comentario subordinado ao tema da exoneracao do passivo restante

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www.mendesalves-advogado.pt Breve comentário sobre a exoneração do passivo restante e seus requisitos I – Enquadramento Geral ispõe o artigo 235.º do CIRE que,“ se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste...” É também feita referência no ponto 45 do preâmbulo do Decreto - Lei nº 53/2004, de 18/3, que aprovou o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, que “0 Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do “fresh start” para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, e agora também acolhido entre nós, através do regime da “exoneração do passivo restante”. Visa assim, o instituto da exoneração do passivo restante, permitir ao devedor recomeçar a sua actividade, sem o peso da insolvência. De facto, a pessoa singular insolvente ficará por força deste benefício exonerada dos seus débitos nos termos previstos do disposto pelo artigo 235.º do CIRE, o que permitirá a sua, reabilitação económica. Naturalmente que resulta de tal circunstância, que para os credores importa a correspondente perda de parte dos seus créditos, que assim se extinguem por uma causa diversa do cumprimento. A efectiva obtenção de tal benefício supõe, que após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos (designado período de cessão) ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente liquidados. Durante esse período o devedor assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. É considerado como rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos previstos nas alíneas. a) e b) do nº 3, do artigo 239º, impondo simultaneamente o nº 4 deste mesmo artigo ao devedor uma série de obrigações acessórias, decorrentes da cessão do rendimento disponível, tendo em vista assegurar a D

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exoneração do passivo restante

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    Breve comentrio sobre a exonerao do passivo restante e seus requisitos

    I Enquadramento Geral

    ispe o artigo 235. do CIRE que, se o

    devedor for uma pessoa singular,

    pode ser-lhe concedida a exonerao

    dos crditos sobre a insolvncia que no forem

    integralmente pagos no processo de

    insolvncia ou nos cinco anos posteriores ao

    encerramento deste...

    tambm feita referncia no ponto 45 do

    prembulo do Decreto - Lei n 53/2004, de

    18/3, que aprovou o Cdigo de Insolvncia e

    Recuperao de Empresas, que 0 Cdigo

    conjuga de forma inovadora o princpio

    fundamental do ressarcimento dos credores

    com a atribuio aos devedores singulares

    insolventes da possibilidade de se libertarem

    de algumas das suas dvidas, e assim lhes

    permitir a sua reabilitao econmica. O

    princpio do fresh start para as pessoas

    singulares de boa-f incorridas em situao de insolvncia, to difundido nos Estados Unidos, e

    recentemente incorporado na legislao alem da insolvncia, e agora tambm acolhido entre ns,

    atravs do regime da exonerao do passivo restante.

    Visa assim, o instituto da exonerao do passivo restante , permitir ao

    devedor recomear a sua actividade, sem o peso da insolvncia. De facto,

    a pessoa singular insolvente ficar por fora deste benefcio exonerada

    dos seus dbitos nos termos previstos do disposto pelo artigo 235. do

    CIRE, o que permitir a sua, reabilitao econmica. Naturalmente que

    resulta de tal circunstncia, que para os credores importa a

    correspondente perda de parte dos seus crditos, que assim se extinguem

    por uma causa diversa do cumprimento.

    A efectiva obteno de tal benefcio supe, que aps a sujeio a processo de insolvncia, o devedor

    permanea por um perodo de cinco anos (designado perodo de cesso) ainda adstrito ao

    pagamento dos crditos da insolvncia que no hajam sido integralmente liquidados.

    Durante esse perodo o devedor assume, entre vrias outras obrigaes, a de ceder o seu rendimento

    disponvel a um fiducirio que afectar os montantes recebidos ao pagamento dos credores.

    considerado como rendimento disponvel todos os rendimentos que advenham a qualquer ttulo ao

    devedor, com excluso dos previstos nas alneas. a) e b) do n 3, do artigo 239, impondo

    simultaneamente o n 4 deste mesmo artigo ao devedor uma srie de obrigaes acessrias,

    decorrentes da cesso do rendimento disponvel, tendo em vista assegurar a

    D

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    efectiva prossecuo dos fins a que dirigida.

