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Obra atual e necessária para o aperfeiçoamento da formação humanística

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  • Lourival Serejo

    COMENTRIOS AO CDIGO DE TICA DA MAGISTRATURA NACIONAL

    Braslia

    2011

    ENFAM

  • ESCOLA NACIONAL DE FORMAO E APERFEIOAMENTO DE MAGISTRADOS

    SecretrioFrancisco Paulo Soares Lopes

    Coordenadoria de PesquisaRita Helena dos Anjos

    DiagramaoCentro de Ensino Tecnolgico de Braslia - Ceteb

    RevisoRevisado pelo autor

    CapaCoordenadoria de Comunicao

    ImpressoCoordenadoria de Servios Grfi cos da Secretaria de Administrao do Conselho da Justia Federal

    S 483c Serejo, Lourival. Comentrios ao cdigo de tica da magistratura

    nacional. 1.ed. Braslia, DF : ENFAM, 2011.119 p.

    ISBN 978-85-64668-03-4

    1. tica, magistratura, Brasil. I. Ttulo.

    CDU 347.962.3(81)

  • A primeira virtude de um juiz tem de ser a independncia. E a independncia no coisa abstrata. independncia do poder econmico, do poder poltico, do poder da imprensa e da opinio pblica, independncia dos prprios preconceitos.

    Ellen Gracie, Veja, 31.8.2011

  • Para o amigo Leomar Barros Amorim, magistrado por vocao.

  • Sumrio

    Apresentao.................................................................................... 91. Cdigo de tica da Magistratura Nacional..................................... 132. Disposies Gerais........................................................................ 213. Independncia.............................................................................. 274. Imparcialidade.............................................................................. 355. Transparncia.............................................................................. 41

    5.1 O Juiz e a Imprensa............................................................... 445.2 O Juiz e a Corregedoria.......................................................... 47

    5.3 O Juiz e o Conselho Nacional de Justia................................. 486. Integridade Pessoas e Profi ssional......................................... 517. Diligncia e Dedicao............................................................ 57

    7.1 Conselho Nacional de Justia................................................. 62

    8. Cortesia...................................................................................... 678.1 O Juiz e o Ministrio Pblico................................................... 698.2 O Juiz e os Advogados.............................................................. 718.3 O Juiz e as Partes..................................................................... 728.4 O Juiz e as Testemunhas.......................................................... 738.5 O Juiz e os Servidores............................................................. 73

    8.6 A Linguagem do Juiz.......................................................... 749. Prudncia.................................................................................... 7910. Sigilo Profi ssional..................................................................... 8311. Conhecimento e Capacitao................................................... 8712. Dignidade, Honra e Decoro..................................................... 9313. Disposies Finais.................................................................... 99Referncias....................................................................................... 101

    Anexo............................................................................................... 107

  • 9APRESENTAO

    H quase vinte anos comecei a desempenhar atividades ligadas formao do juiz, na Escola Superior da Magistratura do Maranho. Por vrias vezes, dirigi o curso de iniciao funcional para novos juzes e, por ltimo, como diretor da referida Escola, coordenei o Curso de Formao para Ingresso na Magistratura, segundo as normas da Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados Enfam. Em todas essas oportunidades, coube-me a tarefa de discutir os rumos ticos da formao do juiz. Sempre busco, nestas aulas registrei em minhas Anotaes de uma experincia sempre busco enfatizar o lado vocacional e tico da magistratura. Sem esses dois pilares, a magistratura cai num vcuo ou se perde na burocracia estril.1

    A receptividade das novas geraes de juzes aos postulados da deontologia da magistratura a melhor possvel, tanto que seus efeitos prticos so observados no decorrer do desempenho cotidiano desses magistrados. As excees continuam sendo restritas e localizadas. At os prprios colegas encarregam-se de isolar o juiz que opta por trilhar outras sendas que no sejam compatveis com suas obrigaes ticas.

    A publicao do nosso Cdigo de tica veio como resposta a um anseio que h muito propagvamos. Contvamos apenas com a velha Lei Orgnica da Magistratura Nacional, cujas previses no alcanam mais as novas exigncias de conduta dos magistrados, conforme foram traadas em Bangalore e no Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial.

    1 SEREJO, Lourival. Formao do juiz: anotaes de uma experincia. Curitiba: Juru, 2010, p. 113.

  • 10

    A tica alcanou uma dimenso maior com a ps-modernidade; dilatou-se dos seus pontos iniciais de preocupao para abranger o cuidado com o meio ambiente e a sade do planeta, numa projeo para o futuro, clamando por uma mudana de mentalidade de quem tem sob seus ombros a tarefa de julgar confl itos dessa natureza.

    Por outro lado, a biotica desenvolveu-se cada vez mais medida que nos deparamos com novos desafi os e somos chamados a decidir inclusive sobre a vida do prximo, seja na discusso da interrupo da gravidez (casos de anencefalia), seja em problemas de interveno mdica contra dogmas religiosos, apenas para citar esses dois exemplos.

    Esses temas o meio ambiente e a biotica embora no estejam contemplados expressamente neste Cdigo, ressurgem implicitamente quando se recomenda ao magistrado o respeito pela Constituio da Repblica. nela que se encontra o apoio para enfrent-los, bem como os novos debates ticos que esto sempre desafi ando os julgadores como, por exemplo, todos os incisos do art. 3, que clamam por uma postura de incluso e de cuidado com o outro.

    Estes comentrios caracterizam-se pela objetividade e conciso. Dizem a essncia do que deve ser dito, sem enveredar por digresses mais profundas. As citaes feitas, aqui e ali, foram inevitveis e servem para somar s minhas as concluses de outros estudiosos do tema, como o caso do nosso to dedicado Renato Nalini, cujos comentrios ao mesmo Cdigo tornaram-se de leitura obrigatria para os magistrados.

    Considerei essencial para completar estes comentrios a comparao com os artigos correspondentes ao Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial, Lei Orgnica da Magistratura Nacional e aos princpios de Bangalore. Esse entrelaamento contribui para que se tenha uma viso geral da crescente exigncia tica para a formao dos juzes.

  • 11

    Espero com esta obra dar a minha contribuio ao debate da tica/deontologia no seio da magistratura brasileira. A importncia que a funo judicial adquiriu, nos ltimos anos, com o ativismo e a judicializao dos problemas sociais e polticos, requer magistrados mais devotados sua funo. E sem tica esse devotamento no pode prosperar.

  • 12

  • 13

    (Publicado no DJ, pginas 1 e 2, do dia 18 de setembro de 2008)

    1. CDIGO DE TICA DA MAGISTRATURA NACIONAL

    O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA, no exerccio da competncia que lhe atriburam a Constituio Federal (art. 103-B, 4, I e II), a Lei Orgnica da Magistratura Nacional (art. 60 da LC n 35/79) e seu Regimento Interno (art. 19, incisos I e II);

    Considerando que a adoo de Cdigo de tica da Magistratura instrumento essencial para os juzes incrementarem a confi ana da sociedade em sua autoridade moral;

    Considerando que o Cdigo de tica da Magistratura traduz compromisso institucional com a excelncia na prestao do servio pblico de distribuir Justia e, assim, mecanismo para fortalecer a legitimidade do Poder Judicirio;

    Considerando que fundamental para a magistratura brasileira cultivar princpios ticos, pois lhe cabe tambm funo educativa e exemplar de cidadania em face dos demais grupos sociais;

    Considerando que a Lei veda ao magistrado procedimento incompatvel com a dignidade, a honra e o decoro de suas funes e comete-lhe o dever de manter conduta irrepreensvel na vida pblica e particular (LC n 35/79, arts. 35, inciso VIII, e 56, inciso II); e

    Considerando a necessidade de minudenciar os princpios erigidos nas aludidas normas jurdicas;

  • 14

    RESOLVE aprovar e editar o presente CDIGO DE TICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, exortando todos os juzes brasileiros sua fi el observncia.

    COMENTRIOS: Os consideranda aqui alinhados tm a mesma natureza de um prembulo: justifi cam a elaborao de um Cdigo de tica para a magistratura nacional e traam os objetivos a que se prope alcanar com essa publicao.

    O presente Cdigo foi aprovado pela Resoluo n 60, de 19 de setembro de 2008, do Conselho Nacional da Justia CNJ. Foi publicado em tempo oportuno, no momento em que clamamos por uma justia reta, clere, ntegra, correspondente aos anseios de toda a humanidade.

    A ansiedade de termos uma justia atenta aos postulados da tica universal. Comportamento tico, diz Pegoraro, , antes de tudo, comportamento segundo a justia.2 No pode haver confi ana num magistrado que no atente para seu dever de desempenhar-se com uma conduta altura do cargo que exerce.

    Para Adolfo Snchez Vsquez, tica uma teoria ou cincia do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, cincia de uma forma especfi ca do comportamento humano.3

    Esse conceito bem elementar de tica deve traduzir-se no agir, no carter, na responsabilidade, no ambiente, na solidariedade, no compromisso com a justia, na tolerncia e no cuidado com o prximo. A tica, como cuidado, propagada no Brasil principalmente por Leonardo

    2 PEGORARO, Olinto. tica justia. Petrpolis (RJ): Vozes, 1995, p. 13.3 VSQUEZ, Adolfo Snchez. tica. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasilei-ra, 1993, p.12.

  • 15

    Boff e tem importante repercusso na atividade jurisdicional.4O juiz, consciente do seu papel, passa a exercer a jurisdio do cuidado com as partes fragilizadas que esto carentes de justia e reconhecimento.

    Embora seja atual a divulgao da advertncia de que ou o sculo XXI ser tico ou no ser nada,5 a preocupao com a tica no recente; vem desde os gregos, dentre os quais se sobressaram Scrates, Plato e Aristteles. , portanto, uma preocupao to antiga quanto a conscincia de que a convivncia humana precisa de regras de condutas, de respeito mtuo, de ateno dignidade de cada pessoa, para assegurar-se um ambiente social e poltico de atuao do homem em sociedade.

    Nesse ponto, mostra-se evidente a importncia deste Cdigo, que aponta os vetores da tica e conclama o magistrado a pautar-se por uma conduta compatvel com seu ofcio de julgar o cidado e assegurar-lhe seus direitos. Esses vetores esto confi gurados nos seguintes princpios que o Cdigo exorta: independncia, imparcialidade, transparncia, diligncia, dedicao, cortesia, prudncia, sigilo profi ssional, conhecimento, capacitao, dignidade, honra e decoro. Ao longo desta obra, sero analisados cada um desses princpios, com detalhes e aplicaes prticas referentes magistratura.

