colonização no oeste do paraná e reimigrantes poloneses ... · com a migração de colonos...
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Samanta Bertollo
Colonização no oeste do Paraná e reimigrantes poloneses: o caso
da Colônia Jagoda. (Quedas do Iguaçu, 1930-2007).
Monografia apresentada ao curso de Graduação em História da Universidade Federal do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel e licenciado em História, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Cesar de Almeida Santos.
Curitiba
2007
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Samanta Bertollo
Colonização no oeste do Paraná e reimigrantes poloneses: o caso
da Colônia Jagoda. (Quedas do Iguaçu, 1930-2007).
Monografia apresentada ao curso de Graduação em História da Universidade Federal do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel e licenciado em História, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Cesar de Almeida Santos.
Curitiba
2007
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SUMÁRIO
Introdução-------------------------------------------------------------------------------- 04
1. Processo de colonização do oeste e sudoeste do Paraná--------------- 11
1.1 Povoamento do oeste do Paraná---------------------------------------------- 15
2. A colônia Jagoda-------------------------------------------------------------------- 22
2.1 Anos iniciais------------------------------------------------------------------------- 22
2.2 A vida na colônia: trabalho e lazer--------------------------------------------- 29
3. Considerações finais---------------------------------------------------------------- 39
Anexo--------------------------------------------------------------------------------------- 42
Referências bibliográficas------------------------------------------------------------- 43
4
INTRODUÇÃO
A ocupação de terras do extremo oeste e regiões de fronteira foi
marcadamente uma das maiores preocupações dos colonizadores portugueses
e, posteriormente, do governo brasileiro. A necessidade no período colonial, de
estender o território e marcar presença perante os espanhóis fez com que
bandeirantes, entre os séculos XVI e XVII, se aventurassem pelos sertões
brasileiros. Porém, aventureiros não são colonizadores e muito menos
povoadores. Sobre esta questão da ocupação do território, Caio Prado Júnior
faz uma análise do sentido da colonização empreendida nos trópicos pelos
europeus, ressaltando a idéia de que a colonização não se deu por acaso, mas
sim por conseqüência dos interesses econômicos de Portugal. O crescente
comércio pelo mar fez do descobrimento das terras um novo meio de produção
para o comércio português. O único interesse era o comércio e, no Brasil, era
preciso “criar um povoamento capaz de abastecer as feitorias que se
fundassem e organizar a produção de gêneros que interessam ao seu
comércio”. 1
Caio Prado Júnior define, então, a ocupação como uma atividade
econômica, cuja base era a formação de grandes lavouras de monocultura com
a finalidade de exportação. Nesse sentido Caio Prado Júnior aponta o início da
colonização realizada pelo colono explorador, que vem para comandar a
grande propriedade servida pelo trabalhador escravo, mas que não vem para
povoar. Assim o sistema empregado era o de grandes lavouras, e as lavouras
de subsistência serviam apenas para a manutenção das grandes, que eram o
objetivo da colonização.
Embora nosso propósito não seja o de estudar o processo de
colonização do Brasil, a situação descrita por Caio Prado Júnior ilustra um
modelo de ocupação de terras que se tornou dominante no setor agrário
brasileiro, a grande propriedade. Com a abolição da escravidão africana e as
políticas de incentivo à vinda de imigrantes europeus na segunda metade do
século XIX, algumas regiões desenvolveram outras formas de ocupação de
terras. Notadamente, no Paraná provincial foi marcante a experiência de
1 PRADO, Caio Jr. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Ed. Brasiliense: 1973.
5
colônias de imigrantes alemães, italianos e eslavos ao redor da cidade de
Curitiba. Nessas colônias imperava o regime de pequenas propriedades de
exploração familiar, com vistas ao auto-sustento e venda de excedentes nos
mercados regionais. Como exemplo, temos o trabalho de Wilma de Lara Bueno
que explorou a questão das mulheres polonesas imigrantes que ocuparam,
com seus trabalhos de vendedoras de produtos derivados da produção da
pequena propriedade, as ruas da cidade de Curitiba nas últimas décadas do
século XIX;2 e o trabalho de Roberto Edegar Lamb que expõem os conflitos
étnicos, gerados pela crescente imigração na época provincial, na Colônia
Assungui.3
Esse modelo também foi implantado nos outros estados do sul do Brasil,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ainda hoje, esse tipo de colonização
marca as regiões agrícolas do Brasil meridional.
