O texto, polêmico, discute se a ciência é – acrescento: por extensão – uma força produtiva. A partir daí pode estabelecer-se uma discussão sobre idéias abstratas e idéias concretas. Nesse Dicionário há outros verbetes que discutem o problema. C.f., por exemplo, “Ideologia”. No meu caso, considero basicamente o problema não resolvido de uma Teoria das Idéias, o que os autores fenomenológicos e existencialistas abordaram. È assunto em aberto. 10. Cf. SANTOS, Milton “O Papel das Rugosidades”. In Por uma Geografia Nova. São Paulo, Ed. Hucitec, 1986, Segunda Parte, Capítulo XII, pg. 136. 11. SILVA, Armando C. da. A Geografia e a questão da forma (Uma Primeira Discussão do Objeto), Métodos em Questão. São Paulo, Instituto de Geografia, n. 17, 1983. 12. _________. . “A Paranormalidade: Sugestões para Pesquisa”. In De quem é o Pedaço? op. cit. 13. O termo psiçõesfera foi utilizado por Milton Santos em conferência pronunciada em Buenos Aires em novembro-dezembro de 1990. A interpretação que faço aqui é livre. 14. SANTOS, Milton. “Espaço e Capital: o Meio Técnico-Científico”. In Espaço e Método. São Paulo, Livraria Nobel S.A. 1985. 15. LACOSTE, Yves (1988). “Miopia e Sonambulismo no seio de uma espacialidade tornada diferencial”. In A Geografia – Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra. trad. Maria Cecília França, Campinas, Papirus editora.

Armando Corrêa da Silva – Software e valor

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GEOGRAFIA ESCOLAR: CONTEÚDOS E/OU

OBJETIVOS?1

Diamantino PEREIRA Pontifícia Universidade Católica – São Paulo, SP

Introdução

Os professores de geografia (não só eles, pois se trata de um fato comum entre as disciplinas que compõem as grades curriculares do 1º e 2º graus) há muito tempo deixaram de pensar em objetivos a serem atingidos por determinados conteúdos. O meio (conteúdo) se transformou em um fim.

Tanto isso é verdade, que aqueles populares planejamentos feitos pelos professores ao início do ano, por exigência da estrutura escolar, são esquecidos para sempre. Afinal, o que interessa é o conteúdo. A prova mais cabal desse processo de reificação dos conteúdos é que, nesses planos, o conteúdo se transforma em objetivo: por exemplo, ao se definir que o objetivo do estudo do conteúdo “indústria brasileira” é fazer com que o aluno saiba o que é a “indústria brasileira”. E aí, sem saber, o professor começou a adotar a lógica do cachorro que corre atrás de seu próprio rabo e consegue apenas ficar cansado.

Ao estabelecer um objetivo como esse, o máximo que o professor consegue atingir é o nível de informação a respeito do fenômeno. Mas, quais os objetivos ao nível da construção de conceitos geográficos, para que os alunos gradativamente possam ir sendo equipados com instrumental para poderem, eles mesmos, ler o espaço geográfico e sua paisagem? Como isso não é definido, acaba não fazendo parte das estratégias e fica relegado apenas ao bom senso que o professor vai desenvolvendo ao longo de sua prática docente. No campo de ensino, porém, não considero que as coisas possam ficar restritas apenas a sensações.

Os professores, porém, não inventaram esse método de ação a partir do nada: viver em sociedade significa, entre outras coisas, influenciar e estar submetido a influências diversas. Neste ponto, é importante

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº17, de 1995.

Diamantino Pereira – Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?

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destacar o papel da produção acadêmica a respeito do tema “ensino de geografia”.

Uma preocupação apenas com os conteúdos A discussão a respeito dos conteúdos que devem compor as grades

curriculares dos diversos níveis e séries está de ponta cabeça. É praticamente impossível encontrar-se alguma reflexão que parta do estabelecimento dos objetivos e funções específicas da geografia na escola para, a partir daí definir encadeamentos de conteúdos.

Basta consultar a bibliografia sobre o ensino de geografia para perceber que nessa vasta quantidade de artigos e livros fala-se de epistemologia da geografia, das ideologias adjacentes a conteúdos, assim como das leituras da realidade a partir de diferentes posicionamentos políticos, mas raramente se fala sobre o ensino de geografia.

Concretamente, qualquer um pode fazer um teste: é só falar em ensino de geografia, que imediatamente pensamos em encadeamento de conteúdos e sua lógica. Isso tornou-se um vício arraigado entre os geógrafos.

É fácil identificar a origem desse processo. Quando, na década de 70, começou-se a criticar a geografia tradicional de raízes positivistas, tanto em encontro de estudantes, congressos da AGB e mesmo nas Universidades, uma contradição logo ficou clara: aquilo que era discutido ao nível acadêmico não tinha desdobramento ao nível de suas aplicações nos programas de ensino de 1º e 2º graus. Por isso, uma das iniciativas da AGB, nessa época, foi a implementação de uma atividade denominada Projeto Ensino, que constituía-se, basicamente, de palestras proferidas por geógrafos de diferentes áreas, que vinham discutir com uma platéia de professores secundários, quais os problemas das antigas abordagens didáticas da geografia tradicional e as possibilidades de novas abordagens.

Naquele momento, o foco principal das dificuldades e atenção dos professores estava ligado explicitamente à questão dos conteúdos. Mas, assim se passaram duas décadas e a discussão acerca do ensino de geografia avançou, mas não mudou de patamar: continuamos querendo saber somente de conteúdos.

Isso é reforçado também por grande parte dos livros didáticos e por inúmeros órgãos estatais que teriam como função estabelecer algum nível de controle de suas redes de educação. Desses, o mais emblemático, talvez

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por ser mais completo, é o guia curricular da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Tanto ao nível de 1º e 2º graus, a lógica é absolutamente conteudística. Veja-se, por exemplo, a justificativa para o estudo do processo de industrialização brasileira na 5ª série: como um dos principais elementos da construção do espaço geográfico é a atividade industrial, seria o estudo da industrialização brasileira, a chave para, nessa faixa etária, entender o país. Em função disso, propõe um estudo aprofundado do processo de produção-circulação como um todo e sua materialização no Brasil.

Esse exemplo é típico de uma justificativa presa, única e exclusivamente à lógica dos conteúdos. Isso não basta, pois formalmente, os conteúdos com os quais se trabalha uma disciplina escolar são os veículos de sua identidade. Porém, o que deve determinar tanto os conteúdos, quanto sua seqüência não é apenas sua lógica interna, mas uma definição clara acerca do papel da disciplina no ensino e sua materialização pedagógica adequada às diferentes faixas etárias, precedidas, por pressuposto, do enquadramento da contribuição da geografia para o conhecimento científico como um todo.

Essa discussão a respeito dos processos didáticos e de suas relações com os conteúdos é uma realidade sempre presente, pois ela é o verdadeiro calcanhar de Aquiles da educação como um todo e não apenas da geografia.

O Movimento da Escola Nova e a Geografia Veja-se por exemplo as discussões presentes na educação brasileira a

partir do movimento da “Escola Nova” já a partir da década de 30. Criticava-se, então, a escola tradicional por apegar-se aos conteúdos e à iniciativa única do professor dentro do processo de ensino. A Escola Nova propugnava, então, que para melhor aprender, aluno deveria fazer ou praticar determinadas experiências sobre os vários temas para que pudesse “aprender a pensar” e não receber conhecimento pronto e acabado. Familiar essa discussão, não é? Nem parece que estamos falando de 60 anos atrás, mas sim da escola atual e dos métodos construtivistas.

Em relação a essa discussão da escola em geral, cabe perguntar sobre o papel desempenhado pela geografia. Ora, sabemos que a denominada “Geografia Tradicional”, foi hegemônica até muito

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recentemente e, mesmo hoje, ainda apresenta uma influência muito grande na rede escolar. A “Geografia Tradicional” é prima-irmã da “Escola Tradicional” na medida em que pressupõe, apenas, uma descrição das paisagens.

Um dos emblemas da chegada da mensagem escolanovista à geografia é a reificação dos “Estudos do Meio”: finalmente tinha se conseguido um objeto para a geografia fazer observações e experiências. Mas, a novidade da aplicação pedagógica dos “Estudos do Meio” na escola, de forma alguma rompeu com os princípios e métodos da “Geografia Tradicional”, uma vez que “Meio” passou a ser enfiado naquela estrutura tão conhecida nossa, que muitos pensam, até hoje, ser a única forma de pensar a geografia: a descrição do meio começa, portanto, pela descrição do meio físico, sucedido pelos aspectos humanos e finamente econômicos. Uma variação nessa estrutura, quando existia um pouco mais de ousadia, era colocar os aspectos físicos em último lugar.

Com isso, transformou-se uma novidade pedagógica (o Estudo do Meio, com a análise de um processo dinâmico, em oposição às descrições de paisagens que não tinham nada a ver com a realidade do aluno) em um processo sem vida e superado, logo de início.

Dessa situação, podemos concluir que se, de um lado, a questão pedagógica deve ser enfrentada, de outro, se ela for (como ocorreu no caso que citamos) encarada isoladamente em relação ao corpo teórico da disciplina, ela acontece, pedagogicamente, como um processo petrificado.

Mas, a discussão trazida pelo movimento da escola nova foi um fato muito importante para a problematização dos processos pedagógicos escolares. A realidade observável ou prática, passou a ser muito importante no processo de ensino, na medida em que se valorizaram as teorias de que o ponto de partida deveria ser a realidade do aluno. A partir dessas concepções, popularizou-se a idéia de que é importante trazer o aluno inserido e participante do processo de ensino, sem “enfiar conhecimento pela goela abaixo”, próprio das concepções tradicionais de ensino.

Porém, ao contrário do que afirmava o movimento escolanovista e atualmente, o construtivismo, qualquer método de ensino ensina a pensar, mesmo que não se preocupe explicitamente com isso. A distinção entre os vários métodos de ensino reside nas concepções diferenciadas acerca do papel do aluno como um participante da sociedade.

Nessa medida, define-se também o papel do professor, ao qual cabem diferentes tarefas decorrentes de cada concepção. Veja-se, por

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exemplo, a definição das principais características de um método pedagógico, segundo Saviani:

Portanto, serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico mas sem perder de vista a sistematização dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 1984, p. 72-3).