    Para compreender melhor o contexto em que o presente Cdigo est envolvido, invoca-se, a ttulo de comparao, os preceitos do Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial e os princpios de Bangalore, que foram promulgados com a mesma preocupao de ofertar aos magistrados uma tbua de valores que pudessem servir de orientao s suas atividades.

    4 BOFF, Leonardo. Saber cuidar. 15.ed. Petrpolis (RJ): Vozes, 2008.5 LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade ps-moralista. Barueri (SP): Manole, 2005, p.185.

  • 16

    Atentou-se, ainda, para o disposto na Lei Orgnica da Magistratura Nacional Loman, que em seu artigo 35, prescreve:

    Art. 35 So deveres do magistrado:I cumprir e fazer cumprir, com independncia, serenidade e exatido, as disposies legais e os atos de ofcio;II no exceder injustifi cadamente os prazos para sentenciar ou despachar; III determinar as providncias necessrias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;IV tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministrio Pblico, os advogados, as testemunhas, os funcionrios e auxiliares da Justia, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providncia que reclame e possibilite soluo de urgncia;V residir na sede da comarca, salvo autorizao do rgo disciplinar a que estiver subordinado;VI comparecer pontualmente hora de iniciar-se o expediente ou a sesso, e no se ausentar injustifi cadamente antes de seu trmino;VII exercer assdua fi scalizao sobre os subordinados, especialmente no que se refere cobrana de custas e emolumentos, embora no haja reclamao das partes;VIII manter conduta irrepreensvel na vida pblica e particular.

    Os princpios da conduta judicial de Bangalore foram elaborados no ano 2000, em Bangalore (ndia), e aprovados em 2002, em Haia (Holanda). Trata-se de um projeto de cdigo judicial, com alcance global. Foi elaborado pelo Grupo da Integridade Judicial, com apoio da ONU, o qual foi constitudo por representantes de todas as cortes de justia do mundo.

    O Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial, de autoria de Manuel Atienza e Rodolfo Lus Vigo, foi publicado em 2006, pela Cpula Judicial Ibero-Americana, com o propsito de disciplinar a conduta dos juzes dos pases signatrios. Em sua exposio de motivos, os seus autores

  • 17

    preocuparam-se em apresentar aquele Cdigo como compromisso institucional com a excelncia e para o fortalecimento da legitimao do Poder Judicirio. Ao exortar a importncia da tica para o alcance desse objetivo, afi rmam os autores:

    A tica judicial inclui os deveres jurdicos que se referem s condutas mais signifi cativas para a vida social, mas tambm pretende que o seu cumprimento responda a uma aceitao desses valores pelo seu valor intrnseco, isto , baseada em razes morais. Alm disso, completa esses deveres com outros que podem parecer menos peremptrios, mas que contribuem para defi nir a excelncia judicial. Portanto, a tica judicial implica rejeitar tanto os padres de conduta prprios de um mal juiz, como os de um juiz simplesmente medocre, que se conforma com o mnimo juridicamente exigido.6

    A necessidade de cultivar os princpios ticos, recomendados no prembulo deste Cdigo, implica, dentre outras coisas, na prpria honorabilidade da Justia e na obrigao de defender os valores constitucionais. A autoridade moral do magistrado indispensvel para o prprio Estado Democrtico de Direito, que conferiu legitimidade ao ingresso do magistrado por concurso pblico.

    O Cdigo de tica da Magistratura Nacional constitui-se, portanto, num repositrio de valorao de condutas e serve de inspirao para os magistrados elegerem a melhor opo de agir. Ter um cdigo de tica era uma aspirao antiga, mas de difcil elaborao, tanto que conhecido doutrinador da matria, o desembargador Volnei Ivo Carlin, j havia lamentado, em sua obra Deontologia jurdica, ao tratar exatamente da ausncia de um cdigo de tica para o juiz: Uma codifi cao parece difcil. Tem havido tentativas, por vrios anos, sobre este problema,

    6 ATIENZA, Manuel e VIGO, Rodolfo. Cdigo Ibero-americano de tica judicial. Braslia: CJF, 2008, p. 29.

  • 18

    mas sem sucesso.7

    Para Mnica Sette Lopes,

    A consagrao da importncia e da efi ccia de um Cdigo de tica Judicial responde por esta mesma medida de implantao dinmica. Apesar de ele se caracterizar pela mera descrio de expectativas tradicionais ou rotineiras, pela insistncia em tratar do bvio, para que ele ocupe plenamente o espao de regulao que lhe destinado, essencial que no se perca o fi o da meada e se assimile a importncia da narrativa que condensa o exemplo, com a naturalidade exigida para a sustentao de fatos que no so caractersticas exclusivas deste tempo e deste lugar.8

    Na Apresentao que faz aos seus comentrios ao presente Cdigo, Renato Nalini v com entusiasmo o seu aparecimento, lembrando a todos que: No momento em que a falta de comprometimento tico em vrias esferas da vida pblica poderia desalentar a juventude e convencer a nacionalidade de que nada mais tem jeito, o Judicirio pode reacender o lume da esperana.9

    Da leitura do Cdigo, o juiz necessariamente vai conscientizar-se de suas responsabilidades, pois o desvio de conduta retira-lhe a razo de argumentar, abala sua credibilidade e a necessria fora moral para exigir respeito dos seus jurisdicionados. A lista de postura que se depara neste Cdigo abriga princpios ticos de conduta exigveis para buscar-se alcanar o ideal do melhor juiz possvel. O juiz tico fortalece a legitimidade do poder que exerce e contribui para usar seu imperium a favor da justia, em constante ateno ao compromisso institucional.

    7 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia jurdica: tica e justia. 4. ed. Florianpolis: Conceito Editora, 2007, p. 143.8 LOPES, Mnica Sette. Os juzes e a tica do cotidiano. So Paulo: LTr, 2008, p. 128.9 NALINI, Jos Renato. tica da magistratura. So Paulo: RT, 2009, p. 9.

  • 19

    A fora normativa do presente Cdigo encontra-se na Lei Orgnica da Magistratura Nacional, da qual uma extenso (art.35, Loman) e na Constituio Federal, abrigo de deveres e princpios que servem de catecismo para todo cidado.

  • 20

  • 21

    2. DISPOSIES GERAIS

    Art. 1 O exerccio da magistratura exige conduta compatvel com os preceitos deste Cdigo e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princpios da independncia, da imparcialidade, do conhecimento e capacitao, da cortesia, da transparncia, do segredo profi ssional, da prudncia, da diligncia, da integridade profi ssional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

    Art. 2 Ao magistrado impe-se primar pelo respeito Constituio da Repblica e s leis do Pas, buscando o fortalecimento das instituies e a plena realizao dos valores democrticos.

    Art. 3 A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justia na relao entre as pessoas.

    COMENTRIOS. O captulo I deste Cdigo contm a sntese de tudo aquilo que se almeja de um juiz atual, desde sua formao pessoal sua postura institucional, poltica e crtica.

    A ateno aos princpios abrigados neste artigo conduz excelncia da atuao jurisdicional, que deve ser a preocupao de todos os magistrados.

    A conduta de um juiz deve partir do respeito para consigo, como representante que da lei e da justia na sociedade. O feixe de preceitos que este Cdigo traz para orientar a conduta do juiz apenas ratifi ca e amplia essa postura inicial de autoavaliao, de autorreconhecimento.

    Essa preocupao com a formao e a conduta do juiz vem

  • 22

    expressa na Constituio Federal (arts. 101, 104, pargrafo nico, 119, II), ao exigir dos magistrados que tero acesso aos tribunais superiores os critrios do saber jurdico e da reputao ilibada. Nesta condio reputao ilibada centra-se toda a preocupao tica com a pessoa que ser investida em to elevado cargo do Poder Judicirio.

    Reputao ilibada toda a histria tica da pessoa, seja no campo profi ssional, seja no familiar. Todo o encadeamento de suas aes forma esse arcabouo que se convencionou chamar de reputao ilibada.

    Para J. Cretella Jnior, reputao fama, renome, nomeada, considerao, conceito, importncia social. o conceito em que uma pessoa tida pelo pblico, pela sociedade em que vive.10

    Jos Afonso da Silva, ao comentar o art. 101 da Constituio Federal, leciona: A reputao ilibada outra notoriedade que se requer, mas agora no campo da tica, do comportamento humano. Ainda, para o autor, os requisitos no podem ser de mera apreciao subjetiva do presidente da Repblica, que nem sempre os leva em considerao. So requisitos objetivos e at comprovveis especialmente pela atuao do candidato, por sua produo jurdica e pela estima pblica.11

    O juiz, consciente de sua responsabilidade e da funo em que foi investido necessariamente deve ser independente, imparcial, capaz, corts, prudente, diligente, ntegro e digno. No decorrer destes comentrios, esses princpios que orientam a atividade do juiz sero analisados em separado.

    10 CRETELLA JNIOR, Jos. Comentrios Constituio de 1988. Rio de Ja-neiro: Forense Universitria,1992, p. 3063, v. 6. 11 SILVA, Jos Afonso da. Comentrio textual Constituio. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 533.

  • 23

    A obedincia que o magistrado deve lei precisa ser crtica, no submissa, sob pena de tornar-se um juiz montesquiano, que s serve para pronunciar a letra da lei. El juez que es solo um escrupuloso observador pasivo de la ley diz Zagrebelsky no es un buen juez.12

    Toda aplicao da lei, atualmente, deve submeter-se perspectiva constitucional. magistratura reconhecida hoje importante funo na efetivao do Estado Democrtico de Direito, assegurando as promessas da democracia aos cidados e a transparncia do jogo democrtico, conforme preconizado por Garapon e Bobbio.

    Para Antoine Garapon, o juiz tem hoje a funo indita de garantir o ideal democrtico e as promessas no cumpridas: No se trata de uma transferncia de soberania para o juiz, mas, antes de mais nada, de uma transformao da democracia.13

    Essas atuais atribuies do juiz decorrem da situao de insegurana do cidado diante das omisses do legislador e dos mandatrios que no cumprem suas promessas em favor do cidado.

    Para Bobbio, o problema fundamental em relao aos direitos do homem, hoje, no tanto o de justifi c-los, mas o de proteg-los.14

    Nesse contexto, zelar pela efetividade dos postulados da democracia tornou-se a mais desafi adora tarefa do juiz. Em 1997, o autor destes comentrios j lembrava em suas Anotaes: O juiz constitucional, eis a autntica postura do magistrado dos tempos atuais. Ao regular

    12 ZAGREBELSKY, Gustavo; MARTINI, Carlos Maria. La exigencia de justicia. Madrid: Mnima Trotta, 2006, p. 34.13 GARAPON, Antoine. O guardador de promessas: justia e democracia. Lis-boa: Instituto Piaget, 1996, p. 3614 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 24.

