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Comentário www.thelancet.com/oncology Vol 14 Abril 2013 1 Controle do câncer na América Latina e o Caribe: uma ambição ousada? Embora o controle de câncer, nos países de renda alta, tenha sido relativamente bem sucedido nas últimas décadas, persistem inequidades consideráveis, manejos sub-ótimos são frequentes e o custo do cuidado está tornando-se crescentemente insustentável. Esses fatores, em conjunto, ameaçam desfazer muito do progresso realizado. 1 A situação nos países de renda baixa e média é ainda mais dura. Via de regra, o controle do câncer não representa uma das prioridades principais em comparação com a necessidade fundamental de se resolver problemas socioeconômicos, guerras, o crime, moléstias infectocontagiosas, saneamento, moradia e educação. Ligados a esses fatores, tem- se, ainda, posturas culturais, religiosas e filosóficas referidas à sociedade e à medicina que influenciam a efetividade de muitas iniciativas. No entanto, esforços devem ser feitos apesar desses problemas: 80% da carga do câncer corresponde aos países de renda baixa e média, sendo que só 5% da capacidade financeira mundial está disponível para se lidar com os problemas acompanhantes. Para se alcançar o objetivo da OMS de reduzir em 25% as mortes por doenças não transmissíveis evitáveis para 2025, são necessários compromissos muito mais abrangentes. O apelo Stop Cancer Now! (Pare o Câncer Já!), por exemplo, destaca dez passos 2 que podem ser dados por governos e gestores de políticas públicas para enfrentar diretamente esse desafio Neste número especial de The Lancet Oncology, publicamos uma Comissão, 3 que visa descrever em detalhe e profundidade o escopo dos desafios enfrentados pelos países da América Latina e o Caribe, junto das possíveis soluções. Os alvos apontados em Stop Cancer Now! ecoam ao longo da Comissão. A América Latina fornece um exemplo ideal do tipo de região que deve enfrentar muitos dos desafios próprios aos países de renda baixa e média: inequidades amplas, meios financeiros limitados, infraestrutura e educação pobres, regiões vastas e remotas com populações indígenas, cidades com população densa, baixa proporção do produto nacional bruto destinado à saúde e número e capacitação inadequados dos profissionais de saúde. Porém, ao mesmo tempo, faróis de esperança nos oferecem uma olhadela naquilo que pode ser realizado, na medida em que alguns países estão atualmente passando por uma fase de crescimento e investimento econômico maciço, outros têm governos estáveis, politicamente compromissados com a atenção à saúde e com a cobertura universal em saúde, e cada vez mais médicos, sociedades profissionais e organizações de saúde estão assumindo o protagonismo no combate às ameaças crescentes aos sistemas de saúde e à carga da doença. O potencial para maior integração e colaboração tanto entre os países da região, quanto fora dela através de parcerias inovadoras é muito prometedor. A presente Comissão, chefiada por Paul Goss, professor de medicina da Escola de Medicina de Harvard (Boston, MA; EUA) reuniu um distinto painel composto por 72 autores de 12 países, que discutiram coletivamente os obstáculos que limitam a resposta da América Latina e o Caribe à crescente morbimortalidade do câncer, e como esses países devem responder, a fim de evitar a ocorrência de uma epidemia devastadora de câncer. Embora reconhecendo que nem um relatório tão ambicioso quanto o presente poderá jamais dar conta de todos os cenários, advertências e nuances possíveis, esperamos que, mesmo assim, alcance para estimular um número suficiente de gestores de políticas públicas e profissionais da saúde a se unirem às organizações de ativistas a fim de que os passos necessários sejam dados rápida e efetivamente no curto e médio prazo nos vários países da América Latina e do Caribe. Tim Clayton/Corbis

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www.thelancet.com/oncology Vol 14 Abril 2013 1

Controle do câncer na América Latina e o Caribe: uma ambição ousada?

Embora o controle de câncer, nos países de renda alta, tenha sido relativamente bem sucedido nas últimas décadas, persistem inequidades consideráveis, manejos sub-ótimos são frequentes e o custo do cuidado está tornando-se crescentemente insustentável. Esses fatores, em conjunto, ameaçam desfazer muito do progresso realizado.1 A situação nos países de renda baixa e média é ainda mais dura. Via de regra, o controle do câncer não representa uma das prioridades principais em comparação com a necessidade fundamental de se resolver problemas socioeconômicos, guerras, o crime, moléstias infectocontagiosas, saneamento, moradia e educação. Ligados a esses fatores, tem-se, ainda, posturas culturais, religiosas e filosóficas referidas à sociedade e à medicina que influenciam a efetividade de muitas iniciativas. No entanto, esforços devem ser feitos apesar desses problemas: 80% da carga do câncer corresponde aos países de renda baixa e média, sendo que só 5% da capacidade financeira mundial está disponível para se lidar com os problemas acompanhantes. Para se alcançar o objetivo da OMS de reduzir em 25% as mortes por doenças não transmissíveis evitáveis para 2025, são necessários compromissos muito mais abrangentes. O apelo Stop Cancer Now! (Pare o Câncer Já!), por exemplo, destaca dez passos2 que podem ser dados por governos e gestores de políticas públicas para enfrentar diretamente esse desafio