    De entre essas obrigaes destacam-se a que

    impe ao devedor a obrigao de exercer uma

    actividade remunerada, proibindo-lhe o seu

    abandono injustificado, e a que lhe determina

    que, ocorrendo uma mudana de domicilio ou

    emprego onde exerce a sua actividade,

    informe o tribunal e o fiducirio no prazo de

    10 dias alneas b) e d).

    No termo desse perodo, tendo o devedor

    cumprido, todos os deveres que sobre ele

    impendiam, proferido despacho de

    exonerao, que o liberta das eventuais

    dvidas ainda pendentes de pagamento.

    II Do Regime definido pelo artigo

    238. do CIRE

    Sendo a exonerao do passivo restante um

    benefcio de grande amplitude, para a sua

    concesso torna-se necessrio que o devedor

    preencha determinados requisitos, como os

    previstos no artigo 238. do CIRE (a contrrio).

    Assim, consigna o n. 1 do artigo 238. do CIRE que, o pedido de exonerao liminarmente

    indeferido se:

    a) For apresentado fora do prazo;

    b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos trs anos anteriores data

    do incio do processo de insolvncia, informaes falsas ou incompletas sobre as circunstncias

    econmicas com vista obteno de crdito ou de subsdios de instituies pblicas ou a fim

    de evitar pagamentos a instituies dessa natureza;

    c) O devedor tiver j beneficiado da exonerao do passivo restante nos 10 anos anteriores

    data do incio do processo de insolvncia;

    d) O Devedor tiver incumprido o dever de apresentao insolvncia ou, no estando obrigado a

    se apresentar, se tiver abstido dessa apresentao nos seis meses seguintes verificao da

    situao de insolvncia, com prejuzo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou

    no podendo ignorar sem culpa grave, no existir qualquer perspectiva sria de melhoria da

    sua situao econmica;

    e) Constatarem j no processo, ou forem fornecidos at ao momento da deciso, pelos credores

    ou pelo administrador da insolvncia, elementos que indiciem com toda a probabilidade a

    existncia na culpa do devedor na criao ou agravamento da situao de insolvncia, nos

    termos do artigo 186.;

    f) O devedor tiver sido condenado por sentena transitada em julgado por algum dos crimes

    previstos e punidos nos artigos 227. a 229. do Cdigo Penal nos 10 anos anteriores data da

    entrada em juzo do pedido de declarao da insolvncia ou posteriormente a essa data;

    g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informao apresentao e

    colaborao que para ele resultam do presente cdigo, no decurso do processo de insolvncia.

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    III Da anlise aos requisitos

    cumulativos da alnea d) do n. 1 do

    artigo 238. do CIRE

    Feita a referncia generalista, ao regime do

    artigo 238., no subsistem questes de maior

    relevo quando verificao da sua

    aplicabilidade pratica nos casos elencados das

    alneas a), b), c), e), f), e g).

    E isto, porque os requisitos disciplinados

    nestas alneas so de fcil verificao e

    aplicao, efectivamente na maior parte dos

    casos que correm nos nossos Tribunais, os

    credores vem frequentemente invocar a

    purgao pela verificao da situao prevista

    na alnea d) e que a seu ver levaria ao

    indeferimento liminar do pedido de

    exonerao do passivo restante, dai este

    breve estudo incidir sobre a anlise mais

    detalhada sobre os requisitos contidos na

    alnea d), sendo que tanto a Doutrina como a

    Jurisprudncia j se tem debruado sobre este

    assunto.

    Neste entendimento, Carvalho Fernandes e Joo Labareda (in Estudos sobre a Insolvncia, Editora

    Quid Juris, Ano 2009, pg. 280), escreveram:

    para alm da no apresentao insolvncia, a relevncia deste comportamento do devedor,

    para o efeito de indeferimento liminar, depende ainda, em qualquer destas hipteses, de haver

    prejuzo para os credores e de o devedor saber ou no poder ignorar, sem culpa grave, que no existe

    qualquer perspectiva sria da melhoria da sua situao econmica. Est aqui em causa apurar se a

    no apresentao do devedor insolvncia se pode justificar por ele estar razoavelmente convicto de

    a sua situao econmica poder melhorar em termos de no se tornar necessria a declarao de

    insolvncia

    Igualmente no mesmo sentido sufragado pelo Acrdo do Tribunal da Relao do Porto de

    09.12.2008, in www.dgsi.pt, que:

    a al. d) do n 1 do art. 238 do CIRE manda negar a exonerao quando

    se verificarem trs condies cumulativas: 1) no se ter apresentado

    insolvncia; 2) advir do incumprimento do prazo prejuzo para os credores;

    3) no existir perspectiva sria de melhoria da situao financeira do

    insolvente relevo e sublinhado nosso.