  • 24

    suas decises pelos princpios da Lei Maior, est o juiz assegurando o funcionamento do Estado Democrtico de Direito; est tornando efi caz as normas constitucionais e prestigiando os direitos fundamentais dos cidados.15

    A Constituio da Repblica o documento que abriga as garantias e os direitos individuais, as regras de funcionamento do governo e traa todo o arcabouo do Estado, notadamente se ela foi elaborada por uma assembleia constituinte legitimamente constituda pela vontade soberana do povo.

    O juiz h de estar sempre voltado para a aplicao dos princpios constitucionais, como fonte motivadora de suas decises, alm de demonstrar o esprito pblico que deve orientar sua postura. Por inspirao constitucional que se forma o juiz republicano, preocupado com o bem comum, com a coisa pblica, com a efi cincia das polticas pblicas e com a efetivao da justia social.

    A propsito, invoca-se aqui lio proveitosa de Dromi:Los jueces deben ser de la Repblica. Su misin no se limita a un simples discernir justicia segn frmulas procesales preestabelecidas. De ellos depende la vigencia de todo el sistema institucional. Los jueces son jueces de la cosa pblica, de todas sus instituciones y no slo de la legalidad formal.16

    A busca da justia em suas decises garantia de paz, de equidade, razoabilidade. No se admite mais o juiz que decide somente pela letra da lei, ressuscitando o velho brocardo dura lex sed lex para justifi car decises injustas e alheias s peculiaridades do caso concreto.

    15 SEREJO, Lourival. Formao do juiz: anotaes de uma experincia. Curi-tiba: Juru, 2010, p. 92.16 DROMI, Roberto. Los jueces. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1992, p. 239.

  • 25

    A Constituio Federal de 1988, em seu artigo 1, insculpiu os seguintes princpios bsicos do nosso Estado Democrtico de Direito: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e o pluralismo poltico.

    Sobre a dignidade da pessoa humana, princpio basilar do Estado Democrtico de Direito e das relaes pessoais, manifestou-se, com muita preciso, o papa Joo XXIII:

    Em uma convivncia humana bem constituda e efi ciente, fundamental o princpio de que cada ser humano pessoa, isto , natureza dotada de inteligncia e vontade livre. Por essa razo, possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua prpria natureza.17

    Logo adiante (art. 3), a Constituio elenca os objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil, dentre os quais se destaca o de construir uma sociedade livre, justa e solidria. A promoo da solidariedade e da justia entre as pessoas tem sua base na tica da convivncia, da cristandade, da tolerncia, do respeito e do olhar atento, de que fala o espanhol Josep Esquirol.18

    Sobre a solidariedade, Leonardo Boff, dando-lhe uma dimenso tica maior, faz uma advertncia sria: A solidariedade poltica ou ser o eixo articulador da geossociedade mundial ou no haver, a longo prazo, futuro para ningum, solidariedade a ser construda a partir de baixo, das vtimas dos processos sociais e dos sofredores.19

    17 BOMBO, Fr. Constantino (Org,). Encclicas e documentos sociais. In: Pacem in Terris. So Paulo: LTr, 1993, p.19, v. 2.18 ESQUIROL, Josep M. O respeito ou o olhar atento: uma tica para a era da cincia e da tecnologia. Belo Horizonte: Autntica, 2008. 19 BOFF, Leonardo. tica e moral. 4. ed. Petrpolis (RJ): Vozes, 2009, p.54.

  • 26

    Na famlia, o princpio da solidariedade fundamental para o reconhecimento da dignidade de cada um dos seus membros e para assegurar uma convivncia saudvel com deveres recprocos, em dimenses morais e materiais.

  • 27

    3. INDEPENDNCIA

    Art. 4 Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que no interfi ra, de qualquer modo, na atuao jurisdicional de outro colega, exceto em respeito s normas legais.

    Art. 5 Impe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas infl uncias externas e estranhas justa convico que deve formar para a soluo dos casos que lhe sejam submetidos.

    Art. 6 dever do magistrado denunciar qualquer interferncia que vise a limitar sua independncia.

    Art. 7 A independncia judicial implica que ao magistrado vedado participar de atividade poltico-partidria.

    Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial:

    Art. 2 O juiz independente aquele que estabelece, a partir do Direito vigente, a deciso justa, sem se deixar infl uenciar, de forma real ou aparente, por fatores alheios ao prprio Direito.

    Art. 3 O juiz, com suas atitudes e comportamentos, deve deixar evidente que no recebe infl uncias diretas ou indiretas de nenhum outro poder pblico ou privado, seja externo ou interno ordem judicial.

    Art. 4 A independncia judicial, sob o ponto de vista tico, implica que ao juiz est vedada a participao de qualquer modo, em atividade poltica partidria.

  • 28

    Art. 5 O juiz poder reivindicar que se reconheam os seus direitos e lhe sejam fornecidos os meios que possibilitem ou facilitem a sua independncia.

    Art. 6 O juiz tem o direito e o dever de denunciar qualquer tentativa de perturbao da sua independncia.

    Art. 7 No s se exige que juiz eticamente seja independente, mas que tambm no interfi ra na independncia de outros colegas.

    Art. 8 O juiz deve exercer com moderao e prudncia o poder que acompanha o exerccio da funo jurisdicional.

    Princpios de Bangalore de Conduta Judicial:

    A independncia judicial um pr-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo. Um juiz, consequentemente, dever apoiar e ser o exemplo da independncia judicial tanto no seu aspecto individual quanto no aspecto institucional.

    Lei Orgnica da Magistratura Nacional:

    Art. 35. So deveres do magistrado:

    I cumprir e fazer cumprir, com independncia, serenidade e exatido, as disposies legais e os atos de ofcio.

    COMENTRIOS. A independncia do juiz uma conquista do estado de direito em favor da autonomia do Judicirio e da segurana dos cidados. Essa independncia tem, tambm, natureza poltica, no mbito constitucional e se traduz na conquista das garantias da vitaliciedade,

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    inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. O reconhecimento dessas trs prerrogativas repercute diretamente em favor do cidado que precisa ter a certeza de que seu julgador no est sujeito s presses externas, nem ameaado em sua estabilidade funcional. Para Dalmo de Abreu Dallari, longe de ser um privilgio para os juzes, a independncia da magistratura necessria para o povo, que precisa de juzes imparciais para a harmonizao pacfi ca e justa dos confl itos de direitos.20

    O aspecto poltico e institucional dessa independncia bem resumido por Dieter Simon, ao enfatizar: La idea de la independencia del juez va indisolublemente unida a la concepcin del Estado constitucional.21

    O juiz deve cultivar sua independncia e respeitar a do colega, abstendo-se de tentar interferir na deciso do outro, demonstrando interesse pessoal ou emitindo sugestes quanto ao mrito da causa sob julgamento daquele.

    Com mais rigor, essa postura de respeito ao colega deve ser atendida pelos magistrados do segundo grau, tanto na verticalidade como na horizontalidade.

    A interferncia de juzes e desembargadores junto a colegas em favor de aes em curso condenvel sob todos os aspectos, inclusive porque pode chegar a confi gurar-se crime de explorao de prestgio. Essa prtica ocorre com frequncia para atender pedidos de amigos e parentes que ainda acreditam no poder do dar uma fora ou do empurrozinho. No fundo, a desconfi ana na integridade dos juzes. A insegurana e o medo de que o adversrio esteja usando o mesmo expediente leva a

    20 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juzes. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 45.21 SIMON, Dieter. La independencia del juez. Barcelona: Airel, 1985, p. 11.

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    parte a buscar o auxlio externo e a interferncia de um colega, ou de um poltico, junto ao magistrado responsvel pelo julgamento da sua ao.

    A independncia do juiz confere-lhe fora tica sufi ciente para enfrentar as infl uncias externas. Sem essa qualidade, falta ao juiz a condio indispensvel para afi rmar sua autoridade. A afi rmao de independncia no requer gestos desafi adores nem atitudes de desprezo ou arrogncia. O juiz pode ser independente com serenidade, sem ofender e sem deixar de lado a cortesia. Basta ser fi rme em sua posio, em sua convico, naturalmente.

    Embora no seja um fator condicionante, preciso notar que o magistrado deve ter um salrio adequado importncia da sua funo na comunidade. No pode haver independncia plena se o juiz no recebe um salrio correspondente dignidade do cargo que desempenha. Entretanto, preciso reiterar que o salrio considerado insufi ciente no justifi ca qualquer conduta desonrosa, por menor que seja.

    Outra faceta da independncia manter-se alheio s disputas partidrias. Quem chegou magistratura por mrito prprio, apurado em concurso, no deve favor a ningum. A participao em atividade poltico-partidria vedada aos magistrados pela lei e pela tica. Segundo a Loman (art. 26, II, c) o exerccio de atividade poltico-partidria sujeita o juiz pena de demisso.

    No momento em que o juiz adere a um partido poltico ou apoia determinados candidatos, de forma ostensiva, ele perde sua independncia e sua imparcialidade. No tem mais condies de julgar, pois todas as suas decises fi cam suspeitas de estar contaminadas pelo vrus partidrio.

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    Essa proibio torna-se mais imperiosa quando se tratar de um juiz eleitoral, a quem incumbe presidir eleies e julgar candidatos.

    Importante distino deve ser feita entre o juiz ativista, preocupado com a incluso social e a agilidade da justia, e o juiz que se envolve em atividades poltico-partidrias. Em comarcas pequenas, a tentao de envolver-se com foras polticas locais forte. A pretexto de lutar por causas sociais, o juiz pode partidarizar-se, envolvendo-se com determinado grupo poltico e, ento, todo seu propsito de lutar pela justia social torna-se comprometido, visto que vai gerar confl itos com o outro lado, seja da situao, seja da oposio. Nota-se, tambm, que, em comarcas do interior, em cidades pequenas, a atividade poltico-partidria nem sempre implica vestir a camisa deste ou daquele partido: basta que se associe a um grupelho local para caracterizar atividade poltica.

    Sem autoridade moral, um juiz no pode presidir uma eleio numa comunidade interiorana, sob pena de comprometer a lisura do pleito e gerar insatisfao entre os grupos polticos.

    A literatura e a histria da justia eleitoral esto cheias de casos envolvendo a parcialidade de juzes nos pleitos eleitorais. Todos com resultados negativos.

