comentarios ao código processo civil tomo15

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COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL TOMO XV (Arts. 1.046-1.102) CAPÍTULO X Dos embargos de terceiro 1)Terceiro e embargos de terceiro 2)Elemento preponderante da ação de embargos de terceiro 3)Outras ações que tocam ao terceiro 4)Embargos de terceiro, oposição de terceiro e recurso deterceiro 5)Pendência de ação executiva Art. 1.046 e §§ jO, 2.0 e 3O e art. 1.047 1)Mandamentalidade dos embargos de terceiro 2)Legitimação ativa do terceiro 3)Ato processual contra o qual se embarga 4)Embargos de terceiro contra atos de jurisdição voluntária 5)Divergência entre a decisão na ação e a decisão dos embargos de terceiro 6)Posse ou direito 7)Ação de embargos e remédio jurídico possessório 8)Créditos ainda não vencidos e execução embargável 9)Legitimação processual passiva 10)Embargos de terceiro e ação possessória 11)Comunhão “pro indiviso” e embargos de terceiro 12)Ações incluídas nos embargos de terceiro 13)Litigiosidade de coisa e embargos de terceiro 14)Terceiro, credor do executado 15)Interesse e motivação 16)Embargos de terceiro e seqüestro 17)Cônjuge 18)Ações de divisão e demarcação e outras ações 19)Credor com garantia real Arts. 1.048 e 1.0498 1)Tempo em que se opõem os embargos de terceiro 2)Distribuição dos embargos de terceiro 3)Competência 4)Processo em autos distintos e reunião dos autos

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COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL TOMO XV

(Arts. 1.046-1.102)

CAPÍTULO X Dos embargos de terceiro 1)Terceiro e embargos de terceiro 2)Elemento preponderante da ação de embargos de terceiro 3)Outras ações que tocam ao terceiro 4)Embargos de terceiro, oposição de terceiro e recurso deterceiro 5)Pendência de ação executiva Art. 1.046 e §§ j•O, 2.0 e 3•O e art. 1.047 1)Mandamentalidade dos embargos de terceiro 2)Legitimação ativa do terceiro 3)Ato processual contra o qual se embarga 4)Embargos de terceiro contra atos de jurisdição voluntária 5)Divergência entre a decisão na ação e a decisão dos embargos de terceiro 6)Posse ou direito 7)Ação de embargos e remédio jurídico possessório 8)Créditos ainda não vencidos e execução embargável 9)Legitimação processual passiva 10)Embargos de terceiro e ação possessória 11)Comunhão “pro indiviso” e embargos de terceiro 12)Ações incluídas nos embargos de terceiro 13)Litigiosidade de coisa e embargos de terceiro 14)Terceiro, credor do executado 15)Interesse e motivação 16)Embargos de terceiro e seqüestro 17)Cônjuge 18)Ações de divisão e demarcação e outras ações 19)Credor com garantia real Arts. 1.048 e 1.0498 1)Tempo em que se opõem os embargos de terceiro 2)Distribuição dos embargos de terceiro 3)Competência 4)Processo em autos distintos e reunião dos autos

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Art. 1.050 e §§ 1.0 e 2.0 e art. 1.051 1)Petição inicial 2)Recebimento ou desprezo “in limine” 3)Mandado de entrega, dito mandado de manutenção ou de substituição 4)Provas na primeira fase do processo 5)Posse imediata 6)Recurso 7)Restituição de bens e frutos Art. 1.052 1)Suspensão do proceSso 2)Bens não embargados 3)Efeito de suspensão da execução 4)Suspensão parcial e não-suspensão 5)Nulidades do processo principal 6)Partes na ação e embargante 7)Alienação de bem em fraude 8)Prazo e oposição a qualquer tempo 9)Suspensão do procedimento e decisão do juiz 10)Recurso, pendente, de terceiro e oposição de embargos de terceiro 11)Sentença trânsita em julgado Arts. 1.053 e 1.054 1)Contestação dos embargos de terceiro 2)Natureza da sentença nos embargos de terceiro 3)Elemento declarativo da sentença 4)Intervenção nos embargos de terceiro pelo réu da ação principal 5)Conteúdo da ação de embargos de terceiro 6)Recurso 7)Foro do juízo constritor 8)Credor com garantia real 9)Devedor comum e insolvente 10)Nulidade ou inatingimento do crédito 11)inatingibilidade do bem CAPITULO XI Da habilitação 1)Conceito e processo de habilitação acidental 2)Ações de herança e habilitação acidental 3)Habilitação autoral e habilitação defensiva Art. 1.055 1)Habilitação, relação jurídica processual e promovente .... 2)Habilitação ativa e habilitação passiva 3)Legitimação processual ativa Art. 1.056 1)Legitimação ativa 2)Angularização 3)Legitimação da parte 4)Legitimação dos sucessores

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Art. 1.057 e parágrafo úniCO 1)Petição 2)Citação 3)Herdeiros incertos 4)Fazenda Pública 5)Parte com procurador constituído na causa Art. 1.058 1)Prazo para a contestação 2)Coisa julgada material e decisão em matéria de habilitação 3)Habilitação acidental e coisa julgada 4)Com a contestação ou sem ela 5)Recurso Art. 1.059 1)Habilitação em tribunal 2)Pedido ao juiz relator 3)Falecimento da parte antes da remessa do recurso Art. 1.060 1)Conteúdo e exemplificatividade da regra jurídica 2)Habilitação acidental do cônjuge 3)Coisa julgada material de alguma sentença 4)Herdeiro incluído sem qualquer oposição no inventário 5)Declaração de ausência e arrecadação da herança 6)Pressupostos do reconhecimento 7)Réu revel e herdeiro que ainda não aceitou a herança 8)Dissolução e liquidação das sociedades Art. 1.061 1)Adquirente e cessionário 2)Sub-rogado 3)Interesse no prosseguimento e interesse na inserção na relação jurídica processual 4)Alusão pelo juiz Ãrt. 1.062 1)Natureza da sentença de habilitação 2)Retomada do curso 3)Suspensão do procedimento e não-suspensão CAPÍTULO XII Da restauração de autos 1)Autos e restaurabilidade 2)Autos extraviados ou destruídos 3)Ação de restauração de autos Art. 1 .063 e parágrafo único 1)Desaparição verificada 2)Autos suplementares

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3)Aparição dos autos antigos Art. 1.064 e art. 1.065 e §§ 1.0 e 2.0 1)Petição inicial 2)Elementos documentais 3)Cópia dos requerimentos feitos ao juiz 4)Documentos úteis à restauração 5)“Status causae” 6)Citação 7)Concordância da outra parte 8)Negação pela outra parte 9)Contestação parcial, efeito da negação Art. 1.066 e II 1.0, 2.0, 3~0, 4~0 e 5~O 1)Reprodução de provas 2)Depoentes e morte ou incapacidade superveniente de quem depôs 3)Laudo pericial 4)Outros meios de prova 5)Depoimentos dos que serviram no processo 6)Cópia da sentença 7)Espécies em que tinha havido recurso Art. 1.067 e II 1.0 e 29 .1) Natureza da sentença e recurso 2)‘Prosseguimento do processo . . 3)Aparição dos autos originais 4)Desaparição dos autos do recurso 5)Autos suplementares e aparição dos• autos originais 6)Livros de tabeliães , oficiais de registro, escrivães e outros Art. 1.068 e §1 1.0 e 2.0 1)Competência judicial se os autos se achavam em superior instância 2)Funções distintas dos juizes 3)Nulidade não-cominada 4)Atos realizados e restauração no juízo em que ocorreram Art. 1.069 1)Responsabilidade pelo extravio ou destruição 2)Litigante de má-fé 3)Abuso do• direito processual CAPÍTULO XIII Das vendas a crédito com reserva de domínio “Pactum reservati dominil” Técnica legislativa Construção jurídica do “pactum reservati dominhl” Transmissão da propriedade em segurança e venda com domínio reservado Prévio exame dos arts. 1.070 e 1.071 Art. 1.070 e §§ 1.0 e 2.0 Vendas a crédito com reserva de dominio Pluralidade de pretensões Ação que competir ao titulo de crédito Penhora da posse da coisa vendida Alternativa de cobrar ou excutir e reaver a posse Execução Direito expectativo e penhora

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Pedido .da venda Leilão; remição e adjudicação Sub-rogação da penhora Leilão somente do direito expectativo Art. 1.071 e §1 1.0, 2.0, 3•0 e 4~0 1)Regras jurídicas especiais 2)Mora do devedor, apreensão e depósito judicial da coisa vendida com reserva de domínio 3)Outras infrações do contrato 4)Prova da mora e protesto 5)Restituição da posse 6)Vistoria e arbitramento 7)Defesa e reconvenção 8)Prazo legal 9)Se o réu contesta e se o réu não contesta 10)Réu que não contestou, mas requereu dação do prazo; réu que não contestou nem requereu dação do prazo 11)Conceitos empregados 12)Restituição do saldo 13)Resilição e processo ordinario 14)Falência do devedor ou concurso civil de credores CAPITULO XII Do juízo arbitral Arbitragem e compromisso para a arbitragem Eficácia do compromisso Conceito de compromisso Direito grego Direito romano Direito moderno Exceção de compromisso e eficácia do compromisso Fatos supervenientes ao compromisso Incidência e aplicação da lei, arbitragem e cognição Compromisso e direito material Referência a árbitros e pluralidade de árbitros Dois negócios jurídicos distintos: o compromisso e o contrato arbitral Necessariedade e voluntariedade do compromisso Judicialidade e extrajudicialidade Compromissos exteriores e compromissos interiores Cláusula compromissória Dívidas fiscais Incomprometibilidade e ineficácia Cláusula penal pressupostos do compromisso Pressupostos especiais do negócio jurídico Cláusulas não essenciais Determinação do que se há de decidir Âmbito da questão Nomeação dos árbitros no compromisso Nomeação protraida Forma do compromisso, direito material e direito processual Negócio jurídico do compromisso Extinção do compromisso

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Decretação de nulidade do compromisso Limites do julgamento Nomeação dos árbitros Recurso em arbitragem, distinções preliminares Homologação Compromisso e vontade dos cornpromitentes Nulidade e anulabilidade Perda de objeto Atos processados no juízo arbitral Pacto “de compromittendo” Seção 1 Do compromisso Art. 1.072 1)Conceito de juízo arbitral 2)Compromisso, negócio jurídico de direito material 3)Arbitro e arbitrador 4)Arbitramento e arbitragem 5)Número de árbitros, desempatador e sobreárbitro 6)Negócio jurídico entre os compromitentes e o árbitro 7)Dever de decidir 8)Falta do desempatador 9)Legitimação ativa no compromisso 10)Transigibilidade quanto ao direito . Art. 1.073 1)Espécies de compromisso 2)Escrito público ou particular Art. 1.074 1)Pressupostos contenutisticos do compromisso 2)Profissão e domicilio do figurante 3)Profissão e domicílio dos árbitros 4)Objeto do litígio 5)Valor da causa 6)Honorários dos peritos e despesas processuais Art. 1.075 1)Prazo para o laudo arbitral 2)Recorribilidade e irrecorribiidade 3)Recurso interposto contra a cláusula “sem recurso” 4)Julgamento por eqúidade Art. 1.076 1)Nomeação de árbitros 2)Autorização aos árbitros Art. 1.077 1)Extinção do compromisso 2)Escusa de árbitro, sem haver substituto 3)Falecimento e impossibilidade da função do árbitro 4)Expiração do prazo para o laudo arbitral

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5)Falecimento da parte e herdeiro incapaz 6)Divergência dos árbitros quanto a nomeação do terceiro SEÇÃO II Dos árbitros Art. 1.078 1)Função do árbitro 2)Cláusula de recurso Art. 1.079 e parágrafo único 1)Natureza da incapacidade para ser árbitro 2)Incapacidade absoluta e incapacidade relativa 3)Analfabetos 4)Impedidos e suspeitos 5)Nacionalidade do árbitro 6)Exceção de incompetência, impedimento ou suspeição para ser árbitro 7)Argüição de suspeição 8)Língua portuguesa Art. 1.080 1) Invitação dos árbitros 2)“Receptum” 3)presunção da recusa Art. 1.081 1)Prazo para o laudo arbitral 2)Prorrogação do prazo 3)Convenção das partes e força maior Art. 1.082 1)Responsabilidade dos árbitros 2)Motivo justificado Art. 1.083 1)Lacunas da legislação processual sobre juízo arbitral .... 2)Espécies mais relevantes 3)Confissão perante o juízo arbitral 4)“Declaração” da decisão arbitral Art. 1.084 1)Despesas 2)Honorários dos árbitros Seção III Do procedimento 1)Compromisso e juízo arbitral 2)Procedimento

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Art. 1.085 e §§ 1.0 e 2.0 1)Instituição do juízo arbitral 2)Arbitro único e pluralidade de árbitros 3)Presidente do juízo arbitral 4)Desestatalização da função e do órgão Arts. 1.086 e 1.087 1)Depoimento pessoal das partes e audiências de testemunhas 2)Prova pericial 3)Medidas coercitivas e medidas cautelares 40Coerções e cautelaridades necessárias Art. 1.088 Art. 1.089 1)Pleito perante o juízo arbitral 2)Compromisso na pendência da lide, autos do processo 3)Decisão judicial e compromisso ou juízo arbitral 4)Lide pendente e celebração de compromisso Art. 1.090 1)Restituição dos autos 2)Extinção do compromisso Arts. 1.091 e 1.092 1)Relação jurídica e arbitragem. 2)Decisão arbitral 3)Procedimento arbitral estabelecido pelos compromitentes 4)Prazos, alegações e documentos 5)Audiência de julgamento 6)Necessidade de produção de provas Art. 1.093 e §§ 1.~ e 2.0 e art. 1094 e parágrafo único 1)Prazo para se proferir o laudo arbitral 2)Julgamento 3)Empate 4)Direitos intransacionáveis 5)Suspensão do procedimento arbitral Art. 1.095 1)Indicação das partes, compromisso e objeto do litígio 2)Fundamentos da decisão 3)Conclusão (“dispositivo”) 4)Assinatura, dia, mês, ano e lugar em que foi assinado o laudo arbitral Art. 1.096 1)Julgamento e publicação 2)Competência do juizo a que se tem de remeter ou autos

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Art. 1.097 1)Força e eficácia sentencial 2)Juiz estatal que é arbitral :3) Cumprimento do laudo antes da homologação 4)Laudo arbitral condenatório Seção IV Da homologação do laudo 1)Ação de homologação do laudo arbitral Arts. 1.098 e 1.099 1)Critério para apreciar a competência 2)Pluralidade de juizes competentes 3)Audiência das partes 4)Prazo para o juiz Art. 1.100 1)Regras jurídicas sobre nulidade e ineficácia do laudo arbitral 2)Irivalidade do compromisso 3)Delimitação dos pedidos 4)Objeto do litígio 5)Julgamento que não atinge toda a controvérsia submetida ao juízo arbitral 6)Incapacidade, impedimento e suspeição para ser árbitro 7)Nomeação infringente das regras legais ou das cláusulas negociais 8)Julgamento por equidade 9)Requisitos essenciais do laudo arbitral 10)Prazo para proferimento da decisão arbitral 11)Nulidades correspondentes as nulidades e às rescindibilidades das sentenças 12)Nulidades processuais 13)Incompetência de juro 14)Compromisso nulo e compromisso ineficaz 15)Ineficacização do laudo arbitral 16)Irrenunciabilidade Art. 1.101 e parágrafo único e art. 1.102 1)Apelabilidade 2)Novo julgamento da causa pelo juízo 3)Recorribilidade quanto ao ato homologatório ou denegatório 4)Provimento e apelação quanto à sentença dahomo1ogação ou denegatória 5)Laudo arbitral e eficácia SISTEMÁTICA DO LIVRO IV, TITULO 1 (Jurisdição contenciosa) Ação de consignação em pagamento Ação de depósito Ações quanto aos títulos ao portador Ações de prestações de contas Ações possessórias de reintegração e de manutenção: interdita possessório

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Ação de nunciação de obra nova Ação de usucapião Ações de partilha e ações de divisão A) Discussão da natureza das ações de partilha e de divisão B)Partilhas amigáveis. IX.Ação de demarcação X.Ação de embargos de terceiros XI.Ação de habilitação. XII.Ação de restauração de autores XIII.Ações relativas à reserva de domínio XIV. Juízo arbitral XV.Ações relativas à herança A)Ações de nomeação e de investidura B)Ação de Impugnação e de remoção de Inventariante C) Ação de sonegados D)Ações quanto às dividas passivas CAPITULO X DOS EMBARGOS DE TERCEIRO CAPÍTULO X DOS EMBARGOS DE TERCEIRO 1)-5) 1)TERCEIRO E EMBARGOS DE TERCEIRO. O terceiro pode invadir, ou atacar, ou contrariar eficácia de relação jurídica processual, estabelecida entre o autor (primus) e o Estado (secundus), ou entre o Estado (primus) e o réu (secundus):ou (a) para afirmar que lhe pertence a coisa ou direito sobre que versa a demanda, portanto que tem sobre a coisa pretensão incompatível com a suposta pretensão do autor e com a do réu; ou (b) para afirmar que é o legitimado ativo (o autor) ou o legitimado passivo (o réu) na relação, ou um~ dos legitimados; ou (c) para excluir a coisa que foi submetida a constrição estatal, em virtude do estabelecimento de alguma relação jurídica processual em que ele não é parte. A espécie (a) dá-nos a intervenção principal, sendo a ação e a “oposição” julgadas na mesma sentença, a despeito da pluralidade de relações jurídicas processuais. A espécie (b) compõe a inserção subjetiva (e. g., chamado ou nomeado à autoria) e a intervenção adesiva. Enquanto a espécie (a) contém ação declarativa contra o autor e, provavelmente, condenatória contra o réu da ação primitiva, a espécie (e) é ação mandamental (negativa), porque o seu conteúdo é a cessação da “eficácia” do mandado de penhora, de arresto, de seqüestro, de venda judicial, de arrecadação, de partilha, ou de outro ato de constrição judicial. Tal ação tem hoje, no Brasil, corno veremos, a maior amplitude. A diferença material entre os embargos de terceiro, que são a espécie (c), e a oposição, que pertence à espécie (a), está em que, na oposição, há ação em ângulo contra ato das duas partes (feitas réus), ou de uma, a respeito da coisa ou do direito; nos embargos de terceiro, a ação é contra o ato do Estado, e não contra o ato da parte, a favor de quem se concedeu o mandado de penhora, depósito, arresto, seqüestro, venda judicial, arrecadação, partilha, ou outro ato de constrição judicial. Em quase todos os casos, os embargos de terceiros, senhores e possuidores, ou só possuidores, dos bens constritos, levam consigo a discussão do título do autor na medida preventiva, ou satisfativa, e a sentença, por seu alto valor declarativo, tem força de coisa julgada. A incidentalidade dos embargos de terceiro não é só formal; a pretensão do terceiro embargante exerce-se naquele momento, por que foi levado a defender o seu bem. O ato do Estado é que faz esizontar a ação. Por isso mesmo, a ação de embargos de terceiro pertence àquela classe de ações que, ferindo-se o direito material, nascem no direito processual: foi ato processual que feriu a pretensão do terceiro. Esse ato é judicial, relativo a constrição estatal. Não seria admissível contra o simples suprimento judicial de consentimento de alguém i~ara a venda de bens, se essa venda não é regida pelos arts. 1 . 113-1.119. Outra conseqüência da natureza da ação de embargos de terceiro é que, sendo dirigida contra o ato do Estado, a

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competência é do juiz que praticou o ato. (a)Os embargos de terceiro são a ação do terceiro que pretende ter direito ao domínio ou outro direito, inclusive a posse, sobre os bens penhorados ou por outro modo constritos. O usufrutuário, por exemplo, é senhor; o locatário é possuidor. Se a penhora não lhes respeita o direito, um ou outro pode embargar como terceiro. Daí ser tão freqúente, “questio quae tota die versatur de facto” (CINO DA PISTOlA no começo do século XIV, sobre a L. 2, O., ne uxor pra manto vei maritus pra uxore veZ mater pra filio conveniatur, 4, 12), “matéria, quae quotidie versatur ín practica” (JASÃO DE MAINO, sobre a L. 15, § 4, D., de re judicata ei de ei fecsu sententiarum et de interlocutionibus, 42, 1). O dano, que sofre o terceiro, há de ser ex executione; não basta o ser ex cognitione. Mas, ai, executio está em sentido amplo. Os embargos de terceiro são remédio jurídico processual, “ação”, pelo qual os terceiros “executionem possunt impedire”. No processo de cognição, pode haver a intervenção principal ou a oposição de terceiro, que corresponde aos embargos de terceiro, não os embargos de terceiro que supõem constrição, ato, execução, em senso fatíssímo; mas, com a sentença, pode começar a eficácia constritiva. A execução forçada não é só a que começa pela penhora. Há execução forçada das obrigações de fazer ou de não fazer. Onde quer que a ação possa atingir, sem ser em ação declarativa ou de condenação o direito do terceiro, como acontece em todas as ações executivas, em algumas constitutivas e algumas mandamentais, os embargos de terceiro são permitidos. Qualquer que seja a constrição judicial em mandado, ou em alvará, ou em~ ordem. Na mesma pessoa tísica ou jurídica podem estar as figuras das partes e do terceiro. Por exemplo: o cônjuge sobrevivente, cujos bens partilhados foram penhorados por algum credor de dívidas comuns (e. g., Supr~mo Tribunal Federal, 29 de dezembro de 1949, O D., 68, 215, E. dos T., 209. 477, e R. F., 139, 147); o comuneiro do edifício de apartamentos, se a penhora, por dívidas comux1s, apanhou apartamento que, por sua construção e posição, não foi alcancado pelas obras cujo custo se cobra, cf. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, 8 de outubro de 1951 (J. e D., IV, 125), 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 17 de agosto de 1951 (Paraná J., 56, 19), e 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 15 de abril de 1952 (E. dos T., 201, 318). (b)Os embargos de terceiro sendo, como são, contra ato do juiz, distinguem-Se da ação possessória, e de certo modo se justificam por ser turbado ou esbulhado o terceiro sem poder desforçar-Se, isto é, possessionem recuperare auctoritate propria, como tão percuciente foi MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentaria, III, 293) em vê-lo, o que, por certo, se lhe permitiria se adversus alios extraneos. A concepção dos embargos de terceiro como remédio jurídico possessório seria errada, porque a posse pode ser o direito invocado, entre tantíssimos outros (sem razão, a 1~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 10 de janeiro de 1944, R. dos T., 152, 541). O art. 505, 2•a parte, do Código Civil só é invocável se a ação contida na ação mandamental é sobre a posse do terceiro. A constrição judicial pode provir de execução voluntária, como se alguém pede ao juiz que ordene o registro de algum bem em nome do adquirente, se o bem é de outrem., ou se foi arrecadado, a pedido, algum bem, ou se vai ser partilhado, ou se vai ser vendido para divisão do preço. Não se pode pré-excluir a oposição de embargos de terceiro nos processos de medidas preventivas~ de arrecadação, de inventário e partilha, nas ações do pré-contraente comprador ou do pre-contraente vendedor (e. g., tratando-Se de imóveis, uma vez que a impugnação somente concerne ao registro, antes de ser feito, e a medida de constrição pode apanhar mais outro bem que o registrado); sem razão, a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 20 de abril de 1950 (R. dos T., 203, 566). No sentido do que dissemos na 1.a edição dos Comentários ao Código de PrOceSSO anterior, a 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 25 de maio de 1950 (D. da J. de 22 de março de 1952). O direito ofendido pode ser domínio , ou direito real limitado, ou direito pessoal ou posse. Qualquer direito ~6.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de são Paulo, 27 de abril de 1951, R. dos T., 192, 782). A constrição judicial pode ferir direito não-patrimonial de terceiro, como se estão a discutir direito de guarda de filho A e B, e C, terceiro, se diz pai, ou tutor, e o juiz deposita o menor, ou de qualquer modo o retira de B. O direito pode ser pessoal, como se o juiz penhora crédito, pretensão ou ação, ou se, devendo somente penhorar o bem, deducta a dívida, a pretensão, ou a ação, o penhora sem qualquer restrição , ou se, devendo somente penhorar o crédito, a pretensão ou a ação, penhora o bem, cujo domínio ou direito real ainda não foi transferido ao credor, ou titular da pretensão ou ação. Assim é que se há de entender o acórdão da 5~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 24 de outubro de 1950 (R. de D. 1., 12, 79), que permitiu embargos de terceiro por parte de contraente comprador de imóvel, antes da transcrição (sem razão, a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 20 de abril de 1950, R. dos T., 203, 566). Nas ações de divisão e demarcação (5.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de junho de 1950, e 6.~ Câmara Civil, 4 de abril de 1952, R. dos T., 188, 212, e 201, 148; Câmaras Civis Reunidas, 22 de agosto de 1952, 205, 153), nas ações de inventário e partilha ou de arrolamento (3.a Câmara Civil do

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Tribunal de Justiça de são Paulo, 22 de fevereiro de 1951, R. dos T., 192, 195) e em quaisquer ações arrecadativas. Sem razão, a 2.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 7 de agosto de 1950 (R. F., 145, 320), repeliu embargos de terceiro em ação de divisão, na qual a linha perimétrica invadiu terras de terceiro. (e) Os embargos de terceiro, já vimos, são ação; e ação mandamental negativa. Se a lei a põe entre as ações acessórias, tal acessoriedade lhe vem de ser mandamental negativa. Porém, historicamente, nem sempre foi assim. No direito lusitano, nos séculos XII e XIII, provavelmente antes, pois a “autorização judicial” para a penhora e o arresto já aparece no ano 1095 (Decreto do Governador da Galícia) e no Foro de Miranda da Beira (Port. Mon Hist., Leges et Consuetudines,373), começou o monopólio estatal da execução e da segurança. Antes, porém, existiu (e através de séculos, depois, ainda perdurou) a prenda extrajudicial. Pode dizer-se que a penhora judicial dos bens do devedor, presente o “merinus”, é obra do século XII. A princípio, a ação do executado e a do terceiro eram de condenação, ainda quanto aos efeitos da violação da resolução judicial de relaxamento (Foro de Teruel, art. 159). Quando a prenda privada desapareceu e se exigiu, através da terrível resistência que encontrou a estatalização das constrições (o Rei teve de ceder, em 1095, ao povo de Castelo Bom), a judicialização das constrições, a situação jurídica mudou: em vez de vir contra o ato do credor, o terceiro ia contra o ato do Estado. Tendo o Estado substituído o particular, já a ação de condenação não se justificaria, máxime naqueles tempos. Afonso II e Afonso III edictaram leis daríssimas sobre só o Estado poder decretar as constrições: “nom ouse a penhora outros senom”, dizia Afonso II, “aquel que poder provar que he seu devidor ou fiador”, e Afonso III adniitia: “non seja algum tão ousado que sem Mandado d’El Rey, ou per seu consentimento, filhe alguá cousa movel, ou raiz, de que outrem tenha a posse, salvo sendo primeiramente chamado a Juízo esse, que assi estever em posse della”. Cf. Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 65, ~ 1, Título 9, § 3; Leges et Consuetudines, 1, 255. Houve certa vacilação quanto à pena, o que preocupou a HENRIQUE DA GAIVIA B.Am~os (História da Administração Pública em Portugal, III, 339 e 340) e a nós (História e Prática do Arresto, 42-47); mas isso foi devido à transmutação da ação de condenação em ação manda-mental, quando se assentou a estatalização da constrição que teve por fito proteger os “forçados” (as classes devedoras e possuidoras sem direito de domínio) contra os “forçadores” (as classes dos que “som sempre mais poderosos que os forçados”, conforme explica lei de 1). João 1, que aparece nas. Ordenações Afonsinas, Livro V, Título 27, §§ 10 e 13). Havia “mester Official poderoso pera alçar essas forças e fazer entregar essas cousas forçadas”. Temos, hoje, embargos de terceiro, por ofensa à posse e ao direito, se o ato do juiz provocou constrição judicial. A alusão à posse, de per si, atende à tradição do nosso direito, que a recebeu, provavelmente, no século XIV (MANUEL MENDEs DE CASTRO, Practica Lusitana, 1, 104, citou pós-glosadores). Quanto aos “direitos” que não eram o de domínio nem posse,. ainda decisão do Senado português, em 1614, repeliu embargos de terceiro; mas isso porque ainda não se revelara o principio da coextensividade da constrição e da embargabilidade por terceiro: se o juiz arrestou, seqüestrou, penhorou, ou por outro modo prendeu bens (no mais vasto sentido) de outrem, o terceiro ofendido pode embargar o ato. Admitiu-se mesmo ao embargante, e com razão, alegar a prescrição da pretensão do executado quanto ao bem objeto da prenda judicial (MANUEL MENDEs DE CASTRO, Practica Lusitana, 109). (d) A ação de embargos de terceiro ou acaba pela sentença de repulsa, ou pela sentença de acolhimento, que é, preponderantemente, mandamental. Essa classificacão científica é recente, pois a opinião prevalecente considerava-a declarativa. Depois se pensou que fosse constitutiva. ANTONIO SEGNI (L’Intervento volontario in appello, 35) e GIU5EFPE CHIOVENDA (Principii, 1014) viram que havia mais do que declaração, porém entenderam que seriam ação e sentença constitutivas. A sentença negaria, constritivamente, a respeito do terceiro, a sentença embargada e a sua exeqtii’oilidade. Mais ou menos assim, FRANCESCO CARNELUTTI (Le~Joni, IV, 201 s.). Na Itália, F. G. Líivuu (Caratteri e presupposti deli’opposizione di terzo, Rivista, III, Parte 1, 29) ainda sustentou ser sentença de declaração. Ncm aqueles nem esse tinham razão: esse reconhece de menos; a4queles, de mais. A sentença não declara só, tanto que o ato judicial impugnado cede, o que seria eficácia demasiado forte para a sentença declarativa. Por outro lado, nada se altera à existência, à validade ou a eficácia da sentença, ou do ato embargado, no que foi justo entre as partes (e. g., o direito de ação de reivindicação contra o terceiro possuidor continua penhorável). O elemento constitutivo só acidentalmente vem à primeira plana se o ato, além de embargável, era nulo ipso iure, mas há, aí, outra questão (a de cumulação de ações). Considerai a sentença, nos embargos de terceiro, constitutiva, é generalizar esse acidente, fazê-lo natureza da ação. A força constitutiva é demasiado forte para a sentença do art. 1.053 (cf. art. 803). Os direitoS do embargado perante a outra parte ou dos embargados entre si não sofrem qualquer alteração com a sentença nos embargos de terceiro. Nota-se que os proceSsualistas italianos, como os alemães , andavam à procura da

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verdadeira natureza de tal sentença. Já Mxaco TULLIo ZANzUccm (Nuove domcznde, 274 5.) e ENRICO REDENTI (Ii Giudi74o civile con pluralità di parti, 118 e 120) se esforçavam por manter a afirmação de ser declarativa a sentença e apontar algo de específico, que seria a negatividade (sentença declarativa negativa: declaração da lesão a ser repelida). Sentiam todos que a realidade 11-les escapava. A declaratividade, a condenatoriedade, ou, até mesmo, a constitutividade está à base da mandamentalidade, mas apenas como requisito de fundo da força de mandamento. o autor dos embargos de terceiro tem a ação mandamental, que é a dos embargos, preciosa para evitar consequências publicíSticas dos atos processuais (e. g., venda judicial do bem de terceiro), e a ação própria ou as ações próprias do direito que ele invoca. É nesse sentido que se diz ser remédio “voluntário”. Nada lhe obsta propor, prescindindo da força mandamental da sentença proferida nos embargoS de terceiro, a ação de reivindicação, ou a anulatória (pauliana), ou outra, que corresponda à sua preten5ão~ salvo, está claro, alguma preclusão~ o que melhor se estuda no fim da obra, a propósito dos embargos de terceiro na execução (ve3a art. 1.048). Ainda em 1946, MAnco TULLIO ZANzUCCRI (DirittO Processuaie Civile, ~ 4.a ed., III, 343) classificou a “oppoSizione di terzi”, que são os embargos de terceiro do direito brasileiro, posto que mais característicos esses embargos de terceiro, como ação de declaração negativa, isto é, ação tendente à declaração da ilegitimidade material da execução em relação ao objeto, quanto ao terceiro. Tal declaratividade negativa implicaria a declaraçao positiva do direito do opoente (terceiro embargante). ~,Se ele alegasse a propriedade? Seria ação de declaração do direito de propriedade, concepção que o próprio MARCO TuLLIo ZANzUOCHI combateu. Também AxTONINO CONIGLIO (11 Processo esecutivO, 463), para manter a classificação da “opposizione di terzo” como ação declarativa, afirmou que “o efeito mediato da ação em oposição édado pela restituição daquele bem a respeito do qual se declarou pertencer ao opoente”. Mediato, não; imediato. Foi esse o pedido, essa é que é a eficácia específica dos embargos de terceiro e, por igual, da “opposizione di terzi” dos textoS italianos. 2) ELEMENTO PREPONDERANTE DA AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. o elemento preponderante da ação de embargos de terceiro é o peso mandamental. Besta saber-se qual o que vem depois. Tentou-se responder a priori à questão. F. G. Ln’ARI (Caratteri e presupposti, Rivista, III, Parte 1, 37) ainda entendia que a natureza declarativa negativa dos embargos de terceiro não permitia que se pensasse em condenação , ou outra eficácia, em tais embargos. A. TISsIER (Theorie et Practique de la Tierce OppOsition, 289), aliás na esteira da doutrina francesa, desde J . B . V. PROUDHON, aludiu a esse elemento secundário como subjacente e variável a posteriori “La tierce oppositiOn, bien qu’ayant le caractêre d’une voie de recourS” (opinião defensável em França, sendo fácil a técnica de tornar recurso as ações mandamentais), “améfle aussi, quand efle est recevable, celui qui l’a intentée à faire valoir des droits au fond; elle est alors combinée avec l’exer cice de l’action proprement dite”. Não conhecia, então, a descoberta da classe das sentenças mandamentais: escrevia em 1890, e a descoberta é do segundo decênio do século XX. Em todo caso, a sua observação (“... amêne aussi. . .“) mostra. o ter andado perto de descobrir a razão dessa subjacência que ele interpretava em termos de recurso cumulado com ação, ou de ação cumulada com recurso. As ações mandamentais são, como as demais, ações que se caracterizam pela preponderância do elemento que a distribui na classificação das ações. O elemento declarativo é que costuma ser em segunda plana, porém esse elemento quase desaparece nas sentenças mandamentais de medidas cautelares, passando à frente o elemento constitutivo. Outras vezes, o elemento condenatório é que toma o segundo lugar (e. g., embargos de terceiro que comprou a coisa a uma das partes, ou ao sucessor dela, ou à pessoa de que ela seria sucessor). Nas ações executivas, vem logo o elemento executivo contrário. Sempre que a ação é mandamental, ou há nela efeito forte mandamental, cabem os embargos de terceiro. O que faltou a A. TIsSIER foi conhecer a classificaç~o das ações em cinco tipos e frisar que ai a mandamentalidade prepondera. A decisão nos embargos de terceiro não reforma, nem retrata a decisão que se embargou, salvo se o sistema jurídico adota a extravagância de não transitar formalmente em julgado (inter partes) a decisão em que ainda não precluiu o prazo para os embargos de terceiro, ou ainda não se julgaram esses embargos. Essa não é a tradição, nem, de lege lata, o principio vigente no direito brasileiro. Os embargos de terceiro são ação de oposição, ação do terceiro dirigida contra ato judicial, acessoriamente processada. Toda razão pode ter o autor contra o réu, sem na ter contra o terceiro, que em- 3) OUTRAS AÇÕES QUE TOCAM AO TERCEIRO. Cumpre ~que não se confunda a ação de embargos de terceiro com outras ações e exceções que tocam ao terceiro, em sentido amplo, ou à própria parte, em processo nulo de pleno direito: a)A exceptio rei inter alios iudicatae, pela qual o terceiro, que pleiteia, é estranho à eficácia da sentença ou

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outro ato judicial. Tal exceptio abrange a de exclusão da eficácia de coisa julgada material, que lhe deu o nome, e os outros casos de eficácia, que os juristas romanos, os medievais e os modernos ainda não haviam classificado devidamente. Em boa técnica e terminologia própria, devemos falar, em geral, de exceção de ineficácia quanto ao terceiro; em particular, de exceção de coisa julgada material, de exceção de não-eficácia constitutiva quanto ao terceiro, de exceção de não-eficácia condenatória quanto ao terceiro, de exceção de quando-eficácia mandamental quanto ao terceiro, de exceção de não-eficácia executiva quanto ao terceiro. Existe essa última, separada da primeira e da terceira porque há executabilidade contra pessoas que não foram partes na ação de condenação. A figura passiva do réu, na ação executiva, não coincide sempre com a figura passiva do réu, na ação de cognição. A ação de embargos de terceiro não tem a função declarativa da exceptio, que vê, em primeiro lugar, o que se produziu no processo onde ela se opõe. Os embargos de terceiro vêem o que se há de produzir, no seu processo, de acordo com a pretensão do embargante. O embargante está preocupado com a eficácia (e. .q., a res iudicata) da “sua” decisão; não com a res iudicata ou outra eficácia do ato judicial embargado. A exceptio, sim, tem o fito de mostrar a imunidade do terceiro à irradiação declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva da resolução judicial a que excepciona a eficácia. Note-se bem: a irradiação eficacial nem sempre é a de coisa julgada material. Se, por exemplo, ação de execução de sentença é intentada contra terceiro, como devedor (e. g., troca de nome), a defesa desse é a exceptio rei inter alios iudicatae, e não a ação de embargos de terceiro (A. MExDFiL55OHN~BAIri’I{OLDY, Grenzen der Rechtslcraft, 100 s.); e melhor falaríamos de exceção de ilegitimidade da parte na execução. Foi o velho erro de se não considerar pretensão autônoma a pretensão à execução que obscureceu até hoje o assunto e impediu que se visse a legitimação passiva nas ações executivas, em todas as suas linhas extremas. B devia ser litisconsorte (litisconsórcio necessário), na ação entre A e C; e o processo desenvolveu-se até o trânsito em julgado da sentença entre A e C, sem que B fosse citado. Executada a sentença contra A e E (e. g., servidão em bem indivisível), não é com embargos de terceiro que deve vir E, e sim com a exceptio rei inter alios iudicatae, ou, melhor, aí, exceção de não-integração subjetiva passiva da relação juridica processual, com a conseqúência final da eficácia só inter partes. Não há consorte, porque se não promoveu o litisconsórcio. Na prática, devem os advogados e os juizes ter em vista a diferença, ~O1S não é certo que o terceiro tenha sempre a escolha entre a exceptio e os embargos de terceiro (sem razão, ENRICO GALLUPPI, Teoria della Oposizione dei terzo, 53). Na dúvida, devem os juizes entender que foi proposto o meio adequado. Não cabe, porém, invocar-se o princípio de não haver prejuízo se não ocorreu má-fé, ou erro grosseiro, nem o de não importar nulidade do processo a impropriedade da ação, aquele, regra referente a recurso, e esse, a remédio jurídico processual. b) A ação própria, que enche, digamos assim, a ação mandamental de embargos de terceiro. Tal ação é a que se promove como pedido prejudicial ou cúmulo do pedido de mandamento negativo; e poderia ser exercida sem o pedido de mandamento negativo, de si só, e, pois, sem qualquer acessoriedade. Os prazos legais são só para a ação mandamental, que há nos embargos de terceiro; não para a ação prejudicial, se se propõe principal. Essa se rege por seus princípios próprios. Os embargos de terceiro são remédio jurídico facultativo. As preclusões só se referem aos “embargos de terceiro”, sobre os quais pode recair a preferência do terceiro. É possível que, além deles, tenha o terceiro duas ou mais ações: uma outra, pelo menos, ele tem. A ação prejudicial que enche o pedido de mandamento negativo faz litigiosa a coisa, da parte do embargante (SILvEsTRE GoMEs DE MORAIs, Tractatus de Executionibus, VI, 238). c) Algum outro pedido, cumulado com o de embargos de terceiro, como a impugnação do ato judicial por incompetência, e o pedido de decretação por nulidade de forma, que nada tem com os embargos de terceiro e só excepcionalmente poderia ser feito por “terceiro”. d) Os embargos de parte não citada ou nulamente citada. Ai, a construção dos embargos obedece a outros fundamentos históricos e dogmáticos. Cf. arts. 741, 1, e 745. e)A querela nuílitatis insanabilis, nos casos de citação nula. 4) EMBARGOS DE TERCEIRO, OPOSIÇÃO DE TERCEIRO E RECURSO DE TERCEIRO. A oposição do terceiro à ação possessória é outra coisa (certo, MANUEL AURELIANO DE GUSMÃO, Processo Civil e Comercial, 2.a ed., 1, 502); e cabe segundo as regras jurídicas dos arts. 56-6 1, supondo, evidentemente, pretensão do terceiro contrária às pretensões à sentença e à pretensão de direito material, que têm o autor e o réu. É inconfundível com a ação de embargos de terceiro, que assenta na pretensão do terceiro contra o ato constritivo do juiz. É preciso ter-se todo o cuidado em não se trazer ao plano dos embargos de terceiro princípio que pertence à oposição, engano em que têm incorrido alguns juristas. É interessante observar-se que, tendo dúvida sobre o cabimento da oposição, a 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São

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Paulo, a 26 de novembro de 1940 (R. dos T., 140, 114), admitiu embargos de terceiro nas ações possessórias. Pode acontecer e por vezes acontece: por exemplo, A adquiriu de B o edifício de apartamentos, para os quais havia um ou alguns contratos de locação, a prazo determinado ou a prazos determinados e direito à prorrogação pelo mesmo tempo e tal contrato ou tantos contratos foram devidamente registrados; A pediu a posse imediata de todos os apartamentos, porque foi o que lhe prometera B. Ciente ou cientes do que ocorreu no juízo, o locatário ou os locatários opõem embargos de terceiro. Outro exemplo: A alugou o terreno em que B vai criar galinhas, e B pede a manutenção da posse, mas C, que antes obtivera o mesmo com outro contrato do terreno, devidamente registrado, embarga como terceiro, pois que lhe fora conferida a posse imediata. Também não se confundem a pretensão a embargar como terceiro e a pretensão a recorrer da sentença (com ou sem medida constritiva). O terceiro pode recorrer da sentença de que lhe possa vir prejuízo, embargá-la, ou usar do recurso (art. 499 e ~ 1.0), inclusive recurso extraordinário, ainda que não tenha intervindo na causa (oposição), nem apresentado embargos de terceiro. Mas esse terceiro é o terceiro prejudicado pela coisa julgada material, e não o terceiro senhor ou possuidor, porque a esse é dado opor os seus embargos em qualquer estado da causa. O terceiro prejudicado é legitimado a recorrer, porque a sentença, e. g., com a força ou com o efeito de coisa julgada material, ainda que apenas declarativa (e. g., art. 4~0 e parágrafo único), o atingiria. EsTANI5LAU SANTOS (R.de D., 17, 495) pretendeu que a “ameaça da execução” fosse o fundamento da pretensão a recorrer; mas sem razão (certa, a 2.~ Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, a 7 de julho de 1905, D., 98, 233): a pretensão a recorrer é a pretensão a escapar à força ou efeito da decisão que se proferiu. Em ação declaratória do art. 40, parágrafo único, há possibilidade de recurso de terceiro; não, ainda, salvo excepcionalmente, de embargos de terceiro. Os embargos de terceiro podem ser usados contra ato judicial constritivo que se pratique em ação de divisão de terras (.2.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 16 de março de 1942, R. F., 92, 727). Ou se a decisão do juiz pendia de demanda, e ele omitiu ou dispensou a ação, ou rito (2.a Câmara Cível, 11 de outubro de 1943, R F., 98, 390). Não se excluem, a priori, em ação de desapropriação (sem razão, a 1.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Paraná, a 15 de maio de 1944, Paraná J., 40, 13). Se a constrição de modo nenhum foi assunto de deprecação, ou da rogação , e o juiz deprecado ou rogado foi o responsável, isto é, constrigente ilegal foi ele, mas isso tem de ser apreciado pelo juiz deprecante ou rogante. 5)PENDÊNCIA DE Ação EXECUTIvA. Os embargos de terceiro podem ser opostos na execução, porém o direito brasileiro não tem os embargos de terceiro revocatórios ou anulatórios do direito sardo, a opposizione revocatoria. É certo que nasceram tais embargos de se ter sentido necessidade de dar ao credor prejudicado meio expedito para evitar que se levasse a cabo a execução. Verdade é, porém, que o direito brasileiro tem algo próprio. O credor prejudicado, no direito brasileiro, continua com a sua ação de anulação por fraude contra credores, ainda que sobrevenha sentença condenatória contra os figurantes do negócio jurídico fraudulento, ou, até, execução. Tem ele de propor a sua ação, à parte, que nada tem com a eficácia da sentença de condenação (ex hypothesi, não foi julgada a matéria da fraude), nem, sequer, com a cognição adiantada em ação executiva dos títulos extrajudiciais, nem com a eficácia do despacho na ação iudicati. Para evitar que a execução se ultime, tem o credor de embargar ou suscitar o concurso de credores, onde se pode discutir a fraude contra credores. Aberto o concurso de credores, pode ser alegada, discutida e julgada a matéria da fraude contra credores. Quando se empresta a tal impugnação o caráter de embargos de terceiro, ou de oposição de terceiro, confundem-se institutos diversíssimos. A ação é de anulação; é a mesma ação de que cogita o direito civil, subordinada a exigências processuais do concurso de credores, ganhando celeridade e perdendo em prazo de propositura. Quanto aos credores retardatários, não pode haver essa abreviação processual; a ação contra os seus créditos é a ordinária. Se há falência, e não se julgou antes, a despeito de ação de condenação, a matéria da traude contra credores, nem se renunciou à ação de anulação ou de revogação, nada obsta a que se exerça, satisfeitos, para isso, os respectivos pressupostos. Art. 1 . 046. Quem, não sendo parte do processo 1) ~), sofrer turbação ou esbulho na posse 7) 10) 11) de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro 16), alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha 3), poderá requerer 2) 12) 15) lhes sejam mariutenidos ou restituidos por meio de embargos4). § 1.0 Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor6) 13) 14)

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§ 29 Equipara-se a terceiro5) a parte que, posto figure no processo, defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser atingidos pela apreensão judicial. § 3~O Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação 17). Art. 1 . 047. Admitem-se ainda embargos de terceiro: 1 para a defesa da posse, quando nas ações de divisão ou de demarcação, for imóvel sujeito a atos 12 2atcri ais, preparatórios ou definitivos, da partilha ou da fixação de rumos 18); Ii para credor com garantia real 19) obstar alienação judicial do objeto da hipoteca, penhor ou anticrese 8)~ 1)MV~DAMEN1ALIDADE DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. Os embargos de terceiro são pedidos de mandado contra a eficiência cio mandado, alvará, ou ordem anterior, e. g., contra a penhora, o depósito, o arresto, o seqüestro, a alienação judicial, a arrecadação, a partilha, ou outro ato de apreensão judicial (constrição). Deles não pode usar quem seja parte no feito, diz-se. Mas, (1) havendo pluralidade de autores na ação principal, o autor cujo bem foi objeto da prenda judicial, requerida por outro, é terceiro, e não executado. Entre réus, sim, ainda que um deles não tenha sido condenado, é pelos embargos do devedor que se defende, ou pela ação de impugnação de execução, e não pela ação de embargos de terceiro. Outra exceção (2) aponta, desde muito, a doutrina: se o devedor executado é herdeiro (Código Civil, art. 1 . 587), tendo havido inventário, ou fazendo prova do excesso em que importaria a execução (MANUEL MENDES DE CASTRO, Practica Lusitana, II, 170: “pro debito haereditario defuncti executio fieri non potest in re propria haeredis, sed in re hacreditatis, imo haeres potest impedire executionem per impedimenta tcrLii possessoris, vel domini”), porque aí a mesma pessoa faz as vezes de duas, como pitorescamente se argumentara (ANTÔNIO DE SOUSA DE MACEDO, Decisiones, 196: “una et eadem persona respectu diversorum iurium, pro pluribus, et diversis personis reputentur”). (3) A mulher do devedor pode também opor-se com embargos de terceiro pelo seu dote (SILVESTRE GOMES DE MORAIS, Tractatus de Executionibus, VI, 170): “si executio in bonis dotalibus uxoris fiat pro debitis, constante matrimonio, a viro contractis, ipsa cum except~onibus tertii possessoris ad dominium executionem impediet”), ainda que parte na causa e condenada (ANTÔNIO DE SoUsA DE MACEDO, Decisiones, 196); porém não quanto aos frutos (ANTÔNIO DA GAMA, Decisionum, d. 200, ns. 2 e 3; SILvEsTRE GOMES DE IVIORAIS, Tratactus de Executionibus, VI, 170), ou quanto ao dote que importou alheação, caso em que lhe é dado, satisfeitos prontamente os pressupostos do art. 308 do Código Civil, pedir a separação do dote (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Comme~ntaria, III, 318). Se os frutos foram adjudicados àmulher, em medida preventiva de segurança do dote, conforme os arts. 308 e 309 do Código Civil, pode ela usar dos embargos de terceiro quanto a eles (ALVARO VALASCO, Decisionum Consuitationum, 309). Se a pessoa foi parte, mas a respeito de outra cawsa petendi, é terceiro, e não executado. Nem podia ser de outro modo, conforme já estava em PAULO DE CASTRO, em MANUEL MENDES DE CASTRO e em ANTÔNIO VANGUERVE CARRAL (Prática Judicial, 542), que disse: “a4qui se há de advertir que uma das mesmas partes litigantes se pode admitir na execução, como terceiro senhor e possuidor dos bens penhorados, em que está correndo a execução; e a razão é porque uma e a mesma pessoa a respeito de diverso direito e de diversas pessoas se reputa... terceira, o que é vulgaríssimo em direito”. (Não se pode levar à risca a proposição da ~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 6 de fevereiro de 1942, R. F., 90, 740, que afirmou não poder a parte contestar e ao mesmo tempo embargar como terceiro.) Com a publicidade, que está à base da arrematação e outros atos semelhantes (procedimento edital), Ci terceiro expõe-se à preclusão do prazo para embargos de terceiro e para ações que lhe seriam conteúdo, se os não apresentou tempestivamente (1Y~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 9 de novembro de 1942, R. dos T., 144,142). O cônjuge que não tem de sofrer execução, ou qualquer outra constrição dos seus bens, por dívidas do outro cônjuge, ou por motivo objetivo dos bens, ou das dívidas, é terceiro, para se legitimar, ainda que esteja ele a conviver com o outro. Tudo se decide no plano da eficácia quanto a ele. Se a dívida é incomunicável, os próprios bens comuns não podem sofrer constrição por dividas do outro cônjuge. Se quem tinha de ser parte não foi citado, terceiro é, enquanto não entra na relação jurídica processual (cf. 2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 11 de novembro de 1947, A. J., 85, 294, e E. dos T., 183, 466: “A mulher casada não tem, em linha de principio, qualidade para apresentar embargos de terceiro em execução contra o marido. Se, entretanto, não foi citada para o pleito, a situação modifica-se, tornando-se possível o exercício daquele remedium iuris”). Contra, a 32 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 26 de junho de 1947 (J., 29, 380). A sociedade civil ou comercial é legitimada a embargar se sofre medida judicial constritiva por dívida do sócio (3.D Câmara Cível do Tribunal do Distrito Federal, 16 de setembro de 1941, R. F., 89, 159); e vice-versa. Também é terceiro o herdeiro, parte no espólio de A (que era viúvo de B), em caso de medida judicial

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constritiva contra bens do espólio de B, pois é estranho à causa da medida (cf. R. dos T., 140, 284). O cessionário pode embargar como terceiro (MANUEL ALVARES PiGAS, Resolutione.3 Forenses, 360), não cabendo a distinção romanística de J. J. C. PEREIRA E SoUs x (Primeiras Linhas, III, 101). O credor adjudicatário das rendas também pode usar da ação de embargos de terceiro quanto a essas, posto que não possa embargar a venda judicial, ou a arrematação da propriedade do bem (SILVESTRE GoMEs DE MoRros, Tractatus de Executionibus, VI, 358). Todos aqueles que têm direito expectativo, ou são cessionários de tal direito, podem embargar como terceiros. A procuração em causa própria, se tem eficácia em relação aos figurantes do processo, é titulo para embargos de terceiro. A jurisprudência anterior ora respondia afirmativamente (Corte de Apelação do Distrito Federal, 21 de outubro de 1921, R. de D., 63, 163; 23 de agosto de 1921 e 28 de dezembro de 1922, 70, 96; Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de setembro de 1926, R. dos T., 60, 94), ora negativamente, sem descer ao exame da eficácia. Muito se discutia se, penhorado, arrestado, seqüestrado , ou por outro modo sujeito a constrição judicial o objeto de alguma dívida hipotecária não-vencida, o credor podia olor embargos de terceiro. O problema era mal posto: não se tem de indagar se o direito, qualquer que seja, que foi objeto de ato de constrição em processo civil, é suscetível, ou não, de ser protegido por embargos de terceiro. Desde que o ato do juiz, em processo civil, atacou a esfera jurídica do terceiro, uma vez que não se trate de direito protegível por habeas -corpus, cabem os embargos de terceiro. O arresto de bens inarrestáveis do terceiro, por exemplo, é pressuposto bastante para que o terceiro embargue. Nada obsta a que se use dos embargos de terceiro contra ato do juiz das ações possessórias. Nas ações em que a execução é dentro da duração, como ocorre sempre às ações executivas de títulos extrajudiciais, ou se o mandado pode ser dentro da duração, como nas ações possessórias, e, portanto, antes de sentença final, é sempre possível a ação de embargos de terceiro. Não há execução da sentença, nas ações executivas de títulos extrajudiciais; assim, novo problema de embargos após a sentença não se põe . Põe-se nas ações possessórias em que a sentença é mandamental, isto é, elimina a execução, mas pode ter de dirigir-se o juiz ao órgão executivo para cumprir o mandado. A questão foi discutida em 1919, no Supremo Tribunal Federal, que teve de enfrentar a seguinte espécie: pretensão à reintegração, por parte do esbulhado, com fundamento no art. 506 do Código Civil, e pretensão do terceiro a embargar o ato judicial. O Supremo Tribunal Federal, a 7 de maio de 1919 (R. dos S. T. F., 19, 548-556), atendeu às duas, quer dizer: admitiu embargos de terceiro na execução possessória (mandamental). Aplicando-se essa doutrina, a palavra “execução”, que aparece a respeito de embargos de terceiro, não é só a execução da sentença, ou a execução com adianta-incuto; é também a “execução” força da sentença executiva, ou com eficácia imediata. A solução é sábia: porque não se trata do pessoa a respeito da qual a sentença tenha de ter força material de coisa julgada, e porque os embargos de terceiro não são ação contra o ato do esbulhado, nem, sequer, do esbulhador (executado mandamental), e sim contra ato do juiz, e a sentença nas ações mandamentais e nas ações executivas de eficácia mandamental é ato constritivo segundo o conceito legal (art. 1.04~ e ~ 1.0, 2.0 e 3.0). Mais ainda: onde quer que haja constrição, ainda por efeito (e não só força) mandamental, constitutivo, ou o que for (e. g., preceito em virtude de sentença declarativa). Nas ações executivas fiscais, cabem embargo de terceiro, como se a penhora recai em bem hipotecado ou empenhado, ou pertencente a terceiro. Quanto ao bem gravado de hipoteca, foi explícito o julgado da 2.~ Turma do Supremo Tribunal, a 30 de novembro de 1962 (D. da J., de 4 de abril de 1963), firmado em texto nosso. 2)LEGITIMAÇÃO ATIVA DO TERCEIRO. (1) A primeira regra jurídica sobre a legitimação ativa do terceiro é a de que somente pode embargar como terceiro quem não tomou parte no feito (art. 1.046: “não sendo parte no processo”). Mais precisa e cientificamente se há de dizer que não rode usar de embargos de terceiro quem quer que esteja sujeito à eficácia do ato judicial que pretende embargar. No fundo, há, ai, um tanto disfarçada, mera tautologia (Tribunal Regional do Trabalho, 8 de agosto de 1963, D. da J., de 16 de agosto: “Mais precisa e cientificamente se há de dizer, ensina PONTES DE MIRANDA, que não pode usar de embargos de terceiro quem quer que esteja sujeito à eficácia do ato judicial que pretende embargar. É justamente, o caso discutido”). A base da legitimação ativa dos embargos de terceiro está toda a teoria dos limites subjetivos da eficácia dos atos jurisdicionais, e não só da coisa julgada material. Quem não for parte está, no art. 1.046, por “aquele que não participa da eficácia do ato judicial”. a) Ali, ainda se supõe a determinação (e discussão) de quem é que se equipara à parte. b) Aqui, já se supõe ter-se determinado quem é (e, pois, encerrada a discussão). a’) Ali, alude-se à res iudicata (material), porque é o que mais acontece. b’) Aqui, a qualquer eficácia do ato judicial; e não há dúvida que o terceiro também se pode opor a que a sua esfera jurídica seja invadida pela

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eficácia de ato~ jurisdicional que não seja a de coisa julgada material. Se, na constrição, se ofende interesse de quem é parte, mas está fora do objeto da demanda, o ofendido, aí, é terceiro, e não parte (1.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de dezembro de 1944, R. dos T., 156, 153), desde que se precise a distinção (3.a Câmara Civil, 15 de março de 1944, 151, 599), extremados os interesses. Quando a lei, em a), fala de “quem, não sendo parte”, não exclui a praxe, em b), que explicitou as expressões semelhantes e superou as interpretações restritivas (ADOLF WACH, Zur Lehre vou der Rechtskraft, 52). A doutrina por longo tempo se emaranhou em discutir se podia o terceiro, isto e, o que não é parte, nem equiparado a parte, ser excepcionalmente sujeito à eficácia de atos jurisdicionais. A ambigúidade, se não equivocidade, da expressão “res iudicata” levou os juristas a porem o problema como de limites subjetivos da coisa julgada material; vale dizer como se a coisa julgada material pudesse atingir terceiros e como se ela fosse exaustiva de toda a eficácia dos atos jurisdicionais. Feitas essas~ considerações, passemos à segunda regra jurídica. (2)A segunda regra jurídica sobre a legitimação ativa do terceiro é a de que pode usar dos embargos de terceiro o que só seria parte se houvesse identificação entre ele, terceira executado, e a pessoa que “figura” como parte. Por exemplo: a sentença é contra A. Antunes e a execução contra A. A. Antunes, outra pessoa. Se, porém, a sentença foi contra A. A. Antunes, em vez de ter sido contra A. Antunes, e a execução é contra A. A. Antunes, os embargos de terceiro não cabem; caberiam embargos do devedor, do sujeito à execução, para fazer valer a nulidade ipso iure da falta de citação ou da citação nula (art. 741,1), porque então aquele contra quem correu à revelia o feito se exime à execução, reduzindo a não- -existente a sentença nula ipso iure: decretada a nulidade. deixa de existir a sentença e, pois, eficácia da sentença. Note-se a diferença, de que tantas vezes tratamos, entre nulidade e rescindibiidade. A sentença, nos casos do art. 741, 1, é sentença existente e nula, porque a nulidade da falta de citação ou a citação nula, que se sanaria com o comparecimento da parte, não se sanou, nem se teve tal força de sanação ao ocorrer a preclusão dos prazos para se recorrer da. sentença. Se a sentença foi contra A. A. Antunes e a execução é contra A. A. Antunes, não tendo sido citado, na ação, A. A. Antunes, mas outrem contra quem ocorreu o processo, sob falso nome, então é o caso de processo sob falso nome, de que já tratamos noutro lugar. O verdadeiro A. A. Antunes é terceiro, nesse processo; o processo correu contra outra pessoa, que usou de falso nome. (3)Terceira regra: se a pessoa figura na sentença como parte, e não no foi, embora o pudesse ter sido, se tivesse sido citada, então os embargos são do devedor, e não de terceiro. É interessante observar-se que esse caso, que não é de embargos de terceiro, foi tido por CARRÉ ET CHAUVEAU (Lois de Procédure civile, IV, 270) como o caso típico, e único, de embargos de terceiro (contra, J. AMIGUES, De la Tierce OppositiOn, 102), ao passo que A. TISsIER (Théorie et Pratique de la Tierce Opposition, 5, 25 e 108) lhe negou o remédio dos embargos de terceiro. Um dos argumentos contra os embargos (de nulidade) do executado consistia em se sanarem, com a sentença, as nulidades da própria relação jurídica processual, sendo excepcional a sobrevivência da nulidade (nulidade pleno iure); mas a falta de citação e a nulidade, aquela, porque a relação angular não se constituiu como devera, e essa, porque se constituiu por citação feita nulamente, são exceções ao enunciado mesmo da não-sobrevivência (art. 741, 1). Sem a meditação desses pontos, não se podem, sem risco, aplicar as regras do Código. Pressupõem elas certos conceitos e certos enunciados que a ciência do direito processual conseguiu esclarecer e fixar. Se o “terceiro” foi citado na execução e, constando da sentença exiquenda o seu nome, dela tendo sido intimado, não alegou, no prazo legal, a falta de citação, ou a nulidade dela na ação em que se proferiu a sentença, a nulidade da sentença, como defeito oponível em embargos, não aparece: a relação jurídica processual, nula embora, existia; a sentença não a sanara e ela mesma ficara nula; mas, agora, só a sentença em ação rescisória pode rescindi-la. Esse “terceiro”, que figurou como parte, parte era, com a pretensão à decretação, da nulidade; e, tendo tido ensejo de interpor os seus recursos, não no fez. A via dos embargos de terceiro nunca lhe fora aberta; nem se lhe abre depois. (4)Muito se discutiu se o que não figura na sentença e, tendo de ser citado, não no foi, de modo que deixou de ocorrer o litisconsórcio necessário, é a) terceiro com legitimação para embargar, ou b) se deve, apenas, como executado, opor a “nulidade” da sentença quanto a ele, ou a nulidade ipso iure de todo o processo e, pois, da sentença. Não se pense no caso de figurar na sentença (3): então seria nula a sentença, pois que faltou, ou foi nula, a citação do réu revel, caso de embargos do devedor. A espécie (4) é a do que não figura na sentença como réu, litisconsorte, nem como interveniente litisconsorte necessário, e não foi citado. Tal terceiro entra na classe dos que são excluidos da eficácia pela própria sentença. MANUEL ALVAXES P~GA5 (Resolutiones Forenses, 1, 395) já havia chamado atenção para essa delimitação à adio iudicati que resulta dos termos da condenação. MANUEL DE ALMEiDA E SousA (Tratado sobre as Execuções, 163),

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muito mais tarde, meteu a espécie no rol dos embargos do devedor. Rigorosamente, excepciona-se por ilegitimidade de parte na execução, e a execução concerne ao juízo da execução, que foi além da sentença a cuja eficácia se tinha de adstringir. E foi à exceptio. que MANUEL ALvARES PÉGAS aludiu, e não aos embargos do devedor. Seja como for, a exceptio pode ser tratada nos embargos do devedor, se o terceiro foi citado como tal, com fundamento na nulidade da execução até à penhora (art. 741, V), e nos embargos de terceiro, porque, em verdade, o executado não foi parte. Resta saber-se se, citado na eçao de execução de sentença e não alegando ser terceiro em relação à sentença exqúenda, renuncia aos embargos de terceiro. Sim, se se defendeu como executado; aliter, se não compareceu. Isso e o que se disse sob (2) e (3) mostram que devem ter cuidado com as preclusões de prazo todos aqueles que são citados como legitimados executivos, ou, em geral, como legitimados à eficácia das sentenças (e. g., o terceiro tido como atingido pela eficácia da sentença constitutiva ou da sentença mandamental, o terceiro tido como atingido pela eficácia da sentença condenatória ou declarativa). Figurar na execução é figurar em relação jurídica processual, com todas as conseqüências . É preciso, para alguém embargar como terceiro, que não tenha ele participado do juízo, nem a respeito dele tenha força ou efeito o julgado. A regra juridica domina o problema da legitimação subjetiva do terceiro. Não há, portanto,ataque ao julgado, mas ao mandamento do juiz: seria con•tradictio in adiecto que o embargante impugnasse a coisa julgada (cf. A. MENDELS5OHN-BARTHOLDY, Grenzeu der Rechtskraft, 371); o que ele impugna é, quando muito, a interpretação da coisa julgada material. Se, conforme os princípios, a res iudicata apanhou, ou deve apanhar, o terceiro, esse, em preliminar, deve ser posto de lado como terceiro embargante; está sujeito à coisa julgada. No fundo, os embargos de terceiro são ação para que o juiz respeite os princípios concernentes à eficácia das sentenças, notadamente aos seus limites. Certo é, porém, que a res iudicata tem limites subjetivos e limites objetivos, que não coincidem em toda a extensão . Às vezes, a força ou os efeitos da coisa julgada ou da condenação atingem zonas objetivas onde o terceiro, a que os limites subjetivos não chegavam, é envolvido pela eficácia do julgado. De modo que o terceiro que segundo os princípios relativos aos limites subjetivos da res iudicata, ou, em geral, da eficácia da sentença, estaria em situação de ser legitimado como embargante, pode ter de ser afastado, na preliminar, por agarrá-lo, segundo os princípios relativos aos limites objetivos da res judicata, a força ou o efeito da sentença. Nem toda pessoa, que não foi parte, pode embargar como terceiro, nem toda parte está excluída de embargar, pois, no ponto do mandamento, é possível que a eficácia da sentença não na apanhe. Por onde se vê a insuficiência do conceito de res iudicata (inter partes) e do conceito de extraneidade. (Quando falamos, a respeito de embargos de terceiro, de mandamento, entenda-se o mandado, força ou efeito, o alvará e a ordem constritivOS. Mas, sobretudo. precatemo-nos de reduzir à execução , senso estrito, a constrição. Tais “restrições” são perigosas. Não só a executividade, no sentido técnico, constringe.) Nem todo terceiro, a respeito do qual nenhuma eficácia tem a sentença, pode embargar. É preciso que a despeito da sua incolumidade à eficácia da sentença, o que faz impugnável o mandamento do juiz, o terceiro tenha interesse em embargar. Se o terceiro, que o direito livra de toda a eficácia do julgado, não tem qualquer interesse no julgado (em seus limites subjetivos e objetivos), então esse terceiro é poenitus extranei, e faltar-lhe-ia o interesse do art. 4~O~ Não se diga que, ai, a eficácia da sentença o atinge. De modo nenhum. 1’Jx hypothesi, está ileso; e falta-lhe o interesse, o que é coisa diferente. Certo, ADOLE WACH (Zur Lehre von der Rechtskraft, 9 e 10). O interesse há de concernir à ação de embargos de terceiro. Ainda nos casos de eficácia erga omnes da sentença (alguns falam de erga omnes da coisa julgada material, no que se equivocam, pois confundem força ou efeito de coisa julgada material com outra força ou efeito das sentenças), sem o interesse, o terceiro não pode embargar. Resta sabe-se se o que é titular da relação de direito material que se discute ou se discutiu na ação, porém não foi parte no processo, pode embargar. Cumpre levar em conta três circunstâncias: (a) o legitimado de direito material não foi citado, nem compareceu, e foi incluído na sentença, que é nula pleno iure, uma de cujas conseqüências é a oponibilidade dos embargos do devedor (art. 741, 1); (b) o legitimado de direito material foi citado, mas é nula a citação (não comparecendo o citado) e está incluído na sentença; (c) nem foi citado, nem compareceu, nem foi incluído na sentença. Nos casos (a) e (b), a sentença é nula de pleno direito, e não só rescindível. O que está nela incluído não é terceiro, é interessado no pedido de decretação da nulidade, aliás, ai, de mandamento negativo da sentença. No caso (c), a sentença não contém referência ao terceiro (processual), titular da relação de direito material: processualmente, seria terceiro, e o seu prejuízo ressaltaria (portanto, estariam fora de dúvida a sua legitimação e o seu interesse), mas, em verdade, não foi citado, a) devendo ter sido, ou não foi citado, b)podando ser excluido, com as conseqUências respectivas de ser nula ipso iure a sentença, ou de não poder ter eficácia contra ele a sentença. No sistema jurídico, a alegabilidade de a) é a todo tempo, inclusive em embargos do devedor; a alegabilidade de b), somente em embargos de terceiro, porque se trata de discussão de limites da eficácia, ou em embargos do devedor, com a exceptio de que falamos no começo.

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Os embargos de terceiro podem ser usados mais de uma vez se a ofensa ocasionada pelo mandado é diferente. Caso digno de nota é aquele em que o embargante foi parte na primeira instância, não apelou, nem agravou, e a mudança da sentença lhe causou prejuízo. O mesmo pode ocorrer se a sentença de superior instância foi modificada em embargos infringentes, ou em recurso extraordinário (cp. GIU5EPPE CHioVENDA, Principio, 1093), salvo, numa e noutra hipótese, se se trata de litisconsórcio unitário. Ainda em recurso extraordinário, se a decisão defere a constrição, estando caracterizada a ameaça especifica, cabem embargos de terceiro. O que importa é saber-se se a constrição já se determina com o julgamento. O que, começando por ser parte, ou sendo chamado ou nomeado à autoria, foi afastado da relação jurídica processual, é terceiro; porém não o que foi chamado ou nomeado e não compareceu, ou compareceu e desistiu, salvo se há diferente interesse nos embargos de terceiro. (5) Dentre os casos que concernem à angularidade da relação jurídica processual, cumpre fazer-se distinção: a) aqueles em que a relação jurídica processual só existe se a angularidade mesma se perfez; b) aqueles em que a angularidade apenas a completa, apenas a estenderia. Os primeiros casos correspondem, noutro plano, àqueles em que a lei não admite a formação (existência) da relação jurídica processual sem a integração do litisconsórcio (o que não no3 ocorre exista no direito brasileiro). A regra é que, fora dos casos que a lei positiva crie, a relação jurídica processual existe, mas a sentença não tem eficácia contra o que devera ter sido citado e não foi. A sentença existe; é nula de pleno direito, quanto à extensão subjetiva, além de ser rescindível (art. 485, V), se insere o nome do terceiro. Antes de ser levada ?i execução, pode o terceiro propor a ação rescisória; levada à execução, cabem ao executado os embargos do devedor (art. 741, 1). Se a lei cria casos em que a relação jurídica processual não se constitui, a exclusão da parte necessária obsta a qualquer eficácia da sentença que também não poderia ser executada; mas a atitude do terceiro, que foi citado na execução, há de ser com a mesma prudência~ que teria, se o outro processo tivesse firmado a relação jurídica processual, porque a “sentença”, aí, é título executivo, e o citado na execução tem de defender-se antes de precluir o prazo. (6)É de enorme importáncia teórica e prática, porque evita graves confusões a que não se forram grandes processualistas, a distinção entre sucessores universais e singulares, no plano do direito material, e sucessores, sejam universais ou singulares, no piano do direito processual. Quem, C, comprou a A a casa, que B, agora, reivindica de A, é sucessor de A, no plano do direito material, sem que o seja, talvez, no plano do direito processual. Por isso mesmo existe o art. 70 do Código de Processo Civil, para que C se defenda, se B vai contra ele antes de ir contra A; e existem os arts. 1.107-1.117 do Código Civil para a ação de evicção, de B contra A (cf. art. 76 do Código de Processo Civil). Se C entra na relação jurídica processual, em vez de A, então lhe sucede no plano processual (entrada sucessiva na relação). Os arts. 1.055-1 .062 do Código do Processo Civil dizem respeito aos sucessores processuais, podendo dar-se que já haja ocorrido o que é a regra a sucessão no plano do direito material, sem, todavia, se ter consumado a sucessão no plano de direito processual. A distinção assume significação de extrema delicadeza quando se pergunta se a coisa julgada material, que somente opera inter partes, a) apanha os sucessores com a eficácia própria da sentença, ou b) se tal eficácia é apenas reflexa. Se a), parte e sucessores e sucessores das partes são, irrestritamente, partes, pois que se disse que a coisa julgada material só opera entre partes (Res iudicata jus facit inter partes); porém o enunciado a) somente é sempre verdadeiro, se os sucessores, que sofrem a eficácia, ou dela se aproveitam, são os sucessores depois da litispendência (e. g., o herdeiro ou legatário do autor ou réu morto pendente a lide). Aí, o direito material deduzido em juízo está ligado ao exercício da ação ou da defesa em juízo, devido à litigiosidaae (art. 219). Quanto aos sucessores antes da lide, o enunciado a) somente às veres é verdadeiro; logo, em lógica de só dois valores, esse enunciado a) não é verdadeiro. Quando, por exemplo, se discute qual o terceiro que pode usar dos embargos de terceiro, e se responde sancta simplicitas! que estão excluídos os sucessores, enuncia-se proposição que pode ser verdadeira, ou ser falsa, conforme o que se entende por “sucessores”. No plano processual, os que sucedem às partes e entram na relação jurídica processual são partes, os que sucedem às partes, sem entrar na relação, estão sujeitos à eventualidade da perda, como estão aquelas, pois sucederam na res litigiosa. Esses sucessores são sucessores no plano processual, ou porque sucedem na relação jurídica processual ou porque sucedem no evento processual. Contra eles e a favor deles opera a coisa julgada material, porque a eficácia, ai, e só inter partes. Se a parte alienara antes do pleito a coisa, o sucessor dela é imune à coisa julgada material inter partes. É o tipo mesmo do terceiro legitimado à ação de embargos de terceiro, à reivindicação contra o vencedor da ação contra o alienante, etc. Não fora parte, nem sucedera a alguma das partes. É lamentável ver-se como juristas de renome baralham esses dois conceitos. Dir-se-á que a sentença entre o alienante e o vencedor da

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ação prejudica, de certo modo, o :sucessor que adquiriu antes da litispendência; e que, portanto, há eficácia da sentença contra esse sucessor. Essa eficácia é rei lexa, ao passo que a eficácia de coisa julgada material quanto aos sucessores após a litispendência é eficácia direta, isto é, própria da sentença. Quem quer que tenha sucedido, a titulo universal ou singular, pendente a lide (tenha ou não havido habilitação, que é simples inserção processual, para integrar formalmente a relação jurídica processual), está excluído dos embargos de terceiro; pois que não é terceiro: sucedeu à parte; adquiriu com o vicio litigiosi, ainda que o ignorasse; e é indiferente que a aquisição tenha sido antes ou depois da sentença condenatória. Não importa se a parte, A, alienou a coisa a C, e C a D; D não é terceiro, nem o seria E, que a recebesse de D. Já no seu tempo, entre nós, DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL pusera isso bem claro. Mas, se a lide é entre A e B e foi X que alienou a Y a coisa, Y não é sucessor, nem adquiriu com o vício litigiosi, porque litigiosidade é entre partes e eI eito da litispendência. Esse ponto foi excelentemente tratado em ANTÔNIO DE SousA MACEDO (Decisiones, 188), que enunciou: “... si tertius possessor non habeus causam ab illo, contra quem lata fuit sententia, proculdubio exequutio non procedit adversus eum, cum nullam convenientiam inter se habeant”. Escapo à confusão em que tantos processualistas contemporâneos incorreram, o embaixador de Portugal na Holanda em 1651 e, depois, Secretário de Estado, escreveu: “Si vero tertius habet causam a condemnato, distingue; si incepit possidere ante litem motam, adhuc res ab omni litis contagio erat libera, ideo etiam non procedit exequutio contra eum, sed opus est denuo agi via ordinaria”. A afirmação de que, nas execuções em ação de reivindicação , não se admitem embargos de terceiro (R. dos T., 166, ~06) é sem base jurídica. Quem foi parte, é óbvio, não pode embargar como terceiro, mas isso acontece em qualquer execução. Se houver erro quanto aos legitimados passivos, como se o possuidor não foi parte na ação de reivindicação, ou não é possuidor nem foi parte, ou se houve transferência da posse depois de se intentar a ação e não se prosseguiu contra o adquirente a demanda, terceiro ele o é, mas há a regra jurídica sobre a eficácia da sentença exequenda contra o sucessor singular, nas ações reais. Não é preciso que seja introduzido na relação jurídica processual. Há eficácia contra esse sucessor. É interessante observar-se que A. TISSIER (Théorie et Pratique de la Tierce Opposition, 170-172) e ENR7CO GALLUPPI (Teoria deila Opposizione del terso, 240 s.) ainda excluiam a extensão da coisa julgada material, e GIUSEPPF CHIOvENDA (Principii, 598 s., 874 s., 923) recorria à noção da substituição processual (terminologia que condenamos). A explicação científica é a da compreensão do sucessor pela irradiação da eficácia: se a entrada no processo não se operou (e não se opera sempre), o alienante continua sendo parte, enquanto o adquirente do bem é apenas titular da relação de direito material (cf. KONRAD HELLWIG, Wesen und sub jektive Begrenzung der Rechtskraft, 156 s., 467). Foi a concepção privatistica do processo que sustentou o falso dogma da coexistência necessária da legitimação processual e da legitimação à causa, de modo que o autor teria de ser, necessariamente, o titular da relação de direito material, da res in judicium deducta. Ora, isso era, e é, apenas, o que mais acontece; casos há em que essa coincidência não se verifica. Quando JOSEF KOHLER, em 1886 (Der Dispositionsniessbrauch, Jherings Jahrbiicher, 24, 319 5.) e depois (tYber die Sukzession in das Prozessverhãltnis, Zeitschrift, 12, 97 s.), pensou em substituição processual (sem usar do termo), estava bem entre duas épocas, a da concepção privatistica, que tudo punha no plano do direito material, e a da concepção publicística; daí a ambigUidade do termo. Há substituição processual no chamado que assume; ~, há, também, no alienante que continua no processo e nenhuma notícia deu,em juízo, da alienação? No caso do adquirente da coisa litigiosa, há três estados diferentes: a) o do adquirente de que não há notícia no processo; b) o do adquirente de que se tem notícia; e) o do adquirente que, com a “habilitação” do art. 1.061, entra no processo. Se chamássemos substituição processual a a) e b), claro é que apenas daríamos nome ao fato de não coincidirem parte e titular atual da relação de direito material. A palavra “substituto” ainda urai reniiniscência da concepção privatística. A cessão do crédito, como a alienação, sejam transíativas sejam constitutivas, e mesmo a desopropriação, atuam no processo, de si sós. O cedente ou o alienante continua sendo parte, até que o cessionário, ou, em geral, o sucessor singular, assuma. Por onde se vê que o nome “substituição processual” é de flagrante impropriedade; e Jos~’ KOIILER não o empregou, nem KoNx~ HELLWIG (Lehrbuch, 1, 320 s., 340., Anspruch und Klagrecht, 207 s.) e foi extremamente infeliz em usá-lo GXSEPPE CHio-VENDA (Frincipii, 596). Contra a figura em si, RICIIARD SCHMIDT (Lehrbuch, 2~. ed., 315) e ENRICO REDENTI (11 Giudizio civile con pluralità di parti, 111 s.). Se a demanda foi somente quanto à posse e o adquirente da coisa, depois da lide, invoca o domínio ou outro direito, nem por isso se há de reputar terceiro se o seu direito provém de uma das partes (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, III, 299: “Ac proinde ex sententia lata super possessorio potest agi exequutive adversus tertium, qui lite pendente super possessione, incepit possidere; nam ex hoc redditur litigiosa ipsa possessio, quae valide acquiri, & ín alium transferri non poterat in praeiudicium actoris...”). Disse o Decreto-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, art. 42: “O terceiro de mesmo tempo senhor e

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possuidor dos bens penhorados poderá, até a assinatura da carta de arrematação, adjudicação ou remissão, alegar e provar o seu direito, por meio de embargos opostos dentro de cinco dias, contados da data em que teve ciência do ato que lhes deu lugar, e processados e julgados, em auto apartado, na forma~ prevista nos arts. 16 e seguintes”. O Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1.a Região, a 17 de junho de 1969 (D. da J. de 30 de junho), disse que é o art. 42 de Decreto-lei n. 960 que, na justiça do Trabalho, rege a propositura dos embargos de terceiro, e não o Código de Processo Civil. Está certo, porque o art. 889 do Decreto-lei n. 5.452 se refere às regras jurídicas “que regem o processo dos executivos f is-cais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”, e o Decreto-lei n. 960 contém o que se lê no art. 42. Mas o bisonho legislador de 1938 longe estava de atender a que os embargos de terceiro podem ser opostos pelo que é titular do direito, sem que o direito seja de propriedade ou de posse. O art. 707 do Código de Processo Civil de 1939 não derrogou o Decreto-lei n. 960, mas explicitou a doutrina dos embargos de terceiro. Qualquer titular de direito, se esse seria ofendido pela sentença, tem legitimação ativa para os embargos de terceiro. O Código de 1973 contém o art. 1.046, com os §§ 1.0, 2.0 e 3~O, e o art. 1.047. (7) O alienante é terceiro quanto à ação c à sentença entre o adquirente e o seu contendor, se não foi chamado e não se introduziu na relação jurídica a processar, ou se foi repelida a sua intervenção como chamado. Não há coisa julgada material da sentença quanto a ele. Tem a execptio rei inter alios iudicatae e contra a eficácia reflexa da sentença a exceptio mali processus, na ação de evicção. O julgado entre o adquirente e o seu contendor é-lhe estranho, por isso mesmo que o não chamaram e não entrou na relação jurídica processual, Aliis neque prodesse neque nocere. Esse terceiro pode antecipar a sua defesa contra a eficácia reflexa, com a sua intervenção no recurso (art. 499), onde, inclusive, pode arguir o mau tratamento do processo (exceptio mali processus) e até a matéria do dolo, da simulação ou da fraude, se lhe convém, e, a seu risco, desde logo articulá-la, em vez de o fazer principaliter, ou em embargos de terceiro. Aliás, a respeito de sucessores de direito material (não ~de sucessores de direito processual), é preciso advertir-se que o principio Nemo pius iuris transi erre potest quam ipse habet pertence a cada um dos planos (originariamente só ao do direito material), e nunca a dois planos ao mesmo tempo: ao sucessor pendente a lide é aplicável, dentro do direito processual; ao sucessor antes da lide, não, se alguma sentença se interpõe antes de se invocar o princípio, porque casos há em que seria falso, pela diferença possível entre incidência e aplicação da lei. O mesmo raciocínio cabe fazer-se quanto ao princípio Resoluto iure dantis, resolvitur ius accipientis, que é de direito material e, para ser posto no plano yrocessual, exigiria que tudo somente nesse plano se passasse (e. g., dentro do mesmo processo). Depois da sentença, trânsita em julgado, todo sucessor singular é sujeito à regra Nemo plus iuris trans ferre potest quam ipse habet, porque o plano é o do direito processual, na estrada temporal que se lhe abriu com a irradiação da coisa julgada material. A força da sentença tem essa eficácia. Em todo caso, porque os direitos e pretensões, no plano da incidência das leis, não ficam substituidos pela situação que a sentença, no plano da aplicação, estabelece, o sucessor post rem iudicatam recebe o que vem da sentença, mais e, de que se pode servir contra a sentença (e. g., a ação rescisória). O sucessor post rem iudicatam “sucede” na pretensão, não na coisa julgada material, que é eficácia. Não há sucessão na eficácia: a eficácia é que se estende no tempo. Por isso, a despeito da série de sucessões, ocorre a identitas personae. Falar-se de partes e seus sucessores é apenas analisar-se, através do tempo e das circunstâncias, essa pessoa idêntica. Se a sentença, ou, a fortiori, a litispendência, foi posterior à alienação, aquela não atinge os sucessores, porque esses estão fora da linha processual. São terceiros (sem razão,GIUSEPPE CHIOVENDA, Principii, 1012, que exige o fundamento de dolo ou da colusão para se poderem opor; com razão, A. MENDEL5soHN-BA2RTHOLDY, Greneen der Rechtslcraft, 136). Em todo caso, a transcrição do título sentencial da parte, antes da transcrição do título do sucessor, produz efeitos erga omnes, o que se passa no terreno do direito material. Ganha-se em se prestar atenção aos conceitos, que são distintos, e em se evitar confusão entre eles. O alienante ou cedente permanece na causa, a despeito da alienação ou da cessão; se a abandona, arrisca-se, porque está sujeito a todos os deveres e ônus processuais, e pode sofrer mesmo, sendo autor, que se absolva da instância o réu. Enquanto o adquirente ou cessionário não entra na causa, pode desistir, com eficácia terminativa do processo, sem prejuízo para a outra parte que ignora a alienação ou cessão; e não se lhe veda a confissão, nem outros atos processuais semelhantes, inclusive transigir (JoSEF KOHLEH, ~ber die Sukzession in das Prozessverhãltnis, Zeitschrift, 12, 117; KoNRAD HELLWIG, Lehrbuch, 1, 346; Wesen und sub jektive Begrenzung der Rechtskraft, 158 s., que seguiram a lição de AnOLF WACH, no célebre artigo dos Gruchots Beitrãge, 30, 792, s., em 1886). A opinião contrária, inaceitável, de FónsTER-ECCIUs (Theorie und Praxis des heutigen gemeinen preussischen Privatrechts, 7.~ ed:, 1, 676), que se ressentia da velha concepção privatística do processo, ainda repercutiu em GIUSEPPE CHIOvENDA (Principii, 598) e

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noutros processualistas menores. (8)O sucessor causa mortis pode embargar como terceiro se condenada foi a herança e se são seus, e não da herança, os bens executados. Não importa se estão exauridos, ou não, os bens da herança, porque o direito brasileiro repeliu a responsabilidade do herdeiro ultra vires hereditatis. Naturalmente, se já recebeu os bens da herança, os seus embargos são do executado, por excesso de execução, se a dívida lhe foi partilhada (é ele, então, legitimado passivo da ação de execução), ou os de terceiro, se a dívida foi, segundo os princípios, inclusive ciência do credor, assumida por outrem. Ai, o ônus da prova do excesso de execução toca ao herdeiro (Código Civil, art. 1.587, 2.~ parte). Salvo, portanto, se já recebeu a herança e a dívida não ficou a cargo de outrem (ciente o credor), o sucessor causa mortis é terceiro, agens ex suo iure distincto. Pode repelir, como terceiro, a .execução nos seus bens próprios, como ocorreria, no direito anterior, com o herdeiro a beneficio de inventário (MANUEL ALVARES PÉGAS, Resolutiones Forenses, 1, 357). A técnica, de lege ferenda, pxleria permitir que se considerasse o herdeiro ou legatário universal, em tais casos, executado, com exceção de separação, ou como terceiro-embargante em ação de separação. Cedo, a processualística luso-brasileira seguiu, com acerto, o segundo caminho, e para isso concorreram lições de ALvARo VALASCO e de MIGUEL DE REINoso, sobre eficácia da partilha e da adjudicação, mas, principalmente, os -raciocínios do Senado português sobre a cumulação de várias pessoas numa só, como acontece com o herdeiro sem ,sucessão ultra vires hereditatis, o que ANTÔNIO DE SOUSA DE MACEDO (Decisiones, 196-198) expôs com toda nitidez. O julgado de 19 de agosto de 1678 (Lisboa), que MANUEL ALVARES PEGAS reproduziu (1, 357 5.) e comentou, referia-se mesmo a sucessor que nada recebeu, o que representava, já naquele século, a transição para o direito de hoje. O herdeiro é condenado, é parte, e é terceiro, porque entra na4quela classe de pessoas em que duas figuras se cuinulam: “confusio excludatur, et patrimonia distincta permaneant”, frisavam os velhos juristas. (9)Quem usou dos embargos do devedor, porque entendia não estar sujeito à execução e perdeu, ou quem usou da oposição de terceiro, e foi julgada inadmissível ou improcedente, por não ser terceiro, logicamente não tem legitimação para embargar como terceiro, quanto à mesma eficácia do ato judicial e devido ao mesmo fundamentO. (10)O que uma vez usou de embargos de terceiro e foi vencido não fica privado de embargar, como terceiro, por outro fundamento, que não tenha sido repelido, uma vez que: se não tenha dado preclusão do prazo para embargar. Cada causa impedimento tem o seu cômputo e a sua preclusão. (11) Espécie de interesse prático e de certa elegância doutrinal é a do terceiro na própria demanda: A, digamos~ não recorreu da sentença, nem contra ele recorreu o seu adversário, mas B recorreu, e a sentença foi modificada, de modo a causar prejuízo a A; A é terceiro no agravo do recurso porque, quanto a ele, não se deu a extensão da relação jurídica processual. Em todo caso, se a sentença do segundo grau o inclui, tem de lhe ser comunicada para início de eficácia: deve então vir com embargos de declaração, ou com a. ação rescisória; se a sentença do grau superior alterou a primeira sem incluir o não-recorrente, há de entender-se que a primeira sentença, quanto a ele, transitou em julgado. Ainda nos casos de litisconsórcio necessário (não unitário!), não há dever das partes de estarem presentes ao julgamento dos recursos das outras partes se a sentença quanto àquelas já passou em julgado. A regra jurídica sobre suspensividade, no recurso dos~ embargos do devedor por falta ou nulidade da citação, é invocável pelo não-recorrente, cujo nome consta da sentença; aliter, se o juiz, a despeito de não estar incluido o nome do-não-recorrente, interpretou a sentença como se tivesse eficácia contra ele. A sentença includente, quanto a ele, é nula ipso jure. São invocáveis a coisa julgada da primeira sentença e a ilegitimidade de parte no executivo, mas essa depende daquela, que é prejudicial. De modo que não é matéria para embargos de terceiro. A situação do que já teve a coisa. julgada e ainda assim a instância superior o apanhou, incluindo-o na sentença, não é como a daquele contra o qua revel, correu o processo sem citação ou com citação nula. A sentença da segunda instância é, para esse, nula de pleno direito. Como, porém, aquela pessoa tem por si a coisa julgada material, não se lhe pode negar a exceção. Por outro lado, quanto ao não-recorrente cujo nome não consta da sentença, são embargos de terceiro o remédio próprio. (12)O que foi nomeado à autoria, e não interveio, fica privado da ação de embargos de terceiro. Se interveio, e foi repelida a sua intervenção, ainda lhe resta a pretensão a embargar, que exercerá quando lhe nasça a ação (cf. ANTONIO SEGNI, L’Interlento volontario in appello. 55). Se o nomeado à autoria confessa o

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pedido e o nomeante prossegue na defesa, não é terceiro. Enquanto a nomeação à autoria exclui, no chamado, a exceptio mali processus, que esse terceiro teria na ação de regresso, a falta da nomeação mantém-lhe tal exceptio, que pode excluir a eficácia reflexa do julgado entre o que teria de nomeá-lo e a outra parte no processo precedente. A rigor, o nomeável, que não foi nomeado, foi terceiro, ao tempo do processo, e continua, depois, como sempre foi, terceiro. A questão de ser, ou não, sujeito à execução (portanto, não ser, ou ser terceiro, com a pretensão a embargar) o nomeado à autoria, que tomou sobre si a defesa da causa, foi resolvida, desde o velho direito luso-brasileiro, no sentido de não ser terceiro, nem o nomeante, se está com a coisa, nem o nomeado; podendo, porém, a sentença condenar desde logo pelos frutos, interesses e custas o nomeado (SILvEsTRE GoMEs DE MoRAIs, Tractatus de ExecutiOnibus, VI, 114: “in assistente liti in auctorem vocato, & simile defeilsore, necessano effecto litis consorte, ex sententia enim adversus reum principalem lata potest contra huiusmOdi personas executive procedi”; depois, firmado em AGO5TINI~O BA1~nosA: “... ut procedat cum condemnatio rem egreditur, scilicet in fructibus, interesse, vel expensis; nam pro repetita solum in re ipsa penes reum existente executio necessario facienda est”). A sentença na ação rescisória (iudicium rescindens) do julgado de mérito entre o autor e o réu, sendo um deles litisdenunciante (art. 70), em que houvera repulsa, permite que, no juízo rescisório, se nomeie, de novo, o responsável, pois a sentença em que se dera a absolvição do nomeado apenas o fora em ação eventual (JAlvIEs GOLDSCHMIDT, Der Prozess ais Rechtslage, 481 s.), que fica no vácuo se a açao principal é repelida. Enquanto não foi julgada a ação rescisória, o pretenso responsável foi terceiro; passada em j ulgado a sentença da ação rescisória, sem que tenha sido nomeado, terceiro continua de ser; se foi cindido o julgamento em rescindente e rescisório e, nesse, nomeado à autoria e admitido como tal, deixou de ser terceiro. Se o nomeado à autoria não comparece, ou se ele nega a qualidade que se lhe atribui, e o autor prossegue contra ele (art. 66, 2.~ parte), é parte, e não terceiro, se a sentença explícita ou implicitamente o julga tal. (13)O terceiro pode, nos embargos de terceiro, oPor a fraude contra credores (Código Civil, arts. 106-113), a simulação (Código Civil, arts. 102-105) e o dolo (Código Civil, arts. 92-97), tanto quanto se lhe permite no plano do direito material, a respeito dos negócios jurídicos de direito material. Essa a jurisprudência e a boa doutrina. Para isso, duas verdades concorrem: a sentença entre o devedor e a outra parte, na fraude contra credores, ou o dolo das partes, ou qua~quer outra atitude lesiva, não pode ter eficácia contra o terceiro, e esse tem o direito de ignorá-la; o negócio jurídico que esteve à base do processo, como res in iudicium deducta, não deixa de ser atacável porque sobreveio a sentença. O terceiro pode defender-se da eficácia contra ele, que se pretende fazer prevalecer, com a exceptio rei inter alios iudieatae, porém nem sempre essa exceção lhe basta, devido a não estar com ele o bem. Outros meios de ataque são a ação constitutiva negativa de invalidade e a ação de embargos de terceiro, ação de mandamento, que envolve aquela (A. MENDEL5SOXN-BAR-moiay, Grenzeu der Rechtskraft, 75, nota 2, e 145 s.). Para a discussão histórica na França, A. TIssIER (Théorie et Pratique de la Tierce Opposition, 27, 310 s. ). Exemplo frequente é o dos embargos de terceiro na ação executiva contra o marido se a mulher alega a simulação da divida (5.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 19 de maio de 1944, J. do T. de A., 23, 10 s.). Errada a afirmação de que a imatéria da actio Pauliana não cabe nos embargos de terceiro (e. g., D. da J. de 29 de junho de 1946, 4226). Temos de focalizar a situação do chamado ao processo ~arts. 77-80), porque foi assunto novo do Código de 1973. Se o chamado ao processo, tenha sido o devedor, por ser réu na ação o fiador, ou tenha sido um ou alguns fiadores, porque só fora citado um deles, ou tenha sido um dos devedores solidários, se a ação foi proposta apenas contra um ou alguns, têm de ser citados e defender-se. A sentença é que dirá da responsabilidade, mas, antes dela, o comparecimento do citado o faz litiseonsorte. Se na contestação nega que pudesse ser chamado ao processo e isso foi acolhido, tal pessoa é terceiro e pode embargar como terceiro se alguma constrição judicial vai ou veio a sofrer. Os juristas pelejam, ora acentuando o caráter de oppositio tertii, ora o caráter de ação revocatória, que teria a ação fundada no dolo, ou outro vício, para impugnar o negócio jurídico (processual). A construção cientifica é, porém., a seguinte: o terceiro tem as ações constitutivas clássicas, que se exercem sem se dirigirem ao negócio jurídico processua7 dirigem-se ao negócio jurídico de direito material, pelo qual se fraudou, ou que se simulou, ou no qual houve o dolo contra o terceiro, sem se precisar indagar qual a espécie de negócio jurídico; a sentença, não tendo eficácia contra ele, permanece como simples laço negocial entre as partes, sem poder fazer válido o negócio oculto ou viciado; o terceiro tem a ação própria, que dissemos clássica, e diante do “ato judicial” que caiba na menção feita pela lei dirige-a contra esse ato, pedindo o mandamento negativo contra a eficácia da sentença quanto a ele, não contra a sentença mesma. Para isso, tem de provar o dolo, a fraude, a simulação, e a causalidade entre o dolo, a fraude, ou a simulação, e a eficácia da sentença.