Como se pode perceber, portanto, a redefinição do papel do aluno vem acompanhada da do professor. Uma coisa que se encontra subjacente a essa citação e na qual Saviani insiste muito no decorrer desse pequeno ensaio é na desvalorização ou minimização do papel do professor como ideologia subjacente a determinadas concepções pedagógicas.

Considero importante insistir sobre esse tema, uma vez que o professor deve ter clareza de sua real importância no processo de ensino-aprendizado, em outras palavras, por mais interativo que seja o seu método ele não deve perder a sua identidade de professor, sob risco de comprometer ou, mesmo, dificultar o processo de aprendizagem que ele deveria facilitar.

Quando o professor utiliza o método tradicional, no caso da geografia, por exemplo, ele está ensinando o aluno a pensar, pois a prática pedagógica estabelecida mostra, a todo momento, que o professor seria o único dono do conhecimento, que esse conhecimento seria composto de muitas informações e pouco raciocínio, que o único conhecimento válido seria o conhecimento letrado etc.

Mesmo que o professor não tenha clareza disso, a sua postura e os seus atos implicam em uma concepção política em relação ao alunado, como quando se afirma: “eles não aprendem porque são burros”, desprezando qualquer outra avaliação sobre a possível “incomunicabilidade cultural” que esteja estabelecida.

Afora a nossa prática no dia a dia da sala de aula, essa questão, de vez em quando ganha publicidade, como recentemente em um jornal que publicou uma reportagem sobre a dificuldade, ou mesmo impossibilidade de comunicação entre um repórter e alguns meninos de rua que tinham

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pego carona com ele. Tratava-se de uma diversidade de valores, ambições, concepções de vida etc.

As concepções do tipo construtivista, encaram o aluno de outra forma: da mesma maneira que Spielberg no filme “A volta do Capitão Gancho”, a única maneira de se conseguir comunicar com os alunos e livra-los do “mal” Capitão Gancho é conseguir chegar-lhes ao coração, através de seu conhecimento “sincrético”, como fala Saviani, e seu universo cultural. Fora disso não se estabelece a comunicação e portanto o processo pedagógico é amputado de sua perna mais hábil.

Mas se os métodos pedagógicos do tipo construtivista, estabelecem que o ponto de partida e o ponto de chegada deve ser a realidade concreta do aluno, resta ainda saber como geografia deve se posicionar nesse roteiro. Em outras palavras, o que a geografia deve fazer a partir do estabelecimento do tal “ponto de partida”, como é o caminho e o que se espera da geografia nesse tal “ponto de chegada”. Se, como já afirmamos, nos apegarmos àquilo que praticamos desde a nossa graduação, a nossa resposta será sempre “informação e conteúdo”. No entanto, acredito que o ensino de geografia possui uma missão que transcende esses itens.

A concepção popular de Geografia e sua superação Quando Lacoste criticou radicalmente a chamada “Geografia dos

Professores” em seu livro “A geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra”, ele estava chamando a tenção para o fato de que era essa, e não a geografia praticada nas academias e “Estados Maiores” que a grande maioria da população tinha contato. A isso devemos acrescentar o papel que os meios de comunicação têm desempenhado na divulgação do que seja a geografia.

A popularidade da concepção de geografia como o da descrição dos fenômenos, sobretudo “físicos” e paisagísticos, atestada pela proliferação de algumas revistas, auto denominadas como “geográficas”, que apenas mostram paisagens muito bem ilustradas que se prestariam a uma análise geográfica aprofundada, mas que ali recebem um tratamento meramente descritivo.

Outras publicações, como por exemplo o Almanaque Abril, apresentam como assuntos referentes à geografia o item “relevo, vegetação, clima, ecologia, hidrografia, plataforma continental e ilhas oceânicas, e a presença brasileira na Antártica”. É a isso que se reduz a

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geografia? Poderíamos argumentar que é uma publicação sem cunho científico e que, portanto, lida com o senso comum. Mas, é nesse tipo de publicação que se divulga a imagem da geografia para amplas camadas da população.

Já existe, portanto, um imaginário social muito mais popular do que se imagina, que considera geográficas as descrições paisagísticas povoadas de vegetações, morros, rios, climas e eventualmente até algumas populações exóticas (por serem típicas do lugar).

Nos primeiros anos de escola esse imaginário geográfico (do senso comum) é, via de regra, reforçado pela autoridade do professor que, como generalista, dificilmente consegue acompanhar as discussões a respeito do conjunto das disciplinas com as quais lida (muito menos com essa, que sempre faz parte do rol das “decorativas”).

Quando, por exemplo a partir da 5ª série o aluno toma contato com outra possibilidade de entendimento do que seja a geografia, a sua sensação é de incredulidade, pois aquilo entra em contradição com o que até então ele tinha tomado contato.

É fundamental, portanto, transcender essa noção popular de geografia, ao mesmo tempo em que exorcizamos também a sua vinculação exclusivamente “conteudística”. Se devemos pensar em objetivos, algumas coisas devem ser previamente estabelecidas.

O ensino de primeiro grau caracteriza-se, fundamentalmente, pelo processo de alfabetização, em sentido amplo, a que os alunos são submetidos. Assim , nas diversas disciplinas, que compõem a grade curricular, colocam-se princípios e se estabelecem linguagens dos mais variados tipos, que serão absorvidas pelos alunos como ferramentas de comunicação e de entendimento do mundo.

Concretamente, por exemplo, na disciplina Comunicação e Expressão, o aluno adquire os conhecimentos para se expressar na sua língua tanto de forma oral como escrita. Em outras palavras, é alfabetizado do ponto de vista da escrita, da leitura e da expressão oral. A partir daí e cumulativamente, uma série de símbolos e regras que anteriormente não faziam o menor sentido, passam a compor um universo de signos e passam a integrar o universo do estudante.

No caso da matemática (também, por exemplo), a mesma coisa acontece, mas com outra matéria prima. Agora o objeto são os números e suas operações. Como no exemplo anterior, o aluno adquire progressivamente uma nova linguagem e torna-se capaz de se expressar

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através da linguagem matemática e adquire fundamentos do raciocínio lógico.

Para sairmos do “mundo dos exemplos”, resta colocar, desde já, a indagação sobre o papel da geografia nessa fase de vida do aluno. Afinal, qual a contribuição da geografia no processo de alfabetização da criança? Que contribuição específica essa disciplina pode acrescentar ao processo de aprendizagem pelo qual passa o aluno?

Como nos exemplos que citamos anteriormente, nessa fase, necessariamente, o processo que se coloca é o da alfabetização entendida em seu sentido amplo. E alfabetização, para a geografia, somente pode significar que existe a possibilidade do espaço geográfico ser lido e, portanto, entendido. Pode transformar-se, portanto, a partir disso, em instrumento concreto do conhecimento. Mais que isso, o espaço geográfico pode transformar-se em uma janela a mais para possibilitar o desvendamento da realidade pelo aluno.

A Geografia, o Espaço geográfico e a Sociedade Afirmar que o papel da geografia no ensino de 1º grau é alfabetizar

o aluno, para que ele possa ler o espaço geográfico é importante, porque identifica a missão que deverá ser desempenhada. Entretanto, em função da amplitude e dos diferentes conteúdos que são inseridos sob o rótulo de “espaço geográfico”, é necessário aprofundar um pouco mais a discussão.

Para começar, já que estamos indagando sobre o papel específico da geografia no processo de aprendizagem, é necessário que tornemos claro o que significa acrescentar, em termos de qualidade, à palavra “espaço”, o adjetivo “geográfico”. Em outras palavras, o que faz com que o espaço se torne geográfico? Sobre essa questão, Neil Smith afirma que:

[...] o espaço geográfico é algo novamente diferente. Por mais social que ele possa ser, o espaço geográfico é manifestadamente físico; é o espaço físico das cidades, dos campos, das estradas, dos furacões e das fábricas. O espaço natural, no sentido de espaço absoluto herdado, não é mais sinônimo de espaço físico, haja vista que o espaço físico, por definição, pode ser social. Esta distinção surge no debate sobre o espaço geográfico, porque os geógrafos têm que lidar com o espaço físico em geral e não apenas com espaço natural da primeira natureza. Com seus objetivos de estudo

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localizados enquadradamente dentro do espaço social, a maioria das ciências sociais poderia abstrair o espaço físico, incorporando-o nas análises somente como um dado externo ocasional. A geografia evidentemente não se deu a esse luxo (...) (SMITH, 1988, p. 120).

Esse pequeno trecho do excelente trabalho de Smith, contém o

núcleo fundamental do que é fundamental observar no espaço geográfico. Para começar ele é “manifestadamente físico”, mas o físico não tem aí o sentido de “geografia física” ou da primeira natureza. O físico é a materialidade, o lugar. E o lugar, por mais físico que possa parecer, é uma construção social, nas mais diferentes escalas em que isso possa ser afirmado, desde um processo de construção espacial direta, ou seja, da dimensão espacial da dinâmica social, até o simples ato de se aproprias todo o planeta pelas diversas sociedades. Afinal, o que não é nacional, no mundo de hoje, está sob a jurisdição da ONU e mesmo aspectos que escapam da soberania de qualquer país, geram preocupações e ações das sociedades, como é o caso, por exemplo, do aquecimento global da atmosfera, do buraco na camada de ozônio e da poluição das altas camadas atmosféricas, que até pouco tempo não eram responsabilidade de ninguém, pois estava fora de quaisquer limites nacionais.

O espaço é, portanto, geográfico, quando a ele são acrescentadas as qualidades fornecidas pelo arsenal teórico da geografia. Dessa maneira, a fisicidade do espaço geográfico, nada mais é que a dimensão espacial das dinâmicas que o constroem.

Essas dinâmicas, por sua vez, são dadas pelas relações que se processam no interior das sociedades e entre estas e os demais elementos da natureza. Como pressupomos que essas relações são dialéticas, assumimos que o fato dos homens organizarem-se socialmente não os extrai da natureza, ou seja, o homem pode ser, e é um componente da natureza e da sociedade, e esta influencia e é por ela influenciada.