Neste número especial de The Lancet Oncology, publicamos uma Comissão,3 que visa descrever em detalhe e profundidade o escopo dos desafios enfrentados pelos países da América Latina e o Caribe, junto das possíveis soluções. Os alvos apontados em Stop Cancer Now! ecoam ao longo da Comissão. A América Latina fornece um exemplo ideal do tipo de região que deve enfrentar muitos dos desafios próprios aos países de renda baixa e média: inequidades amplas, meios financeiros limitados, infraestrutura e educação pobres, regiões vastas e remotas com populações indígenas, cidades com população densa, baixa proporção do produto nacional bruto destinado à saúde e número e capacitação inadequados dos profissionais de saúde. Porém, ao mesmo tempo,

faróis de esperança nos oferecem uma olhadela naquilo que pode ser realizado, na medida em que alguns países estão atualmente passando por uma fase de crescimento e investimento econômico maciço, outros têm governos estáveis, politicamente compromissados com a atenção à saúde e com a cobertura universal em saúde, e cada vez mais médicos, sociedades profissionais e organizações de saúde estão assumindo o protagonismo no combate às ameaças crescentes aos sistemas de saúde e à carga da doença. O potencial para maior integração e colaboração tanto entre os países da região, quanto fora dela através de parcerias inovadoras é muito prometedor.

A presente Comissão, chefiada por Paul Goss, professor de medicina da Escola de Medicina de Harvard (Boston, MA; EUA) reuniu um distinto painel composto por 72 autores de 12 países, que discutiram coletivamente os obstáculos que limitam a resposta da América Latina e o Caribe à crescente morbimortalidade do câncer, e como esses países devem responder, a fim de evitar a ocorrência de uma epidemia devastadora de câncer. Embora reconhecendo que nem um relatório tão ambicioso quanto o presente poderá jamais dar conta de todos os cenários, advertências e nuances possíveis, esperamos que, mesmo assim, alcance para estimular um número suficiente de gestores de políticas públicas e profissionais da saúde a se unirem às organizações de ativistas a fim de que os passos necessários sejam dados rápida e efetivamente no curto e médio prazo nos vários países da América Latina e do Caribe.

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Voltando às raízes: medicina tradicional no controle do câncer na América Latina e o Caribe

A OMS estima que 65% da população mundial utiliza medicinas tradicionais isoladamente ou em combinação com a medicina moderna. Assim, no mínimo 390 milhões de pessoas na América Latina, incluindo 50-60 milhões de indígenas que só têm acesso a medicinas tradicionais e plantas medicinais, utilizam medicinais tradicionais para diversos problemas de saúde, incluindo o câncer. O número de latino-americanos que utilizam medicinas tradicionais pode ser mais alto do que a média mundial devido à migração de indivíduos de origem indígena para grandes cidades modernas, onde as lojas de plantas medicinais e os consultórios dos curandeiros amiúde estão localizados perto dos hospitais modernos.

A aceitação da medicina tradicional está baseada numa larga percepção da segurança das plantas medicinais, entretanto, a ampla disseminação e acesso às mesmas também têm papel importante. Por exemplo, a graviola (o fruto de Annona muricata), conhecida no inglês como soursop e no espanhol como guanábana é encontrada em qualquer mercado local da América do Sul e é considerada como tendo propriedades anti-inflamatórias e hipoglicemiantes, tendo mostrado eficácia contra o câncer em estudos pré-clínicos.1–3 O córtex de Uncaria tomentosa, ou unha-de-gato, uma planta trepadeira da Amazônia com atividade antiproliferativa, é frequentemente utilizado como coadjuvante da quimioterapia, inclusive por médicos ocidentais.4,5

A procura do Instituto Nacional do Câncer dos EUA (US National Cancer Institute) por plantas medicinais com ação antitumoral potencial foi intensa entre 1960 e 1980,6 inclusive na América Latina.7,8 Entretanto, o papel da medicina tradicional no controle do câncer tem, na América Latina, também um outro papel, menos evidente, isto é a possibilidade de que o sistema de medicina tradicional contribua por si só ao controle do câncer.

Na Comissão de The Lancet Oncology, Paul Goss e colaboradores9 apontam para a acessibilidade limitada dos serviços oncológicos em grande parte da América Latina e o Caribe, sendo que em todos esses lugares a medicina tradicional está disponível graças a curandeiros indígenas e seu arsenal terapêutico, que podem ser consul tados quando falham os serviços de saúde modernos. A aceitabilidade da medicina tradicional pela população geral deve levar à consideração de abordagens interculturais para esses vários sistemas que, combinados com a medicina moderna, poderiam representar uma primeira linha de diagnóstico alternativa aos serviços oncológicos convencionais. Serviços culturalmente apropriados na Bolívia, Equador, Guatemala e Peru, entre outros países, têm demonstrado a ampla aceitação e a possibilidade de coexistência e de colaboração entre a medicina tradicional e a moderna.10

Imagine um futuro no qual a medicina tradicional não é apenas uma fonte de medicamentos para o controle do câncer, mas também um mecanismo para a prevenção do mesmo. Pense nas dezenas de milhões de latino-americanos que têm acesso à medicina tradicional exclusivamente. Precisamos desenvolver políticas que possibilitem o reconhecimento dos curandeiros tradicionais, recuperem e preservem seu conhecimento e direcionem as ações de pesquisa não só na procura de novos recursos, mas também na integração da medicina tradicional o os professionais correspondentes com a medicina moderna.