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Os embargos de terceiro são apenas, nesses casos, a ação constitutiva negativa, em que o elemento manda-mental negativo passou à frente. Já se insistiu antes quanto à estrutura da ação de embargos de terceiro, mandamental, de conteúdo variável. A bilateralidade do dolo, por exemplo, é elemento que deriva da natureza corrente das coisas, sem excluir, a priori,. regra de direito material que se satisfaça com o dolo unilateral: a) não se pode embargar pelo dolo unilateral contra o vencido, porque, ex hypothesi, as vantagens da sentença estão com o vencedor, e esse é terceiro em relação ao negócio, ou situação, entre vencido e pretendente aos embargos: seria antijurídico arrancar-lhe o que obteve sem qualquer participação sua no vício; b) não se pode embargar pelo dolo unilateral contra o vencedor, porque ele ou tinha razão ou não tinha: se tinha, não a tem o terceiro; se não a tinha, ou houve dolo concorrente (o que é contra a hipótese), ou não houve,. e então a admissão dos embargos de terceiro seria reexame do mérito da sentença entre ele e o vencido. No mais, os embargos de terceiro impugnativos são submetidos aos princípios gerais. A ação pauliana ou revocatória apenas enche o pedido de mandamento negativo; por isso mesmo, tanto erram os que procuram reduzir os embargos. de terceiro, nesse caso, à ação pauliana, revocatória, ou de simulação, como os que tentam apagá-lo. Cumpre, porém, observar-se que a procedência dos embargos de terceiro não revogam a sentença como tal. A sentença foi dada entre as partes, transitou em julgado e, de regra, somente está exposta, dentro do prazo legal, à ação de rescisão, para a qual o “terceiro”, legitimado aos embargos de terceiro, logicamente não e legitimado. O que se ataca é o negócio jurídico, que se pós como res in judicium deducta, usando-se para se lhe dar valor, a sentença. Doloso, fraudulento, simulado, é esse negócio de direito material, ou essa relação ou situação de direito material, não como se tem aventurado a sentença. Falar-se, ai, de sentença simulada (sem razao, GÍUSEPPE MEsSINA, Contributo alia Dotrina deila Confessione, 60 s.) orça pelo absurdo. Nem, ademais, a sentença nos embargos de terceiro destrói a eficácia inter partes da sentença embargada. Ter-se-iam transformado os embargos de terceiro em recurso de alguma das partes. A procedência dos embargos de terceiro não altera, de modo algum, a eficácia da sentença no que ela estatuiu entre as partes. Não se confunda a simulação do negócio jurídico, ou da situação, de direito material, com a simulação do processo, ou com a só aparência do processo, em que a sentença mesma é atingida, segundo os princípios que regem o procesSo simulado e o processo aparente, em que a atividade processual não foi “real”. Também é invocável pelo terceiro o seu direito à resolução, à denúncia, ou outros direitos expectativas ou formativos. (14) No direito brasileiro, a ação de embargos de terceiro, de conteúdo impugnativo, não é obrigatória, ou necessária; fica ao terceiro o uso da ação própria. Todavia, os prazos para os embargos de terceiro são peremptórios, sem se ter de indagar do momento em que o terceiro teve conhecimento do dolo, da fraude ou da simulação, contra ele, ou se esse conhecimento do vício ocorreu antes ou depois do ato judicial embargável. Aliter, porém, quanto ao recurso do terceiro. Na processualística européia, a questão da obrigatoriedade ou da facultatividade da chamada “oposição de terceiro” (que é a mesma ação de embargos de terceiro do direito brasileiro, e não a de intervenção de terceiro) tem sido questão extremamente renhida. Pela obrigatoriedade, ENRICO GALLUPPI (Teoria deila Opposizione del terzo, 270 5.), J. AMIGUES (De la Tierce Opposition, 112) e A. TISsIER (Théorie et Pratique de la Tierce Opposition, 96 5., 224); contra, A. MENDELSSORN -BARTHOLDY (Grenzen der Rechtskraft, 81 s.). Ora, os embargos de terceiro são apenas o exercício da pretensão ao mandamento negativo: os prazos legais para os embargos de terceiro referem-se a esse exercício, não ao da pretensão à constutividade negativa, que está à base da ação de impugnação. (Não cabe aqui a critica, de lege condenda, da inclusão de todas as questões de simulação como de “questões de anulação”, nem a de poder haver ação declarativa da simulação. absoluta, que é sobre inexistência da relação jurídica.) O não-emprego, nos prazos legais dos embargos de terceiro, não extingue a exceptio rei inter aUos iudicatae, nem as. ações próprias, autônomas, do terceiro. Uma das conseqtiências é poder o terceiro impugnar créditos, nos graus superiores da justiça, ainda se já se lhe vedam os embargos de terceiro. Ao meio jurídico faltará, então, o elemento mandaineutal negativo da “ação”: será recorrente do art. 499, que é o “terceiro prejudicado”, ou estará a exercer a exceptio rei inter alios iudicatae, ou outro meio jurídico. Advirta-se em que não importa indagar-se se o direito do terceiro é anterior ou se é posterior ao ato judicial embargado: há atividades dolosas, fraudosas, ou simulantes, contra direitos futuros, ou para futura invasão da esfera jurídica de outrem. (15) O cessionário pode opor embargos de terceiro. Os que afirmam o contrário leram mal o aresto português de 1638 (em MANUEL MENDES DE CASTRO, Practica Lusitana, 1, 207); pois o caso examinado, naquela feita, era o de cessão de bens penhorados e de devedor já falido ao tempo da penhora.

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Naturalmente, não é legitimado o cessionário se se trata de cessão ineficaz; e. g., se a cessão somente foi registrada após a penhora (1.R Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Goiás, 7 de junho de 1943, R. dos T., 146, 333), ou contra outra constrição. No mesmo sentido e referindo-se ao que escrevemos na 1.a ed. dos Comentários ao Código de 1939, a 2Y-Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 11 de abril de 1957 (D. da J., de 13 de março de 1958). (16) Ao sócio é facultado intervir como terceiro na execução contra a sociedade se foram penhorados bens de sua propriedade particular (Corte de Apelação do Distrito Federal, 23 de setembro de 1913, R. de D., 32, 185, o que corrigiu o enunciado demasiado geral do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, a 28 de setembro de 1906 e 27 de março de 1908, Rel. de 1908, 136, que o negava, sem descer ao exame dos casos possíveis). Também a sociedade é legitimada, se os bens são sociais, na execução contra o sócio, exceto quanto à quota (Corte de Apelação do Distrito Federal, 28 de junho de 1927, R. de li., 87, 100). As sociedades irregulares podem ser terceiros (Corte de Apelação do Distrito Federal, 8 de setembro de 1921, R. de D., 61, 562). O executante pode opor a fraude, ou a simulação, o do1o, ou o erro (sobre a fraude oposta à sociedade, por ser o sócio “testa de ferro” de outrem, Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de janeiro de 1934, R. dos T., 93, 328). (17) O fideicomissário tem a legitimação para embargos de terceiro desde que prove invasão ou ameaça específica de invasão na sua esfera jurídica (sem razão, o Tribunal de Justiça de são Paulo, a 6 de abril de 1934, R. do~ T., 90, 272). O Código de 1973, como o de 1939, abstraiu de ser executiva a ação pendente a qual pode o terceiro opor os seus embargos. Sempre que o Estado está no exercício da jurisdição m e há, com alguma medida constritiva, ofensa a direito de terceiro, a ação de embargos de terceiro é a ação adequada; aliter, se a ofensa ou a ameaça provém de ato de particular, ou do próprio Estado (qualquer entidade estatal), sem que se trate de função judicial. Aqui, de modo nenhum se há de pensar em embargos de terceiro, mas sim em ação possessória, ou de condenação, ou cominatória. A distinção entre a ação de embargos de terceiro e as ações possessórias baseia--se em que, para aquela, é pressuposto essencial a constrição estatal, em função judicial. Mesmo quando se trata de ação proposta por titular de posse, o que se exige é que se tenha de atender à pretensão à tutela jurídica por parte do terceiro. Não se diga que tal não acontece se os embargos de terceiro são opostos pelo credor com garantia real (hipoteca, penhor ou anticrese) porque se tem por fito obstar a alienação judicial. O ato que a isso leva é ato constritivo, como os outros. 3)ATO PROCESSUAL CONTRA O QUAL SE EMBARGA. 05 embargos de terceiro supõem ato processual, constritivo, inclusive sentença, não somente executivo lato sensu, do juiz, contra o qual se peça ao próprio juiz o mandamento negativo, que corte a eficácia daquele ato. Muito se precisou indagar e apurar, com auxilio da revisão da história e com o esclarecimento das descobertas de sistemática, para se chegar à verdadeira construção do instituto. É, hoje, um dos pontos mais interessantes da ciência processual. Compreendê-lo, o melhor passo; e o mais seguro, para se evitarem erros graves, assim na teoria como na prática forense. 1.A sentença, se esse é o ato embargado, lá está, em sua existência, em seus pressupostos de validade (existe e vale, ou existe, porém não vale) e de eficácia. Vejamos as diferentes construções e explicações, respectivamente: a) Quando algum jurista põe a questão ~, subsiste, ou não, a sentença, se o embargante-terceiro vence? coloca-a no plano da existência da sentença, o que levaria ao absurdo. Subsistir é existir (exister). A sentença existiu, existe e subsistirá. b) Os embargos de terceiro teriam caráter de meio de reforma da sentença embargada no todo ou em parte? O juiz retratar-se-ia ou decretaria a nulidade, como ocorre com os embargos infringentes do julgado (arts. 530-534), Note-se que aí se poriam os embargos de terceiro como remédio jurídico processual quanto à validade ou à procedência da sentença. Tal construção confundiria com eficácia imediata ou mediata a força da ação de embargos de terceiro. c)~, A sentença existe, quaisquer que sejam os pressupostos de validade, e os embargos de terceiro não a atingem na sua existência e na sua validade? O que está em causa é a sua eficácia. Os embargos de terceiro seriam tendentes a cortar, a favor do terceiro, essa eficácia. A eficácia da sentença seria em toda a extensão que lhe deu o juiz, com o seu mandado, contra o qual se opõem os embargos. Esses teriam o fito de aparar a eficácia da sentença. Tal opinião exagera o elemento germânico, responsável pela concepção de res iudicata

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para todos os presentes, ou que deveriam estar presentes ao julgamento. Não se há de negar algum influxo, porém esse não foi, de modo nenhum, igual ao que exerceu oposição do terceiro (arts. 56-61), razão de serem julgadas na mesma sentença a ação e a oposição (intervenção principal). Cf. J. W. PLANcIC (Das deutsche Gerichtsverfahren im Mittelalter, 1, 169, 325 5.). Se nós atendermos a que, no direito brasileiro, ainda se o terceiro não usou da oposição de terceiro, pode, por exemplo, reivindicar a coisa, a todo tempo, logo percebemos que, mesmo na oposição dos arts. 56-61, aquele influxo não foi tão grande, nem ta profundo, quanto noutros sistemas jurídicos. d) A eficácia de sentença, como a sua validade e a sua existência, é a que foi, desde o começo. Os embargos de terceiro não a atacam. Apenas tendem a remover o prejuízo sofrido ou ainda por ser sofrido pelo terceiro embargante. Anui, uns (a) falam de interpretação da sentença, no tocante à sua eficácia, como J. PROUDHON (Traité des Droits d’usufruit, II, 101), com repercussão em ENRICO GALLUPPI (Teoria deila Opposisione dei terzo, 355 e 357 5.) e na doutrinia francesa. (Convém ter-se sempre presente que os embargos de terceiro são mais largos que a exceptio rei inter alios iudicatae, porque o juiz vai estabelecer, entre o terceiro e, pelo menos, os embargados, a eficácia de nova sentença, e porque não é só contra a força ou o efeito de coisa julgada material que se exerce a ação de embargos de terceiro. Os que supõem esse paralelismo e essa coextensão colocam-se ao tempo de J. PROUDHON, em opinião que já àquela época era chocante.) Outros (b) falam de declaração, o que assimilaria os embargos de terceiro a embargos de declaração (arts. 463, tI, 464 e 465), como, ate certo ponto, A. MENDELSsOMN-BARTHOLDY (Grenzen der Rechtskraft, 831 5.): pois que a sentença, raciocinam, não pode ter eficácia contra o terceiro, e dar a razão ao terceiro é declarar (no sentido do art. 463, II) a sentença. Tivemos ensejo, várias vezes, neste livro, de frisar os erros de se exagerar elemento secundário, ou ínfimo, das sentenças. As duas atitudes deve-se juntar terceira (c), que é a verdadeira. A sentença embargada, entre as partes, tem a eficácia que resulta do seu conteúdo, e é possível que a tenha erga omnes. Indo contra ela, o terceiro opõe-se a que lhe cause prejuízo a res inter alios, ou a que a eficácia erga omnes seja levada ao ponto que se quer. Não está preocupado com os limites da eficácia da sentença embargada, e sim com a extensão de eficácia do seu direito. Ataca a sentenna porque defende a sua esfera jurídica, não defende a sua esfera jurídica porque ataca a sentença: não pede que a sentença não exista, nem valha, nem tenha eficácia que lhe é lesiva; opóe-lhe a sua posição jurídica. O que se passa pertence àquele estado de interinvasão. Em vez de concepção negativa dos embargos de terceiros, o que faria o incidente processual dar sentido à pretensão, devemos manter concepção positiva. O terceiro-embargante é ativo, como qualquer autor cuja pretensão, res in iudicium deducta, não tem causa na sentença impugnada (aliter, o autor dos recursos ou o da ação rescisória). A eficácia, que a sentença teve, continua de tê-la, O que o terceiro embargante pede é a eficácia da sentença que acolher os seus embargos, julgando a ação que tem, e em conseqúência deferindo-lhe o pedido de mandamento negativo. Essa força, a sentença nos embargos de terceiro a tira de ter sido a ação proposta acessoriamente, fazendo passar àfrente o elemento mandamental; o resto da eficácia depende da natureza da pretensão de direito material, que foi a res in iudicium deducta, e da pretensão à tutela jurídica que serviu de prejudicial à pretensão mandamental. É possível que a sentença esteja perfeita no que decidiu e na sua eficácia, mas o direito, a pretensão ou a ação do embargante tenha de ter atendimento, pela existência desse direito, dessa pretensão, ou dessa ação, e pela não-eficácia contra o terceiro. Aqui, nasce o problema da alegabilidade da mi-fé, nos embargos de terceiro. A resposta há de ser afirmativa, pelas razões mesmas da evolução que se operou no direito, conforme expusemos sob os arts. 16 e 17. A concepção dos direitos, pretensões e ações como se fossem linhas retas, inflexíveis, indeformáveis, em mundo em que não se chocassem, passou: viu-se-lhe toda a profunda inadequação aos fatos da vida, todo o seu quanto despótico que pontilhava de setas pontiagudas o ambiente inter-humano. A medida constritiva, que, em virtude de exercício irregular do direito, material ou processual, lesa a terceiro, é atacável, em sua eficácia, pelo terceiro, em embargos dos arts.1.046-1 .054, porque ele ai está, como em quaisquer outros casos, defendendo a sua esfera jurídica. A alegabiliclade da simulação, nos embargos de terceiro,é tradição do direito brasileiro. A ação do Código Civil, art.105, pode ser em processo livre, ou em processo acessório. Assim julgou (e fez jurisprudência) a Corte de Apelação do Distrito Federal, a 9 de outubro e 7 de dezembro de 1933 (A. J.,30, 233). A cuesQáo sobre a existência ou inexistência de relação de sociedade, inclusive de relação de sociedade

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irregular (e. g., que veio após a comunhão hereditária), é conteúdo de sentença declarativa, e não de sentença constitutiva (status); e não se confunde com as ações de nulidade das sociedades, que são constitutivas. A diferença é importantíssima, devido à extensão da eficácia. A sentença declarativa não tem força contra terceiros, porque a sua eficácia específica é inter partes, nunca inter alios. Por isso, os prejuízos que ela acarreta para os terceiros são sempre de fato, e não permitem que sejam alegados para a propositura da ação de embargos de terceiro. O terceiro reconhece a eficácia inter partes, como teria de reconhecer a eficácia do contrato ou outro negócio jurídico entre elas. Esse fato que nada tem com a eficácia inter alios levou alguns juristas a considerar tal atitude de respeito à esfera jurídica dos outros como extensão da eficácia, inclusive a de coisa julgada material das sentenças, o que conspurcava todo o edifício do direito processual. A sentença declaratória da existência da sociedade, em processo entre todos os socios menos x, somente tem eficácia de coisa julgada material entre os sócios partes no processo. Faltou, como parte, x, que devia ser citado, como litisconsorte necessário, para que a causa fosse entre e os ad quos ea res pertinebat. Se é dito que nenhuma relação entre eles existe, ou que existe a de comunhão de herdeiros, ou a de comunhão inter vivos (de condomínio, por exemplo), e não a de sociedade, o terceiro tem a exceptio rei inter alios iudicatae, ou, se os outros pressupostos dos arts. 1 .046 e 1.047 se juntam, os embargos de terceiro, O sócio ou sócios x têm a exceptio rei inter alios iudicatae. Na execução, se o autor vai contra ele ou eles, há os embargos do executado, se os seus nomes figuram sem terem sido citados, ou se figuram tendo sido citados nulamente. II. Se não há sentença, naturalmente é preciso que haja ato processual do juiz para justificar que o terceiro peça o mandamento negativo. O art. 1.046, que é exemplificativo, admite que seja qualquer ato judicial invadente da esfera jurídica do terceiro. Note-se que esse ato invadente é plus, em relação à oposição do terceiro com base nos arts. 56-61:o opoente dos arts. 56-61 intervém no processo; o dos arts. 1.046-1.054, que opositor também é, “embarga” o ato judicial, para que, vencendo, se lhe dê o mandamento negativo. III. Cessando, por força de outro ato judicial, a constrição (o que equivale a contra mandamento), ficam sem objetos os embargos de terceiro; e. g., levantada a penhora (Supremo Tribunal Federal, 10 de setembro dc 1942, A. J., 65, 5) ou atendida, antes dos embargos, a reclamação do terceiro. 4)EMBARGOS DE TERCEIRO CONTRA ATOS DE JURI5DIÇAO VOLUNTÁRIA. Podem os embargos de terceiro ser usados contra atos de jurisdição voluntária, e nunca se teve dúvida, a respeito, no direito luso, no luso-brasileiro e no brasileiro. Apenas, em certos processos mais simples de jurisdição voluntária, se admitia, e se admite, ação de oposição (mandamental negativa), também sem forma contenciosa, para que, ouvidas as partes, se atenda ao terceiro. Tal oposição de jurisdição voluntária, re adhuc integra, não disciplinada no Código, de modo nenhum perfaz a figura dos embargos de terceiro, ação tipicamente contenciosa. Aliás, sempre que a parte pede a revogação de ato judicial e é essa revogação que causa prejuízo ao terceiro, os embargos de terceiro também estão autorizados contra o ato de jurisdição voluntária, sejam ex tunc ou sejam ex nunc os efeitos da revogação. Os embargos de terceiro exercem papel verdadeiramente notável contra atos de jurisdição voluntária nos casos de dolo, fraude contra credores e simulação. A exceptio subvei obreptioflis, que o direito comum tão bem construiu (WALTER JELLINEK, Der fehlerhajte Staatsakt, 105 e 109), tem a função de advertir o juiz sobre o dolo, a fraude ou a simulação com que a parte ou as partes induzem a erro in judicando o juiz. Naturalmente, a exceptio não pertence só ao terceiro, ao passo que os embargos de terceiro não seriam utilizáveis pela parte ilaqucada em sua boa-fé. Em todo caso, o terceiro que embargou o ato pode ser repelido, na procedência, pelo princípiO Nemo de improbitate sua consequitur actioneifl. Nos casos em que o ato judicial é revogável de ofício podem caber os embargos de terceiro. Vale para a decretação de nulidade, ou declaração de inexistência parcial, ou de ineficácia, o que acima se disse sobre a revogação (e. g., anulação de venda, que prejudique o terceiro). Tanto mais quanto, de regra, a revogação, e, com ela, a decretaçãO de nulidade do ato processual ou de ineficácia, pode atingir a esfera jurídica de outrem. Nos prccesSO5 de inventário e partilha, são admissíveis embargos de terceiro (Relação de Minas Gerais, 30 de junho de 1874 e 11 de maio de 1875, O D., 9, 690; Relacão do Rio de janeiro, 18 de novembro de 1874, G. J., 6. 82, e 22, 83; Tribunal da Relação de Minas Gerais, 4 de março de 1906, 1?. F., 5, 404; 16 de novembro de 1918, 31, 135; 5 de novembro de 1924, 44, 99; 4 de junho de 1930, 55, 46; Tribunal de Justiça de São Paulo, 24 de julho de 1931, R. dos T., 82, 127). Com toda a razão o Tribunal de Apelação de Pernambuco (22 de agosto de 1941, relator A. J. CUNHA BARRETO, A. F., IX, 128).

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Outrossim, nos processos de divisão ou de demarcação (Supremo Tribunal Federal, 7 de agosto de 1920 e 31 de janeiro de 1921, R. de D., 63, 337; 4 de abril de 1926, 83, 330; e farta jurisprudência local). Certa e precisa a 1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 23 de abril de 1945 (R. dos T., 156, 648). 5)DIvERGÊNcIA ENTRE A DECISAO NA Ação E A DECISÃO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. Nenhuma contradição há, de regra, entre a sentença acolhente, proferida nos embargos de terceiro, e a sentença proferida antes, ora embargada, que permita alegar-se infração da coisa julgada, para se propor ação rescisória da segunda sentença; nem as partes da sentença embargada podem tirar da sentença nos embargos de terceiro modificação ou reforma da sua sentença. Não há incompatibilidade jurídica entre dizer-se entre A e B que a coisa pertence a B, ou a A, e dizer-se, entre A-B e C, que a coisa pertence a C. A eficácia inter partes não se estende a outrem; é adstrita ao processo anterior (A e B). No processo dos embargos de terceiro, C é autor e os réus são A e B. Não há identidade de pessoa, nem de res. Essa é a construção verdadeira, no sistema jurídico brasileiro e nos que se lhe assemelham (cf. GIUSEPPE CHIOVENDA, Principii, 1018; A.MENDELSSOHN-BARTHOLDY, Grenzen. der Rechtskraft, 104 s., para os resultados). A idéia de incompatibilidade, de corte, portanto, pela segunda sentença, tem de ser afastada, e afeia o livro de ENRíco GALLUPPI (Teoria de lia Opposione dei terzo, 355) e o de A. TISSIER (Théorie et Pratique de ia Tierce Opposition, 280), aliás em contradição com a tese (a> de serem os embargos de terceiro pedido de interpretação da sentença. Antes, nota 3). Quando os embargos de terceiro só se apresentam na execução são caso especial de embargos de terceiro, a velha oppositio ou contradictio tertii, que já supõe a sentença exeqüível (sensu lato). Grande mal foi que se houvesse, por algum tempo, acentuado em excesso esse caso, a ponto de se diminuir e até se extinguir a juridicidade dos embargos do terceiro “senhor” ou do terceiro “titular do direito”. Aliás, houve quem levasse o erro a ponto de explicar a oposição dos arts. 56-65 como dirigida a evitar a execução futura, sem se dar conta da diferença entre os dois institutos. Se o terceiro embargante perde, a sentença embargada nada sofre, nem ganha. Qualquer vantagem que as partes (A-B) colham de tal julgamento devem-na à sentença nos embargos e à sua eficácia: não há qualquer au’inento à eficácia da primeira sentença, nem confirmação, nem substituicão (sem razão, pois, A. TIssIER, Théorie et Pratique deila Tierce Opposition, 279). F. G. LIPARI (Caratterí e presuppostí dell’Opposizione di terzo, Rivista, III, Parte 1, 28) entendeu que, se é repelida a ação dos arts. 1.046-1.054, a sentença se torna “inatacável” pelo embargante. Não é o que se passa: a ação dos embargos de terceiro é que não pode ser repetida, tanto que, se a sentença se fundou em que o terceiro tem de sofrer a eficácia da sentença “atacada”, porque é de direito, a esse terceiro cabe a ação rescisória da sentença atacada e não mais atacável por embargos de terceiro (nosso Tratado da Ação Rescisória, § 28, 8). Outra questão é a coisa julgada na ação que sob está aos embargos de terceiro. 6) PossE OU DIREITO. As Ordenações Filipínas, Livro III, Título 86, § 17, conheciam os embargos de terceiro senhor e os de terceiro titular da posse. Além desses, os de terceiro prejudicado, que alegava outro motivo que a posse (embargos do terceiro prejudicado). A construção resistiria hoje às mais minudentes críticas científicas. Estava o Brasil em 1890 na sua plena evolução agrícola, os embargos de terceiro possuidor levavam os colonos plantadores a defender as suas posses contra a plutocracia latifundiária, que obteve se estendesse o Reg. n. 737 ao processo civil (era só relativo ao processo comercial), para que os arts. 604 e 597 cortassem aos possuidores o uso dos embargos de terceiro. O Reg. n. 737 fora feito para as causas comerciais e de repente se aplicava ao cível, apagando um dos dois conceitos. Voltou-se, com o Código de 1939, art. 707, acertadamente, a apanhar as três espécies. A superioridade das Ordenações ressaltava; e a jurisprudência sentiu, durante mais de meio século, a deficiência resultante da mediocridade dos autores do Reg. n. 737 e do infeliz gesto do Decreto n. 763, de 19 de setembro de 1890. A referência a “posse” e “direito”, no Código de 1939, art. 707, foi explícita. Caiu, pois, como obsoleta, toda a jurisprudência anterior, que, firmada na exigência de ser “senhor e possuidor”, restringiu, contra a tradição luso-brasileira, os embargos de terceiro. Um tanto fruto daquele nefasto Reg. n. 737, obra de medíocres, louvada por medíocres, que interrompeu, ainda mais, com o advento do Decreto n. 763, de 19 de setembro de 1890, a evolução do direito processual brasileiro, que estaria, desde cedo, ao nível ou acima dos outros sistemas jurídicos. O Reg. n. 737, deficiente, errado em muitos pontos, foi a causa maior da decadência do direito processual brasileiro. A jurisprudência que negava embargos de terceiro ao credor pignoratício, aliás repelída pela Corte de Apelação do Distrito Federal (26 de maio de 1899, R. de J., 6, 195; 3 de novembro de 1914 e 22 de abril de

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1915, 1?. de D., 37, 102; 23 de maio de 1917, 45, 377; 12 de abril de 1927, 84, 537) e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (16 de agosto de 1915, R. dos T., 15, 103; 27 de abril de 1915, 13, 231, e 23 de fevereiro de 1929, 69, 500), já era errada então e, sob o Código de 1939, seria contra texto de lei explícito (“posse”, “direito”). O credor hipotecário tem legitimação (Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de agosto de 1906 e 9 de setembro de 1908, São Paulo J., 11, 441, e 18, 86; Corte de Apelação do Distrito Federal, 23 de abril e 24 de setembro de 1914, R. J., 3, 116),como o credor anticrético, o locatário, ou quem tenha direito sobre a coisa ou a sua posse. Se a constrição atinge o direito, que tem o terceiro, tal constrição nem sempre fere ou vai ferir a posse, ou o direito de posse. Comparando-se o texto de 1973 com o de 1939, podiam surgir discussões e dúvidas. O Código de 1939, no art. 707, dizia que “quem não for parte no feito e sofrer turbação ou esbulho em sua posse, ou direito, por efeito de penhora, depósito, arresto, seqüestro, venda judicial, arrecadação, partilha, ou outro ato de apreensão judicial, poderá defender seus bens, por via de embargos de terceiro”. No Código de 1973, o art. 1.046 é de outra redação (dissemos: outra redação): “Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhes sejam manutenidos ou restituidos por meio de embargos”. Não se falou de “direito”, como no Código de 1939; mas seria absurdo que não se admitissem embargos de terceiro se a penhora foi de créditos, ou outros direitos pessoais (cf. art. 655, X: “direitos e ações”; arts. 671, 672, 675 e 676), ou se arrestaram créditos ou outros direitos pessoais (art. 821), ou se seqúestraram créditos ou direitos pessoais (cp. arts. 825, 822, onde “propriedade” está em senso lato), ou em caso de alienação judicial de créditos e de outros direitos pessoais (art. 670), ou de arrecadação de créditos ou outros direitos pessoais (artigos 1.159-1.161, 1.142-1.151 e 1.170), ou de arrolamento, inventário ou partilha de créditos ou outros direitos pessoais (artigos 1.031-1.038, 855-860, 1.146-1.148, 982-1.030, 1.039-1.045, 1.165, 1.022-1.030, 1.036 e 1.037). ~ vulgar, em muitos livros de juristas, falar-se de posse de créditos, que não são títulos de direitos reais; e as menções do art. 1.046, como a exemplificação do art. 1.047, de modo nenhum permitem que se leia o art. 1.046 como se só se referisse à posse, senso estrito. Muitas espécies ocorrem para embargos de terceiro, não tendo o titular direito real, nem posse estrito senso. O ato constritivo há de partir do juiz, para que caibam embargos de terceiro. A ameaça específica de tal ato basta; porque a ameaça específica implica negação de algum direito, pretensão ou ação do terceiro, suficiente para a conseqüência constritiva como conteúdo daquela. Ai o ponto: a declaração pura não é bastante; é-o, porém, a declaração que leve consigo, dentro de si (conteúdo), a constrição por efetuar-se. ~ inábil para a constrição a sentença condenatória, salvo se com 4 de mandamentalidade; o despacho na petição da actio iudicatí, ou o deferimento ou a expedição do mandado, já pode constringir. Alguns efeitos que podem completar a carga de eficácia de sentenças declarativas constringem. Há, pois, longa exposição a ser feita da doutrina dos embargos de terceiro, na execução de sentença, ou fora dela, após a necessária investigação de tudo que entra na classe “ato constritivo”. Naturalmente, tal pesquisa não pode ser levada a cabo sem se empregarem os necessários métodos da lógica contemporânea. (a)A pretensão a embargar, por parte do possuidor, dá a quem quer que tenha posse indireta, ou direta (imediata), a legitimação ativa. O terceiro, possuidor embargante, pode ser: (a) o que possui a titulo de proprietário, ou com posse de que resulte, eventualmente, usucapião; (b) o credor pignoratício, conforme a velha lição dos processualistas lusitanos (ANTÔNIO DE SOUZA DE MACEDO, Decisiones, 195; MANUEL GoNÇALVE5 DA SILVA, Commentaria, III, 317 5) e a jurisprudência (MANUEL ALVAJiES PÊGAS, Resolutiones Forenses, 365; Decisões de 10 de janeiro e de 14 de maio de 1671; MANUEL MENDES DE CASTRO, Practica Lusitana, 1, 113, s, Decisão de 1612); (e) o credor anticrético, à semelhança do credor pignoratício; (d) o usufrutuário; (e) o credor adjudicatário dos rendimentos do imóvel, se tem posse (J. J. C. PEREIRA E SOUSA, Primeiras Linhas, III, 101), de que já se falou, sendo que, se não tem posse, o fundamento está noutro pressuposto, que é o de ter direito; (f) o locatário, pelo tempo em que tem direito à posse (2.a Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 10 de janeiro de 1913, R. de D., 33, 165-167; e leis emergenciais); (g) qualquer dos que poderiam propor ação possessória, e. g., o depositário (1.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 13 de janeiro de 1941, 1?. F., 86, 634); (h) o que tem pretensão a se imitir na posse direta, cumulando a ação com a de embargos de terceiro, observado, porém, o rito da ação de imissão de posse, posto que em autos existintos, sem suspensão do processo principal e com julgamento, desde logo, dos embargos de terceiro, se não contestados; (i) o que tem pretensa.o as benfeitorias ou ao valor delas se está na posse do prédio (MANUEL MENDES DE CAsTEo, Practica Lusitana, 1, 105: “Item amplia in nudo possessore reni meliorante et reficiente propter ius retentionis ob impensas”; SILVESTRE GOMES DE MoRAIs, Tractatus de Executionibus, VI, 209, que deu

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a razão poderia o executado mesmo, em tais casos, usar dos embargos de executado, “fortiori tertius, cum quo nihil actum est, nec auditus, nec victus, executionem impediet”, o que se repete em FELICIANO DA CUNIIA FRANÇA, Additiones aureae que Iilustrationes, 220, completando a MANUEL MENDES DE CASTRo); (j) o colono com posse dos frutos da última colheita (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, III, 310); (1) quem tem direito a frutos, com eficácia erga omnes, ou perante os disputantes. (b) A pretensão a embargar, por parte do terceiro que tem domínio, e não tem posse ou a tem, entra na classe das pretensões a embargar como terceiro por turbação ou esbulho do “direito” (art. 1.046). As Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 86, § 17, falavam de “vindo alguma pessoa embargar alguma coisa, em que se peça execução, assim móvel como de raiz, por dizer que a dita coisa pertence a ele, e que não foi ouvido sobre ela”. MANUEL ALVARES PÉGAS (Resolutiones Forenses, 1, 374) explicou que tal pretensão se con funde com a pretensão dos direitos reais, e não abrange só o domínio. Quando o que tem pretensão a ser imitido na posse não tem qualquer posse, mas tem o direito a ela, e alega o domínio só, deve-se exigir que prove esse direito. Sobre os embargos do senhor sem posse, JORGE DE CABEDO kPracticarum Observationum sire Decisionum, 1, d. 66) e MANUEL ALVAREs PÊGAS (Resolutiones Forenses, 1, 369). Os embargos de terceiro senhor da coisa são ação semelhante à de reivindicação, ao passo que os embargos do terceiro possuidor são à semelhança da ação de manutenção, e os de senhor e possuidor, à feição das duas, combinadas. Porém, evidentemente, seria erro se identificarem tais ações. Os embargos de terceiro senhor ou possuidor, ou de ambos, opõem-se ao ato judicial de penetração na esfera jurídica do terceiro; e não ao ato do executante. (e)O direito, que se supõe, turbado ou esbulhado (“prejudicado”, melhor fora dito), não é o direito a que se referiam as Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 81, ao se falar do direito de apelar, que tem o terceiro, porque ali se tratava da intervenção na relação jurídica processual, na discussão da pretensão à sentença, e não da execução, ou, em geral, da constrição : é o direito do terceiro, que foi objeto de constrição judicial. Ora, os bens arrestáveis, seqüestráveis , depositáveis, penhoráveis, etc., não são só os que são objeto de propriedade (senso estrito), de direito das coisas, e de posse. São também direitos, pretensões, ações. Portanto, sempre que a constrição judicial apanhou “direito” (títulos de crédito, direitos, pretensões, ações), está autorizado o emprego dos embargos de terceiro prejudicado, sendo que o legislador preferiu Considerá-la compreensiva dos embargos de terceiro senhor. Quando a eficácia do ato judicial fere a órbita do direito, pretensão, ou ação do terceiro, constringe-o. No fundo, o que se deu foi a retomada da tradição jurídica luso-brasileira (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, III, 306), porque “coisa”, nas Ordenações Filipinas ,Livro III, Titulo 86, § 17, era qualquer “bem” suscetível de constrição judicial, qualquer “direito”. A palavra “posse”, aí, está em sentido larguíssimo, assim no art. 1.046 como em textos anteriores. O credor adjudicatário de títulos de crédito, por exemplo, que vê arrestados esses títulos, ou mesmo creditos que apenas constam de escritura pública ou particular, ainda que não tenha posse, tem o direito, e pode opor embargos de terceiro, se lhe são arrestados, sequestrados, ou por outro modo apreendidos pelo juiz, como bens de outro. Outrossim, o credor de benfeitorias se não tem a posse do bem e a sua pretensão não se restringe a reter. Por isso, SILVESTRE GoMEs DE MoRAIs (Tractatus de Executionibus, VI, 209), escrevendo depois de MANUEL MENDES DE CASTRO, riscou a referência ao ius retentionis, no que foi seguido por FELICIANO DA CUNHA FRANÇA (Additiones aureae que Iliustrationes, 220). J. J. C. PEREIRA E SOUSA (Primeiras Linhas, III, 102) e A.J. RIBAS (Consolidação, art. 1.365, § 6.0) não perceberam a finura dos dois. O Reg. n. 737, art. 604, limitou a pretensão do que não era “senhor e possuidor” ao direito ao preço da arrematação, o que era extinguir três espécies de embargos de terceiro (do senhor, do possuidor e do prejudicado) e criar uma só, com a combinação de duas (senhor e possuidor). JoÃo MONTEIRO (Programa, III, 346) ficou impassível diante da grande cincada de 1850 e ignorava que, além do domínio e da posse, o direito filípino contemplasse outros direitos. A expressão “direito” restabeleceria a boa solução técnica (SILVESTRE GoMEs DE MoRAIs, Tractatus de Executionibus, VI, 219: “vel sibi deberi”; MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, III, 360: “tertii praeiudicati”; cf. MANUEL ALVARES PÉGAS,~ Resotutiones Forenses, 1, 403). (d) Turbação, ou esbulho, na posse, ou no direito, significa ofensa efetiva, atual, e, com essas expressões, afastou-se, de iure condito, a simples ameaça. ~ preciso r~ue já tenha havido o prejuízo, a turbatio iuris, ou a turbatio possessionis, ou o esbulho da posse, ou do direito. Mas, se, por um lado, essa atualidade da ofensa exclui a embargabilidade pelo dano possível, compreende, por outro, aqueles casos em que há prejuízo sem que o ato judicial embargado haja negado, ou desconhecido (ENRICo GALLUPPI, Teoria deita Opposizione dei terzo, 147), ou de algum modo declarado inexistente, ou menor, ou menos intenso, ou desconstituído, direito do terceiro. O prejuízo há de ser jurídico ou possessório, sem se exigir, do lado do juiz, mais do que ato de mandamento, ou de execução, ou de constrição. Afastando a simples ameaça (cf. arts. 932 e 927), o Código optou por uma das soluções que a doutrina possuía: a) bastar a pura ameaça

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(ANTONIO SEGNI,L’Intervento volontario in appeilo, 33; GIU5EPPE CHIO-VENDA, Principii, 1.012); b) não bastar (toda a jurisprudência e a doutrina brasileiras supõem o ato judicial pronto para a eficácia). Cumpre, porém, atender-se (a) a que, por exemplo, a eficácia de coisa julgada material é eficácia atual, e não futura (e. g., quando se precise da exceptio rei iudícatae), e (b) a que a força condenatória da sentença de condenação é atual enquanto futuro o seu efeito executivo, etc. Podemos exprimir isso em termos mais científicos: a)Cabem os embargos de terceiro sempre que haja mandado do juiz e a expedição, ou o cumprimento dele, seja prejudicial, ou seja prejudicial a sua simples decretação (o que é a regra, pela ofensa ao direito, que se dá antes do fato material do cumprimento). O despacho, que defere o mandado, já é mandamento e, pois, suficiente. A ameaça já é específica, e não simples ameaça. Mandado, entenda-se, ou alvará, ou ordem, que são mais. Conforme antes foi dito, a referência a mandado é de entender-se feita brevitatis causa. b) Também cabem embargos de terceiro sempre que o despacho ou a sentença seja mandamental, porque o mandamento já turba ou viola direito, e o ato de invasão na esfera jurídica do terceiro já é força do despacho ou da sentença. Quando o mandado for apenas efeito, é preciso que se tenha cumprido, ou expedido, ou deferido. Quando a sentença for constitutiva (e. g., expeditiva de alvará de venda, ou de autorização), ou executiva (e. g., sentença do art. 641), ou, em geral, quando conteria constrição, se passasse em julgado, atua, por si mesma, e basta. Nos casos de arresto, de seqüestro, de busca e apreensão , de exibição de livros, de coisa ou de documento, de vistorias, de arbitramentOs, de inquirições, de cauções, de obras de conservação, de arrolamentos e de descrições de bens do casal ou próprios de cada cônjuge, de entrega de objetos e bens de uso pessoal, de entrega ou depósito de menores etc., desde que foi deferida a medida, se já houve a citação na causa, ou, se não houve, desde o inicio do cumprimento do mandado, cabem os embargos de terceiro, se concorrem os outros requisitos. Em decretação de separação de corpos, como casados, entre A e C, B, marido ou mulher de A, é terceiro que se pode opor à decretação no que ia declara existir casamento entre A e C (pois que “manda” separar) com os seus embargos, em que deduza a inexistência do casamento (ação mandamental apoiada em ação declarativa negativa do casamento). Idem, quanto à nulidade. Na entrega do menor, filho de A a C, B é terceiro que pode opor embargos ao despacho ou à sentença mandamental. c)Cabem ainda embargos de terceiro sempre que o despacho ou a sentença tem eficácia constritiva, o que chamam, comumente, “despacho executivo”, “sentença executiva”. Por exemplo: tratando-se de prestação alimentícia, desde a comunicação, ou pelo menos desde o deferimento do pedido de comunicação (turbatio iuris), desde a decretação da prisão, no caso de não cumprimento da obrigação de alimentos, se não descontável a dívida conforme a lei, ou de outro deferimento, desde que o devedor nomeou bens e tal nomeação lhe foi prejudicial, ou que o fez o credor; quando do mandado de penhora constar bem móvel ou imóvel, ou direito, que deva ser penhorado, e daí nasça o prejuízo ao terceiro, ou quando o oficial o estiver penhorando, ou o juiz o ordenar; desde o momento em que se deferir qualquer requisição; desde que o juiz ordene ou os oficiais de justiça iniciem o arrombamento de portas; desde que se requisite a força pública em caso de resistência; desde o deferimento da averbação em autos, ou do início dessa; do deferimento da notificação, ou da notificação de terceiro que guarda o dinheiro ou outros bens; desde a decretação das medidas concernentes a títulos cambiários ou não, como a apreensão (art. 672), ou da sua realização; do deferimento da intimação para substituição de bem, ou da intimação; desde o momento em que o devedor, oferecendo outros bens, para os efeitos de garantia, ocorre o prejuízo jurídico ou da posse; se o terceiro é o Estado, ou o Estado-membro, ou o Município, ou outrem interessado, que é, ainda que somente na regularidade do serviço ao público, desde a decretação, ou expedição, ou cumprimento do mandado; idem, no caso de se ter de evitar ou afastar dano à empresa; desde a citação do devedor para a entrega da coisa, na execução por dívida de coisa certa, ou na ação de excussão de penhor (R. de D., 29, 573). Se o ato judicial, que o terceiro inquina de prejudicial, é a penhora ou o mandado de entrega, na execução de sentença, é preciso que a angularidade da relação jurídica processual esteja estabelecida; isto é, que tenha havido citação do executado. Antes disso, a actio iudicati não se angularizou: e qualquer ação mandamental do terceiro seria contra a sentença com efeito executivo, ou outro ato judicial, anterior a ela, e reger-se-ia por seus princípios próprios. Nos casos de obrigação de fazer, ou de não fazer, o prejuízo pode ser desde a citação do devedor. Nos casos de execução para declaração de vontade, é diferente: tal sentença é executiva; a ação, de que se trata, foi executiva e de cognição, em cumulação sucessiva, predominantemente executiva.

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a sentença que pode causar o prejuízo, antes mesmo dd passar em julgado. O prejuízo pode resultar da sentença mesma que mande assinar o prazo, ou da assinatura do prazo ao réu condenado. Nas ações executivas de títulos extrajudiciais desde a citação do devedor é possível que se dê o prejuízo. d) A sentença condenatória ou o despacho condenatório, isto é, a decisão judicial de força de condenação, pode causar prejuízo ao terceiro. Exemplo: se o nome do terceiro aparece na sentença como se a eficácia da sentença se estendesse a ele; se a interpretação dada à sentença fere-lhe direitos. Quanto ao efeito da sentença condenatória, além, pois, da força de condenação, cumpre indagar se é incluso ou imediato, ou se é mediato (e. g., o efeito executivo). Esse não permite, desde logo, os embargos de terceiro (sobre a suficiência da eficácia mediata, sem razão J. AlVIIGuES, De ia Tierce Opposition, 148; contra, A. MENDELSSOHN-BARTHOLDY, Grenzen der Rechtskraft, 69). Apenas deu o despacho o juiz deferindo a citação nos casos de entrega de coisa certa, ou de ato ou omissão, o dano ao terceiro pode estar iminente e somente revogação do despacho poderia evitá-lo. Aí, tem-se de atender a que os embargos de terceiro são ação mandamental negativa e, pais, o legitimado tem ação desde o mandamento positivo, se já seu conteúdo atinge a esfera jurídica do terceiro, ainda que em conseqüência imediata. Ora, isso não ocorre, de modo nenhum, se a petição da ação executiva é de quantia certa. e) O despacho e a sentença declarativa também podem causar prejuízo a terceiro. Fez bem o legislador federal de 1939 em deslocar para processos acessórios os embargos de terceiro, que as legislações processuais, ao tempo da pluralidade processual, teimavam em limitar às execuções. Felizmente, em 1973, manteve-se a solução. Na própria ação declaratória típica, positiva ou negativa, pode haver interesse oposto de terceiro e, pois, oposição de terceiro, bem como ato judicial lesivo à esfera jurídica de terceiro. A sentença que declara a existência de casamento entre A e C, por ser inexistente o registro de outro que seria entre A e B, ~ já não pode ir com a ação de oposição de terceiro e já pode embargar. Aí, os embargos de terceiro vão contra o efeito constitutivo negativo ou mandamental do ato declarativo, que esbulhou o seu direito de cônjuge. Qualquer outra ação lhe seria inútil contra a eficácia da sentença lesiva a ele, uma vez que passou o tempo para a oposição de terceiro e a exceptio rei inter alios iudicatae não teria o mesmo alcance. Idem, no caso de registro de sentença (eficácia erga omnes). f)O despacho constitutivo e a sentença constitutiva podem produzir prejuízo a terceiro. Por exemplo: o filho, na ação de nulidade do casamento dos pais, como se um deles requer o internamento do menor em colégio, pendente a apelação uma vez que o menor pede o respeite à situação juridica ainda não desconstituida; o terceiro, ainda depois de transitai em julgado a sentença, se o réu, seu sócio, perdeu. na ação de invalidade de contrato de compra-e-venda. a)O “interesse e necessário. Tal interesse é exigido para a propositura da ação de embargos de terceiro; não é assunto, ainda, de “procedência”, stricto scnsu, da ação. (Não basta o interesse para a vitória na ação; é preciso ter havido o prejuízo, invadente da esfera jurídica do terceiro conforme veremos.) b) Entre as duas correntes extremas, a da insuficiência do interesse moral (A. MENDELSSON-BARTHOLDY, Grenzen der Rechtslcraft, 68, 85) e a da plena suficiência (GIusEPPE CHIOVENDA, Principii, 929), havia tentativas de síntese. Porém o caso não é para síntese. Não há dois princípios, um de suficiência, que seria a tese, e outro de insuficiência, que seria a antítese. Tem-se apenas de perguntar (princípio do terceiro excluido) se o sistema jurídico de que se trata (e. g., o brasileiro) põe, ou não põe, o interesse moral no mesmo plano que o interesse econômico. Se responde afirmativamente ambos, interesse moral e interesse econômico, servem ao ingresso da ação. Já se não pode chamar ao interesse econômico “interesse” (jurídico, legitimo, etc.) e ao interesse moral “interesse extrajuridico”. Aliás, cumpre não confundir o interesse para a ação e a contestação com o interesse acaso protegido pela lei (res in iudicium deducta, “procedência”, stricto sensu, da ação). (f)O prejuízo, que não é invasão da esfera juridica (não só jurídico-patrimonial) do terceiro, não basta para os embargos de terceiro serem procedentes. Tal prejuízo pode assentar em ponto comum de direito: a) Se o ponto comum de fato não causa turbação, 011 esbulho, de direito ou de posse de terceiro (esfera jurídica do terceiro), não é suficiente para a procedência. Na doutrina, o problema foi discutido fora dos devidos termos; mal posta a questão, não se respondia satisfatoriamente. Forma lava-se ela do seguinte modo:~basta o prejuízo de fato? Em verdade, nem sempre basta; mas, devido à feição da pergunta, em termos de “sim” ou “não”, os juristas respondiam “não”, e erravam, porque a resposta seria “talvez”. Ao conceito de prejuízo de fato contrapõe-se o prejuízo de direito, não o prejuízo que invade a esfera jurídica do terceiro, impropriamente dito “prejuízo jurídico”. Em ação declaratória de falsidade do documento, foi declarado falso o documento, onde a assinatura do terceiro (e. g., endossador) também figurava. No direito comum disputava-se quanto à eficácia erga omnes da sentença sobre falsitas instrumen ti, mas isso ocorria porque se ignorava qual a verdadeira nauureza da ação principal ou incidental de falsidade (repercussão ainda em Louovíco MORTABA, La querela incidentale di falso, Annuario, III, 11 s.). Ação declaratória, a sua eficácia é só inter partes. Desde que o ato judicial, a que se refere a regra jurídica sobre embargos de

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terceiro, lhe dê eficácia além das partes, claro que pode sofrer prejuízo o terceiro. Toda a sentença ou despacho é o seu conteúdo; a sua eficácia depende dele, e, no entanto, fugindo à natureza da eficácia sentencial específica, ela está a ultrapassar essa eficácia e, pois, esse conteúdo. Se a ação é movida com públicos proclamas (editais), a eficácia ainda não é erga omnes, mas em relacão a todos os compreendidos, como persona incerta, no edital. Na Itália, a jurisprudência nega a opposi~ione di terzi. os embargos de terceiro do direito brasileiro, se foi declarada a falsidade do documento (inter partes), porque lhe caberia outra ação declaratória para provar a autenticidade. F.G. LIF’AIu (Caratteri e presupposti, Rivista, III, Parte 1,44)sustentou ser admissível. A questão, posta nesses termos, não poderia levar a solução certa. Em ciência, o problema é de outra natureza. Não se pode negar que a declaração de falsidade de documento possa causar prejuízo de fato: os juizes são propensos a julgar entre C e B, ou C e A, ou mesmo C e D, o que uma vez foi declarado falso entre A e B. Foi essa consideração uma das que inspiraram o art. 46, para a concepção do litisconsórcio. Mas litisconsórcio e embargos de terceiro são dois institutos tecnicamente inconfundíveis. Tem-se de indagar se houve prejuízo, qualquer que seja, e se foi causado pelo ato judicial. Isso somente se pode saber, a posteriori, analisando-se o ato judicial para se lhe conhecer a natureza e a telação entre ele e o prejuízo. W Na França, a jurisprudência e a doutrina entenderam que seria suficiente para a propesitura dos embargos de terceiro, para a tierce opposition, o fato dc ser “lesivo~~ ao terceiro (em certos casos), como tese jurídica, o julgado. Tal prejuízo foi sofrido por A, que tem caso idêntico ao de B e C, posto que distinto e separado. Está errado (A. MENDELssOHN-I3ARIHoI DY, Grenzen der Rcchtskraft, ~ Lonovrco MoRT~Â, Commentario, IV, 529). No direito brasileiro, seria caso de litisconsórcio; não de embargos de terceiro. Litisconsórcio voluntário. Se não houve litisconsórcio e se a sentença manda, por exemplo, que subam à conclusão todos os casos idênticos, já se estabelece a invasão na esfera jurídica do terceiro. O interesse é pressuposto pré-processual; o prejuízo ou a invasão injusta da esfera jurídica do terceiro é pressuposto suficiente da sentença favorável (“procedência”, stricto sensu). Por isso mesmo, desde que haja o interesse, deve ser admitida a ação, para se apurar se houve ou se não houve o prejuízo. (O interesse, tratando-se de recurso, é sempre preliminar, porque se decide sem ser quanto à forma processual.) (g) Sempre que o prejuízo do terceiro seria irreparável, cabem os embargos de terceiro. Nas ações de constituição negativa e nas mandamentais (e. g., cancelamento de registro, baixas etc.), a irreparabilidade quase sempre ocorre, porque nem sempre o terceiro é legitimado à oposição (artigos 56-61) e nem sempre se daria a legitimação litisconsorcial. Pense-se no caso da hipoteca que o juiz mandou cancelar e perderia, com isso, o grau em que se achava, prejudicando, assim, o terceiro que foi fiador da divida. (fi) Além dos pressupostos da ação própria, coberta, nos embargos de terceiro, pelo elemento mandamental é preciso que haja, da parte do juiz, o ato contra o qual se peça o mandamento. Os juristas não atendiam, de ordinário, a esse ponto, ligado à natureza da ação, e estranhavam que, sendo a coisa julgada material só entre partes, o terceiro precisasse de outro meio que a exceptio rei inter alios iudicatae; outros que, restrita como é tal eficácia das sentenças, pudessem prejudicar o terceiro. Primeiro, tais raciocínios supunham ser a coisa julgada material a única eficácia. Segundo, não distinguiam o dever ser e o ser: o despacho ou a sentença do juiz, tal como deveria ser, com os precisos limites subjetivos da eficácia; e o despacho, ou a sentença, com os limites que lhe deu o juiz. A. TIssIER (Théorie et Pratique de la Tierce Opposition, 284) chegou a dizer que. na exceptio ~ inter alios iudicatae e nos embargos de terceiro, a única diferença está em que, ali, o excipiente se posta na defensiva, e aqui se põe na ofensiva. Imagem inadequada. Os embargos de terceiro aludem, pelo menos, aos limites subjetivos da eficácia da sentença, e concernem a qualquer eficácia. Por isso mesmo, se a sentença não tem efeito executivo, mas tem força ou efeito de alguma outra classe, que baste à constrição, nada obsta a que se produza o prejuízo do terceiro. Nem se reduzam os embargos de terceiro a “meio” para se evitar o futuro conflito entre dois julgados. como fazia GIUSEPPE CHIOVENDA (Principii, 1012-1014); nem histórica, nem sistematicamente , os embargos de terceiro têm alguma coisa que ver com o princípio Ne bis idem, nem, sequer, com a exceção de litispendência. Erro igual ao de assimilarem os embargos de terceiro à exceção de coisa julgada entre estranhos (exceptio rei inter alios indica tae), ou à de litispendência, é o de os reduzir a mera oposição à eficácia executiva. Foi de repelir-se essa limitação, que rebaixava o instituto, e não resistia à necessidade de exceção para casos como o do arresto e o do seqüestro. (i) Os embargos de terceiro protegem com toda constrição, ainda que se trate de execução de obrigação de fazer ou de não fazer. Não importa se o interesse é material, OU moral. A execução de obrigação de declarar pode ferir a terceiro. Por outro lado, não só o domínio, os direitos reais e a posse podem ser invocados pelo

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embargante. Livrerno-nos, nois, da francesia que nos ia levando para a limitação des embargos de terceiro ao proprietário, em inteincestivo romanismo (L. 15, ~ 4, D., de re iuclicata et de effectu senientiarum et de interlocutionibus, 42, 1). A fórmula do direno processual brasileiro tem extensão que satisfaz às exigências da ciência do direito processual, de iure condendo. Aliás, os povos que se foram inspirando nas Coutumes de Berry (1, art. 29) aos poucos tiveram a experiência da estreiteza da concepção francesa da tierce opposition, tanto mais quanto viram, aquém da imitação e superior a ela, injustamente preterida, a tradição dos Estatutos italianos (MARco TuLLIo ZANzuccIfi, L’Azione in opposizione, 11 e 42 5.) e do direito português. Assim, qualquer relação de direito material real ou pessoal que a constrição ofenda pode ser invocada pelo embargante. Por exemplo: o locatário, que ainda não recebeu as chaves, pode embargar a entrega da coisa ao comprador, com prejuízo seu, se o locador-vendedor tivesse de respeitar o contrato de locação. É escusado acentuar que essa relação , que faz parte da res in iudicium deducta, há de ser acima, ou incólume, ou precipua, em contraposição à que originou a constrição. Não basta, pois, a incompatibilidade abstrata. É preciso a eficácia em choque. Ao lado dos direitos de domínio e de enfiteuse, dos direitos reais sobre coisa de outrem (do usufruto, do uso e da habitação, da hipoteca, do penhor, da anticrese), são susectiveis de invocação os direitos de retenção, os ônus reais, ao rendas, os privilégios creditórios, os direitos ligados à propriedade intelectual, ou ao nome, o direito às ações constitutivas negativas (ações de nulidade com eficácia ex tunc), os direitos de obrigação (e. g., pretensões à entrega da coisa em comodato, locação, pagamento de divida, cf. ENRIco REDENTI, Profili pratici 2. ed., 90 s.),inclusive, em certos casos, se só resta o preço (CAIiLo FURNO, Disegno sistematico, 222), e o direito de denúncia, o de resolução, os direitos expectativos em geral. Sempre que o direito, ou a pretensão, ou a ação do terceiro tem eficácia no tocante ao que obteve a medida constritiva , os embargos de terceiro cabem. Os direitos e pretensões de direito das obrigações tanto podem consistir em créditos de dinheiro, ou em dinheiro em que se convertam bens móveis ou imóveis, ou em direitos, pretensões ou ações apenas avaliáveis em dinheiro. Desde que alguma coisa tenha de ser entregue ao terceiro, ou algum ato tenha de ser praticado, ou omitido, e a constrição pelo juízo o impeça, o terceiro tem pretensão à tutela jurídica e à ação de embargos de terceiro. Para se decidir se o elemento constritivo é ou não é atacável pelo terceiro, apenas se há de perguntar se, no plano de direito material, o direito, a pretensão ou a ação do terceiro tem, ou não, eficácia quanto aos que figuram na relação juridica processual em que a constrição se dá. Aqui, os próprios direitos, pretensões e ações com causa praelationis, ou à restituição, ou à impugnação (denúncia, resolução, rescisão) contra o que sofreu a medida constritiva. Se B contratou com C e ocorreu a mora de C, tendo A obtido contra C medida constritiva, B é terceiro que pode embargar, opondo a C e a B o seu ius resolutionis, fundado na lei. Os que negam essa oponibilidade não atendem a que há eficácia real, ex tunc, da resolução. (Quanto aos direitos expectativos, pode haver ofensa a eles antes de poder haver ao direito que eles expectam). Os direitos expectativos podem ser ínvocadcs (SALXTATORE SATTA, L’Esecuzione forsata, 411; M. T. ZANzuccHí, Diritto Processuale Civile, 3.~ e 4.~- ed., III, 330); porque são direitos como os outros. Também são invocáveis as pretensões e ações expectativas, de si sós. E os direitos formativos criadores, extintivos ou modificativos. Quanto à posse, acentua-se, para todo o Brasil, a pretensão a embargar dos pos-suidores terceiros. Não cabe distinguir-se se a coisa está com o possuidor, ou com o que sofre ou vai sofrer a constrição . Naturalmente, estando com o possuidor a coisa, pode ele de~ fender a sua posse e não ser preciso embargar como terceiro; porém, a despeito de estar com ele a posse, mesmo a material, casos há em que a constrição não é evitada, ou, contra as suas comunicações de conhecimento, ou, até, despacho de petições, a constrição se deu. Por isso, a afirmativa tem de ser explícita. Nas próprias ações de direito de família podem ser opostos embargos de terceiro. Por exemplo: se foi pedida a apreensão de menor, ou o depósito, em ação entre A e B, sendo o terceiro o verdadeiro pai ou a mãe, ou o tutor ou o curador; se bens comuns foram arrolados como bens comuns de A e C, sendo A bígamo , ou acusado de bigamia, e B legítimo consorte 7)AÇÃO DE EMBARGOS E REMÉDIO JURÍDICO POSSESSÓRIO . Os embargos de terceiro não são remédio jurídico possessório~ são ação que se pode basear na posse. Frise-se: que ~ pode basear. Os argumentos da Lei de 22 de dezembro de 1762, Título 3, § 12, estavam, nesse ponto, errados; não se trata de manutenção de posse, é ação contra ato judicial, ação de mandamento (negativa), que exclui, ainda em caso de simples posse, a atuação do mandado do juízo, porque, se não excluisse, estaria o Estado a dispensar as ações declarativas e as outras contra o executante, a pretexto de pretensão de executar etc. A diferença, entre pretensão à sentença e pretensão à execução é fundamental: se o terceiro não fosse imunizado pelo fato de ter, pelo menos, posse. ou qualquer direito, o executante estaria a “omitir” o julgamento correspondente a pretensão à sentença sobre a posse ou sobre direito.

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8)CRÉDITOS AINDA NÃO vENCIDos E EXECUÇÃO EMBARGÁVEL. No caso de créditos diferentes sobre o mesmo imóvel, se real um deles e ainda não vencido, salvo vencimento antecipado, por força de lei de todos os créditos, como se dá na falência, o credor desse crédito pode usar dos embargos de terceiro para impedir a execucão antes do vencimento do seu crédito; porém não para impedir medidas de segurança da pretensão futura (arresto, seqüestro), desde que negação das pretensões do credor da garantia real. Vencida a dívida, não pode opor-se à própria penhora (Supremo Tribunal Federal, 10 de setembro de 1913, R. de D., 32. 363-365; 2.~ Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 23 de junho de 1914, R. S. T. F., 1, 331), porque entra o concurso de credores. A jurisprudência já se tem manifestado pelo cabimento dos embargos de terceiro na parte dos credores hipotecários (1Y Câmara Civil do Tribunal de apelação de São Paulo, 11 de março de 1941, R. F., 87, 726; 22 Câmara Civil, 29 de setembro de 1941, A. J., 60, 532; L~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 11 de inalo de 1942, mF.,92 ,696). O direito explicativo, como o oriundo de promessas de contrato, desde que a medida constritiva o atinge, pode ser protegido por embargos de terceiro; não, porém, se apenas se de prenda da coisa prometida (sem razão 4.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação cio Distrito Federal, 4 de março de 1941, R. F., 87, 147), pois aí somente poderia ser invorado o direito especial sobre promessas de compra-e-venda de imóveis e o contrato de opção, pois os embargos de terceiro protegeriam o direito expectativo, não a propriedade da coisa. As alusões à teoria da posse, ou à do domínio, em se tratando de embargos de terceiro, têm concorrido, enorme-mente, para se lhes deturpar o conceito. Fala-se, por exemplo, em ser mantido na posse o embargante 5•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 4 de novembro de 1947, A. J., 87, 190, 1?. de J. B., 79, 190, 1.a Câmara do Tribunal de Justiça de Goiás, 15 de novembro de 1947, 1?. G. de J. e L., VII, 28), ou em ter direitos dominicais ou leais o embargante (Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 1.0 de dezembro de 1947, R. F., 123 183). A 4•~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação c~.e São Paulo, a 16 de agosto de 1948 (R. F., 1% 151, R. dos T., 36, 337), chegou a dizer que “os embargos de terceiro são a própria ação de manutenção ou de reintegração de posse” (?!). Nada obsta a que, na ação de reivindicação, quando se está a executar a sentença proferida na ação de reivindicação, se oponham embargos de terceiro. O terceiro não é, por definição, parte na ação de reivindicação. Sem razão a 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, a 2 de junho de 1947 (Paraná J., 46, 120). Tampouco é de acolher-se que se não repute terceiro, que possa embargar, o credor hipotecário, como fez a 3~R Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 19 de junho de 1947 (R. dos T., 169, 741). Nem se pode afirmar, como a 1.a Câmara Civil, a 30 de setembro de 1947 (171, 309; R. F., 117, 166), que não cabem embargos de terceiro ao ato de despejo (constrição à posse!). 9)LEGITIMAçÃo PROCESSUAL PASSIvA. Sujeitos passivos das ações de embargos de terceiro são todos os que são ou foram parte no processo. Nos embargos de terceiro opostos na ação de execução da sentença, claro que todos os exequentes; mas hão de ser incluídas as partes que não pediram execução se contra elas quer força e efeitos o embargante. A unitariedade, necessariedade ou voluntariedade do litisconsórcio passivo não depende de princípios a priori. Tem-se de atender, ai, à natureza da relação jurídica entre as partes do processo; e pode ocorrer que tenham de ser citadas as partes autoras e as partes rés (e. g., dolo bilateral, colusio). A única regra prática é a de se tratarem os embargos de terceiro como ação per se e sujeita aos princípios de direito processual como qualquer outra. O próprio juiz tem os mesmos deveres de integração processual. 10)EMBARGOS DE TERCEIRO E AÇÃO P0SSES. O Tribunal de Apelação de São Paulo, a 18 de dezembro de 1942 (R. dos T., 53, 328), enunciou que, nas ações possessórias, o terceiro que “manifesta intervenção diversa” da que têm os litigantes não deve intervir por meio de embargos de terceiro; e sim somente pela ação de terceiro. Tal afirmação vaga não atenderia com clareza a que os embargos de terceiro concernem à eficácia de ato judicial e têm natureza mandamental negativa, ao passo que a oposição de terceiro é ação declarativa contra o autor, e de condenação, provavelmente, contra o réu. Os embargos de terceiro podem surgir durante o processo das ações possessórias, mesmo antes da sentença. Basta o ato judicial lesivo. Pense-se no caso do seqüestro. 11)COMUNHÃO “PRO INDIVISO” E EMBARGOS DE TERCEIRO. Se o terceiro possui, ou é senhor da coisa comum, pra indiviso, com o executado, fazem-se a penhora e a

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execução na porção desse (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, III. 304). Se a comunhão é pro divisa e em parte pra indiviso (como é o caso dos prédios de apartamentos), nada obsta a que se penhorem e executem as partes divisa e indivisa do condenado. (Sobre a comunhão pra diviso, Tratado de Direito Pivado, Tomo XI.) O terceiro que não pode alegar o domínio, nem a posse, nem o direito atingido, não pode impedir a execução; ainda que o executado deva responder-lhe pela evicção. Se o terceiro tem de solver alguma divida, para que o condenado lhe entregue a coisa, é preciso que primeiro a solva, ou que deposite o quanto da dívida, para que os seus embargos impeçam a execução. Tendo direito de opção, que precise ser exercido para que os pressupostos dos embargos de terceiro se completem, primeiro há de optar. Mas ~de dar-se ofensa ao próprio direito de opção, em sua fase de direito inexercido. 12)AÇÕES INCLUIDAS NOS EMBARGOS DE TERCEIRO. A Corte de Apelação do Distrito Federal, a 15 de janeiro de 1907 (R. de D., III, 399), entendeu que o terceiro, cujos bens foram hipotecados por outrem, tinha de promover a ação de nulidade da hipoteca, e não poderia alegar a nulidade em embargos de terceiro. Os embargos de terceiro são ação mandamental negativa, porém nada obsta a que o terceiro inclua na alegação a invalidade do negócio jurídico (ação constitutiva negativa), ou a ação declarativa negativa de ineficácia, conforme as espécies. No caso, se os bens estavam hipotecados com fraude, então se havia de distinguir, o que não fez o julgado: a) a execução contra o dono dos bens, dito terceiro, em que esse não é, processualmente, terceiro, mas parte, e seria contraclictio in adiecto pensar-se em embargos de terceiro (seria caso para contestação; b) a execução contra o pretenso dono dos bens imóveis, em que o terceiro, não parte na relação de direito material, nem na retorce jurídica processual. 14)TERCEIRO, CREDOR DO EXECUTADO. O terceiro, que é apenas credor do executado, pode embargar com fundamento em que a coisa julgada material ou o ato judicial éincompatível com o seu “direito” e lhe cause constrição. Não precisa, para isso, alegar colusão. O credor é terceiro como qualquer outro. 15)INTERESSE E MOTIVAÇÃO. O interesse e a motivação para embargos de terceiro pedem surgir antes da “medida” de contrição. Desde que o pedido, o despacho ou o mandado, apanha o bem do terceiro, ainda que não cumprido , já os embargos de terceiro são oponíveis. Não é preciso que se pode expedido o mandado, desde que o despacho já contenha designação específica do objeto da constricão (cf. MARCO TurrÃo ZA TZUCCI-fl, Diritio Processuale Cizh~e, 3) e 4) ed., III, 295; sem razão os que exigem ter havido a penhora, como CARrO FURNO, Disegno sistematico dei/e Opposizioni, 216, e SALVATORE SATTA, Guida pratica, 2.~- ed., 192). Se o mandado está antes da sentença, como acontece nos casos de ação executiva de títulos extrajudiciais, claro é que os embargos de terceiro podem ser opostos desde que se vai expedir o mandado. Se o mandado é força ou efeito da sentença, então é da sentença que começa a oponibilidade. A sentença nas ações de condenação não permitiriam os embargos de terceiro, porque a constrição não seria oriunda da sentença, e sim do despacho que deferisse O pedido de mandado já na ação executiva de sentença: a sentença de condenação tem efeito executivo, 3 de executividade, de que surge a actio indicati. Assim, a constriçãO é produzida pela propositura dessa, e não pela. sentença na ação de condenaçao. O instituto dos embargos de terceiro, tal como o direito brasileiro o recebeu do velho direito português, e o desenvolveu, tem estrutura própria, sem se afastar de certos princípios da ação mandamental contrária, nos outros povos ocidentais. A pendência do processo em que se possa constringir o terceiro, e esteja previsto que se contringirá , basta para fundamentar o interesse do terceiro que tem embargos a opor. A iminência específica é pressuposto suficiente; a constrição efetiva, aí, já excede a exigência, é um plus. O dano atual, a fortiori, é pressuposto suficiente, pois que o é o dano futuro, se a eficácia específica, iminente, se caracterizou. A 2•a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 24 de outubro de 1947 (R. E., 119, 106), admitiu embargos de terceiro em caso de ameaça de turbação ou de esbulho. O termo é equívoco. 16)EMBARGOS DE TERCEIRO E SEQÜESTRO. Se intervém como terceiro, ou embarga Como terceiro, pessoa que se diz senhor da coisa demandada, ou possuidor~ em ação pessoal sobre a coisa, havendo razão para o seqüestro, seqúestra-Se a coisa. o “emprestou, arrendou, ou alugou” das Ordenações Filipinas, Livro III, TítulO 54, ~ 4, era exemplificativo (explicitação que, parece~ deve-se a JOÃO TIODRIGUES CORDEIRO, em 1713, nas Dubitatiofles mis, dúvidas 49-51). A jurisprudência já havia confirmado isso (Supremo Tribuna Federal, 14 de abril de 1915, R. J., 1, 267). Nunca, porém, adquirira a generalidade que depois conseguiu na legislação processual. Note-Se que esse terceiro não pode ser simples servidor da posse, nem o que possui por tolerância, salvo se, nomeado à autoria, nomeou a outrem, mas esse não veio a

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juizo. Idem,o órgão da pessoa jurídica na ação contra essa: ele presenta a pessoa jurídica. No sistema jurídico brasileiro, a medida pode ser preparatória. :17) CÔNJUGE. A respeito dos cônjuges, pode ocorrer a comunhão de bens, de todos, de alguns ou de um só. .Para ~ os embargos de terceiro, surgiu o problema de se saber se, havendo bem ou bens comuns, a posição jurídica do cônjuge havia de ser sempre a de litisconsorte, ativo ou passivo, razão para as medidas que . levassem à mesma . sorte.. Todavia, ~ tem-se de atender haja constrição em que o cônjuge nãO foi posto como autor ou como, réu. Por exemplo: C, credor de A, pede a penhora do bem a, que é de A e B, casadoS sob o regime da comunhãO universal de bens, ou sob regime em que o bem a é dos dois (portanto, em meação ). De modo nenhum se pode ignorar que B nãO é devedor, nem que A só é dono da metade do bem. E é. terceiro e pode .embargar. No art. 1.046, ~ 39, o Código de 1973 foi explícito considera-se também terceiro o cônjuge que defende a posse (LatO sensu) de bem “de sua meação”; Quanto aos bens dotais, tem-se de levar em consideração, preliminarmente~ que o dote tem as regra~ jurídicas especiais, constantes do Código Civil, quer relativa à transferência dos bens dotais, à alienação e às dividas pasSiVas, bem como à restituição. Quanto aos bens próprios e aos reservados, a situação -do cônjuge, a que couberam e cabem, é?i a de terceiro, porque a constrição nãO os pode atingir, salvo - se há alguma cláusula que os exponha, excepcionalmente, a alguma eficácia. 18)AÇÕES DE Divisão E DEMARCAÇÃO E OUTRAS AÇÕES . Já nos ComentáriOS ao CódigO de ~939 (Tomo IX, 9, 17 e 49) o assunto e a jurIsprudêncía fora 1no sentido do que sustentáramos. O art. 1.047, 1, do Código de 1973 fez bem em referir-se aos embargos de terceiro. Frisou que basta qualquer ato material, preparatório ou definitivo, da partilha ou da fixação de recursos. 19)CREDOR COM GARANTIA REAL. Sempre que se vai alienar judicialmente bem que está gravado (hipoteca, penhor, anticrese), pode o credor, para que a esfera jurídica que lhe corresponde não seja ferida, opor embargos de terceiro. Já repelíamos, em comentários ao Código de 1939, a jurisprudência que os afastara. O Código de 1973 acercadamente redigiu o art. 1.047, II. Antes, nota 5). Árt. 1 . 048. Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença, e, no processo de execução, até cinco (5) dias depois da arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta 1). Art. 1 . 049. Os embargos serão distribuidos por dependência 2) e correção em autos distintos4) perante o mesmo juiz 3) que ordenou a apreensão . 1)TEMPO EM QUE SE OPÕEM 05 EMBARGOS DE TERCEIRO. Os embargos de terceiro, quaisquer que sejam, opõem~se ao ato constritivo do Estado, pelo seu órgão, que é o juiz. AçãO de intervenção, dizia PAULA BATISTA (Teoria e Prática, 3.~ ed., 213), formada por um terceiro, que não foi parte na causa, em defesa dos bens contra “execuções alheias”. Execuções e constrições, complete-se-me o pensamento. Quando se fala em admissibilidade “a qualquer tempo”, antes de sentença final, nãO trânsita em julgado, ou execução, até cinco dias depois da arrematação, da adjudicação, ou de remição, não se há de confundir a oposição de terceiro e os embargos de terceiro, aquela, oposição à pretensão à sentença, e, esses, pretensão contra a constrição estatal. O que a lei prevê é que a sentença final na ação principal, de que a ação da medida constrítiva foi acessória, possa não ser em ação executiva lato sensu. Assim, se A pede o arresto dos bens a, b e c de B e o bem c pertence a C, e não a B, até ser proferida e trânsita em julgado a sentença na ação principal pode o terceiro, C, usar dos embargos. Findo isso, por se tratar de acessoriedade, perde eficácia a medida. Basta, aí, que o terceiro “reclame” (efeito pleno jure da cessação). Instaurada a execução da sentença, ou sendo executiva a ação, até cinco dias depois da arrematação, ou da adjudicação, ou da remição, mas, sempre, antes da assinatura da carta. O prazo também é de cinco dias para as decisões nas ações executivas sem adiantamento de execução (e. g., imissão de posse, 1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de SãO Pauio, 31 de julho e 9 de outubro de 1944, R. dos T., 152, 134; R. F., 105, 87; levantamento de depósito, 25 de setembro de 1944, R. dos T., 155, 155; R. E., 102, 93; ação do art. 641). 2)DI5TRIBUIçAo DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. Os embargos de terceiro têm de ser distribuídos por dependência, mas o procedimento é em autos distintos.

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3) COMPETÊNCIA . Competente para a ação de embargos de terceiros é sempre o juiz de que proveío a constrição, a prenda. Se o processo principal passou a outro juízo, os autos dos embargos de terceiro o acompanham, mas sempre distintos . 4)PROCESSO EM AUTOS DISTINTOS E REUNIÃO DOS AUTOS. A lei generalizou o processo em autos distintos ou apartados, de modo que, ainda se todos os bens foram objeto dos embargos de terceiro que tem posse, nem por isso se processam, como ao tempo das Ordenações Filipinas e provavelmente antes (ÁLvARO VALASCO, Decisionum Consuitationum, 111), nos próprios autos da ação. Não há mais embargos de terceiro no ventre dos autos da ação principal. Nem se estabeleceu a correlação entre o processar-se fora desses autos e a suspensividade, correlação que fora criação do século XIX. De iure condencio, tudo aconselha a se submeterem ao mesmo juiz duas ou mais lides, uma vez que é comum a questão, ou são comuns. Cresce de ponto essa conveniência quando se trata de ação mandamental contrária a algum ato judicial constritivo, como é o caso dos embargos de terceiro. Trata-se de pedido contra pedido, de decisão contra incursão; mais: de eficácia contra eficácia. Apresentados já em grau de recurso, os embargos de terceiro perdem um grau, pelo menos. Por mais que se estranhe essa exceção ao princípio do duplo grau ou da dupla cognição (cf. FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema, 1, 602), essa solução tradicional é a melhor. Art. 1 . 050. O embargante, em petição 1) elaborada com observância do disposto no art. 282, fará a prova sumária de sua posse e a qualidade de terceiro, oferecendo documentos e rol de testemunhas. § 1.0 É facultada a prova da posse em audiência preliminar designada pelo juiz4). § 29 O possuidor direto pode alegar, com a sua posse, domínio alheio 5)~ Art. 1 . 051. Julgando2) suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição3) em favor do embargante 6), que só receberá os bens depois de prestar caução de os devolver com seus deferimentos 7), caso sejam a final declarados improcedentes. 1) PETIÇÃO INICIAL. A petição inicial dos embargos de terceiro tem de indicar (art. 282, 1, III, IV e VI) o juiz ou tribunal em que corre o processo principal, os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, que há de ser especificado, as provas que o autor pretende produzir para demonstrar a veracidade dos fatos alegados, além do que exige o art. 282. II e V. A citação é do exeqúent e, ou de outro autor da ação, ou da outra parte, ou das partes, porque autor e réu da ação principal podem contestar a ação de embargos de terceiro. Volvamos ao assunto das citações. Na fase do art. 1.051, o deferimento liminar não é sentença na ação de embargos de terceiro. A sentença pode julgar improcedente a ação de embargos de terceiro, o que leva às conseqüências previstas no art. 1.051, in fine. Pode haver ou não haver contestação. Findo o prazo para contestar, que é de dez dias, se não houve contestaçãO, presumem-se aceitos pelo embargado ou pelos embargados, como verdadeiros, os fatos alegados pelo embargante (cf. arts. 1.053, 803, 285, 302 e 319). A contestação tem de ser para afastar a procedência dos embargos de terceiro, cabendo ao contestante alegar qualquer dos pontos, ou alguns, ou todos os pontos do art. 301. Tem de ser citado o embargado, de que proveio, com a nomeação de bens, a ofensa do embargante, seja o réu ou seja o autor na ação, ou citadas as partes, se a nomeação por uma não foi repelida pela outra; mas qualquer das partes e mais interessados podem contestar. 2)RECEBIMENTO OU DESPREZO “IN LIMINE”. A primeira fase até o recebimento ou desprezo in limine dos embargos pode ser inaudita altera parte. Para base do processo dos embargos, que é sempre em separado, basta a certidão do auto de diligência sobre o bem ou bens objeto dos embargos. Naturalmente, acompanhando a petição, que deve conter os requisitos legais. Salvo se foi apenas pedida a vista para as alegações, conforme explicitava o Reg. n. 737, no art. 597; pois o terceiro, estranho à causa, pode desconhecer as afirmações e provas do autor e do réu, e precisar de ver os autos. A petição será depois. A vista é no prazo legal, hoje de cinco dias (art. 40, II). Aliás, essa primeira fase era de tríduo, desde séculos (MANUEL MENDES DE CASTRO, Practica Lusitana, 1, 104), “per estilo do reino” de Portugal. Findo o prazo, o escrivão faz conclusos os autos ao juiz, para que decida em primeira cognição , recebendo-os in limine, ou deixando de os receber, salvo (advirta-se) se o juiz entende de dever ouvir, então, a outra parte.

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Se a prova não é suficiente para o recebimento in limine, nem por isso há rejeição in limine. O recebimento, de que se trata, pode ser, ou nãO, recebimento para eficácia adiantada (1.R Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 15 de janeiro de 1952, Paraná J., 55, 99; “A simples insuficiência de prova dos embargos não autoriza a sua rejeição in limine. A deficiência da prova inicial resolve-se com a aplicação do § 1.0 do art. 708 do Código de Processo Civil”, hoje art. 1.049 do Código de 1973, “deixando o juiz de ordenar a sua suspensão do processo principal”). Do despacho que nãO concede a vista para os embargos de terceiro cabe recurso, que é o de agravo de instrumento. Do que recebe os embargos não cabe recurso. Do despacho que despreza in limine os embargos cabe apelação (arts. 267, 1, e 513). Os velhos processualistas entendiam discutir se o efeito da apelação era suspensivo ou só devolutivo. MANUEL ÁLvARES PÉGAS (Resolutiones Forenses, II, 1022) deu notícia de decisão de 6 de julho de 1680, em que se reconheciam ambos os efeitos; e ele mesmo apenas admitia exceção para os embargos frivolos, ou caluniosos, ou por defeito de prova, tal como se vê em longa fieira de juristas anteriores (e. g., AGOSTINHO BARBOSA, GABRIEL PEREIRA DE CASTRO) e na jurisprudência. Discussão, que não era ociosa, pelo fato de existir a regra jurídica de serem suspensivos do processo os embargos de terceiro que invocavam posse e o efeito suspensivo ser o de mantença do status quo. Sob o Código de 1973, arts. 267 e 513, o recurso é de apelação quando o juiz indefere a petição inicial (art. 267, 1), se pronuncia a decadência ou prescrição (art. 269, IV), se verifica a ausência de pressuposto de constituição ou de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 267, IV), ou se acolhe a alegação de perempção , litispendência ou coisa julgada (art. 267, V), ou decide pelo falta de pressuposto da ação, como possibilidade jurídica, legitimidade de terceiro ou interesse processual (art. 267, VI). Os efeitos são o devolutívo e o suspensivo, salvo na espécie do art. 520, V. A regra jurídica de que se tratam em autos distintos, in actu separato, os embargos de terceiro só se refere aos autos da ação principal, ao processo qui principaliter negotium tangit et qui principaliter egit, não a outros embargos de terceiros, com os quais se deva dar pluralidade subjetiva. Era o que acertadamente se ensinava, já ao tempo de JORGE DE CABEDO. 3)MANDADO DE ENTREGA, DITO MANDADO DE MANUTENÇÃO OU DE SUBSTITUIÇÃO. Um dos efeitos do recebimento in li-mine dos embargos de terceiro é ser mantido o status quo anterior à constrição, primeira atuação do mandamento negativo, que é, aliás, condicionado à prestação de caução à restituição dos bens e dos frutos. No velho direito, não se exigia tal caução se o embargante alegara posse; e, quando exigida, somente concernia à restituição dos bens móveis e aos frutos dos imóveis (Ordenações Filipinas, Livro III, Título 86, ~§ 15 e 17). Sob o Reg. n. 737, art. 601, não se dis tinguiu, mas a doutrina insistiu em seguir as Ordenações Filipinas. O Código de 1939 não permitiu qualquer discriminação e ~críou a resolução judicial sobre o próprio mandado in. limine (art. 709, verbis “poderá”). Conforme já dissemos, sob o Código de 1973, o juiz que julga suficiente provada a posse tem de ordenar a expediçãO do mandado de manutençãO ou de restituição , sem ter, então, arbítrio para isso. Se o embargante não- pode dar a caução, o objeto dos. embargos fica seqüestrado (CÂNDIDO DE OLIVEIRA FILHO, Teoria e Prática dos Embargos, 568). A caução é regida pelos arts. 827-838. ••O recebimento in Umiire é em virtude de cognição in completa. Basta que o juiz julgue provada a posse, ou haja prova que permuta presunção legal ou hominis do direito (e. g., 3•~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1952, R. F. de J., 1, 213): “Para o recebimento dos embargos dé terceiro in limine, contenta-se o Código com a exibiçãO de prova, com a inicial, que faça presumir-se a sua relevância. Não se exige, porém, prova completa que diríma a controvérsia, ou não admita outra em - contrário”). O deferimento é- in. limine (art. 1.051, verbis “liminarmente”)..- irem-se, ainda, a rejeição in limine? O art. 1.051 diz que, “julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente os embargos”. ~,Que se há de entender: que o juiz tem de recebe-los, cu que pode não, os receber? Uma coisa é o recebimento para as citações, e outra a decisão liminar. Há, evidentemente, exame prévio de cognição incompleta, que pode ir até o efeito de se sustar o cumprimento do mandado da medida, deixando-se de cumprir, ou suspendendo-se. Contestado o pedido, o juiz procede a uma instrução sumária, facultando a produção de provas, decidindo, em seguida, de acordo com o seu livre convencimento. A incompleta cognição é só primeira fase, para o recebimento; a sentença final é de cognição plena. Não há qualquer pretensão à segurança; a pretensão, que se aprecia nos embargos de terceiro, é a pretensão mandamental seguida, imediata-‘mente, conforme as espécies, de eficácia declarativa, constitutiva, ou condenatória. - O mandado de manutençãO ou de restituiçãO, de que se fala, é a “entrega” das Ordenações Filipinas , Livro

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III; Título 87, § 17, que o fleg. n. 73’?, art. 601, em má terminologia, transformara em mandado de manutenção. MANUEL MENDES DE CASTR~ (Practica Lusitana, 1, 105) e SILVESTRE GOMEs DE MoRAIs (Tractatus de Executionibus, VI, 237) não falaram de mandado de manutenção. O juiz mandou arrestar, seqüestrar , penhorar, ou o que quer tenha sido; agora, desfaz o seu ato, mediante caução: “entrega” a coisa, simplesmente, no, mais alto sentido de “entregar”. Hoúve um ato positivo e outro, agora, negativo, que o cancela , segurando-se o juízo para o caso de futuro perdimento da demanda, por parte do embargante. Sinal mais, que foi a medida’ constritíva; sinal menos, que é ~. conservação do possuidor senhor, ou não, da coisa, na sua posse. A idéia de mandado de manutenção pode ser excessiva; não se mantém alguém contra si mesmo. Os embargos de terceiro somente cabem contra atos do juiz; por isso são “embargos”: por isso, deles conhece o próprio juiz que proferiu a resolução judicial, “que mandou”. É de contramandado que se trata, e somente com o nome impróprio de mandado de manutenção ou de restituição. Em nossas investigações parece-nos que o erro de terminologia nasceu em acórdão da Relação de Lisboa Oriental, em 21 de julho de 1735, inserto no livro de FILIcíANo DA CUNHA FRANÇA (-Additiones aureae que Iliustrationes, 220-). O executado nãO ficava privado de lançar mão das ações possessórias; nem há manutenção de posse do juiz contra ato seu. Da rejeição in limine, ou mero não recebimento, cabe apelação. Falamos acima de ações executivas em senso estrito e em ação executiva em lato sensu; por exemplo. imissão de posse, levantamento de depósito, ação do art. 641, em que o devedor é condenado a emitir declaração de vontade e, transita em julgado a sentença, todos os efeitos da declaração não emitida se produzem. 4)PROVAS NA PRIMEIRA FASE DO PROCESSO. Na primeira fase dos embargos de terceiro, quando o embargante pede ou poderia pedir vista, há sumária instrução, de que a velha praxe dá notícia e foi assente desde esse tempo. Quaisquer provas são admissíveis, ainda à segunda fase, embora o seu valor tenha de atender, às vezes, a regras de direito material: testemunhas (1.~ Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 11 de abril de 1907, R. de D., 12, 99; antes, Tribunal de Justiça de São Paulo, 23 de setembro de 1899, 27 de maio de 1905, 10 de novembro de 1909, S. P. J., VIII, 110, 21, 374), perícias de identificação, exibição de livros etc. Não se podem excluir, a priori, indícios e presunções (sem razão a 1.a Câmara Cível da Corte de ApelaçãO do Distrito Federal, 12 de julho de 1909, R. de D., 14, 318, que desatendeu às circunstâncias). É facultada a prova da posse em audiência preliminar designada pelo juiz. Ainda não houve a contestação. Se ela ocorre, então já se está na segunda fase, que é a do art. 1.053. A alegação de domínio sobre imóvel só se prova com a transcrição ou por outro ato do registro que a lei admita. Ocorre o mesmo quanto aos direitos reais limitados (2.a Câmara Cível da Corte de ApelaçãO do Distrito Federal, 10 de Junho de 1913, R. de D., 29, 398; Câmaras Cíveis Reunidas, 3 de julho de 1913, R. de D., 30, 328). É preciso que o registro seja anterior à medida constritíva (2.~ Câmara, 29 de novembro de 1910; Câmaras Cíveis Reunidas, 25 de agosto de 1913, R. de D., 32, 136 e 137). Neles pode ser discutido se há coisa julgada material a respeito, qual a verba testamentária, desde que para a decisãO dos embargos de terceiro é questãO prejudicial (2.a Câmara, 15 de julho de 1913, R. de D., 32, 184). É de suma importância verificar-se se o instrumento particular que prove o direito ou a posse do embargante tem efeitos contra terceiros (1.~ Câmara, 4 de junho de 1917, R. de D., 45, 380), ou se o tem a própria sentença constitutiva. O art. 1.050, § 1.0, permite que na audiência preliminar se proceda à prova da posse. Se o possuidor embargante é dono do bem, pode provar a propriedade e a posse. 5) PossE IMEDIATA. Se o embargante é possuidor imediato, como o locatário, o depositário, ou outro titular de tal espécie de posse, pode fazer a prova. Cumpre frisar-se que a constrição de que se cogita em embargos de terceiro pode ser, por exemplo, a de apreensão de bem que está locado a alguém, e essa pessoa está em situação de embargar o ato judicial. 6) RECURSO. Da decisão que concede o contramandado inicial não havia recurso. Trata-se de efeito de adiantamento. Mas, diante do art. 522, há agravo de instrumento. 7)RESTITUIÇÃO DE BENS E FRUTOS. No caso de ser julgada improcedente a ação de embargos de terceiro, o embargante tem de restituir o bem e os seus frutos, ao que a caução segura; e a coisa julgada, que daí resulta, atinge toda a questão posta inter partes e decidida. Nos casos de perecimento (destruição, prescrição do titulo etc.), aplicam-se os princípios gerais da responsabilidade do depositário.