Afirmar que os ritmos da sociedade e da natureza são diferentes é um ponto de partida para a crítica fácil à essa concepção que expusemos. Porém, se nos aprofundarmos nos elementos que os próprios críticos consideram como componentes de uma natureza isolada da sociedade, tais como a dinâmica geológica, geomorfológica, climática, botânica, etc., poderemos perceber que eles também possuem ritmos completamente distintos.

Mais que isso, quando estamos discutindo como deve ser abordada a natureza, por exemplo, não devemos esquecer quem nós somos. Trata-se

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de geógrafos discutindo esse tema e isso tem como conseqüência o fato de trazer a discussão para dentro das perspectivas da ciência geográfica e não ficarmos presos à abordagem de cunho biológico ou naturalista. E isso é fundamental, não por uma questão de ordem corporativista, mas para que a geografia possa apresentar algum tipo de contribuição específica nesse campo de estudo e possa ser reconhecida socialmente por isso.

De volta à questão pedagógica Com base nesses princípios, podemos considerar o tratamento que

devemos dar à questão da já muito famosa contradição entre o que se denomina de “geografia humana” e de “geografia física”. Como partimos do pressuposto da unidade entre sociedade e natureza, esta considerada como totalidade, e que as relações sociais são os principais fatores que regem o processo de construção espacial, o tratamento especificamente geográfico dos mais diversos temas pode se concretizar, somente se não fizermos uma abordagem dicotômica, pois, dessa maneira, estaríamos isolando fatores que não podem ser considerados em separado, quando se trata de uma abordagem geográfica.

Levando em consideração esse tipo de abordagem, é possível escapar, por exemplo, do conflito que se estabelece, geralmente na 5ª série do 1º grau, entre as disciplinas Geografia e Ciências. Esta última tem desenvolvido especificamente nessa série, os temas que são abordados pela geografia com o nome de geografia física à maneira do positivismo: alguns elementos da natureza (geologia, relevo, vegetação e clima, por exemplo) sem nenhuma relação entre si e nem com a sociedade. Porém, a abordagem geográfica desses temas, pressupõe a sua socialização no processo de produção do espaço geográfico.

Portanto, na medida em que transformemos o estudo desses temas em estudos geográficos sobre a geologia, relevo, vegetação, clima, etc., cada disciplina poderá levar adiante seus estudos sem haver colisão de conteúdos, pelo contrário, pois cada uma das disciplinas têm contribuições específicas a dar para a elucidação do tema.

O outro conflito que se estabelece nas grades curriculares de vários níveis, é entre as disciplinas geografia e história. Essa confusão se acentuou, principalmente, com o movimento de crítica a geografia tradicional, de raízes positivistas. Isso aconteceu por que, via de regra, assumiu-se que todo o fato é histórico, e, portanto, toda a análise

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geográfica da realidade devia partir do princípio de que a construção do espaço é um processo histórico.

Essa noção é verdadeira e fundamental para que entendamos o espaço geográfico. Porém, genericamente, popularizou-se no ensino de geografia que para inserirmos a historicidade no espaço geográfico, deveríamos, sempre, partir da cronologia do fenômeno que estivéssemos analisando. Isso significou um empobrecimento do conceito de historicidade, que foi reduzido a mera cronologia, ou sucessão de fatos, e passou a provocar problemas de identidade entre as duas disciplinas, na medida em que, para abordar o tema da “Agricultura no Brasil”, por exemplo, deveríamos começar, obrigatoriamente, pelas Capitanias Hereditárias, Sesmarias, Lei de Terras de 1850 etc.

É claro que para que nós consigamos entender minimamente esse tema, todo esse processo deve estar claro dentro de nossas cabeças. Porém, isso não significa, no âmbito do ensino de geografia, que devamos assumir o método do desenrolar histórico. O “ser histórico” do espaço geográfico advém do fato de que as relações que a construíram terem se estabelecido historicamente. Portanto, o ponto de partida do discurso pedagógico geográfico não deve ser o desenrolar histórico dos fatos que geraram a construção do espaço geográfico, mas a sua atual configuração, identificando-se as dinâmicas responsáveis por ele ser o que é. É claro, também, que o desenrolar histórico deve ser revisitado, sempre que isso for necessário para um melhor entendimento do tema que estivermos desenvolvendo. Mas isso não deve fazer com que devamos assumir, como discurso pedagógico da geografia, o método do desenrolar histórico, sob pena de provocarmos problemas de identidade para nossa disciplina e de não conseguirmos esclarecer qual a contribuição da geografia no processo do conhecimento e do ensino-aprendizagem.

Quanto aos objetivos pedagógicos/geográficos que, tenho insistido ao longo de todo o texto, devem preceder a definição de qualquer conteúdo, além do que já afirmamos anteriormente é ainda possível um maior detalhamento para ficar claro que não interessa elaborar uma lista de objetivos (daquelas que se colocam normalmente nos “planejamentos” de início de ano) que não tenha como finalidade auxiliar o professor a definir melhor o seu papel no processo de ensino-aprendizagem. Não nos interessa, portanto, a burocracia, mas a reflexão.

Posso detalhar, a título de exemplo, os objetivos conceituais que me orientaram ao formular, juntamente com Douglas Santos e Marcos de Carvalho, uma proposta de ensino para o 1º grau.

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Partimos do principio de que, nesse nível, o processo de ensino devia se pautar por trabalhar os conceitos a partir do concreto, ou seja, eles deveriam ser derivados a partir da realidade concreta possível de ser contatada pelo aluno. Alem disso, é necessário também que os conceitos que fossem sendo introduzidos, apresentassem uma ordem clara de abrangência e grau de abstração, para que pudessem instrumentalizar a apreensão do real pelos alunos.

Definimos, dessa forma, um percurso que partia da noção de lugar, como uma paisagem concreta e apreendida sensorialmente, para, em conjunto com o aluno ir gradualmente progredindo até chegarmos à noção de espaço.

Nesse percurso, fomos acrescentando novos conceitos fundamentais para o processo de alfabetização na leitura das paisagens/espaços que nos propusemos elaborar, ao mesmo tempo que fomos recheando esses conceitos de significações cada vez mais complexas.

Assim, por exemplo, na problematização da noção de lugar, mostramos que a ordenação territorial dos fenômenos está ligada às regra que orientam a sua dinâmica, que os lugares possuem identidade e significado em função de serem construídos por pessoas e dessa forma, a relação entre lugares, nada mais é do que relação entre pessoas, que os lugares são construídos historicamente e que também são possíveis de serem representados cartograficamente, através da linguagem dos mapas.

Mudamos de escala, abordando um novo conteúdo de seqüência desde a formação da Terra até o aparecimento dos seres humanos e sua ação sobre as paisagens terrestres. O fundamental a ser resgatado nesse processo, porém é o fato de que a transformação é uma realidade sempre presente, apresentando alterações apenas de ritmo. Isso fica mais explícito quando operamos uma nova mudança de escala e propomos o estudo dos novos e antigos ritmos do relevo, atmosfera, água e biosfera. Os novos ritmos são obtidos a partir da relação da sociedade com esses elementos, caracterizando uma abordagem geográfica dos fenômenos físicos.

Esses são apenas alguns exemplos extraídos de nossa proposta e eles ilustram nossa posição de que, independentemente da concepção de geografia que abraçarmos, é possível determinar o processo de ensino-aprendizagem a partir de objetivos conceituais e que estes podem e devem ser estabelecidos sem que se opere uma cisão entre a geografia e a questão pedagógica.

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Em função de tudo que afirmamos, enfatizamos novamente aquilo que já dissemos no início deste texto: os conteúdos e sua lógica interna não devem ser o ponto de partida para definição de absolutamente nada, seja a seqüência de grade curriculares, seja a interdisciplinaridade.

Tanto para uma coisa, quanto para outra, é fundamental que, a partir do esclarecimento dos objetivos pedagógicos do ensino de geografia, instrumentalizados pela definição de sua missão principal na escola e pelo seu instrumental teórico, possamos caracterizar os objetivos específicos que queremos atingir. Desde já, porém, creio que é possível afirmar que a missão, quase sagrada, da geografia no ensino é a de alfabetizar o aluno na leitura do espaço geográfico, em suas diversas escalas e configurações.

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GLOBALIZAÇÃO E GEOGRAFIA: A COMPARTIMENTAÇÃO DO ESPAÇO1

Milton SANTOS

María Laura SILVEIRA Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento

de Geografia

O nosso tempo, pleno de contradições, obriga a um contínuo

esforço de reinterpretação da realidade. A necessidade de periodização, as novas possibilidades de cognoscibilidade do Planeta, a atual constituição do espaço geográfico, a noção de região e as novas compartimentações do espaço são questões que a Geografia, procurando contribuir ao entendimento do mundo, é obrigada a abordar. A Globalização, um período

Hoje, mais do que nunca, uma periodização impõe-se como um partido metodológico necessário à construção de um enredo que considere a história uma e contraditória. Poderá a globalização ser compreendida como um período?

Em todas as épocas, identificar o novo sempre se levanta como um grande problema, porque “o novo não é exatamente o moderno, salvo se é portador da dupla carga explosiva: ser negação do passado e ser afirmação de algo diferente”. (PAZ, 1990; 20)

Nos momentos de grande mudança e aceleração, a definição de pedaços de tempo coerentes é uma tarefa hercúlea. Demarcar um período torna-se um problema maior porque conduz à necessidade de reconhecer um sistema de eventos. Uma nova combinação de fatores privilegia uma variável-chave diferente daquela que comandava o sistema anterior e, por isso, a organização também se transforma. A variável que ganha significação e que produz mudança vai ter o papel fundamental no novo sistema. À escala mundial, pode-se dizer que cada sistema temporal coincide com um período histórico e com novas formas de ser do espaço geográfico. Como já escrevia De Jong (1962, p. 194), “um período é uma

1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº18, de 1996.

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unidade de tempo circunscrita a um pedaço particular da superfície da terra”. O geógrafo holandês estava se referindo à região. Em todos os casos, é a delimitação do período o que permite dar voltas às coisas.