Oswaldo SalaverryUniversidade Nacional Maior de São Marcos e Centro Nacional de Saúde Intercultural, Lima 01, Peru [email protected]

Declaro não ter conflito de interesses.

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David CollingridgeThe Lancet Oncology, 32 Jamestown Road, Londres NW1 7BY, Reino Unido1 Sullivan R, Peppercorn J, Sikora K, et al. Delivering affordable cancer care

in high-income countries. Lancet Oncol 2011; 12: 933–80.

2 Stop Cancer Now! Lancet 2013; 381: 426–27.3 Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, et al. Planning cancer control in

Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14: 391–436.

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www.thelancet.com/oncology Vol 14 Abril 2013 3

1 Oberlies NH, Chang CJ, McLaughlin JL. Structure–activity relationships of diverse Annonaceous acetogenins against multidrug resistant human mammary adenocarcinoma (MCF-7/Adr) cells. J Med Chem 1997; 40: 2102–06.

2 Torres MP, Rachagani S, Purohit V, et al. Graviola: a novel promising natural-derived drug that inhibits tumorigenicity and metastasis of pancreatic cancer cells in vitro and in vivo through altering cell metabolism. Cancer Lett 2012; 323: 29–40.

3 Dai Y, Hogan S, Schmelz EM, Ju YH, Canning C, Zhou K. Selective growth inhibition of human breast cancer cells by graviola fruit extract in vitro and in vivo involving down regulation of EGFR expression. Nutr Cancer 2011; 63: 795–801.

4 Pilarski R, Poczekaj-Kostrzewska M, Ciesiolka D, Szyfter K, Gulewicz K. Antiproliferative activity of various Uncaria tomentosa preparations on HL-60 promyelocytic leukemia cells. Pharmacol Rep 2007; 59: 565–72.

5 Dreifuss AA, Bastos-Pereira AL, Avila TV, et al. Antitumoral and antioxidant effects of a hydroalcoholic extract of cat’s claw (Uncaria tomentosa) (Willd Ex Roem & Schult) in an in vivo carcinosarcoma model. J Ethnopharmacol 2010; 130: 127–33.

Iniciativas do Ministério da Saúde do Brasil para o controle do câncer

A Comissão de Paul Goss e colaboradores1 demonstra o desafio representado pela análise da situação do controle do câncer na América Latina: extensa diversidade populacional, fatores socioeconômicos e epidemiológicos, poucos estudos realizados com metodologias similares – todos estes fatores são responsáveis pela complexidade da situação atual. Esses achados são corroborados pelo estudo de Simon e colaboradores,2 que demonstra que a taxa de detecção precoce do câncer de mama é baixa no Brasil e precisa aumentar até os níveis alcançados em outros países. No entanto, os dados nacionais disponibilizados pelo conjunto de registros oncológicos do Brasil indicam que a taxa de detecção precoce do câncer de mama (estágios 0–II) é de 59,8%,3 e portanto, similar àquela dos EUA (60%).1

O território do Brasil é vasto e apresenta inequidades sociais complexas e desafiadoras, que comprometem o objetivo do Sistema Nacional de Saúde (Sistema Único de Saúde – SUS) de oferecer atenção universal da saúde, abrangente e de alta qualidade. Entretanto, progressos consideráveis têm sido feitos nos últimos dez anos no país. Por exemplo, a cobertura atual do teste de Papanicolaou é de 87% em algumas regiões e de mais de 80% em todas as áreas brasileiras.4 Em 2011, estendeu-se o limite de idade para inclusão na triagem do câncer do colo uterino de 25 para 64 anos.5 Embora a cobertura da mamografia também tenha

aumentado no país, especialmente nas mulheres de famílias de baixa renda, ainda permanecem diferenças regionais.4 A cobertura da mamografia nas capitais dos estados brasileiros aumentou de 71,2% em 2007 para 73,3% em 2011.6 Um programa nacional para qualidade da mamografia foi estabelecido em 2011, e mais de quatro milhões de exames têm sido feitos anualmente. Em 2012, 12 milhões de testes de Papanicolaou, 2,6 milhões de procedimentos quimioterápicos, dez milhões de sessões de radioterapia e cerca de 530.000 cirurgias foram realizadas pelo SUS.7

O acesso a medicamentos é uma parte fundamental do direito à saúde e, assim, o SUS oferece medicamentos

6 Fabricant D Farnsworth N. The value of plants used in traditional medicine for drug discovery. Environ Health Perspect 2001; 109 (suppl 1): 69–75.

7 Mans DR, da Rocha AB, Schwartsmann G. Anti-cancer drug discovery and development in Brazil: targeted plant collection as a rational strategy to acquire candidate anti-cancer compounds. Oncologist 2000; 5: 185–98.

8 Popoca J, Aguilar A, Alonso D, Villarreal ML. Cytotoxic activity of selected plants used as antitumorals in Mexican traditional medicine. J Ethnopharmacol 1998; 59: 173–77.

9 Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14: 391–436.

