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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM COR: VERDE I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi- tir que ela continue ceifando vidas inocentes. 2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje- to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan- gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso- as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça? II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero- Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra. 4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa- vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom- pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi- dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas. 5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres- sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal- vado, os seus planos" (v. 7a). 6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara- ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca- minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa- mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9). 7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to- dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali- dade, não encontraremos o Deus verdadeiro. Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos 8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20). 9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange- lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca- do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam- bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo- la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo- mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino. 10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ- ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon- tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam- bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe- remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar. 11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba- lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex- ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor- dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo- eda de prata diária, poderia levar vida digna. 12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo- eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará- bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida- de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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Comentário bíblico: 25° Domingo do Tempo Comum - Ano A - TEMA: "O QUE É A JUSTIÇA DO REINO?" - LEITURAS BÍBLICAS (PERÍCOPES): http://pt.slideshare.net/josejlima3/25-domingo-do-tempo-comum-ano-a-2014 - TEMAS E COMENTÁRIOS: AUTORIA: Pe. José; Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C Festas e Solenidades, Editora Paulus, 3ª edição, 2007 - OUTROS: http://www.dehonianos.org/portal/liturgia_dominical_ver.asp?liturgiaid=428 SOBRE LECIONÁRIOS: - LUTERANOS: http://www.luteranos.com.br/conteudo/o-lecionario-ecumenico - LECIONÁRIO PARA CRIANÇAS (Inglês/Espanhol): http://sermons4kids.com - LECIONÁRIO COMUM REVISADO (Inglês): http://www.lectionary.org/ http://www.commontexts.org/history/members.html ; http://lectionary.library.vanderbilt.edu/ - ESPANHOL: http://www.isedet.edu.ar/publicaciones/eeh.htm (Less)

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Page 1: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

Page 2: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

Page 4: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

Page 5: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

Page 9: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

Page 13: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

Page 14: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

Page 18: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

Page 21: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

Page 22: Comentário: 25 domingo do tempo comum - Ano A

sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?

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O QUE É A JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nossas comunidades se reúnem para celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (2ª leitura Fl 1,20c-24.27a). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permi-tir que ela continue ceifando vidas inocentes.

2. Na celebração aprendemos a buscar o Senhor e seu proje-to de vida (1ª leitura Is 55,6-9), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade classista e discriminadora (evan-gelho Mt 20,1-16a). Aprendemos, portanto, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças de nossas cidades, estão milhares de pesso-as que nos interpelam: É essa a justiça que vocês aprenderam de Deus? É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do ensinamento de Jesus, o Mestre da Justiça?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 55,6-9): Converter-se ao projeto de Deus 3. Temos diante dos olhos um trecho do final do Dêutero-Isaías (Is 40-55), profeta anônimo que acompanhou seu povo durante o exílio na Babilônia com a missão de sustentar-lhe a esperança de retorno à liberdade e à vida na própria terra.

4. O profeta prevê que, dentro em breve, Deus fará justiça a seu povo, libertando-o da escravidão. Muitos exilados pensa-vam que havia chegado o momento no qual Deus se vingaria dos babilônios, na linha da mentalidade que estipula a recom-pensa para os bons e o castigo para os maus. Acontece que o fim do exílio não será resultado da conversão do povo de Deus, e sim parte do projeto misericordioso de Javé que irá provocar a conversão do povo. De fato, os versículos escolhi-dos para este domingo são marcados pela tônica da conversão como única resposta possível ao projeto de Deus que supera nossas expectativas.

5. De acordo com o texto, o processo de conversão possui dois momentos. O primeiro é positivo e se traduz nas expres-sões "buscar o Senhor", "invocar o Senhor", "voltar para o Senhor", "voltar para o nosso Deus" enquanto é tempo (vv. 6.7b). O segundo se caracteriza pelo abandono dos projetos injustos: "O injusto deve abandonar o seu caminho, e o mal-vado, os seus planos" (v. 7a).

6. Os vv. 8-9 dão as razões pelas quais os que cometem injustiças terão que abandonar seus projetos e buscar o projeto de Deus: o projeto de Deus (isto é, seus pensamentos) e os modos como concretiza esse projeto (caminhos) não podem ser captados pelas pessoas nem medidos segundo medidas humanas. E para mostrar a distância que existe entre o projeto de Deus e nossos projetos, o profeta emprega uma compara-ção: "Quanto o céu é mais alto que a terra, tanto os meus ca-minhos estão acima dos caminhos de vocês e os meus pensa-mentos, acima dos pensamentos de vocês" (v. 9).

7. Israel caiu na tentação de enquadrar Deus e seu projeto dentro de esquemas humanos. Em outras palavras, o povo de Deus queria, sim, liberdade e vida, mas só para si. O que Deus vai mostrar, por meio do profeta e sobretudo através da prática de Jesus, é que o projeto de Deus é liberdade e vida para to-dos. Enquanto não nos convertermos totalmente a essa reali-dade, não encontraremos o Deus verdadeiro.