Conhecendo uma ruptura densa e multifacética, nosso presente revela-se confuso. Mesmo as revolucionárias técnicas de cognoscibilidade do planeta parecem, todavia não explicar a nova constituição do espaço geográfico e os enigmas do seu funcionamento. Mas, ainda que a passagem de um período para outro seja sempre incompleta, os sinais que revela dão conta dessa unidade.

Estamos testemunhando, segundo Barraclough (1983, p. 41 e 42), uma época histórica que assistiu ao espetacular progresso no conhecimento e nas realizações científicas, mediante a aliança entre a ciência e a tecnologia, que tem poderes “para transformar para sempre as bases materiais de nossa vida, em uma escala inconcebível há apenas cinqüenta anos”. A fase atual da história é, por isso mesmo chamada de período técnico-científico (RICHTA, 1974). Trata-se da interdependência da ciência e da técnica em todos os aspectos da vida social, situação que se verifica em todas as partes do mundo.

Os acréscimos de ciência, técnica e informação ao solo seriam, assim, a variável-chave que permite reconhecer um novo sistema temporal e a organização de um novo espaço. A esse espaço estamos chamando meio técnico-científico-informacional. Lugar, Globalização e Cognoscibilidade do Planeta

O grande desenvolvimento das diferentes ciências particulares,

durante este século, contribuiu para grandes avanços científicos e tecnológicos, mas, também, levou a uma extrema especialização do saber, cuja conseqüência é, freqüentemente, o próprio comprometimento do entendimento unitário do mundo. E a possibilidade dos saberes antigos sucumbirem aos saberes novos faz com que os prisioneiros de uma visão imobilista corram o risco de ficar à deriva diante da tarefa de interpretação do presente.

A complexidade constitucional do novo espaço geográfico não apareceria, todavia, como uma preocupação central nas interpretações que, com base na Geografia, se emprenham à compreensão da globalização. De um lado, uma profusão de metáforas invade a nossa disciplina. As idéias da preeminência do tempo sobre o espaço, ou do tempo desmanchando o

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território, despontam como intentos vãos de explicar as acelerações contemporâneas. Essas posições, que vêm, em toda parte, uma homogeneização do espaço, ignoram o processo, sempre crescente, de singularização dos lugares.

A desterritorialização, idéia decorrente da anterior, estaria significando, de um lado, a morte do Estado territorial – um mundo sem fronteiras –, hoje atravessado por fluxos transnacionais e, de outro lado, a crescente mobilidade dos homens, dos objetos, das idéias, com as possibilidades de teleação – a chamada aldeia global. A desterritorialização aparece, amiúde, também, apoiada na noção de rede.

Nesse contexto, alguns geógrafos anunciam a morte da região. É verdade que, no mundo de hoje, as regiões se fazem e desfazem com maior rapidez graças ao fato de que o acontecer é mais espesso e vertiginoso. Não obstante, o que faz a região não é a longevidade do edifício, mas a sua coerência funcional. A cada novo momento da totalidade se produz um novo arranjo regional à escala global. Acostumamo-nos a uma idéia de região como um sub-espaço longamente elaborado, uma construção estável. Mas o que faz a região não é a longevidade do edifício, mas a sua coerência funcional. É isso que a distingue das entidades congêneres, vizinhas ou não. O fato de ter vida curta muda a definição do recorte territorial, mas não o suprime. A região continua a existir, mas com um nível de complexidade jamais visto pelo homem.

Essas metáforas e outras acabam por tomar o lugar da teoria e, favorecendo a proliferação de discursos, impedem de encontrar um método explicativo (SANTOS e SILVEIRA, 1995).

De outro lado, as novas técnicas de informação, notadamente os satélites e os SIGs, pretendem entronizar-se como o coração da geografia na fase da globalização. Imagens periódicas de um mesmo ponto da crosta terrestre proporcionam um enxame de dados, os quais são virtualmente utilizados em diversos domínios do mandar e do fazer. Castilho (1995), refletindo sobre os sistemas técnicos orbitais, fornece uma listagem objetiva de aplicações: cartografia, planejamento urbano, impacto ambiental, agricultura, estudo da cobertura vegetal, geologia, pesquisa de minérios e petróleo, urbanismo, demografia, estudo de zonas costeiras, observação dos oceanos e recursos marinhos, danos produzidos por ciclones e estudos preliminares para implantação de qualquer grande equipamento urbano como rodovias e aeroportos. Mas, há entre os geógrafos, aqueles que depositam, nesses instrumentos, a esperança de

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uma interpretação geográfica ampla. Essas técnicas contribuem para tornar mais precisas as ações setoriais dos agentes da economia e da política.

A contribuição desses enfoques é importante, mas, insuficiente. Nossa disciplina não pode ser apenas consagrada, graças a esses saberes parciais, a um conhecimento técnico e pragmático do lugar e do mundo. Dos relatos dos geógrafos viajantes às informações proporcionadas pelos SIGs, a cognoscibilidade do planeta aumentou e o lugar reafirma uma posição relevante na episteme da geografia. Mas o que buscamos é o entendimento dos processos que explicam os lugares e as regiões perante o mundo. Esses sistemas técnicos, provadamente eficazes para apreender as formas em cortes temporais pré-determinados, são incapazes de captar o movimento. Apresentam-se limitações significativas. O conteúdo dessas formas, seu processo, como elas se originaram e quem as patrocinou continuam a ser questões em aberto. A nossa indagação deverá ser, sempre, totalizadora.

Como assevera George (1992, p. 1048), “esta universalização é um desafio à geografia, que se encontra, em primeira linha, solicitada pelo estudo dos sistemas de transmissão da informação e pela solidariedade dos seus efeitos diretos ou indiretos: geografia das redes, geografia dos conjuntos relacionais” mas, ao mesmo tempo, “um outro desafio é o do inventário das unidades de base que no passado receberam os nomes de região, de nação, de Estado...”

Nosso período oferece-nos, ademais, graças à empiricização das categorias filosóficas, uma oportunidade privilegiada de conhecimento. Hoje, o mundo pode ser apreendido na sua unicidade, uma unicidade criada pelas técnicas porque os grandes universais se empiricizam quando, de um lado, a realização prática das técnicas se dá independentemente do meio que as recebe e, de outro, o conjunto das técnicas utilizadas é, em toda parte, potencialmente o mesmo. Essa totalidade empírica torna geográficas categorias antes apenas filosóficas como a universalidade, a particularidade, a singularidade, forma, função, processo e estrutura (SANTOS, 1998).

O planeta, tornado uno graças a essa unicidade da técnica mas, também, à convergência dos momentos e à unicidade do motor, é, mais do que nunca, a casa do homem. Contrariamente a idéias de uma “geografia extraterrestre” ou de uma “geografia sobre os Planetas” proposta por Pike (1987), Breton (1994, p. 104) alerta: “nenhuma comunicação é possível entre duas regiões do universo que não compartilhem a mesma concepção do tempo”, pois a condição da comunicação é um tempo único. Idéias que

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convergem com a declaração de Morin (1990, p. 45), “a Terra é nosso lar, nossa casa comum, nossa pátria”. E, mais enfático, Ley (1980) afirma que “se uma geomorfologia da lua poderia ser viável, uma geografia não o poderia, já que a lua carece da presença do homem, ‘o agente geográfico’”. O mundo sideral não é o nosso mundo, pois não existe uma comunhão solidária entre os astros.

Face a um conhecimento alheio a sociedade e o território, haveria que opor, urgentemente, a produção de saberes voltados a apreender o lugar, o mundo, suas relações atuais e suas perspectivas, de modo a ser possível reconhecer e enfrentar as tendências que desestabilizam uma área. É necessário compreender cada lugar em função da totalidade do espaço. Mas, esse conhecimento pode ser estranho à região. Na medida, porém, em que no mundo de hoje, é no lugar e na região, que o sentido busca refúgio, pode-se pensar, a partir desses novos saberes locais, na construção de um discurso político capaz de oferecer um sentido ao próprio mundo.

Nova constituição do espaço geográfico

A cada período, novos conteúdos se sobrepõem a esse conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações que é o espaço (SANTOS, 1991). Hoje, esses acréscimos de ciência, técnica e informação definem a constituição e o refazimento dos lugares. Todavia, como a modernidade é seletiva, não impõe todos os objetos e as ações e, por isso, cada lugar é diferentemente tocado pelo processo modernizador, tanto nos seus aspectos formais quanto nos funcionais. Podemos pensar que não existe espaço global, mas espaços da globalização. Parafraseando Aristóteles, o global nunca se dá como um todo.

Nos dias atuais, os lugares são condição e suporte de relações globais que sem eles não se realizariam. As regiões se tornaram lugares funcionais no Todo, espaços de conveniência, uma particularidade, o que, no dizer de Lukács (1970), significa “um campo de mediações”.

O momento atual faz com que as regiões se transformem continuamente, legando, portanto, uma menor duração ao edifício regional. Elas não são eliminadas, apenas mudam seus conteúdos porque, como afirma Rodoman (1973, p. 104), “as regiões, da mesma forma que as quedas d’água tendem a flutuar, a mover-se em diversas direções, a assumir uma variedade de formas, mas essencialmente permanecem por um largo período”.

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Na verdade, os lugares, as regiões são particularidades, e sua permanência e sua mudança decorrem do sistema temporal a que chamamos globalização. Aqueles lugares “submetidos a evoluções rápidas e a ajustamentos regulares” configuram, no dizer de Bakis (1990, p. 23), os territórios em redes. A aceleração da sua metamorfose seria, talvez, mais um indício para identificar os novos dinamismos espaciais.

Um dos elementos do meio técnico-cientifico-informacional, além da construção de grandes vias de transporte e de meios modernos de comunicação, é a difusão da informação, sem a qual a produção não seria possível a uma escala planetária. Em nossos dias, e para atender às exigências dos tempos modernos, os diversos continentes e quase todos os países são cortados por bem construídas e grandes estradas de rodagem de interesse nacional e internacional, mais do que regional, e são pontuados pelas estradas da informação.