10 Salaverry O. Interculturalidad en salud. Rev Peru Med Exp Salud Publica 2010; 27: 80–93.

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gratuitamente. Mais de 500 medicamentos estandardizados foram disponibilizados e são distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Saúde. O tratamento do câncer é gratuito em todos os níveis (radioterapia, quimioterapia e terapia hormonal), assim como os medicamentos para deixar de fumar, a vacina contra a hepatite B e outras intervenções em saúde. Esses medicamentos estão disponíveis para toda a população, incluindo os pacientes com planos particulares de saúde.8 O Brasil é um dos poucos países do mundo que apoia e implementa as flexibilidades incluídas no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC/TRIPS) e na Declaração de Doha da Organização Internacional do Comércio, incluindo o acesso a medicamentos para doenças não-transmissíveis (DNTs) para todos aqueles que precisem deles, tal como afirmado nas negociações da OMS na reunião de alto nível da ONU. Considerando que as DNTs constituem uma epidemia mundial, é necessário discutir sobre a propriedade intelectual das terapias novas e o acesso a medicamentos e tecnologias de baixo custo, alta qualidade, seguros e efetivos.9 Entretanto, essas questões, embora importantes, não foram abordadas pela Comissão.1

Em março de 2011, o Ministério da Saúde lançou um plano para fortalecer a rede de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer no Brasil.5 Nesse contexto, os recursos de radioterapia serão expandidos e 48 serviços serão criados em 48 hospitais, sendo que o Ministério da Saúde modernizará 32 serviços já existentes. Consequentemente, o Ministério adquirirá 80 aceleradores lineares novos, representando a maior aquisição realizada por qualquer país do mundo nos últimos anos. Esses equipamentos serão especialmente distribuídos nas regiões norte e nordeste do país, de modo a diminuir as inequidades.5

Devido à magnitude das DNTs, responsáveis por 72% dos óbitos no Brazil, o Ministério da Saúde lançou um plano estratégico focado nas mesmas, priorizando as ações e investimentos necessários para reduzir essas doenças e seus fatores de risco.5,8,10 O programa de controle do tabagismo tem reduzido a prevalência do fumo de 34,8% em 1989 para 17,2% em 2008.4,8,10 Levantamentos telefônicos realizados nas capitais dos estados brasileiros confirmaram o declínio na prevalência do tabagismo entre 2006 e 2011.6 Em

2011, o governo aprovou novas leis estabelecendo ambientes livres de fumo, aumento do imposto ao cigarro até 85% e a obrigação de colocar advertências nas embalagens.8,10 Essas ações têm contribuído para a diminuição de 20% nas taxas das DNTs entre 1996 e 2007. O objetivo no longo prazo é reduzir em 2% por ano a mortalidade por DNT.5,8

O Brasil e muitos outros países da América Latina e o Caribe enfrentam grandes desafios, entretanto, é importante enfatizar a necessidade de melhoras nos sistemas de informação e registro para assegurar a robustez das políticas para o câncer. O Brasil está fortemente compromissado com as DNTs e continuará a trabalhar infatigavelmente no auxílio dos pacientes com câncer.

Jarbas Barbosa da Silva Jr*, Helvecio Miranda Magalhaes JrSecretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde do Brasil, Brasília 70070-600, Brasil (JBdS, HMM) [email protected]

JBdS é o Secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde brasileiro e HMM é o Secretário de Atenção à Saúde. Não temos conflito de interesses.

1 Goss, PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14: 391–436.

2 Simon S, Bines J, Barrios C, et al. Clinical characteristics and outcome of treatment of Brazilian women with breast cancer treated at public and private institutions—The AMAZONE Project of the Brazilian Breast Cancer Study Group (GBECAM). 32nd Annual CTRC-AACR San Antonio Breast Cancer Symposium; San Antonio, TX, USA; Dec 10–13, 2009. Abstr 3082.

3 Instituto Nacional de Cancer (INCA). Perfil da morbimortalidade brasileira do câncer da mama. Informativo de Vigilancia do Cancer. N. 2 janeiro/abril 2012. Nov 28, 2012. http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/comunicacao/informativo_vigilancia_cancer_n2_2012_internet.pdf (acessado Feb 26, 2013).

4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Panorama da Saúde no Brasil: acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde (PNAD 2008). Rio de Janeiro: IBGE; 2010 (in Brazilian).

5 Brasil Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011–2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1818 (acessado Feb 26, 2013).

6 Brasil Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.

7 Ministério da Saúde. DATASUS. Informações em Saúde. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202 (acessado Feb 22, 2013).

8 Malta DC. de Morais Neto Otaliba L, da Silva Jr JB. Apresentação do plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil, 2011 a 2022. Epidemiol Serv Saúde 2011; 20: 425–38.

9 Hogerzeil HV, Liberman J, Wirtz VJ, et al, on behalf of The Lancet NCD Action Group. Promotion of access to essential medicines for non-communicable diseases: practical implications of the UN political declaration. Lancet 2013; 381: 680–89.

10 Bonita R, Magnusson R, Bovet P, et al, on behalf of The Lancet NCD Action Group. Country actions to meet UN commitments on non-communicable diseases: a stepwise approach. Lancet 2013; 381: 575–84.