O que nos interessa é a colonização de um território no oeste do
Paraná que até o início do século XX, era praticamente desocupado,
excetuando as populações nativas. O objeto de pesquisa é estudar o processo
de povoamento das terras situadas entre os rios Iguaçu, Campo Novo e
Guarani. Essas terras foram adquiridas pela Colonizadora Mercantil
Paranaense S/A, em 1930, e povoadas a partir de 1936, por migrantes de
origem polonesa e seus filhos que residiam no estado do Rio Grande do Sul.
Esse processo manifesta-se com de instalação da Colônia Jagoda, em terras
do atual município de Quedas do Iguaçu.
Com a “Marcha para o Oeste”4 foi empreendida a nacionalização
das fronteiras e ocupação destas terras. No caso paranaense, esta ocupação
ocorreu a partir da década de 1930, sob o governo do interventor Manoel
Ribas. O meio utilizado para povoar estas regiões foi a migração colonos de
origem européia já residentes em terras gaúchas. A ocupação das terras se
realiza através de investimentos de empresas colonizadoras, que compram
2 BUENO, Wilma de Lara. Curitiba, uma cidade bem-amanhecida; vivência e trabalho das mulheres polonesas. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004. 3 LAMB, Roberto Edgar. Uma jornada civilizadora: imigração, conflito social e segurança pública na província do Paraná – 1867 a 1882. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. 4 Termo citado em WACHOWICZ, Ruy. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. p. 113. E também, citado por Cassiano Ricardo em “Marcha para o oeste”. RJ, editora da USP: 1970. Vol. 02.
6
grandes glebas territoriais do governo e revendem em pequenas propriedades.
Um sistema que visa apenas lucros e diversifica a economia e a sociedade.
Para Sérgio Odilon Nadalin o ato de migrar está associado ao nosso
cotidiano.5 As migrações6 são fenômenos sociais, históricos, políticos e
econômicos, mas profundamente enraizados na “procura de riqueza obtida
pelo trabalho.7 Nos anos 1930, as migrações foram facilitadas com o
crescimento dos meios de comunicação e pelo preço baixo dos lotes mais
afastados e devolutos. Dessa forma, o processo de migração e ocupação do
território paranaense foi também empregado durante o governo de Manoel
Ribas, que concedeu grandes hectares de terras devolutas às empresas
colonizadoras. Estas faziam a propaganda no Rio Grande do Sul e atraíam
imigrantes europeus e seus filhos pelo baixo preço das terras e pela
possibilidade de continuidade da cultura familiar de subsistência.
Daí porque se explica que a finalidade econômica dessas colônias era, ainda na década de 1950, praticamente o autoconsumo, que definia o tipo de produção colonial. Produção fundada na manutenção de uma cultura, hábitos e costumes trazidos e cristalizados pelo isolamento não só originado da falta de comunicações, mas também pela infestação de grileiros e aventureiros de toda a espécie que dificultava o desenvolvimento de um processo de transformações culturais e econômicas nesta população.8
Hermógenes Lazier, em sua obra Paraná: terra de todas as gentes e de
muita história,9 faz uma análise da ocupação e povoamento do território
paranaense. Sobre a Colônia Jagoda e seus migrantes poloneses, aponta para
uma versão, considerada por ele, romantizada. Para Lazier, a propaganda
colonizadora feita para os poloneses povoarem o sul do país e, posteriormente,
o Paraná foi totalmente idealizadora no sentido não apenas pela busca de
terras, mas também pela busca de um paraíso terrestre, considerando, assim,
a enorme religiosidade do povo polonês como meio de atração. Também
aponta para a importância da colonização realizada a partir da década de 1930,
com a migração de colonos oriundos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
5 NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações. Curitiba: SEED, 2001. p. 9-10. 6 Entendem-se migrações quanto a movimentos internos de população. Internos no caso dentro de um território de um país. 7 NADALIN. Op cit., p. 10. 8 NADALIN, Op cit, p. 85. 9 LAZIER, Hermógenes. Paraná: terra de todas as gentes e de muita história. Francisco Beltrão, Editora Grafit: 2003.