Os vastos espaços que essas redes irrigam se diferenciam, entre outras razões, pela carga de capital constante fixo, deliberadamente instituído neste ou naquele ponto e que faz desse lugar assim privilegiado, um espaço produtivo. Desse modo, as virtualidades do lugar são artificialmente criadas e se torna possível utilizar, em terras longínquas, e com fins produtivos, pontos afastados uns dos outros e distanciados, também, dos centros de consumo intermediário ou final. A regulação do território coopera na intensificação dos intercâmbios e na produção de oportunidades à globalização. Desenham-se polígonos de atuação das empresas, orientados segundo as trocas de objetos e informação, cuja superposição cria verdadeiras topologias.

Esses espaços da globalização, reino do meio técnico-científico-informacional, podem ser reconhecidos pelas suas densidades distintas.

A densidade técnica é dada pelos diversos graus de artifício. As situações limite seriam, de um lado, uma área natural jamais tocada pelo homem e, de outro lado, uma área onde haja apenas aquilo que Simondon (1989) chamou de objeto técnico maduro, como o centro de negócios de uma grande cidade, espaços inteligentes dispostos a atender prontamente as intenções dos que os conceberam e produziram, muito mais perfeitos que a própria natureza (SANTOS, 1994).

A densidade informacional deriva, em parte, da densidade técnica. Os objetos técnicos, ricos portanto, em informação, podem, todavia, não ser agidos, permanecendo em repouso ou inatividade, à espera de um ator. A informação se perfaz com a ação. Quando, porém, é unívoca, é uma informação obediente às regras do ator, e introduz no espaço, uma

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intervenção vertical, que geralmente ignora o entorno, posta ao serviço de quem tem os bastões de comando. A densidade informacional nos informa sobre os graus de exterioridade do lugar, sua propensão a entrar em relação com outros lugares e a efetivação dessa propensão, privilegiando setores e atores (SANTOS, 1994).

A informação que comanda os objetos não é geral, mas uma informação especializada, cujo exercício depende do poder. Os objetos obedecem a quem tem o poder para comandá-los. A intencionalidade, de um modo geral, hoje, supõe um comando exterior. Não é por acaso que a raiz da palavra cibernética é a mesma da palavra governador. Informar é também governar. A densidade informacional requerida em uma área critica é a que permite descobrir os caminhos possíveis para harmonizar os interesses locais com os vetores da modernidade.

A densidade normativa indica os diversos graus de abertura do lugar à verticalização. O mundo busca, hoje, revogar a pluralidade de marcos regulatórios para afirmar uma única regulação. O resultado desse ato de império nos lugares será a densidade normativa. Naquelas áreas onde a lei do mercado e as demais normas globais agem mais profundamente, arrostando a exígua resistência das normas locais, identificaríamos uma maior densidade normativa e, portanto, uma construção mais agressiva e aperfeiçoada da ordem global. É o exemplo das free-zones e dos paraísos fiscais, onde as normas dos diversos segmentos do Estado se curvam diante dos imperativos da competitividade e da fluidez (SILVEIRA, 1995).

Esse retrato de disparidades regionais indica, a um só tempo, a constituição do território nacional em espaço nacional na economia internacional (SANTOS, 1993; 165). O Lugar, a Região, a Compartimentação do Espaço

Na definição atual das regiões, longe estamos daquela solidariedade orgânica que fora o próprio cerne da definição do fenômeno regional. O que temos hoje diante de nós são solidariedades organizacionais. As regiões existem porque sobre elas se impõem arranjos organizacionais, criadores de uma coesão organizacional, baseada em racionalidades de origens distantes e que se tornam o fundamento da sua existência. O que, nessas condições, permanece das velhas definições de Região?

Encontramos no território, hoje, novos recortes, além da velha categoria região; e isso é um resultado da nova construção do espaço e do

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novo funcionamento do território, através daquilo a que chamamos de horizontalidades e verticalidades (SANTOS, 1994). As horizontalidades serão os domínios da contigüidade, desses lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial, enquanto as verticalidades seriam formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por diversas formas e processos sociais.

Os acréscimos de ciência, técnica e informação ao solo, desigualmente difundidos, tornam escassas as áreas equipadas e produtivas à racionalidade hegemônica. Ampliam-se e aceleram-se as disputas pela localização, pela acessibilidade, pela vizinhança e pelos recursos limitados. Aqui, poderíamos fazer alusão aos “recursos de alocação” e aos “recursos de autoridade” de que fala Giddens (1987, p. 443). Os lugares destinados às atividades hegemônicas são o retrato da intencionalidade que preside à sua criação, intencionalidade exigente e exclusiva cujo paradigma são os edifícios e as áreas inteligentes.

Detalhadamente preparados para exercer funções mais precisas, esses espaços têm, assim, seu valor especifico realçado. Forma-se o fundamento de uma nova escassez, uma nova segregação espacial, uma nova teoria do valor e uma nova realidade da lei do valor. Mais ainda, cada lugar se torna capaz, em razão de tais virtualidades, de dar valor aos objetos que sobre ele se constroem, do mesmo modo que os edifícios funcionalmente adequados transferem valor às atividades para as quais foram criados. Em um processo marcado pelo acolhimento de inovações, esses lugares são, também, altamente produtores daquilo que a Escola de Lund chama de exnovações, isto é, o efeito de deslocamento de outras técnicas, atividades ou organizações (DIAZ MUÑOZ, 1991, p. 146-147).

Novas relações entre os homens criam-se, no lugar, a partir da chegada de objetos técnicos modernos. Akhrich (1987, p. 54) vai mais longe ao dizer que “o objeto técnico define os atores aos quais se endereça”. É aquilo a que Simondon (1989, p. 247) se refere com o conceito de “transindividualidade”, uma relação e uma comunicação entre os homens que se realiza através do que eles inventam, isto é, por meio do mundo técnico. Por isso, a informação decorre da relação entre os objetos técnicos e estes, acrescenta o autor, tornam-se suporte e símbolo dessa relação humana. É o mundo da transindividualidade, a natureza humana no ser técnico.

Os objetos técnicos, na sua capacidade de fornecer trabalho, impõem aos lugares uma vocação técnica que é produtora de ações hierarquizadas. Como assevera Attali (1981, p. 200-201), o objeto é vivant

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porque, uma vez criado, ele toma vida própria, a partir das forças, esperanças, ilusões, sonhos e rivalidades dos homens que, nele, são investidos. Portanto, os objetos cristalizam as disputas entre os homens.

Raffestin (1993, p. 146), discutindo a produção do território, explica que “a ação coordenada, bem preparada sobre o plano, não pode ter o caráter sistemático da geometria, pois intervém entre os dados reais do contexto espaço-temporal. Isso significa que se passa de uma axiomática pura para uma axiomática comandada pelo caráter probabilista e necessariamente descontínuo da ação”. O território usado e valorizado infunde qualidades à ação.

O território, carregado de técnica, cria, assim, uma compartimentação da interação humana. Mas, é a compartimentação da ação humana que produz ao mesmo tempo, a escassez do ponto de vista do território. As redes são um exemplo de compartimentação de infraestruturas e processos.

A população e as vias de comunicação e transmissão constituem, no pensamento de Durkheim (1985, p. 116), a densidade material. Tratar-se-ia daquelas existências às quais acrescentaríamos, hoje, os novos conteúdos de tecnologia, ciência e informação, e que, desse modo, concorrem para definir a riqueza e a escassez material dos lugares. Todavia, o lugar não se constrói sem a ação que é, hoje, mais do que em outros períodos históricos, compartimentada. O oposto dessa ação é então a densidade dinâmica, que se refere ao volume de indivíduos que, na vida comum, se vinculam não apenas comercialmente, mas também de um ponto de vista moral (DURKHEIM, 1985, p. 115-117). Pois, acrescenta o autor, “como as relações puramente econômicas deixam os homens fora uns dos outros, pode haver numerosas relações econômicas sem que por isso participem os homens na mesma existência coletiva” (DURKHEIM, 1985, p. 116).

Para compreender a natureza dessas disputas é necessário focalizar as lógicas do Estado e do mercado, já que elas imprimem diferenças no uso e na distribuição dos recursos. As normas públicas e particulares aperfeiçoam o uso dos objetos técnicos e o funcionamento das áreas luminosas. As normas do Estado são, crescentemente, impregnadas pelo Mercado e, por conseguinte, os resultados alcançados dependem mais de uma cooperação compulsória e menos de uma disputa regulada entre a Nação e as forças da globalização.

Guillaume (1978, p. 106-107) discutindo a questão da homogeneidade das esferas do mercado e do Estado, sugere distinguir entre uma métrica mercantil e uma métrica burocrática. Enquanto a

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primeira endereça a sociedade a uma certa globalidade procedente da produção, da renda e do consumo, tendo uma das suas manifestações nos antagonismos entre indivíduos, classes sociais, firmas, regiões e países, a ideologia da métrica burocrática tende a recompor o sujeito social dividido pela existência de métricas específicas. Diversas hierarquias impõem-se ao território, aumentando a compartimentação do seu uso, notadamente quando a função de recomposição do Estado é substituída pelo código da mercadoria.

São as firmas hegemônicas que produzem e utilizam, sobretudo, os espaços dotados de maiores acréscimos em ciência, tecnologia e informação. Suas ações segmentadas contribuem para consolidar a compartimentação do espaço. As relações interindustriais asseveram Taylor e Thrift (1982, p. 1604), são power networks (sistemas de poder), na medida em que constituem “manifestações operacionais das relações de poder”. Mas as relações comerciais e informacionais também exercem papel idêntico. Com quinhões diversos nesses sistemas, as empresas participam da desigual distribuição e uso dos recursos no território.

O destino das sociedades e de cada homem é, nos dias de hoje, regrado por essas novas formas de regulação do espaço. Por isso, entre o que somos e o que desejamos ser, entre os impasses atuais e as possibilidades e esperanças, jamais o homem e as regiões tanto necessitaram de um conhecimento abalizado do território. Tudo começa com o conhecimento do mundo e se amplia com o conhecimento do lugar, tarefa conjunta que é hoje tanto mais possível porque cada lugar é o mundo. É daí que advém uma possibilidade de ação. Conhecendo os mecanismos do mundo, percebemos como intencionalidades estranhas vêm se instalar em um dado lugar, e nos armamos para sugerir o que fazer no interesse social.