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Planejando o controle do câncer – uma perspectiva mexicanaComo ex-Secretário da Saúde do México, dou as boas vindas à publicação da Comissão de The Lancet Oncology1 sobre o controle do câncer na América Latina e o Caribe. Gostaria de acrescentar alguns comentários feitos de uma perspectiva mexicana. O processo de transição demográfica e epidemiológica no mundo implica em várias ameaças e desafios para os sistemas de saúde, relacionados com o aumento na expectativa de vida, o envelhecimento da população e a mudança no modo como as pessoas adoecem e morrem, isto é, das moléstias infectocontagiosas às doenças não transmissíveis (DNTs) crônicas, dentre as quais o câncer é uma das mais importantes.2 Essas mudanças colocam grandes desafios aos sistemas de saúde na América Latina e o Caribe.3

Na secção introdutória, os autores da Comissão de The Lancet Oncology1 afirmam que “a América Latina não está bem preparada pra enfrentar o alarmante aumento na incidência do câncer”. Embora essa afirmação seja acurada, esforços estão sendo implementados para enfrentar esse desafio. Como mencionado pela Comissão, parte do problema consiste na falta de planos nacionais abrangentes para o câncer em muitos países. Dentre os mais de 40 países na região, só uns poucos têm elaborados esse tipo de plano, sendo que a maioria está orientada a tipos específicos de câncer (por exemplo, câncer de mama, do colo uterino ou de próstata).

Goss e colaboradores analisam casos específicos de reformas sanitárias. No México, a reforma sanitária efetuada através do Seguro Popular tem ampliado a capacidade do sistema para lidar com o câncer. Nenhuma mulher com câncer de mama precisa interromper o tratamento por causa de questões financeiras, a vacinação contra o vírus do papiloma humano (VPH) das meninas da quinta série do ensino fundamental faz parte do programa nacional de imunização, a qualidade da infraestrutura da atenção tem aumentado (desde mamógrafos e aceleradores lineares a unidades e hospitais oncológicos totalmente novos) e as despesas diretas com tratamentos têm diminuído.4

A infraestrutura e os recursos humanos se concentram nas grandes áreas urbanas em toda a América Latina e o Caribe e se os determinantes da

saúde relativos às DNT e o câncer não mudarem, não seremos capazes de corrigir essas inequidades. Os médicos e demais profissionais de saúde não se deslocarão para áreas com condições de vida limitadas e poucas oportunidades de desenvolvimento, sendo que essa realidade está relacionada com o desenvolvimento econômico e social (por exemplo, boas escolas, segurança, oportunidades de capacitação).5

As populações indígenas colocam um desafio fundamental. Infelizmente, as populações indígenas têm sido historicamente negligenciadas. A Comissão faz menção à necessidade de que os registros incluam dados étnicos, que podem vir auxiliar na elaboração das políticas. Porém, por outro lado, tais registros não continuariam a colocar os povos indígenas como algo separado do resto da população? Nos termos do custo do cuidado do câncer, há grande diversidade na América Latina e o Caribe. O investimento em saúde como proporção do produto nacional bruto varia amplamente o que, claro está, tem efeito na capacidade dos governos para enfrentar o aumento na incidência do câncer.

A prevenção primária deve ser reforçada, assim como as políticas focadas nos principais fatores de risco oncológico – a saber, o tabaco, o álcool, a obesidade, as causas infecciosas (por exemplo, o VPH) e os agentes ambientais. Precisamos mudar o foco da medicina curativa para a preventiva, mas isso deve refletir-se no orçamento da saúde. Do total do dinheiro transferido pelo Governo Federal aos 32 estados mexicanos através do Seguro Popular, 20% está destinado a ações preventivas, enquanto que apenas uma década atrás, não havia qualquer orçamento explicitamente destinado a ações preventivas. Certamente, melhoras ainda são necessárias, mas o caminho já está traçado.

Outros tópicos importantes mencionados pela Comissão merecem discussão mais ampla, tais como os exames moleculares, as perspectivas clínicas, a capacitação do pessoal, os cuidados paliativos, a pesquisa e o ativismo dos pacientes (o que aconteceria se as organizações não governamentais para o câncer fossem tão poderosas quanto as que defendem os direitos dos pacientes com HIV/AIDS?). As questões relacionadas com a sobrevida dos pacientes e o

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câncer na infância devem ser enfatizadas. A presente Comissão virará uma referencia para os governos e a sociedade em geral, no entanto, muito mais precisa ainda ser feito, e não só no setor saúde, para enfrentar os muitos problemas associados com o câncer. Esperemos que esses esforços acadêmicos sejam bem recebidos e traduzidos em ações efetivas – caso contrário, teremos que voltar a falar dos mesmos desafios no futuro.

Salomón ChertorivskiAv Cuahutémoc 898, Colonia Narvarte, México DF, México [email protected]

O conhecimento da realidade do câncer na América Latina é vital para o nosso país e a publicação da presente Comissão de The Lancet Oncology1 oferece uma riqueza extraordinária de dados novos. Os esforços para se promover artigos sobre o câncer o os sistemas de saúde no contexto das doenças não transmissíveis crônicas, como é o caso da presente Comissão, representam uma contribuição importante para o avanço do controle do câncer na nossa região. O planejamento dentro do contexto dos programas nacionais de controle do câncer é uma ferramenta crucial para a implementação e desenvolvimento de uma estratégia adequada para o câncer em cada país. Tal planejamento possibilitará o uso eficiente dos recursos existentes a fim de adaptar os sistemas de saúde à população e às necessidades dos pacientes, assim como para desenvolver modos úteis e inovadores de melhorar as ações para o controle do câncer. O Governo argentino tem um forte compromisso com o combate ao câncer. A criação do Instituto Nacional do Câncer, dois anos atrás, e seu rápido crescimento, baseado numa estratégia definida alinhada com a situação da saúde no nosso país, representam uma clara demonstração desse comprometimento.