7
São Paulo, e que nesta época são ocupados ¾ do território paranaense. Com
isso, aponta para o crescimento populacional a partir de então:
Em 1930 o Paraná era o 13º Estado Brasileiro em população, com 685.711 habitantes. Em 1950, já estávamos em 9º lugar, com 2.115.547 habitantes. O grande crescimento, porém, se deu entre 1950 e 1960. Nesses 10 anos a população paranaense cresceu 102,21%, foi de 2.115.547 para 4.277.763 habitantes, passando a ser o 5º Estado brasileiro em número de habitantes e a quantidade de cidades foi de 80 para 162. No ano de 2003 o Paraná possuía quase 10 milhões de habitantes em 399 municípios.10
Considerando esse contexto procuramos discutir como se deu a
chegada de reimigrantes poloneses à colônia Jagoda, informando a
socialização entre as famílias e como foi organizado o espaço social e cultura
da colônia.
Nosso objetivo foi o de Identificar e discutir os motivos que levaram as
famílias de imigrantes poloneses a reimigrarem para a Colônia Jagoda,
identificando o sentido da propaganda realizada pela companhia colonizadora,
discutindo como foi organizado o espaço social e cultural da colônia e
recompondo os meios utilizados para a comunicação entre as famílias de
colonos.
A fonte principal utilizada neste trabalho foram depoimentos orais
realizados. Para Paul Thompson o uso de evidências orais é de extrema
importância, pois possibilita novas versões da história, ao dar voz a múltiplos e
diferentes narradores.11 Com essa idéia, Paul Thompson afirma a história oral
como uma história mais democrática e social, como também uma história da
compreensão do passado que se relaciona com o presente gerando uma
mudança de enfoque histórico e propiciando a abertura de novas áreas de
investigação.
Com o novo impulso da história cultural, datada por Marieta de Moraes
Ferreira na virada dos anos 1970 e a década de 1980, deslocam-se os
interesses para o estudo das experiências individuais, situações vividas e
singularidades12. Há também novas discussões sobre a relação entre passado
e futuro e uma revalorização do papel do sujeito na história.
10 Ibid., p. 101. 11 THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 12 FERREIRA, Marieta M. (coord.) História oral: um inventário das diferenças. In : ENTRE_VISTAS: abordagens e usos da história oral. RJ: Ed. Da FVG, 1994. p. 6.
8
Ao se fazer uma história das relações sociais entre migrantes em uma
colônia utilizando testemunhos, estivemos atentos ao significado social da fonte
oral. O documento oral é uma reelaboração do vivido, que interage com os
acontecimentos da sociedade e da própria ação individual.13 A memória, dessa
forma, constitui-se como um monumento e como um documento histórico
criado. Assim, observamos o que este documento histórico pode oferecer para
a compreensão do passado e como este passado se tornou presente. “Afinal, é
com olhos do presente que vemos o passado, são as indagações do hoje que
rastreiam o ontem em busca de respostas”.14
Nesse passo, a fonte oral foi considerada como um meio de resgate da
vida cotidiana a partir da memória, que de acordo com Maurice Halbwachs,
pode sofrer alterações conforme as experiências vividas, individualmente ou
coletivamente.15 Segundo Antonio Torres Montenegro, a memória também
pode ser um elemento de resgate da realidade na construção da narrativa
histórica feita pelo historiador.16
Os depoimentos recolhidos foram, então, considerados como material
que permite conhecer processos sociais, sob a ótica dos seus agentes. Nesse
passo, Antonio Cesar de Almeida Santos entende que os depoimentos não são
fatos, mas uma fonte para escrever a história. Dessa forma, a rememoração
está ligada à situação do presente – seria esta a função social do depoente. A
lembrança não está isolada no passado, pelo contrário, ela se relaciona com
outras experiências de vários tempos e do presente, e são formadas no interior
de grupos sociais.17
Seguindo a renovação no campo da história de que para Marieta de
Morais Ferreira, a história das representações surge como significativa para
esta fase. Esta linha historiográfica parte do imaginário social do passado pelo
presente através da relação entre memória e história. Considera-se, então,
como um estudo dos usos do passado, ao mesmo tempo em que considera a
13 VIDAL, Diana Gonçalves. De Heródoto ao Gravador: histórias da história oral. Resgate, n. 1, 1990. 14 Ibid., p. 82. 15 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. 16 MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto, 1992. 17 SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Memórias e cidade: depoimentos e transformação urbana de Curitiba. (1930-1990). Curitiba: Aos Quatros Ventos, 1997.