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LACAVA, Oduvaldo O. O Projeto Lagoa São Paulo. p. 115-120. ABREU, Dióres Santos. A fundação de Presidente Prudente. p. 123-126. LEITE, José Ferrari. Um retrato da região prudentina. p. 127-135. ALEGRE, Marcos. Alta Sorocabana: população. p. 136-144. ZAVATINI, João Afonso. A distribuição das chuvas e suas anomalias em Presidente Prudente (SP) – Período 1942/76. p. 147-152. SIMONIC, Janez. Rotações do solo e suas aplicações na agricultura. p. 153-157. RODRIGUES, Donizete Aparecido. O homem em quatro dimensões. p. 158-163. GRIGOLETTO, Marina Fátima; SOUZA, Neide de Melo. Análise de uma agro-indústria de tomate na Alta Sorocabana. p. 164-168. RONCHEZEL, José Antonio. Programa Cura – contribuição para a análise do significado de sua aplicação. p. 169-170. VIZINTIN, Miriam; BRAGUETO, Cláudio Roberto; QUADROS, José Luiz R. de. Norte do Paraná – situação agrária e suas relações com a mão-de-obra. p. 171-175. Ano 2, nº4 – 1982 ROCHEFORT, Michel. Regionalização e rede urbana. p. 7-28. ROCHEFORT, Michel. Problemas de organização do espaço urbano. p. 29-52. ROCHEFORT, Michel. Aspectos da pesquisa sobre os serviços de

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saúde e instrução em Campina Grande e Londrina. p. 53-81. Ano 3, nº5 – 1983 LITHOLDO, Augusto. Teoria científica, ideologia e epistemologia. p. 7-20. PASSOS, Messias Modesto dos. Correntes de pensamento em Biogeografia. p. 21-26. GODOY, Manoel Carlos Toledo Franco de. O tratamento da paisagem e a qualidade de vida nas cidades. p. 27-32. RODRIGUES, Donizete Aparecido. Bolívia, mito e realidade. p. 33-42. MENECOZI, Arnaldo Rodrigues; FORTUNATO, Elizabeth. Aspectos econômicos e geográficos da produção leiteira na Alta Paulista. p. 43-96. SPOSITO, Eliseu Savério. Breve histórico da AGB (notas). p. 97-100. ALVES, Sergio Paulo do Carmo. Universidade e sociedade (notas). p. 101-102. TEIXEIRA, Márcio Antonio. Notas sobre a cultura do algodão no contexto dos “ciclos” econômicos do Oeste Paulista (notas). p. 103-106. Ano 3, nº6 – 1983 ABREU, Dióres Santos. A industrialização brasileira na década de 1930. p. 9-16. SPOSITO, Eliseu Savério. Universidade e educação. p. 17-34. GODOY, Manoel Carlos Toledo Franco de. Forças de atração

geográfica da indústria cimenteira no Brasil. p. 35-62. LINS, Maria de Lourdes Ferreira. A catedral como “patrimônio histórico”. p. 63-73. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; TOMASELLI, José Tadeu Garcia. Comportamento dos solos de Presidente Prudente em relação às temperaturas mínimas e geadas, nas diferentes estações do ano. p. 74-98. SALGADO, Fernando Carlos Fonseca. O espaço agrário brasileiro. p. 101-102. BARREIRA, José. A organização do espaço agrário regional como fator de mobilidade populacional. p. 102-104. ANTONIO, Armando Pereira. Projeto Co-lagoa – os problemas de uma colonização dirigida no sudoeste paulista. p. 105-110. LEITE, José Ferrari. As “crises” e a conservação da natureza. p. 111-112. GODOY, Manoel Carlos Toledo Franco de. Problemas ambientais relacionados à mineração do carvão. p. 113-116. PASSOS, Messias Modesto dos. O nível das discussões ecológicas. p. 117-118. Mesa Redonda 3: Ambiente climático SUDO, Hideo. Ambiente Climático. p. 119-121. RAO, Nandamudi Jagan Mohana. Distribuição de freqüência das precipitações de diferentes intensidades para Presidente Prudente. p. 122-123. ZAVATINI, João Afonso; BEXIGA, Janete Aparecida; MENARDI JUNIOR, Ary. O ritmo

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pluvial do inverno de 1983 no extremo oeste paulista. p. 123-128. BARRIOS, Neide Aparecida Zamuner. Clima e produção agrícola. p. 129-132. LEISTER, Adalberto. Cartografia e Geografia. p. 133. SILVA, José Carlos Plácido da; BACH, Lílian Maria Klinger. Estudo comparativo de projeções cartográficas UTM e cônica conforme Lambert. p. 133-134. SPOSITO, Eliseu Savério. Mapa mental. p. 134-136. KUNZLI, Ruth. Povos indígenas – realidades e perspectivas. p. 137-143. RODRIGUES, Donizete Aparecido. O genocídio na América Latina. p. 144-150. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; TOLEDO, Victor Lucio. Métodos estatísticos da interpolação dos dados de chuva – escolha do melhor método. p. 151-152. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; PARO, Rosângela. Método da “Spline” – interpolação rápida. p. 152-153. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; TOMASELLI, José Tadeu G. Previsão das chuvas máximas para Presidente Prudente. p. 154-155. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; SIMONIC, Janez. Influencia da pluviosidade para irrigação das culturas de algodão e amendoim na região de Presidente Prudente. p. 155-157. MENARDI JUNIOR, Ary; BEXIGA, Janete Aparecida. A validade das observações

meteorológicas – o exemplo da Estação Meteorológica de Presidente Prudente-SP. p. 158-161. FREITAS, Olga Lúcia Castreghini de. A aplicação do capital local no setor secundário em Presidente Prudente. p. 162-163. RAMOS, Noêmia. Preconceito de cor no Brasil. p. 164-166. RODRIGUES, Donizete Aparecido. O problema dos sítios pré-históricos no Brasil. p. 167-171. OLIVEIRA, Luzia Alves de; LISBOA, Maria Cristina. Algumas considerações sobre a utilização do método de observação participante. n. 6, p. 172-173, 1983. Ano 4, nº7 – 1984 SCHLITTLER, Flávio Henrique Mingante. O reflorestamento como um recurso natural: problema ecológico ou racionalidade? p. 7-12. SUDO, Hideo. O efeito estufa e suas aplicações geográficas. p. 13-18. MARTINS, Olimpio Beleza. As transformações ocorridas na economia da Alta Sorocabana. p. 19-28. VALVERDE, Orlando. Quarenta anos de serviços prestados (palestra). p. 29-42. SPOSITO, Eliseu Savério. Migração e capitalismo (notas). p. 43-45,. RODRIGUES, Donizete Aparecido. Notas sobre a arqueologia da Alta Sorocabana (notas). p. 46-50. TEIXEIRA, Márcio Antonio. Notas sobre a questão demográfica em Presidente Prudente (notas). p. 51-54.

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TEIXEIRA, Márcio Antonio; MARTINS, Olimpio Beleza. A Geografia a serviço do Estado (notas). p. 55-59. Ano 6, nº8 – 1986 SILVEIRA, Fátima Rotundo da. A coexistência da pequena e grande exploração agrícola no Brasil. p. 5-14. FREITAS, Olga Lúcia Castreguini de. Capital e força de trabalho no setor secundário em Presidente Prudente. p. 15-32. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; AZEVEDO, Roberto Bernardo; GARCIA, José Antonio P. Previsão probabilística de data de ocorrência de temperatura extrema. p. 33-38. GARMS, Armando; ALVES, Sérgio Paulo do Carmo; LEISTER, Adalberto. O bairro rural do campinho. p. 39-62. ALVES, Sérgio Paulo do Carmo. Movimentos migracionais em Rondônia até 1982. p. 63-74. SALGADO, Fernando Carlos Fonseca. Notas sobre a Fazenda Rebojo do Incra (Município de Estrela do Norte, SP) (notas). p. 75-78. MARINI, Thereza. Palavras aos formandos de 1984 da XXI Turma do Instituto de Planejamento e Estudos Ambientais – UNESP – Campus de Presidente Prudente (notas). p. 79-84.

Ano 7, nº9 – 1987 KOGA, Keiko Tokunaga. Geografia aplicada ao estudo da realidade: pesquisa sócio-econômica e cultural de uma comunidade. p. 5-29. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Os agentes produtores do espaço urbano em Presidente Prudente – a ação privada: 1970-1982. p. 30-41. GAETA, Antonio Carlos. Transformação no espaço urbano em São Paulo, o anarquismo e as mudanças no Estado na Primeira República. p. 42-55. GAETA, Antonio Carlos; CAROLLO, Denise Helena Monteiro de Barros. A questão do conteúdo ideológico no ensino brasileiro – a utilização da História e da Geografia. p. 56-61. SCHLITTLER, Flávio Henrique Mingante. Avaliação e análise dos impactos ambientais. p. 62-68. MARTINS, Ana Victória Vieira. O papel das destilarias de álcool na Alta Sorocabana. p. 69-101. CANÔAS, José Walter. Recursos humanos em usinas de açúcar e álcool. p. 102-111. ANTONIO, Armando Pereira. A ação estatal no processo de organização agrária no município de Teodoro Sampaio, SP (Primeiras notas). p. 112-135. SILVEIRA, Fátima Rotundo da; SPOSITO, Eliseu Savério. A modernização da agricultura brasileira. 136-145.

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Ano 7, nº10 – 1987 SPOSITO, Eliseu Savério. Seção de Presidente Prudente: Relatório.p. 5-7. ABREU, Dióres Santos. As constituintes e as constituições brasileiras – a participação popular e a dependência econômica. p. 8-14. TEIXEIRA, Márcio Antonio. “Geografias”, “Geógrafos” e constituinte. p. 15-20. COSTA, José Fernandes Afonso Costa. A participação do geógrafo na elaboração da constituição. p. 21-23. ANTONIO, Armando Pereira. O profissional em Geografia e sua participação nos movimentos populares para a elaboração da constituição brasileira. p. 24-25. SILVA, Éder Luis da. É necessária a participação do estudante. p. 26. SUDO, Hideo. Perspectivas da Geografia na constituinte. p. 27-28. AGB. Geografia e constituinte. Documento resultante das teses e resoluções do VI Encontro Nacional de Geógrafos. p. 35-38. SEÇÃO LOCAL DE BRASÍLIA. O espaço da educação. p. 39-41. FERREIRA, Yoshiya Nakagawara. Contribuições das seções locais: Londrina – Reforma urbana. p. 42-44. Qual será a cara da constituinte? p. 45-46. BLEY, Cícero (coord.). Propostas do Simpósio Nacional “Constituinte, vida e meio ambiente”. p. 47-49. PORTO ALEGRE – Movimento pró-constituinte. p. 50. SANTOS, Milton. O Geógrafo e a constituinte. p. 51-52.