Evangelho (Mt 20,1-16a): Fazer justiça aos últimos

8. As primeiras palavras de Jesus em Mateus são uma chave de leitura para todo o evangelho, inclusive para a parábola que o texto nos apresenta hoje: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). Por isso podemos afirmar que, para Mateus, Jesus é o Mestre da Justiça. Mas não é só ele o responsável pela justiça do Reino que cria nova sociedade; também seus seguidores são convocados à novidade do Reino mediante a prática da justiça que ele ensinou: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu" (5,20).

9. Com essa chave de leitura é que nos aproximaremos da parábola proposta para hoje. Ela não existe nos outros evange-lhos, é exclusiva de Mateus, sinal de que ocupa lugar destaca-do dentro de todo esse evangelho. Em primeiro lugar — é bom que se diga — por causa da conclusão que apresenta ("Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos", v. 16a), essa parábola foi deturpada em seu sentido e serviu para justificar privilégios por parte de alguns em detrimento de outros. Parece que Mateus não tinha essa preocupação. Tam-bém não devemos cair na ingenuidade de pensar que a parábo-la fale do final dos tempos. Ao contrário, ela se refere ao mo-mento presente onde, apesar das ambigüidades, procuramos construir sociedade e história baseadas na justiça do Reino.

10. A parábola compara o Reino do Céu ao patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1). À primeira vista, tudo bem. Porém, se examinarmos com atenção o ambiente social da parábola, encontramos uma situ-ação lastimável: a praça da cidade, lugar onde todos se encon-tram, está cheia de pessoas desempregadas. Nós, que estamos tão acostumados a essa realidade, não medimos muitas vezes o alcance dessa situação. A parábola não nos diz por que se chegou a tal situação de desemprego. Contudo, a Bíblia nos afirma que o ideal de todo israelita era ter seu pedaço de terra, plantar suas parreiras, usufruir dos frutos do seu trabalho. Por que, então, há tantas pessoas desenraizadas da terra? Por que estão perambulando pela praça da cidade? Como chegaram a esse estado de coisas? Como sobrevivem essas pessoas? Se dermos atenção a essas inquietações, levando em conta tam-bém a situação social da Palestina no tempo de Jesus, percebe-remos o chão da parábola e a pista que a justiça do Reino pretende indicar.

11. A parábola nos diz que o patrão combinou, com os traba-lhadores contratados de manhã cedo, uma moeda de prata por dia (v. 2). Para o povo da Bíblia, o salário devia ser pago no fim do dia (cf. Lv 19,13; Dt 24,15). Esse versículo nos mostra que o salário não é imposto pelo patrão. É fruto de acordo entre ele e o empregado (combinou), de forma a evitar a ex-ploração do primeiro sobre o segundo. O empregado concor-dou com o salário estipulado, e isso supõe que, com uma mo-eda de prata diária, poderia levar vida digna.

12. O patrão passa de novo pela praça em torno das nove horas. Encontra mais gente desempregada (v. 3). Contrata-os para trabalhar na vinha, não mais prometendo pagar uma mo-eda de prata, e sim o que for justo (v. 4). A essa altura, a pará-bola começa a provocar suspense: o que o patrão entende por justiça? O v. 5 nos mostra que o patrão faz a mesma coisa ao meio-dia e às três horas da tarde, e também em torno das cinco horas (v. 6), quando o dia está para terminar. A praça da cida-de ainda está cheia de gente desempregada: "Ninguém nos contratou" (v. 7), ou seja, não houve quem se interessasse pela situação dessa gente. Quantas pessoas, e quantas vezes essas pessoas chegaram ao fim do dia sem ter sua moeda de prata,

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sem ter como defender a própria vida e a de seus dependentes? O patrão os manda para sua vinha, sem lhes dizer o que irão receber por uma hora apenas de trabalho. Isso aumenta, no ouvinte, o suspense em relação ao final da parábola.

13. O fim do dia chegou, e chega também a novidade que mostra o que é a justiça do Reino: "O patrão disse ao adminis-trador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos! Comece pelos últimos e termine pelos primeiros’ " (v. 8). A inversão na ordem de pagar os empregados cria o suspense maior, provocando assim o diálogo entre o patrão e o empre-gado da primeira hora que reclama pelo fato de os últimos terem sido igualados aos primeiros.

14. A decisão do patrão é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz assim: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta as necessidades de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido seu pedaço de terra. A justiça do Reino, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar de beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o patrão: dá a cada um segundo a justiça do Rei-no.

15. Os que foram contratados de manhã cedo murmuram (v. 11). Sua queixa revela com exatidão quais são os critérios de Deus: "Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualas-te a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro" (v. 12). Um grande estudioso de Mateus afirma que a reclamação dos operários da primeira hora "é o protesto instintivo do homem privilegiado contra a graça outorgada aos que nada possuem" (P. Bonnard). Ele continua afirmando: "o que o operário reclama não é tanto um salário maior; ele resmunga por causa da igualdade de tratamento do patrão". Nesse senti-do, operários da primeira hora somos todos nós que admitimos e defendemos a desigualdade brutal que existe entre o salário de um trabalhador braçal e de um executivo, de uma professo-ra de primeiro grau e de um político etc. O projeto de Deus, diferente do nosso até que não nos convertermos aos "pensa-mentos e caminhos de Deus" (cf. 1ª leitura, Is 55,6-9), prevê igualdade para que todos possam usufruir da vida: "Tome o que é seu e volte para casa! Eu quero dar a este que foi contra-tado por último o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu estou sendo generoso?" (vv. 14-15). O trabalho não existe para criar desigualdade. Para que existe, então?