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Art. 1 . 052. Quando os embargos versarem sobre todos os bens, determinará o juiz a suspensão 7) 8) 9) do curso do processo principal 1) 5); versando sobre alguns deles, prosseguirá o processo principal 6) somente quanto aos bens não embargados2) 3) 4) 10) 11). 1) SUSPENSÃO DO PROCESSO. Já antes tratamos do assunto, chamando atenção para a diferença entre a solução - do Código de 1973 e a do direito anterior. Hoje, se os embargos de terceiro atingem todos os bens da ação, porque são objeto da constríção, a suspensão é total. Se a medida constrítiva ou as medidas constritivas apanham algum bem ou alguns bens que são dentre os outros aqueles do interesse do embargante, então apenas no que toca a esse ou a esses bens ocorre a suspensão . 2) BENS NÃO EMBARGADOS. Aquele bem ou aqueles bens que aos embargos de terceiro nãO interessam têm o prosseguimento do processo, indo-se até o fim. O auto ou os autos ficam sujeitos à sentença que se proferiu, ou que se vai proferir, após a contestação, ou por se não haver contestado o pedido do embargante. 3)EFEITO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO . O efeito de suspender a execução era tido como da natureza dos embargos de terceiro (MANUEL ALVARES PEGAs, Resolutiones Forenses, J, 374; FELICIANO DA CUNRA FRANÇA, Additiones aureae que Iliustrationes, 219); a despeito das exceções que o velho direito conhecia, uma das quais a de se tratar de embargos do terceiro prejudicado ou de senhoria da coisa sem posse (SILvESTRE GOMES DE MoRAIS, Tractatus de Executionibus, VI, 219; MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, III, 311). O Código de 1973,, como o de 1939, riscou-a. Deixou apenas a do a’rt. 1.052, 2.~ parte’. Outro efeito da propositura da ação de embargos de terceiro é fazer litigiosa a coisa (SILVESTRE Gol\4Es DE MoRMS, Tractatus de Executionibus, VI, 237). Perdendo a sua ação, restitui o embargante os frutos. O recebimento dos embargos in. limine pode ser sem a eficácia de suspensão. Exige cognição, mas basta a incompleta. Não há, na decisãO de rejeiçãO in limine, coisa julgada material (1.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 13 de janeiro de 1952, Paraná J., 57, 296), posto que haja formal, se nãO se recorreu, ou se passou em julgado a decisão no recurso. O recebimento in limine contêm o mandamento de processarem-se ‘os embargos. O embargante pode ter o deferimento in ilmine, com a prova sumária a que se refere o art. 1.050, e ainda ter de ser feita a prova testemunhal. Ainda não é suficiente a prova de posse. Só após a suficiência da prova é que o juiz ordena que se expeça o mandado de não-constrição, ou de restituição, a favor do embargante (art. 1.051). 4)SUSPENSÃO PARCIAL E NÃO-SUSPENSÃO . NãO se suspende o curso do processo principal se somente se opuserem embargos de terceiro a parte dos bens em constrição judicial. Havemos de entender ~que pode ser suspensa a constrição quanto a certos bens. No sistema das Ordenações Filipinas não é verdade que se suspendesse a execução se só se apresentassem embargos de terceiro quanto a parte dos bens, como se afirmou algumas vezes; corriam em apartado, sem suspensão quanto aos restantes. No sistema do Código, os embargos de terceiro são sempre processados em autos distintos, com ou sem reuniãO das duas ações. O efeito suspensivo, quanto aos bens a que se referem os embargos, é de resoluçãO judicial. Total, se todos os bens estão compreendidos nos embargos de terceiro. Se só alguns foram apontados, nunca se suspende quanto a isso o processo. Quanto aos que constituem~ objeto dos embargos, não pode o juiz mandar que se prossiga no arresto, no seqüestro, no depósito, na penhora, ou em qualquer outra causa de constrição judicial. MANUEL MANDES DE CASTRO (Practica Lusitana, 1, 105) e MANUEL ALMEIDA E SOUSA (Tratado das Execuções, 233’), que se costumava citar para a limitaçãO da suspensão aos bens sobre que versaram os embargos de terceiro (e. g., J. 1. 1RAMALHO, Praxe Brasileira, 684 e 685, nota c), nãO permitiam a ilação; o que é certo é que se suspendia, sem que, o processo todo. Foi a doutrina posterior que estabeleceu a suspensão quanto a esses bens sujeitos a constrição. O Código de 1939 adotava a alternativa de se não suspender o processo, ainda que todos os bens tivessem sido atingidos. Se só parte o foi, então o processo, quanto aos outros, nunca se suspendia; e podia ser suspenso quanto aos bens a que se referiu, nos embargos, o embargante. No Código de 1973, desapareceu a alternativa, como desapareceu o arbítrio do juiz. Julgada suficientemente provada a posse, o juiz ordena a expediçãO do mandado dito de manutenção ou de restituição. A suspensão do processo principal é completa se os embargos concernem a todos os bens. Se só a algum, ou alguns deles, apenas quanto a esse ou esses se suspende o processo (arts. 1.051 e 1.052). (Mais uma vez frisemos que foi imprópria a expressão “mandado de manutenção”. Se houve a constrição, o

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juiz restitui; se nãO houve a constrição, o seu mandado seria de abstenção, ou apenas declaraçãO de que nãO vai constringir. Ou houve ou não houve constrição”, portanto ou se restitui ou não há a restituição. O que ocorre é que o juiz deixa de constringir.) Contra o despacho que decide sobre o efeito suspensivo há, hoje, o agravo de instrumento (art. 522); não era assim no direito anterior. 5)NULIDADES DO PROCESSO PRINCIPAL. ~Pode o terceiro alegar nulidades do processo principal? A questão é extremamente séria: ou se considera que não foi parte na causa (e se põe na sentença como atingível pela coisa julgada material ou pela sentença mandamental) como simples terceiro, que se defende por embargos de terceiro, e nesse caso não lhe é dado alegar nulidades, ou se lhe reconhece a açãO de nulidade da execução, que assiste ao que foi tido como parte, demanda de que os embargos do devedor são espécie: e o “recurso” do que foi tratado como parte sem o ser seria de outro. Na R. de D., 33, 525-529, veio decisão de juiz singular que negou ao terceiro a argüição de nulidades do processo. Essa não é, porém, a melhor doutrina. Certo, se se trata de sentença passada em julgado, também há a questão. Antes disso, os embargos de terceiro, opondo-se à intromissãO do juiz na sua esfera jurídica, tendem a livrar da eficácia da futura coisa julgada material o terceiro, ou a livrá-lo da apreciação injusta da sua relação jurídica quanto ao objeto do ato constritivo. Toda nulidade que lhe sirva é, necessariamente, pleno iure; e a resolução judicial que decretou a medida pode ser por ele atacada, com o fundamento mesmo de não ter sido parte. Se houve sentença passada em julgado, a acão rescisória é o meio de impugnaçãO da sentença pelas partes, e nãO pelo terceiro que não foi parte nela, nem poderia recorrer; mas, se pode ser usada pelo que foi atingido pela coisa julgada material, essa pretensão não lhe tira a de opor-se por embargos de terceiro às medidas constrítívas, se não teve conhecimento da sentença para dela recorrer. Um dos maiores processualistas do fim do século XVI e começo do século XVII, MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica Lusitana, 1, 106), foi claro em admitir que o terceiro se defenda por embargos de terceiro mesmo se lhe tocaria a açãO rescisória. Buscou fundamentos em PAULO DE CASTRO e citou decisão de 1607. Não devemos admiti-lo a embargos de terceiro se interveio na ação principal, ainda como assistente, nos casos em que a força da coisa material o apanha, segundo os princípios. A respeito, JOAQUIM INÁcIo RAMALHO (Praxe Brasileira, 685), que quase nunca raciocinava por si, depois de repetir que se não recebem os embargos quando o terceiro possuidor foi citado para a causa principal, acrescentou à nota o) da p. 686, “e por isso aquele que demandar ao herdeiro por dívida da herança terá boa cautela se fizer citar ao legatário, a fim de executar a coisa julgada”. Via o risco da equivocidade , na legitimação, futura, do “terceiro~ A 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 10 de fevereiro de 1942 (E. dos T., 139, 104), excluiu, a priori, a alegação de prescrição da pretensão discutida na ação principal. Não podia faze-lo. Se ao terceiro aproveita a prescrição da pretensão, nada o impede de articulá-la, se alegável por ele, na espécie, segundo os princípios de direito material. Do que acima se disse havemos de.. concluir que é inaceitável a exclusãO a priori de toda alegação de nulidade por parte do embargante, no que incorrem a jurisprudência e a doutrina italianas (e. g., Cassazione, 26 de fevereiro de 1944; -MARco TULLIO ZANZUCCEI, Diritto Processuale Civile, 3.~ e 4~a cd., III, 330). Sem razão, também, a 1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 12 de março de 1945 (E. dos T., 156, 573). Certo o enunciado (tautológico!) do mesmo Tribunal (10 de fevereiro de 1942, R: F., 90, 764): ao terceiro não é permitido alegar o que só ao devedor, ou ao réu, interessa. 6)PARTES NA AÇÃO E EMBARGANTE. Os embargos de terceiro fazem litisconsortes, necessários, quanto ao mandamento negativo, que o.embargante pede, o autor e o réu do pedido que o juiz deferiu e cujo deferimento constituiu o ato judicial. embargado. ‘Quanto a serem litisconsortes necessários nas matérias que enchem o pedido mandamental do. embargante, sempre, o autor. e o réu do processo precedente, é generalização escusada, porque, na exceptio , o próprio autor vencedor e exeqüente nada tem com o que se passa entre’ ~ oficial de justiça e o executado que nomeia bens à penhora.’ 7)ALIENAÇÃO DE BEM EM FRAUDE. Se, opostos os embargos de terceiro e antes do julgamento, s~ aliena o bem em hasta pública, o adquirente vence após o Estado e não após o réu ou executado, mas o Estado também se pós após o réu ou executado. Se o terceiro vencer, o ato foi ineficaz, porque o Estado alienou coisa de outrem, e coisa litigiosa, em virtude da litispendência dos embargos de terceiro. O Estado sofre a responsabilidade pelos danos e prejuízos. 8)PRAZO E oposição A QUALQUER TEMPO. O art. 1.048, referindo-se “a qualquer tempo”, antes da

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sentença de cognição m, ou antes da assinatura da carta, no processo de execução, supõe que o terceiro não tenha sido notificado antes, precluindo-se algum prazo, e que nãO tenha havido oposição, cuja sentença haja passado em julgado, ou cuja propositura produza litispendência . Cf. Tribunal Regional do Trabalho (Guanabara), 29 de novembro de 1962 (D. da J., de 13 de dezembro): “Acertadamente, sustenta a decisão agravada que tal prazo não se conta quando a parte não tem ciência do fato. Quando, tendo conhecimento da penhora, não manifesta qualquer oposição, deixando que a mesma produza todos os seus efeitos, nãO poderá mais impugná-la. Nesse mesmo sentido se manifesta PONTES DE MIRANDA: O art. 708 do Código de 1939, referindo-se “a qualquer tempo”, antes da sentença “final” de cognição, ou antes da assinatura da carta, no processo de execuçãO, supõe que o terceiro não tenha sido notificado antes, precluindo-se algum prazo, e que não tenha havido oposição, cuja sentença haja passado em julgado, ou cuja propositura produza lítispendência”. Já antes a 4.~ Câmara Cível do Tribunal de ApelaçãO do Distrito Federal, a 4 de janeiro de 1946 (D. da J., de 14 de novembro de 1947): “Quando o legislador, no art. 708 do Código de Processo Civil, dispôs que os embargos de terceiro serão admissíveis em qualquer tempo, antes da sentença final, ou na execução, até cinco dias depois da arrematação, ou adjudicação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta, dirigiu-se, evidentemente, àquele que, até então, não tenha intervindo no feito, o que se não verificou com a agravante, que, como já salientou, ciente da penhora, se defendeu logo, como lhe permitia o art. 948 do dito Código de Processo Civil”. O art. 1.048 diz que os embargos são admissíveis “em qualquer tempo”, mas, em seguida, enuncia: “enquanto não transitada em julgado a sentença”. Pergunta-se: ~, (a) antes de passar em julgado a sentença e, mais tarde, (b) na execução da sentença, tratando-se de sentença com efeito executivo (condenatória); ou (a) antes de haver sentença ou passar em julgado, (b) depois de passar em julgado, na execução? O atender-se demasiado ao momento da exeqúibílidade da sentença levou alguns sistemas jurídicos, inclusive legislações brasileiras, a dificultarem ou impossibilitarem os embargos do terceiro antes da execução. Na própria doutrina, ainda GIUSEPPE CHIOVENDA (Principii, 1011) não se furtou à influência de alguns juristas franceses quando excluiu a embargabilidade da sentença sujeita a recurso, porque lhe cabe o recurso de terceiro prejudicado. Certamente, os embargos de terceiro não poderiam ser contra a sentença desprovida de qualquer eficácia; mas a razão seria outra: exige-se, como requisito essencial dos embargos de terceo, que tenha havido turbação ou esbulho, portanto ofensa, constrição lesiva, e essa não poderia provir de tal sentença desprovida de qualquer eficácia. Se houve a constrição outro ato judicial, praticado antes dela, o causou, e esse ato é que há de ser embargado. Como, porém, as sentenças têm eficácia quanto, por exemplo, a cobrirem as nulidades e estarem a ponto de passar em julgado, seria difícil conceber-se a existência de ato judicial lesivo do terceiro e sentença de todo sem eficácia. O Código fez bem em deixar claro que, durante os processos das ações de declaração, de constituição, de condenação e de mandamento, e não só durante as de execução, se podem opor embargos de terceiro. Resta saber se, havendo sentença e sendo ainda desprovida de toda a eficácia, pode ela ser “embargada”. Se houve algum ato, antes dela, ou contemporâneo dela, ou antes de passar em julgado a sentença, que podia ser embargado, não há dúvida que o ter-se proferido tal sentença de modo nenhum poderia ser obstáculo aos embargos de terceiro: embargado éo referido ato judicial, não a sentença. Por isso mesmo, na hipótese de nãO ter qualquer eficácia a sentença, turbação ou esbulho do terceiro, ou qualquer constrição dela oriunda nãO pode haver; nem a ação de embargos de terceiro se confunde com a oposiçãO em intervenção. Quando se fala de “execução”, a palavra está em sentido larguíssimo que abrange, e. g., o de cumprimento de mandamento, força, ou efeito. Portanto se há 5 ou 4 de executividade. Os embargos de terceiro são admissíveis, em qualquer tempo (= a qualquer momento do trato de tempo em que se admitem), antes da sentença trânsita em julgado (isto é, antes de haver sentença de que não caiba, ou de que não houve recurso), ou, na execução (= nas ações executivas, inclusive a executiva de sentença), “até cinco dias depois da arrematação, ou adjudicaçãO, ou remiçãO” (portanto não contando o dia da arrematação, ou da expiração). A assinatura da carta de arrematação ou de adjudicação ou da remição não pode encurtar o prazo da expiração. 9)SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO E DECISÃO DO JUIZ. Cabe ao juiz atender a que, em muitos casos, se há de suspender, desde logo, o processo, pelo fato de ressaltar a relevância dos embargos, ou a inconveniência de se prosseguir. Por exemplo: se o embargante prova, de pronto, que todos os bens lhe pertencem (GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, Decisiones, 309), ou que tem a posse deles ou tituiaridade dos direitos, não tendo sido ouvido, ou não tendo sido conven~ cído em processo possessório (ALVARO VALASCO, Decisionum Consultationum, 1, 111: “tertius rei petitae possessor, qui non fuit auditus, impedit executionem”), ou que tem a coisa emvirtude do domínio, ou posse de outrem.

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Se, tendo noticia do litígio principal, o terceiro não se opôs ou não recorreu, a despeito de o poder prejudicar a sentença ex natura sua, não cabe suspensão. Tem-se de distinguir: (a) a suspensão, com a caução , do processo principal, se o pedido do embargante atinge todo o pedido do autor (ou reconvinte) do processo principal, a suspensão, mediante caução, nos casos de só se atingirem alguns bens. A suspensividade dos embargos de terceiro tem a sua história, no direito luso-brasileiro, diferente da que teve noutros países. Ao tempo das Ordenações Afonsinas, quem era prejudicado pela eficácia do ato judicial reagia como “executado” ou apelava como terceiro prejudicado (Livro III, Título 89, ~§ 1-6, Lei de Afonso IV; Titulo 85, pr., e ~§ 1-3); de modo que o efeito era sempre suspensivo. Foi admitida a ação mandamental pelas Ordenações Manuelinas, Livro 111, Título 71, § 32 (“... vindo algúa pessoa a embarguar algúa cousa, em que se peça a execuçam..., por dizer que a dita cousa pertence a elle, e que nom foi ouvido sobre elia, ..., que em tal caso a execuçam se faça no condenado”). Recebidos os embargos, a coisa era entregue sob fiança; ou, se o embargante não prestava fiança, ia a coisa “em poder de huú terceiro, atee finaimente se determinar sobre o dito embarguo”. A esse texto as Ordenações Filipinas (Livro III, Título 86, § 17 acrescentaram: “E vindo algum terceiro com embargos, dizendo ser possuidor dos bens, em que se faz a execuçãO, se o condenado não der logo outros penhores livres e desembaraçados, será preso até os dar”. Como se vê, não se alterou a suspensividade ou o seqüestro que vinha das Ordenações Manuelinas; reforçou-se, confirmando-se, necessária a medida, no caso de posse, recebidos in limine os embargos, e enunciando-se mais o dever do executado de dar outros bens à penhora. Assim estava nos Arestos 66 e 50 de JORGE DE CABEDO; assim se há de entender a nota de DIOGO DE ANDRADA LEITÃO ~ Practica Lusitana (1, 105) de MANUEL MENDES DE CASTRO. A primeira cognição, embora incompleta, permitia a suspensão (cp. GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, Decisiones, 309) Ainda se percebia a assimilação ao recurso do terceiro prejudicado, que, no direito comum, sempre impedia a execução. A confusão ou assimilação, posterior, dos embargos de terceiro à oposiçãO em intervenção, que não poderia ter efeito suspensivo, foi que concorreu para se negar, em princípio, a suspensívidade dos embargos de terceiro. A síntese, após a tese da suspensão e a antítese da não-suspensão, foi a discriminação dos casos de nãO-suspensão e a resolução interna do juiz, se entende, com exame sumário, ser indispensável a suspensão, ou se julga provada a posse, e expede o mandado de manutençãO com a caução. Mas, sob o Código de 1973, a eficácia suspensiva deixou de ser de arbítrio do juiz, e de todos os bens atingidos pelos embargos de terceiro. A caução também é necessária à entrega dos bens. 10)RECURSO, PENDENTE, DE TERCEIRO E OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. Questão delicada é a de se saber se, sendo a mesma a causa de intervir, são oponíveis os embargos de terceiro estando pendente o recurso do terceiro, ou ainda interponível. Tal relação entre o recurso do terceiro e os embargos de terceiro há de ser estudada previamente, para que tenha base científica a solução. Nas leis, não há regra que se possa invocar. Embargos de terceiro não são recurso, são “ação”, e a interponibilidade dos recursos não impede as ações dos terceiros. Não há, no caso, problema de concorrência de recursos, mas, somente, problema de pressupostos dos embargos de terceiro: se a recorribilidade da sentença obsta à propositura de tais embargos. Por outro lado, permitem-se “antes da sentença transitar em julgado”. Quid iuris, se a sentença sendo mandamental, ou constitutiva, ou executiva (nãO confundir com a sentença condenatória de efeito executivo), é que causa o prejuízo à posse ou ao direito? Toda a dificuldade está aí. Se a eficácia é antes de passar em julgado a sentença, o terceiro melhor se defende com os seus embargos de terceiro do que com o recurso de terceiro, pois aqueles têm (ou podem ter) efeito suspensivo nos casos em que os recursos nãO no têm. Mas, satisfeitos os pressupostos daqueles ou de um desses, podem os embargos de terceiro ser usados, ou o recurso, ou aqueles e esse, sem qualquer embaraço. Se a lei fala de embargos de terceiros “na execuçãO”, nãO é só na execução, no sentido de expropriação do bem do devedor para solver a divida, ou da posse para entregar ao legítimo proprietário, que a ela se refere. Há de ser a qualquer execução (senso latu), como se dissesse “na realizaçãO (ou durante a realizaçãO) de qualquer eficácia” que cause “turbação, ou esbulho, em sua posse, ou direito”, como a baixa ou cancelamento do registro, ou ato de registro que tolha o poder de disposição, etc. A questãO começa, desde aí, a tomar-se mais clara. Os embargos de terceiro podem ser usados até que transite um julgado a sentença; e desde a constrição ou sua determinação mandamental, constitutiva. ou o que for. Na doutrina por exemplo, na italiana, com GIusEPPE CHIOVENDA (Principii, 1011), ANTONIO SEGNI (L’Intervento volontario in appelto, 55, nota 20) e FRANCESCO CARNELUTrF (Lezioni, IV, 273), seguindo todos ao velho LODOVICO MORTARA explicando-se, ou não, o recurso do terceiro como antecipação de oposição à constrição (embargos), excluiram-se os embargos de terceiro se a sentença ainda não é exeqúível, sem se dizer, mas subentendendo-se, que todos se referiam à execução stricto sensu. Tal a tese, um tanto velho estilo.

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Chegamos, agora, ao ponto mais delicado, que é de mostrar-se que o legislador não podia afastar a executividade de peso 5 (força executiva) e a executívidade de peso 4, e só se pense na executividade de peso 3. A executividade não é somente a da sentença, com só 3 de executivídade, o que é o caso da ação condenatória de que nasce a ação executiva de sentença. Dissemos “ação condenatória”, porém exemplificativamente, porque há muitas outras sentenças que têm 3 de executivídade, o que dá ensejo à ação executiva de sentença como seu efeito. Por exemplo: a ação de venda de navio e a ação de salvados marítimos, ambas constitutivas e não condenatórias, com 3 de executivídade, o que também ocorre com açãO redibitória e com a quanti minoris, com a açãO de diminuição de aluguel, a ação de concordata, a ação de organização de fundação proposta pelo incumbido, a açãO de negócios jurídicos sobre bens de incapazes, a açãO de sub-rogação de bens inalienáveis, a ação de protesto cambiário, a ação de apreensão de embarcações, a açãO de sonegados, a açãO de desquite litigioso e muitas outras. Há ações executivas que provêm de 3 de executividade que está cm sentenças mandamentais, como a ação de atentado, a açãO de habiit.ação de herdeiro em casos de direito de construir, a açãO de devolução da herança vacante, a açãO de habilitação de herdeiro na arrecadação, a ação de manutenção da posse se há penalidade do alegante, a ação de embargos de terceiro contra a arrecadação, a ação de arrecadação de bens de ausente e a de habilitação, acudindo à provocatio ad agendum. Quanto às ações executivas, não são elas apenas as de execução de títulos sentenciais condenatórios e as de títulos extrajudiciais. Pense-se na ação de reivindicação, na ação de petição de herança, na ação do titular de direito de preferência, contra terceiro, para haver a coisa, a ação de quem perdeu ou a quem foi furtado título ao portador, a ação de excussão pelo vendedor com reserva de domínio, a ação do pré-contraente comprador para exigir o cumprimento com adjudicação, a ação de despejo por inadimpemento (que é executiva, sem ter havido condenação em ação anterior), a ação de depósito, a ação de reintegração de posse, a ação de divisão e tantas outras. Algumas sentenças têm a sua eficácia imediata, portanto 4 de executividade. Por exemplo: a ação de alimentos provisionais, que é constitutiva; a ação de entrega de objetos próprios e a açãO de posse em nome do nascituro, ambas mandamentais ; a ação de habilitaçãO em inventário e partilha, a ação de habilitaçãO incidental se tem saisina o sucessor, que sãO declarativas. É interessante observar-se que há sentenças declarativas de executibilídade imediata. Também há ações que são condenatórias e, em vez de 3 de executivídade (o que mais acontece)~ têm 4 e tal eficácia imediata aparece na açãO de prestação de contas ou de pedir contas havendo saldo, na açãO de resposta à imprensa e nas ações penais . Sobre esses pesos de eficácia sentencial, leia-se o Tratado das Ações, Tomo VII (Ações executivas), principalmente as suas Tabelas. A antítese foi suscitada por ENRíco GALLUPPI (Teoria deila Opposizione dei terzo, 95 s., 261, 308, 310); na França, por A. TIs5IER (Théorie et Pratique de la Tierce Opposition, 247); cf., na Itália, F. G. Li (a interponibilidade ou oponíbilidade pelo terceiro), têm conteúdo diverso, de modo que pode haver e pode nãO haver a coincidência. b) Os embargos de terceiro sãO ação, e não recurso, o que afasta qualquer alusão à pluralidade de recursos e nos remete aos textos especiais do direito processual. Ao terceiro, nos embargos de terceiro, é dado propor, por sob o pedido mandamental negativo, característico dos embargos, a sua ação própria, variável conforme a posse ou o direito turbado ou esbulhado, para empregarmos terminologia da lei, e isso bastaria para se destruir qualquer invocacão do princípio de economia dos meios processuais (ou do caminho mais curto, que seria o recurso de terceiro). d) O emprego do recurso de terceiro e dos embargos de terceiro, em dúplice defesa, que a lei nãO veda, teria o inconveniente de fazer possível a contradição entre as sentenças no grau do recurso e nos embargos de terceiro, mas esse inconveniente de nenhum modo demoveu os legisladores de todos os tempos, em que houve embargos, de reputar embargável pelo terceiro a própria sentença passada em julgado e já na execução: a contradição, aí, daria aos interessados o emprego da exceptio rei iudicatae, pois o terceiro recorrente se defronta com as outras partes, tal como o terceiro embargante. e) Os juristas esqueceram-se de levar em conta a eficácia imediata e a eficácia inclusa das sentenças, somente considerando a sentença condenatória e a eficácia mediata da execução das sentenças condenatórias. Daí haverem confinado o problema entre a sentença e a execução da sentença, cujo caso mais relevante é o da execução provisória dos arts. 587, 2.~ parte, e 588. As sentenças constitutivas, as mandamentais, o valor de preceito sine clausula das declarativas, a própria eficácia anexa da sentença de condenação, podem turbar ou esbulhar o terceiro. O estudo das cinco classes de ações era (e é) demasiado novo para que os juristas pusessem o problema noutros termos e latitude que ao tempo de LoDovíco MORTARA. Aqui temos de mais uma vez lançar a crítica contra confusões legislativas e de interpretação. Advirtamos, de

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início, que tudo muda se o ato constritívo nada tem com o assunto da ação e a parte sofreu a constríção que nada tem com a lide e alega e prova que o ato judicial o ofendeu como terceiro, e não como parte (e. g., o autor reivindica o bem a e a medida judicial atinge o bem b, que está com o réu, dono ou possuidor). Sempre que a constriçãO é ilegítima, por não ser ligada às medidas da ação pendente, quem a sofre é terceiro, mesmo que coincida ser o réu da ação. Tudo que dissemos a respeito da ação pendente também se aplica à reconvenção, se o ato judicial é dentro dela, que ação é. 11)SENTENÇA TRANSITA EM JULGADO. Sentença trânsita em julgado, não só terminativa quanto ao mérito ou de todo o processo; sentença sem ou já sem recurso. Art. 1 . 053. Os embargos poderão ser contestados 1) no prazo de dez (10) dias, findo o qual proceder-se-á de acordo com o disposto no art. 8032) 3) 4) 5) 6) 7) Art. 1 . 054. Contra os embargos do credor com garantia real8), somente poderá o embargado alegar que: 1 o devedor comum é insolvente 9); II o titulo é nulo ou não obriga a terceiro 10); 111 outra é a coisa dada em garantia 11) 1)CONTESTAÇÃO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. O recebimento dos embargos de terceiro ultima a primeira fase do processo, que pode ser inaudita altera parte, urna vez que a vista dos autos mesma é a líbito do embargante. A praxe sempre foi no sentido de ser ao critério do juiz a vista ao executante antes da decisãO in. limine. NãO é ainda de contestação que se trata. Já assim estava assente desde o tempo de GREGóRIO MARTINS CAMINHA (Forma dos Libelos, 176). Se houve citação, não mais se precisa dela; se não houve, tem de fazer-se, sendo tida como tal a vista efetiva pelo executante. Para se julgar da procedência da ação de embargos de terceiro, não se leva em conta o não se haver intentado oposição de terceiro, nem se haver interposto recurso de terceiro, quando a sentença ex natura sua não lhe causar prejuízo, ainda que dela tivesse tido ciência, se não foi parte ou equiparado a parte. Se lhe causaria prejuízo ex natura, entrou na relação jurídica processual, ou teria de sofrer o prejuízo, por ser sujeito à eficácia da sentença, e foi citado, não pode opor embargos de terceiro; nem, ainda, se, intimado, não recorreu, estando sujeito à eficácia da sentença, ou se, não podendo prever que a sentença o prejudicaria, prejuízo lhe sobreveio, ainda que tivesse tido ciência (ANTÔNIO DE SousA MAcEDO, Decisiones, 190). E o que foi parte tem de defender-se como parte, e não como terceiro. Assim, se o terceiro possuidor foi citado para a causa de cogniçãO, a sentença executa-se contra ele; e nãO cabem embargos de terceiro. Aliás, não caberia, também, recurso de terceiro, nem, sequer, oposição de terceiro. a) A 2.~ Câmara do Tribunal de ApelaçãO de SãO Paulo, a 13 de novembro de 1939 (R. dos T., 131, 678), aventurou que a oposiçãO dos embargos nãO interrompe a prescrição. Nada mais equívoco do que essa afirmaçãO. Quanto ao recurso de embargos, é ele ato processual que mantém a interrupção oriunda do último ato anterior (Código Civil, art. 173, ver bis “do último ato do processo para a interromper”). Quanto aos embargos do devedor, trata-se de ato do devedor executado e seria sem sentido a questão. Quanto aos embargos de terceiro, fora do concurso creditório e da falência, a ciência pelo embargado é citaçãO, pois que se trata de ação de embargos de terceiro (Código de Processo Civil, arts. 1.050 e 282); a interrupção é no momento em que começa o prazo ao executado, mas desde o despacho, se observado o art. 219. § 1.0, do Código de Processo Civil. Tal como se passa em relaçãO à reconvenção (art. 316). A execução da parte líquida da sentença não interrompe a prescrição quanto à parte ilíquida (sem razão, a 4•R Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 12 de abril de 1945, R. dos T., 160, 131); quanto à parte ilíquida, o que a interrompe é a citação a que se referem, implicitamente, os artigos 605, 607, parágrafo único, e 609. Se na sentença há parte liquida e parte ilíquida, permite-se ao credor promover simultaneamente a execução daquela e a liquidação dessa (art. 586, § 1.0). Aí, há uma citação para as duas partes, o que nos impõe atribuirmos a tal citação a eficácia interruptiva da prescrição, antes das medidas dos arts. 605, 607, parágrafo único, e 609. Uma vez que a lei, de direito material, fala da apresentação do título de crédito em concurso de credores, não importa se se trata de crédito garantido com hipoteca, anticrese, penhor, ou cauçãO, ou com privilégio especial sobre determinado bem, ou com privilégio geral, ou simplesmente

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crédito quirografário. Porém nãO têm eficácia interruptiva os pedidos de restituiçãO e os embargos de terceiro, pois que, quanto aos pedidos de restituição, a interrupção só se dá com a audiência do devedor em concurso, ou do falido e do síndico, ou o escoamento do prazo para falarem, mas desde a audiência; tratando-se de embargos de terceiro, ou com a contestaçãO ou o escoamento do prazo (cf. ERNST JARGER, Kommentar zur Konkursordnung, 1, 405, nota 26; sem distinguir,G.PLANCK, Kommentar, 1, 537), mas desde a contestaçãO. Se o credor retira a apresentaçãO a concurso, antes de ser ciente o devedor, ou o falido e o síndico, tudo se passa como se não tivesse havido a apresentação; portanto, não houve apresentaçãO. Se houve pedido de restituiçãO, ou embargos de terceiro, a desistência do pedido ou dos embargos de terceiro, antes de ser ouvido o devedor, ou de serem ouvidos o falido e o síndico, tem o efeito de excluir que haja havido interrupção. b)O Supremo Tribunal Federal, a 31 de outubro de 1934 (J. do S. T. F., 20, 344), entendeu que a prescrição não corre se o juiz ordena que o processo permaneça em cartório, para se julgar a causa segundo a ordem dele, ou ordem que o juiz dê. Não há tal regra jurídica no direito brasileiro, O último ato do processo é, ex hypothesi, a conclusão. Nenhum texto do Código Civil ou de outra lei permite que se tire a ilação que o relator tirou. A 2.~ Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, a j•O de setembro de 1949 (Paraná J., 53, 17) admitiu suspensãO da prescriçãO por força maior. Mas tais decisões, sem apoio em lei, ou bebidas em outros sistemas jurídicos, de modo nenhum se podem admitir. A 2.R Câmara do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, a 1.0 de abril de 11944 (Minas Jurídica, 1, 66), entendeu que os embargos de terceiro sãO causa de suspensão (?) da prescrição. Sem razãO, a suspensão, aí, seria quanto ao processo principal, de modo que teria havido interrupção com o último ato do processo principal e somente se contaria o prazo prescripcional a partir do levantamento da suspensãO processual. É preciso não se confundir eficácia suspendente, atribuida a embargos de terceiro (art. 1.052), com suspensãO do curso da prescriçãO. A suspensão do processo principal pelos embargos de terceiro, ou pelos embargos do devedor (arts. 741 e 745), apenas tem o efeito de interrupçãO da prescrição desde a suspensãO até a decisãO que levante a eficácia suspendente. 2)NATUREzA DA SENTENÇA NOS EMBARGOS DE TERCEIRO. A sentença favorável é de mandamento (negativo). NãO precisa de execução de sentença. Cumpre-se o mandado. O recurso é o de apelaçãO. HuGO SIMAS (Comentários, VIII, 197) excluiu a resolução que não conhece dos embargos, de modo que o juiz teria de recebé-los sempre. Seria contra os princípios, e não estava nem está na lei. A lei supôe o primeiro exame pelo juiz de que sairá a resolução judicial do recebimento ou do não-recebimento. Depois, a sentença. Os embargos de terceiro não são açãO cuja sentença tenha força constitutiva, como parecera a GIusEPPE CHIOVENDA (Principii, 1014) e a FRANCEsco CARNELUTTI (Lezioni, IV, 201), nem é declarativa a sentença que neles se profere (sem razãO, F. G. LIPARI, Caratteri e presupposti dell’opposizione di terzo, Rivista, III, Parte 1, 29); nem mesmo declarativa negativa (sem razão, Exiiíco REDENTI, II Giudizio civile con pluralitá di parti, 119 e 120). Os autores confundem duas ações de diferentíssima estrutura, e daí nãO poderem construir com exatidão nem uma nem outra: a oposição de terceiro dos arts. 56-61 e a oposição de “embargos de terceiro”. A ação do terceiro embargante é mandamental. Procurou-se construir a ação de embargos de terceiro na execução de sentença como a ação que corresponde à exceção de res inter alios iudicata; mas a sua própria extensão é maior (A. MENDELSsOHN-BARTHOLDY,Grenzen der Rechtslcraft, 63). Nem seria admissível conceber-se como recurso do terceiro (outro instituto), a despeito da confusãO existente em certos sistemas jurídicos. Os embargos de terceiro contêm a exceptio rei inter alios iudicatae, porém não só ela; e nãO se assemelha, sequer, ao recurso do terceiro prejudicado, porque esse supõe “prejuízo”; portanto, o ser possivel contra ele força ou efeito da sentença. Cf. Despacho do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, í.a Região, DELTO MARANHÃO , 1.0 de abril de 1954: “Fundou-se a alegaçãO de nulidade: 1.0) em não ter o juiz atendido ao disposto no art. 685 do Código de Processo Civil de 1939, conforme determina o art. 710 do mesmo Código; 2.0) em ter, ainda, desrespeitado o art. 223, parágrafo único, admitindo a juntada de documentos, depois da inicial, sem ouvir a parte contrária. Tem razãO o agravante. É verdade que o art. 685 fala em instrução sumária. Mas é certo, também, que ao agravante não foi facultada a produção de provas, como naquele art. se dispõe. Por outro lado é a liçãO de PONTES DE MIRANDA a instrução sumária independe de audiência, salvo se requerida produção de prova testemunhal (Comentários, IV, 113). E o agravante protestou, expressamente, pela produção de testemunhas” (D. da J., 7 de abril de 1954). 3)ELEMENTO DECLARATIVO DA SENTENÇA. Diante do forte elemento declarativo da ação de embargos de terceiro,a processualistíca reinícola discutira se a sentença proferida a final produzia coisa julgada material; e as dificuldades foram bem apreciadas por MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Com

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mentaria, III, 292 s.). A assimilação às ações possessórias não se justifica. Nos pontos julgados, com declaraçãO (interveniente causa cognitionis), há coisa julgada material, de modo que a sentença obsta à ação possessória, se a posse ,em que o terceiro se fundou, foi negada. Mas, negada só a posse, por ser só esse o pedido, nenhuma coisa julgada material há quanto ao mais, segundo os princípios. A contestação do embargado, que é o executante ou o autor da açãO de constrição, preventiva ou não, trata-se corno todas as afirmações de parte, e por certo lhe são aplicáveis as regras jurídicas dos arts. 319 e 334; porém cumpre advertir-se que só existe coisa julgada material entre partes, e o executado ou réu da ação de medida constritíva pode não ser parte dos embargos de terceiro. No que concerne à afirmação de que só o réu na açãO principal podia contestar, à falta de contestaçãO de modo nenhum se pode aplicar o art. 319. Somente com essa ressalva se há de ler o acórdão da 1.a Câmara Cível do Tribunal de ApelaçãO de Minas Gerais, a 8 de maio de 1941 (R. F., 88, 198). 4)INTERVENÇÃO NOS EMBARGOS DE TERCEIRO PELO RÉU DA AÇÃo PRINCIPAL. O executado, ou, melhor, demandado, pode intervir na ação de embargos de terceiro, sem ser, sempre, litisconsorte necessário: o que está em causa é a pretensão a executar, que diz ter o exeqüente , e não a pretensão do executado ao objeto da constrição judicial. Essa pretensão é atacada pelo terceiro, diante do exeqüente , mas contra o Estado; de modo que ao terceiro é dado pedir a citação do executado, e ao juiz, ordenar a audiência dele (art. 131). Ao executado, esse, em qualquer caso, é facultado intervir, tomando a figura que as circunstâncias da questão compuserem (litisconsorte necessário, se foi ele quem nomeou bens à penhora; litisconsorte voluntário; assistente do art. 54). Se em juízo o executado dá em soluto o bem sobre que recai o interesse do terceiro, cabem embargos de terceiro. Antes, nota ao art. 1.048. 5)CONTEÚDO DA AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. Quanto aos embargos de terceiro na execuçãO, tem-se procurado considerar que duas são as ações, uma, para que exclua da execução o bem que pertence ao terceiro embargante, outra, por exemplo, para se reconhecer o direito de servidão, usufruto, ou hipoteca, que tem o terceiro. A primeira seria oposição à açãO executiva; a segunda, ação confessória. Já vimos que essa construção é contra os princípios. Os embargos de terceiro são, apenas, ação mandamental negativa, sem que se lhe possa exagerar o elemento reivindicatório ou confessório que venha em segundo lugar (conteúdo secundário, que pode ser de outra ação). O embargante terceiro tem de pedir a citação do exeqUente. Não há dúvida a respeito; e esse é o “embargado” a que se refere o art. 1.054, posto que o que se embargou foi o ato estatal constritívo. Diferente é o que se passa com a oposição de terceiro, no processo de cogniçãO (arts. 56-61), em que são citados autor e réu da açãO a que se opõe o terceiro (art. 57). Os dois legitimados ad causam são litísconsortes necessários, na oposiçãO de terceiro; e nada obsta a que o juiz ordene a integraçãO do juízo, com a chamada iussu iudicis do art. 46 (assim, ENRIco REDENTI, Ii Giudizio civile con pluralitá di parti, 309; sem razãO, GIusEPPE CHIOVENDA, Principii, 1084), a despeito do art. 57. Nos embargos de terceiro, a regra é citar-se o exeqúente; mas pode ser que o executando tenha nomeado os bens e entãO o executando é lítísconsorte necessário. A. integração do juízo resulta de haver uma das espécies do art. 46, e não de terem de ser citados os litigantes (art. 57). Certa confusão entre as duas oposições levou os juristas italianos a considerarem sentença nos embargos de terceiro, se o executado não foi citado, nem interveio voluntariamente, como inutiliter data. Isso, que se pode dar se foi o executado quem nomeou o bem, ou se a resolução da questãO precisa ter força de coisa julgada material contra o executado, nãO é requisito a priori dos embargos de terceiro. Não é verdade que o executado seja sempre legitimado ad causam. Pode bem ser que o erro ou culpa no indicar os bens tenha corrido apenas por conta do exeqüente . Ou até mesmo do oficial incumbido da medida constritiva. Enquanto a sentença de acolhimento, na oposição de terceiro, conforme os arts. 56-61, é declarativa contra o autor, ao passo que, quase sempre, condenatória contra o réu, a sentença de acolhimento, nos embargos de terceiro, é mandamental negativa. No Código de 1973, art. 1.046 e ~§ 1.0, 2.0 e 3~0, insiste-se, a cada momento, na expressão “posse”, como se se pudesse pensar em posse de créditos que nãO constam de títulos possíveis . Quem, por exemplo, tem algum direito pessoal, não pode ser tido como possuidor. A posse, na terminologia jurídico-científica, nãO pode ser de crédito que não conste de título a que se possa atribuir posse. Se foi posto no inventário a divida de B ao espólio e tal dívida resultou, por exemplo, de condenação em ação de indenizaçãO, nãO se pode falar de posse. Fora da terminologia, diz-se que o espólio possuí tal crédito; mas, ai, a expressão leva a confusões: só se possui o que se pode possuir e só se pode possuir o que é suscetível de posse. Falar-se de senhor e possuidor, a respeito de direitos de propriedade, mesmo intelectual ou industrial, é empregar-se termo que se poderia empregar. NãO, porém, aludir-se a posse de dívida. Mesmo quando há crédito com garantia real, a posse do direito real limitado existe, e, mesmo aí, o crédito, que está garantido, não é possuído. Em todas as hipóteses de constrição pode haver bem não-possível O instituto da posse é de tal

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relevância que devemos evitar falar de posse onde posse não pode existir. Temos, portanto, de interpretar os arts. 1.046 e ~§ 1.0, 2.0 e 3~O, 1 047, 1, 1.049, 1.050, § 1.0 (“prova da posse”) e 1.051, como concernentes a casos de posse e de titularidade em que não se pode cogitar de posse (e. g., o direito aos vencimentos ou honorários, às dívidas que não têm cártulas). Pode acontecer que o direito que tem o embargante, ou que afirma que tem, seja limitado à posse, razão para, aí, se abstrair do domínio . Os embargos podem ser baseados só na posse e, mesmo aí, não se pense em serem os embargos de terceiro ação possessória. O Código de 1939, art. 707, falava de alguém “sofrer turbaçãO ou esbulho em sua posse, ou direito”, e de poder “defender seus bens, por via de embargos de terceiro”. O Código de 1973 foi infeliz (art. 1.046) e errado. porque retirou a alusão a “direito”, como se a expressão “posse” bastasse, e, em vez de falar de “defender seus bens”, refere-se a requerer que “lhes sejam manutenidos ou restituidos”. No art. 1.047, II, diz admitir-se “ainda embargos de terceiro”, “para o credor com garantia real obstar alienação judicial do objeto da hipoteca, penhor ou anticrese”. Não estava isso no Código de 1939, nem precisava estar: cabe nos embargos de terceiro qualquer que seja o bem alheio que a constrição judicial atinja. O art. 1.046 fala da penhora, como um dos casos de constrição , e a penhora (art. 655) apanha os bens móveis e imóveis e os “direitos e ações”. NãO é penhorável só o direito, também o é a própria açãO. Ocorre o mesmo com o depósito (art. 664), com o arresto (arts. 813 e 821), ou com o seqüestro (arts. 822, II, e 823), ou com a arrecadaçãO, o arrolamento, o inventário e a partilha (art. 993, IV: “a relaçãO completa e individuada de todos os bens do espólio e dos alheios que nele forem encontrados: f) as dívidas ativas e passivas, indicando-se-lhes as datas, títulos, origem da obrigaçãO, bem como o nome dos credores e dos devedores; g) direitos e ações”; e o art. 1.025: “A partilha constará: b) o ativo, o passivo e o líquido partível, com as necessárias especificações”). Seria absurdo, por exemplo, que o terceiro não pudesse empregar o remédio dos embargos de terceiro se em poder do espólio estãO créditos e promessas de crédito que são alheios ao espólio. Qualquer medida judicial constritiva que entra na esfera juridíca do terceiro dá ensejo aos embargos de terceiro. Tal ação pode basear-se na posse, porém nem sempre nela se baseia. Não se diga, portanto, o que seria erro crasso se interpretarem os arts. 1.046-1.054 como se houvesse recuo temporal e científico, que se supóe, sempre, haver ofensa à posse. Já as Ordenações Filipinas , Livro III, Título 86, § 17, permitem que se dilatasse o alcance dos embargos, porque não só em propriedade e posse pode sofrer o terceiro. Legislações erradas, em sua redação, porque, rigorosamente, nãO podemos acolher erros que ofendem o sistema jurídico, foram postas de lado para que os juristas e os juizes, e o Código de 1939 fez a alusão à “posse ou direito” para atender ao que se assentara. E cientificamente está assente. Imaginemos que não se protegesse com os embargos de terceiro quem teve créditos seus inventariados ou partilhados por algum inventariante e levados, antejurídicamente , à partilha. NãO se pode cogitar de direito sem se levar em consideração que houve erros que se corrigiram. 6) RECURSO. O recurso, em caso de julgamento final, é o de apelação. 7) FoRo DO JUÍZO CONSTRITOR. O foro do juiz, que praticou o ato de constrição, impõe-se, de modo que cedem todas as outras regras jurídicas de competência, e não pode ser declinado. O principio já estava em JoRGE DE CABEDO (Practicarum Observationum sire Decisionum, 1, d. 210, ns. 1 e 2). Não se observa a ordem das instâncias, porque se apresentam os embargos de terceiro onde foi feita a cons~rição. O valor da ação é o dos bens constritos, e não o da ação contra cuja eficácia se vai (1.R Turma do Supremo Tribunal Federal, 16 de julho de 1945, A. J., 77, 199). Tem-se de atender ao momento da cognição, da decisão, para se determinar a competência, leva-se em consideração a fonte, e nãO o momento da constrição. Uma vez que a diferença, no tocante ao momento, causa diferença no espaço, cogita-se do lugar em que se conheceu do pedido e, em conseqüência , se deprecou, ou se rogou; só se presta atenção é. fonte do ato processual constringente. É esse ato, o do conhecimento do pedido, que se embarga. Acertadamente, o Código de 1973 riscou a regra jurídica do art. 711 do Código de 1939, que fazia competente para conhecer dos embargos de terceiro o juízo deprecado, onde se fez a constriçãO. Ora, o ato constritívo foi deprecado, ou rogado, por outro juiz, o deprecante ou o rogante. O causador foi o juiz deprecante ou o rogante. Se a constrição de modo nenhum foi assunto da deprecação ou da rogação, e o juiz deprecado ou rogado foi o responsável, isto é, constrigente ilegal foi ele, mas isso tem de ser apreciado pelo juiz deprecante ou rogante. Tais os princípios, que dão os limites ao conceito de embargos de terceiro e criam regra especial de competência. 8)CREDOR COM GARANTIA REAL. Se quem embarga é credor com garantia real, o embargado somente pode alegar que o devedor comum devedor ao exeqüente e devedor ao embargante está

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insolvente, ou que o título de direito real de garantia é inexistente, ou nulo, ou que não é título que obrigue a terceiro, ou que a coisa atingida pela constrição judicial não é a que se dera em garantia. 9)DEVEDOR COMUM E INSOLVENTE. O art. 1.054 abre exceção ao principio de amplitude das alegações do embargado, desde que se perfizeram os pressupostos para a ação de embargos de terceiro. Uma vez que, na ação , de cuja mealda constritiva resulta ofensa ao terceiro, a constriçãO atinge crédito com garantia real (qualquer que seja), tem-se de atender a que é excepcional poder-se constringir direito real. Daí só se admitir a alegação pelo embargado se se tratar de insolvência e ser comum o débito, ou de que o título do terceiro é nulo, ou que o titulo cio terceiro de modo nenhum o vincula, ou o bem sobre que recaiu a constrição não é aquele a que se refere o título do terceiro. Quanto à hipótese da insolvência, cumpre advertir-se que a só alegação da insolvência não basta: é preciso que, a despeito de se tratar de crédito com garantia real, o fato de estar insolvente o devedor permita, conforme o direito material respectivo, que se desatenda ao direito real de garantia. Ora, na falência e na insolvência, o que se poderia admitir seria a alegação de fraude contra credores. Houve defeito na redação do art. 1.054, 1, porque a insolvência não faz comum, em tal caso, o devedor. Se o devedor é insolvente, as dividas excederam a importância dos bens do devedor (art. 748). Os bens gravados de direito real de garantia são arrecadáveis e classificados, sendo que eles vêm em primeiro lugar. O direito real de garantia está fora das somas das dívidas do insolvente, seja pela entrega do bem, se o valor dele é o valor do crédito com garantia real, ou pela prestação da diferença pelo credor com garantia real, se o valor é acima do valor do crédito, ou pela entrega do valor do crédito pela massa. 10)NULIDABE OU INATINGIMENTO DO CREDITO. As duas espécies do art. 1.054, II, são assaz diferentes. a) O título pode ser inexistente ou nulo ou anulável. b) Pode ser título que a medida constrítiva não atingiu, nem atinge, nem vai atingir. Se a), ou a nulidade é absoluta, ou se trata apenas de anulabilidade, ou de ineficácia. Se o título nulo, existe porém não vale. Pergunta-se: ~,nos embargos de terceiro pode o embargado alegar que é anulável o título do crédito com garantia real, e pedir, na própria ação dos embargos de terceiro, no ensejo da contestação, a decretação da anulação? Os atos jurídicos anuláveis (incapacidade relativa do agente, vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude, Código Civil, art. 147) dependem, para a eficácia negativa, de haver sentença a respeito deles (sentença constitutiva negativa), o que suscita a questãO: ~,pode na contestação ser inserta tal açãO constitutiva negativa? Temos de entender que o art. 1.054, II, só alude ao título “nulo”, e nãO ao anulável , de que o juiz dos embargos de terceiro de modo nenhum poderia decretar a anulação. Ao embargado cabe propor outra ação, que é a de anulação do título. Se acaso advém a decretação, o terceiro embargante tem de devolver os bens recebidos, com os rendimentos, para o que ele prestou caução , por analogia com o que se estatui no art. 1.051, 2.~’ parte. Quanto à ineficácia, em vez de inexistência ou de invalidade do título, ou a espécie cabe no art. 1.054, II, 2.~ parte (“não obriga a terceiro”), ou não houve ofensa com a constrição que ocorreu, ocorre ou vai ocorrer. Quanto aos pressupostos para a nulidade do crédito com garantia real, Código Civil, arts. 145, 135, 761, 796, 831 e 848. 11)INATINGIBILIDADE DO BEM. Se o bem gravado não é o bem que a constrição atingiu, ou atinge, ou vai atingir,o embargado pode alegá-lo, porque é sem o pressuposto essencial a oposição dos embargos de terceiro: não foi ferido qualquer direito do terceiro. Se o devedor comum é insolvente, é claro que se tem de constringir judicialmente o bem gravado de direito real limitado. Ao juízo da insolvência concorrem todos oi~ credores do devedor, comum, com o respeito às preferências. Se o devedor comum não é insolvente, cabe-lhe não nomear bens gravados de direitos reais limitados, pois, tendo bens livres e desembargos (art. 656, IV), se nomeia outros que o não sejam, é ineficaz a nomeação . Quanto ao art. 1.054, temos de frisar que não constava do Código de 1939. O credor com garantia real está ofendido pela constrição judicial se o bem sobre o qual recai o seu direito real limitado foi atingido pelo ato. O embargado somente pode alegar que o devedor comum é insolvente, que há nulidade do título, ou que outra é coisa dada em garantia. Quanto à primeira alegação, diremos o suficiente na nota 9. As notas 10 e 11 tratam do art. 1.054, II e III. No Código Civil, art. 135, diz-se, com clareza, pois que se trata de regras jurídicas de direito material. “O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração de seus bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos, bem como os de cessão, não se operam, a respeito de terceiro (art. 1.067), antes de transcritos no registro público”. No art. 796 estatui-se: “O penhor agrícola será transcrito no Registro de Imóveis”. Cf. Lei n. 58, de 30 de agosto de 1937 (penhor rural e cédula pignoratícia), Decreto-

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lei n. 2.612, de 20 de setembro de 1940 (registro do penhor rural); Lei n. 2.666, de 6 de dezembro de 1955 (penhor de produtos agrícolas). No Código Civil, art. 831, estabelece-se que “todas as hipotecas serão inscritas no registro do lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um”. No art. 848: “As hipotecas somente valem contra terceiros desde a data da inscrição. Enquanto não inscritas, as hipotecas só subsistem entre os contraentes”. Aí, mais uma vez, o legislador confunde existência, validade e eficácia: se foram feitas entre os contra-entes como deviam ser, elas exigem e valem; o registro é que lhes dá eficácia contra terceiros. Pode ser que o título tenha sido inválido e então, apesar do registro, pode o embargado alegar a nulidade (incapacidade absoluta, ilicitude ou impossibilidade do negócio jurídico de gravame, infração de principio da solenidade necessária ou de exigência de alguma lei. O art. 761 do Código Civil firma que os contratos de penhor, antícrese e hipoteca têm de declarar “são pena de não valerem contra terceiros”, o total da dívida, ou sua estimação , o prazo fixado para pagamento, a taxa de juros, se há, a coisa dada em garantia (aliás, gravada, porque, nem sempre se dá a coisa em garantia, o que pode ocorrer, distinto da hipoteca, com o gravame pignoratício). Pode acontecer que haja incerteza, no tocante à coisa em garantia, ou que tenha ocorrido substituição, e então há assunto para a contestação pelo embargado. O que se tem de verificar é se foi atendida, como devia, a regra jurídica do art. 761, IV, do Código Civil (sob pena de não valer o negócio jurídico de garantia real contra terceiros se não houve as especificações da coisa sujeita à garantia real). Não se diga que o art. 1.047, II, é excepcional, porque admite embargos de terceiro para o credor com garantia real obstar a alienação judicial do objeto da hipoteca, da penhora, ou da anticrese. Não se precisava de tal regra jurídica, nem ela afasta os embargos de terceiro por parte do titular de direito de usufruto, uso, habilitação ou outro direito real limitado, nem quaisquer embargos de terceiro por qualquer curador ou titular de direito pessoal que sofreu a constríção judicial. O art. 1.054 aponta o que o embargado pode alegar. Fazer dos embargos de terceiro ação relativa à propriedade ou à posse é deturpá-lo. Não se explicaria que as constrições judiciais que ofendem bens que não são de propriedade ou de posse de terceiros ficassem incólumes aos embargos de terceiro. Seria tratarem-se os terceiros abaixo dos devedores que sofrem constrições e têm os embargos do devedor. Trata-se de duas ações mandamentais, sem caráter possessório, posto que algumas vezes o ato constritivo ofenda a posse. Os embargos do devedor pedem contratandado e os embargos de terceiro também. Toda preocupação de limitar à defesa da posse os embargos de terceiro orça por horrível confusão entre posse e os outros direitos. CAPÍTULO XI DA HABILITAÇÃO 1)-2)-3) 1)CoNcEITO E PROCESSO DE HABILITAÇÃO ACIDENTAL. A sucessão subjetiva, que interessa ao direito processual, ou é (1) sucessão no processo, tal como ocorre ao cessionário de título de crédito a respeito do qual há lide, ou ao adquirente da coisa litigiosa (sucede no processo, sem adquirir a qualidade formal de parte, isto é, sem. se inserir na relação jurídica processual); ou é (II) sucessão na posição formal de parte (sucessão subjetiva na relação jurídica processual). Essa ou (a) se opera de pleno direito como se uma das partes faleceu e deixa herdeiros necessários ou cônjuge herdeiro, ou nos casos de substituição hereditária, de concurso de credores e nomeação de administrador, ou, inversamente, se os bens do concurso de credores são entregues ao sucessor; ou (b) depende de assunção processual, como por exemplo, em casos de laudatio auctoris ou nominatio auctoris (arts. 62-76), ou de sucessor da propriedade da marca de indústria e de comércio para os processos de caducidade em que é réu, e em todos os demais casos de sucessão só no processo. Para que o cessionário se instale, formalmente, como parte, é preciso que a parte adversa consinta, ou haja consentido no título mesmo, e tenha sido habilitado. O cessionário, que ainda não se habilitou, pode prosseguir na causa (sucessãO no processo), porém nãO se substitui formalmente à parte cedente (art. 1.061). No direito anterior chama-se à habilitação, de que aqui se trata, habilitação incidente, porque se supõe açãO pendente, estando “incidir” no sentido de ocorrer. Verdadeiramente, o que se dá é acidente, algo de acidental. No Código de 1973 retirou-se o adjetivo. Há habilitações que se não confundem com as dos arts. 1.055-1.062, que são as do Capitulo XI (Da habilitação). Na ação de inventário e partilha (art. 993, II e III), nas declarações iniciais do inventariante, têm de ser exarados o nome, estado, idade e residência dos

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herdeiros e, havendo cônjuge supérstite, o regime de bens do casamento, bem como a qualidade dos herdeiros e o grau de seu parentesco com o decujo. A qualidade nãO foi incluída na lista dos herdeiros, pode ser contestada (art. 1.000, III). Quem foi preterido pode requerer a admissão no inventário, antes da partilha. Se o juiz não acolhe o pedido, remete-o o requerente às vias ordinárias, reservando-se os bens que lhe tocariam até que se decida o litígio. Se o juiz acolhe o requerimento, houve habilitação que se não pode considerar incidente, à semelhança da habilitação dos arts. 1.055-1.062; se não o acolhe, há a ação de petição de herança, que tem por fito a habilitação no inventário e partilha. Nem aquela nem essa é semelhante à dos arts. 1.055-1.062. Há outras habilitações que não são acidentais (incidentais), como a habilitação para casamento (Tratado de Direito Privado, Tomo VII, §~ 774-777). A acídentalidade aparece, por exemplo, na ação de atentado e na restauração de autos, assunto dos arts. 879-881 e 1.063-1.069, respectivamente. Se a situação do figurante da ação é a de titular de direito é intransmissível (e. g., de desquite, ação de pátrio poder, que é inconfundível com a de paternidade, porque os herdeiros do autor ou do réu podem instituí-lo, processualmente). Pergunta-se: apode promover a ação de habilitação quem era assistente? A resposta é afirmativa, e o próprio herdeiro do assistente do morto pode ter interesse em que a assistência continue e, assim, apenas precisa provar a sucessão no direito material do assistente. Quanto ao opoente, parte é, e nenhum problema surge. O herdeiro do assistente não é obrigado a suscitar a habilitação, nem a morte do assistente suspende o processo. Quando um direito se extingue com a morte, tal como acontece com o direito de usufruto, não há pensar-se em habilitação de herdeiros na ação do proprietário contra o usufrutuário, se declaratória negativa, porque, com a morte, a propriedade está incólume. Aliter, por exemplo, se condenatória (por não ter feito as reparações ordinárias , ou não ter pago foros, impostos devidos pela posse ou pelo rendimento da coisa usufruida). Se a ação era do usufrutuário contra o proprietário, não se dá o mesmo. Há sucessão processual e, pois, habilitação era a ação condenatória, e. g., no tocante a reparações que eram obrigação do proprietário, ou se a ação declaratória era para obrigar, depois, o proprietário a entregar o uso e o fruto. Não se diga, portanto, que com o fato de se extinguir o usufruto com a morte do usufrutuário nunca há transmissão. O proprietário que negou o direito no usufruto (ação declaratória ou desconstitutiva), se falece, os seus herdeiros têm interesse em prosseguir na açãO contra o usufrutuário e podem habilitar-se. Se o usufrutuário nega a propriedade do autor ou réu, que se diz proprietário, legitimação dos herdeiros à habilitação . O processo da habilitação acidental (termo que o texto de 1973 evitou) só se refere às habilitações que se têm de fazer depois de estabelecida a relação jurídica processual e, pois, a partir da litispendência; e até a extinção do processo, porque, faltando o autor ou o réu, ou alguém que se fez tal, necessariamente, se a causa não é das poucas que se extinguem com a morte da parte (e. g., desquite) se dá a inserção do sucessor no processo e na relação jurídica processual e a habilitação acidental provê a isso. No sistema do Código, a inserção do sucessor causa mortis na relação jurídica processual (não se confunda com a inserção nas relações de direito material, que, de regra, é ipso jure, Código Civil, art. 1.572), só é ipso jure nas espécies do art. 1.060, 1. Em quaisquer outras, depende da sentença, ainda que se tenha dado a inserção na relação de direito material ou da inclusão do herdeiro no inventário, sem qualquer oposição (art. 1.060, III). Tal particularidade do direito brasileiro não deixa de ser reminiscência do direito material anterior ao Alvará de 9 de novembro de 1754; mas há a lex lata. Com a morte de qualquer dos litigantes suspende-se o processo (art. 265, 1). A substituição do herdeiro renunciante não é objeto de habilitação acidental (sem razão, a 4•~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 7 de junho de 1951, R. dos T., 193, 899). A habilitação é como se prevê no art. 1.060, 1, posto que se haja feito a prova da renúncia. 2)AçõEs DE HERANÇA E HABILITAÇÃO AcIDENTAL. ~ de toda conveniência distinguir-se da habilitação nas causas hereditárias, que às vezes é processo para se declarar a inserção da pessoa na relação de direito material e, em conseqüência (art. 1.060), na relação de direito processual (pretensão de direito material hereditária e pretensão de direito processual à sucessão), a habilitação à relação jurídica processual, somente, como a habilitação dita acidental. Conseqüências da diferença surgem a cada passo.

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3)HABILITAÇÃO AUTORAL E HABILITAÇÃO DEFENSIVA. A habilitação pode ser autoral, quando é dos sucessores do autor, ou dos seus litisconsortes, ou equiparados a litisconsortes, ou defensiva, quando dos sucessores do réu, ou dos seus litisconsortes, ou dos equiparados a litisconsortes. Art. 1 . 055. A habilitação 1) tem lugar quando, por falecimento de qualquer das partes, 2), os interessados 3) 4) houverem de suceder-lhe no processo. 1)HABILITAÇÃO RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E PROMOVENTE. A habilitação não altera a relação jurídica processual, nem recompõe: apenas se reconhece que um dos figurantes foi sucedido por outra pessoa ou por outras pessoas. A sucessão dos figurantes não cria outra relação jurídica processual: quando se reconhece afirma-se que se conhece o que lá está. Qualquer interessado na habilitação pode suscitá-la. O art. 1.056 somente falou de partes, uma das quais faleceu, ou autor ou réu. O Código de 1939, art. 746, aludia à habilitação “promovida pelos herdeiros da parte falecida ou por qualquer interessado Em todas as ações, mesmo quando, excepcionalmente, a relação jurídica processual não se angulariza , há figurante que pode vir a falecer, ou figurantes que podem vir a falecer. Com a morte ou com as mortes, ou ocorre a extinção, ou alguém tem de ser posto no lugar do morto, ou duas ou mais pessoas ocupam o seu lugar. A legitimação ativa ou passiva é que leva a que haja novo ocupante da relação processual. Cada ato que tenha de ser praticado pela parte a que a morte adveio tem de ser praticado pela pessoa que ingressa na relação jurídica processual. Os atos que não podem ser praticados sem a presença ou a atividade da parte contrária que morreu não podem ser admitidos. Por isso, a morte ou a perda da capacidade processual, pela parte, por seu representante legal ou mesmo do seu procurador leva à medida da suspensão do processo (art. 265, 1). No tocante à parte ou seu representante legal, o juiz, diante da prova, suspende o processo, salvo se já iniciada a audiência de instrução, porque, então, o advogado prossegue em sua atividade até que se encerre a audiência, e a suspensão somente é após a publicação da sentença ou do acórdão (arts. 265, § 1.0, a) e b), e 266, sobre a determinação pelo juiz) da prática de atos urgentes, para se evitar dano irreparável. De habilitação só se há de cogitar se a habilitação é de alguém que se diz e prova ser sucessor no processo como parte (sucessão no processo). Se ninguém, apesar da prova da morte, constante dos atos, promove a habilitação, e o processo fica parado durante mais de um ano, por negligência da parte contrária e dos interessados que são os sucessores, há a extinção do processo (art. 267, II). Mas tem de ser respeitado o art. 267, § 1.0. A ação pode ser de novo proposta se o sucessor ou os sucessores são do autor (art. 268). Se o sucessor ou os sucessores que não se habilitaram renunciaram, com as formalidades do direito material, o direito sobre que se fundou a ação (art. 269, V), ou se transigirem (art. 269, III), porque se está no plano do direito material, há a extinção do processo, se ainda não se extinguiu com fundamento no art. 267, II. Se já se extinguiu sem julgamento do mérito, com base no art. 267, II, os negócios jurídicos posteriores, concernentes ao direito material, apenas exclui ou modifica a ação que de novo podia ser proposta. 2)HABILITAÇÃO ATIVA E HABILiTAÇÃO PASsIvA. A habilitação diz-se ativa, quando a promovem os herdeiros da parte falecida, citada a parte contrária; passiva, quando a promove a parte contrária à que faleceu, citados os herdeiros da parte falecida. Uma vez que, na habilitação ativa, a parte citanda pode estar representada na causa, basta a citação do procurador. O interesse do promovedor estranho classifica-o. Afaste-se qualquer alusão à representação entre parte e sucessores após iniciar-se a litispendência, porque ou a) eles ingressam na relação jurídica processual e, então, a idéia de representação é de menos; ou b) não ingressam, e a idéia de representação é, aí, de mais. Não há mandato presumido, nem mandato tácito, nem representação sem mandato. O mandato presumido, a que recorrem alguns juristas, para alargar o conceito de parte, suporia nada menos que a presunção de renúncia à exceptio rei inter alias iu4icatae; e em verdade o problema está em se saber por que não tem a exceptio o sucessor. Quanto à representação sem mandato, se essa fosse o quid para a explicação, o sucessor não poderia ser interveniente adesivo, porque ao representado não seria permitido e, no entanto, não se nega ao sucessor. Os juristas franceses lançaram mão de metáforas (mandato restrito, representação imperfeita), repercutindo alhures (Itália, Espanha, Brasil); mas a evasiva, com que, aqui e ali, se ladeava o problema, foi vigorosamente repelida (e. g., A. MENDELS5OHN-BARTHOLDY, Grenzen der Rechtskraft, 32, 5.). Nem, ainda, seria de aceitar-se a assimilação da posição da parte em caso de sucessão à utilis gestio, porque se subordinaria, se verdadeira fosse a teoria, à ratificação do daminus negotii. Nada mais estranho ao direito processual, que mantém nítidas as suas linhas distintivas, do que essa idéia de gestão de negócios

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processuais. O Código somente anui na caução de rato (art. 37). Ainda houve os que recorressem à construção artificial da posição do alienante, ou cedente, usando a falsa teoria da eficácia da sentença secundum even.tum litis: o vencido reconhecera como legítimo contraditor o não autorizado (alienante, cedente), usara de todos os meios de ataque ou de defesa que a lei lhe oferecia; portanto, uma vez que perdeu, sofre as conseqüências . Ora, essa explicação deixaria de fora o caso mais relevante, o do sucessor da parte que perdeu. Admira que nisso ainda houvesse incorrido ACHILE GATTI (L’Autorità della Cosa giudicata, 2.~ ed., 239 s.). 3)LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL ATIVA. Qualquer interessado na causa principal, quer de lado do autor quer do réu,quer do lado do falecido quer da parte contrária, pode promover a habilitação. Não há qualquer limitação das habilitações às causas principais em que há contentio inter partes. A alusão dos processualistas à “habilitação incidente nas causas contenciosas” era errada, por excluir a habilitação noutras causas. Desde que a ação não se extingue com a morte do autor ou do réu, ainda que não haja, desde logo a angularidade da relação jurídica processual, cabe a habilitação, ativa ou passiva, ou somente ativa, nas ações declarativas, constitutivas, de condenação, mandamentais, ou executivas. A relação jurídica processual lá está, e há a falha cIo sujeito. A ~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 8 de outubro de 1946 (R. F., 110, 135), disse que não pode promover habilitação incidente o terceiro a quem foi negada a qualidade de litisconsorte por acórdão trânsito em julgado. Está certa a decisão se o acórdão não fundou a afirmação de não ser litisconsorte em falta de prova ou de não caber habilitação acidental. Art. 1 . 056. A habilitação 1) pode ser requerida 2): 1 pela parte, em relação aos sucessores do falecido 3); II pelos sucessores do falecido, em relação à parte 4) 1)LEGITIMAÇÃO ATIVA. A habilitação é de sucessor do falecido; mas quem pode pedi-la é a própria parte, para que se habilite o sucessor, ou se habilitem os sucessores do falecido, ou é o próprio habilitando, ou os próprios habilitandos. A relação jurídica processual é entre a parte e o Estado, em angularização com o sucessor, ou os sucessores: ou entre o sucessor ou os sucessores e o Estado, anguarizando-se com a parte. 2) ANGULARIZAÇAO A angularização ocorre com a citação da outra parte, ou das outras partes, ditas, no art. 1.057 “requeridos”, a despeito de se tratar de petição em ação, nos próprios autos da ação principal (cf. art. 1.060). 3) LEGITIMAÇÃO DA PARTE. O art. 1.056, 1, fala de poder propor a ação de habilitação a parte, se falece a outra parte, ação que se dirige, com a angularização, aos “sucessores do falecido”. Sucessores do falecido são os herdeiros legatários, isto é, quem quer que o suceda mortis causa. Não se fala de sucessores entre vivos, porque o fato-cerne da ação é ter falecido a parte. Vai-se ao ponto de, no Capítulo XI (Da habilitação), inserir-se o art. 1.061, que somente cogita de ter havido aquisição ou cessão e ter-se de prosseguir na causa se, antes de se juntar o título e provada a identidade , falece o alienante ou cedente. O art. 1.061 apenas dispensa, de certo modo, a chamada “habilitação”: pode o adquirente ou cessionário prosseguir na causa, com simples documento. Não se pense em habilitação independente de sentença (art. 1.060), posto que haja algo de simile no art. 1.061. A legitimação da parte, no art. 1.056, 1, pode ser de alguma das partes, em relação aos sucessores do falecido, ou de algumas das partes, ou de todas as partes, porque a ação pode ser com um ou alguns autores ou um ou alguns réus. Conforme antes frisamos, há interessados que têm de ser tratados como o autor ou o réu, se aquele ou esse falece. Pode acontecer que a parte, que se acha diante da morte da outra parte, seja pessoa jurídica. Ela é que pode suscitar a habilitação, e não os sócios, salvo se de acordo com as regras estatutárias: o que ai importa é haver a apresentação ou a representação em juízo. O art. 1.056 pôs em primeiro lugar a parte contra a parte falecida e em segundo lugar os sucessores do falecido. Fez bem, ~,por que o interesse maior não é o dos sucessores, porém da parte contrária? Não cabe discutir-se. Pode a parte que permanece ter interesse em que não se promova a habilitação, para que ocorra a extinção do processo, como podem ter tal interesse os sucessores do falecido. Por outro lado, não se diga que a iniciativa, na falta dos sucessores da parte que faleceu, se transfere à que no seu lugar persistiu. 4)LEGITIM.AçÃO DOS SUCESSORES. O art. 1.056, II, cogita da ação de habilitação proposta pelos sucessores do falecido, mas a sucessão há de ser na relação jurídica processual, ou na relação de direito

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material que faça surgir o direito a suceder no processo. No Código de 1939 dizia-se que a habilitação podia ser promovida pelos herdeiros da parte falecida, ou por qualquer interessado. O art. 1.056, II, pôs à frente a sucessão processual, que supõe existir o interesse. A despeito das diferenças, na redação, os princípios jurídicos são os mesmos. Art. 1 . 057. Recebida a petição inicial 1), ordenará o juiz a citação2) 3) 4) dos requeridos para contestar a ação no prazo de cinco (5) dias. Parágrafo único. A citação será pessoal se a parte não tiver procurador constituído na causa 5). 1) PETIÇÃO. A petição tem de satisfazer os requisites dos arts. 282 e 283. As citações, se não se sabe quem são os herdeiros do falecido, fazem-se por edital (art. 231); bem assim nos demais casos do art. 231. O art. 9•O, II. é aplicável. Idem, os arts. 877 e 878 se for o caso. 2)CITAÇÃO. Se a habilitação é ativa, a parte contrária não precisa de ser citada pessoalmente, pois já está em juízo, nele continua e o seu procurador lhe faz í~s vezes, se o tem na ocasião (2.a Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 30 de junho de 1905, O D., 97, 643). 3)HERDEIROS INCERTOS. Arts. 231, 1, e 9•O, II. O correr a causa com o Ministério Público não dispensa o curador especial. No Código de 1939, art. 748, § 2.0, dizia-se: “Quando incertos, os herdeiros serão citados por edital, na forma determinada neste Código, correndo a causa com o curador nomeado e com o órgão do Ministério Público, se, findo o prazo, os citados não comparecerem”. Não o reproduziu o Código de 1973. No art. 231, 1, estatui-se que a citação se traz por edital quando desconhecido ou incerto o réu; e no art. 9, II, 2.~ parte, que se dá curador especial ao réu revel, citado por edital. A citação por edital pode ocorrer noutras espécies que a de ser incerto o citando, como se é desconhecido, tal como está no art. 231, 1, 1.~ parte, ou se é ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra (art. 231, II). No art. 9•O exige-se o curador especial se o revel foi citado por edital ou com hora certa, bem como (art. 9~O, 1) ao incapaz que não tem representante legal ou se os interesses desse colidirem com os daquele (e. g., o citando teve a sua habilitação contestada por seu representante legal). Nas comarcas em que há representante especial de incapazes ou de ausentes, compete-lhe a função de curador especial (art. 9~O, parágrafo único). 4) FAZENDA PUBLICA. Discutia-se no direito anterior a 1939, se (a) a Fazenda Pública tinha o direito-dever de promover a habilitação dos herdeiros dos devedores, ou (b) podia prosseguir na ação, independente daquela, respondendo A. M. PERDIGÃO MALHEIRO (Manual, 1, 65, nota 273), com a invocação das Ordenações Filipinas, Livro II, Título 52, §5, no sentido (b), porque a habilitação só serviria para retardar a execução, mas exigia a citação, ad i~n.star do que ocorria nos arts. 747, 1, e 750 do Código de 1939 (hoje, Código de 1973, arts. 1.060, 1, e 1.061) (note-se a equiparação). O Decreto n. 19.885, de 29 de fevereiro de 1888, art. 41, foi além: dispensou a citação. Depois, o Decretolei n. 960, de 17 de dezembro de 1938 (sobre dívidas da união), estatuiu que se prosseguisse e que o juiz, logo que tivesse conhecimento da morte da parte, nomeasse curador à lide. Advirta-se, porém, que nessa nota só se referia a causas fiscais (dívidas), e não a todas as causas em que a Fazenda Nacional era parte. Nessas, a regra jurídica do art. 62 do Decreto-lei n. 960 infringiria o art. 141, § 1.0, da Constituição de 1946. O Poder Legislativo não pode quebrar o principio de isonomia, porque, ai, os pressupostos do imperium falhariam. O art. 153, § 1.0, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, tem de ser obedecido. 5)PARTE COM PROCURADOR CONSTITUÍDO NA CAUSA. No art. 1.057, parágrafo único, apenas se alude à ação de habilitação proposta pela parte, e pelos interessados na sucessão, em relação àquela, porque pode ocorrer que os habilitantes ou os habilitandos já tenham procurador nos autos, o que nem sempre acontece. Pense-se na ação de habilitação se autores ou réus da ação eram dois ou mais e os sucessores e interessados são um dos autores ou um dos réus, ou mais. Por exemplo: falece A, na ação em que havia outro ou outros autores, ou réus, e um deles ou alguns deles é que sucedem ao falecido. Aí, há procurador constituído na causa e o art. 1.057, parágrafo único, incide. Se o sucessor ou os sucessores do falecido são os autores da ação incidental de habilitação, de ordinário basta a citação do procurador na causa principal. O que pode ocorrer é que na procuração excepcionalmente se diga que para qualquer ato relativo à mudança dos figurantes seja preciso nova procuração. Aí, tem de ser pessoal a citação.

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Art. 1 . 058. Findo o prazo da contestação 1), 4), observar-se-á o disposto nos arts. 802 e 8032) 3) 5). 1)PRAZO PARA A CONTESTAÇAO . O prazo para contestação é de cinco dias (art. 1.057), indicando-se as provas que se pretende produzir. Conta-se o prazo da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido. N~ sendo contestado o pedido, presumem-se aceitos pela outra parte, como verdadeiros, os fatos alegados, caso em que o juiz tem de decidir dentro de cinco dias (art. 803). Sendo contestado o pedido no prazo legal, o juiz designa a audiência de instrução e julgamento, havendo prova a ser produzida (art. 803, parágrafo único). Tem de motivar a decisão, indicando as provas e as razões em que se funde. Surge, aí, a questão das custas para a qual pode parecer haja solução satisfatória nos arts. 19-35. A mesma perplexidade ocorria no direito anterior a 1939 e depois, por se tratar de interesses dos habilitados. ALEXANDRE CAETANO GOMES (Manual Prático, 137) apenas cogitou da habilitação ativa, a que se aplicaria, a seu parecer, a regra do atual art. 20. A habilitação incidente, que se não confunde com a habilitação em inventário ou em arrecadação, supõe herdeiros do autor ou herdeiros do réu, ou outros sucessores. a) Se é ativa, promovida pelos herdeiros do autor e procedente, as custas devem ser saldadas a final pelo vencido na ação principal. Se promovida pelos herdeiros do réu, é justo que também o vencido na causa principal as salde. Se improcedente, claro é que as custas do incidente correm por conta exclusiva do perdente, que se dizia, sem o ser, herdeiro do autor ou do réu. b) Se passiva, promovida pelo autor ou pelo réu, e procedente, não há razão para que não as salde, a final, o vencido na ação principal. Se improcedente paga-as o perdente. 2)COISA JULGADA MATERIAL E DECISÃO EM MATÉRIA DE HABILITAÇÃO. Tem-se dito que (a) não há coisa julgada material da decisão em matéria de habilitação; e que, pagas as custas, o habilitante ativo pode suscitá-la de novo, com indicação e produção de novas provas. Outra opinião discorda (b): a habilitação opera entre as partes, e só entre elas,sobre o ponto que foi discutido; contra a sentença, que se profere, cabe ação rescisória; se o habilitante ativo perdeu a habilitação, tem de acionar de petição de herança, como se lhe permite, em geral, contra quem se diz com a saisina. Temos de analisar a ação, em sua natureza. A habilitação é processo que substitui a prova imediata do art. 1.060, 1: documentos de parentesco, com hereditariedade necessária; casamento e inexistência de herdeiros antes do cônjuge. Substitui prova, antes de pronunciar-se, havendo contentio inter partes, o juiz. Ora, tal prova do art. 1.060, 1, é para se evitar, na ação principal, que o autor litigue contra pessoa que não é herdeiro do falecido, ou que contra tal pessoa litigue o réu, ou que fique parado o processo, à espera de ação de petição de herança, ou outra, que tenha o efeito do art. 1.060, II.A habilitação acidental corresponde processo para inserção do sucessor habilitando na relação jurídica processual; não na relação de direito material. Diferente é o que se passa com as habilitações de herdeiros dos arts. 1.000 e parágrafo único, 1.151 e 1.164. Se ocorre alguma sentença com força material de coisa julgada relativa à qualidade de herdeiro (em direito material), a habilitação dos arts. 1.055-1.062 está prejudicada daí em diante, porque a causa deve reconhecer como legitimados sucessores os que são legitimados segundo o direito material que rege a pretensão discutida. A força de coisa julgada material impõe-se. 3)HABILITAÇÃO ACIDENTAL E COISA JULGADA. a) Notável conseqüência do raciocínio acima feito é a que tiraram os processualistas. Discutiam se cabia o trato excepcional do art. 1.060, II, quando a sentença em outra causa foi inter alios. Note-se: em outra causa principal. MANUEL MENLES DE CASTRO (Practica Lusitana, 1, 98) começou por excluir toda a eficácia, quanto a terceiro, de qualquer sentença em processo de ação de herança, ou de simples habilitação. Já SILVESTRE GOMES DE MORAIS (Tractatus de Execuhonibus, VI, 120) só se referiu à habilitação (legitimatio) ‘cum alio hábitae” tanto que disse: “requiritur de novo habilitatio per articulos in isto iudicio, et cum ista parte, quia res inter aios acta aliis non nocet”. FELICIANo DA CUNHA FRANÇA (Additiones aureae que litustrationes, 195) foi explícito, repetindo a SILVESTRE GOES DE MORAIS. JERÔNIMO DA SILVA ARAUJO, no Perfectus Advccatus, d. 7, n. 6, obra publicada no ano seguinte ao livro VI de SILVESTRE GOMES DE MoRAIs, ~ dizia o mesmo. TEIxEIRA DE FREITAS (Primeiras Linhas, 1, 117) estava certo. PAULA BATISTA (Teoria e Prática, 3.~ ed.) caiu na indistinção, de modo que submetia a sentença em outra ação principal à sentença em “outra” habilitação acidental. Atitude de confusão, mas já em sentido oposto, teve o Código de Processo Civil do Rio Grande do Sul, art. 819, dando efeitos erga omnes à habilitação acidental (!). Foi o Código do Rio de Janeiro, art. 1.770, § 1.0, que primeiro se referiu a “outra” causa, cuja sente’~ça fosse “passada em julgado”, para a distinguir da sentença noutra habilitação incidente, uma vez c~ue se reputava, segundo a doutrina do momento, não suscetível de trânsito em julgado com força material. Daí vem o art. 1.060, Ii. A habilitação acidental está excluída diante de sentença, trânsita em julgado, em alguma das causas a que alude o art. 1.060, II. Não as habilitações dos arts. 1.000 e parágrafo único, 1.151 e

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1.164, ou qualquer ação de herança. Só se atribui a eficácia do art. 1.060, II, à coisa julgada material; não se trata de reconhecimento por lei de eficácia erga omnes da sentença sobre status. b)Alguns comentadores do Código de 1939 estavam a confundir a habilitação acidental com a habilitação de herdeiros nas ações de herança (inventário e partilha; arrecadação de bens de defuntos). Alguns acrescentaram que as sentenças de habilitação de herdeiros e as de habilitação acidental são sentenças interlocutórias que não passam em julgado. De modo nenhum. Nem nunca o foram. As sentenças favoráveis nas ações de habilitação de herdeiros e nas ações de habilitação acidental transitam em julgado, como outras quaisquer, formal e materialmente. A sentença proferida no processo acessório pode ter e pode não ter força de coisa julgada formal e material. A separação entre os processos não as faz, todas, sentenças de força de coisa julgada formal e material; nem o fato da acessoriedade lhes tira, sempre, a natureza de sentenças declarativas ou constitutivas quando, processadas sem ligação a outro processo, declarativas ou constitutivas seriam. Devemos precatar-nos contra a equivocidade, ou, pelo menos, ambiguidade das expressões “interlocutórias” e “incidentes”. A própria sumariedade da ação de habilitação acidental foi obra de FELICIANO DA CUNHA FRANÇA. Porém a sumariedade não lhe riscou a força própria, no sentido de coisa julgada formal e material. Já SILVESTRE GOMES DE MoRAIs (Tractatus de Executionilyus, VI, 120) escrevera: “... plena legitimationis personarum probatio r~quiritur, quod qui ad iflam adstringitur, huiusmodi oneri non satisfacit, praesentando in actis certitudinem sententiae legitimationis eiusdem personae cum alio habitae, sed nova requiritur de novo habilitatio per articulos in isto iudicio, et cum ista parte, quia res inter alios acta aliis non nocet”. Estava e está certo. A habilitação acidental é ação que se processa acessoriamente (ao lado, em incidência não separada). Ação declarativa. Por isso mesmo, tem a sentença força de coisa julgada material. Ora, a força ou o efeito material de coisa julgada só se opera inter partes. A conclusão foi impecável: para eficácia em relação a outras pessoas que aquelas que forem partes é preciso nova habilitação por artigos. Ainda quando se trate de habilitação pleno iure, como as do art. 1.060, 1 e V, a inserção dos documentos somente tem eficácia quanto aos que foram citados. A sentença a que se refere o art. 1.060, II, está na mesma situação: no processo só se respeita a coisa julgada material de tal sentença. e)<;Qual, pois, a diferença de eficácia entre a sentença na habilitação acidental e a sentença na ação de herança? A diferença existe, pois o art. 1.060, II, segundo acima ficou dito, só se refere às sentenças em ações não incidentes de outras. A diferença não está em que essas transitem, formal e materialmente, em julgado, e aquela, a proferida no processo acessório, não. Está, sim, no conteúdo da coisa julgada material: ali, declara-se que E é herdeiro de A; aqui, que B é herdeiro de A, na ação de que se trata. É preciso ter-se sempre em vista que a eficácia de coisa julgada material depende, em sua extensão, precipuamente, do conteúdo da declaração. 4)COM A CONTESTAÇÃO OU SEM ELA. Com a contestação, ou sem ela, incide o art. 1.058, resolvendo-se, como, antes, o Código de 1939, art. 749, talvez sem que nisso pensassem os autores do Código, sutil disputa do direito anterior. Em 1913, discutiu-se se, não tendo contestado o réu, a não-contestação valia confissão, ou se não valia. Quer dizer: (a) se seria de se aplicar o art. 319, ou (b), em vez desse, regra jurídica sobre confissão presumida. O Supremo Tribunal Federal, a 12 de fevereiro de 1913 (R. de D, 32, 85), entendeu que a solução (b) era a certa, confundindo, a grandes riscos, com a simples comunicação de conhecimento a comunicação de conhecimento mesclada à manifestação de vontade, que é a confissão. O art. 803, a que remete o art. 1.058, resolve, com acerto, a questão, no sentido da solução (a); aliás essa já era a opinião de PAULA BATISTA 5) RECURSO. O recurso da sentença que julga a habilitação, favorável ou desfavoravelmente, é a apelação; de modo que não se distinguem a sentença que julga procedente o pedido e a que o julga improcedente. Daquela somente cabia, ao tempo dos Estilos da Casa de Suplicação, agravo no auto do processo; e dessa, agravo por petição, ou apelação (n. 296 da sistematização de MANUEL BORGES CARNEIRO). Se alguma habilitação não é acidental, o recurso também é o de apelação (8.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 19 de junho de 1951, A. J., 100, 217, e 102, 103). Art. 1 . 059. Achando-se a causa no tribunal ‘), a habilitação processar-se-á perante o relator2) e será julgada conforme o disposto no regimento interno 3)~ 1)HABILITAÇÃO EM TRIBUNAL. A habilitação ou a juntada dos documentos do art. 1.060 ou do art. 1.061 é provocada perante o juiz relator do feito, de que o requerimento de juntada ou a petição é acidente. Perante ele processa-se a habilitação, quer a ativa, quer a passiva. Alguns acórdãos do Supremo Tribunal

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Federal (e. g., 23 de julho de 1917) quiseram estabelecer a necessidade da habilitação sempre que a causa estivesse em superior instância, contra a boa interpretação das leis então vigentes (certo, a 2 de agosto de 1916, R. de D., 43, 316, 317). PEDRO LESSA (D. O., de 14 de novembro de 1917) rebateu a doutrina errada, mas, como premissa, sustentava, sem razão, que o art. 404 do Reg. n. 737 (hoje, art. 1.060, 1) era de direito material e não processual (!), e, portanto, o Regimento do Supremo Tribunal Federal não podia desconhecê-lo. Não precisava lançar mão de tão inaceitável argumento, porque o Regimento Interno também não podia alterar o direito processual. Hoje, como ontem, o art. 1.060, em qualquer de seus incisos, como qualquer das regras jurídicas sobre habilitações, não pode ser menosprezado pelos regimentos internos. No Código de 1939, dizia o art. 751: “Pendente o feito de decisão da instância superior, a habilitação será requerida ao juiz relator e perante ele processada, na forma estabelecida neste Capítulo”. E o art. 752: “Preparado o processo, serão os autos conclusos ao relator, que, apresentando-os em mesa, relatará o incidente e, com os demais juizes, julgará a habilitação”. O Código de 1973 simplificou a redação e afastou-se qualquer premitação às regras regimentais. Se houve recurso ou se a competência originária é do tribunal, a necessidade da habilitação leva às conseqüências inclusive da suspensão do processo. O acórdão é lavrado pelo juiz que primeiro proferiu o voto vencedor. Na instância superior, o art. 1.060 tem de ser atendido. 2) RELATOR. Se o relator estiver processando a habilitação e for apresentado o documento do art. 1.060, II, ou a petição do art. 1.060, V, não prossegue na habilitação e deve mandar que se junte, por linha, se o ordenar o Regimento Interno. 3)FALECIMENTO DA PARTE ANTES DA REMESSA DO RECURSO. Pode dar-se que a parte faleça antes da remessa do recurso para o tribunal. Donde três soluções: ou (a) só se tem por pendente o feito remetido, e então, morta a parte, tudo se passa no juízo inferior enquanto não se remete; ou (b’j se tem por pendente o feito em que as partes já postularam o recurso, e tem de ser remetido, ou (c) se há de considerar pendente desde a interposição do recurso. A solução (a) tem o inconveniente de permitir que o juiz da inferior instância funcione em processo a tempo de ser remetido. A solução (c) teria o de obrigar o tribunal a baixar os autos para atos restantes da interposição do recurso, inclusive para o cumprimento do art. 507. A solução (b) é a verdadeira. As Ordenações Filipinas, Livro III, Título 27, § 2 (hoje, o art. 265, 1), Livro III, Titulo 82, pr., e § 2 (hoje, o art. 507), não resolviam a questão, nem no fizeram os comentadores. A praxe firmou-se no sentido de (b) e deve ser seguida. Art. 1 . 060. Proceder-se-á à habilitação nos autos da causa principal e independentemente de sentença quando 1) 7) 8): 1 promovida pelo cônjuge e herdeiro~ necessários, desde que provem por documento o óbito do falecido e a sua qualidade2); II em outra causa, sentença passada em julgado houver atribuído ao habilitando ~i qualidade de herdeiro ou sucessor3); 111 o herdeiro for incluído sem qualquer oposição no inventário4); IV estiver declarada a ausência ou determinada a arrecadação da herança jacente 5); V oferecidos os artigos de habilitação, a parte reconhecer a procedência do pedido e não houver oposição de terceiros6). 1)CONTEÚDO E EXEMPLIFICATIVIDADE DA REGRA JURÍDICA. Além dos casos do art. 1.060, há outros, tais como se a ação foi movida por parente que ora se diz herdeiro, ou por um deles, intervindo, depois, o outro, com a sua qualidade parental (art. 1.060, 1), ou contra eles, porque então como que se habilitou de antemão o sobrevivente. Foi, porém, derrogado o art. 12 do Decreto n. 720, de 5 de setembro de 1890, sobre habilitação nos processos de divisão de terras. 2)HABILITAÇÃO ACIDENTAL DO CÔNJUGE. A habilitação acidental do cônjuge supóe que não haja herdeiros antes do habilitando, necessários ou testamentários; a do herdeiro necessário somente precisa da prova do parentesco. O óbito tem de ser provado, na habilitação ativa; prova-o o promovente, na habilitação passiva.