GAETA, Antonio Carlos. Violência urbana e ideologia em São Paulo. p. 53-61. SPOSITO, Eliseu Savério. A interligação/integração de Guarulhos na região metropolitana de São Paulo. p. 62-87. CÁCERES, Tomás Rafael Cruz. Subsídio de preços de alimentos ao consumidor final como intervenção nutricional. p. 88-97. LEITE, José Ferrari. O curso de pós-graduação em Geografia do IPEA. p. 98-105. ALVES, Sérgio Paulo do Carmo. Subsídios teóricos para a discussão do espaço-fronteira. p. 106-119. Ano 9, nº11/12 – 1989 LADOUCEUR, Micheline. Identidade nacional, imagem do Brasil e os discursos da Geografia. p. 5-10. SILVA, Dora Martins Dias e. Aplicação da proposta curricular de Geografia da CENP na 5ª série do 1º grau... utopia? p. 11-26. MOREIRA, Ruy. Marxismo e Geografia. p. 27-42. PASSOS, Messias Modesto dos; MARTINS, Olímpio Bezerra. A exploração da floresta amazônica: o exemplo de Jauru/MT. p. 43-52. MARTINS, Olímpio Bezerra; PASSOS, Messias Modesto dos. Vale do Guaporé: conflitos pelo espaço. p. 53-60. RODRIGUES, Arlete Moysés. Na procura do lugar, o encontro da

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identidade: a Geografia de um movimento social (palestra). p. 61-80. MASSACRE EM NOME DO DESENVOLVIMENTO (Documento). p. 81-82. COMPRO OURO, VENDO DECADÊNCIA HUMANA (Documento). p. 83-84. Ano 11, nº13 – 1991 MELO, Jayro Gonçalves. O ponto de apoio. p. 6-9. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Gestão da cidade e uso do solo urbano. p. 10-15. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Em defesa do trabalho de campo. p. 16-27. GUIMARÃES, Raul Borges. Metodologia de projetos: uma proposta para o ensino de Geografia. p. 28-39. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Crise na renovação da Geografia: a angústia e a relação teoria/prática. p. 40-48. LAGANÁ, Liliana. O sagrado e o profano na percepção do espaço. p. 49-60. SANT’ANNA NETO, João Lima. A abordagem sistêmica nas relações sociedade-natureza. p. 61-66. MOREIRA, Ruy. O conceito de natureza na Geografia física. p. 67-113. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Algumas reflexões sobre a questão da região: o caso do nordeste. p. 114-140.

SANTOS, Milton. A revolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. p. 141-152. LAGANÁ, Liliana. Imagem e realidade na configuração mental do espaço: o exemplo dos imigrantes italianos em Pedrinhas. p. 153-159. LUIZ, Lindomar Teixeira. Uma experiência reveladora. p. 160-167. MELO, Jayro Gonçalves. O nacional e a revolução em Caio Prado Júnior. p. 168-188. Ano 12, nº 14 – 1992 MOREIRA, Ruy. Assim se passaram dez anos (a renovação da Geografia no Brasil – 1978-1988). p. 5-39. BETTINI, Rita Filomena A. Januária. De Descartes a Ford: uma explicação da racionalização do trabalho. p. 40-43. SILVEIRA, Fátima Rotundo da. Os camponeses na região de Presidente Prudente. p. 44-53. FERNANDES, Bernardo Mançano. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a territorialização da luta pela terra no Brasil. p. 54-69. ANTONIO, Armando Pereira. O movimento social rural e o assentamento de camponeses. p. 70-76. SANT’ANNA NETO, João Lima. Um olhar sobre o Sudeste Brasileiro. p. 77-82. HORA, Mara Lúcia Falconi da; SILVA, Maria José Martinelli. A (re)estruturação da cidade. p. 83-92. CANÔAS, José Walter. Desenvolvimento de recursos

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humanos na empresa e o serviço social. p. 93-99. GODOY, Manoel Carlos T. Franco de. Aspectos da geodinâmica em estudos aplicados à gestão do meio ambiente. p. 100-118. BARRIOS, Neide Aparecida Zamuner; HERNANDES, Maria Cristina Martinez. Aplicação de técnicas para escolha de anos-padrão, como base de estudo dinâmico das chuvas no extremo oeste paulista. p. 119-157. ADORNO, Lúcio Flavo Marini. A conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e o desenvolvimento: da questão ambiental à geopolítica. p. 158-167. SANTOS, Milton. A involução metropolitana: a região cresce mais que a metrópole. p. 168-175. Ano 13, nº15 – 1993 ANDRADE, Manuel Correia de. Homem e natureza por uma política de meio ambiente para o Brasil. p. 6-17. ALVES, William Rosa. De quem é o espaço? Estado x sociedade nas cidades brasileiras. p. 18-27. SOUSA, Silvia Aparecida de. Políticas de Estado e a questão da moradia em Presidente Prudente. p. 28-59. GALLÉRO, Alvaro Lopez. Uruguay, zonas francas y Mercosur. p. 60-70. GRIGORIEV, A. A. Os fundamentos teóricos da moderna Geografia física. Tradução de João Lima Sant’Anna Neto. p. 71-82.

PEIXOTO, Adão José. A questão do planejamento e da metodologia numa perspectiva dialética de educação. p. 83-88. MARACCI, Moacir Teles. Dificuldades para a organização do trabalhador rural (notas). p. 89-92. Ano 14, nº16 – 1994 SILVA, Armando Corrêa da. Software e valor. p. 8-23. WALDMAN, Maurício. Tempo, modernidade e natureza. p. 24-73. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. A biodiversidade para além da preservação. p. 74-93. AMORIM, Margarete Crisitiane de Costa Trindade. O processo de urbanização e a degradação ambiental. p. 94-114. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Linguagem e cotidiano na arte de ler e viver o espaço. p. 115-135. GEBRAN, Raimunda Abou. A presença de mecanismos alienantes no ensino de Geografia no Primeiro Grau – análise do cotidiano. p. 136-151. FERNANDES, Bernardo Mançano. Amassando a massa: para uma crítica ao conceito de massa. p. 152-158. ALMEIDA, Rosemeire A. de. A conquista da terra pelo MST e a estrutura fundiária no Pontal do Paranapanema. p. 159-167. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. A terceirização no contrapasso da ação sindical. p. 168-186.

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FABRINI, João Edmilson. Frente pioneira e ocupação do sul do Mato Grosso do Sul. p. 187-197. CHAVES, Manoel Rodrigues. Cerrado brasileiro: principais fatores norteadores de sua ocupação. p. 198-212. PASSOS, Messias Modesto dos. Teledetecção aplicada ao estudo da paisagem. p. 213-229. ABREU, Silvana de. A noção de espaço e sociedade no primeiro grau: teoria e prática (notas). p. 230-235. Ano 15, nº17 – 1995 VESENTINI, José William. O ensino de Geografia no século XXI. p. 5-19. SANTOS, Douglas. Conteúdo e objetivo pedagógico no ensino de Geografia. p. 20-61. PEREIRA, Diamantino. Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos? p. 62-74. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. A institucionalização do ensino de Geografia no Brasil da primeira metade do século XX. p. 75-93. RUFINO, Sonia M. V. Castellar. A construção do conceito de espaço e o ensino de Geografia. p. 94-114. SOUZA, José Gilberto de. A cartografia e a proposta da CENP. p. 115-131. FERNANDES, Bernardo Mançano. Geografia em canção: o som e a imagem no processo de construção do conhecimento. p. 132-144. LOURENÇO, Claudinei. O toponômio, o toporâmico e a

topofobia no ensino de Geografia. p. 145-152. SILVA, Eduardo Carlos. Olhar periférico (resenha). p. 153-156. Ano 16, nº18 – 1996 SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. Globalização e Geografia: a compartimentação do espaço. p. 5-17. CARVALHO, Marcos Bernardino de. Reflexões sobre Geografia, biodiversidade e globalização em tempos neoliberais. p. 18-39. MOREIRA, Ruy. Ascensão e crise de um paradigma disciplinar. p. 40-64. KURZ, Robert. A terceira força. p. 65-83. SILVA, Armando Corrêa da. A Geografia do mundo atual e a globalização. Novos paradigmas, mudanças de escala e incertezas. p. 24-88. ALANTEJANO, Paulo Roberto. O sentido da reforma agrária no Brasil dos anos 90. p. 89-107. SOUZA, José Gilberto de. A reforma fiscal e a propriedade rural. p. 108-129. SPOSITO, Eliseu Savério. La mondialisation du capital (resenha). p. 130-134. LOURENÇO, Claudinei. Ano 501: a conquista continua (resenha). p. 135-139. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Au coeur des villes (resenha). p. 140-144.