    A independncia de que trata o artigo 7 a mesma que Roberto Dromi trata como imparcialidade poltica; e sobre ela manifesta-se o citado autor:

    La imparcialidad poltica obliga al juez a abstenerse de participar en actividades partidarias o sociales que por su ndole encierren un fi n poltico. No obstante, esta imparcialidad no supone una despreocupacin ni un desentendimiento de los principios polticos o de

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    integralidad de la comunidad.22

    Para Dalmo de Abreu Dallari,

    A magistratura deve ser independente para que se possa orientar no sentido da justia, decidindo com equidade os confl itos de interesses. O juiz no pode sofrer qualquer espcie de violncia, de ameaa ou de constrangimento material, moral ou psicolgico. Ele necessita da independncia para poder desempenhar plenamente suas funes, decidindo com serenidade e imparcialidade, cumprindo verdadeira misso no interesse da sociedade. Assim, pois, segundo essa viso ideal do juiz, mais do que este, individualmente, a sociedade quem precisa dessa independncia, o que, em ltima anlise, faz o prprio magistrado incluir-se entre os que devem zelar pela existncia da magistratura independente.23

    H um ngulo importante de afi rmao da independncia do juiz, o qual lhe exige coragem e serenidade. Trata-se do exerccio da jurisdio criminal. Muitas vezes o juiz criminal precisa ter fora sufi ciente para no se deixar levar pela presso popular, quase sempre motivada pela imprensa sensacionalista e pela emoo do fato. Nesses momentos, preciso resistir aos apelos da opinio pblica, principalmente quando est em jogo a defesa da dignidade e dos direitos fundamentais de um ru. O juiz no pode condenar ningum para satisfazer a opinio pblica, para demonstrar dureza, para merecer aplausos da imprensa. Sua conscincia deve estar acima dessas presses. Vale lembrar o fi lme O homem que no vendeu sua alma como exemplo da fora moral que a conscincia tica do protagonista, o respeitvel Thomas More, demonstra, at sua execuo.

    Ainda sobre o tema em apreciao, adverte Renato Nalini, com a preciso que o caracteriza:

    22 DROMI, Roberto. op. cit., p. 56.23 DALLARI, op. cit., p. 47.

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    No juiz aquele que no o for com independncia. Desvinculado de qualquer interesse, corajoso para inovar, pois independncia tambm signifi ca se afastar do imobilismo jurisprudencial, sempre que circunstncias novas o justifi quem, seguro de sua misso imprescindvel de concretizar a produo do justo.24

    O mesmo doutrinador e defensor ardoroso da tica, traz esta contribuio importante sob novo ngulo:

    Avulta, nesse panorama, o poder hermenutico do julgador, simultaneamente ao agigantamento de sua responsabilidade. Da o relevo de se contemplar o atributo da independncia judicial, que j no assunto dos juristas, mas ganhou espao nos crculos de discusso cada vez mais amplos.25

    A hermenutica, atrelada sensibilidade e aos conhecimentos do juiz, resultar, quase sempre, numa escolha que busca convencer pela argumentao. Nesse processo de concretizao da norma, manifesta-se a necessidade do exerccio hermenutico recorrer tica para poder inspirar uma deciso justa.

    Merece, por fi m, ser destacado o seguinte item da ementa tirada do Habeas Corpus n 95.009-4/SP, que teve como relator o ministro Eros Grau:

    TICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE, INDEPENDNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. A neutralidade impe que o juiz se mantenha em situao exterior ao confl ito objeto da lide a ser solucionada. O juiz h de ser estranho ao confl ito. A independncia expresso da atitude do juiz em face de infl uncias provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe tomar no apenas decises contrrias a interesses do governo quando o exijam a Constituio e a lei mas tambm

    24 NALINI, Jos Renato. Filosofi a e tica jurdica. So Paulo: RT, 2008, p. 314. 25 NALINI, Jos Renato. tica da magistratura. So Paulo: RT, 2009, p. 50.

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    impopulares, que a imprensa e a opinio pblica no gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade expresso da atitude do juiz em face de infl uncias provenientes das partes nos processos judiciais a ele submetidos. Signifi ca julgar com ausncia absoluta de preveno a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a abrangncia do princpio da impessoalidade, que a impe.

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    4. IMPARCIALIDADE

    Art. 8 O magistrado imparcial aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distncia equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refl etir favoritismo, predisposio ou preconceito.

    Art. 9 Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar s partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espcie de injustifi cada discriminao.

    Pargrafo nico. No se considera tratamento discriminatrio injustifi cado:

    I - a audincia concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito parte contrria, caso seja solicitado;

    II - o tratamento diferenciado resultante de lei.

    Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial:

    Art. 9 A imparcialidade judicial tem o seu fundamento no direito das partes, que devem ser tratadas com equidade e, portanto, no serem discriminadas no que se refere ao desenvolvimento da funo jurisdicional.

    Art. 10 O juiz imparcial aquele que busca nas provas a verdade dos fatos com objetividade e com fundamento mantendo, ao longo de todo o processo, uma distncia equivalente com as partes e com os seus

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    advogados, e evita todo o tipo de comportamento que possa confi gurar favoritismo, predisposio ou preconceito.

    Art. 11 O juiz tem a obrigao de abster-se de intervir nas causas em que veja comprometida a sua imparcialidade ou naquelas que um observador razovel possa entender que h motivo para pensar assim.

    Art. 12 O juiz deve procurar evitar as situaes que, direta ou indiretamente, justifi quem seu afastamento da causa.

    Art. 13 O juiz deve evitar toda a aparncia de tratamento preferencial ou especial aos advogados e s partes, proveniente da sua prpria conduta ou da de outros integrantes da repartio judicial.

    Art. 14 proibido ao juiz e aos outros membros da repartio judicial receber presentes ou benefcios de qualquer natureza, que se mostrem injustifi cados sob a perspectiva de um observador razovel.

    Art. 15 O juiz deve procurar no manter reunies com uma das partes ou com seus advogados (no seu gabinete ou, pior ainda, fora dele), de tal forma que a parte contrria e seus advogados possam razoavelmente considerar injustifi cadas.

    Art. 16 O juiz deve respeitar o direito das partes de afi rmar e contradizer no mbito do devido processo legal.

    Art. 17 A imparcialidade de juzo obriga o juiz a criar hbitos rigorosos de honestidade intelectual e de autocrtica.

    Princpios de Bangalore da Conduta Judicial:

    A imparcialidade essencial para o apropriado cumprimento dos

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    deveres do cargo de juiz. Aplica-se no somente deciso, mas tambm ao processo de tomada de deciso.

    COMENTRIOS: A imparcialidade de que trata o presente captulo , a princpio, uma postura tcnica, processual, do juiz que est acima das disputas pessoais das partes. Sua atuao deve ser equidistante dos interesses em litgio. Essa imparcialidade implica, tambm, o compromisso tico de coligir elementos sufi cientes para esclarecer a verdade dos fatos, com objetividade, idoneidade, sem qualquer favoritismo ou preconceito. Como diz Perelman, o juiz imparcial justo porque trata da mesma forma todos aqueles aos quais a mesma regra aplicvel, sejam quais forem as consequncias.26

    A segurana do cidado que litiga est na garantia de imparcialidade do juiz. A expectativa do litigante ter sua causa julgada por uma autoridade isenta de qualquer interesse pessoal, o que lhe dar a certeza de uma sentena justa. Um dos maiores insultos boa-f do cidado o juiz romper com o dever de imparcialidade por interesse ou por corrupo.

    Muitos juzes, sob o temor de parecer parciais, evitam receber as partes, polticos e advogados, em seus gabinetes. Essa atitude demonstra falta de segurana e de cortesia. Receber as partes no compromete a imparcialidade do juiz, desde que no seja exclusividade apenas a favor de um lado, seja o autor ou o ru. Nesse ponto, o excesso de escrpulos prejudica a imagem da justia por difi cultar-lhe o acesso, e nem sempre denota uma atitude correta. Com maestria, o padre Antnio Vieira, no chamado Sermo dos Escrpulos, faz a seguinte advertncia: Os homens de boa conscincia, que tudo tm escrpulo, so aqueles de quem diz o

    26 PERELMAN, Chaim. tica e direito. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2005, p.161.

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    profeta, que tm medo onde no h o que temer. [] O virtuoso, confi ado na sua virtude, tem medo dos vcios; o escrupuloso, desconfi ado de si, tem medo at das suas virtudes.27

    Problema de considervel amplitude distinguir-se imparcialidade de neutralidade. Hoje, no se admite mais um juiz neutro, assptico, indiferente s transformaes sociais. Sob a invocao de neutralidade, muitas injustias foram cometidas por juzes que no se atreviam a impor-se como intrpretes e aplicadores da Constituio e seus princpios.

    Uma nova leitura da imparcialidade tem sido feita ultimamente, com preocupao pela efetivao de uma justia verdadeiramente preocupada com a igualdade de oportunidades daqueles que litigam. Essa postura decorre da posio do juiz que se aproxima da parte hipossufi ciente para sentir e avaliar a dinmica social em que vive, seu nvel de educao e suas perspectivas de incluso social. Atento a esse aspecto, manifestou-se Renato Nalini:

    A imparcialidade consiste em postar-se o juiz em situao de equidistncia das partes. Mas mais do que isso. Imparcial o juiz que procura compensar a debilidade de uma das partes, para garantir o equilbrio de oportunidades a cada qual conferidas. Imparcial o juiz que se sensibiliza com o hipossufi ciente, perante cuja insufi cincia o atuar equidistante sinnimo de injustia. Imparcial o juiz que no teme reconhecer ao poderoso a sua razo, quando ela evidentemente superior do mais fraco. 28

    Recentemente, uma corrente de especialistas passou a contestar a imparcialidade como vem sendo tratada de forma absoluta, em favor da chamada parcialidade positiva. No Brasil, Artur Csar de Souza, em

    27 VIEIRA, Padre Antonio. Sermo da dominga vigsima-segunda post pente-costen, na S de Lisboa, ano de 1649. So Paulo: Editora das Amricas, 1957, p. 225-226. v. 15. 28 NALINI, Jos Renato. Filosofi a e tica jurdica. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 324-325.