A Comissão convocada por The Lancet Oncology reúne um grupo de reconhecidos especialistas na região, os quais realizaram uma análise abrangente da

situação atual, levando em conta os pontos fortes e fracos das nossas estratégias e sistemas. Esse trabalho contribuirá largamente para a análise dos projetos futuros a fim de melhorar a qualidade da atenção e ajudará a otimizar o uso dos recursos disponíveis. Além disso, os dados apresentados no presente relatório trazem informações críticas para que os cientistas, especialistas, professionais de saúde e governos possam se aproximar mais das nossas metas últimas: melhorar o controle do câncer, reduzir a incidência da doença e melhorar os resultados do tratamento e a qualidade de vida de muitos pacientes nos nossos países.

O Ministério da Saúde argentino vem financiando e implementando a vacinação contra o vírus do papiloma humano (VPH) em todas as meninas de onze anos de idade no país. Através do Instituto Nacional do Câncer, esforços estão sendo realizados especialmente no registro de dados, prevenção e detecção precoce do câncer do colo uterino, mama e cólon, cuidados de suporte e pesquisa (básica e clínica). A melhora dos registros oncológicos se baseia no reforço dos registros populacionais nas diversas províncias, através do desenvolvimento de software e da implementação de um registro oncológico hospitalar nacional online, assim como da incorporação do bem sucedido registro oncológico pediátrico, que precedeu a criação do Instituto Nacional do Câncer. O registro do programa

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Perspectivas argentinas sobre o controle do câncer na América Latina

Fui o Comissionado Nacional para Proteção Social da Saúde responsável pela implementação e operação do Seguro Popular.

1 Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14: 391–436.

2 Kuri-Morales P. La transicion en salud y su impacto en la demanda de servicios. Gaceta Medica de Mexico 2011; 147: 451–54.

3 Barreto SM, Miranda J, Figueroa P, et al. Epidemiology in Latin America and the Caribbean: current situation and challenges. Int J Epidemiol 2012; 41: 557–71.

4 Knaul FM, González-Pier E, Gómez-Dantés O, et al. The quest for universal health coverage: achieving social protection for all in Mexico. Lancet 2012; 380: 1259–79.

5 Organização Mundial da Saúde. Subsanar las desigualdades en una generación. Comisión sobre Determinantes Sociales de la Salud. Informe Final . Geneva: Organização Mundial da Saúde, 2009. (Em Espanhol).

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oncológico pediátrico inclui mais de 90% dos 1300 casos de câncer anuais.

O programa de câncer de colo uterino é o primeiro e o mais desenvolvido, até o presente. Começou pela melhora da qualidade do teste de Papanicolaou e a incorporação do exame de detecção do VPH numa única província, e será expandido para outras quatro este ano. O programa também inclui a pesquisa de um teste para o VPH auto-aplicado pelas próprias mulheres testadas (3000 versus 3000 amostras colhidas por professionais). O programa de detecção do câncer de mama está avaliando e melhorando a qualidade das mamografias e a exposição à radiação, assim como os mamógrafos em todo o país, de acordo com esforços similares realizados pela Rede de Institutos Nacionais do Câncer em toda a América Latina. O plano para detecção precoce do carcinoma colorretal começará em duas províncias, inicialmente buscando detectar e orientar os candidatos de alto risco, assim como a realização de pesquisa de sangue oculto nas fezes em indivíduos entre

50 e 75 anos de idade. As iniciativas de cuidados de suporte visam, principalmente, a seleção das áreas com necessidade de cuidados paliativos, assim como a facilitação do acesso aos opiáceos através da remoção dos obstáculos burocráticos, culturais e econômicos. Enquanto à educação em oncologia, na Argentina há 12 programas de residência em oncologia clínica, cirúrgica e de radiação. Vários cursos de pós-graduação em oncologia são oferecidos por diversas universidades de todo o país. Temos uma oportunidade única para melhorar os esforços dedicados às doenças não transmissíveis e o câncer, combinando as atividades dos Ministérios de Saúde, outros provedores de atenção em saúde e da sociedade em geral numa ação única e determinada.

Juan ManzurMinistro da Saúde, Presidência da Nação, Buenos Aires, Argentina

Declaro não ter conflito de interesses.

1 Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14: 391–436.