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No direito material, o cônjuge sobrevivente é herdeiro legítimo se o morto não deixou descendentes nem ascendentes (Código Civil, art. 1.603, III). No art. 1.611 explicita-se: “Em falta de descendentes e ascendentes será deferida ação de sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam desquitados”. No § 1.0: “cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos deste ou do casal e à metade se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes do de cujus”. No § 2.0: “Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar”. Em todos esses casos, o cônjuge tem de habilitar-se com a prova documental do óbito do falecido e a sua qualidade. Não se precisa de sentença (art. 1.060, 1). A espécie do art. 1.060, II, é de outra causa que a da ação de habilitação. O que se exige é que a sentença, em tal ação, haja transitado em julgado e que no seu conteúdo esteja afirmada a qualidade de herdeiro ou de sucessor entre vivos. Tem-se de exigir que a res iudicata tenha em si a eficácia declarativa dos dados quanto à morte da pessoa e se atribua ao habilitando a qualidade de herdeiro ou sucessor. (Note-se bem: não é necessária a sentença de habilitação; seria plus, e non nocet. Apenas se encurtou o processo, metendo-se na ação principal o rápido acidente, mas habilitação acidental há. De modo que é impróprio ler-se o art. 1.060 como se houvesse dito: “É dispensada a habilitação...,,> 3)COISA JULGADA MATERIAL DE ALGUMA SENTENÇA. O .art. 1.060, II, é simples regra jurídica de respeito à coisa julgada material de outra sentença; e refere-se a qualquer herdeiro, legitimo ou testamentário. 4)HERDEIRO INCLUÍDO SEM QUALQUER OPOSIÇÃO NO INVENTÂRIO. Supõe-se que na ação de inventário e partilha já conste o nome e os outros dados sobre o herdeiro (arts. 991, III, 993, II e III, 999, e ~§ 1.0 e 2.0, 1.000, 1.001, 1.023, 11-1V,e 1.025, 1 a), 1.027, 1, 1.044 e 1.045 e parágrafo único). Se a medida devida a não-inclusão foi a do art. 1.001, tem-se de aguardar a sentença na lide. O art. 1.060, III, só dispensa a sentença na ação de habilitação se houver inclusão sem oposição. 5)DEcLARAÇÃO DE AUSÊNCIA E ARRECADAÇÃO DA HERANÇA. Se alguém desaparece do seu domicílio sem deixar representante a quem caiba a administração dos bens, ou se o deixou mas esse não quer ou não pode exercer o que se lhe atribuía , é declarável a ausência (art. 1.159). O juiz manda arrecadar os bens do ausente e nomeia curador (arts. 1.160 e 1.142-1.152). Julgada a habilitação do herdeiro ou provada a identidade do cônjuge, procede-se ao inventário (art. 1.153). As regras juridicas do art. 1.060, III e IV, foram postas pelo legislador de 1973, mas já seriam as soluções no direito anterior. 6)PRESSUPOSTOs DO RECONHECIMENTO. Reg. n. 737, art. 405; Código de Processo do Rio Grande do Sul, art. 818; da Bahia, art. 1.037; do Maranhão, art. 791; do Rio de Janeiro, art. 1.770, § 3~O~ A jurisprudência firmara que, aí, o simples “nada tenho a opor”, isto é, a afirmação do art. 209 do Código de 1939 bastava para se compor a confissão. Tanto no direito anterior quanto no direito de 1939 (art. 230, § 2.0), seria perigoso, por falso, generalizar-se tal confusão entre a comunicação de conhecimento, desprovida de manifestação de vontade, e a confissão, que contém esse elemento a mais e tem efeitos que transcendem os da não-refutação dos simples enunciados de fato, com as conseqUências da mais limitada retratabilidade. A questão estava ligada à outra, que discutimos, nos Comentários ao Código de 1939, a respeito da confissão em geral: se o “não se opor” ou o “não querer discutir” envolve realmente confissão, e quando envolve. Assim,a proposição “quem diz não se opor confessa expressamente” (Supremo Tribunal Federal, 8 de agosto de 1915, D. O. de 14 de novembro de 1917, 11908) não pode ser tida como a priori. O juiz teria de verificar se houve, realmente, “confissão”. Em todo caso, não poderia a confissão incidental ter o efeito do art. 747, III, do Código de 1939, porque, contestada a habilitação ou não contestada, se teria de julgar (art. 749). Portanto, para efeito do art. 747, III, era preciso que a parte contrária tivesse sido chamada a depor (arts. 229 e 230) e confessasse em petição, ou tivesse confessado espontaneamente (art. 230, § 2.0). Se era chamada a depor, e depunha, julgava-se a habilitação, porque o art. 747, III, distingui-la. Quem depusesse fora da petição, na instrução, queria que se julgasse a habilitação. Obsoleto o acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 12 de novembro de 1913 (R. de R., 32, 85). Tudo isso que exprobramos pela confusão entre comunicação de conhecimento e confissão passou, porque o

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texto de 1973, no art. 1.060, V, foi claríssimo: quando não se precisar de sentença se “oferecidos os artigos de habilitação, a parte reconhecer a procedência do pedido e não houver oposição de terceiros”. Sempre que há erro de terminologia, as dificuldades surgem, razão para que, em leis como em textos de ciência, se tem de evitar qualquer expressão que não corresponde com o conceito a que se alude. Não se diga que o art. 1.060 dispensa a figura do juízo, ou decisão, nem que não haja ação de habilitação acidental. A petição do habilitando tem de satisfazer todos os requisitos que a lei exige, pois que se trata de petição inicial (art. 282). Portanto, entre outros, o juízo ou tribunal a que é dirigida, os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do habilitando e da outra ou das outras partes, o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, cujas especificações tém de conter as provas e a citação. A relação jurídica processual estabelece-se com a angularização . Se o juízo verifica que não foram atendidos os arts. 282 e 283, determina que o habilitando emende ou complete a petição, no prazo de dez dias (art. 284). A petição será indeferida se ocorre algum dos casos do art. 295, decisão de que cabe recurso (art. 296). Nas espécies do art. 1.060, ou há despacho de deferimento, com manifestação reconhecente da parte contrária, ou, nas espécies do art. 1.060, 1-1V, com o simples advento do que se aponta em tais incisos. No art. 1.060, V, fala-se do oferecimento de artigos de habilitação, a que se reconhece a procedência do pedido e não há oposição de terceiro: “oferecidos os artigos de habilitação, a parte reconhecer a procedência do pedido e não houver oposição de terceiro”. A expressão “reconhecer” é a adequada. No Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (18 de junho de 1970), o art. 272 já dizia: “Não dependerá de decisão do relator o pedido de habilitação: 1 do cônjuge, herdeiro necessário, ou legatário, que provem, por documento, sua qualidade e o óbito do de cujus, e promovam a citação dos interessados para a renovação da instância; II fundado em sentença, com trânsito em julgado, que atribua ao requerente a qualidade de meeiro, herdeiro necessário ou legatário; III quando confessado ou não impugnado pela outra parte o parentesco e não houver oposição de terceiro”. No Código de 1939, art. 747, III, estava o erro de falar de “confessar”, em vez de “reconhecer”. O Código de 1973 corrigiu-o. Infelizmente, ainda juizes e escritores estão a confundir “reconhecer” com “confessar”. Pode ser que alguém confesse que deu causa à gestação de alguém, ou que alguém confesse que uma pessoa foi do seu útero. Não é disso que se cogita no art. 1.060, V. Devemos ter o máximo cuidado no emprego das palavras, quer de direito quer de outra ciência. A confissão pode ser meio de prova (EDLER SCHRUTKA VON RECHTENSTAMM, (Grundriss des Zivilprozessrechts, 194; RUDOLF PoLLAK, System cles ôsterreichischen Zivilprozessrechts, 643; mesmo se confissão extrajudicial, ANDREAS VON ThuE,Der Alígemeine Teu, III, 249, nota 9, embora seja ato jurídico stricto sensu). Porém, no art. 1.060, V, o que acontece é reconhecimento, e não confissão. No Código de 1939, art. 747, 1, também se falou de “renovação da instância”, o que exprobráramos, e o Código de 1973, corrigiu. Com a entrada do sucessor não se renova processo, nem inst&ncia; o que ocorre é a inclusão de quem juridicamente devia estar incluso. Daí a declaratividade da habilitação, dependente ou independente de sentença. 7)RÉU REVEL E HERDEIRO QUE AINDA NÃO ACEITOU A HERANÇA. Se o réu ou um dos réus é revel e foi citado na qualidade de herdeiro de alguém, mas se desinteressou do pleito, por não ter aceito a herança, surge a questão de se saber qual seja a eficácia da sentença, e. g., de condenação, quanto a ele. A conduta de tal herdeiro foi, pelo menos, equivoca. Tem de ser examinada no piano processual e não no plano do direito material. Ainda não renunciara, por escritura pública, ou termo judicial (Código Civil, art. 1.581), de modo que ainda poderia, durante o processo, e ainda pode, depois da sentença, renunciar à herança. A Corte de Apelação de Messina (Itália), a 15 de março de 1934 (Rivista di Diritto Processuale Civile, 12, Parte II, 54-59), decidiu que a sentença passou em julgado, portanto não se pode mais discutir a renúncia superveniente (F. DEGNI, Effetti di sentenza contumaciale, Rivista, 10, Parte II, 285-295; Ancora degli effeti, Rivista, 12, Parte II, 54-59). No direito brasileiro, o interessado em que o herdeiro aceite, ou não, a herança pode requerer ao juiz que marque o “prazo razoável” para dentro dele pronunciar-se o herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita (Código Civil, art. 1.584). Se o não fez concomitantemente com a propositura da ação, ou a tempo, expõe-se a que o herdeiro renuncie. Quanto a ele, se o prazo razoável não correu, a sentença condenatória ou outra não tem eficácia. 8)DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO DAS SOCIEDADES. Foi dito que a habilitação de herdeiros nos processos dos arts. 655-674 do Código de 1939 (dissolução e liquidação das sociedades) tinha a mesma natureza que a habilitação dos arts. 480, 572 e 584 do Código de 1939, e não a de habilitação acidental, de modo que seria de aplicar-se ao seu processo o art. 480 (despacho de A. J. MACEDO SOARES, O D., 47,

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252). Com razão: como em inventário e na arrecadação , a morte é causa da ação; mas, em se tratando de dissolução e liquidação das sociedades, a morte (necessariamente posterior) da parte não é causa, e sim acidente do curso do processo, puro acidente. A habilitação é, então, acidental. Há algo de inventário e partilha nas dissoluções de sociedade por morte do sócio; mas a morte do sucessor do morto ou a morte do sócio que vivia ao tempo da dissolução da sociedade é caso de habilitação acidental. Art. 1 . 061. Falecendo o alienante’) ou o cedente 2), poderá o adquirente ou o cessionório prosseguir 3) na causa juntando aos autos o respectivo título e provando a sua identidade4). 1)ADQUIRENTE E CESSIONARIO . O art. 1.061, como o art. 750 do Código de 1939, como o Reg. n. 737, art. 409, e como o Código Civil, arts. 1.065 e 1.069, na esteira da doutrina luso-brasileira que rompera com o romanismo do acordo entre cedente e devedor, equipara, processualmente, o sucessor a título particular ao sucessor a título universal do art. 1.060, 1. O sucessor universal inter vivos também se inclui na expressão “cessionário” do art. 1.061 (Supremo Tribunal Federal, 2 de outubro de 1915, caso Braz-Camurano versus Borlido Munis). Na doutrina anterior, errados, quanto à cessão, J. J. C. PEREIRA E SOUSA (Primeiras Linhas, 1, 73), PAULA BATISTA (Teoria e Prática, 3.a ed., 120) e TEIXEIRA DE FREITAS (Primeiras Linhas, 1, 117). A solução, a respeito do cessionário e do sub-rogado, é velha, no direito luso-brasileiro, de mais de três séculos, no que os processualistas portugueses, já, pelo menos, desde o começo do século XVII (MANUEL MENDES DE CAsTRo, Practica Lusitana, 1, 96, cita decisão do Senado, sem dizer a data, que tem de ser anterior a 1619), tiraram a palma aos civilistas. A regra jurídica, hoje inserta no art. 1.061, já se entendia para os processos executivos. 2)SUB-ROGADO. Se o cessionário está dispensado da habilitação com julgamento, a fcrrtiori o sub-rogo do, legal ou convencional, pois que a inserção é mais funda. O adquirente, o cessionário, ou o sub-rogado, pode prosseguir na causa, ainda sem o “processo” de habilitação acidental. Para isso, basta que junte o título da aquisição, da cessão, ou da sub-rogação, e promova a citação da parte adversa. Não há outros pressupostos necessários. Naturalmente, prossegue na causa, como autor, o cessionário ou o sub-rogado do autor, ou, como réu, o cessionário ou sub-rogado do réu, e assim por diante. O que paga pelo réu não se sub-roga na figura do devedor, mas do credor. O despacho do juiz da Vara da Fazenda Pública do Paraná, a 26 de junho de 1943 (Paraná Judiciário, 38, 56), entendeu que sub-rogado por pagamento de dívida fiscal (credor hipotecário) não se substitui à Fazenda Pública processualmente. Tudo se passaria no plano do direito material: “... essa nova situação jurídica terá o seu p!ano de apreciação e a sua forma de efetividade no processo, ou ação, em que for veiculada especialmente”, disse o despacho, “para satisfação dos direitos oriundos do reembolso, cu da sub-rogação interveniente, seja esta legal ou convencional”. Grande mérito, esse, de pôr o juiz em termos tão precisos a questão; mas a solução, que adotou, não é de aceitar-se. Dá-se, quanto ao sub-rogado e mesmo quanto ao cessionário (fosse ele cessionário da Fazenda Pública), a sucessão, não na posição formal de parte, mas sim no processo. Daí poder, exatamente, prosseguir na causa, sem que isso tenha influência no processo e sem que possa alterar o julgado que, sem a cessão, ou a sub-rogação, seria proferido. O processo prosseguiria, sendo condenado, ou não, o devedor da Fazenda Pública. 3)INTERESSE NO PROSSEGUIMENTO E INTERESSE NA INSERÇÃO NA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. 05 cessionários dos herdeiros têm interesse entre si e o decujo, os herdeiros necessários ou o cônjuge herdeiro, que precisam ter-se apresentado, segundo o art. 1.060, 1 (se não recorreram, superfluamente , à habilitação); ou os herdeiros não necessários, legítimos ou testamentários, que precisam estar habilitados, salvo os casos do art. 1.060, II e V, em que se teriam de apresentar. Daí a lei prever o interesse no prosseguimento só e o interesse na inserção na relação juridica processual. Mas o cessionário dos herdeiros é “interessado” (art. 1.055) para promover a habilitação dos herdeiros cujo cessionário é. 4)ALUSÃO PELO JUIZ. O juiz somente deve referir-se ao cessionário, ou ao adquirente, se esse entrou na relação jurídica processual. Se alude a ele, é porque algum conhecimento teve, pelos autos, de que, no plano do direito material, se deu a sucessão; porém nem a falta de tal alusão, nem a sua aparição na sentença têm qualquer relevância processual, ou qualquer eficácia de coisa julgada entre a parte sucedida e o seu sucessor. Tudo muda se esse sucessor entra na relação jurídica processual, porque então se corta o tempo em dois pedaços, um dos quais é aquele em que é parte o sucessor. Ou o sucessor segundo o direito material se

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habilita como sucessor de direito processual, e é a isso que se refere toda habilitação acidental; ou o sucessor acede como litisconsorte, ao lado do alienante ou cedente (art. 46). Se o sucessor entra na relação jurídica processual, o alienante está posto fora como parte, embora ele possa continuar pela acessão, invocando, por exemplo, o art. 54. Não é de excluir-se a deliberação do sucessor processual de chamar à autoria o alienante a que sucedera, se nos três dias a que se refere o art. 71. Fora desse prazo, tem ele, ao apresentar-se, de deixar bem claro que não quer processualmente suceder, mas apenas litisconsorciar-se. A transformação do litisconsórcio em sucessão é possível; a da sucessão em litisconsórcio depende do prazo do art. 71. Não se tendo dado sucessão processual, nem litisconsórcio do sucessor, a outra parte não pode invocar o direito processual para quaisquer situações suas. Só o direito material pode resolver; e esse direito dirá se a outra parte, e. g., o cedido, se libera, satisfazendo o cessionário. Não há, aí, problemas de direito processual. A exceção de liberação, como é, entre outras, a de pagamento, faz parte do direito material, e é, sempre, exceção de direito material, com todas as suas conseqüências . Art. 1 . 062. Passada em julgado a sentença de habilitação 1), ou admitida a habilitação nos casos em que independer de sentença, a causa principal retomará 2) o seu curso. 1)NATUREZA DA SENTENÇA DE HABILITAÇÃO . A sentença de habilitação é sentença declarativa, de cognição limitada e com reserva de aparição de herdeiros intercalares. O recurso é o de apelação. Qualquer acidente da habilitação tem o recurso de agravo de instrumento. A apresentação de prejudicial, que exija rito ordinário, como a de ser inválido o casamento, ainda que absoluta a invalidade, no processo da habilitação acidental, não se faz ordinário o processo da habilitação acidental. A exclusão do processo ordinário, que era o das habilitações acidentais (e. g., MELCHIOR FEBO, MANUEL MENDES DE CASTRO e SILVESTRE GOMES DE MORAIS), criou essa questão delicada, que FELICIANO DA CUNHA FRANÇA (Additiones aureae que Iltustrationes, 1, 195), o sustentador do tratamento sumário, não levantou. A solução é deixar-se a causa prejudicial, de processo ordinário, para outro processo, porque o da habilitação acidental não é processo próprio. O processo está suspenso (art. 265, 1), e procede-se à habilitação incidente. O juiz marca o prazo para a habilitação (art. 265, ~ 1.0). A. decisão é apenas sobre estarem satisfeitas as exigências para a inserção na relação jurídica processual, sem se vedar, portanto, que se “desconstitua” a relação de direito material, ou se “desconstitua” o negócio jurídico ou ato jurídico (e. g., sentença em ação de nulidade de registro civil). Isso virá a seu tempo. A ação de habilitação acidental é ação declarativa, como a de habilitação de herdeiros em ação de inventário e partilha. Também a ação em que se afirma ou nega a existência de relação jurídica de divida é ação declarativa. Isso não impede que ações constitutivas negativas tenham sentenças favoráveis que decretem a nulidade desse negócio jurídico ou desse ato jurídico, de que resultou a relação declarada, ou sentenças favoráveis que decretem a nulidade do testamento, de que proveio a qualidade declarada de herdeiro, ou a nulidade do casamento de quem o invocou para a assunção do processo, ou a falsidade do registro de nascimento ou de óbito. A eficácia de coisa julgada material não é obstáculo à eficácia de sentença constitutiva que desconstitua a relação de direito que se declarou. Em todo caso, quem, por exemplo, se deixa ficar em relação jurídica processual, de que não é mais um dos termos, ou que, sem ter sucedido ou substituído a alguém, parte no processo, se faz passar como parte, em sucessão ou substituição, acarreta com a eficácia da sentença que contra si for proferida. Se ganhou, a parte contrária não pode exonerar-se, cumprindo a sentença, perante outrem, que deveria ter sido a parte. Quando as sentenças declarativas, ou de efeito declarativo, declaram a existência ou inexistência de alguma relação jurídica, não a declaram imune à eficácia constitutiva negativa de outra sentença. Até aí não chega a força sentencial ou o efeito de coisa julgada material. 2)RETOMADA DO CURSO. Trânsita em julgado a sentença de habilitação, ou admitida nos casos em que independe de sentença, recomeça o curso do processo. Dá-se o mesmo se a sentença ou acórdão foi desfavorável a quem pedir habilitação. 3)SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO E Não SUSPENSÃO Iniciada a audiência de instrução e julgamento na primeira instância, a mor te de quaLquer das partes não suspende o processo (art. 265, ~ 1.0). As Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 27, ~ 2, e Titulo 82, pr., combinadas, o que não era fácil, ordenavam a suspensão da instância. Mas a questão da oportunidade da habilitação era outra questão, ligada

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à regra jurídica do art. 265, § 1.0. No Repertório (III, 295) estava previsto que a sentença não seria nula “si pars moriatur post conclusum in causa”; sem se tirar a conseqüência de ser desnecessária, pelo menos, durante esse lapso, a habilitação. Os sistemas processuais francês e alemão extrairam-na. Entrou, mais tarde, nos Códigos de Processo Civil do Rio de Janeiro, art. 1.775, e da Bahia, art. 1.044. No Código de 1973, o art. 265, § 1.~, estatui-se que, no caso de morte ou de perda da capacidade processual de qualquer das partes, ou de seu representante legal, provado o falecimento ou a incapacidade, se suspende o processo, salvo se já se tiver “iniciado” a audiência de instrução e julgamento. No Código de 1939, art. 199, só tinha eficácia qualquer ato processual que fosse após a suspensão da instância, mas o juiz proferia a sentença quando a causa da suspensão fossedenunciada depois da audiência de instrução e julgamento. CAPITULO XII DA RESTAURAÇÃO DE AUTOS 1)~2)3) 1)AUTOS E RESTAURABILIDADE. Os autos são a concretização gráfica do processo. O processo existe ainda que os autos não existam, a despeito de todo o elemento de seqüência formal de atos e termos, que é o processo. O direito conhece negócios jurídicos, que dependem da forma (negócios formais), alguns dos quais desaparecem, se a forma, a cártula, se extingue. Os bilhetes de loteria são insubstituiveis, por sua natureza. Não lhes são aplicáveis as regras jurídicas relativas à deterioração, ou destruição completa do título; nem se reconhece ao portador pretensão a novos bilhetes, que façam as vezes dos primeiros, em caso de perda, furto ou roubo. Somente valem enquanto contêm sinais comuns, e de individuação, suficientes para se lhes afirmarem a autenticidade e a individualidade objetiva. De ordinário, há insubstituibilidade. Se não resulta da lei, deriva ela da natureza do título, ou do programa público de emissão (Dos Títulos ao Portador, 2.a ed., II, 113, 65-86). Na substituição dos títulos dos negócios jurídicos, ou dos autos dos processos, há a preponderância da idéia sobre o corpo, a coisa: enquanto esse pode ser restaurado, aquela persiste. Alguns juristas, J.E. KUNTzE à frente, frisaram não se tratar de outra coisa que da translocaçáo do negócio jurídico, ou do processo, de um papel, ou maço de papéis, para outro. O negócio jurídico ou o processo continua intacto, sem qualquer vislumbre de novação do negócio ou dos atos jurídicos contidos no processo. Fato puramente material, e não jurídico. O molde jurídico dele estaria na L. 20, § 2, D., de servitutibus praediorum urboncrum, 8, 2, onde se fala da sub-rogação real do prédio destruido, na servidão de estilicídio, o que seria confusão lamentável entre a substituição cartular e a sub-rogação. O molde filosófico foi peripatético, vindo de LABEÂO, uma vez que, para ele, não a tangibilidade, mas o conceito, denota a existência. Os autos do processo são, em princípio, substituiveis. Quer dizer: a desaparição ou destruição dos autos não é irremediável. Juridicamente, põe-se, como enunciado de ciência, que o processo é, existe, ainda sem autos. A primeira limitação (não restrição) a essa regra jurídica é a do art. 1.063. O Código de 1939 usou dos termos “reformação e “restauração”, ora como sinônimo, ora como gênero aquele e como espécie esse (arts. 776, 777, parágrafo único, in fine, e 781). O Código de 1973 fala de restauração de autos no Capitulo XII e nos arts. 1.063, 1.064, 1.065, § 1.~, 1.067, § 1.0, 1.068, § 1.0. Note-se bem: restaura-se, não se inova, nem se reforma; instaurou-se, desapareceu, restaura-se. O que desapareceu foram os autos, o corpo do processo e é isso que se restaura. É possível que se tenham produzido dois corpos, o dos autos e o dos chamados autos suplementares. 2)AUTOS EXTRAVIADOS OU DESTRUÍDOS . Todos os autos extraviados ou destruídos são restauráveis. A exceção, que a antiga Corte de Apelação do Distrito Federal pretendia abrir para os processos de inventário e partilha (27 de agosto de 1914, R. de D., 35, 217), era de todo inaceitável. 3)AçÃo DE RESTAURAÇÃO DE AUTOS. A ação de reforma ou restauração de autos vem dos textos reinícolas (Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 24, §§ 24-26), só relativos aos casos em que era responsável o escrivão, mas lidos tomo caso da espécie “perda ou deterioração de autos”. O processo é exten sivo às perdas e extravios de autos extrajudiciais, mas regidos pelo direito judiciário, e. g., as escrituras públicos (livros dos tabeliães ); outrora, segundo as Ordenações Filipinas, Livro III, Título 60, § 6, e hoje, por interpretação dos arts. 1.063-1.069.

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Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título 60, § 6, 2Y parte, dizia-se “... E se acontecer que a dita Nota seja perdida, e quiser o autor provar por testemunhas, como o instrumento foi notado, e a dita Nota e instrumento perdidos, sera recebido e ouvido, com a parte, a que pertencer”. Aliás, já assim era nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Titulo 65, § 5, 2.~ parte, e bem assim nas Ordenações Manuelinas, Livro III, Título 46, § 6, 2.~- parte. Cumpre, porém, distinguir-se do processo da restauração ou reforma a instrução de algum processo em que se postulou ter sido perdida ou destruída a Nota, isto é, o livro de notas ou alguma nota do livro. Ali, o processo é autônomo. Veja nota ao art. 1.067. O art. 1.063 apenas se refere às partes, mas havemos de entender que vai além o interesse (e. g., Ministério Público, terceiro embargante), o que dilata a legitimação ativa. Os autos mostram. como se irradiou a relação jurídica processual e tudo que se passou no processo, uma vez que dos autos se fez constar. ~ verdade que o que nele não estava não era ato do processo que pudesse ser restaurado; mas pode acontecer que alguma parte ou interessado tenha prova bastante do que ocorrera, e então há a restauração dos autos e a inserção do que neles tinha de estar e não estava. Os autos permanecem em cartório, guardados pelo escrivão e a lei apenas permite que saiam do cartório quando tenham de subir ao juiz, ou com vista aos procuradores, ao Ministério Público, ou remetidos ao contador ou ao partidor, ou, em caso de ‘modificação de competência, a outro juízo (art. 141, IV). O art. 1.069 atende à possibilidade de tais ocorrências de responsabilidade. Pergunta-se: ~.pode o juiz, de ofício, determinar que se restaurem os autos? Imaginemos que o juiz levou os autos e eles desapareceram do lugar em que trabalha em casa, ou mesmo do automóvel em que o levava. Tal juiz responde pelas custas da restauração e pode, até, ser responsabilizado civil e penalmente (art. 1.069). Seria absurdo que, diante disso, ele, que teria de responder pelas custas e honorários do advogado de algum autor da ação de restauração de autos, não pudesse, por ato seu, propor a ação de restauração. Não se poderia negar a pretensão à restauração dos autos se lhe cabe, de ofício, determinar as provas necessárias à instrução do processo (art. 130). O juiz responde por perdas e danos se recusa, omite ou retarda, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte (art. 133, II). Pode a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz a restauração dos autos e, se ele não o atender dentro de dez dias, configura-se a espécie do art. 133, II (cf. art. 133, parágrafo único). Tem ele, então, de propor a ação de restauração perante quem o tinha de substituir. As partes podem ter acordado, secretamente ou não, que o processo fique parado, por mais de um ano, para que se produza a extinção (art. 267, II). O juiz, para que isso aconteça, tem de ordenar a intimação da parte ou das partes, para que, no prazo de quarenta e oito horas, se supra a falta. Nem sempre a intimação tem de ser de uma só parte, a despeito dos termos do art. 267, § 1.0. Se o acordo das partes foi expresso e explícito, o que na verdade acontece é que houve desistência do autor em negócio jurídico bilateral, como se daria com a convenção de se suspender o processo (art. 265, II). Outro problema. O art. 1.063 só se refere à parte (qualquer das partes) e já demos a necessária interpretação. Mas, se o desaparecimento dos autos derivou de falta ou de ato do escrivão, de outro serventuário, ou do órgão do Ministério Público ou da Fazenda Pública, apode o responsável ou o que apenas foi vítima de furto, roubo ou assalto, propor a ação de restauração dos autos? Não seria razoável que esses interessados (que podem ser responsabilizados, conforme o art. 1.069) apenas pudessem comunicar ao juiz o que ocorreu e a libito desse ficasse a intimação das partes, aguardando que providenciem ou alguma providencie. Essa é urna das soluções, porém não se há de negar a quem pode ser responsabilizado o direito, a pretensão e a ação de restauração. Se alguma das partes ou outro interessado faleceu, com a habilitação dos sucessores foram declarados o seu direito, a pretensão e a ação para a restauração. Se alguém é intimado para tomar a providência da ação de restauração dos autos, pois que se lhe atribui a responsabilidade, pode alegar e provar que os autos não estavam com ele. É o que acontece com o juiz, a que não foram remetidos os autos, ou com procuradores ou órgãos do Ministério Público ou da Fazenda Pública. Art. 1 . 063. Verificado o desaparecimento’) dos autos, pode qualquer das partes promover-lhes a restauração. Parágrafo único. Havendo autos suplementares 2), nestes prosseguirá o processo. 1)DESAPARIÇÃO vERIFIcADA. A ação de restauração de autos só é proponível se verificado o desaparecimento. Com esse nascem direito, pretensão e ação à restauração, no plano do direito material, ai direito público. O remédio jurídico processual, a “ação”, supõe que haja prova de terem desaparecido os

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autos, qualquer que tenha sido a causa (destruição por incêndio, ou outra calamidade, roubo ou furto, perda). A restauração depende do julgamento; portanto, de sentença que se pronuncie na ação. Antes disso, por mais complexa que tenha sido a recomposição, nenhuma eficácia tem o que dos autos depende e só após serem restaurados, com o trânsito em julgado da sentença, se pode deles utilizar. É possível que algumas novas peças tenham valor probatório, mas isso não se prende aos autos. A expressão “desaparecimento” foi bem adequada porque o não aparecer apanha a destruição, o mero extravio, a perda e o roubo ou o furto, e a destruição. Autos queimados desaparecem como os autos que caíram com o navio ou com. o avião, ou alguém os levou e não se sabe onde os pôs. O crime de quem os tirou do cartório, do gabinete ou casa do pro curador, ou do órgão do Ministério Público, ou da Fazenda Pública, não obsta, enquanto se procura o criminoso, a que se peça a restauração. Nem qualquer alegação de quem os tinha consigo de não saber onde os deixou. Uma vez que com isso se interrompe o processo, o interesse do autor da ação de restauração de autos já fez nascer o seu direito, a sua pretensão e a sua ação. A suspensão do processo é em virtude de força maior (art. 265, V). Se o juiz tem informações de que se podem achar os autos, isso permite medidas judiciais, mas não ficam afastados o direito, a pretensão e a ação do legítimo interessado na restauração dos autos, se a suspensão lhe causa prejuízo, ou lhe pode causar. 2)AUTOS SUPLEMENTARES. Se existem autos suplementares (art. 159 e §§ 1.0 e 2.0), a falta dos autos originais não constitui pressuposto para a pretensão à restauração dos autos, tal a verdadeira construção jurídica cio art. 1.063, parágrafo único. Os autos originais e os suplementares igualmente encorpam o processo, de modo que a perda daqueles não põe o processo em situação de seqüência de l3ensamentos sem escrita. Isso não significa que, havendo autos suplementares, não haja interesse e pretensão a que se reproduzam, prevenindo-se, assim, desaparição futura. Passemos ao assunto. Como a reprodução dos autos é fato material, qualquer pessoa, que tenha interesse, pode pedir certidão de todo um processo (reprodução-multiplicação dos autos). Tal certidão se distingue dos autos originais e dos autos restaurados em que o seu momento é somente à data em. que o escrivão terminou a última página da certidão completa dos autos até aU, portando-o por fé e assinando-a. Se algum ato sobrevém, tem de ser certificado à parte, e entende-se que é à parte, ainda, que o escrivão dê a certidão em seguimento à outra e se refira à ligação sem intervalo, entre as duas. As certidões, em tais casos, falta impulso vital, dinamismo. Distinguem-se dos autos suplementares, ainda quando seguidas e feitas à medida que os autos originais crescem, porque, nos autos suplementares, a reprodução se processa mecanicamente, ao passo que a cada certidão dos autos, para a reprodução material por certidão, intervém comunicação de fatos, e tudo se passa como superposição temporal de certidões, entremeada de comunicações de vontade. Se os autos estão findos e o interessado pede certidão do todo, não há aquela superposição, e parecem-se, enormemente, a certidão do todo e os autos suplementares. Mas, ainda aí, os autos suplementares e a certidão são inconfundíveis:aqueles têm história; essa não tem; aqueles, na falta dos outros, vão servir a pedidos de certidão, essa somente a públicas-formas; aqueles são “autos”, para qualquer ato ou diligência de ação posterior (e. g., ação rescisória ou de má-fé em ato de direito processual), essa é apenas “certidão do inteiro teor”. Para se transformar tal certidão em. corpo do processo, em “autos”, é preciso que se proponha a ação de restauração de autos dos arts. 1.063-1.069, com sentença que tome tal certidão como afirmação e prova (art. 1.064), ou somente como afirmação (arts. 332, 333 e 319) e parte da prova, devendo-se apurar se havia algo mais. A sentença é que faria autos o que era certidão, prova testemunhal, cópia, perícia etc. No Código de 1939, art. 776, dizia-se, sucintamente, que a reforma de autos perdidos somente se admitiria quando faltassem os autos suplementares. Foi isso o que se pôs no art. 1.063, parágrafo único; mas, acertadamente, se referiu antes (art. 1.063) ao direito à pretensão e ação de qualquer das partes para a restauração. “Partes” está aí em sentido larguíssimo, porque, além das pessoas que têm inserção no processo, não se pode negar que possa pedir a restauração terceiro que prove o seu interesse na restauração dos autos. O que se lhe há de exigir é que na petição inicial satisfaça o que o art. 1.064 aponta como pressupostos. Pense-se no credor do réu ou do autor que, embora terceiro, estaria prejudicado com a desaparição dos autos. Se a sentença ainda não fora proferida, pode o terceiro que tem interesse em assistir (arts. 50-55), ou oferecer oposição (arts. 56-61), pedir a restauração dos autos. Também o devedor em que o fiador fora o réu (chamamento ao processo, art. 77, 1), ou outro fiador se para a ação Só foi citado um deles, ou só foram citados alguns (art. 77, II). Também pode acontecer se a ação foi contra algum ou alguns devedores solidários apenas da parte da dívida comum (art. 77, III), pois é de interesse do devedor, que não foi acionado, conhecer o que constava dos autos, bem como de terceiro que foi apontado como devedor solidário sem o ser. Nas ações em que foram partes pessoas que tinham de promover litisdenunciação dá-se o mesmo. Quanto aos sucessores da parte que morreu, ou do cônjuge de uma das partes, que têm em andamento

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desquite litigioso ou amigável, ou mesmo se desistem do regime de bens do casamento, ou de possível prejuízo, alegam e provam o seu interesse. 3)APARIÇÃo DOS AUTOS ANTIGOS. Os autos restaurados substituem os perdidos ou destruídos se e enquanto os originais (ou suplementares) não aparecem. Se esses aparecem, a continuação nos que apareceram depende de resolução do juiz que mande certificar o que foi produzido depois da restauração. As diferenças entre depoimentos e pendas têm de ser apreciadas como se no mesmo processo tivessem ocorrido duas vezes, em dois momentos. O juiz deve preferir julgar no processo antigo, porque é a tradição do nosso direito (MANUEL MENDES DE CASTRO, Practica Lusitana, II, 42 e 43). Nada obsta a que se utilize, nos motivos, de dados do segundo. Porém sem se desprezar os dados do primeiro e sem os contradizer. Art. 1 . 064. Na petição inicial’) declarará a parte o estado da causa 5) ao tempo do desaparecimento dos autos, oferecendo: 1 certidões dos atos constantes do protocolo de audiências do cartório por onde haja corrido o processo2); II cópia dos requerimentos que dirigiu ao juiz3); III quaisquer outros documentos que facilitem a restauração4). Art. 1 . 065. A parte contrária será citada 6) para contestar o pedido no prazo de cinco (5) dias, cabendo-lhe exibir as cópias, contrafés e mais reproduções dos atos e documentos que estiverem em seu poder. § 1.0 Se a parte concordar7) com a restauração, lavrar-se-á o respectivo auto que, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, suprirá o processo desaparecido. § 29 Se a parte não contestar8) ou se a concordância for parcial), observar-se-á o disposto no art. 803. 1) PETIÇÃO INIcIAL. Trata-se de ação de restauração de autos, que há de começar por petição, e o Código tem-na como processo acessório ao da ação do processo perdido ou destruído, acessório regerador. No velho direito, pouco mais se possuia sobre tal ação e processo que algumas linhas de MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica Lusitana, 1, 42 e 43) os arts. 810 e 811 da Consolidação de ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS e algumas regras dos Códigos de Processo Civil locais de que vieram os arts. 777-781 do Código de 1939 e, hoje, os arts. 1.063-1.069 do Código de 1973. O Assento de 23 de maio de 1758, supondo, aliás, a prática de tais ações, distinguiu o caso da reforma antes de haver sentença definitiva, devendo haver apelação, e o de não a ter havido, sendo de agravo o recurso. Hoje, a distinção é posta de lado; mas há outras questões que examinaremos em nota ao art. 1.067. Na petição inicial, a parte, ou o Ministério Público, ou quem tenha interesse suficiente para isso, há de comunicar qual a causa e o tempo da desaparição. Pode ser, por exemplo, que o terceiro embargante, ou o terceiro recorrente, ou o Ministério Público, alegue que foi a parte que os subtraiu ou destruiu. 2)ELEMENTOS DOCUMENTAIS. Além da certidão dos termos e das notas constantes do protocolo das audiências e dos livros dos registros do cartório, por onde haja ocorrido o processo, pode a parte juntar, desde logo, as certidões que tenha de outras peças do processo. No caso de certidões de todo o processado até então, a sua afirmação e a prova ganham em valor e extensão. Na ação de restauração de autos, pode acontecer que nem todos os atos se possam restaurar. Mas, por exemplo, já se proferiu a sentença com eficácia executiva, tal título basta. Para se restaurarem os autos concorrem as certidões que algumas das partes tinham ou mesmo terceira pessoa, bem como as certidões de atos processuais constantes de livros do cartório, escrituras públicas e particulares, documentos particulares com registro ou não, contrafés, livros comerciais ou de sociedades ou fundações em geral, fotocópias autenticadas. 3)CÓPIA DOS REQUERIMENTOS FEITOS AO JUIZ. Uma vez que alguns dados necessários para a restauração dos autos dependem de requerimento ao juiz, o autor da ação de restauração tem de oferecer, com a petição inicial, cópia de requerimento, ou cópias dos requerimentos dirigidos ao juiz. Basta a cópia, ou bastam as cópias, desde que assinadas pelo autor da ação que assinou o requerimento ou fotocópias autenticadas. Convém que desde logo informe quanto ao acolhimento ou indeferimento do que requereu. 4)DOCUMENTOS ÚTEIS A RESTAURAÇÃO. Alguns documentos podem não ser necessários, mas apenas úteis. O art. 1.064, III, fala de quaisquer outros documentos, mas havemos de entender que se trata de documento ou de qualquer informe que sirva à ação restaurativa. Pode ser simples carta ou telegrama de pessoa que esteve no procedimento. Não se alude ao que comunicou o responsável pelo desaparecimento, mas é conveniente que se inclua na

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narração, mesmo porque não se pode negar a essa pessoa interesse jurídico. Tal pessoa pode mesmo intervir no processo, porque não só assiste a uma das partes mas às duas ou mais (art. 50-55). 5) “STATUS cAUSAE”. A parte tem de comunicar qual a data última em que se produziu ato do processo, o que se não confunde com a data em que foi destruido ou se perderam os autos. A indicação da data última em que se produziu algum ato processual, qualquer que seja, e a narração do que ocorreu até então, de modo a caracterizar em que ponto se achava o processo, são a comunicação do “estado da causa”, a que se refere o art. 1.064. Comunicação, essa, de conhecimento (arts. 333 e 319). Status causae. 6)CITAÇÃO. A citação obedece aos princípios gerais e faz-se conforme as circunstâncias do momento, e não as do tempo em que foram citadas as partes do processo desaparecido ou destruído. É possível mesmo que não as tenha havido, se o autor da ação de restauração de autos foi réu na outra. 7)CONcORDÂNCIA DA OUTRA PARTE. Outra parte ou outras partes, porque pode o autor da ação de restauração de autos ser uma das pessoas que eram autores ou réus da ação cujos autos desapareceram. Diante de tal atitude, têm-se os autos como restaurados e para isto é suficiente o auto assinado pelas partes e homologado pelo juiz. 8)NEGAÇÃO PELA OUTRA PARTE. O Código supõe o caso vulgar, o quod plerum que fit, de ter sido o processo instruído com as sós certidões dos termos e notas, constantes do protocolo das audiências e dos livros do registro do cartório, mais as afirmações do autor. Naturalmente, aquelas certidões prescindem da “concordância” (aliás não-impugnação, não-negação) do réu. O que dela precisa é a comunicação de conhecimento, abrangente de tudo que seria o processo, além do que consta das certidões juntas. Se o autor não fez qualquer comunicação de conhecimento, que fosse a mais do que consta das certidões, a negação do réu teria de ser contra essas certidões, segundo os princípios, e o processo de restauração de autos é lugar impróprio para essa questão prejudicial sobre a falsidade do documento. Processar-se-á o incidente de falsidade (arts. 390-399). Vencido o réu, a reforma tem de ser julgada, porque a negação caiu no vácuo. Lê-se no art. 803 do Código: “Não sendo contestado o pedido presumir-se-ão aceitos pelo requerido, como verdadeiros, os fatos alegados pelo requerente (arts. 285 e 319); caso em que o juiz decidirá dentro em cinco (5) dias”. 9)CONTESTAÇÃO PARcIAL, EFEITO DA NEGAÇÃO . Fora da hipótese da nota 8, se há contestação (art. 333), ainda que parcial, a negação tem o seu efeito específico quanto à prova, e a lei só admite a restauração dos autos, quer dizer a re-produção dos atos processuais. O art. 1.066 trata de um deles, ou seqüência de tais atos, por parecerem ser os mais importantes na ação de restauração de autos (senso estrito, art. 1.065, in une). Na ação de restauração de autos, não se pode discutir qualquer ponto de direito, ou de fato, da causa principal (Corte de Apelação do Distrito Federal, 22 de agosto de 1918 e 23 de outubro de 1919, R. de D., 56, 397), ainda onde se estiver repetindo ato de postulação escrita, ou de debate oral. A irrestaurabilidade ou irrestauração de parte que não é essencial ao processo não obsta à sentença de restauração (Supremo Tribunal Federal, 21 de dezembro de 1921, 1?. de D., 68, 526). A ação de restauração de autos não depende de ser julgada causa prejudicial de natureza criminal (Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 21 de março de 1945); posto que essa possa atuar segundo os princípios. Sempre que haja prova a ser produzida, tem o juiz de marcar a audiência de instrução e julgamento. A função do juiz é delicada, porque tem ele de velar pela restauração sem enganos e da maior parte possível do processo. Aliás, vai além a sua função, porque pode haver improbidade de alguma parte, ou de algumas, ou mesmo de todas, bem como dos serventuários e pessoas que do processo constaram, como árgão do Ministério Público ou da Fazenda Pública. Surge um problema: ~,se o juiz havia proferido sentença e junta aos autos cópia que à sentença não corresponde com exatidão? É assunto da nota ao art. 1.066, § 5.Q Art. 1 . 066. Se o desaparecimento dos autos tiver ocorrido depois da produção das provas em audiência, o juiz mandará repeti-Ias1).

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§ 1.0 Serão reinquiridas as mesmas testemunhas; mas se estas tiverem falecido ou se acharem impossibilitadas de depor e não houver meio de comprovar de outra forma o depoimento, poderão ser substituidas 2)• § 2.0 Não havendo certidão ou cópia do laudo, far-se-á nova perícia, sempre que for possível e de preferência pelo mesmo perito 3)• § 39 Não havendo certidão de documentos, estes serão reconstituídos mediante cópias e, na falta, pelos meios ordinários de prova4). § 40 Os serventuários e auxiliares da justiça não podem eximir-se de depor como testemunhas a respeito de atos que tenham praticado ou assistido 5)• § 5•0 Se o juiz houver proferido sentença da qual possua cópia, esta será junta aos autos e terá a mesma autoridade da original6) 7)~ 1) REPRODUÇÃO DE PROVAS. Ocorrido, após a produção de provas em audiência, o desaparecimento dos autos, tem o juiz de determinar data de outra audiência, para que tudo se passe como se passara. A repetição é da audiência e da produção das provas, para que haja, quanto possível, a mesmidade. Supõe-se, no art. 1.066, que não haja certidão das peças da instrução. As provas têm, então, de ser reproduzidas. E serão reinquiridas as mesmas testemunhas e repetidos os exames periciais (pelos mesmos peritos, se possível!), se tais provas não constarem do termo de audiência no protocolo do escrivão, ou não haja certidão ou cópia do laudo. As regras jurídicas do art. 1.066, §§ 1.0 e 2.0, estão de acordo com os princípios, porém esse não é o único caso de dispensa. Podem existir cópias, extratos ou públicas-formas (arts. 383-385) dos laudos dos arts. 432 e 433, uma vez que o escrivão os recebe dez dias antes da audiência. Podem existir certidões dos atos do art. 1.066 fora do termo da audiência, ou terem sido tais atos, excepcionalmente (e. g., arts. 847 e 848), realizados fora da audiência. Pode acontecer que o juiz tenha de mandar expedir carta precatória ou carta rogatória. Mais: pode ter-se de admitir que outra testemunha ou outras testemunhas deponham, por ter falecido a que depusera ou as que depuseram, por ter falecido ou estar incapaz quem depôs , ou falecidos ou incapazes os que haviam deposto. Tudo que falta para a restauração dos autos pode ser trazido à ação restaurativa. 2)DEPOENTES E MORTE OU INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DE QUEM DEPÔS. O § 1.0 admite a substituição dos depoentes por exceção, e somente no caso de morte e de capacidade superveniente de depoente, e não pela recusabilidade, art. 406, pois a superveniente recusabilidade não obsta. A lei nova sobre incapacidade não se aplica, porque se está a recompor o passado, e não o presente. Note-se a diferença entre incapacidade superveniente e a lei nova criadora de incapacidade (cp. outro caso de distinção, no Tratado dos Testamentos, 1, 123-133 e 139). As circunstâncias podem criar problemas de alguma delicadeza. ~,Pode ser obrigada a depor a testemunha que, ao depor, não era casada com o réu ou com o autor da ação cujos autos desapareceram, ou não era cunhado dele? O testemunho foi prestado; o que se vai reproduzir é aquilo que se prestou. Não se pode invocar o art. 406, 1, porque o dever foi no passado e agora apenas se há de repetir o que dissera. 3)LAUDO PERICIAL. Do laudo de perícia pode haver certidão ou cópia. Quer se trate de exame, ou de vistoria, de avaliação, por ter havido necessidade de conhecimento especial de técnico, o juiz nomeia o perito, sobre o qual se manisfestam as partes, que apresentam os quesitos. Na ação de restauração dos autos pode ocorrer que não haja certidão nem cópia do laudo, nem mesmo cópia dos quesitos apresentados. Se há cópia autenticada dos quesitos, não se pode alterar o que fora apresentado (art. 420, parágrafo único, II). Sobre eles têm de se manifestar as partes e interessados, para que se proceda à pericia. Se não há cópia autenticada dos quesitos, têm de ser apresentados para que sejam admitidos e o juiz tem a função do art. 426, 1 e II. Tudo tem de obedecer à lei (arts. 420-439), inclusive no tocante ao assistente técnico ou aos assistentes técnicos. 4) OUTROS MEIOS DE PROVA. Os outros meios de prova, e todos os meios não-documentais, têm de limitar-se à prova da existência das peças dos autos; não assim os documentos multiplicativos (e. g., arts. 383-385 e 366). Memoriais dos advogados, de que constem peças, máxime se concordantes, são boa prova. O juiz tanto pode, de ofício ou a requerimento, inspecionar as pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interessa à decisão da ação da restauração dos autos, como para verificar se o que se tem como restaurado foi ou podia ser o que constava da ação cujos autos desapareceram (cf. arts. 440-443).

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5) DEPOIMENTOS DOS QUE SERVIRAM NO PROCESSO. Como se trata de recompor o processo em que os oficiais de justiça, peritos e depositários tomaram parte, ou assistiram, eles, autores no processo, depõem, como espectadores, na restauração dos autos, pela circunstância de se ter tornado passado o próprio ato. As suas comunicações de conhecimento são, nesse caso, comunicações de conhecimento sobre a citação, a notificação, a intimação, a perícia, e não comunicações de conhecimento constantes e formadoras do laudo. N~ há, a fortiori, declaração de vontade do depositário ou comunicações do depósito, e sim comunicação sobre se ter decretado ou ter sido feito o depósito. Aliás, o depoimento dessas pessoas pode não ser sobre o fato próprio, ser sobre o que assistiram. Nesse caso, são testemunhas sobre o processo cujos autos foram destruídos ou desaparecidos, testemunhas do processo da restauração, que não foram testemunhas do processo cujos autos se restauram. 6)COPIA DA SENTENÇA. A cópia da sentença, que o juiz possui, há de ser junta aos autos e tem a mesma “autoridade” (força e efeito) do original. Ela é junta para prova Todavia, prevalece a sentença original, se os autos ou parte dos autos, em que ela está, aparecem. 7)ESPÉcIEs EM QUE TINHA HAVIDO RECURSO. No caso de ainda ter de haver recurso, a regra é sem dificuldades; no de ter havido recurso, que reformou totalmente a sentença, o valor prático da sentença é apenas histórico; no de ter sido apenas confirmada, as questões surgem. a) A sentença de superior instância confirmou-a, reproduzindo-a na decisão (mérito): a autoridade da sentença de primeira instância, se o juiz tem cópia e é diferente, cede ante o texto da instância superior, ainda que outra a cópia, pois “juiz”, no ari. 1.066, § 5~0, é qualquer juiz, singular ou coletivo (desde que a cópia seja assinada pelos que constam. da publicação ou outra prova dos votantes no julgamento). b) A sentença de superior instância reformou-a em parte: tem de ceder em tudo que a decisão da superior instância se atribua. A presunção derivada da eficácia da cópia, que tem o juiz, não é absoluta, embora legal. É possível prova contrária. Enquanto não se faz essa prova, a sentença é suscetível de força e efeitos (autoridade). Por exemplo, invocando-a pode ser pedida a execução provisória (arts. 587, 2.~ parte, e 588), ainda que pendente a restauração dos autos. Se há prova de ter passado em julgado, tem força de coisa formal. Se sentença mandamental cujo mandado se cumpre a despeito de recurso, cumpre-se por sua força. A cópia pode ser fornecida pelo juiz que passou a certo juízo, instância ou tribunal, ou pela pessoa que deixou de ser juiz, salvo se incurso em incapacidade física ou moral para volver a sê-lo. Se a sentença é de tribunal coletivo, a cópia, que tem o relator, pode ter a autoridade que se lhe confere; mas, se algum dos votantes impugna a cópia, tudo se passa como a respeito das presunções de direito que admitem prova em contrário. Depois da sentença de restauração trânsita em julgado, essa discussão não é mais possível. Em todo caso, pode ocorrer ação rescisória da sentença na ação de restauração dos autos. Volvamos a um dos problemas anteriores. Houve a confirmação da sentença, no juízo recursal, mas as duas cópias mostram que, a despeito de se não ter dado voto de reforma, a respeito de qualquer ponto, há contradição em algum ou alguns pontos. O juiz da ação de restauração de autos tem de atender ao verdadeiro conteúdo da decisão recursal: ou o erro consistiu em ser dito que se conformava a sentença e na verdade se lhe alterou alguma ou se lhe alteraram algumas das conclusões, ou o erro consistiu em se falar de confirmação quando, rigorosamente, algo se decidiu em sentido contrário em algum ou alguns pontos ou mesmo em todos. Como o assunto teria sido para embargos de declaração e não os houve, tem-se de acolher o que está no acórdão, salvo se a interpretação do próprio acórdão não permite tal atitude. Art. 1.067. Julgada a restauração 1), seguirá o processo 2) os seus termos 6) § 1.0 Aparecendo os autos originais3), nestes se prosseguirá, sendo-lhes apensados os autos da restauração § 2.~ Os autos suplementares serão restituídos ao cartório, deles se extraindo certidões de todos os atos e termos a fim de completar os autos originais 5)~ 1)NATUREzA DA SENTENÇA E RECURSO. A sentença de restauração de autos é sentença constitutiva em ação constitutiva. Julgada em ação, se o processo não estava terminado, no próprio processo de restauração é que se prossegue, depois do trânsito em julgado da sentença do art. 1.067. Nessa sentença, não

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se pode dar qualquer decisão ou simples despacho da causa principal (Supremo Tribunal Federal, 27 de junho de 1914, R. de D., 35, 457). Há recurso, quer a sentença restaure, total ou parcial-mente, perfeita ou imperfeitamente, os autos, quer julgue improcedente, ou sem prova suficiente, a ação. Tal recurso é o de apelação. No direito anterior, com o Assento de 23 de maio de 1758, distinguia-se a sentença apelável, se já tinha havido sentença nos autos reformados, e a simplesmente agravável, se ainda se não sentenciara o feito. A decisão fora por maioria (Coleção cronológica dos Assentos das Casas, 271), tendo havido quem só quisesse o agravo e quem só admitisse a apelação, e teve-se por fundamento único “o esperar-se, ainda, sentença definitiva no ponto principal, em que podia atender-se a algum defeito na reforma, e também não ser justo houvesse nos ditos autos duas sentenças definitivas, uma na reforma, e outra sobre o ponto principal e, no segundo caso, por se não esperar, depois da sentença de reforma, outra definitiva...” Como se vê, os juizes vencedores não atenderam a que se tratava de dois processos diferentes, com duas diferentes res iii iudicium deductae. Erro evidente. Absurda a decisão da 1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 27 de março de 1951 (R. dos T., 192, 298), reputando irrecorrível a sentença que julga a restauração de autos. O art. 1.067 diz: “Julgada a restauração, seguirá o processo os seus termos”. Julgada a restauração e trânsita em julgado a sentença do art. 1.067, ~,precisa-se, a) de nova citação, ou b) se há de entender que a sentença de restauração produz o efeito, transitando em julgado, de suprir a falta dos autos como se nada tivesse ocorrido? No sentido 1)), a g~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 18 de junho de 1947 (1?. F., 115, 111). Deve-se entender que o art. 1.067 dispensa nova citação. Tratando-se de autos em cuja sentença havia carga 3 de executividade, tendo sido perdidos, ou destruidos, ou tendo desaparecido antes de iniciada a execução, é indiscutível que se tem de citar o executado, tal como se daria se autos houvesse, isto é, não tivessem sido restaurados. Se os autos que desapareceram, se perderam ou se destruiram foram os da execução, a restauração é até onde desapareceram, se perderam ou destruiram. A intimação da sentença tem o efeito que lhe confere o art. 1.067. 2) PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO. o prosseguimento do processo, se ainda não foi terminado, é desde o ponto em que parara. Se estava em grau de recurso, ou no início de algum termo, ou se faltava um dia, ou mais dias faltavam para se encerrar o termo, corre de novo. Quando se restauram os autos até a o in causa, julgam-se, no tribunal, na mesma assentada, a restauração e a causa (Supremo Tribunal Federal, 23 de outubro de 1944,12. F., 102, 473). Mas, se o tribunal competente para a restauração, não no é para a causa, julga aquela, e dá seguimento ao processo, segundo os princípios. 3)APARIÇÃO DOS AUTOS ORIGINAIS. Se aparecem os autos originais, quatro são as espécies: a) a restauração foi completada e perfeita; b) a restauração foi completa, porém não perfeita; c) a restauração foi incompleta mas perfeita nas partes restauradas; d) a restauração nem foi completa nem perfeita. Ainda há, quanto ao tempo, dois casos: (1) a aparição dos autos antigos deu-se antes de serem’ praticados atos processuais e lavrados termos; (2) a aparição dos autos antigos deu-se depois de qua1~quer prosseguimento, inclusive por se tratar de feitos terminados. Na espécie (1), a substituição dos antigos aos novos faz-se, facilmente, mediante simples despacho do juiz com que estiverem os autos ou do relator do feito ou do presidente do tribunal, tratando-se de autos terminados. Na espécie (2), os autos antigos podem não ser completos, e os novos têm atos e termos que precisam ser trasladados aos antigos, ou serem os autos mesmos considerados “continuação”, a partir do momento em que os outros apareceram. Na espécie a), que é a de ter havido restauração completa e perfeita, nenhuma questão surge. Não assim nas espécies b), c) e d), porque em tudo em que os autos antigos obrigariam a seguimento ou efeito que não foi dado, ou excluiram seguimento, ou efeito, que foi reconhecido, ou conferido, vige apenas o que está de acordo com os autos antigos. O princípio é o de que é eficaz todo o processado posterior que não seria se os autos antigos estivessem à mão. Exemplo: se não havia expirado o prazo para certo recurso; ou se foi tomado o recurso, e o prazo precluíra . As não-negações do réu não fazem os autos novos, ainda na parte continuativa, retificações do antigo. Toda restauração de autos é constituição de forma com reserva da aparição dos autos antigos: se os autos reaparecem, “super illis ludicare debet, non super secundis” (MANUEL MENDES DE CASTRO, Practica Lus!tana, II, 43). Naturalmente, se os autos, que aparecerem, são completos até o momento c), a substituição é fácil; porém não no é onde há parte incompleta, ou foi praticado ato processual nos autos novos, que não coincide com o que consta dos autos velhos, ou não poderia, segundo esses, ser praticado. O trabalho dos juizes, nessa senda de atos, prazos e termos velhos e novos, torna-se sutil e

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penoso. 4)DESAPARIçÃO DOS AuTos Do RECuRSO. Se o que desapareceu foram os outos do recurso, e. g’., agravo de instrumento, o tribunal pode, se não há contra-indicação, satisfazer-se com a requisição dos autos originais. No acórdão hão de constar o ocorrido e a aplicação do princípio de economia, porém não há julgamento de restauração o que se não procedeu com a forma dos arts. 1.063-1.069 (em caso de recurso extraordinário, Si~premo Tribunal Federal, 21 de setembro de 1943, D. da J. de 1.0 de abril de 1944). 5)AUTOs SUPLEMENTARES E APARIÇÃO DOS AUTOS ORIGINAIS . Se aparecem os autos originais, no todo, há a restituição imediata, sem se precisar de qualquer ato restaurativo. Se só em parte é achado, o que lhe falta tem de ser reproduzido, tirando-se certidões, ou, às vezes, simples cópias autenticadas dos autos suplementares, se mais convém isso. O que neles se inseriu como atos positivos ao desaparecimento dos originais há de ser certificado para que se completem os autos originais, e neles é que se prossegue no processo. A restituição só se opera depois que se integraram os autos originais. Nos autos suplementares podem achar-se atos do juízo singular e atos do juízo coletivo, ou mesmo de assunto ligado a recurso extraordinário. 6)LIvRos DE TABELIÃES, OFICIAIS DE REGISTRO, E5CRIVAES E OUTROS. A forma da ação dos arts. 1.063-1.069 é aplicável à propositura, processo e julgamento das ações de reformatione instrumenti deperditi, especialmente livros de cartórios e de tabeliães. É preciso, porém, que a lei, na espécie, não o proiba (ANTôNIO DE SousA DE MACEDO, Deci.siones, 172). O que primeiro se há de provar é o fato mesmo da celebração da escritura (ALVARO VALASCO, Quaestionum Iitns Emphyteutici, q. 7, n. 38). Depois, que se perdeu o livro ou folha, ou se perderam folhas ou as folhas (ANTÔNIO DE SOUsA DE MAcEDO, Decisiones, 172 5.). Os depoimentos hão de ser sobre o teor ou sobre o que é essencial (testes debent specifice declarare tenorem instrumenti, ceteraque substantialia).Cf. caso do morgado de Soalháes (ANTÔNIO DE SousA MAcEDO, Decisiones, 57 e 174). As presunções são contra o notário, ou escrivão, ou oficial do registro (FRANCISCO ANTÔNIO XAVIER, em nota a ANTÔNIO DE SOUsA DE MACEDO, Decisiones, 174). A escritura, com a restauração, tem a eficácia (inclusive de execução aparelhada), que a outra tinha. Se a parte tem a escritura e o tabelião perdeu a nota, ou o livro, pode ser compelido a propor ação de restauração, sob pena de pagar perdas e danos, além da cominação e do processo criminal. Pode ser usada a ação cominatória, da obrigação de fazer, com a cominação, construindo-se a prestação de propor a ação de restauração à semelhança do que se passa com a cominação do fiador para que o credor acione o devedor. O tabelião não é como os outros funcionários públicos, que dêem certidão ou certificados do que consta dos livros do Estado, livros sem qualquer ligação direta a eles. As tábuas eram enceradas ou engessadas, e nelas o tabelhião escrevia com ponteiro de ferro. Ele mesmo as guardava. Depois, chamaram-se tábuas quaisquer placas de metal, pedra, ferro, papiro, pergaminho, pano, ou junco, ou outro material, em que se escrevessem instrumentos de atos jurídicos, em que se fizessem escrituras. Tabelião continuou de ser, sempre, quem as lançava nas tábuas e as guardava. Em Leges et Consuetudines (Port. Monum. Hist.) 219, nos anos de 1270 e 1272, está “tabelliáo” (“E mando que todo os Tabellioens do meu Regno”; “Eu Martim Gill pubrico tabellion”). Mas aparecia também “tabellão”.Onotário, antes “notairo” (Leges et Consuetuclines. 415 e 481), como o escrivão (antes, 1188 e 1230, escribano, “scribano”, Leges e Consuetudines, 829), integrava-se no corpo judiciário, eclesiástico ou civil. O termo “escrivão” ficou com o sentido preciso de oficial de justiça, que dela faz parte, com seus escreventes e mais servidores. O elemento comum estabelece tratamento igual. Mas há o elemento diferencial. O termo, que o escrivão lança, é como escritura pública, que o tabelião faz, mas o juiz assina, se a espécie não cabe no art. 15, parágrafo único, do Código de Processo Civil. A ligação à tabelião e às notário diferencia dos outros funcionários públicos e os tabeliães e os escriváes . A concepção da função de serventuário de ofício de justiça, por suas fontes históricas e por sua evolução sem mudança essencial, atribui ao serventuário de ofício de justiça deveres que ultrapassam os dos outros funcionários públicos. Não é o Estado isto é, a entidade federal ou estadual que prevê ao alojamento, à instalação e às despesas de serviços; por outro lado, a responsabilidade dos serventuários de ofícios de justiça pelos atos dos seus auxiliares, escreventes ou não, é diferente da responsabilidade de qualquer chefe de serviço administrativo e dos funcionários públicos que estão sob a sua direção, em virtude de atos estatais em que se abstrai da pessoa do dirigente. Há, por isso, o dever de diligência nas escolhas; em consequência, a responsabilidade in eligendo. Tem-se de frisar que o Estado não é responsável pelos atos ilícitos que cometa o escrevente, para cuja investidura teve de haver candidatura apresentada pelo serventuário de ofício

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de justiça. A responsabilidade civil, que possa ter a União, ou o Estado-membro, não é a responsabilidade, mesmo sem culpa, que tem pelos atos dos seus funcionários. Art. 1 . 068. Se o desaparecimento dos autos tiver ocorrido no tribunal ‘), a ação será distribuída, sempre que possível, ao relator do processo 2).§ 19 A restauração far-se-á no juízo de origem quanto aos atos que neste se tenham realizado4). § 2/’ Remetidos os autos ao tribunal3), aí se completará a restauração e se procederá ao julgamento. 1)COMPETÊNCIA JUDICIAL SE OS AUTOS SE ACHAVAM EM SUPERIOR INSTÂNCIA. Se o processo ainda não terminou e se acha em instância superior, a petição é apresentada ao presidente do tribunal e distribuída, sempre que possível (isto é, se ainda está no tribunal), ao relator. Se, sem serem mais juizes, estiverem vivas as pessoas que proferiram a sentença de primeira instância, ou de outra instância, depõem como testemunhas desse processo à semelhança do que se disse sob o art. 1.066. Se ainda são juizes, ou se passaram a outros juízos ou instâncias, ou se deixaram de ser juizes, podem fornecer a cópia da sentença, a que se refere o art. 1.066, §5.o, e prestar esclarecimentos sobre a primeira instância. Esses esclarecimentos são comunicações de conhecimento, que não estão sujeitas às exigências de forma referentes aos depoimentos de testemunhas. Podem ser, como os depoimentos das testemunhas, atacados. 2)FUNÇÕES DISTINTAS DOS JUIZES. Cumpre distinguir do funcionamento como juiz processante, por ter sido relator do feito, o que depende de ainda ser o juiz membro do tribunal (não precisa ser da câmara, ou turma), a contribuição probatória do juiz com esclarecimento por escrito, que independe disso. Também a cópia, a que se refere o art. 1.066, §~•O, atende apenas ao passado. 3)NULIDADE NÃO-COMINADA. É causa de nulidade não -cominada o dirigir-se a petição ao relator, e não ao presidente do tribunal. A 3•~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal (9 de julho de 1943, D. da J. de 30> entendeu que seria caso de mera irregularidade. Ora, a lei dava, explicitamente (Código de 1939, art. 779), a função ao presidente, para que ele conhecesse, desde logo, do grave acontecimento. Tratava-se de regra jurídica de competência. No Código de 1973, não se fala de ser apresentada ao Presidente do Tribunal a petição de ação de restauração de autos. Mas as ações não se propõem perante o relator. A distribuição é que é ao relator. O julgamento é pelo Tribunal, ou pela Turma ou pela Câmara: o que importa é saber-se qual o corpo que proferiu o despacho, decisão ou acórdão. Não se precisa de princípio a priori, porque os autos podem ter de-. saparecido: a) depois do acórdão; b) depois de iniciado o julgamento pela Turma, ou Câmaras, ou pelo Tribunal pleno; c) depois de ter havido algum ato coletivo; d) depois de ser designado o relator. Na espécie d), o que tem de fazer o relator é submeter o caso ao corpo coletivo, que há de, pela Presidente, fazer baixarem os autos à instância de que vieram. Lá é que pode o juiz tomar as providências e julgar a ação de restauração dos autos. Aliás, em qualquer espécie, a prova testemunhal ou principal, que fora feita na instância inferior, é nela que se há de proceder às inquirições (repetição. de provas, art. 1.066 e §§ 1.0 e 2.0 e 4.0). 4) ATOS REALIZADOS E RESTAURAÇÃO NO JUÍZO EM QUE OCORRERAM. Se atos do processo foram realizados em dois ou mais juízos, tem-se de proceder à restauração no juízo em que cada um ocorreu. Essa tinha de ser a solução, porque, sem essa ligação, se cairia no absurdo de se refazer no tribunal o que se passou no juízo originário, ou vice-versa. Restaura-se no juízo originário o que nele se passou e no tribunal o que aí sobreveio, mesmo se apenas se confirmou a sentença. O relator processa a ação de restauração dos autos, mas o julgamento é coletivo. Art. 1.069. Quem houver dado causa 2) ao desaparecimento dos autos responderá 1) pelas custas da restauração e honorários de advogado, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal em que incorrer 3) 4)• 1)RESPONSABILIDADE PELO EXTRAVIO OU DESTRUIÇÃO. Se houve culpa de alguma das partes, ou serventuário, ou órgão do Ministério Público ou da Fazenda Pública, ou qualquer outra pessoa, no extravio dos autos, responde ela pelas custas da restauração dos autos; a fortiori, se foi culpada da destruição

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total ou parcial. Em ambos os casos, a responsabilidade pelas custas é independente da responsabilidade criminal e da responsabilidade civil pelo ato ilícito. Custas e mais despesas, inclusive honorários de advogado. Quid iuris, se a causa não subira, mas apenas os autos? O exemplo mais frequente é o dos autos que foram enviados por ordem da instância superior, para simples inspecção , ou conferência de documento ou certidão. A melhor solução é ser dirigida a petição ao presidente do tribunal que, verificada qual a espécie, fará descer ao juiz ou corpo de juizes a cuja cognição estavam destinados os autos, ou em cujo cartório estavam arquivados. A culpa, aí, é objetiva. 2)LITIGANTE DE MÁ-FÉ. O art. 18 é aplicável. Se a desaparição dos autos tiver resultado de ato cujo conceito for inserível nos conceitos do art. 18 e seus parágrafos, antes de haver sentença trânsita em julgado, a sentença que ainda puder ser proferida (inclusive em embargos de declaração) pode aplicar qualquer daquelas regras jurídicas. 3)ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL. Se o autor da ação de restauração de autos procedeu com má-fé (arts. 16 e 17), ou, durante o processo, praticou ato reprovável segundo o art. 18 e §~ 1.0 e 2.0, as regras juridicas são aplicáveis. Na ação do art. 16 contra ele, pode ser-lhe pedida a aplicação do art. 20. O réu, na própria ação de restauração de autos, pode incorrer, por sua conduta de má-fé, em abuso do direito processual (arts. 16 e 17). CAPITULO XIII DAS VENDAS A CREDITO COM RESERVA DE DOMÍNIO 1)-2)-3)-4). 5) 1)“PACTUM RESERVATI DOMINII”. O nome, moderno e não romano, de pactum reservati dominii, corresponde ao negócio jurídico pelo qual, na compra-e-venda, o vendedor se reserva o domínio, entregando ao comprador a posse livre e exclusiva. Mas essa tradição, esse transferir da posse ime-. diata (pois ressalta não se tratar de vacuam possessionem tradere), não exauria o conteúdo do pacto, nem no exaure hoje em dia. A coisa era “vendida”. A cisão entre efeitos de direito das coisas e efeitos de direito das obrigações (ainda mais entre efeitos de posse e efeitos de direito da propriedade, entre efeitos do usus e efeitos do abusus) permite cortar-se a propriedade, ficando o “domínio” ao vendedor, sem necessidade de se recorrer à condição resolutória, ou ao contrato de locação. Construía-se como tradição da posse precária, com riscos e perigos a cargo do comprador. Tal o que a concepção da época podia construir. No direito grego, as vendas ficavam dependentes do pagamento do preço, tal como em Roma, de modo que não existia pacto, nem Roma o teve. Existia alteração no sistema ou na concepção da conclusão do contrato de compra-e-venda, provavelmente introduzida no direito romano pelo VIS gefltium, isto é, pela sugestão do trato com os estrangeiros. Na verdadeira concepção romana, o contrato de compra e venda é contrato em que a pretensão, que dele nasce, é pretensão à prestação contra prestação, donde a exceptio nou adimpleti contractus. A obrigação do comprador (para a contraprestação da coisa) é obrigação de dar o preço, obligatio dandi; a do vendedor, contra a prestação do preço, a de fazer a tradição, obligatio faciendi. Não rem dare, como hoje; mas só rem tradere. A diferença é sutil, mas relevante. A aquisição da propriedade dependia da tradição. De modo que a execução do contrato, e não a conclusão, transferia. A regra legal de que, sem estar pago o preço, não se transferia o direito de propriedade, nada tinha, portanto, com o contrato, e sim com a iusta causa da tradição, consultava, segundo B. W. LEIsT (Mancipation und Eigentumstraclition, 46 s., 199 s.), necessidade natural, e resultava do direito contratual antigo não-provido de actio venditi, nem de condictio (A. ExNER, Die Lehre vom Rechtser-werb durch Tradition, 341 5.), ou da primitiva troca de prestação (não de obrigações), conforme AUGUST BECHMANN (Der Kauf, 198), ou do direito grego (F.HOFMANN, tYber das periculum beim, Kauf e, 170). Houve os que a tiveram como simples regra jurídica interpretativa (G.L.STREMPEL, H. THOL, G. F. PUCHTA, HEINRICH DERNBURG). Não é aqui o lugar para se discutir isso, mas, posto que A.EXNEE tenha razão (o que não é inconciliável com a opinião de AUGUST BECHMANN), a concepção de um pacto de reserva de dominio, como a pôr-se a acentuação naquela regra, obedeceu a intuitos de exploração, primeiro dos estrangeiros e depois dos cidadãos.

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Nos inícios do capitalismo industrial, fecundo, empreendedor, dos primeiros decênios do século XIX, o que importava era criar, romper obscuridade, produzir, e as invenções serviram a isso, dando-nos, ao lado de homens como James Watt, Stephenson e outros, até Liebig e Bunsen e as grandes descobertas químicas, Arkwright e Cartwright, Werner Siemens (antes do “von”), Friedrich Krupp, Matthias Stinnes e o comodoro Vanderbilt. Aumentou-se a capacidade aquisitiva do mundo ocidental e a população européia e atlântica teve surto que nunca, antes, teria sido possível. Antes, o capitalismo quisera vender os seus produtos sem aumen-tar o nível de vida, e começou a ser arriscado vender a prazo. Assunto que era conteúdo de notas de livro, ou de artigos de revistas, passou a interessar os juristas a ponto de surgirem dissertações, como a de J. B. FRIESE (De pacto domini’um in emtione venditione usque ad pretii solutionem reservante, Ienae, 1706), a de SCHNE1DER (Dissertatio de validitate et effectu reservationis dominii et hypothecae in securit atem residul pretii, Goettingae, 1753), a de A. F. GOESSEL (De vi reservati dorninii et hypothecae in re vendita, Col., 1793), a de FETzER (Diss. de iure separationis, quod exorto super bonis emtoris concursu venditori in. re venclita competit, Tubingae, 1799). J. C. GENSLER, em 1819, no Archiv fiir die civilistische Pra~xis (II, 291-293), não lhe concedeu mais de duas páginas. CER. FR. voN GLÚCK (Ausfilhrliche EriÉiuterung der Pandecten, 16, 229 5.) somente oito, em 1868. Em vez do interesse jurídico de dissertações acadêmicas, quando o Estado sentiu as primeiras inadaptações do direito à economia, tentou estatalizações (tendo sido Bismarck quem fez a primeira), e o capitalismo da segunda geração prosseguia, apenas menos eficiente, na política de mudar as condicões em tomo. Ao tempo da dissertação de E. THORSCH (1875), sobre Der pactum reservati dominli, o interesse era mais do que acadêmico. Porém, só ao começo da terceira geração do capitalismo contemporâneo, depois, necessariamente, de se haver completado a emancipação da burguesia e de se ter passado a curva de 1871-1873, foram publicadas leis de vendas com reserva do domínio, de inspiração extranacional, quaisquer que fossem os países. Principalmente depois da falência da Wechsel-Bank de Viena, da crise do algodão, da suspensão de pagamentos da Argentina, da falência de Baring Brothers e da marcha de desempregados sobre Washington. A geração não via que o problema estava em aumentar a capacidade aquisitiva das massas, em vez de escorchá-la, ou arrancar-lhe pedaços de carne, à Shylock. Daí as leis alemãs de 16 de maio de 1894 e austríaca de 27 de abril de 1896, as. leis estaduais dos Estados Unidos da América, os Hire-Purchase Acts, escocês de 1932 e inglês de 1938, precedidos pela prática britânica e adaptados às novas circunstâncias. Essas leis refletiram a maior ou menor capacidade do povo para se defender; mas, todas, a velhice de propósitos em mundo diferente. O erro dos que vendem ou querem vender sem fazer compradores e o dos que se deixam enganar sob o peso do duplo e combinado efeito da propaganda e da legislação neo -opressiva patenteiam-se nos penhores de máquinas e utensílios e nos alugueres internacionais de máquinas, assunto que dizem respeito ao futuro dos povos fracos, submetidos a governos imorais. Na reserva de propriedade, de ordinário o vendedor antecipa a sua prestação, ficando com a propriedade em garantia do pagamento do preço. A reserva pode ser do dominio, ou de outro direito real (enfiteuse, usufruto, uso, só se transferindo o exercício). Na vida econômica de hoje, a reserva de domínio facilita o crédito sobre mercadorias, sem que deixe de haver inconveniência político-jurídica, por atingir a publicidade da posse e por outras razões de ordem capitalística. Muitas vezes se empresta por se ver o estoque, sem se poder saber, salvo investigação de escrita e de documentos, se as mercadorias pertencem ao mutuário. Se o vendedor acordou em que o preço fosse, no todo ou em parte, pago depois da entrega do bem, expôs-se ele inadimplemento pelo comprador, a despeito de já haver cumprido a sua obrigação. O contrato de compra-e-venda pode fixar prazo, depois de cujo transcurso será de exigir-se a indenização. Se não se resolve o contrato, pode o comprador não ter meios para pagar, a despeito de ficar com o bem comprado, que talvez já tenha alienado. Se não há interesse na entrega do bem logo após a conclusão do contrato, podem ser concebidos como simultâneos o adim plemento pelo vendedor e o ad.implemento pelo comprador. são a prazo, aí, ambos os adimplementos. Se há interesse do comprador, ou do vendedor, em que se dê antes a entrega do bem vendido, tem o vendedor de exigir segurança, se não lhe basta a confiança no comprador. As seguranças mais freqúentes são a fiança, o penhor e a reserva de propriedade. Reserva de domínio é a cláusula entre vendedor e comprador, que estabelece ficar com o vendedor o dominio, até que se pague totalmente o preço, a despeito da entrega ao comprador. Com essa cláusula segura-se contra inadimplemento o vendedor. A hipoteca melhor o consegue, a respeito dos bens imóveis; de modo que a cláusula mais se emprega a respeito de bens móveis. Em comparação com o direito de penhor, a cláusula de reserva de domínio é mais intensa, porque se permite ao vendedor, em caso de inadimplemento, reaver a posse do bem, em vez de se proceder à extração do valor. A sua finalidade é, por bem dizer-se, a de restaurar a simultaneidade das prestações, se se quer evitar a resolução do contrato (HELMUT RÚHL, Eig’entumsvorbehalt und Abahlungsge chàft, 10 s. e 105). Ocomprador que recebeu a posse do bem, com a cláusula de reserva de domínio, tem a faculdade de usá-lo,

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ou de usufruí-lo. Só não tem o domínio. Perde o uso ou o usufruto, em geral a posse se deixa de cumprir o prometido. Não pode transferir o domínio porque não o tem. A cláusula de reserva de domínio necessariamente é cláusula do negócio jurídico bilateral de compra-e-venda e do acordo de transmissão da posse, porque retira a esse o efeito de transmitir a propriedade. No direito brasileiro, como no direito alemão e noutros que escaparam à confusão oriunda do Código Civil francês, há a distinção entre o contrato de compra-e-venda e o acordo de transmissão (Einigung). É preciso que haja a tradição, em virtude de acordo de transmissão, para que se transfira a propriedade dos bens. Se há reserva de domínio, tradição há sem a eficácia que a lei confere ao acordo de transmissão: o tradente continua proprietário, a despeito da transmissão da posse. O ato-fato real ocorre, mas falta, por sobre ele, o acordo de transmissão com eficácia de transmissão da propriedade. O acordo de transmissão foi sob condição suspensiva. Se se falou em reserva de domínio, ou se a interpretação impõe que se pense em ter havido reserva de domínio, tem-se de entender que o acordo de transmissão foi suspensivamente concebido. N~ se pretenda que foi o contrato de compra-e-venda que se concebeu com a condição suspensiva. Foi o acordo de transmissão. Por isso mesmo, a reserva de domínio pode ser posterior ao contrato de compra-e-venda, desde que ainda não se haja feito o acordo de transmissão da propriedade ou inserta nesse, como cláusula. Se a reserva de domínio foi inclusa no contrato de compra-e-venda, o que se há de assentar é que esse contrato está acompanhado do acordo de transmissão clausulado, mesmo quando se haja fixado data posterior para a entrega (pré-formulação do acordo). Se no contrato de compra-e-venda se diz “só se transferindo a propriedade por ocasião do pagamento total do preço”, o comprador tem direito a exigir a entrega do bem. Toda reserva de domínio é cláusula do acordo de transmissão. Se se disse a data em que seria de exigir-se, há suspensividade para a entrega e para a transmissão do domínio. Se a reserva de domínio é nula, nulo não é, por esse fundamento, o contrato de compra-e-venda. Pode valer o próprio acordo de transmissão sem valer a cláusula de reserva de domínio. O pacto reservati dominli pode ser ligado a outro acontecimento que ao adimplemento integral, como se o vendedor estipula que só se há de transferir a propriedade se o comprador compra, até certo prazo, o prédio em que possa instalar o bem vendido. Se o vendedor se reserva a propriedade até o pagamento integral do preço e, em virtude disso, não tendo havido o pagamento integral, toma a posse do bem, há resolução do contrato, com a restituição das prestações recebidas. Dá-se o mesmo se a posse do bem é retirada ao comprador devido a medida executiva ou cautelar, ou quando por outra causa exerce a pretensão à restituição da posse (JOHANN LAZARUS, Das Recht der Abzahlungsgeschãíts, 96). As vezes, os contraentes chamam “promessa de compra-e-venda com reserva de domínio” à compra-e-venda com reserva de domínio. Não tem relevância a impropriedade da linguagem. Pode haver promessa de compra-e-venda com reserva de domínio se em verdade só se promete compra-e-venda, com reserva de domínio, ou se houve alusão a elemento (reservado) que não poderia existir. Se, porém, se entregou o bem e se vai prestar a propriedade quando solvida a dívida, o que há é compra-e-venda com reserva de domínio. Exemplo no acórdão da 2Y- Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 7 de novembro de 1938 (R. dos T., 119, 234). A cláusula de reserva de domínio é parte integrante do acordo de transmissão da propriedade. Quando se faz reserva de domínio em contrato de compra-e-venda, em verdade houve contrato de compra-e-venda e acordo de transmissão, com a cláusula. É encontradiça, mesmo nos juristas alemães, confusão a respeito (e. g., KAIRL LARENz, Lehrbuch des Schuidrechts, II, 68). A cláusula pode ser explícita ou implícita. As circunstâncias e outras cláusulas do contrato de compra-e-venda podem compô-la. Pode acontecere sói acontecer que o vendedor,ao ter de fazer a entrega, estipula a reserva de domínio (declaração unilateral de vontade), e. g., na fatura, ou no documento que a acompanha. Não houve a transmissão da propriedade, posto que tivesse havido a entrega. O comprador tem a exceção non adimpleti contractus, ou a non rite adimpleti contractus, se entende que o vendedor tinha de transmitir-lhe a propriedade. Se o vendedor não atende e tem razão o comprador, só a novação poderia atingir o contrato de compra-e-venda. Se o comprador, que não pagou, recebe o bem, com a reserva de domínio, nenhuma alteração houve no contrato de compra-e-venda, salvo se o vendedor teria de prestar antes (HELMUT RÚHL, Eigentumsvorbehait und Ab~ahiungsgeschãft, 191). Se o comprador já pagou, ou se o vendedor teria de prestar antes, a aquiescência do comprador é a do comprador que recebe prestação incompleta. O comprador pode exigir o cumprimento do contrato de compra-e-venda. Em principio, a reserva feita por manifestação unilateral de vontade é ineficaz. Se o comprador anui em que a entrega seja com reserva de domínio, o que não se previa, ocorre isso, de

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regra, porque ainda deve e talvez queira adiamento para a paga do preço, ou do restante. O não cumprimento pelo comprador implica resolução do contrato e pode o vendedor exigir a posse. Se o comprador adimple, cabe a pretensão à transmissão da propriedade. A reserva de domínio, ao tempo do contrato de compra-e-venda, supõe que o acordo de transmissão é que a contém, simultâneo àquele. Se posterior, falta a simultaneidade, mas a cláusula é do acordo, como se simultâneos fossem contrato de compra-e-venda e acordo de transmissão. A mora do comprador, como a do vendedor, dá ensejo a resolução. Se houve cláusula de reserva de domínio, a entrega do bem ao comprador, com a transmissão da propriedade, e adimplemento pelo vendedor. Daí em diante as despesas e os riscos são contra o comprador. Tem esse o direito à posse, oponível ao vendedor proprietário, fundado no acordo de transmissão sob condição suspensiva, e não no direito expectativo do comprador. Ao não-implemento da condição suspensiva quanto à propriedade corresponde a condição resolutiva quanto à posse. Com a cláusula de reserva de domínio, o vendedor assegura-se contra o possível inadimplemento pelo comprador, inclusive se sobrevém decretação da abertura de concurso civil de credores, ou decretação de abertura de falência, ou liquidação coativa. O direito do comprador à posse do bem comprado se extingue e nasce ao vendedor a pretensão a reaver a posse se sobrevém concurso de credores, qualquer que seja, ou mora. Tem de exercê-la, embora o comprador perca o direito à posse desde o momento em que ocorre a eficácia da decretação de abertura do concurso, ou a mora, segundo os princípios que a regem. Quando o vendedor reclama a posse, que entregara, não exerce, necessariamente, a pretensão à resolução do contrato, posto que possa haver cláusula contratual que assim o predetermine. O exercício da pretensão a reaver a posse, pretensão ligada ao acordo de transmissão, distingue-se do exercicio do direito à resolução do contrato de compra-e-venda. Os dois direitos podem ser exercidos separada ou simultaneamente (HELMUT RÚHL, Eigentumsvorbehalt und AbzahlungsgeschÉift, 92 s., 105, 256 5.). O vendedor, que recebeu de volta o bem vendido, pode exigir o cumprimento do contrato d3 compra-e-venda, enquanto não se dá o exercício da pretensão à resolução ou não ocorre essa, em virtude de cláusula especial do contrato de compra-e-venda. A resolução prende-se a esse; a pretensão a reaver a posse resulta da cláusula de reserva de domínio inserta no acordo de transmissão. Se, a despeito da volta da posse ao vendedor, há a purga de mora, ou se desfaz ou extingue a relação jurídica concursal, ao comprador renasce o direito à posse, ou o direito à posse e à propriedade. O vendedor é proprietário, a despeito do contrato e No concurso de credores, qualquer que seja, o vendedor~ se não lhe é pago totalmente o preço, pode pedir a restituição do bem vendido com reserva de propriedade. O vendedor pode interpelar o síndico para que, dentro de cinco dias, declare se cumpre, ou não, o contrato. A declaração negativa ou o silêncio do síndico, findo esse prazo, dá ao vendedor o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, entra na classificação dos créditos como crédito quirografário. Os mesmos princípios regem o direito do vendedor em caso de concurso civil de credores, ou de liquidação coativa. No direito brasileiro, se o vendedor prefere que se venda o bem que está sob a posse da massa, tem de expor o que deseja e pedir, em vez da volta da posse, a venda em hasta pública, pois assim se podem apurar o valor prestado e o que se ia restituir. No concurso de credores, qualquer que seja, por ocasião do pedido de restituição, é possível discutir-se se o vendedor cumpriu todas as suas obrigações (LETZGUS, fie Anwartschaft des KÉiufers unter Eigentumsvorbehalt, 66 5.; WALTER ERMAN, Handkommentar zum BGB., 10). A transmissão da propriedade, em virtude do acordo de transmissão em que há a cláusula de reserva de domínio, é sob condição suspensiva. O vendedor é proprietário exposto à vinculação. Para que o comprador adquira a propriedade não mais se precisa de qualquer acordo, ou de manifestação unilateral de vontade do vendedor. Implida a condição, opera-se a aquisição. Por onde se vê, mais uma vez, quanto é de importância atender-se a que a reserva de propriedade é cláusula do acordo de transmissão. Uma das conseqüências de ser aquisição sob condição suspensiva está em que o vendedor, durante a posse do comprador, nenhum ato de disposição pode praticar, eficazmente, no tocante ao bem entregue com reserva de propriedade, sem que possa haver a reserva. Duas vezes, o Reichsgericht entendeu que seria preciso novo acordo (Entscheidungen dês Reichsgerichts, 64, 206 e 95, 107); mas a doutrina reagiu energicamente (e. g., ANDREAS voN TURE, Der Aligemeine Teu, III, 318; FE. LEONIIARD, Besonderes Schuldrecht, 106; cf. Entscheidungen, 140, 226). O comprador não pode gravar o bem de que tem a posse: falta-lhe a propriedade. Pode dispor do seu direito expectativo. Pode empenhá-lo (Código Civil, art. 790). O direito expectativo é arrestável, seqúestrável, penhorávei e arrecadável. Trata-se de direito patrimonial atual (HoLTz, fie Anwartschaftsrecht aus bedingter tlbereignung ais Kreditsicherungsmittel, 23 5.; LETzGU5,

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Die Anwarstschaft des KÉiufers unter Eigentuinsvorbehalt, 85; HELMUT RÍIHL, Eigentumsvorbehalt und Abzahlungsgeschãft, 87). Cf. Tratado de Direito Privado, Tomo V, § 544, 1, 4, 545, 5, 9; XXVIII, § § 3.297, 3; 3.333, 5. A disposição do direito de expectativa rege-se pelos princípios concernentes à propriedade. O adquirente ou recebe a posse, tal como a tem o comprador com reserva de propriedade, ou posse mediata. Com a alienação, o comprador perde a possibilidade de adquirir a propriedade, salvo se desconstituído o seu ato de disposição. A pessoa que adquiriu do comprador o direito expectativo adquire a propriedade se a condição suspensiva se imple. Não há aquisição intermédia do comprador (HELMUT RÚHL, Eigentumsvorbehalt und AbzahlungsgeschÉift, 97; LETzGU5, fie Anwartschaft des Kdufers unter Eigentuinsvorbehalt, 11 5.; HOLTZ, fie Anwartschaftsrecht aus bedingter Vbereignung ais Kreditsicherungsmittel, 47 5.; JosEr EssER, Lehrbuch des Schuldrechts, 231; HARRY WESTERMANN, Lehrbuch des Sachenrechts, 216). Não é necessário o assentimento do vendedor (KARL LARENz, Lehrbuch des Schuldrechts, II, 72), quer para pré-contrato, quer para contrato de compra-e-venda do direito de expectativa, quer para o acordo de transmissão desse direito. Quanto à posse, que o vendedor lhe transmitiu, o comprador que aliena o direito de expectativa somente pode atribuir ao outorgado posse mediata, que não ofenda a posse mediata do vendedor, ou posse imediata, mas a seu risco. Aí, o assentimento do vendedor é imprescindivel para que se afaste a possibilidade de se caracterizar infração do contrato de compra-e-venda, ou do próprio acordo de transmissão. Se o comprador, dispondo do direito de expectativa, ofende a posse do vendedor (ou o seu dever de possuir o bem), pode o vendedor exigir do terceiro a devolução da posse ao comprador (HARRY WESTERMANN, Lehrbuch des Sachenrechts, 136). O direito de expectativa pode ser objeto de medida constritiva e de medida executiva (penhor). Qualquer dessas medidas importa constrição da posse que o comprador recebeu. Se o comprador vem a adquirir a propriedade, a medida constritiva pode ser estendida à propriedade, o que depende de pedido do interessado e deferimento pelo juiz. Se o vendedor não é proprietário, a entrega do bem vendido com a cláusula de reserva de propriedade é como seria a entrega do bem vendido sem reserva, pelo vendedor não--dono; há ineficácia. No direito brasileiro, a aquisição a ou domino é excepcional. Tratando-se de bem móvel, rege o art. 622 do Código Civil; ou, se o bem é adquirível pelo outorgado de boa-fé (e. g., títulos circuláveis), pela lex specialis. Quanto aos bens imóveis, é de mister a transcrição no Registro de Imóveis (Código Civil, art. 530, 1). O comprador que dispõe do bem que lhe foi entregue com reserva de propriedade, sem que já se lhe haja transferido a propriedade, comete crime. Se o comprador adquire os bens com reserva de propriedade, mas ocorre especificação (Código Civil, arts. 611-614), ou confusão, ou adjunção, ou mistura (arts. 615-617), regem os princípios do direito das coisas. O comprador, que somente tinha a posse, pode vir a adquirir. Surge, aqui, a questão da cláusula de afastamento da aquisição originária peio comprador. Se no contrato de compra-e-venda se disse que o comprador pode ou deve transformar o bem “para o vendedor”, é,entende-se que o comprador não adquire a propriedade? A resposta é negativa (sem razão, WALTER ERMAN, Handkcrnmentar zum BGB., 8; duvidoso, HELMUT RÚHL, Eigentumsvorbehalt und Abzahlungsgeschãft, 138). O que se pode pactuar é constituto possessório, para que, no caso de inadimplemento, a propriedade do novo bem passe ao vendedor (KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, II, 73). 2) TÉCNICA LEGISLATIVA. O Brasil defendeu-se contra a legislação sobre vendas com reserva de domínio até 1938 (Decreto-lei n. 869, de 18 de novembro de 1938, art. 3•O, IV), figura que, contra lei e a nossa atitude, se implantara anos atrás, e se fez legal exatamente no diploma que pretendia reprimir os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego: “São ainda crimes contra a economia popular: IV violar contrato de venda a prestações, fraudando sorteios ou deixando de entregar a coisa vendida, sem devolução das prestações pagas, ou descontar destas, nas vendas com reserva de domínio, quando o contrato for rescindido por culpa do comprador, quantia maior do que a correspondente à depreciação do objeto”. O Decreto-lei n. 1.027, de 2 de janeiro de 1939, art. 1.0, exigiu a transcrição, “no todo ou parte”, no registro público de títulos e documentos do domicílio do comprador. Ainda o Decreto-lei n. 1.041, de 11 de janeiro de 1939, artigo único, ressalvou do art. 3~O, IV, do Decreto-lei n. 869 os contratos celebrados antes de 21 de novembro de 1938, quando rescindidos por culpa do comprador, continuando os mesmos a reger-se pelo direito anterior. Cf. Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 136, 5•0 O Código Civil de 1916 havia proibido o penhor com cláusula constitui. Ainda em 1931, o Tribunal de Justiça da Bahia repelia o pacto de reserva do domínio (24 de julho de 1931), mas aqui a cláusula vencia,

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recorrendo-se a sofismas lamentáveis (venda “retratável”, Distrito Federal, 27 de ju lho de 1922, R. de D., 69, 320; depósito, 11 de abril de 1922, R.S.T.F., 51, 509; locação, etc.). Pela primeira vez, já a jurisprudência se refletia, sem máscara, sob pressão abertamente capitalista e exterior. A legislação processual civil veio modificar a disciplina material e formal do pacto de reserva de domínio, de modo que há, hoje, quatro pretensões diferentes: a) a pretensão de execução da coisa vendida para haver o saldo apurado do preço; b) a pretensão de recuperação da posse da coisa vendida e entregue (a posse foi entregue, por isso é que se reenvidica), ressalvada ao comprador a alternativa de purgar a mora e cumprir o contrato; c) a pretensão de cobrar o saldo; ci) a pretensão à execução para cobrar o saldo. A arrecadação do bem móvel vendido, com reserva de domínio , ao falido, obedece à legislação falencial (lª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de maio de 1951, 1?. dos T., 193, 346). 3)CONSTRUçAO JURIDICA DO ‘<PACTUM BESEliVATI DOMINII”. A construção do pactum reservati dominji como cláusula resolutiva é urna das maiores erronias em que a doutrina possa morrer. Contradição em termos; e mais do que isso:construção que de modo nenhum se ajustaria aos sistemas jurídicos em que o contrato de compra-e-venda é contrato consensual. A reserva de domínio concerne ao adimplemento do contrato de compra-e-venda; não atinge o contrato mesmo, e sim a sua execução: em vez de ser execução inteira a entrega da coisa, é apenas degrau para a execução; entrega-se a coisa, mas suspende-se a eficácia da transmissão da propriedade. A cláusula de reserva de domínio não condiciona, suspensivamente, como pretendia GusTAvo BONELLI (Una nuova costruzione dei patto di riservato dominio nelia vendita, Rivista dei Dirztto commerciale, X, Parte prima, 492--496), a compra-e-venda; nem resolutivamente, o que é absurdo, e ainda incidem no erro alguns juristas (e. g., MAssIMO FEERAiiA SANTAMARIA, La Vendita a rate con riserva di proprietà, 2.~ ed., 19). Somente condiciona o efeito de transmissão, é pacto sobre o adimplemento. Atingido é o acordo de transmissão. Se a lei alude ao exercício da pretensão ao pagamento por meio da ação que compita ao título de crédito, apanha a duplicata mercantil, ou outro título de crédito. Se a compra- -e-venda é mercantil e foi emitida duplicata mercantil, o que dela consta é o que importa, no plano cambiariforme. Ou dela consta a cláusula de reserva de domínio, ou dela não consta. Se não consta, comprador e vendedor, que endossou, ou qualquer outro endossante, respondem ao portador, segundo o teor do titulo. Se consta da duplicata mercantil que a entrega da coisa foi com reserva de domínio, a responsabilidade do comprador perante o portador de boa-fé é cambiariforme: se ele paga, toilitur quaestio; se não Daga, respondem os endossantes, inclusive o vendedor que endossou. Se o contrato de compra-e-venda foi com pagamentos parcelados, dito de compra-e-venda a prestações, ou a) se tirou uma só duplicata mercantil, ou b) se tiraram tantas duplicatas mercantis quantas as prestações. Na primeira espécie, nenhuma dificuldade ocorre: vencida, e não paga a prestação, constante do título, pode esse ser protestado e exercida a ação de cobrança contra o obrigado cambiariforme; se havia cláusula de, vencendo uma prestação sem ser paga, vencerem as outras, o protesto é pela prestação vencida e não paga e pelas prestações subseqüentes , vencidas em virtude da cláusula e igualmente não pagas. Na segunda espécie, que é a de pluralidade de duplicatas mercantis, com o mesmo número, e a diferenciação alfabética ou a diferenciação romana, cada duplicata mercantil pode ser protestada à parte, com as consequências ordinárias; se havia cláusula de vencimento das outras por falta de pagamento de uma, o protesto dessa acarreta o vencimento das outras. A reintegração imediata da posse é ação do vendedor, oriunda do negócio jurídico subjacente da compra-e-venda com reserva de domínio. Depende de ter o vendedor, consigo, todos os títulos, inclusive os vincendos. Se o vendedor não tem o titulo, ou não tem os títulos, porque não pagou a divida cambiariforme, excluída está a reintegração imediata. Para o exercício da ação, basta-lhe o vencimento de um titulo. Dá-se o mesmo em relação à ação para exigir o pagamento. Claro é que, se não apresentou todos os títulos, o pagamento pelo réu somente pode ser levantado, em caso de pluralidade de títulos, pelos portadores respectivos; bem assim o produto do leilão. Se algum portador, que não seja o vendedor, apresenta ao comprador o título para pagamento, ou o obrigado cambiariforme o paga, sendo deduzido isso, a favor, do depósito, ou da dívida global, ou, se o portador o aceita, o obrigado indica o juízo em que corre a ação para exigir o pagamento. O portador pode exercer a ação executiva contra o comprador independente da ação do vendedor para exigir o pagamento, ainda em caso de execução. Uma vez que o endossatário não é figurante do contrato de compra-e-venda com reserva de domínio, não lhe cabe a ação para exigir pagamento nem a de apreensão e depósito da coisa vendida. Se o vendedor endossante não paga a duplicata mercantil, pode, por ação executiva, pedir a penhora do direito, pretensão e ação à recuperação da posse da coisa vendida com reserva de domínio, o que é outra coisa. Então, durante o processo, pode ser exercida a ação , em virtude da sub-rogação pessoal. Se são dois, ou mais, os portadores, cada qual tem a sua parte na sub-rogação pessoal. Na falência do comprador, o direito do portador é o que

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lhe advém do título, ou da sub-rogação pessoal tempestiva. Vale e é eficaz a cláusula de que os portadores se sub-rogarão pessoalmente ao vendedor, em caso de não-pagamento por esse, ou de não-pagamento pelo comprador, nos direitos, pretensões e ações a que nos referimos. A cláusula dá aos portadores os mesmos direitos, pretensões e ações, que teria, ainda em caso de falência, o vendedor. 4)TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE EM SEGURANÇA E VENDA cOM DOMÍNIO RESERVADO. A transmissão da propriedade em segurança é inconfundível com a venda com reserva de domínio. Ali, o domínio passa ao outorgante; aqui, não. Aqui, a propriedade ainda não foi adquirida; a aquisição está por ser. O que passou ao outorgado não é domínio, nem lhe passou apenas o direito de obrigação; passou-lhe o direito ao uso e à posse, passou-lhe direito expectativo. É isso o que se penhora. A coisa vai a leilão porque está na esfera jurídica do dono e na esfera jurídica do outorgado da venda com reserva de domínio. A venda com reserva de domínio é venda, com entrega da coisa e direito expectativo à aquisição. Não há operação em segurança. O expediente é mais do que o da venda a crédito, sem entrega da coisa e sem o direito expectativo, porque, nessa, somente há a pretensão pessoal, o direito de obrigação: na venda com reserva de domínio, há a entrega e o direito expectativo à aquisição da propriedade. Mas o expediente é menos do que a transmissão da propriedade em segurança e do que o próprio empenhamento. Analisando-se a denominação “venda com reserva de dominio”, percebe-se que se fala de venda como se se tratasse de transferência: toda venda ainda é sem a transmissão do domínio, salvo se o acordo de transmissão e a tradição ocorreram simultaneamente. Então, haveria a) o contrato de compra-e-venda, b) o acordo de transmissão e e) a tradição menos o efeito de transmissão. Tradição há e há acordo de transmissão, porém retira-se (= reserva-se) a eficácia de transmissão que a tradição, após o acordo, determinaria. Com essa retirada (= com essa reserva), o outorgado tem a pretensão obrigacional (= pessoal), oriunda do contrato de compra-e-venda, tem a posse, com o uso, e tem direito expectativo à aquisição. Em alguns países, os juristas lançam mão de construção jurídica com a aquisição sob condição resolutiva. Mas o erro é manifesto. Resolução há do negócio juridico de compra-e--venda, se advém inadimplemento por parte do outorgado; não da propriedade, porque essa não se transferiu. Porque a cláusula de reserva de domínio é concernente ao adimplemento do contrato de compra-e-venda, a impossibilidade, que pode existir, da transmissão formal condicional do imóvel afasta, radicalmente, tal cláusula, em se tratando de contrato de compra-e-venda de imóveis. O que é possível é pacto comíssório, resolutividade. Raramente, mas dentro dos princípios, pode dar-se que a cláusula de reserva de domínio se interprete como cláusula de condição resolutiva ou de termo resolutivo. Quanto aos bens móveis, não há impossibilidade da transmissão condicional. O acordo de transmissão pode ser sob condição suspensiva, o que não importa dizer-se que o contrato de compra-e-venda tenha sido condicional. Condicionou-se o acordo de transmissão. O contrato de compra-e-venda é a prazo quanto ao preço e quanto à entrega da coisa. O comprador não teria posse própria, mas posse imprópria, como o mandatário, o locatário, ou o administrador. Na venda com reserva de domínio, há entrega da posse própria, sem se perfazer a transmissão da propriedade; algo falta, não para que a posse imprópria se faça posse própria e engendre a transmissão do dominio, mas sim para que o acordo de transmissão da propriedade se torne eficaz. Melhor: complete a sua eficácia. (No mesmo sentido, com a transcrição integral de trecho acima, o Tribunal Regional do Trabalho da í.a Região, a 19 de agosto de 1960, D. da J. de 2 de setembro.) Com o advento da condição, não mais se exige qualquer ato ou manifestação de vontade do vendedor. Antes desse advento, a manifestação de vontade do vendedor seria renúncia (OTTo WARNEYER, Kommentar, 1, 778). Por isso mesmo que se não transferiu a propriedade, o bem é do vendedor, e sujeitar-se-ia à falência desse; mas entende-se que o comprador, em tal espécie, já tem algo de execução do contrato de compra-e-venda e certa eficácia do acordo de transmissão. O administrador da massa concursal do vendedor pode exigir a execução e pode exercer as outras ações do vendedor; o administrador da massa concursal do comprador pode adimplir e tudo passa como se o comprador houvesse adimplido (R. JAFEE, Der Eigentumsvorbehalt beim Kauf, 88). Há a condição suspensiva mexa no acordo de transmissão. A propriedade só se transfere quando o preço for totalmente pago. Portanto: o acordo de transmissão foi condicional, a despeito da entrega; de jeito que, pago o preço, completamente, a transmissão se opera (o acordo de transmissão já se tornou eficaz para a transmissão e tradição já houve.ra). Como a transmissão, antes disso, não se opera, o inadimplemento pode dar ensejo à resolução do contrato de compra--e-venda. O pactum reservati dominii inclui-se no contrato de compra-e-venda, ou em outro, em que se prometa

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alienar a coisa, mas em verdade supõe que se haja inserido o acordo de transmissão sujeito a condição ou a termo. Não é a transmissão que se torna condicional ou a termo; é o acordo de transmissão . Nem a promessa à transmissão, nem. a transmissão mesma estão em causa: o que está em causa é o acordo de transmissão. A transmissão mesma não foi condicional. Transmissão formal condicional tem-se explícita, no direito imobiliário, a propósito da propriedade resolúvel. É preciso ter-se muito cuidado em se não confundirem acordo de transmissão da propriedade e transmissão: nada obsta a que se acorde em que se adquirirá a propriedade no dia em que se realize certa condição (e. g., se o governo resolveu não mais desapropriar o prédio); satisfeita a condição e transcrito o acordo, transfere-se a propriedade: não houve acordo de transmissão com condição para se transmitir. Quanto a móveis, a reserva de domínio concerne ao acordo de transmissão, e não ao contrato causal. Transmissão resolúvel há no direito de propriedade imobiliária, porque está nos textos legais. Aí, é a propriedade que se transmite e a propriedade (efeito da transmissão!) toma-se resolúvel, porque no acordo assim se estabeleceu, ou se estabeleceu no ato jurídico unilateral de disposição. Quando o vendedor da coisa móvel se reserva a propriedade até se lhe pagar o preço, ou todo o preço, o que se há de entender é que o acordo de transmissão é sob condição suspensiva, embora se haja entregue a coisa. De transmissão da propriedade só se há de cogitar quando a condição se implir; por exemplo, quando se satisfizer o preço. O contrato de compra-e-venda foi incondicional; o que foi condicional foi o acordo de transmissão da propriedade. Se o devedor incorre em mora, há inadimplemento do contrato de compra-e- -venda; donde a possível resolução, por inadimplemento do contrato. Uma vez que a cláusula de reserva de domínio se refere ao acordo de transmissão, e não ao contrato de compra-e--venda, os riscos da coisa passam, com a entrega, ao comprador. Porém não fica imune à exigência da caução de pagar no tempo ajustado, sobrevindo-lhe insolvência, posto que tenha havido entrega da coisa. Se o acordo de transmissão foi com condição suspensiva, só é registrável, tratando-se de bem imóvel, quando se implir a condição; tratando-se de bem móvel, há reserva de domínio. Se a condição foi o pagamento do preço, a propriedade só se transmite quando seja pago. 5)PRÉVIo EXAME DOS ARTS. 1.070 E 1.071. Na compra--e-venda a crédito com reserva de domínio, ainda não há transmissão da propriedade, pois que houve e ainda há a reserva. A aquisição ficou dependente do pagamento das prestações; portanto, sob cláusula suspensiva. Os contratos de compra-e-venda não geram, só por si, a transmissão; daí se lhes anexar de ordinário o acordo de transmissão. Na espécie da compra-e-venda com reserva de domínio, em vez de haver, desde logo, o acordo de transmissão, há o pacto adjecto, que é adjeção ao acordo de transmissão. Compra-e-venda houve e há; o que falta é a transferência da propriedade, que a cláusula suspensiva atinge. Com o solver da última prestação, o acordo de transmissão, que foi com cláusula suspensíva, se eficaciza. Nada tem isso com os pré-contratos, nem mesmo com a promessa de transmissão futura, que dependeria de novo negócio jurídico. Há automaticidade, e não apenas eficácia de novo negócio jurídico. O direito à transmissão já existia e existe, até que essa se opere, sem outra exigência que a do pagamento integral. De modo nenhum se diga que o comprador tem direito real sobre a coisa: tem posse e direito expectativo; portanto, está em relação jurídica de acordo de transmissão, com cláusula suspensiva. Nos textos dos arts. 1.070 e 1.071, há referência a ação executiva de terceiro que atinge, com a penhora, a coisa vendida, como pode haver ação que, com a penhora, apanhe o direito do comprador. Há a ação do vendedor contra o comprador que incorreu em mora, o que pode levar ao adimplemento: o que se pede é o restante, porque a sua pretensão é a de receber o preço, uma vez que vendeu sem ter tra::sfzrido a propriedade, e sua ação é de execução para pagamento de quantia certa (arts. 646-658). A respeito do contrato, a resilição é pedida se o comprador incorreu em mora e o autor, com o protesto do título, requer, liminarmente e sem audiência do comprador, a apreensão e o depósito da coisa vendida. Não se fala de ação de resolução ou resilição típica do contrato por inadimplemento, porque não foi esse o assunto dos arts. 1.070 e 1.071. No art. 1.070, § 1.0, fala-se de penhora da coisa vendida. Seria absurdo pensar-se que o vendedor com reserva de domimo pudesse penhorar a coisa. A coisa é sua. ~Como pensar-se em se penhorar o bem que é do autor da ação executiva? No caso de se haver penhorado a coisa vendida (art. 1.070, § 1.0), qualquer dos figurantes da relação jurídica da compra-e-venda com reserva de domínio pode requerer, no caso do processo, a alienação judicial em leilão. A ação, ai, foi contra o vendedor, porque com ele está a propriedade, e não com o comprador, que só tem um direito, que é o expectativo. Mas, porque é titular desse, a lei permite que ele requeira a alienação judicial em leilão. Alienada judicialmente a coisa, o comprador, que não está em mora, tem oportunidade de remir o bem comprado com reserva de domínio.