    Assim e conforme verificado, a alnea d), comporta intrinsecamente (na sua matriz), trs requisitos

    cumulativos, que so:

    i. O devedor que no se apresente insolvncia nos seis meses seguintes verificao da

    situao de insolvncia;

    ii. Com prejuzo em qualquer dos casos para os credores;

    iii. Que o devedor soubesse, ou pelo menos no pudesse ignorar sem culpa grave, no existir

    qualquer perspectiva sria de melhoria da sua situao econmica.

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    3.1 Anlise da primeira condio/requisito

    Quando o devedor no se apresente insolvncia nos seis meses

    seguintes verificao da situao de insolvncia

    Determina, a primeira parte do disposto na alnea d) do n. 1 do artigo

    238. que o devedor que no est obrigado a apresentar-se insolvncia,

    no se pode abster da sua apresentao nos seis meses seguintes ao

    conhecimento da situao de insolvncia.

    entendimento generalizado, que este requisito no levanta questes

    prticas de maior relevo, podendo esta circunstncia ser de imediato

    detectada e discutida, cabendo aos credores ou ao Administrador de

    Insolvncia, invocarem-na para todos os legais efeitos.

    3.2 Anlise da segunda condio/requisito

    do prejuzo para os credores

    Como j avanado, a no apresentao atempada insolvncia por parte

    do devedor, pode criar srios prejuzos para os credores, sendo que de

    todos os prejuzos possveis os mais conhecidos so o aglomerar de juros

    moratrios ou a desvalorizao ou dissipao do patrimnio do devedor,

    frequente nas audincias de apreciao do relatrio, os credores

    manifestarem-se invocando estes prejuzos, no obstante sobre o

    aglomerar de juros moratrios a jurisprudncia tem tido uma posio

    consensual, sobre esta matria.

    A este prepsito pode-se consultar o Acrdo do Tribunal da Relao de

    Coimbra de 03.07.2012, processo n. 1779/11.0 T2AVR-C.C1, disponvel in

    www.dgsi.pt, que vem referir:

    Tendo em conta a teleologia subjacente ao instituto de exonerao do

    passivo restante e a sua congruncia com o incidente de qualificao da

    insolvncia assim se percebe o disposto na alnea e), do n. 1 do artigo

    238. do CIRE), a causao do prejuzo aos credores no se bastara como

    juro decorrentes da mora no cumprimento de obrigaes pecunirias e

    antes visara a prtica pelo devedor de actos que levem dissipao do

    patrimnio ou contraco de novas responsabilidades aps a verificao

    da situao de insolvncia, comportamentos estes desconformes ao

    proceder honesto, licito, transparente e de boa-f cuja observncia por

    parte do devedor impeditiva de lhe ser reconhecida a possibilidade de se

    libertar de algumas das suas dividas e assim, conseguir a sua reabilitao

    econmica. sublinhado nosso

    O mesmo entendimento partilhado no Acrdo do STJ de 14.02.2013,

    onde se concluiu, que o prejuzo no decorre, sem mais, da apresentao

    tardia pelo insolvente do pedido de exonerao do passivo restante, pelo

    facto de entretanto, se terem acumulado juros de mora.

    Por outro lado, como se refere no Ac. do STJ de 21/10/10 in www,dgsi.pt

    (ainda no mesmo sentido do Ac. do STJ de 22/03/11 e 24/01/12 tambm

    in www.dgsi) o regime estabelecido na primeira parte do n 2 do artigo

    151 Cdigo dos Processos Especiais de Recuperao da Empresa

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    e de falncia, que estabelecia a cessao da contagem dos juros na data

    da declarao de falncia deixou de existir, com o Cdigo da Insolvncia e

    da Recuperao de Empresas, passando os juros a ser considerados

    crditos subordinados, nos termos da alnea b) do artigo 48 deste

    Cdigo.