Planejando o controle do câncer – a visão de uma ONGEm nome da Rede Internacional para Pesquisa no Tratamento do Câncer (International Network for Cancer Treatment Research—INCTR), gostaríamos de salientar alguns dos desafios-chave no fornecimento de atenção oncológica na América Latina. Na América Latina, estima-se que o número total de casos de câncer aumentará cerca de 42% entre 2008 e 2020.1 Se não for mais efetivamente controlado, o câncer exercerá efeitos negativos nas economias latino-americanas. O financiamento pelos governos e outras partes interessadas é inadequado, os recursos e serviços estão distribuídos desigualmente, há poucos professionais em saúde (especialistas em câncer, em particular) e a atenção está voltada à população mais rica.2 O desenvolvimento de estratégias focadas em interesses comerciais às custas da atenção em saúde pode fazer com que os custos com o câncer (custos diretos do tratamento, perdas econômicas devidas à morbimortalidade) se tornem um obstáculo considerável para o desenvolvimento econômico .3

Só 6% da população latino-americana está incluída em registros oncológicos nacionais.2 Aumentar

o registro dos dados oncológicos representa um investimento barato, porém essencial para o controle efetivo do câncer. Além disso, há pouca disponibilidade de financiamento e muito poucos centros estão suficientemente equipados para a condução de estudos clínicos.4 Em vastas áreas da América Latina, o acesso a atenção em saúde é escasso, enquanto que limitações no manejo e acompanhamento dos pacientes não favorecem a realização de pesquisa de alta qualidade.5 Consequentemente, a maior parte da evidência relacionada com o controle do câncer é produzida em outros países que, em função das diferenças na carga do câncer, é inadequada e precisa mudar. O desenvolvimento de fortes credenciais de pesquisa deve receber maior ênfase.6,7

Quase 320 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe não têm cobertura de saúde.2 Os países podem conservar seus programas de saúde, basicamente não regulados e resultando em inequidades, ou se decidirem a aplicar regulamentações mais estritas. Cobertura universal em saúde, distribuição mais homogênea de especialistas e serviços, maior formação e capacitação

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Comentário

8 www.thelancet.com/oncology Vol 14 Abril 2013

dos professionais de saúde, campanhas públicas para orientar a população quanto a hábitos salutares de vida, e investimento em cuidados paliativos (com ênfase na formação, capacitação e disponibilidade de opióides8) são necessários para melhorar os cuidados oncológicos

A INCTR coordena vários programas na América Latina. Estamos particularmente envolvidos em oncologia pediátrica e cuidados paliativos (incluindo o estabelecimento de um programa de cuidados paliativos em São Paulo e a elaboração de um manual de cuidados paliativos). A campanha em prol da detecção precoce do retinoblastoma foi desenvolvida e distribuída por todo o mundo. O braço brasileiro da INCTR também fomenta o desenvolvimento dos professionais de saúde no sentido do apoio psicológico e multidisciplinar aos pacientes com câncer (em conjunto com a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica).

O braço brasileiro da INCTR tem papel fundamental na formação e capacitação no manejo e proficiência em estudos clínicos, tornando essa experiência disponível em muitos outros países. O INCTR Brasil e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) têm assinado um Acordo de Cooperação Técnica a fim de promover o desenvolvimento de relações científicas, técnicas e operacionais focadas em programas de formação e capacitação para especialistas em câncer e na condução de estudos clínicos.

A INCTR tem uma série de recomendações para o cuidado no câncer. Um dos problemas principais, na América Latina, é o acesso à atenção em saúde, que resulta em grande parte da assistência fragmentária e dos sistemas de cobertura, que amiúde excluem a população mais pobre. Os governos deveriam focar na simplificação das políticas de saúde e no desenvolvimento de programas nacionais relacionados com o financiamento econômico, tendo a cobertura nacional como meta (e como já é o caso em alguns países) de modo a uniformizar o padrão de atenção clínica tanto quanto for possível.

A colaboração com organizações não governamentais (ONGs), talvez mediada pelos institutos nacionais do câncer, deve ser incrementada, porque as ONGs amplificam os recursos disponíveis e são muito efetivas no auxílio à formação e capacitação (tanto dos clínicos quanto do público em geral). As ONGs também podem ajudar na exploração da logística da prevenção do câncer, o que constitui um problema particular nos

países latino-americanos. Outra função importante das ONGs e da academia é o desenvolvimento de uma melhor compreensão acerca do oferecimento efetivo de atenção—por exemplo, identificando e resolvendo as causas do atraso no diagnóstico, com influência crucial nos resultados do tratamento, e realizando estudos clínicos para definir os melhores tratamentos.

Se os estudos clínicos ficassem exclusivamente nas mãos das companhias farmacêuticas, cujo foco principal é o lucro financeiro, muitas questões fundamentais jamais seriam colocadas, embora as vias para o desenvolvimento de novos medicamentos sejam cada vez mais necessárias—especialmente no caso das companhias latino-americanas. É necessária uma abordagem equilibrada, que poderia ser fornecida pelos grupos cooperativos de hospitais (nacionais ou internacional) que realizam pesquisa clínica se recebessem maior apoio dos governos ou das asseguradoras independentes. Via de regra, as asseguradoras não dão apoio aos pacientes que participam em estudos clínicos na América Latina e isso precisa mudar: a pesquisa clínica deve ser fusionada com a atenção clínica e ambas baseadas em maior pesquisa básica. Agindo de modo similar, muito poderia ser também feito para se melhorar o acesso aos cuidados paliativos e, mais uma vez, tal acesso poderia aumentar mais rapidamente se fosse fortemente promovido por ONGs. Finalmente, deve dar-se muita maior ênfase aos registros oncológicos, pois só com base numa compreensão razoavelmente acurada da extensão e do padrão da carga do câncer é que planos racionais para o controle do mesmo podem ser desenvolvidos e seus efeitos avaliados no nível populacional.