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Se o vendedor pede a penhora de algum bem ou de alguns bens do comprador, que só tem a posse da coisa vendida, no tocante a essa coisa a penhora somente pode recair no direito expectativo do comprador, dentre os outros bens que são desse. Se algum terceiro pede a penhora da coisa vendida, por ser devedor o vendedor, a constrição judicial somente alcança a propriedade, deducto o direito expectativo. Penhora da coisa vendida pode ser em virtude de ação executiva proposta por terceiro, ou, até mesmo, pelo devedor que ainda não solveu toda a dívida e, pois, não se fez dono, mas tem título executivo judicial ou extrajudicial contra o vendedor com reserva de domínio. Nunca tal penhora pode provir de ato do vendedor com reserva de dominio, porque a coisa é dele. O que ele poderia penhorar seria o direito expectativo. Assim, tanto o vendedor quanto o comprador podem requerer a alienação judicial em leilão. O produto do leilão será depositado, como objeto da penhora. Desse produto tem de ser retirado o que compete ao comprador, pelo que pagara. Quanto ao terceiro, autor da ação executiva, quem adquiriu a coisa vendida, em leilão, ou por outro meio, só adquiriu a coisa que está sujeita à aquisição pelo comprador, que pode invocar o art. 1.071, § § 1/a, 2.0, 3•O e 4•O, por analogia. Art. 1 . 070. Nas vendas a crédito com reserva de domínio 1), quando as prestações estiverem representadas por título executivo 2) 3), o credor poderá cobrá-las, observando-se o disposto no Livro II, Título II, Capítulo lV. § Efetuada a penhora6) 7) da coisa vendida 4), é lícito a qualquer das partes, no curso do processo, requerer-lhe a alienação judicial em leilão 8) 9) § 2.0 O produto do leilão será depositado, sub-rogando-se nele a penhora 5) lo) 11). 1)VENDAS A CRÉDITO COM RESERVA DE DOMíNIO. Nas vendas a crédito, com a cláusula de reserva de domínio, o vendedor pode, por meio da ação que compete ao titulo de crédito, exigir o pagamento das prestações vencidas e das vincendas. Se a ação competente se inicia pela penhora do direito expectativo à aquisição da posse da coisa vendida, qualquer das partes pode requerer, no curso do processo, a venda imediata em leilão. O produto do leilão será depositado, nele sub-rogando-se a penhora. A ação somente concerne a créditos provenientes da venda da coisa. Supõe reserva de dominio, não transferência da propriedade ao credor, em garantia: o devedor tem o usuario, tem posse, está suspenso (não sujeito a resolutividade) o seu direito à coisa “comprada”. O vendedor ou a) se utiliza da via ordinária, para a sua ação de condenação; ou b) propõe a ação, que, pela eficácia do título, se inicia pela penhora da posse da coisa vendida; ou c) propõe ação executiva especial que compete ao título; ou d) introduz a ação de apreensão e depósito. A ação c) é ação de execução com a penhora do direito (não há, aí, penhor convencional: penhora-se o direito expectativo à propriedade, e executa-se). Ação executiva, dita, aí, de excussão. Não se pode considerar ação de declaração. Pertence à mesma classe que as outras ações de execução, com a particularidade de se executarem o direito expcetativo do comprador e a posse. Se o contrato de compra-e-venda com reserva de domínio não foi registrado, existe, pode ser válido, mas falta-lhe a eficácia erga omnes que o registro lhe conferiria. 2)PLURALIDADE DE PRETENSÕES . Quando há pluralidade de pretensões, pode conceber-se o pedido como alternativo; mas, iniciado com um pedido o processo, não se pode mudar por outro. Aí, não se trata de simples mudança de forma de processo. 3)AçÃo QUE COMPETIR AO TÍTULO DE CREDITO . “Título” está ai em sentido lato, e não no sentido estrito, técnico, de títulos de crédito. Pode ser, por exemplo, a ação executiva, desde que se satisfaçam os pressupostos legais. Pode ser, ainda, a ação executiva, cambiária, constituindo a compra-e-venda com reserva de domínio negócio subjacente, sendo os títulos cambiários e cambiariformes negócios jurídicos abstratos, e não sofrendo novação aquele negócio de compra-e-venda, mas sendo sem atuação nos títulos a existência de tal negócio. A ação de recuperação da posse da coisa vendida, com reserva de domínio e com a entrega, é ação de condenação, com transformação parcial alternativa em ação executiva, se não houve pedido de moratória; e, aqui, o depósito da coisa é diferente do depósito de que se fala na ação de consignação em pagamento. Mais: é cautelar, e não executivo; nem, sequer, se há de pensar em depósito para execução. A primeira fase é de ação “preparatória” mandamental, embora posta no mesmo processo; a segunda, executiva, se houve contestação, sem se requerer a moratória por ter satisfeito os pressupostos para obtê-la, ou se não houve contestação, porque então se dá, requerida, a recuperação da fosse. No processo o autor restitui o saldo, dando-se a consignação em pagamento, se preciso.

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Na ação de execução (execução da posse da coisa vendida), para se haver o saldo apurado do preço, há ação para obter o adimplemento do contrato, mais execução ; portanto, o elemento executivo é o que prepondera: a ação é executiva. A ação para cobrança do saldo é ação de condenação. Se o autor pode invocar regra jurídica sobre ação executiva de titulo extrajudicial, a executividade passa à frente. Se houve condenação ao pagamento do saldo, a ação é actio iudicati. 4)PENhORA DA POSSE DA COISA VENDIDA. Supõe -se, aí,o exercício da pretensão de excutir, não a de executar noutros bens, ainda que entre eles se ache a coisa vendida, de modo que não têm razão os comentadores em tomar as liberdades, que espanta estejam a tomar, com a interpretação da lei, a ponto de lerem “penhora da coisa vendida” como “penhora de quaisquer bens existentes no patrimônio do devedor, inclusive da coisa sobre que versou a venda com a reserva de domínio” (1). De modo nenhum, nas ações de excussão, se penhoram outros bens. No caso, penhora-se e. usus, a posse (o domínio é do credor), como se pode penhorar o domínio reservado do credor com o respectivo direito à resilição , ou, se já nasceu, com a pretensão a resilir. O direito do credor é penhoriforme, assemelha-se ao do penhor, e há até quem. o identifique com ele, como H. KLANG. A retcnsão cominatória, se houve impugnação, como a da ação hipotecária e a da ação pignoratícia, constitui resto do beneficium excussionis realis (seu ordinis). A lei processual não revoga a lei material no tocante a esse benefício, que é integrante limitativo da pretensão de direito material para o credor e ele mesmo pretensão de direito material para o devedor. O próprio direito à penhora do bem hipotecado é direito de penhor no sentido do direito material. Bem assim, o de penhorar a coisa vendida com reserva de domínio (assim, RUDOLF POLLAX, Syst em, 905). Ambos são o direito de penhor, em direito material, convergindo, através da execução, para captar o próprio valor. Por isso mesmo, se o credor exerce a ação executiva de título cambiário , ou não, renuncia ao seu direito de excussão real, à diferença do que se passa com o credor pignoratício exeqüente , porque a lei distinguiu as vias para as pretensões, e o direito material não autoriza pensar-se noutras pretensões que as do art. 3~O, IV, do Decreto-lei n. 869, de 18 de novembro de 1938, e nas previstas em Código de Processo Civil. O Código Civil desconheceu o pactum reservati dominii. Tínhamos de ser rigorosos no construir o instituto, sob pena de cairmos em contradições e dificuldades graves, na prática. Porém, principalmente, em dia com a ciência, e não com assimilações apressadas. 5)ALTERNATIVA DE COBRAR OU EXCUTIR E REAVER A POSSE. A propositura da ação de cobrança, ainda que executiva, importa renúncia à pretensão a excluir e a reaver a posse. o autor quer o preço; e não a coisa. Não se confunda renúncia à relação jurídica obrigacional com renúncia à pretensão. O penhor, o direito de retenção e, a despeito de sua maior energia, a reserva de domínio são direitos que caem quando o crédito se extingue. Muito diferente é o que ocorre se se trespassa a propriedade do bem a outrem, para garantir dívida (seria resolutivo o pressuposto, ao passo que, nos casos de compra-e-venda com reserva de domínio, se trata de pressuposto suspendente). O vendedor pode dispor da coisa e para isso basta que receba de outrem o preço; esse terceiro recebe a coisa menos a expectativa do comprador e o seu direito à posse e aos frutos. Se alguém se diz dono da coisa, cabe a ação de reivindicação, naturalmente restringída pela exceção do comprador a ficar com a posse da coisa, em virtude da tradição condicional, enquanto continua em suspenso a condição. Se o vendedor pede o preço, sem alternativa, transforma a sua relação juridica; faz a posse engendrar, com a sua declaração tácita de vontade, a propriedade. Só os efeitos contra terceiro (não relação a terceiro!) é que dependem de registro. Não se argumente com ser a reserva garantia. A reserva é adjecta ao contrato de compra-e-venda; anexa, sim; não, porém, garantia. (~J mexa ao acordo de transmissão.) O fato de o público entendê-la como tal de nenhum modo pode alterar-lhe a estrutura jurídica. Nem se raciocine com citações, aliás não concludentes, de direito estadunidense, por se tratar de leis de direito civil ainda não evoluído ao estado de direito sistemático, mal emergente da fase casuística. Se o credor fez penhora de bens, e não da posse da coisa vendida, renuncia, de certo modo, ao privilégio, porque vai transferir a propriedade. 6)EXECUÇÃO. Há a hipótese da execução, se a ação competente se inicia pela penhora do direito do comprador, que é expectativo. Pode advir o incidente do leilão. O processo é o executivo de títulos extrajudiciais. Se a lei fala de “penhora da coisa vendida” significa penhora cio próprio direito expectativo, que gerou a posse, com todas as suas conseqúências. Alienável, como é, o direito expectativo é suscetível de ser executado. O modo de se conceber essa penhora foi objeto de sérias indagações (ARN. BRECHT, Bedingung und Anwartschaft, Jherings Jahrbucher, 61, 295 5.). ~,Que é que se penhora? Respostas: a) o direito expectativo (GAUPPSTEIN-JoNAs; W. HEIN, Duldung der Zwangsvollstreckung, 210 s.); b) a pretensão no seu todo (P. FROMHERZ, HORN, FRANCKE), principalmente o direito do devedor a ser

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pago por terceiro o débito; e) o direito ao pagamento do resto (HEíxRICH DERNBURG, LUDWIG BENDIX); d) o direito à aquisição da propriedade contra o pagamento do resto (JOHANN LAzARUS, H.LIEBRECHT). ARN. BRECHT (306) viu na espécie direito obrigacional atual, intransferível, à posse e ao uso e direito futuro ao domínio, direito, esse, transferivel. Um nada, que cresce aos poucos, diz ele; e o que cresce é o valor, no tempo, do direito futuro. O que mais importa saber-se é que se não penhora o direito obrigacional; só se penhora o direito transferivel. Penhorável ele é, quer por terceiros quer pelo próprio vendedor dono da coisa. Penhora o que não é seu. Se o credor usa do seu direito de penhorar conforme se lhe permite, subtrai a coisa à penhora por outros. Por isso se procede ao leilão “imediato”. Penhora por terceiro credores do comprador somente pode recair no que sobrar, pago o vendedor. 7)DIREITO EXPECTATIVO E PENHORA. Supõe-se que se tenha começado pela excussão da coisa vendida, não pelo pedido das prestações vencidas e vincendas, para resilição do contrato. O que vale, para ser penhorado, é a pretensão a adquirir a propriedade, o direito expectativo, de que se falou, e essa pretensão só permanece com valor se o contrato se mantém. Portanto, se não foi pedida a resilição. O que vai a leilão é o direito à aquisição da coisa, não o domínio; o dominio continua com o vendedor, e o direito expectativo com o comprador, “crescendo com as prestações pagas”. Devido à coexistência do domínio de um e do direito de outrem, se se penhora a coisa (dominio e direito expectativo), vende-se em leilão a coisa, para, com ela, se pagar o valor das prestações vencidas e vincendas, que é o valor do domínio reservado, e entrega-se o restante ao comprador, que nessa quantia terá o valor daquele direito atual e futuro que ia crescendo. Passa-se então o seguinte: o direito do comprador, uma vez penhorado, garante o direito obrigacional do vendedor; é vendida a coisa como se vende, por exemplo, a coisa indivisível de que se penhorou parte; não se precisando recorrer à construção dc que usou a Circular suíça de 31 de março de 1911 (~transformação da propriedade condicional em pura e simples, transformação da propriedade “reservada” em penhor!). 8)PEDIDO DA VENDA. Pedida pelo vendedor a penhora, por haver o devedor recusado o pagamento, faz-se a penhora do direito expectativo, sem que o autor perca sobre a coisa o dominio reservado; e o réu terá prazo legal para contestar. Mas, desde o momento em que se ultimou a penhora, é possível o pedido da venda. O juiz é que decide de haver, ou não, conveniência na venda imediata, tanto mais quanto a contestação já lhe pode indicar os pontos da questão e o despacho saneador supõe certa cognição superficial, em todo o caso eventualmente bastante para se negar a venda em leilão desde logo. Nunca nos esqueça que a ação do vendedor, com reserva de domínio, se há penhora, é ação de cognição incompleta (superficial) que se vai completar afinal. Não se dispensa, além disso, em quaisquer casos, a avaliação da coisa. Não há o leilão de que se fala, se alguém não o requereu (1X~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 24 de maio de 1943, B. J., 29, 69). A medida em caso de fácil deteriorização, ou de desvalorização, essa pode ser requerida pelo depositário, pelo Ministério Público, ou determinada, de oficio, pelo juiz. A ação de apreensão ou de depósito judicial é ação do vendedor com reserva de domínio; não pode ser atribuida ao pré-contraente vendedor, que entregou a posse (pré-contrato de compra-e-venda), nem a quem outorgou opção de compra e locou o bem (cf. 4.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 18 de agosto de 1944, R. F., 101, 512; R. dos T., 156, 755). 9)LEILÃO; REMIÇÃO E ADJUDICAÇÃO. O leilão não sus~ pende o processo, que nada sofre com o incidente. Cabe remição, como também adjudicação. A adjudicação é a do valor do direito expectativo (não a do dominio); a remição transfere o domínio ao comprador executado, desde o depósito. O leilão que se prevê no art. 1.070, § 15~, que é antes de decisão definitiva, depende de se haverem observado os artigos 652-654, 659 e outros. Pergunta-se: se o credor-vendedor fez citar o devedor-comprador e, no prazo de vinte e quatro horas, o devedor-comprador nomeou outros bens à penhora (art. 655), que bastem para o pagamento das prestações vencidas ou da prestação vencida, não pode o credor-vendedor fazer penhorar-se a posse da coisa vendida com reserva de domínio, porque o devedor-comprador é titular do direito expectativo e da posse, e o sistema jurídico brasileiro não equiparou a situação do devedor-comprador a de quem figura como devedor no crédito pignoratício, ou no anticrético ou no hipotecário, porque o art. 655, ~ 2.0, é regra jurídica especial, não suscetível de interpretação dilatante. Se o devedor-comprador nomeou à penhora o seu direito expectativo, que lhe atribuiu a posse, então se hão de atender, estritamente, os § § 1.~ e 2.0 do art. 1.070. (Mais uma vez frisemos que a referência a “penhora da coisa vendida~~ só seria acertada nas espécies em que credor do vendedor com bem com reserva de domínio fosse terceiro, ou o próprio comprador-devedor, se esse tem crédito contra o vendedor-credor.) Se foi o vendedor-credor que propôs ação contra o comprador-

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-devedor, a penhora somente poderia ser do direito expectativo, com a posse. Não se diga que o devedor-comprador, ao ter de nomear bens à penhora, possa nomear a coisa vendida. Aí, a coisa vendida ainda pertence ao vendedor-credor. O que o comprador-devedor pode restituir é a posse, porque coisa que somente foi objeto de contrato de compra-e-venda de modo nenhum passou a ser do comprador, seja tal negócio juridico com a cláusula de reserva de domínio ou sem ela. Apreensão e depósito da coisa vendida pode ocorrer (art. 1.071 e § § 1.0, 2.~, 3~O e 4.0). O art. 1.071, 3•O, acertadamente fala de poder o autor (vendedor-credor), se o réu não contestou, nem pediu o prazo para o adimplemento (§ 2.0), mediante a apresentação dos títulos vencidos e vincendos, “requerer a reintegração imediata da posse da coisa depositada”. Tudo isso já supõe ter sido arbitrado o valor da coisa (art. 1.071, § 1.0). 10) SUB-ROGAÇÃO DA PENHORA. Só se sub-roga a parte que corresponde às prestações vencidas e vincendas; não o resto do valor, que corresponde ao que o comprador adquirira (direito expectativo). Regem os princípios gerais da sub-rogação real. 11)LEILÃo SOMENTE DO DIREITO EXPECTATIIVO. Se as partes acordarem, pode ser levado a leilão só o direito expectativo, não a coisa. Aquele é alienável em separado, e já separado estava. A venda da coisa, em leilão, reengloba-os de todo. Art. 1 . 071. Ocorrendo mora do comprador 1) 2), provada com o protesto do titulo, o vendedor poderá requerer liminarmente e sem audiência do comprador, a apreensão4) e depósito da coisa vendida 3)• ~ 1.0 Ao deferir o pedido, nomeará ~ juiz perito, que procederá à vistoria da coisa e arbitramento do seu valor 6), descrevendo-lhe o estado e individuando-a com todos os característicos. § 2.~ Feito o depósito será citado o comprador para, dentro em cinco (5) dias, contestar a ação í)~ Neste prazo poderá o comprador, que houver pago mais de quarenta por cento (40%) do preço, requerer ao juiz que lhe conceda trinta (30) dias para reaver a coisa 8~>, liquidando as prestações vencidas, juros, honorários e custas. § 30 Se o réu não contestar9), deixar de pedir a concessão do prazo ou não efetuar o pagamento referido no parágrafo anterior lo), poderá o autor, mediante a apresentação dos títulos vencidos e vincendos, requerer a reintegração imediata na posse da coisa depositada 5); caso em que, descontada do valor arbitrado a importância da dívida acrescida das despesas judiciais e extra judiciais 11), o autor restituirá ao réu o saído, depositando-o em pagamento 12). 49 Se a ação for contestada, observar-se-á o procedimento ordinário, sem prejuízo da reintegração liminar 13) 14)• 1)REGRAS JURIDICAS ESPECIAIS. Em caso de mora de pagamento imputável ao comprador e desde logo provada com o título e respectivo instrumento de protesto, o vendedor pode requerer previamente a apreensão e depósito judicial da coisa vendida, independentemente de audiência do comprador. No mesmo despacho em que ordene o depósito, o juiz nomeia perito, que proceda à vistoria da coisa e ao arbitramento do seu valor, descrevendo-lhe o estado e individuando-a com todas as características, o modelo, o tipo e o número indelével, se há. Feito o depósito, o comprador é citado para, não prazo legal, oferecer a defesa. No prazo, o comprador, que pagou mais do percentual do preço fixado, pode requerer ao juiz que lhe conceda prazo legal para reaver a coisa, mediante pagamento das prestações vencidas, juros e custas. Se o réu não contesta, ou não pede a concessão do prazo legal, ou se o prazo decorre sem que seja feito o pagamento, o autor pode requerer, mediante apresentação dos títulos vencidos e vincendos, a reintegração imediata na posse da coisa depositada. Então, descontada do valor arbitrado a importância da dívida, acrescida das despesas comprovadas, judiciais e extrajudiciais, o autor restitui o saldo ao réu, pelo processo estabelecido para a consignação em pagamento. Se contestada, segue a ação o curso ordinário, sem prejuízo da reintegração preliminar. 2)MoRA DO DEvEDOR, APREENSÃO E DEPOSITO JUDICIAL DA COISA VENDIDA COM RESERVA DE DOMINIO. A ação é de restituição da posse e uso da propriedade reservada; sofre-a o proprietário futuro, condicional. No fundo, pedem-se a posse e ouso àquele que perdeu ex hypothesi o direito expectativo à propriedade. Esse direito expectativo, acessório, morre com o direito obrigacional, cuja extinção depende da mora do comprador. A apreensão, com o deposito, de que se cogita, é medida inicial, intrínseca ao pedido; não é preparatória, nem incidental. Daí repelir-se que tenha o juiz “certo arbítrio na livre apreciação”, como pareceu às Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 6 de setembro de 1950 (R. F., 144, 333). O indeferimento ou a revogação, no despacho saneador, da decisão que deu a medida de apreensão e

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depósito é conteúdo da petição inicial. N~ há a ação sem tal apreensão. (Depois de se fundar no que acima escrevemos, nos Comentários ao Código de 1939, disse o Juízo de Direito da 5•D. Vara Cível do Estado da Guanabara, a 10 de maio de 1967: “Assim, enquanto não verificada a apreensão, o feito estará impedido de prosseguir”.) O vendedor, que continua dono, opta pela ação de cobrança, ou pela ação de apreensão e depósito judicial. Aquela ação é a que compete ao título de crédito. Essa é ação executiva. Aquela também pode ser executiva. A 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 22 de agosto de 1950 (R. dos T., 188, 787), entendeu que, tendo optado pela ação de apreensão e depósito judicial, não pode o autor propor a ação de cobrança. Sim, tendo havido desistência, no processo da ação de apreensão e depósito. O título e instrumento do protesto são indispensáveis para a propositura da ação de apreensão e depósito. Quanto à ação de cobrança, pode ser condenatória ou executiva. Se a lei exige, na espécie, o protesto, título e protesto são indispensáveis. Errou em não distinguir a 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de dezembro de 1952 (E. dos T., 209, 230). 3)OUTRAS INFRAÇÕES DO CONTRATO. Somente cabe a ação de destituição da posse em caso da mora de pagamento, não de outras infrações (da obrigação de conservação, da obrigação de instalar, de apresentar a máquina e exame). Não se pode tomar liberdade com os textos da lei processual. As outras moras ou as outras infrações do contrato podem não ser líquidas. 4)PROVA DA MORA E PROTESTO. O que se tem de provar é a mora de pagamento; não o direito de resiliçào . Porque esse resulta da lei. Além desse pressuposto objetivo, há de ser provado o protesto, com o respectivo instrumento. Tem-se procurado limitar a ação aos casos de títulos de créditos, para os quais o negócio reservati domin.ii seja subjacente. Não é isso o que se há de entender. A lei processual exige o protesto em quaisquer casos. Não cabe invocar-se regra jurídica sobre mora de pleno direito. Por isso mesmo, a apreensão e o depósito se fazem non audita altera parte. A referência a protesto tem de ser interpretada no sentido de o protesto ser pressuposto necessário. O argumento da ~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 30 de janeiro de 1945 (A. J., 155; E. F., 101, 312; J. do T. de A., 25, 35), de poder tratar-se do contrato de compra-e-venda e a cláusula resolutiva operar automaticamente, é de impertinência gritante: nenhum esbulho há em deixar-se de pagar prestação de venda a prazo; nem a ação de restituição da posse prestada é ação possessória. Trata-se de ação executiva, sim, mas para restituição da posse. O protesto atende a que se exige o registro do contrato de compra-e-venda para eficácia erga omnes e a que a ação, aqui, não é a que resulta do título. Na ação condenatória ou executiva do vendedor pode acontecer que se haja de protestar, mas tal protesto é estranho aos pressupostos da ação: se é de exigir-se, é porque a cobrança do título o exige. Na de restituição da posse preceitada, não se dispensaria protesto de títulos para se ter prova da mora no pagamento, se o titulo o exige, mas o protesto, que se tem de fazer, em virtude dele, é por inadimplemento do contrato (a forma é a dos protestos pedidos em juízo). Sem razão, também, a Turma Julgadora do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, a 10 de junho de 1944 (O D., 25, 346). 5)RESTITUIÇÃO DA POSSE. A restituição da posse ocorre depois de esgotado o prazo para a contestação. N~ há restituição in limine litis. Nem se confunda a ação com a ação de reintegração de posse, como fez J. M. DE CARVALHO SANTOS (Código de Processo Civil Interpretado, lv, 444); nem se crie ação possessória de efeitos reintegrativos imediatos, que enxertariam aqui a ação de reintegração de posse, como entenderam proceder AMORIM LIMA (Código, II, 190), JORGE AMERICANO (Comentários, II, 185) e ATALIBA VIANA (Ações Especiais); certo, LUÍS MACHADo GuíIVtAI prejuízo da reintegração preliminar, havemos de compreender que se referiu aos dois casos em que, ainda contestando a ação, o comprador pode sofrer a restituição imediata na posse. Ai, chama-se preliminar a restituição por adiantamento. Aliás, ainda contestando e pedindo prazo e não solvendo, dentro dele, a divida, o comprador somente sofre a restituição se o autor apresenta os títulos vencidos e vincendos. 6) VISToRIA E ARBITRAMENTO. A vistoria e o arbitramento hão de realizar-se no ato da apreensão. São imediatos à apreensão e anteriores ao depósito, razão por que têm de ser ordenados no mesmo despacho que manda depositar. Que o “valor arbitrado” é o valor atribuído ao bem, por ocasião da apreensão, pelos arbitradores, foi assente pela 1.a

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Turma do Supremo Tribunal Federal, a 10 de setembro de 1958, firmado no que escrevêramos. 7) DEFESA E RECONVENÇÃO. A defesa é contestação. Pode o réu reconvir. 8)PRAZO LEGAL. O prazo legal é para se reaverem a posse e o uso da coisa, e não o domínio; de modo que se tem de prestar o vencido, e não o vincendo. O vencido no momento de se esgotar o prazo que a lei fixa. O vendedor continua com a sua propriedade reservada; e o comprador, com a posse. porque a propriedade é condicional. Aliás, com a apreensão . o depósito (e até restituição provisória, dita, em lei, preliminar), em nada se altera (nem a restituição provisória altera) a situação jurídica dos contraentes. Houve, apenas, pelo exame superficial do caso e as ocorrências, depósito cautelar. O juiz não tem arbítrio para se negar a marcar o prazo, nem mesmo invocando a regra jurídica sobre diminuição, posterior ao contrato, do patrimônio do devedor. No Código de Processo Civil de 1973, art. 1.071, § 2.0, repete-se o que constava do art. 344, §§ 2.0 e 3~O, do Código de Processo Civil de 1939, de modo que nenhuma relevante mudança ocorreu. Feito o depósito, cita-se o comprador para, dentro de cinco dias, contestar a ação (= oferecer a defesa). Se já havia pago mais de quarenta por cento do preço, pode requerer prazo de trinta dias para liquidar as prestações devidas, juros, honorários e custas e reaver a posse da coisa bem como, entenda-se, haver o domínio que estava reservado. A lei atual, como a anterior, fala de “reaver a coisa”. Temos de levar em consideração que o comprador, com reserva de domínio, tinha a posse e o direito expectativo, e mio o dominio, a res. Houve apreensão e depósito da coisa, que estava em posse do comprador, de modo que, feito o pagamento integral, o comprador, que tinha perdido a posse, passa a haver o dominio (a res) e a reaver a posse. processual supõe que o réu conteste, ou que o que não conteste (a diferença entre comparência e revelia é, aqui, sem relevância). Se não contesta, pode o autor requerer a entrega da coisa. Se contesta, tem de pedir o prazo legal, para evitar a restituição. Há disjuntiva implícita quanto aos dois pressupostos independentes para se requerer a restituição : “não contestar”, “contestar e não requerer o prazo”. Nada tem que ver com o pressuposto para pedir o prazo. O réu que não contesta, mas pede o prazo, escapa a sofrer a restituição provisória, que é só nos casos de não contestar ou não pedir que se lhe dê prazo. Intercalar, aí, “não contestar e não pedir que se lhe dê prazo” não traduz o que o legislador entendeu, tanto mais quanto se o “ou” funciona em lógica e na técnica de interpretação das leis, muitas vezes, como “e”, não é o que mais acontece: “basta” um dos pressupostos; e as proposições providas de negativas têm tal feição, com freqüência . “Se não vou, ou não telegrafo, caio em falta”; não caio em falta se vou e telegrafo, nem se não vou e telegrafo. “Se o réu não contestar, ou não pedir que se lhe dê o prazo” significa: “Se o réu contestar e não pedir, ou não contestar, ou n~o pedir”. Demais, o prazo é com o deferimento, sem qualquer coisa com a mora do pagamento (sem razão, Luís MACHADO GUIMARÃEs, Comentários, IV, 465), que deve ter existido, como pressuposto objetivo da ação, em qualquer caso. 10)REU QUE NÃO CONTESTOU, MAS REQUEREU DAÇÃO DO PRAZO; RÉU QUE NÃO CONTESTOU NEM REQUEREU DAÇÃO DO PRAZO. a) Se o réu não contestou, mas requereu que o juiz lhe desse prazo, espera-se que esse corra. Esgotado, se o comprador não pagou todas as prestações vencidas até o prazo expirar, pode o vendedor, com a apresentação dos títulos vencidos e vincendos, pedir reintegração imediata na posse. b) Se não contestou, nem requereu se lhe marcasse o prazo, dá-se entrega ao vendedor, se o requer. c) Se contestou, e não pediu o prazo, tudo se passa como nos casos b), exceto quanto ao processo, que prosseguirá com rito ordinário. d) Se contestou e pediu o prazo, prossegue-se com o rito ordinário e aguarda-se que o prazo decorra, podendo dar-se que, findo ele, tudo mais se passe como em qualquer dos outros casos, exceto quanto ao processo, que continua. 11)CONCEITOS EMPREGADOS. Há vários conceitos que devem ser notados: “valor arbitrado”; “importância da dívida”, importância que resta quando se subtraiu do preço o que o comprador já pagou; “acrescida das despesas”, somadas à importância da dívida. A apreensão do bem vendido com reserva de domínio faz do Estado, do juiz, possuidor mediato, e do depositário, possuidor imediato. A entrega da posse ao vendedor que, ex hypothesi, não tem posse própria, pois a prestou por se tratar de venda com reserva de dominio somente pode ocorrer após o depósito em consignação do saldo. No mesmo sentido, a 5•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 21 de abril de 1950 (R. dos T., 186, 261). A 1~a Câmara Civil, a 6 de junho de 1950 (187, 841) parece ter invertido, sem razão, a ordem. O que devemos entender é que o autor requer a restituição da posse; o juiz defere, tem o autor de fazer o depósito do saldo, se houver, antes de ser expedido o mandado ao depositário. Entregue, passa o vendedor a ter toda a posse. Essa é interpretação acorde com o principio de que não se expede mandado executivo antes de provada a contraprestação. Por outro lado, para que exista saldo e se

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saiba qual é, tem-se de ter feito o arbitramento do valor do bem (= avaliação que foi julgada) e o cálculo das despesas, judiciais e extrajudiciais, comprovadas. 12)RESTITUIÇÃO DO SALDO. A restituição do saldo pode dar-se de dois modos: a) Se houve ou se não houve concessão de prazo, e houve restituição da coisa, porém não houve processo ordinário. O autor tem de pedir que os autos sejam remetidos ao contador, primeiro, porque, se o réu não contestou nem pediu prazo, preço, dívida e valor arbitrado, despesas judiciais e extrajudiciais estão documentadas, e, se o réu não contestou e pediu prazo, a restituição só se pode ter dado findo o prazo, estando claras todas as quantias. O autor consigna a quantia, pois ficou com a coisa e o valor arbitrado excede; ou consigna-o o réu, se o valor não dá para cobrir a dívida. b) Se houve contestação, é diferente: ou a sentença confirma a restituição, ou não confirma. O autor pode ter recebido, ou não, as prestações vencidas. Desde que não as recebeu, nada tem de restituir, mas tem de restituir o em que foi condenado. Também o réu condenado tem direito à restituição do saldo. A consignação em pagamento é aplicável, se for preciso. As despesas judiciais e extrajudiciais são somadas ao valor da divida do comprador a fim de se apurar quanto o vendedor tem de restituir ao receber a coisa vendida com reserva de domínio (Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de julho de 1941, R. dos T., 133, 117). 13)RESILIÇÃO E PROCESSO ORDINÁRIO . No contrato de compra-e-venda com reserva de dominio não se precisa inserir cláusula de resibilidade por inadimplemento. Mas, se se quer prever outra causa de resilição, tem-se de conceber, expressamente, a cláusula. (Aliás, os que chamam à resolução ou à resilição “rescisão” cometem gravíssimo erro, de que as nossas leis e os livros se devem livrar.) O art. 1.071 cogitou de ação especial que leva à purga da mora ou à reintegração da posse da coisa vendida com reserva de domínio. Supõe-se ter havido o protesto do título ou dos títulos, que leva à ação, com a apreensão e depósito da coisa vendida com reserva de domínio. O Código Civil, no art. 960, diz-se que “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Não havendo prazo assinado, começa desde a interpelação, notificação ou protesto”. Mesmo, porém, que as prestações, na relação jurídica de compra-e-venda com reserva de domínio, tenham data fixa, processualmente se exige o protesto do art. 1.071, que prova a mora do devedor. Se no contrato há outras cláusulas sobre violação das obrigações, sem serem as do inadimplemento, que está na lei, tem o credor-vendedor de atender à exigência do protesto e podemos interpretar o art. 1.071 como concernente a qualquer causa de resilição do contrato de compra-e-venda com a reserva de domínio. Nas medidas do art. 1.071 (apreensão e depósito) de modo nenhum se pode pensar em reintegração liminar da posse. Nada se entrega ao vendedor-credor. Aí elas são medidas iniciais, com algo de cautelaridade, sem caráter de preparatoriedade. Já o Código de 1939, no art. 344, § 6.0, falava de “reintegração liminar”, a respeito do que, antes, chamara “apreensão e depósito”. Passou o erro ao Código de 1973, art. 1.071, § 4.Q Reintegração há na espécie do art. 1.071, ~ 39, porque o réu não contestou, nem purgou a mora, e não é preliminar. Uma vez reintegrado na posse, o vendedor-credor, que apresentou os títulos vencidos e vincendos com o trânsito em julgado se desliga da relação jurídica, e nada mais há de posse do comprador. Tudo se desfaz, até o contrato de compra-e-venda. O que persiste, a despeito do processo ter passado a ser ordinário (art. 1.071, § 4.0), é a medida que de início se tomou: a apreensão e depósito. A incolumidade é do depósito liminar tidas do valor da depreciação ou aumentadas cio valor majorado. A massa conserva o seu direito de pedir prazo. A regra jurídica tem de ser respeitada, sem que se possa atender a cláusulas contratuais em contrário. Trata-se de ius cogens (1.R Turma do Supremo Tribunal Federal, 10 de setembro de 1958, que se apoiou no que escrevemos nos Comentários ao Código então em vigor, na 1.a ed., e repetimos na 2.a.). 14)FALÊNCIA DO DEVEDOR OU CONCURSO CIVIL DE CREDORES. Já tratamos da medida preliminar. Em caso da falência do devedor, o direito expectativo do comprador entra na massa; no caso de falência do credor, entra o seu direito de propriedade reservada. O juiz tem de atender ao direito material concernente à restituição das prestações recebidas. 1)ARBITRAGEM E COMPROMISSO PARA A ARBITRAGEM. O juizo arbitral, de que aqui se cogita, é o juízo arbitral para processos civis. Nem compreende os juízos arbitrais de direito público, nem, a fortiori, os de direito interestatal ou supra-estatal, sem se afastar que os arts. 1.072-1.102 possam ser, ou vir a ser, conteúdo de alguma lei, que a eles, ou a algum deles, se refira. Estão excluídos os processos que não sejam atinentes ao estabelecimento de “paz”, e sim à constituição de negócio jurídico formal (aliter, quanto à constituição de negócio jurídico não-formal). Não seria possível recorrer-se a ele para interdição ou suplemento de idade, ou Registro Torrens. Não é verdade, porém, que todas as ações constitutivas tenham

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de ser excluídas. Certas ações mandamentais podem ser objeto de juízo arbitral. Algumas precisões. O compromisso em que figura o Estado nem sempre é de direito público. O Estado pode nele figurar como particular. Por exemplo, se se discute a propriedade de terreno, ainda que afirme a unidade estatal que se trata de terra devoluta, ou de uso público. Se se submeteu a juízo arbitral, o compromisso, na falta de lex specialis, se rego pelo código Civil e pelo Código de Processo Civil, exceto no que concerne a poderes do órgão estatal. Por outro lado, se a questão é de direito público e a lei especial, se há, é omissa quanto ao procedimento, tem-se de entender que se remeteu à lei processual comum. No que toca a instrumentos a serem constituídos, não podem árbitros se substituir a tabeliães, ou a oficiais de registro, ou a legislações ; mas nada impede que se tenha de pronunciar sobre a existência, validade ou eficácia de escrituras públicas, ou de transcrições, inscrições, averbações ou anotações em registros públicos, ou sobre a existência, validade ou eficácia de regra jurídica. O capitalismo tem festejado, em muitos Estados, a dirimência de controvérsias entre as corporações e os trustes, por meio de arbitragens sem homologação, para escapar à publicidade e à fiscalização estatal. Principalmente, à justiça de outro Estado, quase sempre à justiça do Estado mais fraco. Esses compromissos feririam a letra do art. 153, § 4~O, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, se se lhes atribuísse eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem, ou se com isso se ofendem direitos de terceiros. É de direito pré-processual a regra juridica que permite o juízo arbitral em matérias que não sejam incólumes à transação, bem assim a que se faça pendente litígio o compromisso arbitral (Código Civil, 1.037-1.048), onde estão as regras de direito material sobre o compromisso. Também é de direito pré-processual a regra jurídica que abre exceção quanto à pretensão à justiça arbitral, em se tratando de determinada matéria (e. g., Decreto-lei, n. 960, de 17 de dezembro de 1938, art. 59, que veda juízo arbitral para cobrança de dívida ativa da Fazenda). Com o juízo arbitral excluem~-se os juizes estatais, não, porém, os especiais (e. g., matéria dos tribunais de segurança pública, matéria contra cartéis ou trustes). Houve quem entendesse que o juízo arbitral é incompatível com o art. 153, § 4~O, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1; mas isso foi repelido, como devera ter sido (cf. 5.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 29 de janeiro de 1952, D. da J. de 28 de julho). 2)EFICÁCIA DO COMPROMISSO. Quanto à sua eficácia, o compromisso é negócio de direito material com eficácia negativa no direito pré-processual (exclusão dos juizes estatais) e eficácia positiva no direito processual (submissão das partes aos efeitos do laudo arbitral homologado). Se o compromisso é ligado a certo contrato, a sua validade depende da validade desse, salvo se é de interpretar-se que se quis aquele sem esse. Não é de afastar-se a promessa pública, unilateral, de juízo arbitral. Se o compromisso é para o caso de surgirem divergências na interpretação ou cumprimento do contrato, somente há compromisso enquanto há contrato. Ainda mais: tem-se de considerar que o compromisso não se confunde com o pactum de com promittendo, que é pré-contrato, nem com a promessa unilateral de comprometer-se, em que a obrigação é a de assinar compromisso. 3)CONCEITO DE COMPROMISSO. Compromete-se, em sentido técnico, quem se submete a juízo arbitral. Qualquer outro sentido que se dê a “compromisso” e extensão devida à linguagem vulgar e imprópria de juristas. No fundo, teste para se saber até onde vão os conhecimentos de quem escreve sobre direito. O com promissum era o acordo para a decisão por árbitro, ou por árbitros. Se se lhe adjectava cláusula penal, a infração gerava a ação pela pena: “Ex compromisso placet exceptionem non nasci, sed poenae petitionem” (L. 2, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant. 8). Estabeleceu-se que do compromisso não nasce exceção, mas petição da pena. A exceptio pacti ex comprOmissO teve a sua evolução. Chama-se compromisso o contrato pelo qual os figurantes se submetem, a respeito de direito, pretensão, ação ou exceção, sobre que há controvérsia, à decisão de árbitro. Entra na classe dos contratos que tém por fim a eliminação de incerteza jurídica. Também se pode estabelecer por declaração unilateral de vontade o compromisso, mas tal figura raramente ocorre.

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4) DIREITO GREGO. As partes ou os que ainda não eram partes, mas tinham entre si controvérsias, podiam, em direito grego, submeter-se a julgamento por árbitro privado, ou árbitros privados, escolhidos ditos que se distinguiram dos árbitros públicos ou impostos pela sorte, também se a questão já estava submetida a tribunal de heliastas. Era distratável o acordo (cf. DEMÓSTENES, C. Apatur, §§ 16 e 19; C. Aphob., III, § 58). 5) DIREITO ROMANO. No direito romano, as partes podiam renunciar à tutela jurídica estatal a respeito de questão pendente entre elas e pactar a nomeação de árbitro que examinasse o caso e proferisse decisão. Assim, em verdade, em todos os povos; tanto mais quanto a resolução das questões somente pelo Estado foi solução posterior à justiça de mão própria e à justiça dos árbitros. O direito privado romano teve de enfrentar o problema da não-aceitação da função por parte do arbiter. Criaram tribunal arbitral, o iudicium privatum do direito clássico, à base da litiscontestação (negócio jurídico privado, ou processual, pelo qual os interessados ou as partes prometiam submeter ao iudex a resolução de litígio). A princípio, havia a solenidade de palavras expressivas e taxativas (legis actio); depois, admitiu-se o escrito (judicium). Por onde se vê como se veio do árbitro para o juiz estatal, que independe de escolha dos interessados. O iudicium privatum constava de lista de cidadãos, dentre os quais se escolhia o árbitro. Não podia esse recusar, porque fazia parte do iudicium privatum. O estado assegurava o cumprimento dos julgados, caso não o fizesse o vencido. A arbitragem, livre de todas as peias com o Estado, perdurou. Os árbitros só eram constrangidos a julgar a causa se houvesse aceito a função. Discutiu-se se em direito romano podia ser designado árbitro o juiz ordinário. Certo, o iudex pedaneus não podia ser nomeado (L. 9, § 2, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sustentiam dicant. 4, 8), na mesma causa, por estar ligado à formula iudicii; mas a L. 3, § 3, foi expressiva: quem quer que fosse designado e houvesse recebido a arbitragem teria de desempenhar a função, qualquer que fosse a sua dignidade, salvo se, pelo cargo, não pudesse haver imperium. (Quando o juiz era nomeado árbitro, o Código Civil, art. 1.045, dispensava a homologação, se a decisão fosse proferida por juiz da primeira ou da superior instância, nomeado árbitro pelas partes; mas o Código de Processo Civil de 1939, art. 1.041, derrogou, nesse ponto, o Código Civil, art. 1.045, 2.~ parte. Hoje, o art. 1.097 do Código de 1973 seguiu o que em 1939 se estabelecera. Ainda que tenha sido nomeado árbitro juiz da primcira ou da superior instância é como qualquer outra pessoa e a lei exige a homologação.) 6)DIREITO MODERNO. O Estado não somente chamou a si a tutela jurídica, como também submeteu a exame dos seus juizes, no que lhe parece essencial, a decisão dos árbitros, no tocante a validade do compromisso e do laudo (cf.G.SCADUTO, Gli Arbitratori nel diritto privato, 137 s.). 7)EXCEÇÃO DE COMPROMISSO E EFICÁCIA DO COMPROMISSO. A existência de compromisso gera exceção de compromisse (exceptio ex compromisso) oponível nos juízos estatais. No juízo de cognição e no de execução, obsta à compensabilidade do crédito. O compromisso posterior tem de ser interpretado: se substituiu, ou não, o anterior; e, se o não substituiu no todo, até que ponto o atingiu.o compromisso não se confunde com o pacto de arbitramento, pelo qual se encarrega a alguém ou a duas ou mais pessoas (arbitradores) a solução de puras questões de fato. É nulo o pacto em que o interessado na decisão é um dos árbitros ou o árbitro. O compromisso estabelece relação de direito material entre os figurantes; a aceitação da função pelos árbitros gera o contrato sui generis, de direito material, parecido com o contrato de serviços, entre os figurantes e o árbitro. Aceita a função, não são obrigados, por direito público, a decidir, porém respondem pela falta, pela recusa, pelo retardamento etc. Não há denúncia do contrato. Todavia, pode ser inserta a cláusula de denunciabilidade cheia (= se algum fato ocorre), ou de resolubilidade por algum fato ou por alguma circunstância. O contrato é legalmente resolúvel nos mesmos casos em que o são os outros contratos bilaterais. O que se acima se disse tanto concerne ao compromisso, negócio jurídico entre os interessados na dirimência da controvérsia, como ao negócio jurídico entre compromitentes e árbitros. O compromisso tem de ser para determinada causa, ou para determinadas causas. Não vale em geral. É preciso que a respeito delas possam transigir os figurantes. É contrário à ordem pública e aos bons costumes se uma das partes foi constrangida a fazê-lo devido à superioridade econômica ou política da outra. A eficácia do compromisso é s’ó entre os compromitentese herdeiros capazes. Não era assim em direito romano; só se estendia aos herdeiros, quaisquer, a eficácia do compromisso,se a respeito se estabelecera isso no negócio jurídico (L. 27,§ 1, L. 32, §§ 3 e 19, e L. 49, § 2, D., de receptis: qui arbitrium

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receperint ut sententiam dicant, 4, 8). O processo arbitral não é processo estatal, mas processo estatalmente disciplinado, ordenado (RUDOLF POLLAX, System. 771). O Estado traça-lhe regras fundamentais, dentro das quais se exerce, com largueza excepcional, a vontade das partes. De regra, é objeto de tal processo o que envolve ação declarativa ou condenatória; são excluídas algumas ações executivas e mandamentais, bem como algumas ações constitutivas e até mesmo declarativas. (O seu recente ressurgimento é obra do capitalismo tardio.) Quem tem pretensão sem ação não pode comprometer-se se a falta da ação provém de interesse público. Na dúvida, é de entender-se que se permitiu aos árbitros deferirem medidas cautelares pendente a lide. As ações acessórias, não cautelares, são atribuidas aos árbitros, salvo cláusula em contrário do compromisso. Assegurava-se o seu respeito com o poena compromissa, para o caso de se recusar a parte a submeter-se ao juízo arbitral, ou de não estar pela decisão; e ainda até pouco o direito brasileiro usava a alternativa (cumprir o compromisso ou pagar a poena), o que constituía reminiscência do direito pré-justiníaneu, isto é, de tempo em que não se podia obter a força executiva (lato sensu!) do julgado arbitral. (Cf. LEOPOLD WENGER, Institutionen des rõmischen Zivilprozesrechts, 329; MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 31, onde os dois extratos históricos subsistem: “. . . si pars condemnata non appellaverit intra terminum a sententia arbitrali, iudex ordinarius eam executioni demandabit, sive in compromisso sit adiecta poena, sive non: sed in casu, quo poena adiecta sit, habebit condenatus electionem eam solvendi, aut parendi sententiae intra triduum a die requísitionis computandum...”). Ainda hoje, se a pena foi estipulada, se dá a alternativa, salvo se as partes a fizeram cumulativa à execução compromissal. Cumpre não se confunda essa pena com a pena convencional do negócio juri.dico, que formaria a res deducta (Código Civil, de 1916, arts.916-927), nem com a pena para o caso de apelação se com a cláusula “sem recurso” se concebeu o compromisso (Código Civil, art. 1.046), assunto que adiante se versa. A eficácia da decisão arbitral, mesmo depois de homologada, é somente inter partes. A homologação do laudo condenatório não tem efeitos anexos, como o da hipoteca judiciária (RuDoLF POLLAK, System, 781). O laudum ou arbitrium ou decisão arbitral é decisão não-estatal. A eficácia, em direito romano, fora a de pactum nudum, por se tratar de compromisso. Depois, ultrapassando-se a exceptio pacti, admitiu-se a actio in factum, em caso de laudum homologatum (~z subscrito pelas partes), ou apos a preclusão para a impugnação (cf. L. 4, § 6, O., de receptis, 2, 55). A evolução que se operou até a homologação necessária pelo juiz e a apelabilidade foi independente dos elementos romano e germânico. Outros sistemas jurídicos preferiram a ação de revogação contra a decisão arbitral, o que, tecnicamente, foi grande erro. Não se compreenderia a revogação, sem assimilação descabida à revogação das doações (e. g., Código de Processo Civil italiano, arts. 831 e 395, incisos 1, 2, 3 e 6). A terminologia brasileira, para as sentenças, é preferível (“rescisão”, “ação rescisória”), e as sentenças, que, em se tratando de arbitragem, são rescindíveis, são a de homologação e a proferida em apelação. No Código Civil, o art. 1.046 estatui: “Ainda que o compromisso contenha a cláusula “sem recurso” e pena convencional contra a parte insubmissa, terá esta o direito de recorrer para o tribunal superior, quer no caso de nulidade ou extinção do compromisso, quer no de ter o árbitro excedido seus poderes”. Em exata interpretação, tem-se: se no compromisso há pena convencional contra a parte insubmissa, ou se não há, e se está inserta a cláusula “sem recurso”, essa cláusula é nula; de modo que se pode, sempre, recorrer, de acordo com o art. 1.101 do Código de Processo Civil. Esse art. 1.101 está precedido do art. 1.100, que enumerou os casos de nulidade do laudo arbitral, fora das espécies que o Código Civil, art. 1.046, previra: “nulidade ou extinção do compromisso”, “ter o árbitro excedido seus poderes”. O art. 1.045 do Código de Processo Civil de 1939, derrogara, portanto, o art. 1.046 do Código Civil, uma vez que se referiu à nomeação de árbitros infringentes da lei ou do compromisso (art. 1.045, III), à violação de direito expresso (art. 1.045, IV), às causas que, para as sentenças estatais, seriam de rescisão e, para os laudos arbitrais, são de nulidade (art. 1.045, V), ao proferimento fora do prazo assinado aos árbitros (arts. 1.045, VI, e 1.043), a ineficacização por depósito fora do prazo (art. 1.045, VII) e à falta de algum dos requisitos exigidos ao laudo arbitral (arts. 1.045, VIII, e 1.038). Comparando-se o art. 1.101 do Código de 1973 com o art. 1.045 do Código de 1939, logo se verifica que não houve mudanças essenciais, de modo que se tem de pôr de lado, como antes se pusera, o texto do Código Civil de 1916, art. 1.046, que o Código de 1939 já havia derrogado. Teremos ensejo, diante de cada causa de nulidade, de examinar o que antes se disse e o que agora se diz. No art. 1.046, parágrafo único, do Código Civil, regra jurídica heterotópica (havia de ser incluída no Código de Processo Civil e foi posta no Código Civil), dizia-se: “A este recurso, que será regulado por lei processual, precederá o depósito da importância da pena, ou prestação da fiança idônea ao seu pagamento”. Permitiu-se a pena convencional ao insubmisso sob condição suspensiva do não-provimento do recurso.

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Haviamos de preferir a construção com a condição suspensiva, em vez da condição resolutiva, porque o depósito é em garantia. No art. 1.047, o Código Civil acrescentou: “O provimento do recurso importa a anulação da pena convencional”. A terminologia é incorreta. A pena convencional não é eficaz, porque a lei admitiu, em quaisquer casos, a recorribilidade, e o provimento do recurso torna inaplicável a pena convencionada. No Decreto n. 3.900, de 26 de junho CODIGO DE PROCESSO CIVIL (ARTS. 1.072-1.102) de 1867, art. 69, a expressão empregada fora mais feliz: “sem efeito”. No Código de 1973, o art. 1.101, parágrafo único, estatui: “A cláusula “sem recurso” não obsta à interposição da apelação, com fundamento em qualquer dos vícios enumerados no artigo antecedente; o tribunal, se negar provimento à apelação, condenará o apelante na pena convencional”. Na Itália, há mais de sessenta anos, GHIRARDINI (Sull’arbitrato, Rivista di Diritto Civile, 1910, 674 s., 679) propós explicar o laudo arbitral como produto de iurisdictio minus plena. Tal terminologia borraria as fronteiras da jurisdição e as linhas entre direito público e direito privado. Aliás, não era nova a escápula. No século XVII, o jurista português AGo5TINHo BmosA aludia à função dos árbitros como “iurisdictio quasi ordinaria”, onde ressaltava a contradição nos termos. J. J. C. PEREIRA E SousA (Primeiras Linhas, 1, 9, nota 29) andou à busca de distinguir a peça lógica do laudo e o valor da homologação estatal, quando escreveu: “Os nossos magistrados unem e’m si o poder de conhecer das causas e o de fazer executar as suas sentenças. Os árbitros. porém, não têm a jurisdição coativa, porque o seu poder somente se restringe a julgar”. E a jurisdição coativa, como ele entendia, haveria de abranger a imissão na posse, o preceiUo com cláusula ou sem cláusula, a prisão, a penhora, etc. Portanto, o laudo não tinha, sequer, a eficácia que tem a sentença declaratória da lei processual civil. A verdadeira construção científica da função do árbitro está em MANUEL GONÇALvES DA SILVA (Commentaria, 1, 22), que, há mais de dois séculos, e tão acima da “iurisdictio quasi ordinaria”, a que se referiam AGosTINHo BARBOSA, no século XVII, e GHIRARDINI, no século XX, ou “minus plena” proclamou: ..... neque iurisdictionem habent, sed tantum cognitionem”. Há o conhecer só (perito, jurisconsulto, árbitro), e o conhecer jurisdicionalmente. O árbitro conhece ajurisdicionalmente, e julga; não pode declarar forçadamente, nem constituir forçadamente, nem condenar forçadamente, executar forçadamente, nem sequer mandar forçadamente. Antes da recepção do direito romano em Portugal já havia compositores, como referia PASCOAL JosÉ DE MELO FREIRE (Institutiones, 1, 30: “In Lusitania arbitrorum usus iam ante iuris Romani receptionem inoleverat, et hic initio simplicissimus litium dirimendarum modus”). Nem podia deixar de assim ser, porque o terceiro pacificador foi fato inicial da evolução da justiça, antes do aparecimento do pacificador estatal. As Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 113, as Ordenações Manuelinas, Livro III, Titulo 81, e as Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 16, já receberam o direito romano. ~ interessante observar-se que a Constituição Imperial de 1824, art. 160, continha a seguinte regra jurídica: “Nas causas civeis e nas penais civilmente intentadas, poderão as partes nomear juizes árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionaram as mesmas partes”. Depois vieram certas regras de juízo arbitral necessário (Código Comercial, arts. 245, 294, 302, § 5~o, 348, 736, 739, 750 e 846), contra o que reagiu a Lei n. 1.350, de 14 de setembro de 1866, art. 1.0, § 1.0. Agora, a Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, art. 153, § 4.0. Uma das conseqúências do art. 153, ~ 4•O, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, está em não se poder, na legislação ordinária, pré-eliminar o exame judicial de qualquer direito individual. A propósito do juízo arbitral, ou se admite, na legislação ordinária, o recurso, ou é possível, devido à irrecorribilidade, a apreciação em ação judicial, inclusive, se os pressupostos são satisfeitos, em ação de mandado de segurança. Admitido o recurso, nos termos dos arts. 1.101 e 1.102 do Código de Processo Civil, não se pode dizer que haja infração do art. 153, § 4•O, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, por parte da lei. O único ponto em que poderia haver discussão seria no tocante ao julgamento por equidade; mas foram os próprios compromitente~, no negóciojurídico do compromisso, que preferiram o julgamento por equidade. o compromisso pode ser feito em testamento (SIEGMUNi) SCHLosSMANN, die letzwillige Schiedsgerichtsklausel, Jherings Jahrbiicher, 37, 202). O contrato é de direito material privado; a instalação do juízo arbitral ainda o é. ~ de direito público, se a pretensão de direito material (res deducta) é de direito público (cp. LEo RosENBERG, Lehrbuch, 2.~- ed., 551; RUDOLF POLLAX, System, 775).

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O que é processual é a homologação, de modo que somente com os olhos fitos nesse ato final é que se considera negócio jurídico processual o compromisso. Nada impede que as partes se comprometam para que novos árbitros apreciem a validade de laudo arbitral anterior (RUDoLF POLLAK, System, 776). 8)FATOS SUPERVENIENTES AO COMPROMISSO. (a) O compromisso não passa aos herdeiros se algum deles é incapaz. Não obsta a ele a incapacidade superveniente. Morta alguma das partes, a exceptio pende’n.tis com promissi não desaparece. (b) Durante ele pode haver transação (MANUEL GoNÇALVE~ DA SILVA, Commentaria, 1, 25); e a desisténcla, regida pelos arts. 264 e 158, parágrafo único, não exime o desistente das consequências e efeitos da violação do compromisso (direito material). (c)Também o pedido e a causa não podem ser mudados (art. 181), porém desde PEDRO r~osA. (Convinentarii ad interpretatio nem Tituli Pandectarum de iudiciis, 8) se afirmou, claramente, que, se consentem as partes (por escrito, art. 1.038 do Código Civil), os árbitros podem estender os seus poderes: “unde receptum est”, escreveu PEDRO BARROSA, “quod de consensu partium potest arbiter cognoscere de aliis caussis, et rebus non comprehensis in compromisso”. Também o diz MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentaria, 1,25). No que PEDRO BARROSA e MANUEL GONÇALVES DA SILVA disseram há ambiguidade. Somente pode o árbitro ou somente podem os árbitros conhecer o que foi determinado como matéria sujeita ao exame e julgamento. Os árbitros não podem estender a sua cognição a outras questões que as previstas pelo negócio jurídico do compromisso. O que eles chamaram “extensão” não seria mais do que o percurso dentro do que foi considerado controvérsia a ser dirimida. A determinação é que não precisa ser pelo enunciado de cada controvérsia. (d) A discutida questão da reconvenção foi, no direito luso-brasileiro, excelentemente resolvida por PEDRO BARROSA (Commentarío , 8 s.): em principio, não se admite a reconvenção, que é outra ação, e admiti-la seria admitir-se a prorrogação de competência no juízo arbitral (o que seria absurdo), portanto, prescindir-se do consentimento para novo juízo arbitral; se as partes consentem (com a forma escrita!) “si reconventio fiat coram arbítrio, de utriusque partis consensu”, vale, e então ela se funda, não em prorrogação, porém na força de novo consenso das partes e de novo compromisso: “non in vim, prorogationis, sed in vim novi consensus et compromissi”. PEDRO BuosA foi ao âmago da questão: aí, rigorosamente, não há reconvenção, há nova convenção, em virtude da generalização do compromisso; em vez de reconvenção, que pode supor outras partes convém quanto à ação e a outra ação, ambas com a mesma origem de competência, que foi o compromisso. “Reconventio non potest considerari tanquam prorogatio legalis, quam ipsa inducit invitis partibus, etiamsi adesset utriusque partis consensus”. Se o árbitro é juiz estatal, e seria competente para a nova ação, entendia BATISTA FRAGOSO (RegiminiS Reipubiicae Christianae, 1, Livro 5, disp. 14, ns. 25 e 26) que a reconvenção caberia. Cf. MANUEL GONÇALvES DA SILVA (Commentarza, 1, 26). Mas atenda-se que o juiz estatal, feito árbitro, se privatiza, pelo menos no sistema de hoje, à diferença do Decreto n. 3.900 de 26 de junho de 1867, art. 60, que mantinha a natureza publicistica do juiz estatal escolhido: “A sentença arbitral proferida pelo juiz.., quer como árbitro único e comum das partes, quer intervenha qualquer deles somente como árbitro nomeado por uma delas, será executada independentemente de homologação”. Tal privilégio, que outra coisa não era, ainda se encontrava no art. 1.045 ao Código Civil que foi derrogado na parte final. O Código de 1973, como o de 1939, nenhuma distinção faz. O juiz estatal, nomeado árbitro, é árbitro, juiz privado, como qualquer outra pessoa escolhida. Urna das conseqüências de não haver mais, no Código de 1973, como não havia no anterior, diferença entre o árbitro, que também é juiz estatal, e o árbitro, que o não é, está em que não mais se pode pretender que se atente à sua categoria para se saber qual o juízo para o qual se apela, nem se há, ou não, recurso. É de crer-se que a estatui a ação do árbitro, se o árbitro é juiz estatal, tenha entrado em Portugal pela lição imitativa do padre BATISTA FRAGOSO, na disp. 14, n. 25, que recebeu, de FELINO, de J. MENÓQUIO e de CAMILO BOREL. As Ordenações Filipinas, Livro III, Título 16, § 3, apenas diziam: “E poderão as partes tomar por seu juiz árbitro o Juiz ordinário, ou delegado”. Tal como as Ordenações Manuelinas, Livro III, Titulo 81, § 3, e as Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 113, § 8. Portugal não a tinha, porque em Portugal, antes da recepção do direito romano, os juizes estatais não estavam privados de ser escolhidos para árbitros. Com a recepção, a dúvida surgiu (tese lusitana, antítese romana) e não se buscou a síntese tortuosa do privilégio, que foi a estatalização do juiz privado. No século XIII, provavelmente, D.Dinis manteve a tese lusitana, no citado § 8: “E porque segundo Direito não pode ser tomado por Juiz Alvidro aquelie, que he Juiz Ordinario ou Deleguado, entre aqueilas partes, que o escolherem por Alvidro,

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esto nom embarguante foi antiguamente uzança geral em estes Regnos o contrario; Mandamos que se guarde a dita uzança antigua, e que livremente possam as partes escolher por seu Juiz Alvidro (sic) aqueile que for seu Juiz Ordinario ou Deleguado, ainda que o Direito Commuum aja estabelecido o contrario, como dito he”. (e) Pode o árbitro condenar em frutos, após a lide percebidos, e nas despesas (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 26). Quanto ao atentado, também é possível que dele conheçam os árbitros; mas <~,a aplicação da pena de não ser ouvido o atentante não pode ser por ato deles? A decisão somente concerne a ter de voltar-se, ou não, ao estado anterior, o que ~ decisão que tem de ser homologada, para que se dê a eficácia adequada, e de homologação também depende aquela parte da decisão em que se deixe de ouvir o atentante até que purgue a mora. Assim, não há limitação ao poder de julgar, e da homologação cabe recurso. Se surge alguma questão, que seja matéria de ação declaratória acidental, como a de falsidade de documento, a decisão tem de ser homologada, e também aí há de ser respeitado o prazo do art. 1.099 do Código de Processo Civil. Quanto aos embargos de terceiro, somente se admitem quando se inicia a eficácia mandamental ou executiva da decisão homologada, porque somente nesse momento começa a possibilidade de ofensa a direito ou posse de terceiro (arts. 9)INCIDÊNCIA E APLICAÇÃO DA LEI, ARBITRAGEM E COGNIÇÃO . Nas ações de cognição, a procura de conclusões exige série de raciocínios, que apliquem a lei, e sejam a afirmação de que a lei incidiu. Esse trabalho, que é feito pelo juiz, de modo nenhum se diferença dos outros raciocínios, que os outros homens, em iguais níveis de inteligência e cultura, realizariam. O cientista somente se distancia deles, e dos juizes, pelo rigor dos seus métodos e pelo material das suas pesquisas, em que, de regra, não há interpretação de leis feitas pelos homens (aplicação das leis). Assim, a atividade do juiz, na matéria de cognição, é a mesma que exercem os outros homens, principalmente os jurisconsultos e os advogados. Os jurisconsultos, desligados é de supor-se do Estado e dos clientes, e os advogados, a serviço dos interesses dos seus clientes, são os extremos típicos, teóricos, entre os quais fica o juiz. Outra figura é a do juiz alterador autoritário da lei, o Praetor, que hoje não temos, posto que se assista a certa criação mecânica do direito. A diferença de valor entre o parecer do jurisconsulto, a petição ou minuta (postulações) do advogado e a sentença do juiz está, precipuamente, em que o valor do parecer só se afere pela ciência, o do trabalho do advogado, pelo que é de ciência e pela eficiência prática (arte de defender), que pode afastar-se da pureza do raciocínio científico, e o da decisão do juiz, pelo valor da ciência se e enquanto não se impõe pelo elemento característico da jurisdição, elemento tipicamente estatal, que é o poder de decidir. Com a coisa julgada formal, esse valor extracientífíco prevalece, ainda que errada a aplicação da lei ou a apreciação dos fatos. Noutros termos: ainda que cubra a verdade. A ação de nulidade de sentença tem por fito evitar que se decida sem observância de pressupostos necessários. A ação de rescisão de sentença, o de permitir reexame da matéria em circunstâncias especiais, que se hão de atender a despeito do trânsito em julgado. A homologação do laudo arbitral é apreciação limitada do laudo; o recurso, exame da homologação, com eventual descida à matéria julgada. A função do juiz chamado arbitral é resíduo de eras primitivas, antes da estatalizaçao da justiça. A técnica acomodou-a aos novos tempos. No processo do julgamento arbitral, podem ser vistos os estratos de épocas imensamente distantes uma das outras: a) o tertius, não-estatal, que junta as mãos dos contendores (arts. 1.080-1.084); b) desde o julgador, que revela a regra jurídica no momento de a aplicar, até o Praetor, com a aequitas (art. 1.100, VI), ou até o juiz adstrito à lei (art. 1.100, II); c) a superposição do Estado, com o seu processo e o seu juiz homologante (arts. 1.096-1.102). O árbitro tem a sua escolha disciplinada pelo Estado e regulada pelo Estado, no direito material. Não se pode dizer que o Estado só se tenha interessado pelo resultado da sua atividade (a decisão). Interessou-se por sua criação. 10)COMPRoMISSo E DIREITO MATERIAL. O compromisso judicial é instituto de direito material. Entra na classe dos chamados contratos processuais, que têm por fito eficácia em processo futuro ou pendente, de modo que a outra parte tenha de sofrer a eficácia, positiva ou negativa, da decisão arbitral, prevista pelo contrato. São poucos os casos em que tais contratos ou pactos valem ou são eficazes. Os pactos sobre o valor da prova, que o direito comum admitia, hoje são repelidos (não os confundamos com as cláusulas de determinação do objeto dos contratos, que defeituosamente se redigem como cláusulas de prova, e. g., “consideram-se seguros contra fogo os objetos que, segundo prova escrita, se achem no lugar do sinistro”, “fica entendido que o recibo do pagamento do mês de dezembro compreende a quitação de quaisquer dividas até então”).

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O compromisso, contrato de direito material (e. g., privado), é reconhecido e disciplinado pelo Estado, e a sua eficácia consiste em impedir a constituição da relação juridica processual, ou em eliminar o processo (extinção do processo, art. 267. VII). As partes, futuras ou atuais, deferem a árbitros a decisão, em vez de ir o autor entrar em relação juridica processual com o Estado, provocando a angularidade da relação jurídica processual. Se a relação jurídica processual já se iniciara, tem-se de pôr termo a ela, eliminando-se a relação jurídica processual estatal, em toda a extensão do que se atribui a julgamento do juízo arbitral. A angularidade é essencial ao juízo arbitral; mas essa essencialidade não exclui o árbitro nos juízos dúplices (e. g., árbitros para as ações divisórias, típicos iudici duplicia). O compromissum plenum, como a L. 21, § 6, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8, chamava ao compromisso para todas as controvérsias que surjam entre os compromitentes, infringiria, no direito brasileiro, o art. 1.039, 1.a parte, do Código Civil, e o art. 1.074, III, do Código de Processo Civil de 1973. Assunto à parte éo dos compromissos interiores. No fundo, compromisso é renúncia ao juízo estatal, à processualidade estatal da relação jurídica entre as partes e a pessoa que tem, em virtude do seu estatuto, a cognição. Daí nascerem ao que foi contraente em compromisso, ou ao que tem, oriunda de compromisso de outrem, a pretensão ao juízo arbitral e a exceção de compromisso, que está ao lado da exceção de incompetência e da exceção de litispendência, sem se confundir com elas. A exceção de compromisso pressupõe menos e mais do que a competência de outro juízo estatal, ou a pendência da lide noutro juízo estatal, pressupõe ter-se renunciado ao juízo estatal. 11)REFERÉNCIA A ÁRBITROS E PLURALIDADE DE ÁRBITROS . Se a nomeação dos árbitros foi deixada para mais tarde, por outro ato dos compromitentes, é questão de interpretação saber-se se houve compromisso, ou somente pactum de compromittendo. Em geral, esse pacto é válido (cf. W. ANDRÉ Gemeinrechtliche Grundzilge, 1. der Schiedsgerichte, 2. des Wasserrechts, 29-33). Alguns juristas, B. WrnnsCHEID (Lehrbuch, II, 9.~ ed., 851) à frente, entendiam que se trata de pactum de comproinittendo, mas essa generalização é de afastar-se. Se foram designadas as pessoas dentre as quais se há de escolher o árbitro, ou se hão de escolher os árbitros, está satisfeito o art. 1.039 do Código Civil, verbis “os nomes, sobre-nomes e domicílio dos árbitros”, bem como o art. 1.074, II, do Código de Processo Civil, e há portanto compromisso. Se falta qualquer designação, o compromisso ou infringe a lei, ou não é compromisso, mas sim pacto de compromitendo. Na dúvida, tem-se como pacto de compromittendo. Passemos a distinção que é da maior importância. 12)Dois NEGÓCIOS JURÍDICOS DISTINTOS: O COMPROMISso E O CONTRATO ARBITRAL. Quem se compromete promete submeter-se a juízo arbitral, a alguém que também promete submeter-se. Os árbitros designados não têm dever de julgar, porque não se submeteram a isso, de modo que é preciso existir relação jurídica entre os compromitentes e os árbitros, ou entre os compromitentes e o árbitro. Daí a necessidade do negócio jurídico arbitral. Os dois negócios jurídicos, o do compromisso e o do receptum, de ordinário se reúnem no mesmo instrumento. Quando no art. 1.039, 2Y~ parte, do Código Civil, e no art. 1.074, II, do Código de Processo Civil de 1973 se diz que o compromisso há de conter os nomes, sobrenomes e domicílio dos árbitros, de modo nenhum se há de entender que os dois contratos tenham de unir-se, ou que só seja compromisso o que satisfizer essa exigência de mencionar os árbitros e os seus domicílios. O art. 1.039, 2.~ parte, do Código Civil, como o art. 1.074, II, do Código de Processo Civil, concerne ao quod plerum que fit. Como pressuposto necessário só se há de considerar o saber-se como se designam os árbitros (cp. MoNGALVY, Traité de l’Arbitrage, 231). Se, por exemplo, o negócio jurídico de compromisso é feito por termo nos autos e homologado pelo juiz, e nele foi determinado como se escolheriam os árbitros, o negócio jurídico com os árbitros não fica subordinado à tomada por termo nos autos e à homologação. O negócio jurídico entre os compromitentes e os árbitros ou o árbitro pode ser anterior, simultâneo (unido ou não), ou posterior ao compromisso, ou ao próprio pacto de compromitendo. Conforme o que acima dissemos, temos de tratar separadamente, no sistema jurídico, os dois negócios jurídicos,o do compromisso e do contrato arbitral. O quc mais acontece é que se juntam no mesmo instrumento. 13)NECESSARIEDADE E VOLUNTARIEDADE DO COMPROMISSO. A distinção entre árbitros necessários e voluntários, aqueles, legais, esses, testamentários ou pactícios , leva a certa equivocidade que devemos evitar. É preciso que se não confunda a necessariedade do compromisso com a necessariedade do árbitro. Pode o compromisso ser necessário (= tem-se de sujeitar a juízo arbitral), sem que o sejam os árbitros (= a despeito de ser necessário o compromisso, os árbitros são de escolha dos

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que ao juízo arbitral se têm de submeter). Pode o compromisso não ser necessário, e ser necessário o árbitro, ou serem necessários os árbitros. Em todo caso, a L. 5, pr., C., de receptís, 2, 55, fala doe árbitros, como a L. 16, C., de iudiciís, 3, 1, a respeito da necessariedade do compromisso. Disseram-se, depois, arbítri necessarií, em contraposição aos voluntario, mas ressalta a equivocidade, tanto mais quanto, hoje, há casos freqüentes de necessariedade do árbitro. Entre os compromitentes e o árbitro há relação jurídica que diríamos processual, em senso latissimo porém essa relação jurídica não é de direito público, como a relação jurídica processual entre autor-Estado e Estado-réu. A respeito cabe dar-se noticia de que, se houve quem pretendesse “publicizar” a natureza da função do árbitro (P. FEDozzí, TiArbitrato, 39), a ponto de o fazer paraestatal, ou estatiforme, também houve os que exagerassem a tendência oposta e fossem além da afirmação da natureza privatística do árbitro: o árbitro, em vez de ser o tertius privado, que decide, seria o tertius privado que “declara” a vontade das partes (ALFREDO RoCco, La ,Sentenza civile, 38 5.). O laudo não seria decisão, por cima das comunicações de conhecimento e das comunicações de vontade feitas pelas partes, mas declaração de vontade, no lugar da que falta (a das partes). Segundo essa construção, o árbitro estaria rebaixado a tertius que “não julga”: apenas integraria a vontade incompleta das partes “começada” no compromisso. O árbitro ficaria abaixo do jurisconsulto e do perito, o que explicaria poder declarar conforme a eqúidade . É patente a sem-cerimônia de tal concepção, que aberra da história e da sistemática do instituto. O laudo é peça de lógica jurídica, de cognição: há, nele, todos os elementos internos das sentenças, assim os de comunicação de conhecimento como os de resposta às comunicações de vontade, O elemento “declaração de vontade”, que há nele, nada tem com o conteúdo do laudo: é apenas o elemento “declaração de vontade” que há em toda entrega de prestação de cognição com função de decidir. Exatamente no juízo arbitral isso só se integra com a homologação estatal, porque ao árbitro falta o poder público. Quando o laudo está homologado, o laudo contém a peça lógica da cognição e está contido na prestação jurisdicional, casca de poder que o juiz estatal lhe conferiu. Isso nada tem de mágico, como ironizaram A. LAINÉ e P. FEnozzí; ou, se tem magicidade, é a que nos surpreende em tudo que mistura milênios e séculos. No juízo arbitral, ainda no moderníssimo escritório de um truste ou de um cartel, tropeça-se com ossadas pré-históricas, restos do homem primitivo e antigo que, dentro de nós, ainda quer resistir, em sua teimosia, a inevitáveis transformações. (Se o compromisso, in casu, é de direito público, a relação jurídica entre árbitros e partes também o é.) A homologação do laudo arbitral estataliza. Mas tal estatalização é apenas ex nunc: com ela, obtém-se o que falta ao laudo, que é o seu atendimento pelas partes e por outras pessoas, como o registro, ou qualquer outro ato que signifique observância de mandamento, ou a execução forçada. (d) O direito processual contemporâneo aproveitou antigos fracionamentos da cognição e criou novos, de que é exemplo insigne o recurso extraordinário por inconstitucionalidade da lei. Nada há de anti-sistemático em se permitir o laudo arbitral e se exigir a homologação. Poder-se-ia dispensar, reconhecendo-se o laudo como pronto, embora sem poder jurisdicional, que lhe desse o uso da força. Então, em vez de depender do ato jurisdicional, o laudo inde penderia dele, sem que isso importasse fazê-lo “igual” à sentença. A política dos Estados que exigem a homologação tira a independência do laudo e confere-lhe valor jurisdicional: ou ele existe e é eficaz com esse valor, ou existe e não é eficaz. Outros sistemas jurídicos deixam o laudo entregue à sua sorte privatística, apenas regulando a eficácia negativa no processo futuro ou pendente (plano processual, por isso mesmo publicístico). Não se pode equiparar o árbitro à pessoa (privada) que prende em flagrante delito: essa exerce função pública, segundo a lei. Nem sequer, ao que A e B encarregam, no momento de algum dano, de compor a situação, satisfazendo C a ambos e, pois, consultando-os: C não é árbitro, e busca encontrar o divisor comum das vontades de A e de B. Se alguma das partes, que se comprometeram, é chamada a juízo e não opõe, in limine litis, a sua exceção de compromisso, a competência do juiz estatal não sofre exclusão: porque compromísso e renúncia privada, excepcionalmente permitida, à jurisdição estatal; e não-uso da exceção de compromisso é renúncia à renúncia Não se pense, aí, em prorrogação da competência do juiz estatal. Foi, e é, competente, ex hypothesi; o compromisso é que excluiria a jurisdição (conceito diferente do conceito de competência), e não a excluiu. Se o compromisso foi celebrado pendente a lide, exclui-se, pelo negócio de direito privado, de eficácia excepcionalmente permitida em direito processual, a jurisdição, porém uma vez terminada a exclusão (ex tunc), ou decretada a sua nulidade (ex tunc), ou declarada a sua inexistência, ou pronunciada a sua ineficácia (ex nunc ou ex tunc) prossegue-se no juízo estatal, como se passaria com o juízo afastado pela litispendência de processo de outro juízo. Imagine-se que tenha sido homologado o laudo arbitral e havido

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apelação, de cujo provimento resultou a decretação de nulidade do laudo, por ter sido nulo o compromisso, se o nomeado árbitro não o podia ser, ou foram nomeados sem observância da lei ou de contrato. Aí, há a sentença do art. 267, VII, em que se fala da extinção do processo pelo compromisso arbitral. O compromisso judicial foi, como a lei exige, por termo nos autos perante o juiz ou tribunal por onde corria a demanda. Em termo nos autos (art. 1.073, 1.a parte) pode ter sido a causa de extinção da relação jurídica processual. A presença do juiz ou tribunal por onde corre a demanda faz a extinção do processo algo de sentença; donde a apelabilidade (arts. 267, VII, e 513, que ao art. 267 se refere sem qualquer limitação). Quando o juiz assina o termo nos autos julga sem apreciar o mérito. Os princípios sobre jurisdição levariam a conclusão diferente; todavia, tem de ser levado em conta que a exclusão privatística da jurisdição não a corta, apenas a afasta. De modo que a exceção de compromisso mais se assemelha à de incompetência e à de litispendência do que àde não-juiz. O juiz estatal não deixa de ser juiz: continua sendo-o, razão por que a favor dele se dá a prorrogação. A apelação, em caso de juízo arbitral, rege-se pelos mesmos princípios que as outras apelações. Em grau de apelação é possível a retratação do art. 350 (PEDRO BARBOSA, Commentario, 354, com apoio em BAuo DE UBÁLDIS e em PAULO DE CASTRO): “in gradu appellationis potest doceri de errore confessionis”. Os arts. 350, parágrafo único, 351-354 são irrecorriveis. Interesses de ordem moral, ou não-suscetíveis de transação, não podem ser objeto de compromisso. 14)JUDIcIALIDADE E EXTRAJUDICIALIDADE. O compromisso diz-se judicial quando se faz em juízo, por termo nos autos (não por escrito que se junte aos autos, seguido de homologação, espécie a que o Código Civil não se referiu, e foi repelida por haver inconvenientes práticos), ou quando, em virtude de lei, haja de ocorrer em juízo. Extra judicial é o compromisso que se conclui fora de juízo. (As duas expressões “judicial” e “extrajudicial” estão, aí, em sentido de ocorrido em juízo e não ocorrido em juízo. De modo nenhum, em sentido de função. É como se, referindo-nos a acidente de automóvel que se deu na floresta, f alássemos de acidente “florestal” e ao que aconteceu na rua da cidade chamássemos “extraflorestal”. A promessa de arbitragem pendente a lide, nos autos, é dita judicial; é extra-judicial se fora da lide, isto é, sem ligação com o pleito. Por isso mesmo, o compromisso que se conclui fora dos autos, embora haja lide, é extrajudicial. Se sobrevém laudo, tem de ser levado a juízo, e então não houve compromisso nos autos e sim laudo, que pode ser levado a juízo, para homologação. A lide nova sofreu durante o tempo que decorreu entre a conclusão, extra-autos, de compromisso e a apresentação do laudo, a despeito do processo pendente. O pedido de homologação não suspende processo, porque não se há de considerar implícito no pedido de homologação o de suspensão do processo, conforme o art. 265, II, do Código de Processo Civil. No momento em que se homologa o laudo é que se extingue a ação no sentido do direito material do demandante contra o demandado. O direito brasileiro somente tem compromisso dito judicial se por termos nos autos.) No Código Civil, art. 1.038, alíneas 1.a e 2.a; está estabelecido: “O compromisso é judicial ou extrajudicial. O primeiro pode celebrar-se por termo nos autos, perante o juiz ou tribunal, por onde correr a demanda; o segundo, por escritura pública ou particular, assinada pelas partes e duas testemunhas”. Mas há, hoje, o art. 1.073, que foi inovação no campo do art. 1.038 do Código Civil. É preciso que se não confunda homologação do compromisso por termo nos autos, conforme o art. 267, VII, decisão pela qual o juízo dá por extinta a relação jurídica processual estatal, à semelhança do que se passa com a transação e a desistência, cf. Código de Processo Civil, arts. 2.0 e 267, VIII, com a homologação de laudo arbitral (arts. 1.096 e 1.097). Aquela, referente ao negócio jurídico do compromisso, apenas é referente à relação jurídica processual estatal: essa é para a eficácia da sentença arbitral, segundo os princípios que adiante se expõem. 15)CoMPROMIsSOs EXTERIORES E COMPROMISSOS INTERIORES. Se o compromisso estabelece que a decisão há de ser homologada, ou é de entender-se, dispositiva ou interpretativamente, que o estabeleceu (ainda se proferida por juiz de primeira ou superior instância, não só “segunda”, como estava no derrogado art. 1.045 do Código Civil), o compromisso e a arbitragem dizem-se exteriores. Se, em vez disso, se dispensou a homologação, são chamados compromissos interiores. O problema maior, naquilo que tange aos compromissos e arbitragens interiores, é o que concerne à executabilidade forçada. Sempre que seria necessária, para se obter a eficácia da decisão, a intervenção do Estado, não Iha dá esse, nem lha pode dar, perante a lei (Código Civil, art. 1.045), porque falta a

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homologação. Temos aqui de considerar que, durante a lide, pode uma das partes alegar que preexiste, a respeito da res iii, iudiciurn deducta, compromisso. Então, quem o alega tem de prová-lo, e prova-o com a juntada do instrumento, ou certidão, ou pública-forma, ou cópia fotostática. Não há, ai, algo de homologação, porque não se fez por termo nos autos: o juiz tem apenas de julgar se a relação jurídica processual estatal se há de desconstituir pela procedência da exceção de compromisso. O pacto de com promittendo também gera essa exceção. Para obrigar ao contrato de compromisso, há a ação do art. 641 do Código de Processo Civil e a de condenação à pena. Nada obsta a que se invoque o art. 641 do Código de Processo Civil (B. WINDESCHEID, Lehrbuch, II, 9.~ ed., 851, a despeito do que se dizia em contrário). Lê-se no art. 1.045 do Código Civil: “A sentença arbitral só se executará depois de homologada, salvo se for proferida por juiz de primeira ou segunda instância, como árbitro nomeado pelas partes”. Não se disse que não se pode firmar compromisso sem a necessidade da homologação disse-se que a sentença só se pode executar (em sentido amplo de ter cumprimento) depois de homologada. Sem a homologabilidade, a decisão arbitral é sem a tutela jurídica do Estado. Já assentamos que o art. 1.045 do Código Civil foi derrogado na parte em que permitia a execução da sentença arbitral, independentemente de homologação, se o árbitro era juiz. Quanto aos compromissos interiores, em que se regula o que há de ser matéria estatutária ou regulamentar privada, em verdade não substituem eles à justiça estatal a justiça particular ou arbitral. Assim, as sanções podem ser morais, ou de simples desligação (e. g., eliminação de sócio), ou disciplinares (e. g., suspensão do sócio). O poder disciplinar é de reconhecer-se a quaisquer sociedades, em relação a seus sócios, ou a empresas, no tocante a atos dos seus fregueses ou freqüentadores . Desde que aqueles ou esses aderem às regras privadas o compromisso se conclui entre eles e as sociedades ou empresas. As multas são permitidas, mas para que sejam executadas forçadamente, é de mister a homologação, ainda nas espécies que se previam pelo art. 1.045, 2Y- parte, do Código Civil. Por isso mesmo, a publicidade, que se dê às decisões que se refiram a atos reprováveis de alguém, pode ser tida como difamatória. Não basta terem os interessados admitido, previa-mente, a publicação, porque se há de entender que se submeteram à publicação das decisões justas, e a nenhum direito individual pode ser retirada a tutela jurídica de que cogita o art. 153, § 4~O, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1. As advertências, repreensões ou reprimendas, ou censuras são de acolher-se. Bem assim, a recusa, da parte da sociedade ou empresa, de prestar algum serviço, ou de vender, locar ou emprestar. A expulsão ou eliminação e a suspensão constituem medidas que se prendem ao vínculo entre os interessados e se podem conceituar como efeitos de condições resolutivas. As repreensões e os avisos, se apenas se operam no interior da sociedade, de modo nenhum precisam de exame estatal, salvo se o exigem os estatutos, ou outra regra jurídica interna, ou lei referente a tais infrações de regras jurídicas internas. Quanto às sanções pecuniárias, só se podem exigir se a entidade está de posse de valor pertencente ao condenado e se a cláusula de dedução da multa não envolve, pelas circunstâncias, autotutela executiva contrária à estatalidade da execução forçada. No que toca à vedação de acesso, é preciso que haja subordinação do condenado a sanções de proibição de ingresso e a prova de que se deu a infração suficiente. Isso não quer dizer que não possa ser invocado o art. 153, § 4•o, da Constituição. Por sua natureza, o compromisso é negócio jurídico, quase sempre bilateral. São-lhe extensivas algumas regras jurídicas sobre a transação (Cita. Fa. vox GLUCK, Ausfiihrliche ErlÉiuterun.g der Pandecten, VI, 72; Código Civil, art. 1.048: “Ao compromisso se aplicará, quanto possível, o disposto acerca da transação (arts. 1.025 a 1.036)”; cf. Código Civil espanhol, art. 1.821). A remissão do Código Civil, art. 1.048, aos arts. 1.025-1.036 há de ser recebida em termos. Quem transige não se compromete; não se submete à decisão de alguém. Quem se compromete não transige, porque exige o julgamento sem nada conceder. Por isso mesmo poderes para transigir não envolvem poderes para assinar compromisso; nem poderes para assinar compromisso implicam os de transigir. A semelhança é por exclusão, em ambos os negócios jurídicos, da jurisdição estatal, mas, ainda ai, não é completa: a) a transação, feita em juízo, precisa de homologação para se cumprir; aliter, se extrajudicial; b) o compromisso, para que seja cumprido forçadamente, tem de ser homologado. Apenas, entre os dois institutos ficam os compromissos e as arbitragens interiores, cujas variantes são, por isso mesmo, dignas de exame à parte. O compromisso e a transação são negócios jurídicos indivisíveis (Código Civil, art. 1.026). Só aproveitam ou prejudicam os que se comprometeram ou transigiram (art. 1.031). Não perimem a ação penal (art. 1.033). Ambos somente têm por objeto direitos, pretensões, ações e exceções de ordem patrimonial (art. 1.035).