9
memória como uma construção. Portanto, os eventos lembrados a partir das
entrevistas são empreendidos à luz de experiências do presente e da interação
entre fato e suas representações.18 Como exemplo, temos o trabalho de
Myriam Lins de Barros, que a partir de depoimentos orais mostra as
representações sobre a família brasileira perante o olhar dos avós. Com as
histórias de vida e sua auto-revisão a partir do presente, Myriam Lins de Barros
apresenta a permanência e as mudanças nas famílias, bem como as
atribuições e organizações familiares e a relação com os netos.19
A partir dessas considerações entendemos que as condições de vida
são fundamentais para se entender e estudar os processos de adaptação em
um novo lugar, o que nos levou a buscar junto a moradores da colônia Jagoda
seus testemunhos sobre a vida cotidiana daquela comunidade. Entrevistamos
cinco pessoas (quatro homens e uma mulher): Senhor Eugênio Jaremczuk que
nasceu no dia nove de abril de 1928 em Brody na Polônia e sua imigração para
o Brasil ocorreu em abril de 1939. Casado e possui cinco filhos. Sua profissão
variou entre a agricultura e diversas outras atividades. Atualmente é
aposentado; Senhor Mariano Czeyka nasceu no dia três de janeiro de 1924 em
Guarani das Missões no Rio Grande do Sul e migrou para Jagoda em maio de
1941. Viúvo e possui oito filhos, sendo que dois são falecidos. Como profissão
atuou na agricultura e exerceu o cargo de vereador no município de Quedas do
Iguaçu. Atualmente é aposentado; Senhora Verônica Benk Rosentalski nasceu
no dia vinte e cinco de agosto de 1934 em Lajeado Valeriano no Rio Grande do
Sul e migrou para Jagoda no ano de 1938. A senhora é viúva e possui dois
filhos, um deles já falecido. Na profissão atuou como agricultora e atualmente é
doméstica; Senhor João Merlak nasceu no dia vinte e cinco de abril de 1937
em Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul e sua migração para Jagoda no ano
de 1939. Seu estado civil atual é solteiro e possui quatro filhos. Sua situação
profissional variou desde a agricultura a trabalhos como caminhoneiro.
Atualmente é agricultor; Senhor Júlio Orlowski nasceu no dia vinte e sete de
dezembro de 1925 em José Bonifácio no Rio Grande do Sul e migrou para
18 Apud., in ALBERTI, Verena. Obras Coletivas de história oral. Tempo – Revista do Depto. de História da UFF, Rio de Janeiro, v.2, nº3, p. 206-219. 1997. p. 13. 19 BARROS, Myriam Lins de. Autoridade e afeto. Avós, filhos e netos na família brasileira. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda: 1987.
10
Jagoda no ano de 1941. Casado e possui cinco filhos, sendo que uma é
falecida. Exerceu profissão de agricultor, mas atualmente está aposentado.
Em relação às entrevistas, foram realizados primeiramente questionários
escritos para a obtenção de informações básicas acerca da vida de cada
depoente. As entrevistas gravadas tiveram duração de cerca de 30 minutos,
sendo que duas delas duraram mais de uma hora. As entrevistas20 seguiram
um roteiro, mas novas questões foram sendo abordadas conforme o
desenvolvimento do diálogo entre pesquisador e testemunha.21
No primeiro capítulo serão trabalhadas questões referentes à
colonização e ocupação das terras do Paraná, sendo estudadas em seguida, a
colonização no oeste do estado, abordando os motivos e aspectos da
ocupação realizada nesse território, abordando especificamente a Colônia
Jagoda. A partir de entrevistas realizadas com moradores da Jagoda,
discutiremos os aspectos relacionados à sociabilidade e vivência dos colonos,
como também as suas relações entre o trabalho quotidiano e suas horas de
lazer.
Em anexo, seguem em CD as entrevistas que devem ser abertas
utilizando o programa Windows Media Player. As entrevistas estão
devidamente identificadas pelo nome do entrevistado, obedecendo às datas e
as interrupções, quando aconteceram.
20
As entrevistas foram anexadas no final da pesquisa. 21
Com uma das entrevistadas eu realizei duas entrevistas por achar necessário, devido ao fato de a primeira ter sido realiza abertamente, ou seja, sem o auxílio de um roteiro prévio.
11
1. PROCESSO DE COLONIZAÇÃO NO OESTE E SUDOESTE DO PARANÁ
A história da colonização do Brasil é considerada por Caio Prado Junior
como uma história do comércio europeu, no sentido de exploração econômica,
não se caracterizando então pela idéia de povoamento.22 Assim, como a
produção era destinada à exportação, as lavouras eram localizadas o mais
próximo possível das regiões litorâneas e de fácil acesso aos portos. O interior
representava uma desvantagem que apenas com o início da pecuária e da
mineração passou a ser ocupada.