16. O ciúme desse operário da primeira hora é, no evangelho de Mateus, uma pequena amostra de todos os conflitos que Jesus enfrentou por causa de sua opção em fazer justiça aos últimos. Resultado final desse "ciúme" é sua condenação à morte. Soa, portanto, aos nossos ouvidos, mais uma vez, o programa de Jesus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15) e o programa dos seus seguidores: "Se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entra-rão no Reino do Céu" (5,20).

2ª leitura (Fl 1,20c-24.27a): Que sentido tem a vida? 17. Durante quatro domingos leremos a carta aos Filipenses. Paulo estava na cadeia, talvez em Éfeso. Os primeiros cristãos consideravam as prisões e tribulações provas autênticas de que estavam no caminho certo. O Evangelho provoca conflitos, e os que acreditam nele arcam com as conseqüências, não fu-gindo da luta. Isso fica claro desde o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira carta aos Tessalonicenses. A resistência aos conflitos provoca adesão de mais pessoas ao projeto de Deus. As comunidades de Filipos e Tessalônica puderam perceber essa realidade na pele de Paulo e Silas, que traziam em si as marcas da tortura sofridas na cidade de Fili-pos.

18. Levados por euforia desmedida, os filipenses começam a atribuir valor ímpar ao martírio, pois esperam que Paulo, seu fundador e líder, dê provas definitivas de sua fé, enfrentando a morte.

19. Paulo está disposto a morrer (Fl 1,21). Sua dúvida está no fato de poder optar entre a vida e a morte. Enfrentando o mar-tírio, satisfaria de uma vez por todas seu desejo de estar com Deus: "Para mim, morrer representa um lucro" (vv. 21b.23). Todavia, o anúncio do Evangelho exige sua presença: "Mas, se eu ainda continuar vivendo, poderei fazer algum trabalho útil. Por isso é que não sei bem o que escolher. Fico na indeci-são: meu desejo é partir dessa vida e estar com Cristo… No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver" (vv. 22-24). Por isso é que, provavelmente, decide recorrer a um trunfo que tem em mãos: ao se declarar cidadão romano (supõe-se que ninguém soubesse que o fosse), certa-mente seria posto em liberdade, pois o direito romano tinha como princípio não condenar à morte um cidadão sem antes fazê-lo passar por minucioso processo. Nenhuma acusação grave pesa sobre ele, de sorte que já prevê sua liberdade: "No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver. Convencido disso, sei que vou ficar com todos vocês, para ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé. Assim, quando eu voltar para junto de vocês, o orgulho de vocês em Jesus Cristo irá aumentar por causa de mim" (vv. 24-26).

20. Paulo correu o risco de contrariar as expectativas dos filipenses. Preferiu fazer uso de seu título de cidadão romano e assim obter a liberdade, a fim de continuar evangelizando. E com isso nos ajudou a redimensionar a questão do martírio. Apesar de o martírio ser a prova mais elevada do amor pelo Reino, os cristãos devem lutar para que seja evitado, pois onde há mártires, é sinal de que a justiça ainda não aconteceu. E as comunidades devem aprender que é melhor ter seus líderes vivos e atuantes na transformação da sociedade injusta do que tendo-os como mártires.

21. O texto de hoje conclui afirmando que uma só coisa im-porta: viver de acordo com o Evangelho (v. 27a). A vida só tem sentido quando confrontada com o Evangelho, que é a própria pessoa de Jesus, morto e ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 22. Converter-se ao projeto de Deus. Esse é o apelo do Dêutero-Isaías. Sem conversão a ele as comunidades estarão aumentando sempre mais a diferença entre o céu e a terra e, conseqüentemente, fazendo média com a sociedade injusta em que vivemos.

23. Fazer justiça aos últimos. Enquanto pautarmos nossa vida pelos critérios dos operários da primeira hora jamais al-cançaremos a justiça do Reino. Quais são os últimos da nossa sociedade? Como fazer-lhes justiça? A título de sugestão: Mostrar quanto ganham os políticos e o que sobra para os operários, empregadas domésticas, professores do ensino bási-co etc. Onde está a justiça do Reino? Por que há tanto desemprego em nosso país? O neoliberalismo é o melhor caminho para se chegar à justiça do Reino? O ensinamento do Mestre da Justiça nos ajuda a elaborar critérios na escolha de nos-sos candidatos (política)?

24. Que sentido tem a vida?, pergunta-nos o texto da carta aos Filipenses. Nossa comunidade tem apoiado e defen-dido seus líderes? Por que, a cada dia, há comunidades que perdem violentamente suas lideranças?