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16)CLÁUsULA COMPROMISSORIA . A cláusula com promissória (e. g., “as controvérsias que surgirem na interpretação ou execução deste contrato serão submetidas a juízo arbitral”) é contrato de compromisso, ou, mesmo, negócio por declaração unilateral de vontade (e. g., inserta em títulos ao portador), em que ainda não se determinou a demanda, ou não se determinaram as demandas que têm de ser decididás por árbitros. O compromisso é o contrato, dificilmente o negócio jurídico por declaração unilateral de vontade, em que já se determina a demanda submetida ao juízo arbitral. A. eventualidade é que dilata em cláusula, aplicada a demanda apenas determináveis, o pacto de compromisso. 17) DIVIDAS FISCAIS. A cobrança de dívida fiscal não é suscetível de compromisso (Decreto-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, arts. 59 e 76). A convenção das partes, a esse propósito, é nula ipso iure (nulidade de direito material, Código Civil, art. 145, II; Supremo Tribunal Federal, 16 de junho de 1942, D. da J., de 24 de novembro e 17 de outubro de 1942, 3011 e 2984, dois acórdãos). Todavia, a lei especial pode submeter controvérsias de direito fiscal a arbitragem. O Poder Executivo, só por si, não pode assinar compromisso arbitral. 18)INCOMPROVIETIBILIDADE E INEFICÁCIA. O art. 1.077 fala de extinção do compromisso, não da nulidade. A nulidade do compromisso é, de ordinário, assunto de direito material, e não de direito processual, e. g., os pressupostos formais (2.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Paraná, 25 de janeiro de 1944, Paraná J., 39, 407); ou sobre o que se refere a ser a divergência, por sua natureza, subordinável ao compromisso. Todavia, há o art. 1.074 que aponta causas de nulidade. Porque a divergência se passa, necessariamente, no piano do direito que dá a res iii. iudicium deducta. a) Ao direito constitucional, ao direito público ordinário, ou ao direito privado, é que compete responder às perguntas: Existe ou não existe compromisso? ~~Vale ou não vale o compromisso contraído? A eles também toca dizerem quando tem ou não tem eficácia, no respectivo plano, ou nele e nos de outros ramos do direito que lhe sejam subordinados. li) O Código de Processo Civil apenas cogita da eficácia no plano processual. Quanto a a), o art. 153, § 4~O, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, é de suma importância, pois prefixa o que se não pode excluir à justiça estatal. Em causa própria, ninguém pode ser árbitro (L. 51, D,, de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8: “Si de re sua quis arbiter factus sit, sententiam dicere non potest, quia se facere iubeat aut petere prohibeat: neque autem irnperare sibi neque se prohibere quisquam potest”). 19)CLÁusULA PENAL. Assim no negócio jurídico de compromisso, como no negócio jurídico entre o comitente e o árbitro, pode ser inserta cláusula penal (poena compromissa, pecunia com promissa). A pena convencional para o caso de insubmissão ao laudo arbitral estabelece alternativa: ou submeter-se ao laudo arbitral, ou prestar o quanto da pena (L. 2, L. 34, § 1, e L. 38, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sen.tentiam dicant. 4, 8). Solvida a dívida da pena, pode o compromitente ir ao juízo estatal (L. 30). Essa a doutrina que chegou até os nossos dias, com SAMUEL STRYK, WOLFGANG ALBRECHT LAUTERBACH e outros. A diferença está em que, se não há a pena convencional, não há alternativa: o compromisso gera, no direito brasileiro, a exceção, como gera a ação para que se instale o juízo arbitral. 20)PREsSuPOSTOS DO COMPROMISSO. Contrato, o compromisso tem de satisfazer os pressupostos comuns aos contratos, como a capacidade dos figurantes. Se o compromisso foi assumido em declaração unilateral de vontade, e. g., em título ao portador, tem de satisfazer os pressupostos dos negócios jurídicos unilaterais. 21)PEE5SUPoSTo5 ESPECIAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO . O compromisso há de referir-se ao objeto do litígio, pendente ou futuro, sobre o qual se há de proferir a decisão arbitral. Tem de mencionar os nomes, sobrenomes, profissão e domicílio dos árbitros, bem como dos substitutos nomeados em caso de falta ou de impedimento daqueles. 22)CLÁUSULAS NÃO ESSENCIAIS. O compromisso pode conter: 1 O prazo em que deve ser proferido o laudo arbitral; II A condição de ser a sentença arbitral executada com ou sem recurso para o tribunal superior; III A pena a que para com a outra parte, fique obrigada aquela que recorrer da sentença não obstante a cláusula “sem recurso”; IV A autorização, dada aos árbitros, para julgarem por eqúidade, fora das regras e formas de direito.

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Pode-se estipular pena para o caso de, homologado o laudo arbitral ou interposto e decidido o recurso, o perdente retarde ou obste o cumprimento do julgado. Se não houve convenção de pena, responde pelo id quod interest. 23)DETERMINAÇÃO DO QUE SE liA DE DECIDIR. O compromisso tem de referir-se à arbitragem sobre determinado litígio já pendente, ou a determinada controvérsia que surgiu, ou pode surgir de negócio jurídico. São essas as chamadas controvérsias compromissíveis. Se o conteúdo é indeterminado, como se os contraentes submetem todas as controvérsias que surjam entre eles, não vale o compromisso, porque falta a determinação, ou, pelo menos, a determinabilidade do objeto do litígio (Código Civil, art. 1.039: “O compromisso, além do objeto do litígio a ele submetido, conterá os nomes, sobre-nomes e domicílios dos árbitros, bem como os dos substitutos nomeados para os suprir, no caso de falta ou impedimento”). 24) ÂMBITO DA QUESTÃO. São determinadas as controvérsias que possam surgir do negócio jurídico, ou quanto à divida existente, ou de certas cláusulas ou cláusula negocial. Se a questão sobre a existência da dívida fica entregue aos árbitros, ou se, antes ou simultaneamente com o compromisso, o devedor reconheceu a dívida, é questão de interpretação. Também é questão de interpretação, por exemplo, a de se saber se só se reconheceu a dívida, ou se se reconheceram a divida e a pretensão, ou se apenas se trata de liquidação. 25)NOMEAÇÃO DOS ÁRBITROS NO COMPROMISSO. O Código Civil, no art. 1.039, 2.R parte, diz que o compromisso há de conter os nomes, sobrenomes e domicílios dos árbitros, bem como os dos substitutos, no caso de falta ou impedimento; mas havemos de entender ser permitido deixar-se a outrem, e. g., à Ordem dos Advogados, a designação. O art. 1.074, II e III, do Código de Processo Civil tem de ser respeitado, sob pena de nulidade. 26) NOMEAÇÃO PROTRAÍDA. Se os compromitentes declaram que, na ocasião em que algum deles verificar a instalação do juízo arbitral, cada um designará o seu árbitro, vale a cláusula. Volveremos ao assunto. 27)FORMA DO COMPROMISSO, DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL. O negócio jurídico bilateral do compromisso é regido pelo direito material. Idem, o negócio juridico plurilateral, inclusive estatutário. No Código Civil, art. 1.038, depois de se dizer que o compromisso é judicial ou extrajudicial, acrescenta-se (2.a alínea): “O primeiro pode celebrar-se por termo nos autos” e já dissemos que não basta a homologação de compromisso inserto nos autos, em vez de por termo nos autos “perante o juízo, ou tribunal, por onde correr a demanda; o segundo, por escritura pública, ou particular, assinada pelas partes e duas testemunhas”. Pode ser em testamento. Se já pende litígio e o compromisso tem de ser judicial, o testamento, com o cumpra-se, é tido como se fora por termo nos autos, o que abre exceção necessária à regra jurídica do art. 1.038 do Código Civil. 28)NEGÓCIO JURÍDICO DO COMPROMISSO. O compromisso é negócio jurídico; os seus efeitos são de direito das obrigações. Gera a pretensão ao juízo arbitral e a exceptio ex compromisso (exceção de compromisso). 29)EXTINÇÃO DO COMPROMISSO. Lê-se no art. 1.077 do Código de Processo Civil: “Extingue-se o compromisso: 1 escusando-se qualquer dos árbitros antes de aceitar a nomeação e não havendo substituto; II falecendo ou ficando impossibilitado de dar o seu voto algum dos árbitros, sem que tenha substituto; III tendo expirado o prazo a que se refere o art. 1.075, n. 1; IV falecendo alguma das partes e deixando herdeiro incapaz; V divergindo os árbitros quanto à nomeação do terceiro (art. 1.076). O Código de Processo Civil, art. 1.077, IV, diz que fica sem efeito o compromisso se falece qualquer dos compromitentes, deixando herdeiro incapaz. A contrario sensu, continua eficaz, o compromisso se falece qualquer dos compromitentes, alguns ou todos, e nenhum dos herdeiros é incapaz. Basta que seja incapaz no momento da morte um dos herdeiros para que se extinga para todos os compromitentes, o compromisso. Os herdeiros capazes, esses, podem concluir outro compromisso, com as mesmas cláusulas, ou com outras, a respeito do total da controvérsia, ou sobre a parte que a cada um caiba, separadamente. A situação jurídica que resulta da transmissão legal da herança aos herdeiros e de ainda não ter sido feita a partilha não impede a conclusão de compromissos, atendidos os princípios sobre legitimação ativa.

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30)DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO COMPROMISSO. Nulo o compromisso (art. 1.100, 1), nula a decisão arbitral. Pronunciada essa nulidade, não volvem os árbitros a resolver a questão. Extinto o compromisso, nula, ainda aí, a decisão arbitral. Se no momento em que se decretou a nulidade ou a ineficácia do laudo arbitral não mais resta tempo para outra decisão, torna-se ineficaz o compromisso. 31) LIMITES DO JULGAMENTO. O compromisso delimita as petitiones. Não se pode pedir fora das linhas que o compromisso traçou. Outrossim, fora da matéria que foi submetida pelas afirmações e contrariedades. Pergunta-se:se a decisão excedeu os limites do compromisso, ~,é nula toda ela, ou só a parte? Aqui, cai.e o principio jurídico de que o inútil não prejudica o útil, ou de que a parte nula não contagia ao todo a sua nulidade. 32) NOMEAÇÃO DOS ÁRBITROS . A infração das regras jurídicas para a nomeação dos árbitros determina a nulidade da nomeação; e essa, a do processo e julgamento arbitrais. Em todo caso, não argúida até a homologação (Código de Processo Civil, art. 1.099), está sanada. A infração do art. 1.079, 2.R parte, 1, II e III do Oódigo de Processo Civil, ou regra semelhante, causa nulidade insanável; mas a homologação é sentença que, trânsita em julgado, somente pode ser rescindida. 33)RECURSO EM ARBITRAGEM, DISTINÇÕES PRELIMINARES. Tem-se de distinguir do recurso que se interpõe da homologação o recurso dentro do juízo arbitral. Se há número par de julgadores privados, pode ser nomeado, ou deixar-se a nomeação posterior, o desempatador. O desempatador é juiz do mesmo grau. Todavia, é possível que se estabeleça que, decidida a questão, possa haver recurso para outro árbitro (de grau superior) ou para outros árbitros. Esse é o recurso dentro do procedimento da arbitragem O sobreárbitro é árbitro de grau superior. Não desempata; decide, em via recursal interior ao juízo arbitral. O recurso estatal, exterior, portanto, ao juízo arbitral, concerne, então ao decidido pelo sobreárbitro ou pelos sobre-árbitros. Quanto ao julgamento do compromisso (por termo nos autos e sentença do juiz, arts. 1.073, 1.a parte, 267, VII, e 513), há recurso de apelação. Se houve laudo arbitral, ou há ou não há a homologação, e também é apelável a sentença (art. 1.101). 34) HOMOLOGAÇÃO. Se o juízo arbitral foi concebido em dois graus, o laudo que se há de publicar em audiência (art. 1.096) e levar à homologação é a decisão proferida pelo árbitro ou pelos árbitros do segundo grau. Proferida a decisão do juiz estatal, em homologação, ou em recurso, a decisão, que é estatal, tem de ser tratada como as outras decisões estatais, inclusive quanto aos recursos que se podem interpor, sem ser o de apelação. Pode ser embargável por infringência do julgado a decisão na apelação. Pode, finalmente, ser interposto recurso extraordinário 35)COMPROMISSO E VONTADE DOS COMPROMITENTES Os compromitentes podem desconstituir o compromisso pelo distrato, pelo exercício do direito negocial ou legal de resolução, se cabe, pela renúncia de todos aos direitos e pretensão ao cumprimento do compromisso. O distrato extingue o compromisso. Os figurantes são os compromitentes. Já estava na L. 9, § 5, na L. 11, pr., e na L. 32, ~ 3, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententzam dicant, 4, 8. No compromisso, pode-se ter inserto cláusula penal compensatória, ou permissão de arrependimento, mediante prestação, ou direito de resolução por alguma condição ou termo, mas nenhum desses casos se incluí na classe dos dístratos. Se, antes da homologação, os compromitentes cumprem, voluntariamente, o que foi decidido pelo laudo, fazendo-o conteúdo de negócio jurídico, esse negócio jurídico torna sem objeto o compromisso (cp. 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 29 de junho de 1955, A. J., 116, 261). Extinta como foi a relação jurídica processual pela homologação do compromisso arbitral, trânsita em julgado, o distrato de modo nenhum faz reviver a relação jurídica processual que se extinguira (arts. 267, VII, e 1.073, 1.a parte; cf. art. 513).

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36)NULIDADE E ANULABILIDADE. Ao compromisso pode ser decretada a nulidade ou anulação nos mesmos casos em que o poderia ser em relação aos outros negócios jurídicos. Com a decretação extingue-se. Pergunta-se:decretada a invalidade do compromisso arbitral, que dera causa à “extinção do processo sem julgamento do mérito” (art. 267, VII), ~volveu-se à relação jurídica processual? Se nula foi a homologação, a eficácia de decretação da nulidade tem eficácia ex tunc: a homologação que se disse ter havido e se cria válida, válida não foi, e não podia extinguir o processo. N~ houve extinção, porque seria atribuir-se eficácia ao nulo, ao inválido. 37)PERDA DE OBJETO. Pode ter perdido objeto a controvérsia, como se pereceu o bem sobre cuja propriedade se havia de decidir e não persiste a questão como prejudicial de indenização, ou outra pretensão. O compromisso perde a eficácia. 38)ATOS PROCESSADOS NO JUÍZO ARBITRAL. Morto o árbitro, ou mortos os árbitros, ou por outro motivo tornado sem base o laudo que se não perfez, o juiz ordinário, a quem for apresentada a petição da ação, não pode fazer eficazes no juízo estatal atos processuais do juízo arbitral, ainda que o árbitro fosse juiz, ou o próprio juiz ordinário. As provas feitas têm apenas o valor de provas extrajudiciais. Se a relação jurídica processual estatal foi apenas suspensa, em virtude de só se tratar de um dos pontos controversos, caso em que só a homologação do laudo, trânsita em julgado, a extinguiria, os atos processuais anteriores ao compromisso são eficazes e apenas se prossegue no procedimento como se compromisso não tivesse havido. Se foi prejudicado apenas o laudo, os atos processuais do juízo arbitral são eficazes para novo julgamento arbitral. Se a não-homologação alcançou algum ato processual, tudo se resolve segundo os princípios do direito processual comum. 39)PACTO “DE COMPROMITENDO”. Quanto à promessa de comprometer-se, tudo se passa semelhantemente. Não se pode, para se obter o compromisso, se o pacto de compromitendo não precisou cada ponto do compromisso prometido, invocar o art. 641 do Código de Processo Civil, nem tampouco, pretender que o juiz nomeie o árbitro (Câmaras Reunidas da Corte de Apelação do Distrito Federal, 26 de julho de 1923, R. de D., 73, 145; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 2 de dezembro dc 1940, A. J., 58, 53). O pacto de compromitendo não gera a exceção de compromisso (3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 31 de março de 1943, R. dos T., 145, 633). Daí a conveniência de se inserir a pena. Mas há a ação de indenização por inadimplemento. O pacto “de compromittendo” dá ensejo a que nasça a pretensão à conclusão do compromisso. Por isso, a ação que se há de propor é a ação do art. 641 do Código de Processo Civil. O art. 639 é invocável, de modo que não há qualquer particularidade pré-processual ou processual. Se, acaso, havia divida de contraprestação, incide o art. 640. Seção 1 Do compromisso Art. 1 . 072 As pessoas capazes de contratar poderão louvar-se 5), mediante compromisso2) escrito, em árbitros1) 3) 4) 8) que lhes resolvam 6) as pendências judiciais ou extra judiciais 7) de qualquer valor, concernentes a direitos patrimoniais, sobre os quais a lei admita transação9) lo). 1)CONcEITO DE JUÍZO ARBITRAL. O juízo arbitral é juízo como qualquer outro, quanto à sua função de julgar, posto que ao seu julgamento falte a homologação que torna o laudo arbitral decisão a que se há de juntar o “ingresso estatal”. Para que se dê intervenção adesiva é estrito que o interveniente aceite as conseqüências do julgado arbitral como se o pronunciasse o juiz estatal. Também se permitem a denunciação da lide e a nomeação à autoria, porém não cabem efeitos contra o litisdenunciado ou o nomeado se antes não os admitiram ou não os aceitam expressamente. Quanto aos litisconsórcios unitários ou simplesmente necessários a eficácia da sentença arbitral, mesmo homologada, não os atinge, salvo: a) se se comprometeram também, explicitamente, posto que posteriormente, aderindo ao compromisso; b) se admitiram, por atos inequívocos, o compromisso, como se, citados, para a integração da relação jurídica processual, não alegaram a incompetência do juízo arbitral, que tanto importa dizer-se que não argúiram a falta de compromisso da sua parte.

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A força de coisa julgada material da sentença arbitral não obriga além dos termos do compromisso; nem, claro, o juiz estatal tem de atender a ela de ofício. Os efeitos quanto a terceiros dependem da situacão desses terceiros no compromisso. 2)COMPROMISSO, NEGOCIO JURÍDICO DE DIREITO MATERIAL. O Código supõe o compromisso regido pelo direito material. Quanto ao direito processual, ele regula o juízo arbitrai, mas invade o direito material, com regras remissivas, ou heterotópicas . 3) ÁRBITRO E ARBITRADOR. O arbitrador é perito; o árbitro julga; por isso é, a despeito de não ser completa a sua decisão, juiz. Árbitros são os judices compromissarji ou arbitri compromisarji. O árbitro, iudex compromissarius, ou simplesmente compromissarius (L. 41, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicani, 4, 8; L. 4, D., de tutoribus ei curatoribus datis ab his qui jus dandi habeni, ei qui ei in quibus causis specialiter dari possunt, 26, 5). Compromissário é a pessoa a que se confiou, no compromisso, a função de dar a sentença. Compremitentes são as que entre si se prometeram sujeitar-se a decisão de árbitro ou de árbitros e ao mesmo tempo designaram os árbitros ou preestabeleceram o modo de escolha. Comprometer-se é invicem promitiere. O árbitro recebe o arbítrio, a nomeação. O negócio jurídico é outro, e o receptum arbitrii não se confunde com o compromissum. De regra, é voluntária a aceitação, o receptum arbitril; mas é possível que haja vinculo entre o designado como árbitro e o compromitente, ou entre o árbitro e outrem, que prometeu ao compromitente, de modo que tenha dever de receber a função. 4)ARBITRAMENTO E ARBITRAGEM. A terminologia jurídica, para ser precisa e evitar erros a que a sinonímia levaria, chamou “arbitramento” a atividade ou o ato do arbitrador, e “arbitragem” a atividade ou o ato do árbitro. 5)NÚMERO DE ÁRBITROS , DESEMPATADOR E SOBREÁRBITRO. Os árbitros têm de ser em número ímpar, mesmo um só. Nada obsta a que seja um só o árbitro. Nem a que se exija a maioria absoluta, ou a maioria simples; ou a que, para o caso de discordância, se designe sobreárbitro, ou superárbitro (superarbiter), como disseram os glosadores da L. 17, § 6, D., de receptis: qui arbitrium receperint ul sententiam dicant, 4, 8; cf. G. L. BOEHMER, Exercitatio de Superarbit ris vulgo Obmannen, c. 1, ~ 6, nota c). A eleição do sobreárbitro pode ser deixada aos árbitros (cp. PEIL. HEDDERICB, Dissertationes iuris ecclesiastici german.ici, 1, Diss. de eo, si pares arbitri fuerint adsumti cum clausula: ut in casu dissensus tertim eligant, quid juris?, 127 s.). A validade de tal atribuição de poder de nomear fora tida por assente, diante da L. 17, § 5 (ULPIANO), e até se sustentava que nulo seria o próprio compromisso, o que não se coadunava com o texto de ULPIANO. O argumento de não ser de admitir-se a nomeaçáo do sobreárbitro pelos árbitros entre si discordantes não merece acolhida. O desempatador e o sobreárbitro têm de ser tratados por igual. Nem cabe invocar-se a atitude do direito canônico, tão exprobrada (cf. J. A. Korp, Auserlesene Proben des teutschen Lehnrechts, 1, 63 5.; G. L. BOEHMER, Exercitatio de Superarbitris, c. II, § 9). É de exigir-se que a designação dos árbitros seja em número ímpar, não em número par; mas, com o texto do art. 1.076 do Código de 1973, há a solução: os nomeados nomeam. O sobreárbitro pode ser instituição jurídica (e. g., o Conselho da Ordem dos Advogados, O Instituto dos Advogados Brasileiros, a Congregação da Faculdade de Direito, cf. CONE. WíLH. STRECKER, Speczmen de laudo arbitrorum eius que juris ejffectibus, 33). 6)NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE 05 COMPROMITENTES E O ÁRBITRO. O negócio jurídico entre os compromitentes e o árbitro é o receptum (L. 13, § 2, D., de receptis: oni arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8), no qual G. L. BOEHMEB (Principia iuris canonici, § 850) encontrava, sem exatidão. a natureza do mandato ou da procura. Há, certamente, outorga de poderes, mas esses poderes são de decidir, de jeito que se preestabelece situação similar à dos juizes, que os recebem do Estado para adimplemento da promessa estatal da tutela jurídica. Em todo caso, a aceitação pelo árbitro, hoje, é mais do que era o receptum romano: recipere era prometer, nudo pacto, o que já ANToxIus CONTIUS (Disputationes inris civilis, 1, 524) frisava. A aceitação pelo árbitro pode ser expressa ou tácita. Não basta o silêncio do árbitro (W. A. LAUTERBACR, Tractatus de Arbitris compromissarjis, § 9; K. E. HOPACXER, Principia iuris civilis, III, ed. nova, 434).

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Todavia, se por lei, ou estatutos, ou negócio jurídico, o designado assumiu o dever de aceitar, ou o dever de responder, não se precisa, ali, de qualquer declaração e, aqui, basta o silêncio. A invitatio de que fala o art. 1.080 do Código de Processo Civil estabelece o dever de responder. As comparações com o mandato ou a procura são perigosas. Não há qualquer representação pelo árbitro. O árbitro resolve, atua, em nome próprio; inclusive, pode decidir inteiramente contra quem o designou. 7) DEVER DE DECIDIR. Os árbitros, desde que aceitam a função, ou desde que estão ligados a dever de exercê-la, têm o dever de decidir. Resta saber-se se há ação contra os árbitros que não querem funcionar, ou não querem dar o voto, e qual é essa ação. A actio in factum de receptis foi fantasia de Ax’roNIus CONTIUS (Disputationes iuris civilis, 1, 524). O Pretor, conforme a L. 15, D., de receptís: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8, disse que obrigaria o árbitro a dar sentença (sententiam se arbitrum dicere coacturum), mas GERH. NOODT (Commentarius in Pandectas, 138) chamou atenção para a omissão de “quod iudicium de ea se dare velit”, que aparece noutros edictos do Pretor. .JULIANO, na L. 11, § 5, alude à pena cominada ao árbitro no compromisso. A cominação pode ser inclusa em petição condenatória, de modo que essa é a solução certa, ainda se não foi preestabelecida a pena no receptum. Na L. 32, § 12, PAULO refere-se à multa que o Poder podia cominar: “Si arbiter sese celare temptaverit, practor eum investigare debet, et si diu non paruerit, multa adversus eum dicenda est”. Se não foi preestabelecida a pena, pode cominar multa o juiz. O que não temos hoje é qualquer outro meio de constranger de que, no plano do direito público, podiam lançar mão os juizes romanos cum imperio maíori. Além da ação de condenação, com a cominação, há a ação de condenação pelas perdas e danos causados pelo inadimplemento do dever de decidir, ativamente legitimado qualquer dos compromitentes. Nas ações que contra ele se proponham, pode o árbitro alegar: a) que houve calúnia da parte à sua honra (L. 9, § 4, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam ciicant, 4, 8: “lulianus ait, si eum infamaverunt litigatores, non omnimodo praetorem debere eum excusare, sed causa cognita”; J. VOET, Commentarius ad Pandectas, 1, 230); b) que está impedido de funcionar, ou por doença grave, ou cargo necessário (necessaria profectio), ou múnus público, que lhe retire o poder ser árbitro, ou noutro impedimento superveniente, que seja “iusta excusationis causa” (J. VOET, 1, 230), como incapacidade, cegueira, perda da r~acionalidade brasileira; c) que se tornou ou descobriu que era impedido ou suspeito para funcionar como árbitro (Código de Processo Civil, arts. 1.079, III e 135). No caso de viagem necessária e urgente, primeiro há de o árbitro pedir às partes prorrogação do prazo que lhe foi dado para a decisão (cp. L. 21, § 5, L. 25, § 1, L. 32, § 21, L. 50). Na L. 33 e na L. 50 preexcluía-se a prorrogabilidade se a sentença teria de ser proferida em determinado dia. Se as partes acordam em que ainda se profira a sentença, a despeito de já ter transcorrido a data, outro compromisso se concluiu. Se ainda não se esgotou o prazo, pode o árbitro ou podem os árbitros pedir aos compromitentes que prorroguem, e o pacto de prorrogação insere-se no negócio jurídico do compromisso e no negócio jurídico entre o árbitro ou os árbitros e os compromitentes, de modo que não há falar-se de outro compromisso, nem de outro negócio jurídico entre árbitro ou árbitros e compromitentes. 8) FALTA DO DESEMPATADOR. Lê-se no art. 1.042 do Código Civil: “Se as partes não tiverem nomeado o terceiro árbitro, nem lhe autorizado a nomeação pelos outros (art. 1.040, n. V), a divergência entre os dois árbitros extinguirá o compromisso . Aí, o que se previa era o empate, sem que tivesse havido nomeação do desempatador e sem que se houvesse deixado aos próprios empatantes, ou a terceira pessoa, designar o desempatador. Os árbitros podem ter sido dois, quatro, seis, ou mais, ou em número ímpar, mas com a excluibilidade de algum ou alguns por impedimento, ou recusa, ou outro fato que o haja de afastar. Se não foi nomeado árbitro desempatador, a despeito de serem os árbitros em número par, não se pode hoje, invocar o art. 1.042 do Código Civil. O que importa é o que está no art. 1.076 do Código de Processo Civil. Se os árbitros divergem quanto à nomeação do terceiro, então se extingue o compromisso (arts. 1.076 e 1.077, V). 9)LEGITIMAÇÃO ATIVA NO COMPROMISSO. Quem quer que seja capaz de contratar, isto é, de ser figurante em contrato, pode louvar-se em árbitros, em documento escrito, O que se supõe é que possam contratar, no tocante ao assunto que vai ser julgado pelos árbitros, ou pelo único árbitro, se é o caso. Não se trata, porém, de única exigência, que seria a de capacidade negocial. ~ preciso que, no que respeita ao objeto, possa dispor, transigir. Não basta, portanto, ser apenas “capaz de contratar”. A capacidade é elemento subjetivo. No art. 1.072, fala-se de revelar “pendências judiciais ou extrajudiciais”, como se só se pudesse figurar em compromisso se alguma questão pende. Houve, aí, impropriedade de expressão. Por outro lado, leis especiais podem afastar qualquer juízo arbitral, como ocorreu no Decreto-lei n. 960, de 17 de

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dezembro de 1938, art. 59, que não admite submeter-se a juízo arbitral a cobrança de divida ativa da União. 10)TRANSIGIBILIDADE QUANTO AO DIREITO. Se a pessoa, a respeito do direito patrimonial, ou dos direitos patrimoniais, de que se cogita para o juízo arbitral, pode transigir, é-lhe permitido louvar-se em árbitro, ou em árbitros. A transação é negócio jurídico bilateral que afasta disputa ou dúvida (incerteza) entre os dois ou mais contra-entes, a respeito de relações jurídicas existentes entre eles. “Qui transigit, quasi de re dubia et lite incerta neque finita transigit” (L. 1, D., de transactionibus, 2, 15). N~ se pode confundir com a jiquidação, estendendo-se até aí o conceito, como fez H. BUHL (Beitrãge zur Lehre vom Anerkennungsvertrage, 74 s.). Porque seria pôr-se em comum o que é sobre incerteza e o que é sobre iliquidade. O líquido tem de ser certo; mas o certo pode ser ilíquido. Liquidar não é transigir. Tampouco se há de cogitar de transação pura ou de transacão impura (e. g., AUGU5T STURM, Die Lehre vo~n Vergleiche, 3 5.; contra, PAUL OERTMANN, Der Vergleich im gemeineii Civiirecht, 70 s.). A referência à transação fez pressuposto do compromisso a transacionabilidade dos direitos, pretensões e ações. Se alguma regra jurídica de direito material sobrevier ao Código de Processo Civil de 1973, aumentando os casos em que não se permite transação, tal regra jurídica tem de ser respeitada, ex nunc, pelo direito processual civil. Há alguns problemas que merecem apreciação. ~ preciso que a controvérsia ainda não tenha sido decidida com eficácia de coisa juigada? Portanto, se já havia sentença com força, ou somente com eficácia de coisa julgada, ~,a transação é nula ou ineficaz? A questão foi das mais discutidas no direito comum. A L. 7, pr., D., de transactionibus, 2, 15, estatuia: “Et post rem ludicatam transactio valet, si vel appellatio intercesserit vel appeflari potueris”. Na L. 32, O., de transactionibus, 2, 4, explicava-se que a transação, com infração da res iudicata, seria “frustra” e o “praeses provinciae”, usado o remédio processual próprio (usitato more legum), executaria o julgado (rebus pridem iudi•catis effectum adhibere curabit). Não se trataria de retratabilidade só, nem de impugnabilidade (sem razão, 13. WINDSCREID, Lehrbuch des Pandektenrechts, II, 840 s., nota 6): o “praeses provinciae” executaria a decisão sem olhar para a transação; em vez disso, B. WIND5CHEID pensou que o “usitato more legum” se referisse à infração, quando, em verdade, é à execução que se refere. Assim, havia “nulidade” (no sentido romano de inexistência), posto que não seja certo que o seu fundamento fosse a ordem pública, como pretendera A. F. J. THIBAUT (Uber Vergíeiche gegen rechtskrãftige Urteile, Archiv fitr die civilistische Praxis, VIII, 301 5.), com a acolhida de alguns juristas. Leu mal B. WINDSCHEID a L. 32, tanto mais quanto a consulta ao Codex Gregorianus (L. 3, 5, 8 e 9, C. Q., 1, 2), ao C’odex Hermogenianus (Titulo IV, § 3) e ao Codex Theodosianus (L. 2, C. T., 2, 9) lhe mostraria expressões como “transactio quae nuílo inre interposita est”, “pacisci exinde non posse~~, “frustra transigi”, “de re iudicata pascici nemo potest”. A verdadeira interpretação da L. 32, C., de transactionibus, 2, 4, foi a de A. PEREz e de HUGO DONELO. A ineficácia da transação, que permitia executar-se o julgado, era consequência da nuUitas (= inexistência). Por isso, para que pudesse haver transação, ter- -se-ia de, antes, proceder à stiputatio, ou à aceptilação, extinguindo-se, assim, no plano do direito material, a dívida oriunda do julgado. O direito romano punha-se diante da res iudicata, e abstraía do mais; se a estipulação ou a aceptilação removera o obstáculo, transação poderia haver.ULPIANO, na L. 11, D., de transactionibus, 2, 15, disse que, “depois da coisa julgada, ainda que se não haja interposto apelação, pode fazer-se transação, se, não obstante, se negar a existência do julgado, ou se se pode ignorar que tenha havido julgado, porque ainda pode subsistir o litígio”. A regra era, pois, a não-transação post rem iudzcatam; salvo: a) se se negava a existência mesma do julgado (si negetur iudicatum esse); b) se a pessoa podia ignorar a sentença, pois ainda, quanto a ela, pode subsistir o litígio (= ineficácia da res iudicata quanto a ela). É assim que se há de entender a L. 11 e surpreende que juristas de prol a lessem diferentemente. A respeito C. Ríscn (Die Lehre vom Vergieiche, 88) achava que o caso b) seria o da efetiva ignorância da decisão pelo transator, porém lá se diz “si ignorari potest”, e não “si ignoratur” (B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 842, nota 8); o próprio B. WINDSCHEID recorreu à pressuposição de que toda a transação fosse para decidir onde não houvesse decisão com força de lei, e no entanto a L. 11 acentua, em vez de excetuar, a exigência de se não ofender a certeza objetiva, só permitindo a transação a despeito da res judicata, se aquela persiste (cf. Osx~R BÚLOW, Absolute Rechtskraft des Urteils, Archiv fiir die civilische Praxis, 83, 83 s.). A transactio de re iudicata era excluída, como o judicare de re iudicata. Só se fazia, lite incerta neque finita. Pré-excluia-se, havendo coisa julgada, a transacionabilidade; não só se proibia. HuGo DONELO, no comentário ao Titulo 2, 4, do Codex, foi claro: “Natura haec transactio (de re iudicata) excluditur, non prohibetur iure”. O sistema jurídico não lhe dava entrada; não a via, porque ela não era. No direito brasileiro, o art. 1.036 do Código Civil estatui: “É nula a transação a respeito de litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência

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algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transacão”. Não se disse que a coisa julgada impede a transação. O que atinge a transação é ignorarem a existência da coisa julgada todos ou alguns ou um dos transatores, ou a evidência de que nenhum dos litigantes tinha direito ao objeto da transação. Na consciência jurídica que atinge a transação é ignorarem a existência da coisa julgada e em qualquer grau de intensidade (J. H. BOEHMER, Exercitationes ad Pandectas, § § 19 e 20: “ínterim omnibus, quorum interest, consentientibus etiam post rem iudicatam pactum remissorium adhunc fieri ..... . “; C. L. GOLDSCRMIDT, tYber Vergíeiche nach rechtskrãftigen Erkenntnissen, Archiv flir die civiiistische Praxis, IX, 87 5.). Não mais se poderia adotar o princípio da inexistência da transação “de re iudicata” (tese); o princípio da existência e não-eficácia da transação “de re iudiigata” (antítese) passa à frente. Donde restar o problema do tratamento jurídico da transação após sentença “ignorada”. E da transação sobre o que não é de qualquer dos transatores. Há o litígio ou a incerteza, de modo que a admissão por todos os interessados de solução única que fosse como aplicação da lei, ou de enunciado que tornasse certa a situação jurídica, seria como “julgado” declaratúr1o. Mas a transação de hoje é distinta de qualquer julgamento: é transação, em sentido próprio; há concessões recíprocas, o que o Código Civil, art. 1.025, frisou: “É lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concussões mútuas”. Quem mutuamente concede não declara, ou declara e constitui. Embora e aqui é que se deveria ter fixado a atenção dos juristas a causa de contratar seja declarar e, no que se concedeu, não se possa transmitir direito (arts. go 1.027, 2.~ parte). Pode-se constituir, negativa ou positiva mente; não se pode atribuir a um o que está em nome de outrem e dependeria de acordo de transmissãO. O negócio jurídico transacional não pode pôr nenhum plus, que inforte transmissão de direitos para o qual se precisaria de tradição ou registro ou qualquer ato de execução. É fácil dito apontar-se a transação como negócio jurídico declarativo. Em verdade, trata-se de negócio jurídico bilateral de modificação. Por ele, algo se aumenta ao mundo jurídico para se eliminar litígio ou incerteza. No que o conteúdo da transação se afasta da relação jurídica preexistente, constitui. Há plus, que a pura declaratividade não admitiria. A doutrina que reduz a transação a simples reconheci.mento somente pode referir-se ao quod plerum que fit. Diz-se no Código Civil, art. 1.027, 2.a parte: “Por ela”a transação “não se transmitem, a~penas se declaram ou reconhecem direitos”. Mas, se, em vez do prazo que seria x e sobre isso versava a controvérsia, foi fixado x + 1, a eficácia é instantânea e não se pode dizer que somente foi declarativa. Hoje, temos exata noção, diante de regras juridicas como a do art. 631, 1.a parte, e a do art. 1.027, 2.a parte, do pouco que se sabia sobre declaratividade dos negócios jurídicos. Com a transformação do conceito de nulidade, que se desromanizou (= deixou de ser o de inexistência, nec ulia), teve-se de pensar na sorte da transação que tivesse o seu suporte fáctico (portanto o caput controversum) comprometido pela ignorância, por parte de algum dos transigentes, da existência da decisão trânsita em julgado. Ao tempo em que se abstraía da ignorância dos transigentes, compreende -se que se pudesse conceituar a pré-ocorrência da decisão com eficácia de coisa julgada como causa de inexistência (nuilitas): transação não existia, porque a certeza objetiva excluia toda a incerteza subjetiva, que seria fundamento da transação. Desde, porém, que se entrou na indagação da ignorância pelos transatores, ou por alguns deles, ou algum deles, seria contra os princípios da técnica jurídica, uma vez que só o ignorante da decisão poderia alegar a sua ignorância, que se admitisse existência, para algum, ou para alguns (os cientes), e inexistência para outro ou outros. O direito não se permite essas licenças e sem-cerimônias com o conceito de existência. Quando a negação referente a fato juridico, relação juridica, direito, pretensão, ação, ou exceção, não é erga omnes, a técnica jurídica lança mão dos conceitos de i~neficácia relativa ou de anulabilidade, ou, se há menos negação que efeito negativo de direito formativo, de resolubilidade, resilibilidade, rescindibiiidade, etc. Existência para A e B, e não para C, seria absurdo; por aí o direito se empeguria em idealismo absoluto, que o destruiria em sua inteireza lógica. De modo que, no direito contemporâneo, se lançaria mão ou do conceito de ineficácia relativa, ou do conceito de anulabilidade, ou de outro mais forte, que permitisse ao ignorans livrar-se do iurzs vincu.lum da transação. Todavia o conceito de nulidade teria o mesmo inconveniente que o de inexistência: seria ato nulo para o ignorans, como para os outros transigentes. Em verdade, somente havia escolher entre os conceitos de anulabilidade e de ineficácia. Teremos, pois de interpretar o art. 1.036, 1.a parte do Código Civil: “É nula a transação a respeito de litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores”. Na 2.R parte do art. 1.036 está outra regra jurídica: “É nula a transação a respeito de litígio decidido por sentença passada em julgado... quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação”. Falta, aqui como na espécie da l.a parte do art. 1.036, a base do negócio jurídico. O erro faz anulável a transação, como acontece aos demais negócios jurídicos bilaterais. Porém o art. 1.036

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do Código Civil foi além: se o contraente (transator) desconhece a res iudicata sobre o objeto da controvérsia, ou se vem a descobrir que nenhum dos transatores tinha direito (aliter, pretensão ou ação) sobre o objeto do litígio, há ineficácia, e não nulidade, nem anulabilidade. ~Trata-se de error qui ad caput controversuin pertinet, ou de error quid ad caput non controversum spectat? Cf. M. W. GÉiTz (Commentatio de errore in transactionibus recte aestimando, 1 5.). Oart. 1.027, 2.a parte, do Cádigo Civil ou teria a interpretação que demos, ou teria de afastar o art. 1.025, que aludiu a concessões mútuas. O contrato é de modificação, o que afasta tratar-se de negócio jurídico puramente declarativo. A retractatio poderia ter sido direito formativo extintivo, o que a técnica jurídica dos legisladores romanos não soube conceituar, ou figura difusa entre o não-ser e não-ser-eficaz. (A anulabilidade ou impugnabilidade, que B. WINDScHEID insinuava, não seria mais do que conceito contemiporâneo, com que ele enchia o retractari da L. 42, C., de transactionibus, 2, 4.) Na verdade, os legisladores e juristas romanos trataram a espécie como de nuilitas (= inexistência), separando-a das espécies tidas como de retractatio. Ocorre, porém, que a L. 32, e não a L. 42, se refere à transactio de re iudicata. A L. 42 referia-se, tão-só, à transação cujo caput non controversum fora desmentido. O conceito de ineficácia é, tecnicamente, o melhor, para com ele se traduzir o que realmente se passa com a transação que teve desmentido pela realidade o seu caput no controversum. Todavia, transação que se concluiu contra a res iudicata é coisa diferente; e tem-se de distinguir a rcs iudicata, quanto à base firme (caput non controversum) e a res iudicata quanto ao caput controversuin (duas subesspecies). Aquela espécie não traz elemento novo ao problema da transação com base firme, que foi desmentida pelos fatos, isto é, a transação que se não teria concluído se os transigentes não acreditassem em situação que em verdade não existia e somente após se descobre isso. Se a res iudicata era no tocante ao caput controversum, é diferente. De regra, O erro quanto a esse de modo nenhum se pode invocar após a Juizo ARBITRAL COMPROMISSO (ART. 1.072) res iudicata, mas abre-se exceção legal, se a transação se fez ignorando alguém a res iudicata. Ponhamo-nos diante de duas pessoas entre as quais há a res iudicata. Ou a) ambas conhecem a sentença, ou b) nenhuma a conhece, ou e) só uma a conhece. Se ambas conhecem a sentença, a incerteza delas a respeito (incerteza subjetiva) criou-se, a despeito da coisa julgada material (certeza objetiva); é questão de fato se, a despeito dessa, aquela existia (e. g., o mandatário judicial bastante não comunicara o trânsito em julgado). Ai, o direito contemporâneo eliminou o resíduo histórico que exigiria a declaração de’ vontade (stipulatio ou acceptilatio, a que se referia a L. 32, C., de transactionibus, 2, 4), que extinguisse aquele crédito, pretensão, ação, ou exceção, que fora objeto do julgado. Se nenhum dos transacionantes desconhecia a sentença, não se poderia supor que, conhecendo-a todos, a incerteza subjetiva se compusesse: se ocorre ser encontrável a incerteza subjetiva, a despeito da coisa julgada, pois, conhecendo-a, os interessados nem por isso se convenceram (e. g., ainda pode haver rescisão da sentença, Código de Processo Civil, (arts. 485-495), não é provável que a incerteza subjetiva resista à sugestão da certeza objetiva (coisa julgada). Não são tão frequentes quanto os outros pleitos as ações rescisórias e as revisões criminais: são muitíssimo menos frequentes, exatamente por serem de difícil satisfação os pressupostos (objetivamente) e por ser rara a deliberação de enfrentar o litígio rescindente ou revisional (subjetivamente). Se só urna das pessoas, que figuram na transação, ignorava a sentença, essa, pelo menos, fora induzida à transação pela incerteza subjetiva, em cuja composição balanceante não entrara dado fáctico tão importante, como a coisa julgada. A transação. quanto a esse figurante, fundava-se, provavelmente, na discutibilidade judicial do seu direito, e tal não mais se dava. A solução de O. Riscm (Die Lehre vom Vergleiche, 88, nota 22), que incluía a ignorância como elemento mesmo da dúvida (incerteza subjetiva), seria, de lege ferenda, desacertada. O direito brasileiro não permite a eficácia da transação a respeito de relações juridicas, direitos, pretensões, ações, ou exceções, sobre os quais há sentença com eficácia de coisa julgada material. Abre duas exceções (Código Civil, artigo 1.036): a) ter havido ignorância da sentença por parte pelo menos, de um dos figurantes; b) ter-se descoberto que nenhum dos figurantes tinha direito sobre o objeto da transação. Quanto a a), temos de bem entender a l.a parte do artigo 1.036: “É nula a transação a respeito de litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores”, como se dissesse: “É relativamente ineficaz a transação. . .“ Ou se refere o Código Civil, art. 1.036, 1.a parte, à ignorância por, pelo menos, um dos transatores (‘ conhecimento por todos menos um, pelo menos), ou à ignorância por todos menos um (~ conhecimento por um). Noutros termos: ou basta que um dos transatores ignorasse; ou é preciso que um só dos transatores ignorasse. A resposta a essa questão é óbvia: a transação é ineficaz se um, alguns ou todos ignoravam a coisa julgada; portanto, basta a ignorância por um. Mas só ele pode invocar a ineficácia. Quem transige, tendo conhecimento da sentença, que lhe é favorável, chamaria transação à doação que em verdade faz; salvo se o interesse está em tomar possível, em parte, o cumprimento da sentença. E. g., se o

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devedor repudia, em virtude do pacto de transação, herança de bens inalienáveis, que vão, iure hereditario, ao outro transator. Ou se há o fito de se afastar a ação rescisória. Quanto a b), a descoberta de títulos (= meios de prova) somente atinge a transação para lhe excluir eficácia se os títulos se referem ao caput controversum, ou, atingindo o caput mm controversum, atinge o caput controversum. O Código Civil, art. 1.036, fala de “quando, por titulo ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles (transatores) tinha direito sobre o objeto da transação”. Exige, portanto, o erro quanto ao caput em que ambos criam. É a boa doutrina (G. PLANCK, Kommentar, II, 4Y~ ed., 853; PAUL OERTrVIANN, Das Recht der SchuldverhÉiltnisse, 966; J. W. HEDEw~xr~, Der Ver gleichsirrt um, 122). O caso também é de ineficácia, posto que o Código Civil fale de ser “nula” a transação. No Código Civil francês, art. 2.056, diz-se: “La transaction sur un procês terminé par un jugement passé en force de chose jugée, dont les parties ou une deiles n’avait point connaissance, est nuile”. No art. 2.057: “Lorsque les parties ont transigé généralement sur toutes les affaires qu’elles pouvaient avoir ensemble, les titres qui leur étaient alors inconnus, et qui auraient été posteurieurement découverts, ne sont point une cause de rescision, à moins qu’i]s n’aient été retonus par le fait d’une des parties: mais la transaction serait nuíle si elle n’avait qu’un objet sur lequel il serait constaté, par de titres nouvellement découverts, que l’une des parties n’avait aucun droit”. Ao art. 1.036, 1.a parte, corresponde o seguinte suporte fáctico: a) preexistência de sentença trânsita em julgado sobre o assunto controvertido, ou sobre o que se teve por certo, mas, uma vez afastado, faz cair a transação; b) da sentença trânsita em julgado não tinha ciência algum dos transatores. Ao art. 1.036, 2.~ parte, corresponde suporte fáctico que de nenhum modo se confunde com o do art. 1.036, l.a parte: a)descobrimento de título, após a transação, pelo qual se verifica que nenhum dos transatores tinha direito ao objeto da transação; b) eliminação, em virtude da eficácia do título, de qualquer direito, pretensão, ação ou exceção por parte de qualquer dos transatores. O art. 1.036 do Código Civil deve ser entendido como se tivesse a seguinte redação e pontuação: “É ineficaz, relativamente, a transação: a respeito de litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatOres e ineficaz, absolutamente, quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação”. Em verdade, se algum dos transatores ignorava a coisa julgada, a ineficácia relativa da transação cria-lhe, não direito formativo extintivo, nem direito de impugnação, mas direito de exceção contra a pretensão oriunda da transação, ou contra a execução da transação (OTTO WABNEYEB, Kommentar, 1, 1237). Mas é preciso que a coisa julgada tenha sido sobre o ponto que se considerava res dubia (cf. J. W. HEDEMANN, Der Ver gleiclisirrtum, 122). O conceito de ineficácia evita que se precise de ato desconstitutivo da transação. As ações que nascem são a declaratória negativa (declaratória de ineficácia) e a de enriquecimento injustificado, a co~diCtiO (Código Civil, arts. 964-97 1; SIEGFRIED MENGEES, Der Ver gieich und der Irrtum beim Vergie-ích, 46). Art. 1 . 073. O comprOmissO é judicial ou extra judicial 1). O primeiro celebrar-Se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal por onde correr a demanda; o segundo, por escritO público ou particular, assinado pelas partes e por duas testemunhas 2) 1) EsPÉCIES DE COMPROMISSO. O compromisso pode ser celebrado fora de juízo, ou, em juízo, por termo nos autos, perante juiz ou membro do tribunal por onde correr a demanda, conforme a lei de organização judiciária e o regimento. Já caracteriZamoS, em nota ao Capitulo XIV, as duas espécies. o compromisso extrajudicial não supõe que esteja a correr a demanda, razão por que a expressão “pendências judiciais”, que apareceu no Código Civil, art. 1.037, e passou ao Código de Processo Civil de 1973, art. 1.072, tem de ser apontada como errônea. Interessados em alguma relação jurídica podem vincular-se a juízo arbitral sem que haja controvérsia e até mesmo em cláusula de negócio jurídico, contratual ou não, do qual possa provir a relação jurídica. Ai, o compromisso se antepõe até a irradiação de efeitos do contrato ou de negócio unilateral. Tem-se chamado à cláusula negocial que submete a juízo arbitral as questões, que exsurjam do negócio jurídico em cujo instrumento ela está, cláusula compromiSsória . É compromisso posto em instrumento público ou particular como cláusula. Tal inserção não deforma o instituto. Apenas ocorre a unidade da instrumentação. Não se diga que ela se distingue do compromisso, em que nela se prevêem questões oriundas do contrato em que ela está e o compromisso já se refere ao ocorrido (a posteriori). Seria a priori a função autorizada. Sem razão, ENRICO REDENTI (Diritto Processuaie Civile, III, 461). Pode ser feito compromisso, em contrato separado, a respeito de direitos, pretensões e ações oriundos de outro contrato, anterior ou posterior. A diferença é apenas formal e não de conteúdo. A cláusula compromissória é apenas

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uma das espécies de compromisso, no tocante à colocação do negócio jurídico. 2) ESCRITO PÚBLICO OU PARTICULAR. O art. 1.073, 2.~ parte, alude a escrito público, ou particular, assinado pelas partes (aliás, pelos figurantes, porque pode ainda não ser parte em qualquer processo). Advirta-se, porém, que iex specialis, aqui e ali, exigem escritura pública a respeito de determinados objetos de negócio jurídico, e não se pode admitir compromisso em escrito particular, por exemplo, se a controvérsia é quanto à propriedade de imóvel. Art. 1 . 074. O compromisso conterá 1) sob pena de nulidade: 1 os nomes, profissão e domicílio das pessoas que instituírem o juízo arbitral 2); Ii os nomes, profissão e domicilio dos árbitros3), bem como os substitutos nomeados para o caso de falta de impedimento; III o objeto do litígio4), com todas as suas especificações, inclusivamente o seu valor 5); IV a declaração de responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos peritos e das despesas processuais 6) (art. 20). 1)PRESSUPOSTOS CONTENUTISTICOS DO COMPROMISSO. No art. 1.074, apontam-se, com a sanção de nulidade do compromisso (portanto, de todo o negócio jurídico), as exigências relativas ao conteúdo. O primeiro é de no escrito termo nos autos, escritura pública, ou particular, porque, a despeito de ser extrajudicial, se cogita de eficácia no processo estarem os nomes, a profissão e o domicilio de cada figurante. Depois, o nome, a profissão e o domicilio de cada árbitro, bem como dos substitutos nomeados para o caso de falta ou impedimento. Advirta-se, porém, que se pode ter deixado a escolha aos árbitros nomeados, tal como acontece no caso do art. 1.076, que contém presunção de tal atribuição (cf. artigo 1.077, V). 2) ProfIssÃo E DOMICÍLIO DO FIGURANTE. No art. 1.074, 1, fala-Se de profissão e de domicílio. Pode ocorrer que o figurante não tenha profissão, ou ainda não a tenha, o que há de constar do termo nos autos ou no instrumento público ou particular. Não se poderia, aí, cogitar de nulidade. Quanto ao domicilio, pode haver mais de um domicilio, e têm de ser mencionados, ou apenas um. Se o figurante ainda não tem domicílio (e. g., retirou-se do Estado estrangeiro e não no fixou no Brasil o domicilio), basta que explique o que acontece e dê o lugar da residência. 3)PRoFIssÃo E DOMICÍLIO DOS ÁRBITROS . Quanto aos árbitros, é indispensável que se diga qual a sua profissão e qual o seu domicilio. Seria reprovável que se permitisse ser árbitro pessoa que não tem profissão ou que não tem domicilio. Diga-se o mesmo quanto aos substitutos “nomeados” para o caso de falta ou impedimento. Se se deixou aos árbitros a escolha, o que pode ocorrer é que o árbitro que teria de escolher foi quem não aceitou a nomeação, ou faleceu, ou ficou impossibilitado de dar o voto. Então, é invocável o art. 1.077, 1 e II. 4)OBJETO DO LITíGIO. Acertadamente se fez elemento necessário, sob pena de nulidade, a referência ao objeto do litígio, com todas as especificações, inclusive o seu valor. Dir-se-á que seria afastar-se a cláusula negocial em que se estabelece o compromisso relativamente a todas as causas surgiveis ou surgidas entre os figurantes. Mas, ai, a nulidade seria inalegável pelos figurantes, ou entre o promitente unilateral e unus ex publico, como se da declaração unilateral de vontade contra a indicação do árbitro ou dos árbitros. O Código de 1973, no art. 243 (Código de 1939, art. 273, II), estatui que, se a lei procurou determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa. Exigem-se as especificações do objeto do litígio, sem que isso afaste que apenas se diga qual a espécie de litígio (e. g., “todas as ações relativas a compras entre os figurantes do compromisso”, “as ações de redibição e de rescisão de contratos entre os figurantes por sócios das coisas vendidas”). A cláusula “todas as causas ligadas ao contrato que assinamos acerca de móveis” é satisfatória, porque determina a espécie. 5)VALOR DA CAUSA. Se o compromisso se refere a determinada ação, sabe-se qual o valor, pelo menos aproximadamente. Se o compromisso é quanto a quaisquer causas entre os figurantes do compromisso que venham a ocorrer, não se sabe o valor. Não se poderia incluir na especificação o que ainda se ignora. 6)Honorários DOS PERITOS E DESPESAS PROCESSUAIS. Fácil é atender-se ao art. 1.074, IV, mesmo se a ação não foi proposta, isto é, se não há pendência da lide. Ou a responsabilidade é do vencido, ou de ambos os figurantes, ou de quem fez a declaração unilateral de vontade, de que emergiu o compromisso. Em princípio rege o art. 20.

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Art. 1 . 075. O compromisso poderá ainda conter: 1 o prazo em que deve ser pro ferido o laudo arbitral 1); II a condição de ser a sentença arbitral executada com ou sem recurso para o tribunal superior; III a pena para com a outra parte, a que fique obrigada aquela que recorrer da sentença, não obstante a cláusula “sem recurso” 2) 3). IV a autorização aos árbitros para julgarem por eqúidade , fora das regras e formas de direito 4). 1) PRAzO PARA O LAUDO ARBITRAL. O compromisso pode conter o prazo em que há de ser proferido o laudo arbitral. Se expirado o prazo, extinguiu-se o compromisso (art. 1.077, III). Se o compromisso se refere a dois ou mais litígios ou possíveis controvérsias, a regra juridica de extinção somente atinge aquele litígio ou controvérsia que estava em julgamento arbitral. O art. 1.081 cogita do dever dos árbitros quanto ao prazo e desde quando o prazo começa. 2)RECORRiBILIDADE E IRRECORRIBILIDADE. O Código de 1973 explicitamente prevê que possa haver ou não haver recurso da decisão arbitral. A referência é a recurso “para tribunal superior”, mas havemos de entender que o recurso pode ser para algum juízo singular, ou para alguma entidade com função que se possa assimilar à de justiça. No art. 1.101 trata-se de recurso em caso de homologação ou recusa de homologação do laudo arbitral; e o art. 1.101, parágrafo único, frisa que a cláusula “sem recurso” não obsta a interposição de apelação, com fundamento em qualquer dos vícios enunciados no art. 1.100. Nada tem tal recurso, que está na lei, com o recurso concernente ao conteúdo do laudo arbitral. 3)RECURSO INTERPOSTO, CONTRA A CLAUSULA “SEM RECURSO”. O Código Civil, art. 1.040, III, prevê a cláusula relativa a pena, a que fica obrigado qualquer dos figurantes, se recorre, a despeito de haver a cláusula sem recurso, pena que não pode exceder o terço do valor do pleito. O Código de 1973 pôs isso no art. 1.075, III, porém sem alusão ao máximo da pena. Tem-se de respeitar o direito material. 4)JULGAMENTO POR EQUIDADE. Os árbitros decidem por equidade, como os juizes, nos casos previstos em lei (art. 127), ou se os figurantes do compromisso lhes deram tal autorização (art. 1.075, IV). Se podiam fazê-lo, os árbitros têm de dizer, no laudo, expressamente, que a decisão foi dada por eqúidade (art. 1.095, II). Se não foi autorizado o julgamento por equidade, a decisão, que nela se baseou, é nula (art. 1.100, VI); salvo se foi a lei que disse ser caso de se julgar por equidade, porque então a equidade, a aequitas, se fez lex. Cf. Tomo II, 345-351. Os árbitros recebem os poderes para julgar: ou somente para a aplicação das regras jurídicas constantes do direito vigente, tal como acontecia se fossem órgãos do Estado, juizes no sentido estrito; ou também conforme a equidade. Para isso, é preciso que os figurantes do compromisso lhe tenham dado tal autorização especial, sem que se possa afastar que, em vez da palavra “eqúidade”, se haja empregado outra, que diga o mesmo. O que é preciso é que a respeito não haja dúvida. Por exemplo: “quanto possível, levar a composição amigável”, o que nem sempre equivale a “quanto possível, buscar solução eqúitativa” (cf. GUIDO ZANOBINI, L’Esercizio privato deite funzioni e dei servizi pubblici, n. 146; PIERO CALAMANDREI, Studi sul processo civite, II, 4 s.). Para que se peça solução à eqUidade, é preciso que a regra jurídica que, no caso, incide não afaste qualquer temperamento do seu rigor, isto é, que não haja ofensa da lei. Isso não significa que os figurantes do compromisso, com intuito de conciliação (cp. arte. 447-449), autorizem os árbitros a encontrar soluções que conciliem as partes. Advirta-se que, quer quanto à eqUidade, quer quanto a isso, a sentença homologatória do juiz aprecia o exercício dos poderes e de seus limites, conforme expressamente constam do compromisso as autorizações. Quando a lei prevê a decisão por eqUidade, os árbitros podem julgar por eqUidade, porque o próprio sistema jurídico o estabelece para os órgãos do Estado. Trata-se de parte integrante da legislação, o que dispensa a autorização dos árbitros. Se alguma regra jurídica que os árbitros teriam de aplicar é de ordem pública, até aí não pode ir a autorização pelos figurantes do compromisso para que se atenue a implicação com invocação da eqUidade. Mesmo se no compromisso foi atribuido aos árbitros o poder de julgar por eqUidade, ~,podem eles abster-se de chegar até ai e satisfazer-se com a rigorosa observância da lei? A resposta não é fácil, porque, se, no caso, a solução por equidade não ofende regra jurídica e, em vez disso, a completa, há dever dos árbitros; se não é caso para se recorrer à eqUidade, não há dever. Tem-se de deixar à decisão homologatória a apreciação da existência de tal dever e da falta em que os árbitros incorreram.

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Art. 1 . 076. As partes podem nomear um ou mais árbitros 1), mas sempre em número impar. Quando se louvarem apenas em dois (2), estes se presumem autorizados a nomear, desde logo, terceiro árbitro 2)• 1) NOMEAÇÃO DE ÁRBITROS A nomeação de árbitros ficou sujeita ao número ímpar: um, ou três, ou cinco, etc. Com isso se tem por fito evitar, o mais possível, o empate; e dissemos o mais possível porque em juízo de três membros, ou cinco, ou mais em número ímpar, pode ocorrer que não haja maioria, por ser diferente dos votos dos outros em discordância o voto de um. Não se fez regra jurídica cogente a do art. 1.076, no tocante à imparidade. Há apenas algo de recomendação. Por isso, se os figurantes do compromisso se louvam em dois, podem eles, desde logo, nomear o terceiro árbitro. Pergunta-se: <;se se louvaram em quatro, ou em seis, ou em oito, etc.? O que se há de assentar é que o art. 1.076, in une, apenas exemplificou. 2)AUTORLZAçÃO A05 ARBITROS . Se os figurantes dc compromisso apenas nomearam, por exemplo, dois árbitros, e não em número ímpar, há presunção de que autorizaram os próprios árbitros a nomearem mais um, dito ai terceiro árbitro. Se nomearam árbitros em número ímpar, não há pensar-se na presunção. A lei não foi explícita em exigir igualdade de poderes de nomear, de modo que não possa um dos figurantes, e. g., nomear um e o outro figurante dois. Mas havemos de entender que se atende ao princípio da igualdade. Art. 1 . 077. Extingue-se o compromisso 1): 1 escusando-se qualquer dos árbitros antes de aceitar a nomeação e não havendo substituto 2); II falecendo ou ficando impossibilitado de dar o seu voto algum dos árbitros3) sem que tenha substituto; III tendo expirado o prazo4) a que se refere o art. 1 .075, n. 1; IV falecendo alguma das partes e deixando herdeiro incapaz5); V divergindo os árbitros 6) quanto ~ nomeação do terceiro (art. 1 . 076). 1)EXTINÇÃO DO COMPROMISSO. No Código de 1973 fala-se de extinção do compromisso e não, como se fez no de 1939, art. 1.039, de “ficar sem efeito”. No art. 1.077 estão regras de direito material hetereotópicas. O art. 1.077, todo ele, é composto de regras de direito material privado; porque em vez de tratar de juízo arbitral, trata do negócio jurídico do compromisso. (Naturalmente, aqui não se alude aos compromissos regidos pelo direito público.) 2)EscusA DE ARBITRO, SEM HAVER SUBSTITUTO. A regra jurídica do art. 1.077, 1, supõe que os figurantes do compromisso não hajam previsto a possibilidade de algum dos árbitros se recusar a aceitar a nomeação, verbis “escusando-se qualquer dos árbitros”. Trata-se, portanto, apenas de não- -aceitação. Se já aceitara, não pode mais afastar-se da incumbência. 3)FALECIMENTO E IMPOSSIBILIDADE DA FUNÇÃO DO ARBITRO. Acontecendo que faleça, ou que algo o impossibilite de dar o seu voto (e. g., doença grave; casamento, por exemplo, com a filha ou filho, irmã ou irmão, tia ou tio, de um dos figurantes, conforme o art. 134, V, que faz impedido o cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau (sobre o parentesco por afinidade, cf. Tratado de Direito Privado, Tomo IX, ~ § 949 e 950, especialmente os quadros do § 949, 8). Pode mesmo vir a ser suspeito, por motivo íntimo (artigo 135, parágrafo único). Se há substituto, mesmo em virtude de cláusula que prevê o falecimento do árbitro ou a impossibilidade do exercício, não se extingue o compromisso. Um dos casos do art. 1.077, sobre a ineficácia do compromisso, é o de ausência do árbitro, quae impedzat laucLem prol erre. Tanto MELCHIOR FEnO quanto MANUEL ÁLVARES PÉGAS frisaram que a apreciação de tal ausência tinha de ser feita pelo juiz (arbitrio iudicis); mas está evidente que não se trata de arbítrio puro: a ausência há de ser a que se choque com a execução do compromisso e, portanto, a “impossibilite”. Outros casos são os de impedimento jurídico e de suspeição. Tais como: o de ter aceito procuração da parte, o ter sucedido a essa, o ter aceito cargo público incompatível, ou ter urgente negócio profissional que o iniba (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 35). Mas todos esses casos ocorrem se não há substituto, inclusive cláusula in soildum (de decidirem os restantes). Que essa cláusula é de substituição, não há dúvida; que dela se usou, sempre no direito luso-brasileiro e no brasileiro, atestam-no ANTÔNIO GOMEs (Opus super Legibus Tauri, 1. 38, n. 4) e AGosTINUo BARBOSA. Se são in. solidum, três, e um morre, a sentença de dois, acordes, vale, de modo que aí o compromisso não se extingue desde logo: só se extingue com a divergência. Não assim, se um dos

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três só é desempatador; porque desempatador não é substituto. 4) DO PRAZO PARA O LAUDO ARBITRAL. O artigo 1.075, 1, faz inserível no compromisso a cláusula de prazo para o laudo pericial. Se há desatendimento, extingue-se o compromisso. Dá-se o mesmo se há prazo legal, o que pode acontecer. No direito brasileiro, o prazo para se proferir a decisão arbitral não é requisito essencial do compromisso (Código Civil, art. 1.040, 1, verbis, “poderá também declarar”; Código de Processo Civil de 1973, art. 1.075, 1). Se foi “fixado” o prazo, faz parte do compromisso feito, e o compromisso exige a forma escrita do art. 1.038, 2.~ alínea, do Código Civil, cf. Código de Processo Civil de 1973, art. 1.075, para ser alterado. Se o prazo não foi marcado, a fixação e a alteraçao do prazo são af ormais, podendo reger-se pelas normas comuns de prova. A prorrogação do prazo não é novo compromisso (certo, já L. MATTIROLO, Trattato, 1, 761; sobre a acidentalidade do prazo, E. CODOVILLA, Dei Compromesso e dei Giudizio arbitrale, 220 e 221). Mas a simples alteração do contrato formal subordina-se também a regras jurídicas de forma, sem se precisar recorrer ao argumento de se tratar de prazo e ser esse elemento essencial ao compromisso (certo, já, na fundamentação, por exemplo, LODOVICO MORTARA, Comentario, III, 3.~ ed., 126, porém não na conclusão). O art. 1.077 supõe o prazo estipulado no compromisso ou fixado na lei. No compromisso, entenda-se; ou na alteração, que compromisso é. Se a decisão arbitral é dada fora do prazo, rege o art. 1.100, VIII, da lei processual que, em vez de considerar inexistente a sentença arbitral e, pois, não homologável, a considera (existente e) nula. Tal nulidade se sana com a sentença de homologação, que, ainda assim, pode ser rescindida se cabe invocar-se o art. 485, V. Note-se que a sentença de homologação, que é estatal, cobre nulidades, se transita em julgado, expondo-se apenas, à ação rescisória. Naturalmente, a sentença de homologação pode ser inexistente (não-sentença), ou nula ipso jure, como qualquer outra sentença de juiz estatal. No art. 1.040 do Código Civil, disse-se que o compromisso pode declarar o prazo em que deve ser dada a decisão arbitral. Se o prazo foi a contar da instalação do juízo arbitral, extingue-se-lhe, concluído ele, a competência. Se foi a contar da data do compromisso, e não se instalou, competência não há para se iniciar o juízo arbitral. Extingue-se o compromisso, conforme o Código de 1973, art. 1.077, III. “Si in compromisso certus tempus praefinitum sit”, escreveu MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentaria, 34), com toda a precisão técnica, “nisi intra illud sententia proferatur, fiitur compromissum”. A permissão de ser dada, em maior prazo, a sentença arbitral, é outro compromisso, que faz conteúdo seu o que existiu, devendo obedecer às regras jurídicas de forma. BATISTA FRAGoso quem, depois de AGosTíi~mo BARBOSA, mais aprofundou, no velho direito, o instituto do compromisso no seu livro Regiminis Reipublicae Christianae, em 1641, 1, d. 14, n. 31, acentuou que cessa toda a função do árbitro com a expiração do prazo e, ainda quando se dê aos árbitros, no compromisso, a faculdade de prorrogação, só uma vez podem dela usar, salvo se foi dito o número de vezes. O prazo de prorrogação não há de exceder o prazo original. A diferença entre renovação e prorrogação á da máxima importância. Os árbitros não podem renovar; os árbitros podem ter o direito, que se lhes atribua, de prorrogar o prazo. Renovar só o podem os compromitentes. Se o prazo expirou sem que se ultimasse a função dos árbitros, o direito de prorrogação extinguiu-se. Porque só se prorroga o prazo que ainda está a correr. E renová-lo não o podem os árbitros, pois seria renovar o compromisso, em que não foram figurantes, ou o negócio jurídico entre os compromitentes e os árbitros, em que foram figurantes, bilateralmente, e perdeu toda a eficácia. Algumas vezes, os juizes árbitros, para ganhar tempo, ou por simples comodismo, convertem o julgamento em diligência, a fim de escaparem à expiração do prazo para o laudo, ou aos prazos legais (arts. 1.077, V, 1.093 e 1.096). Tais resoluções arbitrais não são “sentenças”, pois não decidem; e toda conversão do julgamento em diligência é substituição da sentença que havia de ser proferida, por interlocutário, que não se previra. Não interrompem nem suspendem o prazo a que se refere o art. 1.075, 1, e 1.077, III, qualquer que ele seja (faltou à resolução o conteúdo de sentença, cf. FRANCE5CO CARNELUTTI, Sentenze arbitrali di comodo, Rivista, VII, Parte II, 58-62). Cumpre, porém, atender-se a que, se houve a indevida conversão , ou ela foi (a) seguida de expiração do prazo, que ela mesma pretendia dilatar, sem ter tal força, ou não no foi (b). No caso (a), a infração é do prazo mesmo e o artigo 1.077, III, faz extinto o compromisso: a sentença, que se proferir, é nula, pela falta de função de juiz. No caso (b), a fraus legis, aí, não importa, de jure condito, nulidade, ou ineficácia, nem extinção, de modo que, embora abusiva a conversão, é irrelevante. 5)FALECIMENTO DA PARTE E HERDEIRO INCAPAZ. Falecida a parte, a regra jurídica a priori é a de que o compromisso obriga o herdeiro ou os herdeiros: herdam o compromisso. O direito romano adotou-a. Os juristas lusitanos e luso-brasileiros dos séculos XIII a XVIII insistiram em que esse não era o nosso

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direito (e. g., AaosTíxno BARBOSA, MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 24: “quod licet compromissum non transeat ad successores privatorum, nec ad haeredes”). Provavelmente assim era antes da recepção do direito romano. No art. 1.077, IV, adota-se, a posteriori, a hereditariedade do compromisso, exceto se um dos herdeiros é incapaz, inclusive (entenda-se) o ausente declarado tal. O que importa é que o objeto do compromisso esteja na herança do incapaz, mesmo se pro indiviso. Se ao herdeiro incapaz não cabe o objeto do compromisso, não se pense em incidência do art. 1.077, IV. Na falta de sucessores que dê ensejo a ir à entidade estatal a herança, tem e]a de respeitar o compromisso, mesmo se se tem de aguardar alguma formalidade. O art. 1.077, IV, refere-se ao compromisso; não à sentença arbitral homologada, porque essa já tem eficácia de sentença estatal; quer dizer: se a parte morreu, depois da homologação. A mulher casada não é incapaz. Assim, se um dos herdeiros é mulher e casada, ou se, após a morte do compromitente, se casa, não há pensar-se em ineficacização do compromisso. O casamento, antes do momento da morte, da menor ou do menor, que, com o casamento, se torna capaz, afasta a incidência do art. 1.077, IV. Se o herdeiro é incapaz pode, se quiser, assinar novo compromisso, logo que fique capaz. A regra jurídica do art. 1.077, IV, não se aplica se o compromisso foi instituido em testamento para ações deixadas em disposição testamentária. 6)DIVERGÊNCIA DOS ÁRBITROS QUANTO A NOMEAÇÃO DO TERCEIRO. Trata-se de divergência quanto à nomeação por eles, e não quanto à nomeação por outrem, se foi o que se estabeleceu no negócio jurídico do compromisso. Arbitro terceiro é o árbitro desempatador. Deixou-se aos árbitros a designação do terceiro; e não puderam chegar a acordo, se dois, ou, por maioria, se quatro ou mais de quatro, em número par. A questão foi discutida no século XVII por AGOSTINHO BARBoSA e resolvida no mesmo sentido. Entendeu ele, e a lição propagou-se até MANUEL GONÇALVEs DA SILVA (Ccnninentaria, 1, ~38), que, escolhido número par de árbitros, se discordavam quanto ao laudo, tinham de entregar a decisão ao desempatador, que eles escolhiam, porque ex hypothesi, não o nomearam os figurantes. Se na escolha do tertius discordam, então compromissum non valet, dizia-se, usando-se o conceito de não-validade, em vez do de não-eficácia, que estava no Código de 1939, art. 1.039, e do conceito de extinção que se encontra no Código de 1973, art. 1.077. Se já haviam escolhido o terceiro, não importa qualquer divergência entre eles, porque há quem decida. Seção II Dos árbitros Art. 1.078. O árbitro é juiz de fato e de direito 1) e a sentença que pro ferir não fica sujeita a recurso, salvo se o contrário convencionarem as partes2). 1) FUNÇÃO DO ARBITRO. O árbitro é como o juiz, porque se desestatatizou, ai, a função de atender à pretensão à tutela jurídica. Há algo de intercalar, entre a primitiva justiça de mão própria e os órgãos do Poder Judiciário, como se algo da proteção tivesse saído do Estado; mas algo ficou, que foram as regras jurídicas sobre a nomeação dos árbitros e a exigência da homologação pelo órgão do Estado. A sentença arbitral, com ou sem se levar em consideração a homologação, não é sujeita a recurso, salvo se os compromitentes incluíram no compromisso ou em adendo a ele a cláusula de recorribilidade. Da sentença do juiz estatal, que homologue ou não, o laudo arbitral, cabe apelação (art. 1.101). A irrecorribilidade da sentença arbitral nada tem com a sentença de homologação. O árbitro ou os árbitros decidem quanto às quaestiones Jacti e quanto às quaestiones iuris. O que é de grande relevância é saber-se qual a controvérsia ou quais as controvérsias submetidas ao juízo arbitral (art. 1.100, m), o objeto do litígio (arts. 1.074, III e 1.095, 1, 2.~ parte), bem como a extensão subjetiva da relação jurídica (pessoas que instituem o juízo arbitral, art. 1.074, 1). No art. 1.078 diz-se que o árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso, salvo se o contrário estabelecerem as partes. No art. 1.101, estatuído está que cabe apelação da sentença que homologa, ou não, o laudo arbitral, e o parágrafo único frisa que a cláusula “sem recurso” não obsta à interposição da apelação, com fundamento em qualquer dos vícios enumerados a respeito da invalidade do laudo arbitral (art. 1.100). Assim, pode haver cláusula de recorribilidade da sentença arbitral (laudo arbitral), o que permite recorrer-se antes da homologação; e a apelabilidade inafastável da

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sentença que homologar ou negar homologação ao laudo arbitral. No Código de 1939 não havia a regra jurídica do art. 1.078, 2.~ parte (“e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso, salvo se o contrário convencionarem as partes”). Aliás, já então era possível convencionar-se haver árbitro que sentenciasse, ou árbitros, que sentenciassem, mais árbitro ou árbitros que recebessem a função recursal, uma vez que ainda não fora homologada ou denegada a homologação da decisão arbitral (Código de 1939, art. 1.046). Mesmo se há recorribilidade da decisão arbitral, têm as partes a proteção, em recurso de apelação interposto contra a sentença homologatória, não só quanto às questões de direito e de fato como também no que concerne à invalidade do laudo arbitral (arts. 1.100 e 1.101, parágrafo único), ainda que tenha sido inserta a cláusula “sem recurso A convenção quanto à recorribilidade tem de ser atributiva, em se tratando de laudo arbitral, e restringente, no que toca à sentença homologatória. Ali, não há recorribiidade, salvo cláusula que a estabeleça; aqui, há sempre a apelação e, mesmo que se haja convencionado a cláusula da irrecorribilidade, a apelação persiste quanto a todos os vícios que o art. 1.100 enumera. 2) CLÁUSULA DE RECURSO. A cláusula de recurso, quanto ao laudo arbitral, é manifestação de vontade privatisticamente inserta a que a lei atribui a eficácia da recursabilidade estatal: recorre-se da sentença arbitral para o tribunal que seria o competente se a sentença tivesse sido proferida pelo juiz estatal, no caso juiz homologante. No Código Civil de 1916, art. 1.041, já havia a permissão da cláusula de recurso, vinda do Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1967, art. 46. Art. 1 . 079. Pode ser árbitro quem quer que tenha a confiança das partes. Excetuam-se 1): 1 os incapazes2); II os analfabetos3); III os legalmente impedidos4) de servir como juiz (art. 134), ou os suspeitos de parcialidade (art. 135) 5) 6) 8) Parágrafo único. A exceção de impedimento ou de suspeição 7) será apresentada ao juiz competente para a homologação. 1)NATUREZA DA INCAPACIDADE PARA 5ER ARBITRO. A incapacidade é de direito público, a despeito de coincidir o art. 1.079, 1, com a regra de direito privado (Código Civil, art. 1.037, que fala em incapacidade de contratar). Foi acertado que o Código de Processo Civil de 1973, como o de 1939, inserisse a regra jurídica, porque assim a colocou no plano do direito público, onde lhe competia estar. O negócio jurídico pelo qual duas ou mais pessoas se submetem a decisão de árbitros é o compromisso. É, de regra, bilateral. Admite-se a obrigação por declaração unilateral de vontade (e. g., anúncio de submeter-se a juízo arbitral), a figura mais adequada é a do contrato de adesão. Pode ser imposto em negócio jurídico fundacional, ou em testamento, ou em contrato a favor de terceiro. O compromisso é de direito material (e. g., privado); o juízo arbitral, que estabelece, é de direito material e de direito formal. Casos há em que existe juízo arbitral sem ter havido compromisso: se a lei o cria para certas situações, ou a respeito de certas relações jurídicas ou de certas pessoas. O compromisso pode resultar de cláusula sobre condições de entrega de mercadorias. Se a origem do juízo arbitral é a lei, ninguém se comprometeu. O dever e a obrigação de nomear árbitro, ou árbitros, resultam de regra jurídica legal. Pode dar-se que da lei resulte o dever de submeter-se a juízo arbitral ou o dever de submeter-se a juízo arbitral perante determinadas pessoas, ou entidades, que a lei mencione. Então, nem há compromisso, nem negócio jurídico entre árbitro ou árbitros e os interessados na solução da controvérsia. O compromisso pode ser judicial ou extrajudicial. Aquele é feito por termo nos autos, seguido de homologação, pois que se exclui o juiz da causa. Esse, por escritura pública, ou instrumento particular, assinado pelas partes e duas testemunhas (Código Civil, art. 1.038). Conforme adiante se mostrará, a tradição do direito brasileiro levava a entender-se que o acordo compromissal, ainda se homologado, não determinava, só por si, a extinção da relação jurídica processual estatal. Substituia-se o juízo arbitral ao estatal, de modo que a relação jurídica processual, que existia, estatal, persistia, apenas suspensa a instância. Aliter, se se acordou na extinção. Hoje, não, há o art. 267, VII. Não há outras incapacidades além das incapacidades do art. 1.079, salvo as resultantes de incidência e aplicação de regra jurídica de lei penal, ou de ordem pública.

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As nuilidades decorrentes de infração do art. 1.079 não se regem pelos arts. 243-250, porque o art. 1.031 contém regra jurídica de capacidade, e não de forma, de direito judicial material, e não de direito formal. Os atos dos juizes árbitros, se são incapazes segundo o art. 1.079 ou outra regra legal, são nulos pleno inre. A regra jurídica Nemo iudex in causa própria também se aplica em matéria de julgamento arbitral. Quem é herdeiro do decujo compromitente não pode permanecer como árbitro, ainda que já se haja iniciado o juízo arbitral, se a controvérsia ou as controvérsias, sobre que há de votar, interessam à herança, ou à sua quota hereditária, inclusive se relativas a bem que se há de incluir na sua quota ou na herança. Passa-se o mesmo com o legatário se a arbitragem concerne ao objeto legado, ou se a decisão poderia tornar cumprivel ou não o legado. 2)INCAPACIDADE ABSOLUTA E INCAPACIDADE RELATIVA. Por incapazes segundo a lei civil, entenda-se: o louco, o surdo-mudo que não pode exprimir a vontade, o menor, o pródigo, o silvícola ainda não adaptado à civilização. A mulher, ainda a casada, é capaz. 3)ANALFABETOS. De lege ferenda, diz-se, assaz criticável é a regra de que os analfabetos são incapazes para o juízo arbitral. Se têm a confiança da parte, difícil é atinar-se com a ratio legis. Mas os argumentos a favor da exclusão são fortíssimos: dificilmente poderiam analfabetos conhecer textos de lei ou ler ou examinar documentos; não poderiam escrever; a própria Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 (art. 147, § 3•O, a), lhes veda a legitimação ativa eleitoral. 4)IMPEDIDOS E SUSPEITOS. Quem seja impedido de servir como juiz ou suspeito de parcialidade não pode ser árbitro. As espécies de impedimento são as que aponta o art. 134: se é parte na controvérsia (art. 134, 1), se interveio com outorga de poderes da parte, ou como representante legal (não só como mandatário, como está no art. 134, II), ou funcionou como perito, órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha; se, como juiz, já funcionara, tendo proferido sentença ou decisão (quem fora juiz na ação e não chegara a proferir qualquer decisão, pode ser nomeado árbitro), tal como se há de entender o art. 134, III; se, no momento, está postulando como advogado da parte o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo , ou afim, em linha reta, ou na linha colateral até o segundo grau (art. 134, IV), salvo, portanto, se já se afastara tal advogado; se a pessoa é cônjuge, ou parente, de algumas das partes, em linha reta, ou na colateral, até o terceiro grau (art. 134, V), aliter, se cônjuge desquitado; se órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa (trata-se aqui, conforme o art. 134, VI, de presentante, porque a representação já foi objeto do art. 134, II e IV). O art. 134, parágrafo único, é invocável. Há suspeição de parcialidade suficiente para se vedar a nomeação do árbitro: se amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes (art. 135, 1), o que exige alegação e prova; se alguma das partes é credora ou devedora da pessoa a que se quer dar a missão de árbitro ou do seu cônjuge, ou de parentes deles em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau (art. 135, II); se a pessoa é herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de algumas das partes (art. 135, III); se a pessoa receber dádivas antes ou depois de nomeado árbitro, aconselhar alguma das partes a respeito do objeto da causa ou subministrar meios para atcnder às despesas da causa (art. 135, IV); ser interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes (art. 135, V). A despeito de a nomeação ser a líbito de cada parte, compreende-se que exija não haver qualquer das situações que a lei enumera, porque quem se escolhe é como juiz, para função arbitral. 5)NACIONALIDADE DO ÁRBITRO. No Código de 1939, retirava-se a competência para ser árbitro a qualquer estrangeiro. A despeito de o juízo arbitral ser privatização da distribuição da justiça, dizíamos nos Comentários daquele tempo (Tomo XV, 178 5.) que havia “certa revolta ao primitivo, através de desconfiança do Estado”, e procuramos ratio legiS para o texto de então. Já não se pode, hoje, entrar em tal exigência, posto que devamos evitar a nomeação de juizes títeres. O que mais importa é que haja a homologação do laudo arbitral pelo juízo que seria o competente para o julgamento estatal. 6)ExCEçÃo DE INCOMPETÊNCIA , IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO P~ SER ARBITRO. A exceção é apresentada ao juízo que seria o competente para homologação do laudo arbitral. Não há apenas a exceção

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de impedimento ou suspeição; há a de incompetência, com base no art. 1.079, 1 e II. 7) ARGÜIÇÃO DE suspeição . Se o arguido de suspeito-admite a suspeição, ainda pela parte que o nomeou, convoca-se o substituto; se não há substituto, extingue-se o compromisso. Não há suspeição se a causa era conhecida, evidentemente, dos compromitentes, ao tempo do compromisso. Embora inserta no Código de Processo Civil, a regra jurídica sobre suspeição dos árbitros é de ordem geral. Os árbitros em compromisso extrajudicial estão sujeitos a ela. Pergunta-se:se a parte, que escolheu ou elegeu o árbitro, o aceitou, é de entender-se que não há a execução? Arbitri a partibus el-e ctis recusari non possunt, nisi ex nova causa. Nova está, aí, que é texto de MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentarta, 1, 26), por non cognita. A aceitação do árbitro suspeito também pode ocorrer após a nomeação. Ao nomear-se o árbitro, não se conhecia a causa de suspeição, mas depois se conheceu e não se procedeu como se se tivesse de alegar a suspeição, oportunamente. É o que ocorre, por exemplo, se, após a nomeação, em vez de se aguardar o momento para a recusa, se faz o negócio jurídico entre árbitro e compromitente. Arguida a suspeição, ou o árbitro a admite, ou não a admite. Se a admite, ou se adverte o compromitente que o nomeou, convoca-se o substituto, se o há. Se o árbitro ou compromitente que o nomeou impugna a argúiçáo, o juiz competente para homologar o laudo arbitral julga a exceção. 8) LÍNGUA PORTUGUESA. Uma vez que se não excluiram da competência para ser nomeado árbitro os estrangeiros, surge o problema da língua. ~Estão privados de ser árbitros os Brasileiros ou estrangeiros que não saibam exprimir-se na íngua do Brasil? Não; podem exprimir-se noutra língua que a portuguesa e até exigir que se traduzam documento& e testemunhos que não entendam. O que foi dito em língua estrangeira tem de ser traduzido para se levar à homologação. Art. 1 . 080. O árbitro, que não subscreveu o compromisso, será convidado 1) a declarar, dentro de dez (10) dias, se aceita 2) a nomeação; presumindo-se que a recusou se, nesse prazo, nada responder 3)• 1)INvITAÇÃo DO5 ÁRBITROS. Instituído o juízo arbitral, invitam-se os árbitros nomeados. Pode ser que o compromisso tenha sido feito diante deles e eles já aí se manifestem. A nomeação é dependente de aceitação; não aceita, é como se não tivesse havido. O dever de aceitar somente existe se alguma lei ou regulamento de sociedade ou outra pessoa jurídica o determina. Se o interpelado não responde, entende-se que recusou (silêncio como resposta negativa). Se há lei ou regulamento que estabeleça o dever de funcionar, essa presunção desaparece, porque é iuris tantum; e entende-se que aceitou. Salvo se a lei mesma ou o regulamento adotou outra sanção. 2)“RECEPTUM”. Nomeado o árbitro, ou aceita ou não aceita. Se não aceita, extingue-se o compromisso, e o mesmo ocorre se falece, ou cai em incapacidade, ou, simplesmente, não pode decidir, e não há substituto. Pode ocorrer que aceite e, depois, recuse ou aconteça impedimento ou suspeição, e tudo se passe com a extinção do compromisso, se não há substituto. O Reg. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 439, não admitia a recusa depois da aceitação; daí, a regra jurídica constante do art. 440. 3) PRESUNÇÃO DA RECUSA. Feita a invitação que pode ser em ato intimativo, ou por outro meio, como se o árbitro está presente à audiência, ou ao ato do compromisso e o assina tem ele dez dias para responder se aceita a nomeação. Se não responde, há a presunção de que recusou. Art. 1 . 081. O árbitro é obrigado a proferir o laudo no prazo 1) do art. 1 . 075, n. 1, contado do dia em que é instituido o juízo arbitrai2) 3)• 1)PRAZo PARA O LAUDO ARBITRAL. Se há prazo para que se profira o laudo arbitral (advirta-se que o prazo no compromisso não é elemento essencial, apenas pode ser fixado), tal prazo se conta do dia em que se instituiu, portanto, do dia em que foi aceita a nomeação pelo único árbitro, ou por todos, se há dois ou mais (art. 1.085). pergunta-se: se os figurantes do compromisso não inseriram no instrumento ou em

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aditamento a referência ao prazo, ~.como se há de entender que houve o prazo, ou qual tem de ser? O que se tem de assentar é que o prazo pode constar de alguma lei especial, ou regulamento, ou não constar; se não consta do compromisso, nem de outro ato, nem de qualquer regra jurídica, qualquer dos compromitentes tem legitimação a requerer que o juízo marque o prazo, ou eles o marquem, seguindo-se a intimação. 2) PRORROGAÇÃO DO PRAZO. Pode dar-se que se preveja em cláusula negocial, posta no instrumento do compromisso, ou em aditamento, ou em lei, a prorrogabilidade do prazo, ou ao arbítrio dos árbitros, ou mediante requerimento ao juízo, ou diretamente aos compromitentes. Não se supõe haver prorrogabilidade se não há texto em que se baseie o requerimento. A renovação do prazo depende dos compromitentes, mas é preciso que se haja afastado a incidência da regra jurídica de extinção do compromisso. 3)CONVENÇÃO DAS PARTES E FORÇA MAIOR. Os compromitentes podem convencionar prorrogação do prazo para o laudo arbitral (analogia com o art. 265, II). Também a força maior pode ser alegada antes de findo o prazo que estava estabelecido (cf. art. 265, V). Art. 1 . 082. Responde 1) por perdas e danos o árbitro que: 1 no prazo, não pro ferir o laudo, acarretando a extinção do compromisso; II depois de aceitar o encargo, a ele renunciar sem motivo justificado2) 3)• 1)RESPONSABILIDADE DOS ÁRBITROS. Os árbitros têm o dever de proferir a sentença arbitral no prazo que negocialmente ou por lei lhe foi determinado, permitida a prorrogação se está na cláusula negocial, ou os compromitentes o admitirem, ou a lei o prevê, uma vez que se componham os pressupostos. Se há violação do dever ocorre a responsabilidade, para cuja pretensão e ação têm legitimação os com-promitentes. Aceito o encargo, pode acontecer que eles renunciem sem motivo justificado. Os compromitentes têm o direito, a pretensão e a ação contra quem aceitou a missão arbitral e, sem alegar e provar o motivo justo, dela se afaste. 2) Motivo JUSTIFICADO. Justo é o motivo se não foi voluntário o afastamento, isto é, se proveio de razão que existia para não ser árbitro e fora ignorada, ou se adveio à aceitação e tinha o árbitro de ir à renúncia. De qualquer modo, há de ser feita a prova, para que o juiz examine o que ocorreu. Qualquer impedimento ou suspeição basta; mas o árbitro tem de submeter a exame o que alega. Art. 1 . 083. Aplicam-se aos árbitros1) no que couber, as normas estabelecidas neste Código 2) acerca dos deveres e responsabilidades3) 4) dos juizes (art. 133). 1)LACUNAS DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL SOBRE JUíZO ARBITRAL. No caso de lacuna a respeito de juízo arbitral, aplicam-se as regras jurídicas relativas ao juízo comum. 2)EsPÉCIES MAIS RELEvANTES. Entre as regras do direito processual comum, aplicáveis ao juízo arbitral, estão as relativas à comparência da parte. Uma das primeiras questões é a da revelia de alguma delas; outra, a da não-presença, segundo se tira do art. 1.092. Foi-se o tempo em que a contumácia significava infração do dever de comparecer, indispensável à função do processo, então principal, de composição da lide. * Contra contumaces omnia iura clamante A concepção do processo-luta apagou-se aos poucos, apenas ficando o “irredutível” correspondente aos fatos da vida e onde esse elemento é verdadeiramente irredutível. Já nos referimos, alhures, a que concepção posterior, política e econômica, serviu a ficta confessio (a não-comparência como falta de argumentos contrários e, pois, confirmação pelo adversário). Nem a uma nem a outra pertence a concepção contemporânea, precisamente, no Código. Temos, no Código de 1973, o art. 343, § 2.0, de que adiante falaremos. Se a parte, intimada não comparecer, ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplica-lhe a pena de confissão (art. 343, § 2.0). Os fatos alegados têm-se como confessados (art. 343 § 1.0). A lei processual (art. 9•O, II) provê quanto ao curador do preso, ou do citado por edital, ou com hora certa, o que elide quaisquer conseqüências exageradas da revelia. Temos dito que o Código exige angularidade a algumas relações jurídicas processuais; mas a angularidade produz-se a despeito da revelia.