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Ano 17, nº19/20 – 1997 PAULINO, Eliane Tomiasi. A questão agrária e o campesinato: um retorno aos clássicos. p. 5-20. MARTIN, Jean-Yves. A geograficidade dos movimentos socioespaciais. p. 21-35. ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. Os (des)caminhos do campesinato brasileiro: o ontem e hoje nos assentamentos do Pontal do Paranapanema. p. 36-58. SAQUET, Marcos Aurélio. Colônia Silveira Martins/RS: gênese e desenvolvimento. p. 59-77. PASSOS, Messias Modesto dos; UGIDOS, Miguel Angel Luengo. Biogeografia da caatinga. p. 78-103. RAMOS, Marcos Lupércio. A temática ambiental: “um problema” das sociedades contemporâneas? p. 104-127. RAMOS, Marcos Lupércio. Educação ambiental: causas e soluções à degradação ambiental. p. 128-138. SPOSITO, Eliseu Savério. As transformações no território do Oeste da Bahia (notas). P. 139-156. BARONE, Luis Antonio. Notas sobre a questão agrária no Brasil (notas). p. 157-162. Ano 19, nº21 – 1999 FISCHER, André. Migrações seletivas: uma resposta à crise?. p. 5-16. GUIMARÃES, Raul Borges. Serviços de saúde, circuitos

econômicos e cadeias produtivas. p. 17-24. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A análise urbana na obra de Milton Santos. p. 25-42. SPOSITO, Eliseu Savério. A teoria dos dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos: seu esquecimento ou sua superação? p. 43-52. OLIVEIRA, José Aldemir de. As cidades da Amazônia: novas territorialidades e velhas exclusões reencontradas. p. 53-70. CALAÇA, Manoel. Geoestratégia do capital: novas formas de subordinação do trabalho ao capital na Amazônia sul ocidental brasileira. p. 71-84. ADORNO, Lúcio Flavo Marini. A abordagem geopolítica no final do século XX: novos e velhos paradigmas. p. 85-101. RIBAS, Alexandre Domingues; SANTOS, Dirceu Evaldo Pereira dos; RIBEIRO, Júlio Cézar; SOUZA, Marcos Timóteo Rodrigues de. Marxismo e Geografia: paisagem e espaço geográfico – uma contribuição para o entendimento da sociedade contemporânea. p. 102-123. BAUAB, Fabrício Pedroso. Romantismo e natureza em Humboldt: um breve debruçar analítico. p. 124-133. GOETTERT, Jones Dari. A festa: espaço de múltiplos tempos. p. 134-144.

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reestruturação industrial na Região Metropolitana de Buenos Aires. p. 75-98. PEREIRA, Silvia Regina. O processo de reestruturação interna das cidades. p. 99-124. SOUZA, Marcos Timóteo Rodrigues de. Impactos ambientais do transporte urbano. 125-142. PASSOS, Messias Modesto dos. Brasil 438 DC. p. 143-162. SILVEIRA, Márcio Rogério. Reflexões sobre o processo de integração econômica: o caso brasileiro. p. 163-178. MEDEIROS, Célia Maria Vieira de. Geografia política: papéis do Estado-nação e da sociedade na reestruturação da economia mundial. p. 179-192. FISCHER, André. Problemas de integração espacial na Europa. p. 193-200. FERNANDES, Bernardo Mançano. Formação e territorialização do MST no Pará. p. 201-214. SILVA, João Marcio Palheta da. Desigualdades geográficas: territórios de globalização na Amazônia. p. 215-222. MEDEIROS, Marlon Clóvis. Marxismo e análise regional: perseguindo o capital. p. 223-232. SPOSITO, Eliseu Savério. La discontinuité critique. Essai sur les principes a priori de la géographie humaine (resenha). p. 233-240. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Métapolis (ou l’avenir des villes) (resenha). p. 240-244.

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distrito industrial de Presidente Prudente. p. 74-92. EZPELETA, Alberto Marti; MARTINEZ, Eduardo Garcia. El impacto socioeconômico de los temporales da lluvia y viento em Galicia (España). p. 93-114. GONZÁLES, Alejandro López. La gran distribución en España. p. 115-129. CAMARGO, Carlos Eduardo Secchi; MENOTTI, Simone Scatolon; AMORIM, Margarete C. de C. Trindade. A cidade e o campo: um estudo comparativo da variação da temperatura e umidade relativa na cidade de Presidente Prudente. p. 130-150. SILVA, Silvio Simione da. Apontamentos teóricos para a concepção dos estudos migratórios como um campo de investigação na Geografia. p. 151-166. NUNES, Marcelo. Políticas neoliberais e desintegração econômica no Cone Sul: o caso Brasil-Argentina. p. 167-173. WENCESLAU, Lucimaro Andriano. A invenção do ser negro (um percurso das idéias que naturalizaram a inferioridade do ser negro) (resenha). p. 174-177. Ano 23, nº25 – 2003 ROJAS, Luisa Iñiguez. Geografía y salud: entre historias, realidades y utopías. p. 9-28. BARCELLOS, Christovam. A saúde nos sistemas de informação

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penitenciária de Presidente Prudente-SP. p. 91-108. VIEIRA, Alexandre Bergamin. Segregação socioespacial e exclusão social: múltiplas dimensões. p. 109-128. JESUS, Patrícia Maria de; ROMA, Cláudia Marques; ZANDONADI, Júlio César. A segregação socioespacial e suas expressões em cidades médias e pequenas: algumas considerações. p. 129-142. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. O olhar e a paisagem – caminhos de um poema. p. 143-162. MELO, Jayro Gonçalves. Passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil. p. 163-168. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A divisão territorial do trabalho e as cidades médias no Estado de São Paulo. p. 169-180. NUNES, Flaviana Gasparotti. Naturaleza, localización y sociedad: tres enfoques para la geografía económica. (Resenha). p. 181-186. Ano 25, nº27 – 2005 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Os posseiros e a luta contra o capital: “a terra é de ninguém”. p. 9-22. ROCHEFORT, Michel. Problemas de organização do espaço urbano. p. 23-38.

VALVERDE, Orlando. Quarenta anos de serviços prestados (palestra). p. 39-58. FREITAS, Olga Lúcia Castreguini de. Capital e força de trabalho no setor secundário em Presidente Prudente. p. 59-76. LADOUCEUR, Micheline. Identidade nacional, imagem do Brasil e os discursos da Geografia. p. 77-82. SANTOS, Milton. A revolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. p. 83-94. GRIGORIEV, A. A. Os fundamentos teóricos da moderna Geografia física. Tradução de João Lima Sant’Anna Neto. p. 95-106. ANDRADE, Manuel Correia de. Homem e natureza por uma política de meio ambiente para o Brasil. p. 107-120. SILVA, Armando Corrêa da. Software e valor. p. 121-138-. PEREIRA, Diamantino. Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos? p. 139-152. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. Globalização e Geografia: a compartimentação do espaço. p. 153-164.

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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA

NORMAS DE PUBLICAÇÃO 1. O Caderno Prudentino de Geografia é uma publicação anual da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Local de Presidente Prudente. O periódico publica artigos, notas, resenhas e comunicações de pesquisa de todas as áreas do conhecimento geográfico, em português, espanhol e inglês. Os textos devem representar trabalhos originais e inéditos. Serão aceitas traduções de artigos publicados recentemente no exterior e também de Revistas Eletrônicas. As resenhas serão priorizadas sempre que possível, a partir de obras publicadas recentemente no Brasil e no exterior. 2. Os artigos deverão ter de 15 a 30 laudas, incluindo tabelas, mapas, figura, etc; as comunicações de pesquisa, de 5 a 8 laudas e as resenhas, de 3 a 5 laudas (texto em fonte Garamond, tamanho 11, espaçamento simples). Na primeira folha, deve constar título (Garamond, tamanho 12, negrito, centralizado, espaçamento simples), nome do(s) autor(es) (Garamond, tamanho 12, sobrenome em maiúsculas e negrito, espaçamento simples, centralizado), identificação funcional (endereço completo, telefone/FAX, e-mail e instituição na qual atua). A configuração das páginas deve seguir a formatação: Tamanho do papel personalizado com largura de 15,8 cm e altura de 21,9 cm; margens superior e externa de 2cm , inferior e interna de 2,5 cm, medianiz de 0 cm; cabeçalhos e rodapés com as opções “diferentes em páginas pares e ímpares” e “diferente na primeira página” selecionadas; cabeçalho de 1,0 cm e rodapé de 1,27 cm e alinhamento vertical superior. Os originais devem ser entregues em 2 cópias impressas em papel A-4, impresso em uma só face, sem rasuras e/ou emendas, e também em disquete de 1,44 Mb ou CD, necessariamente no programa word for windows da Microsoft Corporation, a partir da versão 6.0. Obs: O disquete e/ou CD não será devolvido. 3. As notas de rodapé (Garamond, tamanho 9, espaçamento simples e justificada) devem se restringir a 3 linhas e não devErão ser usadas para referências bibliográgicas. 4. Deverão ser encaminhados, necessariamente: resumo e abstract de no máximo 200 palavras em um só parágrafo cada um, título em português e inglês e palavras chave (até 5) em português e em inglês (key-words), seguindo as seguintes especificações: Garamond, tamanho 10, espaçamento simples, justificado. 5. Cabe ao Conselho Editorial a decisão final de publicar os trabalhos.

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6. As menções a idéias e/ou informações no decorrer do texto devem subordinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data, página). Ex.: (TOLEDO, 1991) ou (TOLEDO, 1991, p.25). Caso o nome do autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “Nesse sentido, Monteiro (2003) afirma que...”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (TOLEDO, 1994a), (TOLEDO, 1994b). 7. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es) e deve obedecer às normas da ABNT. a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome.Título: subtítulo.Edição. Local de publicação: Editora, Data. Número de volumes ou páginas. Ex.: CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias geográficas. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 235p. b) no caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org). Título do livro. Local de publicação: Editora, data. Página inicial-final. página inicial-página final. Ex.: SIQUEIRA NETO, José Francisco. Contrato coletivo de trabalho. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso (Org.). O mundo do trabalho. São Paulo: Página Aberta, 1994. p. 233- 264. c) no caso de artigo de periódicos: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, Local de publicação, número do volume, número do fascículo, página inicial-final, mês abreviado e ano. Ex.: ALVES, Giovanni. As dimensões do proletariado tardio. Debate Sindical, São Paulo, n.33, ano 14, p. 51-53, maio, 1984. d) no caso de dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. data de publicação. Número de folhas ou volumes. Categoria (Grau e área de concentração) - Nome da Escola, Universidade, Cidade da defesa e data da defesa, mencionada na folha de aprovação (se houver). Ex: BUENO, M. S. S. O salto na escuridão: pressupostos e desdobramentos das políticas atuais para o ensino médio. 1998. 257 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília. 8. Ilustrações, gráficos, figuras, fotografias, mapas, quadros, tabelas, etc., deverão limitar-se ao espaço de diagramação da revista e ser de boa qualidade gráfica, e apresentados em tons de cinza.