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    trabalho de sua autoria, posiciona-se a favor da parcialidade positiva do juiz como preocupao de um processo justo e equo, que tem por fi nalidade a efetivao material dos princpios fundamentais previstos na Constituio Federal. E esclarece:

    A alternativa para esse lamentvel quadro da natureza humana realar a parcialidade positiva do juiz, seja em relao ao ru ou mesmo em relao vtima do crime e sociedade como um todo, a fi m de que, por meios legtimos conferidos pelo ordenamento jurdico, e que no so poucos, possa promover-se o desenvolvimento da relao jurdica processual penal ou civil com base nos princpios democrticos fundamentais previstos na Constituio Federal brasileira de 1988.29

    Em artigo publicado pelo Boletim da Enfam, o mesmo autor enfatiza:

    A parcialidade positiva do juiz um princpio consubstanciado na tica material, isto , no sentido de que o juiz, durante a relao jurdica processual, reconhea as diferenas sociais, econmicas e culturais das partes e paute sua deciso com base nessas diferenas, humanizando o processo civil ou penal.30

    Na apresentao do Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial, Manuel Atienza e Rodolfo Vigo advertem sobre um ponto nevrlgico a respeito da imparcialidade do julgador: Essa exigncia tica da imparcialidade revela-se em matria de presentes e benefcios que um juiz pode eventualmente receber de maneira direta e indireta.31

    Esse um artifcio muito usado pelas partes para enfraquecer a imparcialidade do magistrado: os presentes. O juiz deve estar atento

    29 SOUZA, Artur Csar de. A parcialidade positiva do juiz. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 211.30 SOUZA, Artur Csar de. A deciso da ADI 3330 luz do princpio da parcia-lidade positiva do juiz. In: Boletim da Enfam, n 7/2010, p. 10.31 ATIENZA, Manuel; VIGO, Rodolfo. Cdigo Ibero-americano de tica judicial. Braslia: CJF, 2008, p. 13.

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    para essas facilidades. s vezes, aparecem viagens, em forma de pacotes de turismo, a pretexto de conhecer a matriz de uma empresa etc. Nas comarcas do interior, deparamo-nos, muitas vezes, com gestos simples de boa-f de muitas pessoas que conservam a mentalidade de que melhor agradar ou agradecer o juiz com presentes. Nesse caso, deve o magistrado educar as pessoas, esclarecendo os deveres do seu cargo, que no precisa de recompensas.

    Os corruptores mais cnicos costumam dizer que todo homem tem seu preo. A fora moral que a funo encerra deve conferir ao juiz sufi ciente reforo para evitar o assdio desses interesseiros.

    preciso entender que a imparcialidade no precisa ser alardeada para ser conhecida e respeitada. Ela deve ser exercida naturalmente, com tranquilidade e fi rmeza, sem precisar de ostentao. Basta ser imparcial, e as partes estaro seguras do desenlace do processo.

    Em estudo publicado pela Revista de Processo sobre o princpio da imparcialidade, o advogado Wendel de Brito Lemos Teixeira comea por defender que a expresso imparcialidade do julgador a mais correta por abranger no s o processo judicial, mas o administrativo e o particular. No fundo, entende e procura demonstrar com brilho que o princpio da imparcialidade uma garantia fundamental implcita na Constituio, com refl exo no processo e no Direito.32

    32 Revista de Processo n 186/2010, p. 133-352.

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    5. TRANSPARNCIA

    Art. 10. A atuao do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos, sempre que possvel, mesmo quando no legalmente previsto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.

    Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justia, tem o dever de informar ou mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de forma til, compreensvel e clara.

    Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relao com os meios de comunicao social, comportar-se de forma prudente e equitativa, e cuidar especialmente:

    I - para que no sejam prejudicados direitos e interesses legtimos de partes e seus procuradores;

    II - de abster-se de emitir opinio sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juzo depreciativo sobre despachos, votos, sentenas ou acrdos, de rgos judiciais, ressalvada a crtica nos autos, doutrinria ou no exerccio do magistrio.

    Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustifi cada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoo em publicao de qualquer natureza.

    Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaborao para com os rgos de controle e de aferio de seu desempenho profi ssional.

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    Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial:

    Art. 56 A transparncia das atuaes do juiz uma garantia da justia nas suas decises.

    Art. 57 O juiz deve procurar fornecer, sem infringir o Direito vigente, informao til, pertinente, compreensvel e confi vel.

    Art. 58 Embora a lei no o exija, o juiz deve documentar, na medida do possvel, todos os atos da sua gesto e permitir a sua publicidade.

    Art. 59 O juiz deve comportar-se, em relao aos meios de comunicao social, de maneira equitativa e prudente, alm de zelar, sobretudo, para que no resultem prejudicados os direitos e interesses legtimos das partes e dos advogados.

    Art. 60 O juiz deve evitar comportamentos ou atitudes que possam ser entendidos como uma busca injustifi cada ou desmesurada de reconhecimento social.

    COMENTRIOS: Em seu livro sobre O futuro da democracia, Bobbio demonstra, com clareza de mestre, a necessidade que a democracia tem de tornar-se o poder visvel e transparente, para que o cidado possa fazer o controle do seu funcionamento. S o poder desptico invisvel e inacessvel.33

    O Poder Judicirio, nos ltimos tempos, tem procurado demonstrar transparncia em todos os seus atos. Para tanto, a internet tem contribudo de forma decisiva. A exposio de seus gastos e projetos, com crticas e elogios, tudo faz parte dessa nova postura do Judicirio,

    33 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

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    principalmente a partir da reforma de 2004.

    As promoes deixaram de ser feita intramuros e sem critrios, em que se benefi ciavam principalmente os apaniguados dos tribunais. As intervenes do Conselho Nacional da Justia CNJ em muito contriburam para essa visibilidade do Poder Judicirio.

    As decises do magistrado devem ser tomadas com a mxima publicidade possvel, atendendo ao imperativo constitucional de que todo o poder emana do povo e institudo para servir ao povo, sabendo-se que o juiz um agente poltico de um poder do Estado.

    O magistrado, no exerccio de suas atribuies, nada tem a esconder, nada tem a ocultar dos seus jurisdicionados e da administrao em geral. O cidado tem o direito de saber prontamente sobre o andamento do seu processo, com a clareza necessria para sua compreenso.

    No h mais ambiente para os chamados embargos de gaveta, nos quais a prepotncia e a parcialidade de alguns magistrados engavetavam processos, a bel-prazer, at o tempo em que lhes era conveniente ou quando adquirissem disposio para despach-los ou julg-los.

    A publicidade a tnica de todos os atos praticados na secretaria judicial.

    Sobre a publicidade dos atos processuais, preleciona Moniz de Arago, ao comentar o art. 155, do CPC: A lei afi rma a regra de que os atos processuais so pblicos, princpio que remonta ao Direito Romano, e , politicamente consentneo com o regime democrtico, processualmente, com o da oralidade.34

    34 ARAGO, Moniz. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil. 5. ed. Rio de Ja-neiro: Forense, 1987, p. 23, v. 2.

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    O sigilo processual uma exceo e, como tal, s admissvel nos expressos casos previstos em lei (Ex.: o citado artigo 155, do CPC).

    O processo , pois, impulsionado sob o princpio da publicidade, sobre o qual lembra Rui Portanova:

    A publicidade um anteparo a qualquer investida contra a autoridade moral dos julgamentos. O ato praticado em pblico inspira mais confi ana do que o praticado s escondidas. A publicidade dos atos processuais, portanto, interessa igualmente ao Poder Judicirio e aos cidados em geral. A publicidade garante mais confi ana e respeito, alm de viabilizar a fi scalizao sobre as atividades dos juzes.35

    O artigo 13 do Cdigo de tica condena o exagero da autopromoo que busca a todo custo o reconhecimento social por suas aes. Esse o limite das atividades sociais do juiz na comarca, as quais devem ser planejadas com o fi m elevado de promover o homem, e no como meio de promoo pessoal para impressionar o tribunal a que pertence.

    O ponto mais alto dessa atitude desmesurada confeccionar cartilhas, como relatrio de suas atividades na comarca. Diferente dessa postura negativa, so as audincias pblicas realizadas para ouvir as reclamaes e dvidas da comunidade e dizer o que est sendo feito para agilizao dos processos e melhoria da prestao jurisdicional.

    5.1 O Juiz e a Imprensa

    O juiz, quase sempre, arredio publicidade, pela sua posio na sociedade e pela discrio que deve manter em sua vida funcional. Entretanto, esse comportamento no o isenta de ver-se, a qualquer

    35 PORTANOVA, Rui. Princpios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Ad-vogado, 1997, p. 168.

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    momento, s voltas com um caso de grande repercusso para decidir. Pode ser um crime que tenha provocado considervel abalo social ou uma deciso eleitoral, um mandado de segurana etc.

    Nessas hipteses, a imprensa a primeira a procur-lo. Inexperiente no trato com os meios de comunicao, o juiz geralmente se esquiva do assdio dos reprteres. Nesse ponto, o magistrado deve agir com cautela, sem necessidade de esconder-se ou negar-se a receber qualquer agente de comunicao. O tratamento deve ser de cortesia e disponibilidade para dar os esclarecimentos pedidos, tendo o cuidado de no adentrar no mrito da causa. Se a questo da jurisdio de um colega ou se est sob julgamento do seu tribunal, o juiz deve abster-se de tecer crticas ou quaisquer comentrios a respeito do caso.

    Vivemos na era da comunicao. O juiz no recebe treinamento adequado para utilizar-se com efi cincia dos meios de comunicao. Esse um entrave que tem ajudado a manter o Judicirio desconhecido pela populao, como instituio e como poder. Esse alheamento pode gerar insatisfao na sociedade, que anseia por informao e carece de esclarecimentos para formar sua opinio. Aos rgos dirigentes do Poder Judicirio cabe, com mais urgncia, conscientizar-se dessa defi cincia e procurar super-la com assessores de comunicao competentes. Enquanto isso, o juiz deve lembrar-se de tratar a imprensa com o respeito devido a um rgo encarregado de informar o cidado sobre os fatos, pois na democracia no deve haver censura nem obstculos ao debate sobre os acontecimentos sociais e polticos.

    O juiz deve ser instrudo para o desempenho de tornar-se o porta-voz da instituio, com a tarefa de esclarecer a sociedade sobre seus atos e o contedo de suas decises, quando se fi zer necesrio. Para tanto, deve o magistrado conhecer as tcnicas de comunicao de marketing que o habilitem a tratar com a opinio pblica. Atualmente, temos empresas

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    especializadas em oferecer cursos, como o media training, para capacitar pessoas com o manejo das tcnicas elementares de como comportar-se diante da mdia.

    Os juzes so frequentemente solicitados a darem entrevistas em jornais e televiso. Nessas ocasies que o magistrado precisa fi car atento s suas palavras, que devem ser claras, precisas, prestando informaes tcnicas, sem subjetividade comprometedora, atento para no deixar-se contaminar pela vaidade da autopromoo.