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Daí, exatamente, o tratarem-se os casos do art. 741, 1, como de nulidade ipso jure, e não como de inexisténcia. ~ assaz expressivo, na técnica do Código, que se tenha a falta de citação como causa de nulidade, e não como causa de inexistência da relação jurídica processual em ângulo. Advirta-se em que não foi essa, sempre, a solução. Os juristas repeliam o processo à revelia no juízo arbitral. O 06-digo não permite tal atitude. O juízo comum tem de homologar a sentença contra o revel, aplicando as regras jurídicas comuns. Perante os juizes árbitros (a) não se pode exigir a caução às custas de que fala o art. 835 (MANUEL GONÇALVES DA SILvA, Commentctria, 1, 29); nem (b) serem condenados àcondução ou a despesas as testemunhas, como permite o art. 412, no juízo estatal (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, COmrflefltarja, 1, 22). Não cabiam penas de preclusão por ausência, mas hoje cabem. 3) CoxríssÃo PERANTE O JUÍZO ARBITRAL. A confissão, feita perante o árbitro, faz a mesma prova que a confissão perante o juízo estatal (MANUEL GONÇALVES DA SILvA, Commentaria, 1, 30), apenas a sentença mesma está dependente da homologação. Se não se pede a homologação da sentença, ou se é negada, a inestatalização do laudo ou a coisa julgada da sentença denegatória destrói a confissão mesma. Nada obsta (frisou BATISTA FRAGoso, Regiminis Reipublicae Christianae, II, Livro V, disp. 14, § 1.0, n. 47) a que, em grau de apelação, se dê algunia confissão . ~,Qual a solução para o caso de não quererem as testemunhas depor? <;Podem os árbitros rogar os juizes estatais para que as intimem a depor no juízo arbitral, ou para que as intimem para eles mesmos tomarem os depoimentos? Há terceira solução, que é a melhor. Os árbitros, que para isso são legitimados, pedem aos juizes estatais o depoimento das testemunhas, com base nos arts. 846-848, 863-865. Assim, evita-se que se impossibilite o julgamento, e ao mesmo tempo que se atribua aos árbitros a constrição pessoal. As partes, no juízo arbitral, podem ter de depor (depoimento pessoal). A determinação de depoimento da parte é sob pena de confessa. Os arts. 342-347 SãO invocáveis. 4)“DECLARAÇÃO ” DA DECISÃO ARBITRAL. Os árbitros não podiam “declarar” a sentença que deram, ainda se havia exceção das partes, salvo se no compromisso se lhes atribuia conhecer de embargos de declaração ou de reclamação com base em regra jurídica no art. 463. Assim se decidia desde PEDRO BARBOSA (Comflwfltarfl, 453) a MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commefltaria, II, 311), os quais, e de crer-se, o rece beram do PANORMITANO. A razão de PEDRO BARBOSA era fraca: o não ter jurisdição o árbitro; “qui nulíam habet iurisdictionem, non potest declarare sententiam suam”. A de MANUEL GONÇALVES DA SILVA, excelente: com a sentença exauriu-se a missão dele: “(arbiter) regulariter nec etiam per viam exceptionis potest corrigere, vel declarare suam senten tiam, nisi ei specialiter commissum, quia funetus est officio suo”. Fora vencida a opinião de FELINO SANDEU, contrária àdo PANoRMrrANO; e a própria corrigenda imediata ou a declaração, que se tentara permitir, foi repelida, abertamente, por PEDRO BARBOSA. possível, conforme advertira MANUEL GONÇALVES DA SILVA, que o compromisso tenha previsto a competência arbitral para a declaração da própria sentença. Questão de interpretação do negócio jurídico. De modo que os embargos de declaração so se apresentavam no juízo da Homologação e no da apelação, ad quos debet negotí’Um remjttj, ut declare nt, vei corri~JCLflt laudum (MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commefltaria, II, 311 s.). Mas era possível serem ouvidos os árbitros, como testemunhas, no juízo da execução (PEDRO BARBOSA, Commentari, 453). Bem assim, pelo juiz homologante. Uma vez proferido o laudo arbitral, cessava qualquer poder dos árbitros, de modo que não mais podiam alterar a decisão (L. 17, § § 6 e 7, L. 18 e L. 27, § 3, O., de receptis:qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8). Na l.~ ed. dos ComentáriOs ao Código de 1939 (VI, 563, s.), ficamos com MANUEL GONÇALVES DA SILVA, que em verdade concebia regra jurídica dispositiva, segundo a qual, se não foi atribuida aos árbitros a facultas corrigendi ou declarandi sententiam, é de entender-se que não a têm. Hoje, pensamos que se hão de inverter os termos da regra jurídica: se lhes não foi negada, têm-na eles. O Código de Processo Civil, art. 1.083, diz que, nos casos omissos, se hão de invocar as regras jurídicas do processO comum. o argumento contra a permissão da reclamação do art. 463, 1, do Código de Processo Civil e da oposição dos embargos de declaração, que é o de existir o prazo do art. 465, pode ser afastado, facilmente: O tempo para a reclamação é antes da homologação; e os embargos de declaração têm prazo curtíssilno (Código de Processo Civil, art. 465). Não há, porém, suspensão do prazo para o depósito.

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Art. 1 . 084. O árbitro tem direito a receber os honoráriOs que ajustou pelo desempenho da função’>. À falta de acordo ou de disposição especial no compromiSso, o árbitro, depois de apresentado o laudo, requerera ao juizo competente para a homologação que lhe fixe o valor dos honorários por sentença2), valendo esta como título executivo. 1) DEsPESAS. No juízo arbitral não há custas,~ há despesas. As despesas com a produção de provas, inclusive arbitramento, têm de ser pagas pelos compromitentes interessados, aos quais os árbitros podem exigir depósito de quantia suficiente. A condenação ao pagamento das despesas deve ser feita no final do laudo arbitral, conforme os princípios que regem a condenação a custas e despesas, no juízo estatal. O que foi prestado pelas partes tem de constar do laudo arbitral, bem assim as custas e despesas que foram pagas no juízo estatal, competente para a homologação da sentença dos árbitros, inclusive se ao juízo estatal foi requerida alguma diligência ou ato, como a carta precatória, para a produção de alguma prova, ou algum ato processual. 2)HONORÁRIos DOS ÁRBITROS . O art. 1.084 estatui sobre o direito dos árbitros a percepção de honorários. Ou no compromisso, ou em ato separado, foram estipulados os honorários e a forma de pagamento, os árbitros têm de pedir ao juízo competente para a homologação do laudo arbitral que os fixe por sentença, que tem 3 de executividade, razão para se lhe atribuir a classificação como titulo executivo sentencial (art. 584, 1), como sentença em ação condenatória (5 de condenatoriedade, e 4 de declaratividade). De tal sentença do juiz que é o competente para a homologação do laudo arbitral, cabe recurso de apelação. Dá-se o mesmo se os honorários, no seu quanto, constavam do compromisso ou de ato jurídico separado. Seção III Do procedimento 1) 2) 1)COMPROMISSO E guizo ARBITRAL. Conforme antes dissemos, ou o juízo arbitral é instituído após o compromisso, talvez em data que foi determinada, ou consta do próprio negócio jurídico do compromisso, o que é difícil ocorrer antes do compromisso, para que com ele se ratifique. 2)PROCEDIMENTO. O procedimento do juízo arbitral é semelhante, porém não idêntico ao do juízo estatal. O art. 1.083 concorre para que se lhe acentue a parecença. A despeito de terminar com o laudo arbitral, que ~ sentença, a homologação pelo juízo estatal dá-lhe entrada no campoestatal. Art. 1 . 085. Considera-se instituído 1) o juízo arbitral, tanto que aceita a nomeação pelo árbitro, quando um (1) apenas, ou por todos, se forem vários 2)~§ j•O Quando o juízo for constituído de mais de um (1) árbitro, funcionará como presidente 3) o mais idoso, salvo se as partes, no compromisso, convencionarem de outro modo.§ 2.~ O presidente ou o árbitro designará o escrivão4). 1)INSTITUIÇÃO DO JUÍzO ARBITRAL. Tem-se de atender a que o simples fato de constar do compromisso, ou de ato jurídico a que o compromisso se refere, seja anterior ou posterior, não faz da nomeação dos árbitros ato institutivo. A instituição depende da aceitação eficaz da nomeação. Se os compromitentes escolheram uma só pessoa e ela aceitou, instituído eficacizado, digamos está o juízo arbitral. Criado, ele fora. 2)ÁRBITRO ÚNICO E PLURALIDADE DE ÁRBITROS . Pode ser que só um seja o árbitro e ele aceite. Também pode ser um, com substituto: se o nomeado não aceita, com a aceitação pelo substituto, instituído, eficacizado, está o juízo arbitral. Se há dois ou mais, sem que um deles aceite, extinto está o próprio compromisso. Aliter, se há substituto que aceite.

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3)PRESIDENTE DO jUízo ARBITRAL. Se há dois ou mais árbitros, é presidente do juízo arbitral o mais idoso. Com isso se acentua a rigorosa observância do igual tratamento dos árbitros. Mas, se as partes, antes da nomeação dos árbitros, ou mesmo depois, entenderam que algum deles, que não éo mais idoso, seja o presidente, tem-se de atender ao que se acordara. A escolha posterior à aceitação de modo nenhum é motivo justo para que algum dos árbitros renuncie à função. 4)DESESTATALIZAçÃO DA FUNÇÃO E DO ORGÃO. No Reg. n. 737, arts. 472 e 473 (depois, no Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1867, arts. 71 e 73), funcionava como escrivão do juízo arbitral o escrivão do juízo estatal, se já havia demanda; qualquer dos escriváes do cível, a quem tocasse por distribuição, a requerimento do autor, se ainda não havia demanda. O Código de 1939 desestatalizou a função e o órgão ; porém não impediu que se escolhesse a pessoa do escrivão. No mesmo sentido manifestou-se o legislador de 1973. Se um só é o árbitro, designa ele o escrivão. Se há dois ou mais árbitros, cabe ao presidente do juízo arbitral a designação. Pergunta-se: ~,se no compromisso ou noutro ato em que nomearam os árbitros também se nomeou o escrivão? A despeito da diferença entre o Código de 1973, art. 1.085, § 2.0, e o Código de 1939, art. 1.034 (verbis “se outra pessoa não for designada no compromisso”), temos de entender que o art. 1.085, § 2.0, é lus clispositivum. Art. 1 . 086. O juízo arbitral pode tomar depoimento das partes, ouvir testemunhas 1) e ordenar a realiza çâo de perícia 2). Mas lhe é defeso ~): 1 empregar medidas coercitivas, quer contra as partes, quer contra terceiros; Ii decretar medidas cautelares; Art. 1 . 087. Quando for necessária a aplicação das medidas mencionadas nos nu- meros 1 e li do artigo antecedente, o juízo arbitral as solicitará à autoridade judiciária competente para a homologação do laudo4). 1)DEPOIMENTO PESSOAL DAS PARTES E AUDIÊNCIAS DE TESTEMUNHAS. A exigência do depoimento pessoal das partes pode resultar de alegações e requerimento da outra parte, cu ser oriunda de designação de ofício. A interrogação é em audiência de instrução e julgamento. Há a intimação da parte que tem de depor (art. 343, § 1.0), constando do mandado que se presumirão confessados os fatos que contra ela foram alegados, caso não compareça, ou, comparecendo, se recuse a depor (salvo, é claro, se não há, in casu, o dever de depor, art. 347). O art. 346, sobre responsabilidade, é invocável. Quanto ao depoimento das testemunhas, J. sempre admissível, mas o árbitro tem de indeferir o requerimento, ou têm de indeferi-lo os árbitros, se os fatos já estão provados por documento ou confissão da parte, ou se somente por documento ou exame pericial podem ser provados (art. 400). O art. 401, que é sobre o valor do contrato, ou dos contratos, que são objeto do litígio (no caso do litígio ou da controvérsia), é invocável. Bem assim, o art. 402. Também os arts. 402- -406.O art. 403 é sobre a prova testemunhal em caso de pagamento e remissão da dúvida. 0 juízo arbitral tem de designar audiência de instrução e julgamento, se há necessidade de produção de provas. Cinco dias antes, têm de de ser apresentado ao juízo arbitral o rol de testemunhas, e o nome, indicando-lhes a profissão e a residência (art. 407). Cada parte não pode oferecer mais de dez testemunhas; e, quando a qualquer das partes corresponderem mais de três testemunhas para um fato, pode o juiz dispensar as restantes (art. 407, parágrafo único). A substituibilidade das testemunhas rege-se pelo art. 408. Se uma das partes arrola como testemunha o juiz que teria de homologar o laudo arbitral, e esse declara ter conhecimento dos fatos, que possam influir na decisão, está impedido da função homologatória como estaria de julgar, se perante ele foi proposta a ação (art. 409, 1). A parte não mais pode desistir do depoimento de tal testemunha (art. 409, 1, in une). Se o juiz nada sabe de relevante a respeito, tem o juízo arbitral de ordenar que se lhe exclua o nome do juiz do rol das testemunhas (art. 409, II). Os arts. 410 e 411 incidem. Bem assim, os arts. 412-419. 2) PROVA PERICIAL. Trata-se de exame, vistoria ou avaliação. Quem nomeia o perito é o árbitro único, ou o presidente do juízo arbitral. É indeferida a perícia se a prova do fato não depende de conhecimento especial de técnico, que faça a vistoria, que examine, avalie, ou se desnecessária por haverem provas produzidas que bastem, ou se está verificado que é impraticável (art. 420, parágrafo único). Nomeado o perito, podem as partes, dentro de cinco dias, contados da intimação do despacho de nomeação do perito, indicar o assistente técnico e apresentar os quesitos (art. 421, § 1.0). O art. 421, § 2.0, é invocável. Também, os arts. 422-439.

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3)MEDIDAS COERCITIVAS E MEDIDAS CAUTELARES. Qualquer constrição é vedada, de regra, no juízo arbitral. As próprias medidas cautelares. Por exemplo: se o terceiro, sem justo motivo, se recusa a exibir documento ou coisa, e descumpre a ordem de depositar, no prazo de cinco dias, o juiz expede o mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial (art. 362); no juízo arbitral, tem o árbitro ou o presidente do juízo arbitral de solicitar à autoridade judicial competente para a homologação do laudo que ordene o depósito, ou, no caso de desatendimento, a expedição do mandado. As outras medidas coercitivas obedecem à mesma regra jurídica, se há necessidade, o que ao juiz solicitado caLe apreciar. Passa-se o mesmo com qualquer das medidas cautelares (arresto, seqüestro , caução, busca e apreensão, exibição, produção antecipada de prova, alimentos provisionais, arrolamento de bens, justificação, protesto, notificação e interpelação, homologação de penhor legal, posse em nome do nascituro, atentado, protesto e apreensão de títulos, arts. 796-887 e dos arts. 888 e 889). 4)CoERçõEs E CAUTELARIDADES NECESSÁRIAS. É negado ao juízo arbitral empregar medidas coercitivas, quer contra as partes, quer contra terceiros, e decretar medidas cautelares. Todavia, quando for necessária alguma das medidas acima referidas, ou algumas delas, pode ele solicitar à autoridade judiciária competente para a homologação do laudo que a determine ou as determine. Ai, o ato ou os atos são do juízo e aplicam-se as regras jurídicas do Código de Processo Civil, inclusive as relativas a recursos e à responsabilidade dos juizes. No Código de 1939 não havia o que a propósito se pós nos arts. 1.086, 1 e II, e 1.087. Não se pode conferir ao árbitro o poder dc tomar medida cautelar, nem medida coercitiva. Vamos a alguns exemplos. O árbitro não pode cominar às partes a pena de confesso, posto que as regras jurídicas sobre confissão sejam incidiveis (arts. 348-354). O art. 343, § 2.~, diz que, “se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão”. Tal medida coercitiva somente pode ser solicitada ao juízo competente para a homologação do laudo. Em tudo isso ressalta que a permissão do juízo arbitral de modo nenhum retirou a tutela jurídica estatal: há as regras jurídicas do art. 1.086 e do art. 1.087 e a exigência, que é essencial, da homologação, além das pretensões recursais. Art. 1 . 088. Instituído o juízo arbitral nele correrá o pleito em seus termos’). Art. 1 . 089. Se já estiver pendente a causa 2), o presidente ou o árbitro, juntando o compromisso ou depois de assinado o termo (art. 1 . 073), requererá ao juiz do feito que mande entregar-lhe os autos mediante recibo e independentemente de traslado 3) 4)~ 1)PLEITO PERANTE O JUIZO ARBITRAL. O procedimento do pleito perante o juízo arbitral tem de ser como se o árbitro ou os árbitros fossem juizes estatais, razão por que excepcionalmente se passa a função ao juiz competente para a homologação do laudo arbitral. Não importa se já estava pendente a lide no juízo estatal, ou se não estava. 2)CoMPRoMIsSO NA PENDÊNCIA DA LIDE, AUTOS DO PROCESSO. A lei prevê que já existia demanda em juízo estatal. Na pendência da lide, os autos são entregues aos árbitros, mediante recibo e independentemente de traslado. Permite (não ordena, a despeito das expressões “requererá ao juiz do feito que mande entregar-lhe os autos”) que os autos sejam entregues aos árbitros, mediante recibo e independentemente de traslado. Os árbitros podem não querer os autos; ficam eles em cartório, onde sejam examinados. Recebendo-os, ficam por eles responsáveis. No caso de perda, ou destruição, a restauração é à custa do culpado. Dai a conveniência dos autos suplementares. Se ainda não há lide pendente, passa-se o mesmo com os documentos, que, em todo caso, podem ser cópias fotostáticas, o que é aconselhável. Tratando-se de lide pendente, só são produzíveis aos árbitros os documentos referidos nos autos, ou que foram firmados após compromisso, embora antes da abertura do juízo arbitral, salvo se o compromisso foi anterior à audiência de instrução, ou se os documentos podiam ser juntos depois da audiência. 3)DEcIsÃo JUDICIAL E cOMPROMISSO OU JUÍZO ARBITRAL. Na regra jurídica do Código de 1939, art. 1.035, parágrafo único, dizia-se que, “proferida a decisão em qualquer instância”, não se admitia juízo arbitral. Regra de direito material que derrogou o direito anterior (Código Civil, art. 1.037, que não distinguira). Cf. Reg. n. 737, art. 412; Decreto n. 3.900, art. 2.0: “proferida qualquer sentença final” (definitiva), que é “decisão” no sentido do art. 1.035, parágrafo único, não émais admitido o compromisso. Aliter, se a resolução processual foi apenas interlocutória. Basta, para o impedir, decisão parcial. Isso não quer dizer que sobre a parte que não foi decidida (e. g., o juiz, a respeito

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dela, se deu por incompetente) não possa haver compromisso. A decisão que daria ensejo a apelação com ou sem julgamento do mérito, não obsta ao compromisso; porém a relação jurídica processual, que se estabelece, com o juízo arbitral, é todo ex novo. Não se aproveita a existentia fluens da relação jurídica processual até então, como ocorre em casos em que os termos do compromisso, não tendo havido decisão terminativa do feito sem lhe julgar o mérito, levam a entender-se que se aproveitou o processo estatal. 4)LIDE PENDENTE E celebração DE COMPROMISSO. Pode haver discordâncias, de lege ferenda, quanto à eficácia do compromisso e do juízo arbitral; mas o que ocorre com o art. 267, VII, que o meteu na numeração dos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, obriga-nos a examinar o passado e o presente, porque muito se perturbou o sistema jurídico. Celebrado o compromisso na pendência da lide, somente por isso não se extinguia essa: dava-se, apenas, suspensão do processo, isto é, da existentia fluens da relação jurídica processual; a relação jurídica processual lá estava e lá ficava. Se ocorria, também, desistência ou homologação de compromisso arbitral extintiva do processo, outra era a questão: era a desistência ou o conteúdo de cláusula compromissória que fazia cessar a relação jurídica processual. Aqui surgia questão, que era de grande relevância, e havia de ser resolvida de lege lata, uma vez que, de lege ferenda, os argumentos pró e contra a regra jurídica dispositiva que desse por cessada a instância, se ocorreu compromisso, eram fortes, de lado a lado, mas, em verdade, uns não destruiam os outros. De lege ferenda, seriam, aliás, cinco, pelo menos, as soluções possíveis: a) se nada se dispôs no negócio jurídico do compromisso, que é negócio jurídico de direito material, haviamos de entender que a relação jurídica processual cessou (regra jurídica, dispositiva, quanto à eficácia anexa, desconstitutiva da relação jurídica processual); b) se nada se dispôs quanto à cessação da relação jurídica processual, tinha-se de considerar que somente houve negócio jurídico de direito material sem a eficácia anexa, de que acima se falou (regra jurídica, dispositiva, quanto à ineficácia desconstitutiva de relação jurídica processual); e) quando se comprometiam as partes, o compromisso, dito judicial, tinha a eficácia que teria a transação ou a desistência (regra jurídica, cogente, quanto à eficácia anexa, desconstitutíva da relação jurídica processual, como se dá com a transação e a desistência); d) quando se comprometem as partes, a relação jurídica processual continua, de modo que somente se extingue com o trânsito em julgado da decisão homologatória do laudo; e) em caso de dúvida, era de se assentar que se não extinguiu a relação jurídica processual. A solução era a solução e). Na falta da convenção, a solução a) leva a ter-se por extinta a relação jurídica processual, de modo que se trata a espécie como se tivesse havido desistência. A homologação mesma não se referiu a desistência, nem se convencionou extinguir-se a relação jurídica processual. Podia bem ser que se aproveitasse tudo que definitivamente ocorreu na relação jurídica processual até o momento em que se firmou o compromisso. O efeito da homologação é o que resulta da lei ou do acordo de suspensão (art. 265, II); na lei, o que provém da homologação tem O mesmo efeito que tem a desistência ou a transação. O compromisso, hoje, é tratado como a desistência: a transação resolve a controvérsia; o compromisso é para se resolver. O juizo em que, pendente a lide, se firmou o compromisso, já os compromitentes haviam reconhecido como competente. O compromisso não o afasta, no que ele, processualmente, colabora digamos assim na arbitragem: cabe-lhe nomear desempatador, se é o caso, julgar a suspeição do árbitro, se esse ou a parte, que o nomeou, não a admitiu; os autos são entregues aos árbitros, mediante recibo, independentemente de traslado, porém volvem sempre que não terminou por homologação do laudo o juízo arbitral; a homologação do laudo cabe ao juízo em que se acordou no juízo arbitral, de jeito que, se há dois ou mais juízos originariamente competentes, está preventa a jurisdição. Na ordinariedade dos casos, o compromisso já implica saída condicional do juízo estatal. A convenção é que pode estabelecer a eficácia da simples suspensão. A exceção de compromisso obsta à formação da relação jurídica processual; o compromisso, pendente a lide, extingue-a, salvo cláusula do compromisso. Aí, se se quis que a relação jurídica não se extinguisse, apenas se fez pacto que entra na classe de que cogitou o art. 265, II, do Código de Processo Civil, quando enunciou que se suspende o processo por convenção das partes. Se se deixou que se extinguisse, cabe à homologação do contrato de compromisso eficácia semelhante à da transação e à da desistência. Mais com a desistência, porque não se julgou o mérito. Se a lei entendesse que se há de ter como regular a conservação da relação jurídica processual, teríamos a solução a). Se os árbitros excedessem o prazo, ou por outra qualquer razão perdesse eficácia o compromisso, inclusive por ter sido decretada invalidade, as partes retomariam o curso do procedimento estatal, como se interrupção não tivesse havido.

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Se se admitiu como regular a extinção, tem-se de iniciar outra relação jurídica processual estatal, se por alguma causa se ineficacizou o compromisso, inclusive se lhe foi decretada a invalidade. Se a relação jurídica não se extinguiu, como que dorme. Observe-se, portanto, que, na esteira da tradição do direito nacional, o lapso de estatalidade, enquanto se procede à arbitragem, tem a seguinte explicação: a relação jurídica processual subsiste, mas condicionalmente, e o que se substitui, também condicionalmente, é o juiz. Temos, hoje, o art. 267, VII, que atribui ao compromisso arbitral a eficácia extintiva. O compromisso impede a constituição da relação jurídica processual, se logo usada a exceção de compromisso; e faz, só por si, cessar a relação jurídica processual que já se estabeleceu. Tanto assim que, se se extingue o compromisso, o se lhe é decretada a nulidade, não se prossegue na causa que pendia e pende. O Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1867, art. 27, já resolvia esse ponto de alta significação em teoria e prática: “. . . reverterão os autos ao juízo ordinário, se houver causa pendente para prosseguir nos termos ulteriores, ou proporão as partes as ações que julgarem competir-lhes”. A situação em que permanece a relação jurídica processual depois de celebrado o compromisso na pendência da lide (art. 1.089) é como a do art. 265, II, e a do processo em que foi acolhida a exceção de litispendência, tendo depois ocorrido, por exemplo, extinção do processo no juízo que fora preferido. A ciência tem posto muito claro esse ponto. Aliás, os arts. 206 e 207 do Código de 1939 abstiveram-se, firmemente, de falar do compromisso pendente a lide como caso de extinção do processo. A tradição do nosso direito era escorreita: “Si autem compromissum factum fit, lite pendente, et postea laudum non sit sequutum, perinde habetur, ac si factum non fuisset, et sic potest in lite procedi” (MANUEL GoN ÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 25). A relação jurídica processual só se extinguia como efeito de sentença estatal. Por ocasião da homologação do compromisso, inconfundível com a homologação do laudo, dá-se a extinção da relação jurídica processual, como se afirmasse que os autores compromitentes desistiram da ação e os outros assentiram. Temos, agora, de examinar, detidamente, os textos de 1973. No Código de 1973, o art. 267, VII, discordante do texto do Código de 1939, art. 201, inseriu nas regras jurídicas sobre a extinção do processo (antes se dizia “absolvição da instância”) sem julgamento do mérito, o compromisso arbitral. Havemos de entender que tal compromisso, de acordo com as regras jurídicas de direito material, tem de ser homologado, a despeito de se não dizer isso no direito processual (Código de 1973, art. 1.073, la parte). O compromisso dito judicial é feito “por termo nos autos, perante o juiz ou tribunal por onde correr a demanda”. (Código Civil de 1916, art. 1.038, alíneas la e 2.a.) Se o juiz assina o termo, homologação houve. Tem-se de saber qual foi o conteúdo do compromisso arbitral, para se afirmar ou negar ter havido a extinção da relação jurídica, ou se houve apenas o corte do processo, por exemplo, algumas provas já tenham sido rogadas ou precadas a outro juízo, ou mesmo já tinham vindo. O art. 267, VII, somente extingue a relação jurídica processual (= extingue o processo ex tune) se é o que se há de tirar na interpretação precisa do termo nos autos perante o juiz ou o tribunal, que aí o homologa. A entrega dos autos somente pode ocorrer depois de homologado o compromisso. Seria absurdo que se requeresse entrega dos autos sem ter eficácia perante o juízo o negócio jurídico do compromisso. O art. 1.089 do Código de 1973 não pode ser interpretado como se derrogasse o Código Civil, pois o compromisso arbitral não é, de modo nenhum, ato processual, mesmo se feito por termo nos autos perante o juiz, caso em que apenas se faz processual a forma prevista pelo direito material. Art. 1 . 090. O juízo arbitral responde pela restituição dos autos 1), depois do julgamento ou da extinção do compromisso 2)• 1)REsTITuIÇÃO DOS AUTOS. Tenha havido, ou não, extinção do processo, os autos têm de ser restituidos ao juízo, que os entregou ao presidente do juizo arbitral ou ao árbitro único. O que mais acontece para a restituição é ter havido compromisso pendente a causa; mas, se não estava pendente, o compromisso pode ser levado para homologação, a fim de se evitar qualquer dúvida que possa surgir. Julgada a ação, objeto do compromisso arbitral, tem de ser homologada, necessariamente, a decisão do juízo arbitral. Os autos ficam no juízo estatal em que houve a homologação. Não se levam os autos. Quer seja judicial o compromisso, quer extrajudicial, o procedimento é no juízo arbitral. Aí, operada está a

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desestatalização, mesmo se estava pendente a causa. Se autos havia em ‘órgáo judiciário, são entregues ao juízo arbitral. Ou ao presidente do juízo arbitral ou ao árbitro. Uma vez que há três ou mais árbitros e um presidente, a ele é feita a entrega; se não há presidente, todos têm de assinar o recibo. Não seria de admitir-se a entrega a qualquer deles. Quem recebeu ou quem substituiu quem recebeu é responsável pela devolução. 2)ExTINÇÃo DO COMPROMISSO. Qualquer que tenha sido a causa da extinção do compromisso (art. 1.077), os autos do compromisso homologado (feito nos autos perante o juízo ou o tribunal, ou por instrumento público ou particular) têm de ser restituidos, e. g., se o árbitro ou qualquer dos árbitros se escusou de aceitar, ou se faleceu ou foi impossibilitado de votar, sem haver substituto, ou se expirou o prazo do art. 1.075, 1, ou se faleceu uma das partes e deixou herdeiro incapaz, ou houve divergência dos árbitros quanto à nomeação de terceiro. Art. 1 . 091. As partes podem estabelecer o procedimento arbitral 3), ou autorizar que o juízo o regule’) 2)~ Se o compromisso nada dispuser a respeito, observar-se-ão as seguintes regras ~): 1 incumbe a cada parte, no prazo comum de vinte (20) dias, assinado pelo juízo, apresentar alegações e documentos; Ii em prazo igual e também comum, pode cada uma das partes dizer sobre as alegações da outra; lii as alegações e documentos serão acompanhados de cópias, para serem entregues a cada um dos árbitros e à parte adversa, sendo autuados pelo escrivão os originais. Art. 1 . 092. Havendo necessidade de produzir prova ~) (art. 1 . 086), o juízo designará audiência de instrução de julgamento5). 1)RELAÇÃO JURÍDICA E ARBITRAGEM. Entre as partes e os árbitros estabelece-se relação jurídica processual, à semelhança da que se cria entre as partes e o Estado. De ordinário, em ângulo: autor, juizes árbitros; juizes árbitros, réu. A relação jurídica processual que se suscita não é de direito processual (público), uma vez que a homologação ~ó é requisito final. Pela homologação estataliza-se o laudo. Na concepção do Código, não é só a executividade, a mandamentalidade, a força e o efeito constitutivos, que faltam ao laudo; é a própria força de declaração, é a própria condenação. Sem a homologação, a sentença arbitral declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva, não se “cumpre”. Falar-se, pois, de homologação para conferir efeito só executivo é erro. O que o Estado deixa ao árbitro é menos do que a sentença sem força ou efeito executivo; é decisão sem qualquer força ou eficácia sentencial. O laudo, sem a homologação, não é, propriamente, sentença. Está aí toda a verdade. O mal é não se verem os fatos. Dizer-se, pois, que o laudo tem o processo de declaração (de acertamento, como se italianiza, aqui e ali) é emprestar-lhe o que a lei lhe nega: o laudo dos árbitros, que apenas declara, sem condenar, não precisa menos de homologação, para a sua força ou efeito declarativo, do que o laudo dos árbitros, que executaria, precisaria de homologação, para a força ou o efeito executivo. A homologação é elemento integrativo necessário do laudo para fazê-lo sentença, isto é, dar-lhe força e efeitos de sentença. Antes da homologação, faltam-lhe toda a força e todos os efeitos, e não só o executivo. Faltam-lhe mesmo certa força e os efeitos das sentenças estrangeiras como de atos jurídicos. 2) DECIsÃO ARBITRAL. O julgamento dos árbitros é suscetível de força e efeito peculiares à sentença na ação de que se trate. Não é possível dizer-se que o laudo é declarativo, porque o laudo pode ser em ação declarativa como em ação de condenação, constitutiva, mandamental, ou executiva. A palavra “execução” que aparecia no Código de 1939, art. 1.041, não tinha o mesmo significado que a palavra “execução”, na expressão “execução de sentença”, ou na expressão “sentenças executivas”. Felizmente, o Código de 1973, art. 1.097, deixou de empregá-la. 3)PROCEDIMENTO ARBITRAL ESTABELECIDO PELOS COMPROMITENTES. No ato do compromisso, mesmo se se trata de cláusula testamentária (negócio jurídico unilateral), a) podem ser redigidas ou apontadas normas de procedimento. Outrossim, b) pode haver autorização ao juízo competente para a homologação. Mas há outra solução: c) a de se ter de atender ao art. 1.091, 2.~ parte, no caso de não se ter estabelecido o procedimento, nem se ter dado autorização ao juízo. As regras jurídicas do art. 1.091, 2.~ parte, incidem, devido à omissão dos compromitentes ou do compromitente. Nota-se que o art. 1.091 contém, em relação ao direito anterior, relevante inovação: há os três caminhos que ele aponta. Algo de semelhante havia no Código de Processo Civil italiano (1940), ad. 816: “Le parti possono stabilire nel compromesso, neila clausola compromissoria o con atto scritto successivo, purchê

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anteriore all’inizio del giudizio arbitrale, le norme che gli arbitri debbono osservare nel procedimento”. O texto brasileiro é ainda melhor. 4)PRAzos, ALEGAÇÕES E DOCUMENTOS. Na hipótese de nada se haver estabelecido, há o prazo comum de vinte dias, assinado pelo juízo arbitral, para que sejam apresentadas pelas partes as alegações e os documentos; o prazo igual e também comum, para cada parte manifestar-se quanto às alegações da outra, ou das outras. Além isso, as alegações e documentos têm de ser acompanhadas de cópias, para serem entregues a cada um dos árbitros e à parte adversa. O escrivão, que foi designado (art. 1.085, § 2.0), tem de autuar os originais. As partes têm o prazo comum de vinte dias para as suas alegações de primeira plana, excluída a comunicação de vontade da petição, porque a relação jurídica processual já está estabelecida com a instituição do juízo arbitral. A bilateralidade do compromisso, com a instituição do juízo arbitral, fez as vezes da petitio e da vocatio (citação). Daí o art. 1.091 só se ocupar com as afirmações e documentos, sem que se exija primeiro falar o autor, depois o réu. Ambos alegam, no primeiro prazo dos vinte dias; e apresentam os documentos necessários. No mais, rege a lei processual civil. Depois de correr o primeiro prazo de vinte dias, vem o segundo, também de vinte dias, para a contrariedade, sendo admitidas ambas as partes. Isso mostra certo resquício de processo anárquico no juízo arbitral, certo primitivismo pré-estatal que resiste às formas orgânicas, superiores, do processo nos juizes estatais. O ressurgimento do juízo arbitral no século XIX obedeceu à mesma causa que sugeria aos anarquistas a decisão ante-estatal das contendas: é o anarquismo capitalístico, simétrico ao anarquismo das esquerdas, denunciando regressão, logo aos primeiros desfalecimentos da economia industrial dos séculos XIX e XX. Nos casos omissos, incidem as regras jurídicas do processo comum. Uma das regras jurídicas é a do art. 263 da lei processual em que se fala da citação do réu para se entender estabelecida a angularidade da relação jurídica processual. Tal situação somente é idêntica se foi deixado a algum, a alguns ou a qualquer dos compromitentes suscitar a instalação do juízo arbitral. Se aos árbitros, ou a algum deles, ou a alguns deles cabe determinar o início do procedimento, tem-se de comunicar aos compromitentes a data desde a qual se começa de contar o prazo de vinte dias para a apresentação de alegações e documentos. Segue-se outro prazo igual, comum a todos os compromitentes, para dizerem sobre as alegações e documentos juntados. A audiência para instrução e julgamento, que terá de ser fixada com ciência dos compromitentes, para que possam comparecer, o árbitro único ou árbitro que presida o juízo fará declaração da abertura (art. 450). Se algum dos árbitros não comparece e, pelos termos do compromisso, não se pode proceder, o árbitro ou o presidente do juízo arbitral, se o há, tem de fazer lavrar-se o termo, dele constando a não-comparência. O art. 453 e § § 1.0, 2.0 e 3•O, são invocáveis. Bem assim, os arts. 451, 454 e § § 1.0, 2.0 e 3•0 e 455-457. No compromisso, pode-se dispensar a presença das partes (L.27, § § 4 e 5; JOHANN VOET, Ccnnmentariu.s ad Pandectas, 229), inclusive para a publicação da sentença. O compromitente que impede, sem causa legal de escusa, que se decida no tempo conveniente, incorre na pena convencional (cf. L. 27, § 4, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8). 5)AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO. Findo o segundo prazo, o árbitro relator designa a audiência de julgamento. Dessa publicação corre o prazo para a remessa dos autos ao cartório do juízo competente. 6)NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS. ~ possível que os documentos apresentados com as alegações bastem para o julgamento arbitral. Se, em vez disso, outras provas precisam ser produzidas, então o juízo designa a audiência de ilustração e julgamento. Na audiência de instrução e julgamento tudo se apura e se julga. Foi a necessidade de outras provas que fez substituir-se a audiência de julgamento pela de instrução e julgamento. Julgada a ação, ou julgadas as ações, que são o conteúdo da decisão, os autos são remetidos ao juízo competente para a homologação, dentro de cinco dias. A publicação é na própria audiência, quer tenha sido audiência só de julgamento ou de instrução e julgamento. Art. 1 . 093. O juízo pro ferirá laudo fundamentado no prazo de vinte (20) dias1). § 1.0 O laudo será deliberado, em conferência, por maioria de votos e reduzido a escrito por um relator 2) 3). § 2!> O árbitro, que divergir da maioria, fundamentará o voto vencido. Art. 1 . 094. Surgindo controvérsia acerca de direitos sobre os quais a lei não permite transação4) e verificando-se que de sua existência ou não dependerá o julgamento, o juízo suspenderá o procedimento arbitral5), remetendo as partes à autoridade judiciária competente.

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Parágrafo único. O prazo para pra ferir o laudo arbitral recomeça a correr, depois de juntada aos autos a sentença, passada em julgado, que resolveu a questão prejudicial. 1)PRAZO PARA SE PROFERIR O LAUDO ARBITRAL, O prazo para se proferir o laudo arbitral é de vinte dias. Dentro de tal prazo há de estar a audiência de julgamento (art. 1.096), ou a audiência de instrução e julgamento (art. 1.092). Se, porém, surge controvérsia acerca de direitos sobre os quais a lei não permite transação e se verifica que de sua existência dependerá, ou não, o julgamento, o próprio juízo arbitral suspende (note-se bem: suspende) o procedimento arbitral, para que as partes remetam a questão ou às questões ao juízo estatal competente para tal julgamento, ou tais julgamentos. 2) JULGAMENTO. A deliberação há de ser em conferência, por maioria de votos; e reduzida a escrito por um dos árbitros, que é o relator, ou o vencedor, se aquele foi vencido. O art. 1.092, combinado com o art. 1.096, mostra que a deliberação é na audiência de instrução e julgamento, como ocorre nos juízos estatais, ou só de julgamento; porém as duas audiências do art. 1.092 são no mesmo dia, ou com intervalo, se foram marcadas antes, ou a segunda depois da primeira, com ciência e aquiescência das partes. Aí, no art. 1.093, §§ 1.0 e 2.0, apenas se referiu o caso de serem três ou mais árbitros, porém há o de só haver um árbitro, juízo singular. Tem ele o prazo de vinte dias para proferir o laudo, que há de ser fundamentado como se o juízo fosse coletivo. A falta de fundamentação é causa de invalidade (artigos 1.100, VII, e 1.095). Se o juízo é coletivo, qualquer ou quaisquer votos divergentes, vencidos têm de ter a sua fundamentação. Advirta-se que a fundamentação pode ser dos divergentes, acordes entre si, e até no tocante aos vencedores ou vencidos cada um, a despeito de conclusões idênticas, podem ter de mostrar os seus fundamentos. Os fundamentos podem ser concernentes às quaestiones e às quaestiones iuiis, sem se afastar a possibilidade da divergência ser apenas quanto aos fundamentos. O relator escreve o laudo, com os dados exigidos pela lei; ou, se o juízo for de um único árbitro, por esse. O que importa é que os vencedores e cs vencidos dêem as razões para decidirem e para divergirem. Sempre que os vencedores ou divergentes entre si discordem com os fundamentos, a despeito da unicidade da conclusão ou das conclusões, devem fundamentar cada um dos seus votos. Isso é um assunto para exame do juízo que tem de analisar e homologar o laudo arbitral. 3) EMPATE. Se há empate, o árbitro desempatador, se o há, decide, porém não é obrigado a decidir pela adoção de uma das decisões, o que constituiria traço do primitivismo do juízo arbitral, no qual ainda interessava mais resolver que resolver bem, mais “cortar o litígio” do que realizar o direito objetivo. Se, porém, os pedidos são diferentes, pode aqui seguir a um, e ali a outro árbitro. A conferência do desempatador com os outros árbitros não é necessária. O desempata-dor pode exigi-la. O compromisso pode autorizar os árbitros a nomear desempatador (Código Civil, art. 1.040, V). Hoje, rege o art. 1.076. Sempre que os árbitros nomeiam o desempatador têm de dar ciência às partes; se o não fazem, nulo é o processo, porque o desempatador se insere na relação jurídica processual como julgador. MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentaria, 1, 38) foi claro: “in casu vero, quo possent arbitri eligere tertium, debent illum eligere vocatis partibus, quae possunt suspectos nominare, alias nuílitas esset”. Surgem alguns problemas. Se os árbitros, embora em número ímpar, empatam (e. g., dois no sentido a, um no sentddo b, e dois no sentido c, e não se previu o empate, <como se há de resolver? Ou o compromisso, ou algum ato posterior em aditamento, previa a solução com a nomeação de desempatador, ou alguma lei a estabeleceu, ou o julgamento não se ultimou. ~ Os compromitentes têm de nomear o desempatador? A solução, por analogia, é a do art. 1.076, 2.~ parte. Os árbitros nomeiam o desempatador. 4)DIREITOs INTRANsACIONAvEIs . Uma vez que se pode concluir negócio jurídico de compromisso se o objeto pode ser objeto de transação, tinha-se de atender à circunstância de depender do exame da espécie antes de se proferir o laudo arbitral. Não seria de admitir-se que a prejudicialidade da questão fizesse julgável por árbitros o que a lei não lhe permite. Se o julgamento depende de existir tal direito, ou mesmo de não existir, ou de poder ser exigido, ou não (pretensão e ação), só o juízo estatal pode proferir sentença a respeito. 5)SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL. Uma vez que alhures tem de ser julgado o que concerne a direito que não pode ser objeto de transação, compreende-se que se suspenda o procedimento. Uma vez que já se iniciara o prazo para o julgamento arbitral, a suspensão somente pode cessar quando haja

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transitado em julgado a sentença e tenha sido junta aos autos. A data da juntada é que recomeça a correr o prazo para o laudo arbitral. Observe-se que a lei não fez o intervalo ser interruptivo do processo, mas sim suspensivo. Quanto ao prazo, não; houve interrupção. Portanto, recomeçar, aí, é continuar de correr, findo o intervalo. No art. 1.094 supóe -se que surja controvérsia sobre direitos que não permitem transação. Se isso enche todo o objeto do litígio, o juízo arbitral é incompetente, por força de lei. Pode acontecer, porém, que o seu julgamento apenas dependa do que se decidiria no tocante ao que é intransacionável. Por exemplo: trata-se de questão de verba testamentária e uma das partes alega que o testador não podia deixar de respeitar a legítima, porque seria filho ou neto do testador, e precisa dar prova da filiação ou da descendência. A questão sobre respeitar-se a metade necessária não é estranha ao juízo arbitral, mas a questão de ser a pessoa, ou não ser, descendente é estranha ao juízo arbitral. Tem-se de remeter tal questão à autoridade judiciária competente. Dá-se o mesmo se alguém se apresenta para alegar ou se um dos compromitentes alega que era cônjuge do falecido, ou que a ação de desquite não tinha sido julgada, com a necessária eficácia. A decisão do juízo arbitral fica dependendo do que o juízo estatal julgar. Trânsita em julgado tal sentença, tem de ser junta aos autos, porque se tratou de questão prejudicial. O árbitro ou árbitros respeitam a res judicata e o prazo para o laudo, que fora interrompido, recomeça a correr. Ã4rt. 1 . 095. São os requisitos essenciais do laudo: 1 o relatório, que conterá os nomes das partes, a indicação do compromisso e o objeto do litígio 1); 11 os fundamentos da decisão, mencionando-se expressamente se esta foi dada por eqúidade 2); Iii o dispositivo3); IV o dia, mês, ano e lugar em que foi assinado4). 1)INDICAÇÃO DAS PARTES, COMPROMISSO E OBJETO DO LITÍGIO. O laudo há de indicar as partes, à semelhança das sentenças dos juizes estatais (art. 458, 1); o negócio jurídico do compromisso, de onde deriva a função arbitral; a indicação do objeto do litígio. Os demais requisitos são de forma. O laudo arbitral há de conter a indicação do objeto do litígio. No direito romano, conforme PAULO (L. 19, pr., D., de receptís: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8), parece que se dispensava a fundamentação. De texto de ULPIANO (L. 27, § 2) sabe-se que segundo rescrito de Pio se tem de suportar, com ânimo igual, a sentença (arbitral) menos provável: “vel minus probabilem sententiam aequo animo ferre debet”. Disso assaz se distanciou o direito moderno, sob o influxo germânico, e firmado foi que é pressuposto da decisão arbitral a fundamentação (G. L. BOEHMER, Awserlesene Rechtsfafle, 1, 164). 2)FUNDAMENTOS DA DECISÃO. O laudo arbitral há de expor os fundamentos da decisão, quer de direito, quer de fato. Se ocorre que, hoje, no todo, ou em parte, julgamento é por eqúidade, tem isso de constar do laudo arbitral. Cf. arts. 1.075, IV, e 1.100, VI, sobre a necessidade de terem os árbitros ou ter o árbitro resolvido com observância de tal poder de julgamento. 3)CONCLUSÃO (“DIsPoSITIvO”). No art. 1.095, III, alude-se a dispositivo; entenda-se: o enunciado ou os enunciados que são conteúdo da decisão. O texto inicial falava apenas de decisão; e a Lei n. 5.925, de 1.0 de outubro de 1973, pôs: dispositivo. Todas as sentenças e todos os acórdãos têm de ter-minar pelas conclusões, ou pela conclusão: “é” ou “não e (conclusão declarativa); “no momento b passe a existir o que não existia no momento a”, ou “no momento b deixe de existir o que existia no momento a” (conclusão constitutiva); “B que causou dano a A fique condenado a sofrer o dano que causou” (conclusão condenatória); “mando que seja arrestado (ou sequestrado) o bem de B, a favor de A”; ou “mando que se solte A” (habeas-corpus), ou “mando que não se observe a ordem da autoridade E” (mandado de segurança), conclusões mandamentais; “passe ao patrimônio de A o que está no patrimônio de E” (conclusão executiva). 4)ASSINATURA, DIA, MÊS, ANO E LUGAR EM QUE FOI ASSINADO O LAUDO ARBITRAL. Todos os árbitros têm de assinar o laudo arbitral, seja um ou sejam alguns vencedores e outro ou outros vencidos. No Código de 1939, art. 1.038, § 1.~, dizia-se:“Será válido, entretanto, o laudo assinado pela maioria dos árbitros, uma vez que assim hajam todos resolvido em conferência”. Nos Comentários ao Código de 1939, Tomo XV, 201, dissemos: “outro traço do primitivismo do juízo arbitral: os árbitros restantes, vencidos, não estão sujeitos a prestigiar a decisão; nem, sequer, obrigados a assinar o laudo”. O Código de 1973, art. 1.093, § 2.0, explicitamente estatui: “O árbitro, que divergir da maioria, fundamentará o voto vencido”. Os árbitros tem os deveres e a responsabilidade dos juizes estatais. Cf. art. 1.081, 1.082, 1,1.083 e 133.

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Art. 1 . 096. O laudo será publicado em audiência de julgamento 1)~ O escrivão dará, no mesmo ato, a cada parte uma (1) cópia do laudo e remeterá os autos, em que este foi proferido,, ao cartório do juízo competente para a homo logação2), dentro em cinco (5) dias. 1)JULGAMENTO E PUBLICAÇÃO . Ou a audiência foi para instrução e julgamento, por ter sido indispensável produção de provas, ou foi só para julgamento. Em ambas as espécies, a publicação é na audiência, com o que o Código de 1973 simplificou a solução. No mesmo ato, tem o escrivão de dar a cada parte uma cópia do laudo e de remeter os autos ao cartório do juiz competente para a homologação. O prazo para isso é de cinco dias. Não mais se exige que as partes peçam a homologação, o que constava do Código de 1939, art. 1.044 (“assinado pelas partes o pedido de homologação”). Já não é mais preciso. Com o dever que se dá ao escrivão, o pedido está implícito com a remessa e há automaticidade. Se as partes não querem a homologação, têm de manifestá-lo ao juízo competente, porque isso corresponderia a desfazimento do compromisso arbitral. 2)COMPETÊNCIA DO guizo A QUE SE TEM DE REMETER 05 AUTOS. O laudo tem de ser remetido ao juízo que seja competente para a homologação. Se a remessa se fez a juízo que não era o competente, e não se transferiu a tempo, isto é, dentro do prazo dos cinco dias, contados da data da assinatura, discute-se, em alguns sistemas jurídicos estrangeiros, se é ineficaz o laudo, ou se o não é. Atendendo a que o prazo do art. 1.096 (antes, sob o Código de 1939, art. 1.043) é ato essencial à constituição do juízo homologatório, por ser integrativo do laudo, o Código de 1939, art. 1.045, VII, dera resposta à questão do excesso do prazo do depósito: “é nula a decisão arbitral”. Não se tratava, pois, de mera formalidade, nem, sequer, de nulidade não-cominada. Era possível, de fure condendo, resolver-se diferentemente; mas a lei fora clara, fazendo o depósito ato integrativo do laudo, ato sem o qual ele era ineficaz. Poderia ter ido além: tê-lo como inexistente. Em vez disso, reconheceu-lhe a existência, e tachou-o de nulo. A sua consistência jurídica era somente essa: existia, e era nulo. Existia como laudo; não, como futura sentença. Como sentença, precisaria ele, antes, do depósito e do exame pelo juiz da homologação. Restava saber-se se a superveniência da sentença de homologação sanava a nulidade do laudo. Se o prazo fora excedido, claro que não. Se o prazo não fora excedido, porque o juiz estava nas situações do Código de 1939, art. 279, então a questão não se punha. Se o prazo foi excedido, ou pela falta do depósito, ou pelo depósito ritual, inclusive em caso de incompetência sem prorrogabilidade, se houve sentença pelo juiz competente, a que foram os autos, ou pelo juiz que se tornou competente por lei nova, a nulidade resistia à sentença passada em julgado. Portanto, tal nulidade era alegável na apelação; e, depois do trânsito em julgado, era alegável, quer da sentença homologatória, quer da sentença na apelação, não nos embargos do devedor, porém pela ação de nulidade, a actio nuílitatis, ou pela ação rescisória, se se compuseram os seus pressupostos. (A respeito da ação de nulidade absoluta, cf. G. A. MICHELI, Nullità del lodo arbitrale por deposito presso pretore incompetente, Rivista, 14, Parte II, 141-154, onde também admitia a oposição à execução, os nossos embargos do devedor, mas os arts. 1.010 e 1.011 do Código de 1939 não os permitiam). Ponhamos em termos precisos a questão da homologação se ao juízo competente chegam depois do prazo dos cinco dias. A falta de observância do art. 1.096 pode resultar de ter sido errada a remessa (em vez de ir ao cartório do juízo competente para a homologação, foi ao de outro juiz) e ao juiz competente somente pôde ser feita após os cinco dias. Desde logo afastemos o problema da pluralidade de varas competentes, pois aí tudo se resolve pela distribuição. Se os autos do juízo arbitral foram remetidos ao cartório do juízo competente, mas no dia seguinte alguma lei ].he retirou a competência, é missão do juiz que deixou de ter competência remetê-los ao juiz que passou a ser competente. Se ele retarda, a culpa é sua, e não das partes. Se os autos foram ao cartório de juízo que judicializara o compromisso e deixara de ser competente, o dever é o n±esmo. Se o compromisso fora extrajudicial, tem o escrivão de providenciar para que a remessa seja ao juiz competente. Sempre que a remessa foi a juiz incompetente, temos de admitir que, com a extinção do prazo de cinco dias, infringe a lei qualquer remessa posterior. Não pode ser invocado o art. 181, onde se diz que podem as partes, de comum acordo, reduzir ou prorrogar o prazo dilatório, mas a convenção só tem eficácia se, requerida antes do vencimento do prazo, se funda em motivo legítimo. Tal prazo para o escrivão é peremptório. O que pode acontecer é que seja difícil a remessa e o juiz excepeionalmente o prorrogue (art. 182), ou ter ocorrido calainidade pública (art. 182, parágrafo único). Demais, há o art. 183, em que se ressalva a prova de que não se remeteu por justa causa: ao receber os autos, o escrivão submete o caso ao juiz estatal. Também pode dar-se que tenha sido determinado o fechamento do forum, ou que o expediente se haja encerrado antes da hora

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(art. 184, § 1.0). Todos esses fatos têm de ser apreciados pelo juiz competente para a homologação. Advirta-se, mais uma vez, que a regra jurídica do art. 1.045, VII, do Código de 1939, foi eliminada do art. 1.100 do Código de 1973. Passemos ao problema hoje em dia. É difícil que o escrivão do juízo arbitral não saiba qual o juízo competente para a homologação do laudo arbitral. O prazo de cinco dias épara ato dele, e não das partes. Essas não precisam agir. Seria de repelir-se que o laudo arbitral em que se observaram as regras jurídicas ficasse sem eficácia pelo fato do erro ou da ignorância do escrivão. O cartório judicial que recebe os autos sabe se o juízo a que serve é o competente para homologar o laudo arbitral. Se tem dúvida, tem de perguntar ao juiz. Somente depois de recebidos os autos é que o juiz tem de determinar que as partes se manifestem dentro de vinte dias, que se contam da intimação. No Código de 1973 não há a regra jurídica do art. 1.045, VII, do Código de 1939, em que se dizia “ser nula a decisão arbitral quando o laudo não for depositado no prazo do art. 1.043”. Temos de seguir o caminho que não levaria a inutilização de compromisso e de laudo arbitral. Art. 1 . 097. O laudo arbitral, depois de homologado, produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença judiciria 1); e contendo condenação da parte 3) 4), a homologação lhe confere eficácia de título executivo 2) (art. 584, n. III). 1)FORÇA E EFICÁCIA SENTENCIAL. O laudo arbitral, depois da homologação, recebe a força e a eficácia imediata e mediata que corresponderiam à sentença proferida pelo juiz estatal. A classificação das sentenças do juízo arbitral é a mesma das sentenças do juízo estatal. O Código de 1973 afastou o erro do Código de 1939, artigo 1.041, onde se dizia que “a execução da sentença arbitral dependerá de homologação”. Haviamos de repelir a terminologia, o que fizemos nos Comentários ao Código de 1939 (Tomo XV, 212, e escrevemos: “A palavra “execução ” está, aí, por eficácia, no sentido largo (força e efeitos). O laudo, a sentença arbitral, não tem efeitos antes da homologação. É a homologação que lhe confere força e efeitos. A própria força de coisa julgada material falta ao laudo antes da homologação. Como esse laudo já foi publicado, dá-se a preclusão e, pois, a força formal de coisa julgada. Mas força formal interna”. 2) Juiz ESTATAL No Código Civil de 1916, art. 1.045, dizia-se: “A sentença arbitral só se executará (?) depois de homologada, salvo se for proferida por juiz de primeira ou segunda instância, como árbitro nomeado pelas partes”. De jure condendo, era de exprobrar-se, o que fizemos. O Código de 1939, ad. 1.043, derrogou o art. 1.045 do Código Civil, acertadamente. No sentido do que dissemos na 1.a ed. dos Comentários ao Código de 1939, a 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 28 de outubro de 1952 (R. dos T., 207, 130). Daí as consequências: a) de ter de ser homologado o laudo arbitral, ainda que o tenha proferido árbitro que coincide ser juiz de primeira ou de superior instância, e b) estar sujeito o laudo ao prazo legal. O Código de 1973 tomou a mesma medida. Surge problema. Se o árbitro foi o próprio juiz que teria de homologar o laudo arbitral, ~a quem compete a decisão homologatória? A solução de se subir de grau é de repelir-se: no sistema do direito brasileiro vigente, abstrai-se da função estatal que possa ter o árbitro. Tem de ser levado o laudo arbitral a outro juiz igualmente competente, se ainda não havia relação jurídica processual estatal, ou se, havendo, se extinguiu. Se havia e persistiu, o juiz competente para a homologação é o juiz que substituira o juiz que aceitou a arbitragem, em caso de impedimento. 3) CUMPRIMENTO DO LAUDO ANTES DA HOMOLOGAÇÃO . O cumprimento do laudo, antes da homologação, é execução voluntária das obrigações do vencido, e não execução voluntária da sentença. A esse respeito, cumpre repetir-se que não importa qual a força da sentença, nem qual o efeito de que se trata (declarativo, constitutivo, condenatório, mandamental ou executivo). o cumprimento da sentença arbitral homologada compete ao juiz homologante. Se há no compromisso pena convencional regida pelo art. 918 do Código Civil (multa alternativa), tal cláusula permite escolha a favor do credor (para o direito anterior, MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 31). Se há, mas é regida pelo art. 919 do Código Civil (muita cumulativa), pode o credor pedir a execução da obrigação e a da multa. Se ocorre, em derrogação à lei, que o contrato conferiu ao devedor o direito ou a pretensão à resolução, pagando a pena, a execução só se dá se ele não exerce o direito ou a pretensão a resolver (ex tune)

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o contrato. Não se confunda a pena convencional do contrato, de que estamos a falar, ou a do compromisso, adjecta à obrigação da parte, que é pena convencional da mesma natureza, com a pena convencional ligada à proibição de recorrer (cláusula “sem recurso”, pena convencional para a infração dessa cláusula). Essa seria sempre cumulativa, posto que pudesse ficar sine causa se a apelação interposta e proibida obtivesse provimento, ainda parcial. O juiz homologante, no direito brasileiro, tem cognição limitada, que é a da eficácia do laudo (art. 1.100), inclusive quanto à existência, à validade e à eficácia do compromisso (art. 1.077). Não pode reexaminar a causa. Nem no juízo da apelação: segundo os princípios, a cognição seria completa, desde a executoriedade do laudo, até à justiça do que o juízo arbitral decidiu, mas está o juízo recursal rios limites da homologação. O juízo homologante, esse, não se pode, de regra, pronunciar sobre a res in iudicium deducta. E a apelação é subordinada às regras jurídicas dos artigos 1.101 e 1.102 do Código de Processo Civil. Antes do laudo, podem as partes disputar sobre a existência ou eficácia (ações declaratórias), validade do compromisso (ações constitutivas). Aliás, é possível que isso se ventile em juízo estatal, por ocasião de alguma exceção de compromisso. Antes da homologação do laudo, não pode haver exceção de coisa julgada, que se funde nele; a exceção ainda é, apenas, a de compromisso. Qualquer eficácia sentencial, seja declarativa (coisa julgada material), seja constitutiva, ou condenatória, ou mandamental, ou executiva, só se produz com a homologação. Ainda assim, diz-se (a) ser ponto assente que, mesmo homologado, o laudo não se equipara, em tudo, à sentença. Se, a despeito do laudo homologado, uma das partes vai a juízo e a outra não alega a existência do laudo homologado, não poderia o juiz, de ofício, atender à coisa julgada material. Em consequência, poderiam as partes convencionar não se levar em conta o laudo, ainda depois de homologado, submetendo a controvérsia, de novo, aos juizes estatais. Cf. GIU5EPFE CHIOVENDA (Principii, 117). A isso opõe-se (b) que a homologação confere ao laudo a mesma força e os mesmos efeitos que teria a sentença estatal (art. 1.097). Se, submetido ao juiz o laudo, esse o homologa, equipara-o à sentença. Diante da expressão “os mesmos efeitos da sentença judiciária” (art. 1.097), a equiparação é completa, exceto quanto aos limites subjetivos da eficácia. A solução (b) é a do nosso direito. Ricn~um SCHMIDT (Lehrbuch, 2.~ ed., 157) entendia que o laudo homologado é como a sentença estrangeira homologada, e não mais; GIU5EPPE CHIOVENDA. conforme vimos, abria exceção, no tocante à sentença arbitral, ao principio Ne bis in idem, e admitia, assim, a revogabilidade convencional. A. MENDELSSOHN-BARTHOLDY (Rechtskraftwirkung des Schiedsspruches, Festschrift fiir FR~uNTz KLEIN, 171) e RtrnoLv POLLAIC (System, 781) sustentaram a equiparação às sentenças nacionais. Quanto aos efeitos anexos e reflexos, é diferente: outras regras, provavelmente de outros ramos do direito, podem só atender a sentenças em processos estatais. A assimilação do laudo arbitral à sentença estrangeira, que RICIIABD SCHMIDT fazia, é de repelir-se. A sentença estrangeira, antes da homologação, tem efeitos; apenas não foram importados, e a homologação só é necessária a essa importação da eficácia sentencial. Do tempo, pelo menos, de JORGE DE CABEDO (Practicarunz Observationum sive Decisionum, decisão 210) ao de MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica Lusitana., II, 171), teve-se sempre como certo que o juiz árbitro não pode cumprir a sentença, ainda que o permitisse o compromisso. Desde a entrada dos escritos de BÁRTOLO DE SAXOFEREATO é de crer-se que assim se julgasse. Isso não exclui o compromisso para as ações executivas, pois a sentença executiva vai ter de ser homologada: é outro compromisso, seguido de outro laudo, de outra homologação e de outros recursos. 4)LAUDO ARBITRAL CONDENATÓRIO . No art. 1.097, 2 parte, está escrito que, “contendo condenação da parte, a homologação lhe confere eficácia de titulo executivo”. Entenda-se: qualquer que seja a sentença com 3 de executividade, é título executivo. Se há 4 ou 5 de executividade, a homologação contém (5) ou permite (4) para a execução da sentença, sem se precisar de aludir a titulo executivo. A homologação fez sentencial a força ou a eficácia imediata do laudo arbitral. Pense-se no laudo arbitral em controvérsia de depósito (ação de depósito), de reintegração de posse, de vindicação da posse, de imissão de posse, de indenização em caso de nunciação de obra nova, todas, como muitas outras, com 5 de executividade; e em ação com 4 de executividade, como a decretação de nulidade, de entrega de objetos próprios, de prestação de contas. Seção IV Da homologação do laudo’) 1)AçÃo DE HOMOLOGAÇÃO DO LAUDO ARBITRAL. Aos compromitentes que obtiverem laudo

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arbitral nasce a ação de homologação, que se prende à pretensão à homologação. Há a pretensão (pré-processual) à tutela jurídica, a pretensão de direito material (público) à homologação e a “ação” (remédio jurídico processual), que se rege pelos arts. 1.098--1.102do Código de Processo Civil. No direito romano, o procedimento era deixado ao razoável arbítrio do juiz, em vez de ser à imagem do procedimento estatal (cf. W. ANDRé, Gemeinrechtliche Grunâzúge, 1. der Schiedsgerichte, 2. des Wasserrechts, 43-59; C. WEIzsÀCKER, Das rõmische Schiedsrichtamt, 79 s.). Aliter, no sistema do Código Civil, art. 1.044: “Instituído, judicial ou extrajudicialmente, o juízo arbitral, nele correrá o pleito os seus termos, segundo o estabelecido nas leis do processo”). Pro ferido o laudo arbitral, ou há, sem ser necessário o pedido de homologação pelos compromitentes, a remessa dos autos pelo escrivão (o que é seu dever), de modo que, negada a homologação, qualquer deles pode recorrer da negação, ou todos recorrem, embora nenhum haja pedido a homologação. a)Se o juiz a negou, o recurso tem de apreciar os fundamentos e a conclusão da sentença que negou a homologação. b)Se todos os compromitentes são contra a homologação, salvo se convencionam desfazer o compromisso, ainda assim tem o processo de ir ao juiz competente para a homologação, porque, a despeito de ser a homologação judicial do laudo arbitral, historicamente, sucedâneo da homologação pelas partes (laudum homologatum), o Código de Processo Civil entende que recurso só há de caber de decisão que negue ou dê a homologação. A lei processual admite a hipótese de homologação contra todos os compromitentes. Salvo, entenda-se, se todos os compromitentes antes da remessa, ou antes do julgamento homologatório, desistem do juízo arbitral. c)Se algum dos compromitentes pediu a homologação,ou se alguns a pediram, e os outros não, tem de decidir o juiz competente para a homologação. O prazo para a apelação somente começa depois de se manifestar o juiz competente para a homologação. No sistema do Código de Processo Civil, o prazo que se conta desde a publicação do laudo é o prazo que tem o escrivão para a remessa. Não importa se os compromitentes pediram, ou não, a homologação; é do interesse dos árbitros, que proferiram a decisão arbitral, que seja ela homologada. Se deixam que se escoe o prazo, não mais se pode homologar a decisão arbitral, pois que se ineficacizou (Código de Processo Civil, art. 1.100, VIII). O compromisso pode conter prazo para nova decisão. Sem razão, GIU5EPPE ~HIOVENDA, em Principli, 117: “L’inosservanza di questa norma (di parte deila quale ê controverso il carattere assoluto o dispositivo) pene nel nuíla arbitrato e compromesso”: o compromisso mesmo continua, se por outra razão não é nulo, ou não terminou. O laudo é que se faz ineficaz (caduco, melhor diríamos), dito nulo no art. 1.100, VIII. É preciso que se não confunda a homologação com a decisão em superior instância, recursalmente. O pedido de homologação é petitum em ação de homologação. O que se pede é a atribuição de eficácia sentencial à decisão, à semelhança da eficácia das sentenças estatais. No fundo, pedido de estatalização do julgado. Conforme veremos, com a remessa, está submetido ao juiz competente o laudo arbitral, ainda que todos os compromitentes entendam que não deva ser homologado. O prazo, para o juiz, é de dez dias. Fraticamente, a remessa do laudo é remessa, de ofício,pelo escrivão, e não pelos árbitros, o que permite ao juiz para a homologação conhecer do laudo arbitral, homologando-o, ou não. O recurso é processado desde a interposição, mas há a necessária intercalação da decisão homologatória, ou não homologatória. A lei processual criou tal situação, de modo que a matéria do recurso é examinada pelo juiz homologante e, depois, pelo tribunal a que compete o conhecimento da homologação. Se todos os compromitentes quiseram a homologação e essa não foi dada, o recurso é só da decisão de não-homologação. Se o laudo arbitral chegou ao juízo competente para a homologação e aí foi depositado, mesmo sem que se haja apresentado pedido de homologação assinado pelas partes, pode o juiz homologá-lo, sendo intimadas as partes. É o que resulta do art. 1.099 do Código de Processo Civil. Se, antes da homologação, chega ao juízo competente para ela, pedido de homologação, ou foi esse assinado por todos os compromitentes, ou somente por um, ou por alguns. Assinado por todos, não há qualquer assinação de prazo para alegações. Se algum deixa de assinar o pedido, ou se alguns o deixaram de assinar, então, tem o juiz de determinar que as partes se manifestem dentro de dez dias. A homologação do laudo arbitral não é ato meramente homologatório, que se pudesse incluir na classe dos atos de que cogita o art. 486 do Código de Processo Civil. Se os árbitros não remetem o laudo arbitral, ou algum deles, encarregado, não o remete, o que os

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compromitentes podem fazer é pedir a homologação, juntando o laudo arbitral. Mas isso tem ser feito no prazo do art. 1.096. A remessa necessária e dentro do prazo de cinco dias mostra que o Código de Processo Civil, art. 1.096, concebe a homologação como elemento integrativo necessário da sentença arbitral. Ela é que faz “sentença” o laudo. A infração do art. 1.096 do Código de Processo Civil acarreta a ineficácia do laudo (“nulo”, diz o Código de Processo Civil, art. 1.100, VIII). Laudo houve, mas não tem qualquer efeito. Art. 1 . 098. É competente para homologação do laudo arbitral o juiz a que originariamente tocar o julgamento da causa1) 2) Art. 1 . 099. Recebidos os autos, o juiz determinará que as partes se manifestem, dentro de dez (10) dias, sobre o laudo arbitral; e em igual prazo o homologará, salvo se o laudo for nulo 3)• 1)CRITÉRIO PARA APRECIAR A COMPETÊNCIA . Competente é o juiz a que está entregue a causa, ou aquele a que caberia a competência, se tivesse sido proposta a ação. Se foi escolhido como árbitro o juiz que seria competente para a ação e, pois, para homologar o laudo arbitral, a função cabe ao seu substituto, ou a outro juízo, que também seria, na espécie, competente. 2)PLURALIDADE DE JUIZES COMPETENTES. Se há mais de um juiz competente, aquele a quem for distribuída a homologação, ou que, dentre os competentes, tiver sido indicado pelas partes no compromisso ou em convenção posterior, é o juiz homologador. Se o compromisso foi feito pendente a lide, depois de se ter o juízo como competente, houve prevenção da jurisdição. Para se evitar tal eficácia, era de mister que se acordasse, no compromisso, na extinção da relação jurídica processual existente. Hoje, não; há o art. 267, VII. 3)AUDIÊNCIA DAS PARTES. Recebidos os autos pelo juiz competente para a homologação do laudo arbitral, têm de ser ouvidas as partes: apenas podem elas se manifestarem sobre o laudo arbitral, e não sobre o conteúdo das conclusões. O que há de ser apreciado pelo juiz homologante é a existência e a validade do laudo arbitral, conforme se tira do art. 1.100. As partes são intimadas e têm o prazo de (lez dias para se manifestarem. Prazo, aí, que se conta da intimação de cada parte. 4) Pi~zo PARA O JUIZ. O juiz tem o prazo de dez dias para a homologação, ou o indeferimento da homologação. Somente pode indeferir se há um dos fundamentos apontados no art. 1.100. A eles só um se pode acrescentar não existiu laudo arbitral. Adiante examinaremos um por u:n. Há limites legais (art. 128) rara sua função de juiz homologante. Assume a responsabilidade de que cogita o art. 133. Pode ser impedido ou suspeito (arts. 134-138). O prazo não se interrompe nos feriados (art. 178). O art. 174, i, é invocável. Art. 1.100. É nulo o laudo arbitra! 1) 11) 12): 1 se nulo o compromisso2) 14) 15) 16); II se proferido fora dos limites do compromisso, ou em desacordo com o seu objeto3) 4); Iii se não julgar toda a controvérsia ao juízo 5) 13); IV se emanou de quem não podia ser nomeado árbitro 6). se os árbitros foram nomeados sem observância das normas legais ou contratuais 7); VI se prol erido por equidade 8), não havendo a autorização prevista no art. 1 . 075, IV. VII se não contiver os requisitas essenciais 9) exig.dos pelo art. 1095,~ VIII se pro ferido fora do prazo 10) 1)REGRAS JURÍDICAS SOBRE NULIDADE E INEFICÁcIA DO LAUDO ARBITRAL. Nulo, ou anulado, o compromisso, nula é a decisão arbitral. Pronunciada essa nulidade ou anulação, não volvem os árbitros a resolver a questão (art. 1.102, 1). Ineficaz o compromisso, é nula, ainda aí, a decisão arbitral. Aí estão, encambulhadas, nulidade e anulabilidade do compromisso, ineficácia do compromisso, nulidade e ineficácia do laudo arbitral. Só o trato de cada espécie pode elucidar. 2)INvALIDADE DO COMPROMISSO. O art. 1.100, 1, do Código de Processo Civil diz nula a decisão arbitral se nulo é o compromisso. Mas, enquanto o laudo arbitral é tratado como decisão, que vai ter, com a

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homologação, eficácia de sentença estatal, o compromisso é negócio jurídico de direito material, que se submete aos princípios, comuns aos negócios jurídicos, sobre nulidade e anulabilidade e sobre ineficácia. As regras jurídicas sobre incapacidade absoluta e relativa incidem, de modo que a anulabilidade do compromisso também expõe o laudo à eiva de invalidade. Então, é preciso, para que se decrete a nulidade do laudo arbitral, que se haja decretado antes, portanto a desconstituição do compromisso. Ou já foi decretada a invalidade do compromisso e transitou em julgado a decisão a respeito, de jeito que não mais existe compromisso, pelo efeito desconstitutivo da sentença; ou à ação de decretação de nulidade do laudo arbitral está a ser cumulada à ação de nulidade ou de anulação do compromisso. O que acima se disse também se entende com quaisquer outras causas de anulabilidade, e. g., por erro, dolo, violência, fraude contra credores (Código Civil, arts. 86-91, 92-97, 107, 109 e 111). Nos casos de ineficácia do compromisso, não há poderes para os árbitros, de modo que se tem por inexistente a decisão arbitral. Já no direito romano as decisões arbitrais eram ineficazes, por inexistentes, não obstante a eficácia do compromisso,se o árbitro excedia os poderes, que lhe haviam sido determinados, inclusive no tempo (L. 32, §~ 15, 18 e 19, e L. 46, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8). 3)DELIMITAÇÃO DOS PEDIDOS. O compromisso delimita as petitiones. Não se pode pedir fora das linhas que o compromisso traçou. Outrossim, fora da matéria que foi submetida pelas afirmações e contrariedades. Pergunta-se:se a decisão excedeu os limites do compromisso, ~,é nula toda ela, ou só a parte? Aqui, não cabe a regra de que o inútil não prejudica o útil, ou de que a parte nula não contagia ao todo a sua nulidade. O laudo arbitral foi proferido, fora dos limites do compromisso. Não se confunda com o objeto do litígio. 4)OBJETO DO LITíGIO. Na determinação do “objeto do litígio” a ser submetido aos árbitros está exclusão dos seus poderes. Outra outorga de poder de julgar é a que se contém na atribuição de decidir por eqúidade, a que os arts. 1.075, IV, 1.095, II, e 1.100, VI, do Código de Processo Civil, deram trato diferente. (a)Se, para decidir a respeito de b, não recebeu poderes o árbitro, ou não receberam poderes os árbitros, a nulidade do laudo é somente quanto à parte das quaestiones para a qual não receberam poderes. O decidido sobre a vale. (b)Se, para decidir a respeito de b, recebeu poderes o árbitro, ou receberam poderes os árbitros, mas esses poderes não podiam ser conferidos, a nulidade é somente quanto à decisão sobre b. Tanto a propósito de (a) como de (b), supõe-se a separabilidade das decisões. Desde que tal separabilidade não exista, a nulidade é de todas as partes inseparáveis da decisão. No caso de uniões de negócio jurídicos, com dependência bilateral ou unilateral, não se pode arbitrar sobre negócio jurídico dependente, se não se arbitrou sobre aquele de que tal negócio jurídico depende, salvo se sobre aquele já há sentença, estatal ou arbitral, com eficácia de coisa julgada. Se houve união alternativa de negócios jurídicos, não se pode arbitrar a respeito de um, sem se saber se, pelo implemento da condição que estabelecera a alternatividade, foi ele o que se tornou eficaz, com exclusão do outro. 5)JULGAMENTO QUE NÃO ATINGE TODA A Controvérsia SUBMETIDA AO JUÍZO ARBITRAL. Afasta-se a validade do laudo arbitral que não contenha conclusões que abranjam tendo o conteúdo da controvérsia ou das controvérsias que foram apontadas. Se decidiu menos do que deveria decidir, toda a decisão não vale. 6)INCAPACIDADE, IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO PARA SER ARBITRO . O art. 1.100, IV, apenas concerne à ilegitimação das pessoas a serem nomeadas árbitros. Portanto, remete-se ao art. 1.079, 2.R parte, 1, II e III. A exceção de impedimento ou de suspeição é apresentada ao juiz competente para a homologação. A de ineficacidade (art. 1.079, 2Y parte, 1 e II) a qualquer momento pode ser declarada, de ofício, pelo juiz competente para a homologação. 7)NOMEAÇÃO INFRINGENTE DAS REGRAS LEGAIS OU DAS CLAU5ULAS NEGOCIAIS. A infração das regras juridicas para a nomeação dos árbitros determina a nulidade da nomeação;e essa, a do processo e julgamento arbitrais. A infração do art. 1.079, ou regra jurídica semelhante, causa nulidade insanável. O compromisso pode estabelecer o modo de nomeação dos árbitros, inclusive quanto ao desempatador. Se a nomeação, que se fez, infringiu a lei (art. 1.079) sobre a cláusula de nomeação , é nulo o laudo arbitral, porque foi a nomeação. Essa nulidade por infração de cláusula tem de ser arguida no juízo arbitral; se não o

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foi, na contestação, preclui o prazo para alegá-lo. É de firmar-se que o árbitro foi aceito, ou que os árbitros foram aceitos, e pois renunciou-se à pretensão constitutiva negativa. O argumento decisivo, para, a despeito do que se diz no art. 1.039 do Código Civil, se poder deixar a nomeação dos árbitros a ato posterior, estava no art. 1.045, III, do Código de Processo Civil de 1939. Dizia-se que se tratava de regra jurídica, posterior, de direito formal. O Código de Processo Civil concorrera, apenas, para se evitar certa perplexidade do intérprete, ao ter de explicitar o art. 1.039 do Código Civil. Mas hoje o art. 1.074, II, do Código de 1973 exigiu que, sob pena de nulidade, o ato do compromisso contenha os nomes, profissão e domicílio dos árbitros, bem como o dos substitutos nomeados para caso de falta ou impedimento. Se no compromisso há a cláusula de ter de sobrevir adendo relativo à nomeação dos árbitros, têm-se os dois atos como um só, para se satisfazer o art. 1.074, II. 8)JULGAMENTO POR EQUIDADE. Para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqúidade, é preciso que tenha havido a autorização a que se refere o art. 1.075, IV. Isso não afasta que o árbitro ou os árbitros possam julgar por eqúidade e ser válido o laudo arbitral se tal função lhe advém de regra jurídica: aí, está ele ou estão eles a obedecer a lei. A ratio decidendi é delimitada pelas partes. Ou (a) elas só admitiram que os juizes árbitros julguem como julgariam os juizes estatais, segundo os princípios (lura novit curia e art. 337); ou (b) permitiram que o julgamento abstraia do direito expresso (escrito ou não-escrito) e decida por eqúidade. Aqui, a palavra “equidade” tem sentido que é muito mais largo que o de “equidade” no art. 127, onde a regra de eqúidade é regra jurídica revelada, complementar das outras fontes de direito. É ponto, esse, de extrema importância, porque põe em relevo a função derrogatória potencial da eqúlidade, no sentido do art. 1.075, IV. O juiz ficou autorizado a, embora sujeito à eqúidade, julgar contra direito expresso, mesmo escrito. (a)Se os árbitros só têm os poderes de julgar segundo o direito, claro que somente podem aplicar regra de eqúidade quando essa for a fonte do direito, segundo o Método de Fontes do Direito que rege a res in iudicium deducta, isto é, quando o sobredireito das fontes e métodos de interpretação assim o ordene. Rege, aí, o art. 127. (b)S os árbitros receberam poderes para “desprezar” as regras de direito estatal, tais poderes lhe conferem a apreciação do valor da equidade de quaisquer regras jurídicas, exceto as de ordem. pública (aliás, o compromisso mesmo seria nulo), porém não lhes veda reputarem aplicáveis as regras de direito expresso (escrito ou não-escrito). Podem eles, portanto, aplicar o direito que incidir, ou o que eles “fariam”, se tivessem de meter em lei o que a equidade sugere (diferente do que “fariam” se tivessem de legislar segundo a eqúidade e outras sugestões de política jurídica, isto é, “como se fossem legisladores”). O poder de julgar segundo a eqúidade constitui poder de apagar a incidência e de aplicar “outro” direito que aquele que incidiu; portanto, volta à revelação, à incidência e aplicação da regra jurídica simultâneas. O juízo arbitral é juízo primitivo, regressivo mesmo, a que pretendem volver, por atração psíquica a momentos pré-estatais, os “anarquistas” de esquerda e os de alto capitalismo. Muitas vezes, simples expediente para obrigar a outra parte a aceitar justiça extra-estatal e impor aos titulares (mais fracos) das pretensões de direito material outro direito que o direito que realmente incidiu e regeu o caso. É arma eficacíssima do capitalismo tardio, eliminador da concorrência e da segurança extrínseca (da certeza sobre qual a lei que regeu e rege os negócios de cada um). Nos casos (b), se o juiz aplica o direito expresso (escrito ou não-escrito), inclusive os de que fala o art. 337, sem recorrer a equidade derrogatória (conceito acima fixado), a sentença é válida, porque não é contra a equidade aplicar a lei que incidiu. Não estava o juiz vinculado ao direito estatal, porém também não ficara obrigado a prescindir dele. Nos casos (a) viola-se o direito expresso e, pois, é nulo (art. 1.100, VI) o laudo, se se aplica a regra de eqúidade, que não incidiu. Se o laudo aplicou regra de equidade que não era direito segundo as normas de sobredireito (Método de Fontes e Interpretação), é nulo. Nos casos (a), os poderes do juiz árbitro, quanto à ratio decidendi, são aqueles mesmos que tem o juiz estatal. Tem-se pretendido que a autorização, para julgar por eqúidade (art. 1.075, IV), dá aos árbitros o arbitrium merum, que, segundo a insinuação de GíoAccHíNO SOADUTO (Gli Arbitratori nel diritto privato, 69 e 56), tornaria “constitutiva”, em vez de “declarativa”, a sentença. Ora, o poder de julgar por equidade não vai até o puro arbítrio. A eqúidacie não éanomia, a ausência de regras. Alude-se, exatamente, a regras. Por outro lado, de modo nenhum a diferença entre julgar segundo o direito e julgar segundo a equidade permite que se pense em correspondente diferença na classificação das sentenças. Se GloAcomNo ScPDUTO tinha na

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mente, então, a classificação binária (ações declarativas, ações constitutivas), fácil seria perceber que algumas sentenças, do árbitro adstrito à lei, são constitutivas, e outras, do árbitro autorizado a julgar por eqúidade, não são constitutivas. Se adotasse a classificação ternária, ou quaternária, ou quinária (declarativas, condenatórias, constitutivas, executivas, mandamentais), ainda mais fora da realidade estaria a sua proposição. Aliás, distinção entre juizes árbitros e arbitradores tem de ser feita, pela natureza das funções, mas o arbitrador mesmo não tem arbítrium merum: é “perito”. Outra coisa seria, por exemplo, a fixação inconsiderada de preços. Diz-se no art. 1.041 do Código Civil de 1916: “Os árbitros são juizes de fato e de direito, não sendo sujeito o seu julgamento a alçada ou recurso, exceto se o contrário convencionarem as partes”. Era o que se estabelecia no Decreto n.3.900, de 26 de junho de 1867, art. 46, no tocante à í.a parte. A 2.~ parte compõe-se de duas proposições: uma, sobre a não-sujeição a alçada, o que se há de entender como se estivesse escrito “qualquer que seja o valor da causa”; outra, referente a recurso, que se havia de combinar com o art. 1.046 do Código Civil, onde se estabeleceu que, ainda que o compromisso contenha a cláusula “sem recurso” e pena convencional contra a parte insubmissa, terá essa a pretensão recursal para o tribunal superior, nas espécies au apontadas. Hoje, o art. 1.100, VI (cf. art. 1.075, IV), do Código de 1973, como o art. 1.045, IV, do Código de 1939, implica derrogação ao art. 1.046 do Código Civil, no que concerne as infringências do direito expresso. O Código Civil foi exceção ao art. 1.041; o art. 1.100, VI, do Código de Processo Civil de 1973 abre outra exceção ao art. 1.041 do Código Civil, dilatando a abrangência do art. 1.046 do Código Civil. A cláusula de decidir ex aequo et bono autoriza os árbitros a prescindir de regras de direito, porém, no Código de 1973, tal permissão não se estende à atividade dos árbitros iii procedendo. Quer dizer: rege o art. 1.091. Em todo caso, as regras que tenham de ser aplicadas pelos árbitros são iuS dispositivum. Tal a diferença entre regras jurídicas do Código de 1973 e os artigos, também do Código, a que se refere o art. 1.083, para os fazer, no processo arbitral, regras dispositivas quando sejam (o que é a regra) regras dispositivas no juízo estatal. No regime do Decreto n. 3.900, as regras jurídicas processuais seriam, também, havendo a cláusula de julgamento por equidade, ius dispositivum. Porém então existia o art. 47 do Decreto n. 3.900, que hoje não temos: “Quando os árbitros tiverem poderes para julgar por eqúidade, independentemente das regras e formas do direito, poderão prescindir do processo estabelecido nos artigos antecedentes, e darão a sua decisão ouvindo verbal e sumariamente as partes e testemunhas; reduzindo a termo os depoimentos aas testemunhas, e admitindo os memoriais que as partes oferecerem”. O Código tomou outro caminho: o de reduzir as regras processuais a um mínimo, fazendo-o dispositivo; admitiu as outras como ius dispositivum (art. 1.083). Aliás, o Código Civil já havia preparado essa solução, dando a entender que se deixava ao direito processual a feitura das regras de processo, sem que no direito material se cptasse pela dispositividade delas (Código Civil, art. 1.044: “Instituido, judicial ou extrajudicialmente, o juízo arbitral, nele correrá o pleito os seus termos, segundo o estabelecido nas leis de processo”). Havia, então, a pluralidade de leis do processo. O Código de Processo Civil de Minas Gerais, art. 29, alínea 2.~, o de Santa Catarina, art. 1.337, parágrafo único, o do Estado do Rio de Janeiro, art. 1.665, e o de São Paulo, art. 1.145, haviam seguido as pegadas do Decreto n. 3.900, de 1867, a que o Código de Processo Civil do Distrito Federat, art. 730, símpliciter, remetia. A cláusula de eqúidade, a que se refere o art. 1.075, IV (art. 1.100, VI), somente concerne à atividade do árbitro in iudicando. O art. 1.040, IV, do Código Civil também só se reportava ao “julgarem” (os árbitros) “por eqúidade, fora das regras e formas de direito”, deixando o processo às leis processuais (Código Civil, art. 1.044). Em conclusão: a)Se os compromitentes deram ao ái’oitro, ou aos árbitros, o poder de julgar por eqúidade, não o autorizaram a afastar-se das regras jurídicas processuais: somente quanto ao mérito pode intervir a eqúidade. Há o pacto de julgar por eqúldade, de que resulta o poder do árbitro ou dos árbitros, in. iudícando; e o pacto de poder o árbitro ou de poderem os árbitros se afastar das regras jurídicas processuais (cf. art. 1.091). b)Se os compromitentes deram ao árbitro, ou aos árbitros, o poder de julgar em procedimento de que eles derem as regras jurídicas, os arts. 1.092 e 1.093 do Código de Processo Civil podem ser substituidos pelo que pareça mais conveniente, cientes os compromitentes. Podem os

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próprios compromitentes alterar as regras jurídicas dos arts. 1.092 e 1.093, mas ai não há o poder, para o árbitro ou árbitros, de preestabelecerem regras jurídicas. Seja como for, não podem os árbitros ou não pode o árbitro pré-eliminar o que se reputa essencial à angularidade da relação jurídica processual e à defesa das partes. No art. 127 diz-se que o juiz só decidirá por eqúidade nos casos previstos em lei. No art. 1.100, VI, taz-se nulo o laudo arbitral se proferido por eqúidade, se não houve, no compromisso, a autorização aos árbitros para julgarem por eqúidade, e se houve infração de regras e formas de direito. Assim, se houve a autorização e não desobedeceu o que a lei exige, o laudo arbitral pode julgar por eqúidade . Pergunta-se: ~,cabe a ação rescisória se houve a autorização e violou a lei? Sim. Mais: ~,cabe a ação rescisória se a decisão arbitral homologada se fundou em eqúidade e não foi com base na equidade, a despeito da referência, a solução dada pelo laudo arbitral homologado? A resposta tem de ser afirmativa, porque a autorização, exigida pela lei, foi para se decidir por eqúidade, e o juiz competente não deveria homologar (fazer sua) decisão que violou a lei e a cláusula negocial. Aí, a rescisão é do laudo arbitral e da sentença homologatória, que, cobrindo-o, transparentemente, fez seu o conteúdo. Se o autor da ação rescisória apenas aludiu ao laudo arbitral, não importa: a homologação fez uno, homo, o que foi levado ao juiz para o seu exame e o proferimento da sentença envolvente. Na ação rescisória do laudo arbitral e da sentença homologatória, os pressupostos são os do art. 485, 1 (prevaricação, concussão ou corrupção do juiz), II (impedimento ou absoluta incompetência do juízo), III (dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colus5o entre as partes, a fim de fraudar a lei), IV (ofensa à coisa julgada, uma vez que a questão ou as questões já tenham sido resolvidas com trânsito em julgado de alguma sentença, inclusive se homologatória de outro laudo arbitral), V (violação do direito objetivo), VI (falsidade da prova, em que se fundou o laudo arbitral, mas cuja falsidade foi apurada em processo criminal, ou vai ser provada na própria ação rescisória), VII (depois da homologação, o autor da ação rescisória obteve documento novo, cuja existência ignorava, ou do qual não pudera fazer uso, se tal documento basta a fazer-lhe favorável o laudo arbitral), IX (se houve erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa). Quanto aos pressupostos do art. 485, VIII, pode ser que o laudo arbitral se haja firmado em confissão de alguma das partes, uma vez que o juízo arbitral tomou depoimento (art. 1.086) e a tal confissão possa ser decretada a invalidade. Dá-se o mesmo com a desistência e a transação, mas é preciso, então, que naquela ou nessa se haja baseado o laudo arbitral. Muito diferente é o que ocorre se há transação posterior que atinja o cumprimento. Aí, rescindível pode ser a sentença homologatária da transação . Quanto à desistência, seria impertinente, porque de compromisso arbitral não se desiste: o que pode acontecer é o distrato, em que os figurantes são os compromitentes, ou o exercício do direito negocial ou legal de resolução, ou, se cabe, a renúncia de todos os direitos e à pretensão ao cumprimento do compromisso. Se, antes da homologação, os compromitentes cumprem, voluntariamente, o que foi decidido no laudo arbitral, como conteúdo de negócio jurídico, esse torna sem objeto o compromisso. Aí, do compromisso pode, também, ser decretada a nulidade, ou a anulação, conforme as regras jurídicas concernentes aos negócios jurídicos, e com a eficácia da sentença o compromisso extingue-se, mesmo se já foi proferido o laudo arbitral, ou está em via de homologação. Se depois da sentença homologatória, é preciso que se rescinda essa sentença (e. g., com base no art. 485, VII, relativo à obtenção de documento novo, cuja existência se ignorava, ou de que não se pode fazer uso para o pronunciamento favorável a um dos compromitentes, ou no art. 485, IX, que se refere a erro de fato, resultante de atos ou documentos da causa). Enquanto não se dá a rescisão da sentença homologatória, pode-se alegar, contra a ação de nulidade ou anulação , a coisa julgada, porque o juiz examinou o compromisso e o laudo arbitral. Quanto à transação, pode ser feita durante o tempo que vai do compromisso à homologação da sentença homologatória. Se após a homologação, entende-se relativa ao que o laudo arbitral declarou ou constituiu entre os compromitentes, e não ao que antes do laudo arbitral existia entre os figurantes do negócio juridico do compromisso. Homologado o laudo arbitral, podem advir embargos de terceiro, que se admitem se iniciada a eficácia mandamental ou executiva da sentença homologatória, porque só então começa a possibilidade de ofensa a terceiro. Isso não afasta que o terceiro seja na espécie, juridicamente interessado, e possa propor a ação rescisória (art. 487, II). A sentença da ação rescisória no laudo arbritral e da homologação é rescindível, conforme os princípios do art. 485. 9)REQUIsITOs EssENcIAIs DO LAUDO ARBITRAL. 05 compromitentes de modo nenhum podem afastar, com invocação do art. 1.091, qualquer dos pressupostas do laudo arbitral, porque o art. 1.095 é ius cogens. Se houve cláusula permíssiva, nula foi e é; se, com ela ou sem ela, o laudo arbitral não atende,

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rigorosamente, ao que se estatuiu r~o art. 1.095, é nulo. Já se havia dito que tais requisitos são essenciais. 10)PRAZO PARA PROFERIMENTO DA DECISÃO ARBTRAL. O prazo pode ter sido assinado no compromisso, ou pela lei (arts. 1.075, 1, 1.081 e 1.093). Os árbitros estão sujeitos a determinado prazo para proferir a sentença. ~ a esse prazo que se refere o art. 1.100, VIII, do Código de Processo Civil. Quanto ao prazo para instalação (ou provocação) do juízo arbitral, e nulo por ineficácia do compromisso (art. 1.100, 1) o laudo que não o observou. Se o laudo, que pode ter satisfeito todos os requisitas de validade e de eficácia, não foi remetido no prazo de cinco dias a que alude o art. 1.096 do Código de Processo Civil, há nulidade. A nulidade e anulabilidade são deficiências do suporte fáctico do ato jurídico, de modo que nem aquela nem essa pode ocorrer depois da conclusão do ato. Falta de estudo científico é que leva a essas impropriedades de expressão, às vezes danosas na doutrina e na prática. Se, a despeito de se ter esgotado o prazo para a remessa do laudo arbitral e sem ter havido novo negócio jurídico dos compromitentes, subordinando-se ao laudo arbitral (~ eficacizando-o), foi homologado, em primeiro grau ou em grau posterior, a ação rescisória tem de ser proposta, contra a sentença, que a justiça estatal proferiu; com fundamento no art. 485, V, do Código de Processo Civil, pois houve infração do ari. 1.096 da lei processual. O laudo não depositado no prazo do art. 1.096 é ineficaz (perdeu a eficácia); portanto, não pode ser homolagado. Do assunto já tratamos. Mas é conveniente frisar-se: a) que somente outro negócio jurídico entre os que haviam sido compromitentes pode eficacizar o laudo, que passa a ser conteúdo do negócio jurídico declaratório ou transacional entre os interessados, conforme a figura que for a adequada; b) a sentença homologatória ou a que se prof ira na via recursal infrínge a lei se reputa eficaz esse laudo e o homologa. Qualquer infração do art. 1.095 é causa de nulidade do laudo. N~ se confunda a nulidade do laudo (exceptio nuilitatis, portanto decisão constitutiva negativa) com a ineficácia (decisão declarativa). 11)NULIDADES CORRESPONDENTES Às NULIDADE5 E AS REScINDILILIDADEs DAS SENTENÇAS. E nula a decisão arbitral quando contiver qualquer dos vícios ou defeitos que o art. 1.100 aponta. Devemos entender nulidades e não rescindibilidades. A propósito daquelas, não se precisa mais do que lembrar-se o que escrevemos sobre sentenças nulas. A respeito dessas, só existiria o problema de se saber se era preciso aludir-se a rescindibilidades das sentenças (Código de Processo Civil, art. 485, e ~§ 1.0 e 2.0), ou aos atos judiciais que não dependem de sentença, ou em que essa é simplesmente homologatória (art. 486); mas a própria palavra “nulo” afasta a remissão ao art. 485 e ao art. 486. O que há é a particularidade de as mesmas causas de rescisão do art. 485 serem, no tocante ao laudo arbitral, causa de rescisão. O laudo arbitral, homologado, é rescindível. O laudo arbitral, em caso de ter sido impedido, ou absolutamente incompetente o árbitro (e. g., não poderia ele conhecer dos pontos a e b, mas só dos pontos c e d), em vez de ser rescindível (art. 485, II), é nulo. O laudo arbitral, com ofensa da coisa julgada, é rescindível. (art. 485, IV). Se o laudo arbitral foi contra “literal disposição da lei” (= contra direito expresso), defeito a que o Código de Processo Civil não se referiu em alusão especial, é rescindível. Se o laudo arbitral se baseou em prova falsa ou falsificada, de que em juízo criminal já foi declarada a falsidade, ou a falsificação, ou que se pode apurar na ação de nulidade do laudo arbitral perante o juiz da homologação, ou em grau de recurso, ou em ação de rescisão da sentença homologatória, há rescindibilidade do laudo arbitral. Alguns problemas surgem, devido à semelhança de trato, embora, de iure condendo, haja razões para se ter por louvável. Se houve algumas das causas de rescindibilidade, ~,a alegação tem de ser perante o juiz da homologação, ou em grau de recurso, conforme os princípios? Se a decisão homologatória transitou em julgado, ou se transitou em julgado a decisão que, na via recursal, a confirmou, não há rescindibilidade só do laudo arbitral, porque cobriu a rescindibilidade a sentença homologatória, trânsita em julgado, sentença só suscetível de rescisão. O único meio jurídico é o de propor-se a ação de rescisão da sentença homologatória e do laudo arbitral. Só se pode pedir a rescisão da sentença homologatória do laudo arbitral, ou da que se proferiu em grau de recurso, se algum dos pressupostos dos arts. 485 e 486 do Código de Processo Civil ocorreu. Pode acontecer que a sentença estatal, homologatória ou já na via recursal, seja nula; e então o trato é diferente. Se foi perdido o prazo para o depósito do laudo arbitral, não há interesse na desconstituição dele, porque se ineficacizou. Isso não quer dizer que cessem as ações criminais e as ações declaratórias concernentes a falsidade ou falsificação da prova.