    J que no respeita aos prejuzos causados, pela desvalorizao ou

    dissipao dos bens do devedor, vem o recente o Acrdo do Tribunal da

    Relao de Guimares de 14.03.2013, processo n. 751/12.7TBLNH-A.L1-

    2, disponvel in www.dgsi.pt, e a sumariado da seguinte forma referir:

    I Se o obrigado a apresentar-se insolvncia incumpre esse dever,

    fazendo-o muito depois, verifica-se prejuzo dos credores se,

    entretanto, o seu patrimnio sofreu desvalorizao. Verificado tambm

    que o insolvente no podia ignorar sem culpa grave, inexistir qualquer

    perspectiva sria de melhoria da sua situao econmica, deve

    indeferir-se liminarmente o pedido de exonerao do passivo restante

    ao abrigo do disposto no art. 238. n. 1 al. d) do CIRE.

    II facto notrio que no carece de alegao e prova que os bens

    imveis, pelo menos desde 2011, tm sofrido uma desvalorizao.

    tambm facto notrio que um veculo automvel normal sofra uma

    desvalorizao em funo da sua antiguidade. sublinhado nosso

    Resulta da Jurisprudncia em referncia, que o que se visa sancionar so

    os comportamentos que impossibilitem, dificultem ou diminuam a

    possibilidade de os credores obterem a satisfao dos seus crditos nos

    termos em que essa satisfao seria conseguida caso tais

    comportamentos no ocorressem, sendo que s nestas circunstncias

    que se poder verificar esta condio.

    3.3 Anlise da terceira condio/requisito

    que o devedor soubesse, ou pelo menos no pudesse ignorar sem

    culpa grave, no existir qualquer perspectiva sria de melhoria da sua

    situao econmica

    Sobre este ltimo requisito da al. d), impem-se apenas uma breve nota

    sobre a expresso consignada no prprio normativo, perspectiva de

    melhoria da situao econmica, sendo que esta expresso em rigor no

    sinnimo da verificao da melhoria efectiva da situao econmica,

    importa ento referir que a lei no refere a melhoria da situao

    econmica, mas sim, a perspectiva dessa melhoria.

    Assim, atende-se que no disposto no n. 3 do artigo 236 do CIRE, o

    devedor pessoa singular tem apenas no requerimento de apresentao

    insolvncia em que formula o pedido de exonerao do passivo restante,

    de expressamente declarar que preenche os requisitos para que o

    pedido no seja indeferido liminarmente.

    Resulta que quanto a este requisito legal e por perspectiva de melhorar a

    sua situao econmica deve entender-se como tendo perspectivas de

    melhorar a sua situao econmica e no da verificao de tal situao

    pois a lei no se refere a melhoria da situao econmica mas sim a

    perspectiva dessa melhoria, sendo que esta questo tem levantado

    inmeros problemas de interpretao prtica, difceis de dirimir.

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    IV Do nus da alegao dos factos, que inviabilizem o

    pedido de exonerao do passivo restante

    Sobre esta matria, tomo a oportunidade para referenciar o recente Acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 14.02.2013, processo n. 3327/10.0TBST-D.PS1 disponvel em www.dgsi.pt, que na linha da jurisprudncia que lhe antecede, vem dar resposta imediata a esta questo: as diversas alneas do n.1, do artigo 238. do CIRE com excepo do disposto na alnea a), como j se disse , ao estabelecerem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar, no assumem uma feio estritamente processual uma vez que contendem com a ponderao de requisitos substantivos, no se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exonerao do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, razo pela qual compete aos credores e ao administrador da insolvncia a sua demonstrao, atento a preceituado pelo artigo 342., n. 2 Cdigo Civil. Tratando-se de factos que, de acordo com a norma substantiva que serve de fundamento pretenso de cada uma das partes, se destinam a inviabilizar o pedido de exonerao do passivo restante formulado pelo devedor-insolvente, so susceptveis de obstar a que o direito deste se tenha constitudo, validamente, cabendo, assim aos credores ou ao administrador da insolvncia demonstrar a sua existncia. sublinhado nosso

    Por: Alberto J. Mendes Alves 13.12.2013