    Nas comarcas do interior, a presena do juiz nas emissoras de rdios deve ser moderada. O excesso pode lev-lo a comprometer-se com grupos locais ou vulgarizar sua autoridade. Essa atitude de reserva no deve impedir o magistrado de prestar esclarecimentos tcnicos aos ouvintes, como direitos elementares, ritos processuais, alteraes legislativas etc.

    A internet proporciona novos meios de comunicao entre os usurios e o pblico em geral. Dentre eles, sobressaem-se os blogs, que, pela rapidez e informalidade, se expandem como o vento, levando as notcias e comentrios quase no mesmo instante em que acontecem, superando at mesmo os setores encarregados da comunicao nos tribunais.

    s vezes, esses comentrios so ofensivos, aleivosos, ferinos, inclusive contra a honra dos juzes. O que fazer? Tentar impedi-los, como alguns juzes fi zeram no Maranho, com medidas judiciais? Essa estratgia corre o risco de projetar um problema local dimenso nacional.

    Esse um desafi o que precisa ser debatido para encontrar-se

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    uma soluo. Alguns juzes respondem imediatamente, repudiando as informaes ou prestando esclarecimentos. Mas a clientela dos blogs at tripudia sobre essas defesas, o que torna pior a situao. Talvez o silncio e a indiferena sejam a melhor postura. Se o magistrado tem certeza de sua inocncia quanto aos fatos que lhe so imputados pelos blogueiros, mais uma razo para manter-se indiferente, esperando que a verdade sempre triunfe.

    Outra atitude que o juiz pode tomar adiantar-se e explicar o fato ao seu corregedor e munir-se de elementos para uma eventual defesa.

    A magistratura precisa orientar-se quanto s regras de convivncia que as novas modalidades da comunicao criam ao longo do tempo. Tempo que corre e deixa para trs os que no acompanham sua velocidade.

    5.2 O Juiz e a Corregedoria

    As corregedorias so rgos do Poder Judicirio destinados a orientar os juzes e a apurar infraes administrativas por eles praticadas no exerccio de suas funes.

    Antes, o papel das corregedorias esgotava-se em correies peridicas realizadas nas varas e comarcas, com o objetivo de fi scalizar, advertir ou punir, conforme a falta encontrada. Hoje, a dimenso que se cobra das corregedorias de maior alcance: orientar os juzes e suprir as necessidades das comarcas e varas.

    O juiz precisa ser orientado, acompanhado e estimulado para que alcance boa produtividade e cumpra com seus deveres regularmente. Em comparao com as empresas, o papel do corregedor e seus auxiliares

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    (juzes-corregedores) igual a um coach, orientando e zelando pelo melhor desempenho da atividade judiciria, inclusive quanto ao trabalho preventivo que, em muitos casos, sobressai-se como mais proveitoso.

    A relao do juiz com as corregedorias deve ser respeitosa e diligente. Ao receber o corregedor, em sua comarca, assim como os juzes auxiliares, o magistrado deve portar-se com respeito e hospitalidade, tratando-os com cortesia e ateno.

    5.3 O Juiz e o Conselho Nacional de Justia

    O Conselho Nacional de Justia CNJ foi criado pela EC n. 45/2004, que iniciou a reforma do Poder Judicirio (art. 92, da CF). Suas atribuies so, portanto, constitucionais, competindo-lhe o controle da atuao administrativa e fi nanceira do Poder Judicirio e do cumprimento dos deveres funcionais dos juzes (art. 103-B, da CF).

    Sobre a natureza do Conselho Nacional de Justia, assim esclarece a doutrina de Jos Adrcio Leite Sampaio:

    O Conselho Nacional de Justia rgo administrativo-constitucional do Poder Judicirio da Repblica Federativa do Brasil com status semi-autnomo ou de autonomia relativa. A estatura constitucional decorre da sua presena no texto da Constituio. A natureza administrativa dada pelo rol de atribuies previstas no artigo constitucional 103-B, 4, que escapam ao enquadramento, obviamente, legislativo, uma vez que no pode inovar a ordem jurdica como autor de ato normativo, geral e abstrato, e, por submeter-se ao controle judicial, ainda que pelo STF, escapa da feio jurisdicional.36

    36 SAMPAIO, Jos Adrcio Leite. O Conselho Nacional de Justia e a indepen-dncia do Judicirio. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 263.

  • 49

    O eminente Jos Renato Nalini, em crnica publicada no jornal O Estado de S. Paulo, assim defi niu o CNJ: Ao atuar com seriedade, severidade e celeridade, o CNJ funciona como efi ciente alavanca tica para a magistratura e presta um servio Nao, que s a posteridade conseguir avaliar.37

    Mais cedo ou mais tarde, possvel qualquer magistrado envolver-se com o CNJ. Ultimamente, as partes inconformadas com as decises no apenas recorrem, mas entendem de denunciar ao CNJ, quase sempre alegando suposta parcialidade do juiz ou a prtica de notvel erro in iudicando.

    Essa uma viso negativa, que tem sido repelida com frequncia por aquele rgo, que no tem competncia para adentrar ao mrito das decises judiciais, mormente quando fruto da livre convico do juiz. Pode ocorrer e tem ocorrido que a deciso judicial seja to irrazovel e de duvidosa imparcialidade que aquele rgo v-se compelido a tomar uma medida forte e imediata de reparao dos interesses lesados da parte reclamante.

    Se o juiz denunciado diretamente ao CNJ, este rgo pode tomar duas atitudes ao receber tal denncia: ou a remete para a corregedoria local tomar as providncias reclamadas, ou desencadeia o Processo Administrativo Disciplinar diretamente, citando o reclamado para defender-se.

    Acontecendo a segunda hiptese, o juiz deve cuidar em produzir sua defesa em termos tcnicos e respeitosos. Uma pea de defesa no local para o juiz manifestar sua crtica ao Conselho, como muitas vezes

    37 NALINI, Jos Renato. CNJ, alavanca tica. O Estado de S. Paulo. So Paulo, 28 out. 2009. Espao Aberto.

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    temos visto. Sua resposta deve ser a mais objetiva possvel, mostrando os fatos e rebatendo a acusao que lhe foi feita. Em nada favorece defesa do juiz, por mais injusta que seja a acusao, o expressar-se em termos violentos e afrontosos que denotam falta de serenidade*.

    ____________

    * Est pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, nesta data (outubro/2011), a ADI n 4.638, proposta pela AMB para questionar a constitucionalidade da Resoluo n 135, do Conselho Nacional de Justia que dispe sobre a uniformazao de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicados aos magistrados.

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    6. INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL

    Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do mbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confi ana dos cidados na judicatura.

    Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignifi car a funo, cnscio de que o exerccio da atividade jurisdicional impe restries e exigncias pessoais distintas das acometidas aos cidados em geral.

    Art. 17. dever do magistrado recusar benefcios ou vantagens de ente pblico, de empresa privada ou de pessoa fsica que possam comprometer sua independncia funcional.

    Art. 18. Ao magistrado vedado usar, para fi ns privados, sem autorizao, os bens pblicos ou os meios disponibilizados para o exerccio de suas funes.

    Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessrias para evitar que possa surgir qualquer dvida razovel sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situao econmico-patrimonial.

    Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial:

    Art. 53 A integridade da conduta do juiz fora do estrito mbito da atividade jurisdicional contribui para uma fundamentada confi ana dos cidados na judicatura.

    Art. 54 O juiz ntegro no deve comportar-se de uma maneira que um observador razovel considere gravemente atentatria contra os

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    valores e sentimentos predominantes na sociedade na qual presta a sua funo.

    Art. 55 O juiz deve ser consciente de que o exerccio da funo jurisdicional implica exigncias que no regem para o restante dos cidados.

    Lei Orgnica da Magistratura Nacional:

    Art. 35. So deveres do magistrado:

    [...]

    VIII manter conduta irrepreensvel na vida pblica e particular.

    Princpios de Bangalore da Conduta Judicial:

    A integridade essencial para a apropriada desincumbncia dos deveres do ofcio judicial.

    3.1 Um juiz deve assegurar-se de que sua conduta esteja acima de reprimenda do ponto de vista de um observador sensato.

    3.2 O comportamento e a conduta de um juiz devem reafi rmar a f das pessoas na integridade do Judicirio. A justia no deve meramente ser feita, mas deve ser vista como tendo sido feita.

    COMENTRIOS: A integridade, aqui apontada, corresponde totalidade da conduta do juiz, ao conjunto de suas aes, seja na vida privada, seja no exerccio da atividade jurisdicional.

  • 53

    A autoridade moral do juiz assegurada pela exteriorizao dessa linha reta de idoneidade, to bem descrita por Daniel Herrendorf: El juez, para ser juez y seguir siendo juez, despliega una conducta judicial.

    No puede desplegar otra sin dejar de ser, ontlogicamente, juez [...]38

    A vida privada de um magistrado, a princpio, pode escapar da vigilncia do Poder Judicirio. Entretanto, difcil separar esses dois momentos da sua existncia. Por exemplo, numa comarca interiorana, todos observam a vida do juiz como autoridade maior da cidade. Se ele vive bbado, se protagoniza escndalos domsticos, se tem vida extraconjugal dissimulada ou ostensiva etc., tudo do conhecimento da comunidade. Nesse ponto, no h como falar-se de sua liberdade como cidado, de viver como entende e como lhe aprouver, pois o magistrado algum que, necessariamente, deve ter uma vida exemplar, sem ser preciso santifi car-se numa redoma.

    A conduta privada do juiz isenta de avaliao? Est fora das exigncias atinentes sua atividade? Evidente que no. Esse um fator que distingue o juiz de outro servidor pblico que, no fi m de semana, vai para o bar da esquina beber vontade, trajado do jeito que lhe aprouver, acompanhado de quem quer que seja. Se um juiz comportar-se dessa maneira na comarca, estar fatalmente vulgarizando sua autoridade, diminuindo o respeito que envolve o cargo.