Ao mesmo tempo em que a grande propriedade era considerada como
fonte econômica para a exportação, a agricultura de subsistência destinava-se
à manutenção da própria colônia, bem como da grande propriedade. Esta
situação permanecia ainda no período imperial e república, alterando-se o
produto de exportação. Contudo, “com a conquista da Independência acentua-
se a preocupação pelos vazios demográficos”.23
Desta maneira, a política imigratória passa a ser orientada no sentido de estimular a entrada de novos contingentes populacionais. Inaugura-se na América, a tradição da “porta aberta” para os imigrantes de todas as procedências e culturas. Através, sobretudo, de dispositivos legais e, em parte, de organismos e entidades criadas para a sua efetivação, esta diretriz domina praticamente um século da história da imigração nos países americanos24.
Muitos foram os motivos para que as terras da América, e do Brasil,
fossem ocupadas. Como também foram muitos os diferentes tipos de
colonização realizada, bem como os diferentes deslocamentos populacionais e
expansão territorial. Umas das idéias - apresentada por Sergio Odilon Nadalin25
- indica que com a Revolução Industrial na Europa iniciou-se um processo de
transição demográfica marcada pelo aumento da população e das formas de
vida geradas pelo capital, levando as pessoas a migrarem do campo para a
cidade ou imigrarem para a América. Portanto, as mudanças de um mundo
cada vez mais globalizado fizeram com que o Brasil recebesse entre 1850-
22 PRADO, Caio Jr. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1973. 23
BALHANA, Altiva Pilatti. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Cecília Maria. História do Paraná. Vol. 01. Curitiba: Grafipar, 1969. p. 157. 24 Ibid., p. 157. 25 NADALIN, Sergio Odilon. Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba: SEED, 2001.
12
1930, levas de imigrantes europeus com o sentido de colonização e
povoamento.
A política de colonização nasceu e desenvolveu-se, freqüentemente de forma precária, em meio a muitas crises, subordinada aos objetivos da política de imigração e de substituição do trabalho escravo. Provavelmente, por esse motivo, os núcleos coloniais nunca concorreram com a grande propriedade, nunca disputaram terreno com as fazendas e estâncias. (...) Em suma, a pequena propriedade dos projetos de colonização não decorreu de transformações econômicas e sociais que tornasse difícil a sobrevivência do latifúndio; ela surgiu, na verdade, como complemento deste, como nova condição de reprodução da grande lavoura. A pequena lavoura emergiu geográfica ou institucionalmente sitiada pela grande propriedade.26
Em relação ao estado do Paraná, até o final do século XVII, o litoral e o
primeiro planalto já estavam parcialmente povoados por luso-brasileiros devido
à busca pelo ouro encontrado em Paranaguá. Como a ilusão ao ouro durou
pouco tempo, a atividade econômica da pecuária foi fundamental para a
ocupação dos Campos de Curitiba e Campos Gerais. Dessa forma, o gado e o
couro serviram como base de comércio, além dos comércios realizados no
porto e as lavouras localizadas no litoral.
Ainda no século XIX, a região sul do Brasil se apresentava pouco
povoada e parcialmente desconhecida, pois as condições climáticas não
favoreciam o desenvolvimento das lavouras tropicais, como as que foram
implantadas no litoral nordestino, como também, apresentavam alguns trechos
geograficamente não favoráveis. Esta hipótese é defendida por Pasquale
Petrone, que também afirma que o povoamento dado na região sul se fazia
pela necessidade de posse de terra, bem como resolver problemas
demográficos da Europa.27 Para José Vicente Tavares dos Santos, a
colonização realizada no século XIX pela coroa imperial, demonstra que a
colonização em pequenas propriedades empreendida no Rio Grande do Sul, se
deu pelo fato de favorecer a economia, criando uma variada agricultura que
complementasse a economia do comércio e criação de gado, bem como uma
26 MARTINS, José de Souza. Prefácio. In: SANTOS, José Vicente Tavares. Colonos do vinho. Estudos sobre a subordinação do trabalho camponês ao capital. São Paulo: Editora HUCITEC, 1984. pp. XII-XIII. 27 PETRONE, Pasquale. Povoamento e Colonização. In: AZEVEDO, Aroldo de. (org). Brasil, a terra e o homem. (Vol. II – A vida humana). São Paulo: Cia. Editora Nacional/Editora da USP, 1970. Pp. 127-158.