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Se o laudo se fundou em prova falsa, ou falsificada, e não foi alegado na ação de homologação, ou na via recursal, a sentença estatal cobriu a nulidade, porém ela mesma pode ser rescindida, enquanto não transcorre o prazo preclusivo. 12) NULIDADES PROCE55UAIS. As nulidades processuais do processo arbitral são sanáveis nos mesmos casos em que o são as nulidades processuais dos processos estatais. A Aceitação do laudo arbitral, se o prazo foi excedido, ou se faltou ou foi nula a citação, ou se ocorreu outra causa de nulidade do laudo, sana a nulidade. Se houve infração de direito expresso, ou falta de poder do árbitro, ou infração do art. 1.095, dá-se o mesmo. Se não houve árbitro, isto é, se o laudo é inexistente (proferiu-o B, e não A, que era o árbitro), a aceitação pode valer como negócio juridico bilateral de direito material, se contém adoção do que foi decidido. Não é o laudo, então, que se aceita; é a solução. Para tal aceitação são de mister poderes de transigir e de reconhecer; não há compromisso: há solução da questão por pessoa estranha, que os interessados aceitam. Mas atenda-se a que o que se chama aceitação, ai, é a declaração de vontade de um dos interessados de aceitar a declaração de vontade do outro, que deu por acertada e admitida (oferta!) a solução que o terceiro dera. 13)INCOMPETÊNCIA DE juízo. A demanda perante o juiz incompetente, sempre que o processo é remetido a outro juízo e aproveitado nessoutro, supõe existência de relação jurídica processual, pois que a citação do se fez e se não desconstituiu (art. 250). O comparecimento sana a nulidade e até supre a falta da citação (art. 219), posto que não prorrogue a jurisdição improrrogável. No juízo competente, há apenas a necessidade de novos atos decisórios, pois quc hão de ser decretadas as nulidades “cominadas” (arts. 113, ~ 2.~, e 250), e a relação jurídica processual ex hypothesi se estabeleceu. Nos casos em que há prazo preclusivo para a ação (prazo, para o qual, então, é exercício a citação) e se sai do juízo incompetente em que foi proposta a ação, não ocorre o que, com base nos arts. 1.096, 1.100, VIII, ou nos arts. 1.100, II e VII e 1.102, 1, ocorreria com o prazo preclusivo para o laudo, se terminou durante o processo arbitral cujo laudo foi nulo. N~ houve, naquela pendência, prejuízo; e houve nessa. Assim:se o prazo para o laudo arbitral se esgotou após a ineficacização do laudo arbitral, que se assinara, por falta de remessa tempestiva e antes de ser dada nova decisão, não mais se pode julgar arbitralmente a questão; se o prazo para o laudo arbitral se esgotou após a decretação de nulidade do laudo arbitral, que se assinara, não mais se pode decidir a questão. Enquanto não se esgota o prazo para o laudo arbitral, outro pode substituir o ineficacizado ou nulo. 14)CoMPRoMIssO NULO E COMPROMISSO INEFIcAz. ‘Nulo”, no art. 1.100, 1, está por ferido de nulidade, ou por ineficaz, ou extinção (art. 1.077). Basta que o compromisso, embora válido, seja ineficaz, ou se extinga, para que o juízo arbitral, que dele se emanou, seja nulo e, pois, nulo o laudo proferido por esse juízo. Não se precisava, por isso mesmo, repetir o que se enumerou no art. 1.077. A lei atendeu a essa consideração, exceto quanto ao art. 1.100, VIII, que confirma ser nulo o laudo proferido pelo juízo arbitral sendo ineficaz o compromisso (art. 1.077, 1111). 15)INEFICACIzAÇÃo DO LAUDO ARBITRAL. O art. 1.097 diz que a eficácia da sentença arbitral depende da homoiogaçao . Em verdade, não há nulidade por fato superveniente ao ato jurídico. Se o ato jurídico é nulo, ou anulável, é porque o seu suporte fáctico foi deficiente. A deficiência tinha de ser, necessariamente, anterior ou simultânea ao ato jurídico. Quando alguns escritores, falhos de ciência, se referem a nulidades que teriam sobrevindo ao ato jurídico, incidem em erro grave. Ou teriam de falar de ineficácia, ou de resolução, ou de resilição. (No art. 1.045, VII, do Código de 1939, o que se tinha de dizer era que a falta (superveniência da omissão!) do depósito tornaria ineficaz o laudo arbitral, ainda que válido fosse. Felizmente, o Código de 1973, art. 1.100, retirou tal regra jurídica.) Alguns sistemas jurídicos consideram eficaz a sentença arbitral (irrevogável pela vontade das partes), ainda se não foi homologada. Mas é o nosso sistema que havemos de considerar, e não o dos outros. O laudo tem de ser remetido no prazo de cinco dias (art. 1.096). Se se excedeu o prazo e nada se alegou, trata-se de nulidade não-cominada, e o juiz pode homologá-lo. A decisão denegatória do juiz homologante decretaria a ineficácia, de modo que após ela o laudo seria inexistente (todo ato que dependeria da eficácia de outro é ineficaz e se torna, depois de decretada a sua ineficácia, inexistente): o que não existe nenhuma

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eficácia tem. A inobservância da regra jurídica do art. 1.096 produz a ineficácia do laudo arbitral; não a do compromisso. O compromisso pode ainda conter prazo para a nova decisão. Sem razão, GIUSEPPE CHIOVENDA (Principii, 117). conforme antes dissemos. O laudo é que se faz ineficaz (caduco, melhor diríamos); sem que se afaste a possibilidade de eficacização. 16) IRRENUNCIABILIDADE. Nenhuma das pretensões à decretação de nulidade do art. 1.100 é renunciávei (RUIoLF POLLAX, System, 781). Homologado o laudo arbitral, a ação rescisória da sentença homologante tem o prazo preclusivo, que pode expirar. Aqui está a diferença entre o laudo arbitral e a sentença. O laudo arbitral com a homologação recebeu os efeitos sentenciais. Art. 1.101. Cabe apelação1) da sentença que homologar ou não o laudo arbitral. Parágrafo único. A cláusula “sem recurso” 3) não obsta à interposição de apelação, com fundamento em qualquer dos vícios enumerados no artigo antecedente; o tribunal, se negar provimento à apelação, condenará o apelante nu pena convencional. Art. 1 . 102. O tribunal, se der provimento à apelação, anulará o laudo arbitral: 1 declarando-o nulo e de nenhum ef eito, nos casos do art. 1 . 100, números 1, 1V, V e VIII; II mandando que o juízo prof ira novo laudo, nos demais casos2). 1) APELABILIDADE. O recurso da sentença que homologou, ou negou homologação ao laudo arbitral, é o de apelação, com ambos os efeitos (devolução e suspensão). A apelação, no juízo arbitral, pode ser total, ou parcial. Disputou-se isso no velho direito por ser completa a devolução ordinária da apelação (art. 515) e não so saber se ao recurso interposto da decisão arbitral se aplicaria a regra jurídica da preclusão parcial (art. 505). MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentaria, 1, 26) resolveu a questão com o argurnento de que, sendo sobre diferentes itens o compromisso, em verdade houve tantos compromissos quanto os itens: “quia”, dizia ele, “ubi fit compromissum super rebus diversis, tot censentur facta compromissa, quot fiunt capita, super quibus compromittitur”. a) Ordenações Afonsinas Livro III, Título 113, § 4: “E se no comprimisso as partes prometeram nam usar desta Ley, prometendo que, sem embarguo della, a parte condenada nom possa apelíar da Sentença dos Alvidros, mas que sua Sentença seja sempre firme, e valioza, e nom possa della em alguum tempo ja mais ser apelíado, Mandamos que se guarde o dito comprimisso, sem embarguo desta Ley, porque achamos per Direito que cada huum pode renunciar todo direito, que por sua parte for introduzido”. A cláusula sem recurso não operava com toda a eficácia, mas operava a renúncia ao benefício. Só depois, com as Ordenações Manuelinas, apareceu a irrenunciabilidade do beneficium appetlationis arbitrorum sententiae, com a supressão do ~ 4 das Ordenações Afonsinas do Livro III, Título 113. Tal benefício, introduzido in favorem publico, se tornou irrenunciável, constituindo a sua violação causa de revista e de ação rescisória. A opinião dos processualistas, desde ALvARo VALAScO e MANUEL ALVABES PÊGAS, a INÁCIO PEREIRA DE SoUsA e a MANUEL GONÇALVES DA SILVA, foi sempre acorde. MELCIIIOR FEBO, no aresto 186, MANUEL ALVARES PÊGAS e MANUEL GONÇALvEs DA SILVA chegaram a dizer que se podia apelar, ainda que o Rei confirmasse a renúncia. (Note-se aí um dos pontos em que o pensamento português procurava a rigidez de regras jurídicas que ficassem acima do “poder legislativo” do Rei.) Vejamos como se reformulou, em texto legal, tal ben2fi-cio, que vinha de D. Dinis, e como as Ordenações Manuelinas substituiram o § 4 das Ordenações Afonsinas do Livro III, Título 113. b)Ordenações Manuelinas, Livro III, Título 81, pr. “Posto que algúlas partes comprometam em alguú Juiz, ou Juizes Arbitros, e se obriguem no compromisso estar por sua determinaçam e sentença, e que deita nom possam. apeilar, nem agravar, e o que o contrairo fezer pague aa outra parte certa pena; e ainda que no compromisso digua que paguada a pena ou nom paguada, fique sempre a sentença dos Alvidros firme e valiosa, poderá a parte que se sentir agravada, sem embarguo de todo esto, apelíar de sua sentença para os Sobrejuizes, sem paguar a dita pena; e se os Arbitros lhe deneguarem apelíaçam, façam-lha dar os Juizes Ordinarios”. Se havia confirmação da sentença, de devida a multa. Vê-se bem a solução: valia a cláusula de não recorrer, como pacto de direito material, por ser o sucumbimento presunção de injustiça da apelação ou do agravo; no plano processual, permitia-se o recurso, podendo-se reformar a sentença e destruir a presunção. No lugar do § 4 das Ordenações Afonsinas, o Código Manuelino apenas inseriu (Livro III, Título 81, pr.): “E posto que as partes renunciem o beneficio desta Ley, a tal renunciacam será de ninhuú efecto, e se guardará o sobredito”. Compare-se com o § 4 das Ordenações Afonsinas, e ver-se-á a diferença. A

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cláusula “sem recurso” (direito material!) não vedava a apelação (direito processual); mas o benefício (direito processual) era renunciável. Deixou de sê-lo. As Ordenações Filipinas, Livro II, Título 16, reproduziram o texto manuelino, que, pelo estilo, parece obra do senador JoÃo CUTRIM, lá por volta de 1505, e não de RUI BôTo. Era de notar-se o efeito (suspensivo) da apelação quanto à execução da pena: “Ex qulbus verbis colligitur”, escrevia MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentaria, 1, 28), “quod suspenditur executio poenae, ita similiter executio laudi suspendit debet, donec superiores declarent, an bene iudicatum fuerit, vel male”. c)Outro tratamento à cláusula “sem recurso” deu o Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1867, art. 65, que só admitiu a apelação, havendo a cláusula “sem recurso”, sendo nulo ou extinto o compromisso, excedendo os árbitros os poderes conferidos pelo compromisso, ou preferindo os árbitros as formas essenciais do processo. Foi isso o que chegou, no direito brasileiro, até o Código Civil, art. 1.046, que riscou a parte em grifo; e riscou-a sem qualquer razão para tal. A cláusula “sem recurso” exporia a parte a ser condenada, ~sem ter tido, por exemplo, o prazo para afirmar ou para negar! d)A solução do Código é precisa, na história d,o nosso direito. Há sempre a apelação desde que se argúi contra a decisão, in procedendo ou in iudicando. Tal apelação é interposta da sentença que homologou, ou não homologou, porque todas as decisões arbitrais precisam de homologação (art. 1.096) e é a homologação que lhes dá força de sentença. Está, assim, derrogado o art. 1.046 do Código Civil. Isso não puer dizer que se não mais admitam a cláusula sem recurso e a pena convencional. Admite-se, mas há sempre apelabilidade. Provida a apelação, a sentença do recurso tem a eficácia negativa, no direito material, de excluir a pena convencional. Volta-se, portanto, à tradição do nosso direito (solução b). A interposição da apelação suspende o processo e a aplicação da pena, tal como explicaram os praxistas, para que não prevaleça, em efeitos, a injustiça da sentença, ou a nulidade. Se a sentença só em parte é confirmada, têm-se três soluções possíveis: (a) uma vez que houve razão para se apelar, não importa saber-se qual a parte em que o apelante apelou bem, e, havendo provimento, multa não há; (b) o apelante que somente obteve a reforma em a, tendo-a pedido eni b, e, d, somente em a tinha razão, de modo que apelou injustamente, e nada há de injusto em se manter a pena, pois culpa, se houve, foi dos dois; (e) se o apelante só apelou de parte e ganhou no todo em que apelou é como se tivesse apelado da sentença toda e houvesse ganho, mas, se apelou do todo da sentença, ou de parte, e perdeu em parte, reduz-se a pena, em proporção. A solução do nosso direito, de lege lata, é a solução (a): “. . . si arbitrorum sententia non sit confirmata, poena non committitur. Si autem pro parte confirmata sit sententia, pro parte vero confirmata, nec pro parte poena committitur, cum iustam habuerit litigator causam reclamandi” (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 29. com fundamento em MANUEL BAitsosA). A solução (a) vale, mesmo se a reforma foi devida a novos documentos. Os nossos juristas receberam isso de CuJÁcIo. Se o tribunal entende que os árbitros violaram direito, porque não estavam autorizados a decidir por eqúidade (art. 1.100, VI), decreta a nulidade do laudo; mas tem de remeter os autos, para nova decisão, ao juiz das questões de fato, pois ele mesmo não as decide, porém aplica o direito que deveria aplicar. Note-se, porém, que o art. 1.102 não somente se refere ao tribunal da apelação. Se outro, o dos embargos, ou o do recurso extraordinário, foi que chegou à conclusão de ser caso do art. 1.100, VI, e deu provimento ao recurso, e o juiz que há de julgar o feito. O art. 1.102, II, regula a relação entre o tribunal e o juízo arbitral. A 5~8. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 28 de outubro de 1952 (R. dos T., 207, 130), disse:“PONTES DE MIRANDA, examinando o assunto, através da história do nosso direito e admitindo a apelação parcial, focaliza os critérios adotados nas antigas leis (Ordenações Afon•sinas, Ordenações Filipinas e Decreto n. 3.900, de 1867, art. 65) e afirma achar-se derrogado o art. 1.046 do Código Civil, por isso a apelação que se pode referir a error procedendo e a errar in iudicando. Se o tribunal entende, diz ele, que os árbitros violaram direito expresso, decreta a nulidade do laudo, mas, ao invés de devolver os autos para nova decisão, aplica o direito como deve ser na hipótese. Cabe, pois, na segunda instância, a revisão do mérito, quando possível, se os árbitros não forem autorizados a decidir por eqúidade e ocorre violação de direito expresso, sendo o exame suscetível de referir-se a questões diversas, independentes uma das outras”. O tribunal, ao reputar nulo o laudo, por ser nulo o compromisso, decretou, necessariamente, a nulidade do compromisso, articulada pela parte como prejudicial do mérito do pedido de não-homologação: houve dois pedidos dos apelantes, um, contra o compromisso, pedido prejudicial, quanto à constituição negativa do compromisso (nulidade); outro, contra o laudo, que seria nulo, pois que foi (também pedido de constituição negativa). Decretadas as duas nulidades, uma em virtude de o ter sido a outra, compromisso não existe mais, e seria absurdo que se permitisse aos árbitros julgar de novo, nulamente. Também quando o tribunal decreta a nulidade do laudo, porque foi proferido fora do prazo assinado aos

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árbitros no compromisso, a sua decisão impede novo laudo em virtude do mesmo compromisso. Muito diferente é o que se passa quando o laudo é nulo por infração da forma ou dos limites (art. 1.100, II, III, VI e VII). e)O art. 153, § 4~O, da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, impede que se retire, em leis ordinárias, a recorribilidade das sentenças relativas a homologação de laudos arbitrais, no tocante a errores in procedendo e in iudicando. Deu, portanto, a solução, em técnica constitucional, ao problema que se pusera ao tempo da codificação manuelina: nem o Princípe, legislador, poderia confirmar a renúncia ao benefício. O art. 153, § 4P, não protege apenas quanto à exclusão do exame judicial nos casos em que os poderes públicos seriam interessados em que não houvesse tutela jurídica. Protege também quanto a essa exclusão se a lei a permite aos particulares. A técnica das Constituições emprega normas jurídicas que se concebem na dimensão da liberdade, ou da democracia, ou da igualdade. Antes de se haver caminhado na dimensão da democracia, um dos expedientes técnicos mais relevantes era o da linha de legalidade (dito principio da legalitariedade), segundo o qual, ainda que as leis, alvarás, decretos, avisos e portarias fossem do mesmo foco ejector, se exigia, para algum ato ou fato, que o previsse a lei. O princípio do juiz legal foi fusão do princípio de igualdade perante a lei com o principio de legalitariedade. O art. 153, § 4•O, em vez de exigir lei, dirige-se às leis: não é regra jurídica que entre no princípio de legalitariedade; é regra de competência do Poder Judiciário, e precisa, materialmente, o que toca, sem exceção possível, a um dos poderes. Tem exatamente a função, a respeito do Poder Judiciário, que as regras jurídicas de legalidade, depois que só os Parlamentos podem fazer lei, exercem a respeito do Poder Legislativo. Por brevidade, não há, nas Constituições brasileiras, o princípio escrito do juiz legal: basta que lá estejam o de igualdade perante a lei e o de vedação do foro privilegiado, ou dos tribunais de exceção (Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, art. 153, § 15). Se o Congresso Nacional votasse lei que dissesse: “As questões de limites entre terrenos, fazendas, sítios ou outras propriedades rurais serão decididas pelo Instituto Brasileiro de Agrimensura”, isso não seria contra a igualdade perante a lei, nem, a fortiori, contra a garantia do juiz legal (o Instituto Brasileiro de Agrimensura seria juiz legal). Mas violaria o art. 153, § 4~O, porque o Instituto Brasileiro de Agrimensura não pertence ao Poder Judiciário. O art. 153, § 4~O, tem por fito assegurar que a lei não edicte regras jurídicas cogentes, dispositivas ou interpretatiivas, que excluam a cognição dos litígios pela Justiça estatal. Não se promete só o juiz legal; exige-se que o juiz faça parte do Poder Judiciário A lei que elidisse a cognição, pelos juizes providos, de certas espécies, sem infração do art. 153, § 15> (igualdade perante a lei), não violaria a esse, mas violaria àquele. A garantia cio juiz legal não contém a vedação do art. 153, § 45>. Com a infração do princípio do juízo legal, violar-se-ia o de igualdade perante a lei em que ele entra; porém, sem se violar a esse, poder-se-ia violar o art. 153, § 45>. E. g., “As questões civis entre jornalistas e ofendidos acabarão no j uri de imprensa”, “As questões de acidentes de automóveis serão dirimidas por árbitros e o recurso será limitado ao exame das nulidades de direito material ou de direito processual”. 2)Novo JULGAMENTO DA CAUSA PELO JUÍZO . A atitude do tribunal, no recurso interposto quanto à sentença homologatória, ou denegatória, não é mais semelhante àquela que tem na ação rescisória do art. 485, V. Discutia-se se o juiz da homologação, ao decretar a nulidade do laudo, podia aplicar o direito à espécie. Quer dizer: substituir o direito em tese. O Código de 1939, art. 1.046, parágrafo único, b) somente falava do tribunal, mas era óbvio que o juiz tinha o mesmo poder. Temos hoje regras jurídicas diferentes. As espécies em que se decreta a nulidade (nulidade não se declara) e se declara a ineficácia do laudo arbitral são as que se fundam em ter sido decretada a invalidade do próprio compromisso (art. 1.100, 1), ou ter o laudo provindo de quem não podia ser nomeado árbitro (art. 1.100, IV), ou terem sido os árbitros nomeados sem se terem obedecido as legras jurídicas da lei ou as normas contratuais (art. 1.100, V) ou ter sido proferido fora do prazo (art. 1.100, VIII). Só há novo laudo nas demais espécies (proferido fora dos limites do compromisso, ou em desacordo com o seu objeto, art. 1.100, II; não foi julgada toda a controvérsia submetida ao juízo, art. 1.100, III; julgou-se por equidade, sem ter havido autorização para isso, arts. 1.100, VI e 1.075, IV; não houve o que se exige, no art. 1.095, ao laudo, art. 1.100, VII. Assim, ocorrendo o que acima se aponta, fora, portanto, dos incisos 1, IV, V e VIII do art. 1.100, o Tribunal manda que o juízo profira novo laudo (art. 1.102, II). A relação jurídica continuou incólume, o que não acontece nas outras espécies (art. 1.100, 1, IV, V e VIII). No direito anterior, a infringência de direito expresso, se foi por equidade o julgamento (se tal se permitira), o Tribunal aplicava a regra jurídica expressa (Código de 1939, art. 1.046, parágrafo único, b). Hoje, não: o Tribunal manda que o juízo profira novo laudo. 3)RECORRIBILIDADE QUANTO AO ATO HOMOLOGATÓRIO OU DENEGATÓRIO . O recurso é inelidível pelo compromisso (Código Civil, art. 1.046; do Código de Processo Civil de 1973,. art. 1.101,

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parágrafo único). Se foi estabelecida pena convencional, o recorrente tem de depositar previamente a importância da pena, ou de dar fiança idônea ao pagamento (Código Civil, art. 1.046, parágrafo único). Provido o recurso,. é nula a pena convencional (Código Civil, art. 1.047). A apelação suspende a eficácia da sentença e, se há a pena convencional para o caso de apelar (Código Civil, art. 1.046, 1.a parte), também a aplicação dessa. Não há, pois, cumprimento de laudo arbitral homologado, de que se apelou, se ainda não julgada a apelação. Discutiu-se, ao tempo das Ordenações Filipínas, se, exercida a ação contra o que apelou contra a cláusula “sem recurso”, podia ser executado antes. A resposta foi negativa. No Código de 1973, pós-se o art. 1.101, parágrafo único, que, diante da possível cláusula “sem recurso”, afastou que não se pudesse interpor apelação com fundamento em qualquer dos vícios apontados no art. 1.100. Mas, uma vez que há a pena convencional e se recorreu contra a expressa cláusula “sem recurso”, a parte que apelou e perdeu é condenada à pena convencional. 4)PROVIMENTO E APELAÇÃO QUANTO A SENTENÇA DA HOMOLOGAÇÃO OU DENEGATÓRIA. Se houve homologação e o tribunal deu provimento à apelação interposta, por ter sido o laudo arbitral proferido fora dos limites do compromisso, ou em desacordo com o objeto (art. 1.100, II), ou por se não haver julgado toda a contumácia ou todas as contumácias submetidas a juízo (art. 1.100, III), ou por ter sido proferido por eqúidade sem ter havido autorização (art. 1.100, VI), ou por faltar algum pressuposto essencial (arts. 1.095 e 1.100, VII), tem de ser proferido novo laudo (art. 1.102, II). O acórdão há de dizê-lo, como mandamento. Nas outras espécies (art. 1.100, 1, IV, V e VIII), há nulidade, que não deixa margem para novo laudo. A apelação da sentença que homologou ou negou homologação ao laudo arbitral é inafastável pelo compromisso, relativo a qualquer outro negócio jurídico. 5)LAUDO ARBITRAL E EFICÁCIA. A eficácia sentencial do laudo arbitral depende da homologação. Se houve cláusula “sem recurso”, só se refere ao laudo. Nunca à sentença que homologue ou negue a homologação. Homologado o laudo arbitral, exsurgem cs efeitos (força e eficácia) do laudo arbitral que se fez, no plano da eficácia, sentença. A decisão arbitral é suscetível de classificação quinária como as sentenças dos juizes estatais. Apenas se há de guiar o investigador pela força (eficácia preponderante) que ela terá e pelas outras eficácias, que se lhe atribuem, quando homologada. Nenhuma diferença há, no que concerne à carga de eficácia, entre as decisões arbitrais e as sentenças dos juízes estatais. A classificação pela eficácia é a mesma. Apenas, as sentenças dos juizes estatais de ordinário têm a eficácia desde que transitem em julgado; a das decisões arbitrais depende do trânsito em julgado da sentença homologatória. A sentença homologatória do laudo arbitral, se brasileira a, ou a sentença estrangeira b, é exportada: o Estado A, ou o Brasil, importa-a. O laudo arbitral brasileiro não é importado pelo Estado A (nem o Brasil importa o laudo estrangeiro): o laudo brasileiro, ou o estrangeiro, adquire eficácia surplace. Pode esse, ou aquele, com eficácia adquirida, ser exportado, mas há de ser homologada no pais de importação. SISTEMÁTICA DO LIVRO IV, TÍTULO 1 (JURISDIÇÃO CONTENCIOSA) 1.AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Trata-se de judicialização do ato de cumprimento da obrigação, com a eficácia da interpelação, se não foi antes feita, e a formação da relação jurídica processual, em ação cuja sentença é declarativa, positiva ou negativa. A solução técnica poderia ser diferente. Ou a) se constrói a ação de consignação em pagamento como declarativa, e então é produtora de coisa julgada a sentença; ou b) se constrói como executiva (em vez de ser ação de execução forçada, ação de execução voluntária). A concepção da ação de consignação em pagamento como executiva atribuiria à sentença força executiva. É, pois, da maior importância conhecer-se qual a espécie de que se trata. A admissão de “embargos” revela a concepção b); a admissão de “contestação”, a concepção a). A força de coisa julgada material acompanha a sentença segundo a concepção a). A alternatividade em que importa ou virem ou mandarem receber, sob pena de ser feito o respectivo depósito, é semelhante à que se observava e se observa nas ações provocativas de exercício de direitos formativos e na ação de preceito cominatório, tal como era disciplinada, ou nas ações executivas de títulos extrajudiciais. É contestação que se opõe à consignação em pagamento (em vez de embargos, como antes do Código de 1939): o ataque

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é, pois, às afirmações que concernem ao direito do depósito. Se comparecia o réu e contestava, depositava-se, porém em virtude do pedido, e não para execução. Quem executava era o devedor, depositando; não o juiz. São pontos dignos de toda a atenção, por separá-los diferença conceptual de toda a relevância. O petitum do consignante é declaração de vontade, no plano do direito processual; a entrega ou depósito satisfativo, não: porque pagamento, solutio, não é declaração de vontade. Quem paga pratica ato, não declara; pode ser que comunique vontade de pagar. Havendo concurso de credores, que se instale, a ação declarativa ficou para trás. II.AÇÃO DE DEPÓSITO A ação de depósito tem eficácia de execução. A executividade é onimoda: execução de coisa certa, ou execução de equivalente, ou execução psicológica e física (prisão). Cf. arts. 901-906. O elemento imediato é o condenatório. Há expedição de mandado, inicialmente, e o de prisão, se não for entregue a coisa depositada. Portanto, adiantamento de execução, firmado em inicial cognição incompleta. A sentença favorável completa-a; a desfavorável destrói a cognição incompleta com que se iniciou a ação executiva. Do despacho que nega a prisão, no caso do art. 902, § 1.0, não cabe agravo, nem apelação; mas, se envolve indeferimento da petição inicial, por se não tratar de depósito hábil ao processo, o recurso é o de apelação, por entrar no mérito ou caber no art. 267 (art. 513). A Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Espírito Santo (11 de novembro de 1942, Acórdãos, 1942, IV, 111) considerou irrecorrível o despacho que revoga a ordem de prisão. É preciso distinguir: a) se o primeiro despacho do juiz, de que, aliás, cabe agravo de instrumento, transitou em julgado, não mais pode ser revogado pelo juiz, que somente o poderia fazer por ocasião de sustentar o seu despacho; de modo que a revogação é infração da coisa julgada formal, que pode revestir-se de indeferimento do mérito, ou não; b) se o primeiro despacho ainda não transitou em julgado, posto que já tenha tido execução, ainda é reformável (= revogável). A prisão, a “ação” de depósito e a classificação da ação de depósito (em direito material) estão tão intimamente ligadas entre si, em proposições conseqüentes , que é difícil imaginar-se denegação de prisão sem se entrar no mérito. O código de 1939, art. 366, falava em “depositário ou pessoa que lhe seja equiparada”. Essa extensão ora feita com alusão ao plano do direito material: não há conceito de pessoa equiparada a depositário, no plano do direito processual; o conceito é de direito material. O caso do art. 885 e do art. 733, § 1.0, são de direito material inserto no Código de Processo Civil: aquele proveio do art. 31, parágrafo único, da Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908; esse, de inspiração mais conspícua, é direito material heterotópico. Quanto à legitimação passiva na ação de depósito, é a equiparação, de que se falou, estabelecida em direito material, que decide. III.AÇÕES QUANTO AOS TÍTULOS AO PORTADOR (a) A ação do subscritor, para haver o titulo que lhe foi subtraido, é ação de vindicação, ou ação de posse da cártula, não do título ao portador, pois que, ex hypothesi, não foi emitido. (b) A ação vindicatória do possuidor para haver o titulo de que foi injustamente desapossado (Código Civil, art. 521), ou ação de vindicação da posse, dita pelos juristas alemães, “Besitzrechtsklage”, ligada à pretensão do direito de posse exercível pelo que perdeu coisa móvel (e. g., título ao portador), ou a quem foi furtada, contra quem a tem, possuidor imediato, ou mediato, ainda de parte dela (HA.Ns NELKES, Die Klage aws § 1.007 des BGB., 22), ou contra o amo, se há servidor da posse (O¶rro voN GIEnx~s, Die Bedeuvung des Fahrnisbesitzes, 52), ou contra o incapaz, ou pelo marido contra a mulher (Huoo KREss, Besitz und Recht, 222), ou vice-versa. Cf. art. 907. Tal ação se dirige contra o detentor, não contra o emissor (l.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 25 de maio de 1943; R. F., 96, 366), salvo se detentor é. (c)A ação do que foi injustamente desapossado do título para obter a substituição, é ação constitutiva restaurativa de instrumento (cártula), como há ações constitutivas de forma e as ações constitutivas (cautelares) de instrumentos, que instauram, em vez de restaurarem (e. g., as inquirições ad perpetuam rei memoriam). Há possível transformação em ação de condenação. (d)A ação do possuidor para, mediante a apresentação e em consequência dela, lhe ser entregue a prestação prometida, é mais forte que a ação declaratória da existência (ou inexistência) da relação jurídica, por declaração unilateral de vontade e, ainda mesmo, que a ação declaratória da existência (ou inexistência) da relação jurídica (já bilateral e direta) entre o possuidor que apresentou o titulo e o promitente. Trata-se de ação de condenação. Ou ação executiva de título extra judicial. (e)A ação do possuidor para que, apresentado o título, lhe seja entregue outro título, ou lhe sejam entregues

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outros títulos, a) em caso de substituição cartular, é ação semelhante à ação (c), apenas sem o pressuposto (de direito material) do injusto desapossamento. Ao passo que a ação b) para obtenção de títulos-filhos, em virtude de bonificação, ou sorteio, é ação constitutiva, de eficácia ex tunc ou só ex nunc, conforme a lei ou os estatutos da sociedade (pretensão formativa geradora da instrumentação ou da forma). A substituição cartular, em caso de perda ou de destruição, entra na espécie (c), e não na espécie (e). As ações das espécies (c) e (e), a), chamam-se ações de amertização, aquelas, ações de amortização de causa acidental, e essas, de amortização legal ou estatutária. Há títulos sem a pretensão a que corresponde a ação (c). Observe-se que a ação de amortização não é, quanto ao titulo novo, de eficácia constitutiva: apenas declara obrigação nova do subscritor a restauratividade e no plano obrigacional, como obrigação de fazer e assim executável; de modo que, ao dizermos que é constitutiva negativa, designamos com toda a propriedade o que se passa, porém não temos a mesma exatidão ao falarmos de restaurativa. (A ação de amortização poderia parecer ação como a do art. 641; mas a confusão seria perniciosa: na ação do art. 641 cuja classificação é um dos mais interessantes pontos do direito processual e dos mais delicados há execução de obrigação de prestar declaração de vontade; na ação de amortização, de modo nenhum. Não presto declaração de vontade quando faço novo título de declaração de vontade, a (declaração de vontade foi fato do passado, que vem até o presente; o titulo apenas a reenforma, hoje.) IV.AÇÕES DE PRESTAÇÕES DE CONTAS O Código de 1973 pós no Livro IV, Título 1 (dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa), os arta. 914-919, a ação de ação de contas, de que o Código de 1939 tratara como um dos fundamentos para a ação comínatória, que disciplinara com minúcias. Nele, o art. 302, V, atribuiu a ação comínatória “a quem tiver direito de exigir prestação de contas ou for obrigado a prestá-las”, o que está no art. 914 do Código de 1973, que apenas não alude à cominatoriedade. Os arts. 303, 307, 308, § 32, 309 e 310 de certo modo persistiram nos arts. 915-919 do Código de 1973. O legislador quis apagar a figura geral da ação cominatória típica, quer quanto á ação de prestação de contas quer quanto às outras. V.AÇÕES POSSESSÓRIAS DE REINTEGRAÇÃO E DE MANUTENÇÃO:INTERDITO POSSESSÓRIO (a)A ação de reintegração é ação executiva. Se o mandado foi concedido inicialmente, deu-se adiantamento de execução; ao juiz bastou a cognição superficial. Se não foi concedido, a eficácia executiva será contemporânea da sentença. Não há actzo iudicati de sentença favorável em ação possessória, para que se reintegre a posse; a sentença mesma já é sentença executiva, e não sentença de condenação. Se o juiz aplica o art. 505, 2.~ parte, do Código Civil, por se tratar de quem tem o domínio e de quem alega possuir como dono, provando aquele o seu direito, a sentença é a favor do dono, contra o possuidor, é de reintegração, ou de manutenção, nas ações, respectivamente, de manutenção e de reintegração. (b)A ação de manutenção é mandamental, podendo haver, ou não, adiantamento de mandado. A ação de manutenção de posse é mandamental, porque o elemento que prepondera é o mandado. Depois, vem o elemento declarativo, que a aproxima da ação declaratória da relação jurídica de posse: ela é declarativa, com o plus, preeminente, do elemento mandamental, e carga maior de elemento condenatório. Ao passo que, na ação declaratória da posse, o elemento mandamental é apenas responsável pelo efeito de preceito (Tratado das Ações, Tomo II, 147 s., 62 e 76). (~I interessante observar que, antes de se haverem “isolado” as ações manda-mentais, ERNST ECK, Die sogenannten doppeiseitigen Klagen, 64, via na luta em torno da posse, sem uma das partes acusar de turbação, ou de se bulho, a outra, ação declarativa, porém não caracterizou, como devera, o interdito de retinência.) Não há preparatoriedade no mandado initio litis (Tribunal de Apelação do Ceará, 14 de abril de 1944, R. de J. e D., 1, 54; 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 28 de agosto de 1944, R. F., 104, 494), daí não caber agravo de instrumento; nem preventividade pendente a lide, que justificaria o agravo de instrumento retido nos autos (2.a Turma do Tribunal de Apelação de Pernambuco, 10 de março de 1941, A.F., 14, 160): há, apenas tipícamente, adiantamento do mandado, se se trata de ação de manutenção, ou de execução, se se trata de reintegração. Nem se pode pensar, contra a concessão no início da lide, em mandado de segurança (2.8 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 16 de maio de 1944, R. dos T., 155, 496), porque os pressupostos mesmo do mandado de segurança não poderiam existir onde o ato de decisão se funda em cognição incompleta. Não há, pois, qualquer recurso da concessão ou

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denegação no início da lide (1.~- Turma do Supremo Tribunal Federal, 28 de agosto de 1944, R. F., 104, 494; 2.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 1.0 de março de 1945, R. F., 104, 85), dada a incompletitude em adiantamento de mandado, ou de execução (cf. 3.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 27 de maio de 1943, Decisões, 1944, 48), não por se tratar de puro arbítrio (!) do julgado (sem razão, a mesma Câmara, a 22 de junho de 1944, J., 25, 563). Se a denegação não é por insuficiência dos pressupostos da medida initio litis, porém envolvida noutro motivo de indeferimento, o recurso é o dessoutro motivo (e. g., por incompetência ou ilegitimidade de parte ad causam, ou impropriedade de ação processual o que extingue o processo com ou sem julgamento do mérito. A “manutenção” e a “reintegração” liminares são provisóri as; não é provisória a coguição: a cognição é superficial, Incompleta. A sentença final ou a completa, ou a desfaz, deferindo, ou não deferindo, o pedido inicial. No possessortum summariissimum, a cognição é interina, de modo que a sentença mesma é sem definitiva solução da questão: é a isso que se refere o Código Civil, art. 500, verbis “manter-se-á provisoriamente”. Cogníção superficial, interina, é decisão, portanto, sem força de coisa julgada material. A sentença do art. 500, de manutenção interina, tem carga mandamental, executiva (pela duplicidade do pedido, que envolve reintegração ou manter, do modo que, aí, o manter também executa), condenatória, constitutiva e declarativa. Na sentença de cognição completa, se reintegrativa, passará à primeira linha a executividade, diminuirão a mandamentalidade e a constitutividade e aumentarão a declaratividade e a condenatoriedade; se de manutenção, tornar-se-á manda-mental e declarativa. A ação do art. 500 do Código Civil (possessorium summari~ss’imum) é dúplice, e a prioridade entre os litigantes não é o pressuposto para a manutenção (art. 507); e sim o é a tença, a posse material (Eo ipso quod possideo, potior est; Possideo quia possideo). (c) O interdito proibitório é menos ação com elemento condenatório do que o interdito de manutenção; a fortiori, do que o interdito de reintegração. Essa é a razão por que o não consideramos ação com adiantamento de condenação: é acão de mandamento, ligada à proteção do status quo, em que há veto, e não condenação. A “cominação” não funciona, aí, como adiantamento de condenação, confundindo-se com o preceito cominatório; e sim como sanção do mandamento. Donde não ser condenatória. Mais se parece com a sanção do atentado do que com a alternativa das ações em que há elemento cominatório. Ação autônoma, também se não há de incluir na classe das ações mandamentais ditas pelo Código cautelares, posto que o legislador hoje preferiu pôr o interdito proibitório nas ações possessivas. A ação obsta; não somente acautela. O interdito proibitório nasceu da proteção do locus sacer,do lugar sagrado (L. 1, pr., D., ne quid in loco sacro fiat,43, 6), onde na fórmula se diz: “In loco sacro facere inveeum immittere quid veto”. Era ato jurídico solene, donde VALÉXIO pensar em nuncu pare e SÊNECA em carmen. Passou a proteger loca religiosa e chegou até a proibição de alienar o sepulchrum, os muni e postae municipais, as coisas destinadas ao uso público. Historicamente, só os interditos proibitórios eram chamados interdicta; dava-se aos outros remédios jurídicos o nome de decreta. A finura é digna de nota, pelo que há de executivo e de constitutivo no determinar que se restitua ou que se exiba e pelo que se revela de mandamento puro no interditar. Quando às espécies diferentes se começou a chamar interditos, foi possível falar-se dos interditos proibitórios como subclasse. Seja como for, o “Veto”, o “Interdicam”, somente a eles é inerente: quem reintegra ou mantém, não somente veta; nem interdiz o que somente comina. Por mais que os tempos hajam mesclado, misturado, fundido, o interdito proibitório e o preceito cominatório, os dois institutos vieram até nós e estavam no Código de 1939, em lugares diferentes, ainda quando se trate do remédio jurídico e do remédio cominatório da abstenção de ato. O juiz, ao deferir a cominação para que o citado pratique ou se abstenha do ato (cf. arts. 633, 634, 636, 638, parágrafo único, 641, 643-645), não veta, não interdiz: comina, adianta condenação. A ação da manutenção, com a fórmula Quominus possideatis vim fieri veto, é a que mais se aproxima do interdito proibitório propriamente dito e o “veto” poderia iludir-nos. A tutela possessória retinendae vem dos vindiciae que o pretor “concedia” a uma das partes, pendente a demanda, portanto sem se levar em conta a turbação, como a interinws dominus. Dai foi que se veio à “discussão” e “decisão” da questão de posse, para se discutir e decidir em vez de se conceder a retinência, a manutenção. O interdito era expressão da vontade estatal. Donde o seu objeto; a liberdade das pessoas, as coisas públicas e as coisas privadas (no interesse do Estado). O que está em causa é o fim cultural do Estado; não só o interesse dos individuos. De modo que, para alguém obter a proteção interdital, não só seria preciso que afirmasse e provasse o “seu~~ interesse, mas também o da ordem pública. Se a liberdade do cidadão romano era ferida, feridos seriam

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todos os cidadãos romanos; daí competir a todos o interdito de exibição do homem livre. A aparição de interditos em que o interesse público é mediato marcou-se pela extensão em que importava; e. g., o interdito de itinere actu que privato, relativo a servidões rústicas, em que ainda ressaltava o interesse público no status quo. A analogia com o interdito de via publict et de itinere publico retificiendo é evidente. Também o interdito de uxore exhibenda et ducenda se moldou no de liberis exhibendis item ducendis. O interdito proibitório foi o que mais conservou a marca do interesse público, de defesa da ordem pública. Já a respeito dos interditos retinendae possessionis se notara a permanência do interesse público (para H. WITTE, Das interdictum uti possidetis, 109 s., esse interdito seria mesmo, originariamente, interdictum sim plex). Ainda hoje, a angularidade da relação processual é posterior ao mandado, de forma que se percebe o interdictum sim plex, e a discussão posterior relativa à cognição. Ora, na ação de manutenção e na de reintegração, a angularidade começa desde o início, posto que, segundo o art. 928, excepcionalmente se permita a linealidade (autor, Estado), que com a citação se estenda em ângulo. Aliás, a expressão uti possidetis, em vez de uti possides, revelava a angularidade desde o pedido (cada uma pedia que fosse mantido). Interdictum duplex, que o deixou de ser; porém não completamente, pois o réu pode reconvir, salvo se sumaríssímo o procedimento (art. 275, 1 e II, a). Cf. art. 315, § 2.0. A ação de manutenção e a de reintegração fizeram-se actio, o órgão do Estado passou a ser juiz, iudex, em vez de pretor. Em lugar de mandado só, isto é, veto, exhibeas, restituas, a ação de manutenção, conservando-se mandamental, encheu-se de elemento declarativo e condenatório; a ação de reintegração desinterditalizou-se por completo e fez-se ação executiva, com adiantamento de execução, fundado em cognição inicial incompleta, ou simplesmente executiva com a cognição completa final. Mas o interdito proibitório dos arts. 932 e 933 conservou-se mandamental, antepretoriano, quer dizer para aquém do texto de GAIO (IV, § 139): “...Praetor aut Proconsul principaliter auctoritatem suam finiendis controversiis interponit”. (Não “proponit” como está em F. O. voN SAVIGNY, nota 2, ao § 34 de Das Rech.t des Besitzes.) O interdito em sentido próprio é o dos arts. 932 e 933; as ações de manutenção e de reintegração, a despeito do elemento mandamental daquela, que suplantou os outros, por influência daquele interdito, contém decreta (GAIo, IV, 139-140). Poder-se-ia discutir, hoje, se a ação de manutenção é mandamental, ou executiva, ou de condenação (começada com adiantamento). De execução não é, porque nenhuma prestação é feita pelo Estado, em vez de o ser pelo réu. Aliter, a reintegração. De condenação, sim, é que poderia ser, porém isso teria o defeito de sublinhar o caráter delitual (teoria de F. C. VON SAvIGNY) das ações possessórias. Há mais, na ação de manutenção, do que mandado de não fazer. Lá estão em GAIO (IV, § 140) as diferenças entre o “ne sine vitio possidenti vis fiat” e o “ne in loco sacro aliquid fiat”, entre o “vim dieri veto” e o simples “veto”, ou “ne fadas”, “ne immittas”. Os interditos proibitórios dos arts. 932 e 933 são a forma mais próxima dos interditos públicos, primitivos. Não se alude à vis, não se examina matéria para condenação, nem, a fortiori, para execução, veta-se, manda-se. A simples ameaça é pressuposto suficiente, porque o interesse público continuou sendo imediato, e não de segundo plano ou mediato. VI.AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA “Quando alguém edifica novamente alguma obra, que a mim é prejudicial, embargando-me a vista das minhas casas ou alguma outra minha servidão, que me seja devida, eu por mim posso denunciar ao dito edificante, lançando certas pedras na obra, segundo Direito, e usança da terra, que mais n~o faça naquela obra, pois a mim é prejudicial”. Esse princípio, acolhido pelas Ordenações Afonsinas, Livro II, Título 80, § 4, atravessou os séculos (Ordenações Manuelinas, Livro III, Titulo 62, § 4; Ordenações Filipinas Livro III, Título 78, § 4). A eficácia da sentença favorável na ação de nuneiação de obra nova ou é a de força mandamental, porque só se manda que a obra pare, ou é executiva-condenatóría, se se decreta a demolição do que se edificou. Porém não nos escape que, urna vez feita a cominação do preceito, aí a sentença é condenatória eventual. Quanto à indenização, executiva-condenatoria. Tem-se, pois, de atender a que há duas ou mais sentenças na mesma sentença, formalmente uma, o adiantamento da eficácia mandamental ou da eficácia executiva provém da origem da ação, da ação de mão-própria, do iactum lapilli, ou sentenças distintas quanto ao conteúdo e quanto à forma VII.AÇÃO DE USUCAPIÃO A ação de usucapião é declarativa. A eficácia, que vem após a de declaratividade, é a mandamental, razão

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por que a sentença é transcrita. O elemento constitutivo só se passa no plano da eficácia de direito registrário e enche o elemento mandamental. Os citados, ainda que editalmente, têm de contestar, não de opor; porém os não citados, inclusive por editais, são terceiros. Donde a conveniência do processo edital amplo (e. g., “os interessados”). Ação declarativa, a sentença favorável somente tem força de coisa julgada material contra os citados. VIII.AÇÕES DE PARTILHA E AÇÕES DE DIVISÃO A)DISCUSSÃO DA NATUREZA DAS AÇÕES DE PARTILHA E DE DIVISÃO Antes de qualquer consideração sobre ações de partilha e ações de divisão, convém insistir nos conceitos de partir e de dividir. Nem sempre parte quem divide; nem sempre divide quem parte. O direito romano colheu a essência das duas categorias quando distinguiu, precisamente, o campo da actio familíae erciscundae e o campo da actio communi dividundo, a ponto de só permitir que se usasse daquela uma vez. Por quê? Porque aquela se refere a uma relação que não é a da comunhão pro indiviso de direito das coisas puro. Se o monte partível se compõe de três prédios e os herdeiros são três, a partilha dos três, sendo um para cada herdeiro, não divide. Somente parte. Se são quatro os herdeiros e dois têm de ficar num só prédio, em vez de se dividir, criou-se a indivisão: no entanto, partiu-se o monte e uma das linhas da partilha deixou de coincidir com as coisas e atravessou uma delas. Se esse prédio é divisível, ao tempo de se partilhar também se pode dividir o prédio, e então haverá partilha mais divisão. Ou se há de deixar para depois, como exercício de actio cominuni dividundo. A partilha tanto abstrai da res, que se partilha aquilo mesmo que não está no patrimônio do morto (bens sujeitos a colação), e se satisfaz com o quid inteliectuale. Porém ~qual a natureza da ação de partilha e da ação de divisão, em classificação das ações segundo a eficácia da respectiva sentença? O assunto é da máxima importância teórica, porém não é menor o seu interesse prático. (A) De início, observemos que, sendo dividir e partilhar conceitos distintos, a natureza das duas ações pode não ser a mesma. Ou o que há, nelas, de comum as põe na mesma classe, sem que possam elas ser mais do que subclasses; ou elas ocupam classes distintas. Respondida afirmativamente a primeira questão, está prejudicada a segunda. (E)A primeira disputa foi em torno de serem declarativas ou constitutivas as ações de partilha e de divisão, O dilema já sacrificava o bom andamento da investigação: e. g., em vez de um “<~,Qual é a classe?”, o contrangente “~é da classe a ou da classe b?”. Assim, não se poderia ter campo livre para as investigações e para a solução. No plano do direito material, a propensão dos civilistas e para acentuar a natureza declarativa do negócio jurídico da divisão. No plano do direito processual, entre processualistas, é para a apontar como constitutiva. Em todo caso, civilistas alemães e austríacos entenderam que há constitutividade no negócio jurídico (e. g., ERNST ECK, Die sogefl~annten doppelseitigen Klagen, 140); e não faltaram processualistas que o vissem como declarativo (e. g., WILHELM KIsCH, Beitràge, 64 5.; H. LAMMFROMM, Teilung, Darlehen, Auflage und Umsatz-Vertrag, 266). O dilema era posto onde não cabia. No plano processual, a ação não é declarativa, nem constitutiva. Os civilistas não sem causa em menor esforço intelectual tendiam a considerar declaratório todo negócio jurídico ou ação de eficácia ex tune. As doutrinas, franseça e italiana, com toda a repercussão nos países latino-americanos, incorreram nessa fácil identificação. Nada restaria a discutir. A partilha e a divisão seriam declarativas, uma vez que vão ao passado, retroativamente. O mais grave é que se levou ao processo civil, como elemento para a classificação das ações e das sentenças, tal conceito, que descurava assim do conteúdo como do fim dos negócios jurídicos. A prova de que havia sentenças constitutivas de eficácia ex tuno deixou perplexa a doutrina. Mais ainda a estarreceu a descoberta de sentenças declarativas de relações já extintas ou futuras. Assim, o problema da natureza das pretensões a dividir e a partir foi sacrificado pelos que se preocuparam com o eventual negócio jurídico divisório ou partitivo, que uns queriam declaratório e outros constitutivo. Aqueles deslocavam a questão para terreno tão árduo quanto o dela, próprio, o da natureza dos negócios jurídicos ditos declaratório ou de reconhecimento (negócios jurídicos cognitivos). Esses, para o terreno das discussões em torno dos negócios jurídicos constitutivos, além de irem da mais leve espécie de negócio jurídico constitutivo aos mais típicos. Para isso, tinham eles de afastar a obrigação de dividir ou de partir; e

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quem os lê bem contempla o esforço, a pertinácia e o insopitável wishfuil thinking, com que procederam a essa penosa e deformante cirurgia. Seja como for, tal atitude deslocava para o terreno do direito material problema que deveria confinar-se no terreno do direito processual, por ser problema de eficácia de sentença. Na primeira fase de juízo de divisão ou de partilha, há exame de relação jurídica de comunhão e dos direitos de cada comuneiro, ou pelo menos dos que suscitaram a relação jurídica processual. O elemento declarativo tinha de ser, aí, de primeiro plano, e é o elemento declarativo que se encontra em tantas ações não declarativas. Porém, quer histórica, quer sístematicamente, não era esse o elemento preponderante, nem o é hoje, ainda quando se tenha atenuado a impermeabilidade do processo divisório às “questões de alta indagação”. Verdade é, porém, que essa secundariedade do elemento declarativo, ou a exigência de se pleitear fora algum incidente de natureza declarativa, concorreu para que se tentasse construir a divisão ou a partilha, sem se aprofundar o estudo da pretensão a dividir ou a partilhar. N~ se via, sob-tudo, que o não se levantarem questões sobre a qualidade de condômino, ou de co-herdeiro, ou, em geral, de comuneiro, mal disfarçava que se supunha, ou supõe, a cognicão completa disso, embora sem se preparar, a respeito, a futura coisa julgada material. Se o chamado à divisão, ou à partilha, propunha, ou propõe, ação contra o pretenso comuneiro, aquela suposição somente operava, ou opera, para a eficácia da ação de divisão ou de partilha, à semelhança do que se passa com a ação de desquite, se está proposta ou depois dela se propõe a ação de nulidade de casamento, ou mesmo a ação declaratória negativa (inexistência do casamento). Na primeira fase do processo da partilha como da divisão, ou a) há interesse de cada um dos figurantes em se pôr termo ao estado de comunhão, ou partindo-se ou dividindo-se, ou b) os que não pediram a partilha ou a divisão, e relutam, são chamados ao processo e à decisão judicial. Ê desprezar os casos b) negar a existência de conflito de interesses, ou de lide, nas ações de divisão e de partilha, ao que se não forraram HEINRICH DEGENKOLB (Einlassungszwang und Urteilsnorm, 68 5.), ZIMMERMANN (Uber die Teilung, Archiv fúr die civilistische Praxis, 34, 196) e recentemente SALVATORE SATTA (Teoria e Pratica del Processo, 11). Na apreciação b), alguns juristas exageram o papel do juiz, em detrimento do caráter negocial que, ainda fora dos casos a), persiste; e outros o reduzem de mais, para justificar a negação de qualquer contenciosidade e, pois, a classificação das ações de divisão e de partilha como de jurisdição voluntária (assim E. WrNDSCHEID, Lehrbuch, II, 937; OrTo GEIB, Die rechtliche Natur der actio communi dividundo, 62 s., e o comum dos escritores). Mas OTro KARIOWA (Rõmisclie Rechtsgeschichte, II, 456) mostrou que isso não tem, sequer, justificação histórica. O juiz, nos processos divisórios, não se póe no lugar dos interessados, suprindo a falta do negócio jurídico, pela razão muito simples de que, no direito clássico, não existia negócio de divisão ou de partilha. Na opinião isolada de OTTO GEIB (Die rechtliche Natur der actio communi dividun4do, 25 s., 88 5.,) trata-se de um desses casos em que há a ação, e não há a pretensão, o que representaria, além da desatenção do autor às alusões do direito positivo ao direito (e a pretensão) a dividir e partilhar, obliteração do que as fontes antigas nos apresentam sobre a pretensão e a obrigação de dividir. A ação veio atender à execução dessa obrigação. Por outro lado, a tentativa de classificar a pretensão a dividir ou a partilhar como direito formativo gerador (ou transformador), excluiria a cooperação dos outros, e a obrigação, que eles teriam de adirxiplir ou de ser adimplida em juízo. A situação do comuneiro, na divisão ou na partilha, está longe de ser como a do titu~1ar do direito de opção, nos contratos de opção; é da mesma classe que as pretensões àprestação, que surge das própria essa de contratar. A construção da pretensão a dividir a partilhar como direito formativo gerador (ou transformador) é de artificialidade gritante, porque implica o excluir-se a obrigação à divisão ou à partilha (traços disso já em. E. 1. BEKKER, Die Aktionen, 1, 226 s.), para se apontar, sem fundamento, o “direito potestativo” (GIovANNI PAVANIN-I, Natura dei Giudizi ctivisori, 41-76). Em todos os tempos, quando se descobre algum fato, c!asse ou estrutura, em ciência ou em aplicação de ciências, como a medicina, se procura explicar pelo novo achado mais do que ele pode explicar. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem havemos de cair na concepção dos iucUcia duplicia, exagerando a reciprocidade, nem havemos de escorregar para o apagamento dessa reciprocidade, “isolandG” cada comuneiro, a ponto de torná-lo sozinho, como o titular do direito de opção (nosso Tratado de Direito Predial, Torno III). Nesse ponto foi ERNsT ECK (fie sogenannten doppels-eitigen Klagen, 140 5.) o que mais perto chegou da verdade, mostrando a semelhança da situação dos comuneiros com a dos que têm pretensão a contratar. A sentença declarativa não tem eficácia ex tunc, exatamente porque nada desconstitui, só declara. A sentença que declara nada pode ajuntar; se ajuntasse, faria mais do que declarar. Nem se diga que’ a situação ou relação “declarada” é que tem tal eficácia, porque a confusão, aí, é ainda

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mais grave. Esse erro, de WILHELM Kíscn (Beitríiige, 77), deve ser repelido energicamente. Dificilmente se admite que tenha caído em tão grande cincada de falar de eficácia ex tuno do negócio jurídico declarado. A esses e outros absurdos levou o chamar-se “declaratória” a eficácia retroativa de certos atos jurídicos. Um engano leva a outro; e acaba-se por tecer toda uma rede de equívocos. Nem o contrato de divisão, nem a sentença de divisão são declarativos. O contrato de divisão e a sentença de divisão não são, ainda, constitutivos: nem aquele constitui, nem essa. O que os comuneiros fazem, com o negócio jurídico de divisão, é executar, por si sós, a divisão, que era uma das pretensões de cada um; propondo todos, um ou alguns, ação de divisão, o juiz executa por eles. Executar não é constituir, nem desconstituir. Menos ainda declarar. A concepção da sentença de partilha, ainda no sistema francês, como declarativa, é semelhante à do Sol que giraria, noite e dia, em torno da Terra imóvel. O jurista que não consegue libertar-se desse equívoco dificilmente se libertará de outros. Havemos de ver os fatos para podermos classificá-los: se os trocamos por outros, é aos outros que classificamos, e não a eles. Uma das maiores provas do interesse prático da classificação científica das ações, por suas sentenças favoráveis, está no esclarecimento da executividade de certas ações, que discussões pré-científicas tentavam classificar segundo a velha classificação dual, e na análise lógica dos conceitos que estão à base das ações. Demais, ~,como explicar, se a ação de divisão ou de partilha fosse declarativa, a adiudicatio das partes divisas (Orro KARI.owA, Rõmische Rechtsgeschichte, 458) e a eficácia só obrigacional do contrato de divisão ou de partilha? O direito clássico teve de enfrentar o problema do que se pagaria a mais ao que não recebeu na coisa toda a sua parte e resolveu-o como condenação (condemnatio) a cumprir obrigação nova; donde, na decisão, a adiudicatio e a condemnatio. O negócio jurídico dito declarativo e a sentença declarativa somente têm de comum o adjetivo e ambos conterem enunciado de fato sobre relação jurídica. Mas o plano em que se acha o juiz não é negocial: é o plano processual, por sobre as partes, em vez de entre partes. O negócio juridico declarativo é negócio sobre eficácia de outro negócio ou situação. Às vezes os juristas confundem esses negócios ou esses atos com a convalidação (e. g., FRANcEsCo CARNELUTTI, Teoria Generale, 402 s.), ou com a ratificação, o que é fora de toda a técnica. Nem sempre o negocio jurídico declarativo traz à relação ou situação declarada qualquer plus em eficácia. Alude à eficácia, porém não lha dá, ou não lha aumenta necessariamente. A pretensão e a obrigação a dividir e a partir nascem com a comunhão mesma. são pretensões e obrigações oriundas da comunhão. O status quo subsiste enquanto não há exercício da pretensão a dividir, que ali opera à semelhança das denúncias, declarações unilaterais receptícias de vontade (semelhança, não identificação). O mal dos juristas tem sido esquecerem-se da comunhão, que é matéria de direito das obrigações, relação jurídica inelidível entre condôminos, co- -herdeiros, ou comuneiros em geral, e somente prestarem atenção ao direito real que há no condomínio (e não há, aliás, em muitas comuri,hões). A ação communi dividunclo e a ação familiae erciscundae têm por fito transformar a comunhão em não-comunhão, ou em comunhão de outra natureza (e. g., em vez de co-herdeiros, condôminos de certos prédios). Essa transformação só se obtém por execuções das obrigações de dividir e de partir. Vai-se mesmo à tenda da coisa, se é preciso. A conversão da coisa, aí, ainda não é tão caracteristicamente execução como a arrematação, mas há o elemento executivo que é pequeno nas ações de venda, locação e administração da coisa comum e de alienações judiciais. Temos pois: (a) Não há regra a priori para se saber qual o conteúdo e a eficácia das decisões do juiz no processo de divisão ou de partilha. Cada questão decidida tem o seu conteúdo e a decisão sua eficácia. A particularidade dessas ações está exatamente em se atribuir ao juiz certa coguição de toda a pretensão a dividir ou a partir, simplificadas, portanto, as cognições fragmentárias de quanto seja necessário à divisão e à partilha, salvo o que já, estiver subtraído à sua cognição, e. g., pela litispendência, ou pela coisa julgada material, ou por eficácia de algum negócio jurídico. Naturalmente, se ele nada disse a respeito, pois não foi levantada questão, não se aproveitou a sua cognição potencial e não cabe pensar-se em eficácia de coisa julgada material. Tudo ocorre, então, como a propósito da sentença de desquite, que não produz coisa julgada material que obste à ação de inexistência ou de nulidade de casamento, se não foi suscitada essa questão prejudicial, ou não foi proposta a reconvenção. (Cumpre não confundir a coisa julgada material com a coisa julgada formal das questões que foram resolvidas ou podiam ter sido levantadas e não foram, devendo-se ter como fora de tempo.) A sentença do juiz não manda só dividir, ou partir, nem só condena a dividir, ou a partir; a sentença do juiz divide, parte (O’rTo KARLOWA, Rõmische Rechtsgeschichte, II, 457). Dividindo, partindo, não constitui, porque não se trata de substituto do negócio jurídico divisional ou particional: executa. Nenhum negócio jurídico entre os comuneiros poderia ter a eficácia dessa sentença, em que, ao lado da adjudicatio, pode

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haver condemnatio, ou, nos casos em que o juiz ordena que previamente se depositem as “reposições”, condemnatio (elemento declaratório ou condenatório) e execução dessa condenação. Se essa medida não foi tomada, há parte da sentença que precisa ser executiva: a sentença é executiva; mas, quanto às reposiçócs, coridenatórias, suscetível de execução à parte (actio iudicati). Ao direito positivo dar-lhe a natureza de mandamento ou de ação executiva. Onde houve adjudicação, por certo não se há de falar mais em execução futura, isto é, em efeito executivo; houve e há a força executiva. Com o iudicium accept um, ficou o juiz com o poder de conversão para executar a obrigação de dividir ou de partilhar. O poder de conversão abrange o adjudicare das partes divisas ou das partes no valor, se não cabe a divisão material. Por onde se vê, com claridade, quanto o fundo histórico sustenta a dogmática jurídica. (b)A sentença de divisão ou de partilha não é constitutiva, porque a eficácia divisional, já preestabelecida em partes e modalidades, não é nova, mas apenas realização, execução. TABELA XLVIII (A PARTILHA EM SUA EFICACIA) 1 II ABC(1) AAA(1’) ARO (2) BBB (2’) ABC(3) CCC(3’) Nem 1 já prefigura II, porque A teria de ser de A, B de B e C de C; nem II pode ter eficácia ex tunc, sem supor força de lei que estabeleça essa incursão ao passado. Em vez de, em (1), se cancelarem B e C, dando (1’), ou em (2), A e O, dando (2’), e em (3), A e B, poder-se-iam cancelar A e O em (1), ou A e B, e assim por diante. A assiniilação da pretensão a dividir e a partir a direito formativo gerador (ou transformador) também desatenderia a que o comuneiro, no momento de querer a divisão, ou a partilha, emitiria declaração unilateral de vontade de conteúdo tão indeterminado quanto antes: não saberia qual a porção da coisa que lhe tocaria; e essa determinação dependeria do exercício das pretensões similares à dele, ou preferentes à sua, em certas circunstâncias, e de toda uma série de situações de natureza “executiva”. A só declaração unilateral de vontade do comuneiro é insuficiente, teórica e praticamente, o que põe abaixo qualquer construção que recorra ao conceito de direito formativo. (c) A sentença de divisão e a de partilha não são declativas, porque há um plus que se não explicaria com a simples declaratividade. O dividir e o partilhar exigem acordo de vontades. Um só dos interessados não pode dividir ou partir. No status quo, todos querem permanecer no estado de comunhão. Quando um dos interessados, pelo menos, quer a divisão, ou a partilha, e há algum óbice, inclusive legal, nasce-lhe a ação, que ou é exercida também pelos outros, assinando todos a petição, ou por um ou alguns, vindo os autos a juízo depois, com a in ius vocatio. Algo se vai passar e seria impróprio de ação declarativa. Há tantas pretensões à divisão quantos os comuneiros. Essa pretensão não é de direito real (JOSEF KOHLER, Gesammelte Abhandlungen, 183, s.; H. LAMMFROMM, Teilung, Darlehen, Auflage und Umsatz-Vertrag, 267), nem, sequer, mista (P. STEINLECHNER, Das Wesen der iuris communio und iuris quasi communio, II, 141). A pretensão a dividir e a partilhar é puramente pessoal (OrTo KARLOWA, Rõmische Rechtsgeschichte, II, 455). A actio com~nuni dividundo é actio in personam. Dita in rem scripta, por passar ao sucessor do condômino. A divisão e a demarcação dentro do processo do inventário e partilha podem ser simplesmente operatórias, e. g., o decujo deixou um terreno, com x metros de frente e 2 x de fundo, tendo-se, no esboço, atribuído x/2 a A e x/2 a B, com os mesmos 2 x de fundo, ou x com x de fundo a A e a B, e x com x de fundo a C e a D, ou em frações diferentes, se os herdeiros acordaram, no correr do processo, quanto aos limites. Ainda a divisão e a demarcação podem ser ação incidente, que se processa dentro do processo de inventário e partilha. (d) j, São executivas ou mandamentais a ação de partilha e a de divisão? Naturalmente, a pergunta refere-se a preponderância, isto é, à força da sentença. A discussão sobre serem executivas ou constitutivas as ações de divisão e de partilha termina por ser vitoriosa a primeira afirmativa. Restaria decidir-se se são executivas ou mandamentais, uma vez que o juiz manda a órgãos da justiça que partam. Ora, a ação mandamental tende exatamente à obtenção de mandado judicial a outro órgão do Estado. Aqui, porém, o mandado não é eficácia da sentença, mesmo adiantada. O mandado, tanto na ação de divisão quanto na de partilha, é para operação que vai servir à sentença (cuja eficácia é que há de ser classificada), e não operação em virtude de sentença, que aí tivesse sua eficácia

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específica. O agrimensor e o partidor prestam serviços técnicos à execução; não exaurem, com o seu ofício, a função de dividir e de partilhar. Os próprios co-herdeiros podem partir (art. 1.031, 1); e os condôminos, dividir. A partilha feita pelo pai, ou pela mãe, não executa; donde o caráter constitutivo integrativo da sentença do juiz. A partilha amigável executa; a homologação integra a execução. (Note-se a diferença entre integração da declaração unilateral de vontade do pai, ou da mãe, no art. 1.031, 1, e integração da execução. Ali e aqui, a sentença é constitutiva integrativa, porém não são idênticas.) Onde há pretensão há exigibilidade. Onde há exigibilidade pode haver, da parte daquele a quem se exige, recusa à exigência. Qualquer atividade para que se satisfaça a pretensão é positiva, do lado do autor, podendo não ser positiva do lado dos outros interessados; e, ex hypothesi, não no é de parte de quem não quer dividir ou partilhar. Por aí facilmente se vê que, mesmo se tivesse havido, no direito clássico, negócio jurídico de divisão e de partilha, a que se houvesse substituído a ação de divisão ou a de partilha, isso não seria argumento, menos ainda bastante, para se postular a jurisdição voluntária das ações de partilha e divisórias. Quem vai a juízo, por exemplo, pedir a homologação da partilha, não contende; mas basta que tenha agido sozinho; porque a lei impõe o processo judicial, exerce pretensão em ação adequada, pretensão “insatisfeita”. Não importa à contenciosidade da jurisdição contestar, ou não, a outra parte a pretensão, ou a ação. Ações declaratórias, em que o réu não nega a pretensão, nem apresenta contestatação, ou em que desde logo confessa, não deixam de ser “contenciosas Outra questão foi a de se saber se as ações de partilha e de divisão eram “contenciosas”. (Cercados de problemas que só nos últimos séculos, ou neste, lograram solução, era fácil aos juristas encherem o tempo com essas discussões acadêmicas.) (e) A ação tem de nascer para que de ação se possa falar. É tanto ação em processo contencioso a que tem por fito obrigar os outros interessados à divisão, ou à partilha, quanto o seria, por exemplo, a ação declarativa do art. 4~O~ Ora, é preciso que alguém suscite para que à pretensão se some a ação. O que se passa, depois, f~ execução pelo juiz em vez de pelas partes, ainda quando com essas coopere, apenas homologando. A regra não é ser amigável a partilha; a partilha amigável é excepcional e toma o caráter negocial dependente de integração. Não é muito diferente o que ocorre com outros negócios jurídicos que têm de ser feitos nos autos, ou fora deles, mas juntáveis, e integrados pelos juizes. (Note-se que, na partilha amigável, a eficácia preponderante está ligada a momento antes da sentença, ainda quando dependa da homologação; a sentença, embora quando necessária, é posterius.) Aliás, nas ações cominatórias, o juiz põe a alternativa “execute ou sofra”. Na partilha amigável, executa-se, e pede-se que o juiz homologue. Homés, logos; dizer em termos semelhantes, homólogos ; dizer, pois, como nas outras sentenças; dar a força de sentença ao ato dos declarantes. A coincidência de pretensões dos interessados todos têm a pretensão de dividir ou de partir não basta para se dizer voluntária a jurisdição. Nem é certo que todos tenham ação para dividir ou para partir, porque a ação, aí, depende de se querer que se satisfaça a pretensão e pode bem ser que somente um ou alguns queiram. A nota promissória que tenho em mãos está vencida e é exigível, porém ainda não cobrei (não quis), de modo que nascesse a ação cambiária. Herdei, com outros, o prédio x, posso exigir a divisão, se é divisível, ou a venda, para extrair do valor a minha parte. Se não acordam comigo os outros interessados> nasce-me a ação. Quando estabelece que a divisão ou partilha tem de ser judicial, o Estado elide a comunicação de vontade, que havia de ser feita, para dividir ou partir, inserindo-a na petição: nesses casos, a petição leva consigo a comunicação de vontade para dividir ou partir; o Estado fez simultâneos o exigir e o propor a ação. Há insatisfação geradora de ação; e a sua concomitância com a ação e com a propositura foi causada pela exigência da judicialidade, na falta de regra que separasse o nascimento da ação e a propositura. Essa concomitância também aparece nos casos de direito das obrigações em que se dispensa interpelação prévia do devedor, sem se poder pensar, portanto, em qualquer insatisfação anterior à citação. Que o casamento perante o juiz seja ato de jurisdição voluntária, é inegável, que o reconhecimento do filho, pela comunicação para registro civil, seja ato de jurisdição voluntária, como os demais atos de registro civil, ou comercial, também é inegável. Muitos atos, que eram de jurisdição voluntária, perderam esse caráter, por terem deixado de ser perante juizes. Voluntários, porém não jurisdicionais. Não há prestação jurisdicional sem iurisdictio. O processo da ação de divisão, como o da partilha, estabelece relação jurídica processual em que o juiz fica investido de jurisdição contenciosa para todas as questõe3 prejudiciais que surjam, não dependentes de outro rito. A sentença de homologação longe está de ser somente integrativa do que os interessados acordaram. Por isso mesmo, onde o juiz decidiu questões prejudiciais, com o elemento declarativo, ou condenatório preponderante, há eficácia de coisa julgada material. A exigência de ter havido, quanto a essas questões, discordância específica e concreta, é absurda, porque equivaleria a adotar-se para a eficácia de coisa julgada

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material das quaestiones praeiudiciales pressuposto que se não adota para o petitum propriamente dito, nas ações declarativas e condenatórias. A sentença de homologação é sentença como qualquer outra; é prestação jurisdicional, cuja extensão executiva vem à frente, porém que se mescla com outras eficácias correspondentes a elementos mesclados ao elemento predominante. (f) Tem-se usado e abusado da alusão ao “interesse comum”, nas ações de divisão e de partilha. A concepção da divisão e da partilha como interesse comum atribui ao adjetivo “comum” significado que, em lógica, não pode ter: o que é comum é o objeto: alguns interesses são comuns, como o de se conservar a coisa; porém o interesse de cada comuneiro quanto à sua quota, ou a sua pars futura, não é comum. Cada um tem o seu, semelhante, não o mesmo que os outros. Há interesses semelhantes em se desfazer a comunidade de interesse. Há interesse comum em ação dos herdeiros para declaração da existência da relação jurídica derivada da herança, e nem por isso seria voluntária a jurisdição para essa ação declaratória típica do art. 4.0; não há interesse comum se um deles, ou alguns, ou todos pedem a divisão ou a partilha: A pede a sua para A na herança, B a sua para B, O a sua para C. Pedir divisão não é pedir que se divida o bem, e sim que se divida para se dar ao autor a “sua” parte divisa, isto é, a res. Tanto isso é a verdade científica que A, B e O, donos do edifício divisível, podem pedir a “divisão” dele em apartamentos, sem pedirem que se lhes dêem partes divisas; e D, E e F, donos de fazenda, podem pedir a divisão da fazenda em três fazendas, sem que a D se atribua a fazenda 1; a E a fazenda 2, e a F a fazenda 3: A, B e O continuarão donos do edifício; D, E e F, donos das três fazendas. Vê-se bem que a ação de divisão dividiria, aí, o objeto, sem cortar a comunhão. Ora, a actio communi dividundo é “mais” do que isso: é execução pela substituição de sujeitos de direito; A passa a ser dono dos apartamentos A; E, dos apartamentos B; e O, dos apartamentos O; ou D, da fazenda 1; E, da fazenda 2, e F, da fazenda 3, deixando cada um de ser dono do que atribuído aos outros. A idéia de declaração seria fraca para exprimir isso. Quando se diz que pertence à jurisdição voluntária tudo que conduz à constituição de nova eficácia jurídica, vai-se demasiado longe: as ações executivas estariam incluídas, pelo forte elemento constitutivo aue há nelas Ora, em certos momentos, ainda quando ausente o herdeiro, os que processam divisões ou inventários e partilhas percebem claramente o que há, neles, de contenção. Certamente, tem o juiz da divisão ou da partilha a função concreta, pragmática, de pôr em contacto os interessados. Mas livremo-nos de pensar em pretensão de cada um deles a cooperação, como pareceu a KONRAD HELLWIG (Lehrbi-tCh, III, 115, nota 71): a cooperação resulta da confluência das pretensões a dividir, que todos, um, ou alguns exerceram em ação adequada, talvez com a relutância, ou a contragosto de um ou de alguns. Pensar-se em pretensão à cooperação, de direito público, é artificialidade sem interesse prático. E sem fundamento teórico, ou histórico. O elementos constitutivo na eficácia da sentença de divisão é maior do que na eficácia da sentença de partilha, salvo se o partir também divide. (g) A diferença entre a venda da coisa executada, em virtude de processo de cognição incompleta, ou em virtude de processo de cognição completa, e a venda da coisa comum, na ação communi dimdundo, ou na ação familiae erciscundae, está em que ali se vende a coisa que pertence ao executado, contra o que ele quer, ou pelo menos contra a sua atitude, e aqui a coisa é comum. A executividade existe numa e noutra, porque ambas servem à execução: as pretensões de direito material é que são diferentes. Por isso mesmo, H. LAMMFROMM (Teitung, Darlehen, Auflage und Umsatz-Vertrag, 273) fez bem em notar o elemento comum, tal como, muitos antes, ZIMMERMANN (t~ber die Teilung, Archiv flir die civilistische Praxis, 34, 207). Ressalta a importância da observação quando se considera a açao sem qualquer propósito executivo, como a do bem em ruína pertencente a menor. Na venda da coisa comum, sem ser em execução de dívida dos comuneiros ou em ação de divisão ou de partilha, tem natureza diferente a ação; e a eficácia da sentença é surpreendente para os que não aprofundaram o estudo cientific3 das ações: a ação deixa de ser executiva para ser constitutiva, como a de locação ou a de administração da coisa comum. Constitutiva com forte elemento declarativo e efeito manda-mental, em vez de executivo, o que explica bastar o ofício ou o mandado para a entrega do dinheiro. Não se precisa de partilhar, nem, com maioria de razão, de actio iudicati. Porém pelo simples fato de se tratar de dinheiro, a mais facilmente divisível das coisas. Em todo o caso, se surge dúvida quanto às quotas, logo se

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vê que se trata de ação de divisão ou de partilha, ações (executivas) encurtadas ao extremo. Então, o elemento executivo retoma o que a mandamentalidade ganhara. A unicidade de órgão e de processo que o direito luso-brasileiro e o brasileiro adotaram mais progredido, teoricamente, do que os outros sistemas (e. g., francês, e alemão) teve a vantagem de mostrar que a executividade obrigava à unidade formal. B)PARTILHAS AMIGÁVEIS (a) A partilha amigável por instrumento particular, que tem de ser homologada, não se pode esconder o elemento negocial, o negócio de solução recíproca das obrigações de partir, cada um dos interessados executando a sua obrigação. A sentença é integrativa de forma dessa “deliberação” extra-judicial. Como a partilha amigável executa, a sentença, integrando-a, tem força executiva, que lhe vem do conteúdo mesmo do ato negocial. (b) A partilha amigável por escritura pública, sem homologação, nos casos em que a lei a permite, é puro negócio jurídico executivo (solutivo), de direito material, que deixa subsistir a relação jurídica processual, enquanto não se junta aos autos do processo de inventário e partilha. (c) A partilha amigável por escritura pública, que se leva à homologação ou a) é apresentada a juízo porque ela se previu essa formalidade (então integrativa da eficacia), e a sua eficácia executiva começa com a sentença, tendo sido o negócio jurídico condicionalmente suspensivo (da eficácia), ou b) nada se previu na escritura pública, e então o que se passa é comunicação de vontade dos interessados no sentido de se obter a força executiva, própria das sentenças (eficácia que se sabe, por muitos outros casos, ser mais intensa que a das escrituras públicas). (d) A partilha amigável, por termo nos autos, segue-se a homologação, que é a sentença integrativa de forma, no que se aproxima da espécie (a) e de (c) a) e se distancia de (c) b) e, ainda mais, de (b). Tem força sentencial, como em a)e em (c). Não há, quanto à eficácia das sentenças nos três casos, (a), (c) e (d), qualquer diferença, a despeito de serem diferentes os negócios jurídicos de partilha, que a sentença integra. IX.AÇÃO DE DEMARCAÇÃO A ação de demarcação (arts. 946-966), que é ação real,funda-se em direito de propriedade. A pretensão a delimitar declarativa, com elementos secundários de constitutividade e de condenatoriedade. Somente na segunda fase o elemento executivo passa à frente. Veja Tratado de Direito Predial,vol. 1, 329-336. X.AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO mostrar-lhe, indiretamente, os seus legítimos limites subjetivos e objetivos. Nas suas origens, os embargos de terceiro foram fusão da regra jurídica proibitiva da L. 63, D., de re judicata et de ef fectu sententiarum et de interlocutionilyu,s, 42, 1 (Saepe constitutum est res inter alios iudicatas aliis non praeiudicare), com o “prohibere” a favor de quem viesse a conhecer que outros litigavam “de ea re cuius actio vel defensio primum sibi compe~it”, e a appeilatio tertii; porém à medida que o instituto se precisava, apagava-se o elemento com que concorrera a apelação do terceiro e acentuava-se o elemento mandamental do “prohibere”. Isso explica o que vemos nos pesos de eficácia, em que a sentença mandamen tal tem enchimento variável. A força continua sendo, sempre, a força específica de mandamento. a) A ação de embargos de terceiro é contra outra ação. Nada tem com embargos recursais. N~ há embargos de terceiro sem outra ação em que a constrição se dê ou se possa dar e contra ela se dirija o terceiro, com o seu “embargamento” como se dizia em Portugal, já no século XIII. Ação de embargos de terceiro Declarativa A ação de embargos de terceiro defende o embargante contra invasões em sua esfera jurídica, por parte do juiz que o constringiu. É preciso que o ato judicial a fira, posto que a ameaça específica já seja ofensa. Uma vez que é do ato judicial que se deriva a constrição, não importa se a sua extensão se originou de interpretação, adotada pelo juiz, para o seu próprio ato. A sentença, no que só tem eficácia inter partes, não deve causar oferecer a terceiro; e o mesmo há de ser quando a sua eficácia for dentro de certo círculo de pessoas, como se dá nos procedimentos editais quando para certas pessoas e não para todos. O terceiro tem o direito de ignorar o que se passou inter alios; a reagir se e quando aconteça que a eficácia da sentença ou de outro ato judicial o atinja. Não se trata de anular a sentença, mas de As ações de habilitação (arts. 1.055-1.062) são menos mandamentais do que as ações de habilitação nas arrecadações (e. g., de herança jacente) e

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tanto quanto as ações de habilitação nos inventários e partilhas. Como essas, são declarativas. Não têm elemento mandamental negativo, como aquelas. Ação de habilitação conforme o art. 1.060: 5 de declaratividade, 2 de constitutividade, 1 de condenatoriedade, 3 de mandamentalidade, 4 de executividade. Ação de habilitação de herdeiros nas arrecadações: 4 de declaratividade, 2 de constitutividade, 1 de condenatoriedade, 5 de mandamentaildade, 3 de executividade. Ação provocada de habilitação (art. 1.161): 4 de declaratividade, 2 de constitutividade, 1 de condenatoriedade, 5 de mandamentalidade, 3 de executividade. Ação de habilitação em inventário e partilha (art. 1.000, III): 5 de declaratividade, 2 de constitutividade, 1 de condenatoriedade, 3 de mandamentalidade e 5 de executividade. As quaestiones iuris e as de interpretação de verbas testamentárias, ou de escrituras, não são questões de alta indagação; bem assim as referentes a cômputos de proporção com o deixado pelo decujo. Se há questão prejudicial, de indagação difícil, como se não é certo que o pretendido herdeiro seja filho de A, a via ordinária tem de ser seguida para que se decida como causa prejudicial. A sentença favorável, nessa causa, é declaratória da relação jurídica de parentesco, como as que se proferem nas habilitações incidentes e nas habilitações em inventário e partilha; à diferença das habilitações em arrecadações, que são mandamentaís contrárias. XII.AÇÃO DE RESTAURAÇÃO DE AUTOS A ação de restauração de autos tem 3 de declaratividade, 5 de constitutividade, 1 (ou mais) de condenatoriedade, 4 de mandamentalidade e 2 de executividade. É inconfundível com a ação de restauração de títulos ao portador, que tem 4 de declaratividade, 5 de constitutividade, 1 de condenatoriedade, 2 de mandamentalidade e 3 de executividade. (a)A ação de execução da coisa vendida, isto é, a excussão (art. 1.070 e § 1.0), para se haver o saldo apurado do preço, é ação para obter o adimplemento do contrato mais execução; portanto o elemento executivo é o que prepondera: a ação é executiva. (b)A ação de recuperação da posse da coisa vendida com reserva de domínio e entrega é ação de condenação com transformação parcial alternativa em ação executiva, se não houve pedido de moratória, devendo-se notar que aqui o depósito da coisa é diferente do depósito de que se fala na ação de consignação em pagamento. Mais: é cautelar, e não executivo; nem sequer se há de pensar em depósito para execução. A executividade começa com o pedido de reivindicação da posse da coisa depositada. A primeira fase é de ação preparatória” mandamental, embora posta no mesmo processo; a segunda, executiva, se houve contestação, sem se requerer a moratória do art. 1.071, § 2.~, ou se não houve contestação, porque se dá, requerida, a recuperação da posse (art. 1.071, § 3.0). No processo, o autor restitui o saldo do art. 1.071, § 3•o, in une, dando-se a consignação em pagamento, se preciso. (c)A ação para cobrança do saldo é ação de condenação (art. 1.070). (d)A ação para cobrança do saldo toma a natureza executiva se se satisfazem os pressupostos do art. 585, 1 e II, ou é executiva da sentença na ação (c). XIV.JUÍZO ARBITRAL Depois do que escrevemos sobre os arts. 1.072-1.102 pouco teríamos a dizer, ainda em sistemática. Mesmo no plano supra-estatal, as decisões dos juízos arbitrais não estão sujeitas a recurso, porque esse princípio é fundamental na Convenção da Haia, mas, com isso, não se afasta a revisão se se descobre fato novo, salvo se houve cláusula contrária. Isso não significa que não se possa propor ação de nulidade ou anulação do laudo ou do próprio compromisso. Entendemos isso no plano do Direito das Gentes, no do Direito Internacional Privado e no plano do direito estatal. No direito brasileiro, o compromisso pode conter a condição de ser a sentença com recurso pala o tribunal superior (art. 1.075, II): e, se há a cláusula sem recurso, pode ser inserta a pena para quem recorra (art. 1.075, III). XV. AÇÕES RELATIVAS A HERANÇA A)AÇÕES DE NOMEAÇÃO E DE INVESTIDURA DA INVENTARIANÇA Uma coisa é a) o exercício da pretensão a ser nomeado inventariante, ou o exercício da pretensão a que se dê

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inventariante ao processo de inventário e partilha, e outra b) a ação de investidura da inventariança, que toca ao interessado, não-nomeado inventariante, para chamar à investidura o inventariante (art. 990, parágrafo único). Trata-se de processo provocatório. Ou comparece e assina o termo, ou é nomeado outro inventariante, sequestrando-se-lhe (elemento mandamental) os bens de que acaso esteja de posse. A estrutura do remédio jurídico é complexa: intimação para comparecer e assinar o compromisso (praeceptum); comparecimento e contestação da obrigação de dar bens a inventário, isto é, de ter consigo bens do decujo (contraditório, com a alternativa para o juiz: ou cognição superficial positiva, com repulsa da contestação e seqüestro dos bens, acompanhado de nomeação de outro inventariante, ou cognição superficial negativa, com sentença de reserva, para que em via ordinária se apure a existência de tais bens); não- -comparecimento, julgamento da intimação, quer dizer do pracceptum, com a expedição do mandado de seqüestro (eficácia mandamental) e nomeação de outro inventariante (eficácia constitutiva negativa, que é a eficácia destitutiva, e a positiva, nomeação de outro). Cf. Ordenações Filipinas, Livro 1, Titulo 88, § 4, e Livro IV, Título 96, §§ 12 e 13. B)AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO E DE REMOÇÃO DE INVENTARIANTE A impugnação do art. 1.000 é ação constitutiva, e não defesa em ação de aditamento de constituição. Daí a sua semelhança com a remoção, e não a identidade com a nomeação. Se desfavorável a sentença, o recurso é o de apelação, e não o de agravo de instrumento. A ação de remoção de inventariante (art. 995) é constitutiva, mas de forte elemento condenatório. A eficácia preponderante é, porém, a das sentenças constitutivas. O seqüestro dificilmente se explicaria como efeito; é força mandamental de parte da sentença. Em verdade, há duas sentenças numa só. O elemento condenatório que se nota, na ação e na sentença, é semelhante, em intensidade, ao de outras sentenças constitutivas negativas, e não prepondera. É o caso do desquite litigioso, ou o de algumas ações de nulidade de casamento por culpa do cônjuge. Esse elemento desaparece quando o inventariante perde o cargo por alguma causa estranha à sua culpa (incapacidade, escusa). Tal como acontece nos desquites amigáveis. O)AÇÃO DE SONEGADOS A ação de sonegados é constitutiva. Quando o Código Civil, no art. 1.782, parágrafo único, diz que “a sentença que se proferir na ação de sonegados, movida por qualquer dos herdeiros, ou credores, aproveita aos demais interessados”, não redige regra de extensão da eficácia da sentença (e. g., fazendo excepcionalmente atingente dos outros interessados a coisa julgada material da sentença “declarativa”, ou “condenatória”): a regra apenas explicita a eficácia própria da ação constitutiva. No direito civil alemão (§ 2.005), a ação é apenas de condenação; no direito civil francês (art. 792), constitutiva. D)AÇÕES QUANTO AS DIVIDAS PASSIVAS a)A ação de separação de bens para pagamento de dívidas da herança (arts. 1.017 e 1.018) é constitutiva. Não prepondera o elemento mandamental. Poder-se-ia, de iure condendo, conceber a essa separação como força de sentença mandamental. Em verdade, porém, o que prepondera é o elemento constitutivo; e o art. 1.017, § 2.0, verbis, “concordando as partes”, é expressivo. A ação de separação somente cabe se não se vai pagar imediatamente a dívida. O art. 1.017 não exclui pagamentos antes da partilha, ou do julgamento do inventário negativo. b)A ação de reserva de bens para solução de dívida impugnada (art. 1.018, parágrafo único) é mandamental, baseada em cognição incompleta superficial, e entra na classe das medidas cautelares, embora não se ache no Livro III. c)A ação, “embutida” no mesmo processo de inventário e partilha, de pagamento de imposto é declarativa. Não há condenação nem execução.