    Se o juiz morar na comarca, essa exigncia de conduta atinge, inclusive, seus familiares. o preo que pagam pelo fato de ser a mulher, o marido e/ou o fi lho ou a fi lha do juiz. No se pode exigir de uma criana ou de um adolescente um comportamento exagerado de aluno de colgio interno de alguma congregao religiosa. Mas que haver de ter

    38 HERRENDORF, Daniel. El poder de los jueces. 2.ed. Buenos Aires: Abeledo--Perrot, 1994, p. 62.

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    limitaes, no h dvida.

    nesse sentido de totalidade que Mnica Sette Lopes descreve o juiz:

    A exposio de quem o juiz espalha-se pelos vrios campos em que se sedimenta a defi nio de direito: o juiz no ambiente pblico e na exibio de sua esfera privada; o juiz como condutor do processo em todas as etapas; ele como agente da oralidade no contato com as partes, com os advogados e com terceiros como a imprensa; ele como organizador gestor de servios pblicos; ele em todas as escolhas. Ele identifi ca-se como juiz em tudo o que faz e diz e em tudo o que no faz e no diz. Por conseguinte, a voz e o corpo por que se expressa ou com os quais se omite constituem a instituio a que se vincula e conformam a justia concreta do tempo e do espao em que ele se manifesta.39

    Com a juvenilizao da magistratura, muitos dogmas de comportamento foram relativizados, o que admissvel e razovel, retirando da imagem do juiz aquela gravidade que antigamente havia e era esperada pelo povo. Mas, por conta disso, o jovem magistrado deve ter o cuidado de no afrontar a comunidade com uma conduta incompatvel com sua funo. H um mnimo de postura que a honorabilidade do cargo exige de um juiz e que os comarcanos, principalmente em cidades pequenas, esperam dele.

    Antes da autoridade judicial que lhe nsita, o juiz precisa conquistar autoridade moral, e esta s se adquire com uma conduta altura do cargo. H uma passagem da encclica Pacem in terris, de Joo XXIII, que vale a pena transcrever aqui:

    A autoridade que se baseasse exclusiva ou principalmente na ameaa ou no temor de penas ou na promessa e solicitao de recompensa no moveria efi cazmente os seres humanos realizao do bem

    39 SETTE LOPES, Mnica. op. cit. p.106.

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    comum. Se por acaso o conseguisse, isso repugnaria dignidade de seres dotados de razo e de liberdade. A autoridade sobretudo uma fora moral. 40

    Por falar em papa, pertinente lembrar o fi lme Agonia e xtase. Nesse fi lme se extrai uma comovente lio de fora moral do pintor Michelangelo, em sua relao com o papa Jlio II.

    Ao ingressar na magistratura, o juiz j deve ter conscincia de que viver exclusivamente do seu subsdio. Todas as vantagens que eventualmente vierem (aulas, palestras etc.) estaro sob a previso legal. Se algum opta pela magistratura, pensando que vai fazer fortuna, est enganado. Para enricar, deve deixar o cargo e atirar-se iniciativa privada.

    Cnscio dessa limitao, no deve o juiz aceitar favores de particulares que excedam a razoabilidade tica. Por exemplo, passagens areas para viagens de turismo, facilidade na compra de imveis ou veculos etc. Ningum faz nada de graa a um juiz. Qualquer presente valioso um investimento para tentar auferir vantagem adiante. Dever favores e aceitar presentes compromete a imparcialidade e a independncia do magistrado.

    Jos Eduardo Sapateiro, ao falar sobre o perfi l do magistrado, traz esta contribuio vazada em termos bem claros: Se quisssemos defi nir, com dois ou trs conceitos, a essncia da postura pessoal e profi ssional de algum que exerce a judicatura, teramos de chamar, necessariamente, colao trs caractersticas pessoais e profi ssionais: honestidade, humildade e humanidade, ou seja, uma vida honrada e sria, em que a palavra, como a cara, s uma. 41

    40 JOO XXIII. Pacem in Terris. In: Encclicas e documentos sociais. v. 2. So Paulo: LTr, 1993, p. 30. 41 RANGEL, Rui (Coord.). Ser juiz hoje. Coimbra: Almedina, 2008, p. 25.

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    7. DILIGNCIA E DEDICAO

    Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a mxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razovel, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatria ou atentatria boa-f processual.

    Art. 21. O magistrado no deve assumir encargos ou contrair obrigaes que perturbem ou impeam o cumprimento apropriado de suas funes especfi cas, ressalvadas as acumulaes permitidas constitucionalmente.

    1 O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituio Federal, o exerccio da judicatura com o magistrio deve sempre priorizar a atividade judicial, dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicao.

    2 O magistrado, no exerccio do magistrio, deve observar conduta adequada sua condio de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alunos e da sociedade, o magistrio e a magistratura so indissociveis, e faltas ticas na rea do ensino refl etiro necessariamente no respeito funo judicial.

    Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial:

    Art. 73 A exigncia de diligncia est encaminhada para evitar a injustia que comporta uma deciso tardia.

    Art. 74 O juiz deve procurar que os processos sob a sua responsabilidade tenham uma resoluo num prazo razovel.

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    Art. 75 O juiz deve evitar ou, em todo o caso, sancionar as atividades dilatrias ou doutro modo contrrias boa-f processual das partes.

    Art. 76 O juiz deve procurar que os atos processuais sejam celebrados com a mxima pontualidade.

    Art. 77 O juiz no deve contrair obrigaes que perturbem ou impeam o cumprimento apropriado das suas funes especfi cas.

    Art. 78 O juiz deve ter uma atitude positiva em relao aos sistemas de avaliao do seu desempenho.

    Lei Orgnica da Magistratura Nacional:

    Art. 35. So deveres do magistrado:

    [...]

    II No exceder injustifi cadamente os prazos para sentenciar ou despachar;

    III determinar as providncias necessrias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;

    [...]

    VI comparecer pontualmente hora de iniciar-se o expediente ou a sesso, e no se ausentar injustifi cadamente antes de seu trmino.

    COMENTRIOS: O artigo 20 alude a prazo razovel para concluso dos processos. Essa exigncia de prazo razovel, que uma projeo dos princpios do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana,

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    comeou a ser prevista em vrios tratados internacionais, inclusive a Conveno Americana de Direitos Humanos, que assim prescreve:

    8.1 Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razovel, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apurao de qualquer acusao penal formulada contra ela, ou para que se determine seus direitos ou obrigaes de natureza civil, trabalhista, fi scal ou de qualquer outra natureza.

    Em nosso ordenamento jurdico, tal exigncia foi inserida na Constituio Federal de 1988 pela Emenda n 45/2004, passando, ento, a dispor: A todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao (art. 5, LXXVIII).

    A partir de ento, o direito a ter seu processo concludo em prazo razovel passou categoria de garantia constitucional, com repercusso imediata no processo penal, com a exigncia de que os processos criminais, principalmente com rus presos, tenham a mais rpida durao possvel.

    Ao abordar esse tema, a doutrina assim esclarece:

    A EC n. 45/2004 introduziu norma que assegura a razovel durao do processo judicial e administrativamente (art.5, LXXVIII). Positiva-se, assim, no direito constitucional, orientao h muito perfi lhada nas convenes internacionais sobre direitos humanos e que alguns autores j consideravam implcita na ideia de proteo judicial efetiva, no princpio do Estado de Direito e no prprio postulado da dignidade da pessoa humana.42

    Esse um ponto de suma importncia para os juzes permanecerem

    42 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 485.

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    atentos e cuidarem em atender os direitos dos rus presos, muitas vezes esquecidos nas cadeias ftidas e insalubres espera de que o seu processo seja levado mesa do juiz, quando ele no se perde nas prateleiras dos cartrios. A durao prolongada e injustifi cada da priso cautelar de qualquer cidado abusiva e ofende o princpio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1, III).

    Um processo deve ser conduzido com rigor e pontualidade, em ateno expectativa das partes e ansiedade que provoca toda lide. Soma-se a esses dados o direito que o cidado tem de ver sua causa resolvida em prazo razovel.

    Para bem dirigir o processo, o juiz precisa ter conhecimento, dominar as peculiaridades de cada procedimento e fi car atento s peties que se vo acumulando nos autos. um ato de gerenciamento, tendo-se em conta de que o processo dividido em fases que requerem atos de ordenao e deciso.

    Sem a segurana na conduo do processo, o juiz acaba aderindo aos meios protelatrios sugeridos pelos advogados, tendo como consequncia a procrastinao do feito.

    O saneamento do processo, como sabido, feito desde o despacho inicial e projeta-se em todo o seu curso. As partes precisam sentir que o processo est sendo dirigido por algum que sabe seu rumo. Isso evita a balbrdia de peties avulsas. Pior, ainda, quando essas peties so simplesmente juntadas, sem qualquer resposta judicial.

    Sobre essa gesto do processo, diz Roberto Dromi: La pasividad judicial contribuye a la larga duracin de los juicios y a la multiplicacin de las incidencias procesales. La falta de la direccin activa del proceso por

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    parte del juzgador hace que los pleitos se prolonguen excesivamente. 43

    O magistrado vocacionado no pode colocar o exerccio da magistratura em segundo lugar, nas suas atividades pessoais. Neste ngulo, entende-se os empreendimentos particulares, culturais, domsticos e de magistrio.

    O tema, aqui abordado, deve merecer a ateno das corregedorias. H, inclusive, magistrados que mantm atividades comerciais (em nome da esposa) na prpria comarca, o que afronta a tica e sua prpria imparcialidade.

    Quanto ao magistrio, a Constituio Federal tratou desse tema, nos seguintes termos:

    Art. 95 [...]Pargrafo nico. Aos juzes vedado:I exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou funo, salvo uma de magistrio.

    O que contraria a obrigao do juiz em permanecer na comarca o fato de alguns juzes fi rmarem contratos para ensinarem em cursos superiores na capital, sempre s segundas e/ou sextas-feiras.

    O acmulo da funo judicial com o magistrio j foi objeto da Resoluo n 34, do CNJ, que fi xou as orientaes a seguir:

    43 DROMI, Roberto. op cit. p. 197.

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    7.1 Conselho Nacional de Justia

    RESOLUO N 34, de 24 de abril de 2007.

    Dispe sobre o exerccio de atividades do magistrio pelos integrantes da magistratura nacional.

    A Presidente do Conselho Nacional de Justia, no exerccio da competncia que lhe confere o inciso I do 4 do art. 103-B da Constituio Federal, e

    CONSIDERANDO que, nos termos do disposto no art. 103-B, 4, I, da Constituio Federal, compete ao Conselho zelar pela autonomia do Poder Judicirio e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no mbito de sua competncia, ou recomendar providncias;

    CONSIDERANDO a regra constitucional inscrita no inciso I do pargrafo nico do art. 95 da Constituio Federal, que permite ao magistrado o exerccio do magistrio;

    CONSIDERANDO a convenincia e oportunidade de uniformizao da matria no mbito do Poder Judicirio brasileiro, sobretudo em face do que dispem os artigos 35, VI, e 36, II, e o 1 do art. 26, todos da Lei Complementar n. 35/79 (Loman);

    CONSIDERANDO, ainda, a deciso proferida, em sede cautelar, pelo Excelso Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 3126-1/DF;

    CONSIDERANDO, por fi m, a deciso proferida pelo Plenrio deste Conselho Nacional de Justia nos autos do Pedido de Providncias n. 814,

    RESOLVE:

    Art. 1 Aos magistrados da Unio e dos Estados vedado o exerccio, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou funo, salvo o magistrio.