Sidnei Epelman*, Ian MagrathHospital Santa Marcelina e Rede Internacional para Pesquisa no Tratamento do Câncer - Brasil, São Paulo, Brasil 01407-100 (SE); e Rede Internacional para Pesquisa no Tratamento do Câncer, Bruxelas, Bélgica (IM) [email protected]

Não temos conflito de interesses.

1 Ferlay J, Shin HR, Forman D, Mathers C, Parkin DM. GLOBOCAN 2008 v2.0—cancer incidence and mortality worldwide: IATC CancerBase No 10. Lyon: International Agency for Research on Cancer, 2010.

2 Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, et al. Planning cancer control in Latin America and Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14: 391–436.

3 Economic Intelligence Unit. Breakway:the global burden of cancer—challenges and opportunities, 2009. http://www.livestrong.org/pdfs/GlobalEconomicImpact (acessado Feb 21, 2013).

4 Normile D. The promise and pitfalls of clinical trials overseas. Science 2008; 322: 214–16.

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Comentário

www.thelancet.com/oncology Vol 14 Abril 2013 9

5 Magrath I, Steliarova-Foucher E, Epelman S, et al. Paediatric cancer in low-income and middle-income countries. Lancet Oncol 2013; published online Feb 20. http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(13)70008-1.

6 Chatenoud L, Bertuccio P, Bosetti, et al. Childhood cancer mortality in America, Asia, and Oceania, 1970 through 2007. Cancer 2010; 116: 5063–74.

7 Schnipper LE, Smith TJ, Raghavan D, et al. American Society of Clinical Oncology identifies five key opportunities to improve care and reduce costs: the top five list of oncology. J Clin Oncol 2012; 30: 1715–24.

8 Epelman C. End-of-life management in pediatric cancer. Curr Oncol Rep 2012; 14: 191–96.

Damos as boas vindas à publicação da Comissão de The Lancet Oncology1 sobre o controle do câncer na América Latina e o Caribe. Gostaríamos de acrescentar alguns comentários formulados pelo escritório brasileiro da Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). A estratégia de cooperação técnica da OPAS com o Governo brasileiro para a implementação da Politica Nacional de Atenção Oncológica visa reforçar e melhorar o serviço nacional de saúde, a política governamental e a cooperação internacional sul-sul com foco na promoção da saúde, prevenção e vigilância do câncer. Embora com ênfase particular no câncer de mama e do colo uterino, as prioridades mútuas também incluem tecnologia e pesquisa, vigilância e cuidado oncológico, saúde ambiental e toxicologia, controle do tabaco, nutrição, educação e gestão do conhecimento.

A mortalidade por câncer de mama continua sendo alta no Brasil, porque a maioria dos casos é diagnosticada em estágios avançados. Consequentemente, o controle do câncer de mama foi reafirmado como prioridade no plano de 2011 para reforçar a rede de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer.

A triagem da população para câncer do colo uterino representa um desafio-chave e demanda um plano estruturado, com ações qualificadas e um sistema de referência e de contra-referência. A discussão do uso da vacina contra o vírus do papiloma humano deve representar uma prioridade no calendário nacional de imunização. O Governo brasileiro e o Instituto Nacional do Câncer têm planejado uma campanha abrangente para diminuir os preconceitos associados com o câncer e assim estimular os pacientes a procurarem tratamento de modo precoce. Parcerias com organizações não governamentais e a mídia, assim como o treinamento-em-serviço dos profissionais de saúde podem contribuir à formação de uma rede efetiva de cuidado e prevenção, assim como a enfatizar a importância de condutas salutares no desenvolvimento do câncer do colo uterino.

A implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da OMS tem contribuído a reduzir a prevalência do fumo dos indivíduos com 15 ou mais anos de idade de 32%, em 1989, a 15% em 2011.2 A proibição da publicidade e marketing dos produtos do tabaco na mídia, incluindo a proibição do patrocínio de eventos culturais e esportivos; a inclusão de advertências à saúde com imagens chocantes nas embalagens; o aumento do imposto ao tabaco; e a proibição do uso de aditivos aromatizantes têm contribuído a essa redução. Os desafios futuros relativos ao tabaco incluem a geração de ambientes livres de fumo (por enquanto limitados a alguns estados e municípios), a proibição da publicidade e marketing de produtos do tabaco nos pontos de venda e a expansão da procura por alternativas econômicas viáveis para substituir a cultura do tabaco (o Brasil é o segundo maior produtor e o maior exportador mundial de folhas de tabaco).

No Brasil e em toda América Latina, a OPAS se esforça para melhorar os sistemas nacionais de informação e promover melhoras nos programas nacionais para o câncer a fim de efetuar a melhor abordagem da carga do câncer. Além disso, a OPAS vem focando na desestigmatização do câncer – pois o preconceito representa um dos obstáculos principais à detecção precoce e ao tratamento. Através de campanhas na mídia e nas redes sociais, almejamos ampliar os conhecimentos sobre o câncer do público em geral e assim reduzir a morbimortalidade dessa doença.

Leila Adesse*, Glauco Jose S OliveiraOrganização Pan Americana da Saúde, Rio de Janeiro, Brasil [email protected]

Não temos conflito de interesses.

1 Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14: 391–436.

2 Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2011: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministry of Health, 2012.

OPAS: prioridades e desafios no cuidado oncológico

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