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    Pargrafo nico. O exerccio da docncia por magistrados, na forma estabelecida nesta Resoluo, pressupe compatibilidade entre os horrios fi xados para o expediente forense e para a atividade acadmica, o que dever ser comprovado perante o Tribunal.

    Art. 2 O exerccio de cargos ou funes de coordenao acadmica, como tais considerados aqueles que envolvam atividades estritamente ligadas ao planejamento e/ou assessoramento pedaggico, ser admitido se atendidos os requisitos previstos no artigo anterior.

    1 vedado o desempenho de cargo ou funo administrativa ou tcnica em estabelecimento de ensino.

    2 O exerccio da docncia em escolas da magistratura poder gerar direito gratifi cao por hora-aula, na forma da lei.

    3 No se incluem na vedao referida no 1 deste artigo as funes exercidas em curso ou escola de aperfeioamento dos prprios tribunais, de associaes de classe ou de fundaes estatutariamente vinculadas a esses rgos e entidades.

    Art. 3 O exerccio de qualquer atividade docente dever ser comunicado formalmente pelo magistrado ao rgo competente do Tribunal, com a indicao do nome da instituio de ensino, da(s) disciplina(s) e dos horrios das aulas que sero ministradas.

    1 No prazo mximo de 90 (noventa) dias, contados da data da publicao desta Resoluo, os tribunais devero expedir ofcios a seus magistrados, para que informem acerca do exerccio de cargo ou funo de magistrio e respectivos horrios.

    2 Verifi cada a presena de prejuzo para a prestao jurisdicional em razo do exerccio de atividades docentes, o Tribunal, por seu rgo competente, determinar ao magistrado que adote, de imediato, as medidas necessrias para regularizar a situao, sob pena de instaurao do procedimento administrativo disciplinar cabvel, procedendo a devida comunicao em 24 horas.

    3 Verifi cado o exerccio de cargo ou funo de magistrio em desconformidade com a presente Resoluo, e excluda a hiptese do pargrafo anterior, o Tribunal, por seu rgo competente,

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    ouvido o magistrado, fi xar prazo para as adequaes devidas, observado o prazo mximo de 06 (seis) meses.

    Art. 4 A presente resoluo aplica-se inclusive s atividades docentes desempenhadas por magistrados em cursos preparatrios para ingresso em carreiras pblicas e em cursos de ps-graduao.

    Art. 5 Os Tribunais devero informar ao Conselho Nacional de Justia, ao incio de cada ano judicirio, a relao nominal de magistrados que exercem a docncia, com a indicao da instituio de ensino, da(s) disciplina(s) e dos horrios das aulas que sero ministradas e as respectivas cargas horrias, sem prejuzo de outras informaes.

    Art. 6 A presente Resoluo entrar em vigor na data de sua publicao.

    Ministra Ellen GraciePresidente

    Outra particularidade sempre presente, como o caso do autor desta obra, a convivncia do magistrado com a literatura. O magistrado escritor pode perfeitamente dedicar-se s produes literrias e outras atividades, sem ofender a regularidade do exerccio da magistratura.

    Quanto a doutrinadores, temos vrios exemplos de juzes que so autores de obras consagradas, sem prejuzo para o desempenho de suas atribuies.

    Com mais frequncia, temos a fi gura do juiz conferencista, que se desloca continuamente por todo o pas, proferindo palestras. Trata-se de um caso que o tribunal a que est sujeito o magistrado deve tratar com estmulo e simpatia, pois geralmente se trata de caso em que a atividade do magistrado presta relevante servio magistratura, contribuindo com seu aprimoramento e elevao.

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    Ainda a respeito da dedicao, cabe lembrar aqui o caso de um juiz argentino destitudo do cargo por mau desempenho de suas funes, em virtude de ter agido com ociosidade e preguia, fato que foi objeto de notcia em todos os veculos de comunicao.

    Segundo notcia colhida na internet, ele estudava Psicologia, numa universidade particular, no horrio de trabalho. Era titular de uma vara de execues penais, em Buenos Aires, e, nessa condio, causou muitos prejuzos aos presos pela negligncia e porque irritava-se com o fato de ter que despachar os processos.44

    44 http://ol impiadas.orangotoe.com.br/canal/dire i to-e- just ia/news/124738/. Colhido em 13.3.2009.

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    8. CORTESIA

    Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministrio Pblico, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administrao da Justia.

    Pargrafo nico. Impe-se ao magistrado a utilizao de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensvel.

    Art. 23. A atividade disciplinar, de correio e de fi scalizao sero exercidas sem infringncia ao devido respeito e considerao pelos correicionados.

    Cdigo Ibero-Americano de tica Judicial:

    Art. 48 Os deveres de cortesia tm o seu fundamento na moral, e o seu cumprimento contribui para um melhor funcionamento da administrao de justia.

    Art. 49 A cortesia a forma de exteriorizar o respeito e considerao que os juzes devem a seus colegas, bem como aos advogados, testemunhas, partes e, de modo em geral, a todos os que se relacionam com a administrao de justia.

    Art. 50 O juiz deve dar as explicaes e esclarecimentos que lhe forem solicitados, desde que sejam procedentes e oportunos e no impliquem a violao a alguma norma jurdica.

    Art. 51 No mbito do seu tribunal, o juiz deve relacionar-se com os funcionrios, auxiliares e empregados, sem incorrer ou aparentar

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    faz-lo em favoritismo ou qualquer tipo de conduta arbitrria.

    Art. 52 O juiz deve mostrar uma atitude tolerante e respeitosa s crticas dirigidas s suas decises e comportamentos.

    Lei Orgnica da Magistratura Nacional:

    Art. 35 So deveres do magistrado:

    IV tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministrio Pblico, os advogados, as testemunhas, os funcionrios e auxiliares da Justia, e atender os que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providncia que reclame e possibilite a soluo de urgncia.

    COMENTRIOS: Cortesia demonstrao de respeito e tolerncia. reconhecer a importncia do prximo como pessoa humana, sujeito de direito e deveres.

    A primeira manifestao de cortesia de um magistrado deve ser para com seus colegas de toga. Tratando-os com fraternidade e respeito.

    Em uma de suas cartas a um jovem juiz, o ministro Asfor Rocha trata das relaes do magistrado com seus colegas, chamando ateno para este ponto:

    Porm, a nota essencial do relacionamento entre os magistrados h de ser a da cordialidade no trato, do respeito s divergncias de percepo jurdica e da lealdade, mesmo quando tenham de competir entre si na escolha para o mesmo cargo o de diretor do foro, por exemplo ou na eleio para o cargo de desembargador ou de ministro.45

    45 ROCHA, Csar Asfor. Cartas a um jovem juiz: cada processo hospeda uma vida. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 90.

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    A ateno que a parte procura do juiz a de uma pessoa fragilizada em busca de uma palavra de segurana. Nas varas de famlia, essa expectativa maior, pela angstia que toma conta da pessoa envolvida num litgio familiar. Neste contato comea a postura da tica do cuidado, da jurisdio do cuidado.

    dever do juiz receber com urbanidade e ateno as partes e seus advogados, sem prejuzo do desempenho de suas atividades. Outra prtica considerada nociva a fi xao de apenas um dia na semana para ouvir as partes, como se os problemas urgentes pudessem esperar at a disponibilidade do magistrado. Essa atitude formalista no contribui para elevar o conceito da Justia. Se o juiz souber administrar seu tempo, despido da postura exagerada de autoridade, sempre conseguir um momento para ouvir os clamores daqueles que o procuram.

    O magistrado tem o dever de receber as partes e seus advogados. Nas comarcas do interior, onde as partes so conhecidas e o acesso ao juiz mais fcil, talvez por orientao dos advogados, a parte sempre procura falar com o juiz e contar-lhe seu caso, os detalhes das questes e fazer o inevitvel pedido para que o juiz olhe com carinho para seu processo, sua causa.

    Para bem analisar esse captulo, trataremos das diversas situaes, em separado.

    8.1 O Juiz e o Ministrio Pblico

    O Ministrio Pblico atua no processo como parte ou como fi scal da lei (custos legis). A CF/88 considera o Ministrio Pblico como instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos

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    interesses sociais e individuais indisponveis (art.127).

    O relacionamento do juiz com o Ministrio Pblico deve ser marcado pela cordialidade e pelo respeito mtuo. Ambos devem respeitar os entendimentos de cada um, no processo ou fora dele.

    A atuao do Ministrio Pblico, por ser mais desembaraada, no deve incomodar o juiz. Cada um tem uma funo defi nida e, portanto, no h motivo para confl itos.

    O manejo de recursos pelo rgo ministerial deve ser acatado com naturalidade pelo juiz, sabedor de que o exerccio efetivo do fi scal da lei zelar pela sua melhor aplicao.

    O desencadeamento de confl itos entre o representante do Ministrio Pblico e o magistrado acarreta srios prejuzos aos jurisdicionados, pois retarda a marcha processual e compromete a imagem de serenidade que a justia deve ostentar.

    Assim como o promotor de justia no deve ser impertinente quanto s suas posies, o juiz no deve demonstrar prepotncia ao indeferir as diligncias requeridas por aquele rgo. O trabalho de ambos deve seguir o ritmo que a tcnica processual recomenda. O que no se admite o magistrado inseguro fi car dependente do parecer ministerial, at em casos dispensveis, para decidir um pedido.

    Essas duas fi guras imprescindveis para a aplicao da lei devem seguir juntas, cada uma desempenhando sua funo, pugnando pelo acesso justia como direito de cada cidado.

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    8.2 O Juiz e os Advogados

    O advogado tambm tem seu Cdigo de tica, em cujo artigo 2 est dito: O advogado, indispensvel administrao da Justia, defensor do estado democrtico de direito, da cidadania, da moralidade pblica, da Justia e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministrio Privado elevada funo pblica que exerce.

    Entre o juiz, o advogado e o Ministrio Pblico deve instalar-se uma harmonia de atuao, em que, respeitadas suas respectivas autonomias, todos se empenhem em benefcio da melhor aplicao da justia.

    Sempre que se fala em relacionamento do juiz com os advogados vem tona a autoridade de Calamandrei e sua famosa obra Eles, os juzes, vistos por ns, os advogados. Para no fugir a essa tradio, elege-se daquele catecismo esta advertncia do mestre italiano: O juiz que falta ao respeito devido ao advogado, ignora que a beca e a toga obedecem lei dos lquidos em vasos