13
renovação nas práticas de trabalho.28 Dessa maneira, os colonos
representavam uma parcela importante da economia, pois consumiam os
produtos industrializados dos centros urbanos e produziam os alimentos
necessários para a população da cidade.
Com o fim da escravidão e início do processo de ocupação de terras do
oeste, muitos imigrantes europeus se estabeleceram no Paraná, para construir
parte de uma nação baseada na pequena propriedade de trabalho familiar,
destinados à subsistência, bem como renovar o sistema de trabalho até então
marcado pela escravidão. Segundo Lamb, as imigrações realizadas nos finais
do século XIX, tinham por interesse trazer para o Brasil a “associação
europeus-progresso-tecnologia”.29 O trabalho realizado por Wilma Bueno,
expôs a intenção do governo em ocupar as áreas da colônia brasileira, tanto
quanto as do estado do Paraná, ainda não ocupadas, e desenvolver nesta um
trabalho agrícola que substituísse a marca da escravidão, sendo dessa forma,
marcado pelo trabalho branco livre e europeu. No Paraná,
o sistema de colonização pretendia conquistar o imigrante a fim de que este produzisse gêneros de primeira necessidade, povoasse a região como pequeno proprietário e assim garantisse o seu real crescimento.30
A ocupação do território e seu povoamento também serviam como
garantia do espaço político recém conquistado, como também para formar e
modelar uma população. Para Márcia Scholz de Andrade Kersten, as
imigrações empreendidas no Brasil tinham como objetivo criar um centro
consumidor dos produtos industriais europeu, bem como criar força de trabalho
livre.31 Uma receita para o progresso através da introdução do homem europeu
com um novo padrão e tipo de produção baseado na pequena propriedade.
Como empreendimento para a realização destes objetivos apontados acima
foram instaladas colônias de imigrantes europeus, algumas sendo financiadas
pelo governo e outras de colonização de terras devolutas entregues pelo
governo a iniciativas particulares. Como exemplo, Samuel Klauck trata da
28 SANTOS, José Vicente Tavares dos. Colonos do vinho. Estudos sobre a subordinação do trabalho camponês ao capital. São Paulo: Editora HUCITEC, 1984. p. 19. 29 LAMB, op. cit,. p. 40. 30 BUENO, op. cit,. P. 25. 31 KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. O colono-polaco. A recriação do camponês sob o capital. Curitiba: Dissertação de mestrado em História Econômica do Brasil. UFPR, 1983. p. 25.
14
colonização empreendida na Gleba dos Bispos, considerada como uma
realização da Igreja católica em parceria com uma companhia colonizadora.32
Na década de 1930 para a ocupação das terras a oeste do estado do
Paraná a reimigração de colonos riograndenses representou uma das vias
responsáveis de acordo com Pasquale Petrone. Estes migrantes ocuparam e
povoaram o território em pequenas propriedades de atividade agrícola familiar.
Como a família, com o passar das gerações se estendia, havia a necessidade
de se adquirir lotes em outras regiões para dar continuidade dessa forma ao
trabalho e a cultura familiar. Então, lotes eram adquiridos geralmente de terras
devolutas e comprados a baixos preços de companhias colonizadoras
particulares ou estaduais.
Com efeito, tendo como ponto de partida os primeiros núcleos coloniais plantados no Rio Grande do Sul desde a década de 1820, descendentes de imigrantes ocuparam as regiões florestais desdenhadas pela sociedade tradicional. Desde o Vale do Rio dos Sinos, para o leste e para o oeste de Santa Catarina e, na prática, a partir de 1920, povoando e colonizando o Sudoeste e o Oeste do Paraná.33
Para uma melhor compreensão das atitudes tomadas em relação à
ocupação e ao povoamento do Paraná, as atividades políticas realizadas no
período em questão são fundamentais. As mensagens e relatórios do
interventor Manoel Ribas (1932-1937), mostram um discurso de modernização
econômica do estado com base na povoação e ocupação do mesmo.34 As
mesmas características são percebidas nas administrações como a de Moyses
Lupion (1947-1951) e Bento Munhoz da Rocha Neto (1951-1956). Na
administração de Moyses Lupion, o Paraná passa a assumir um papel de
destaque na economia nacional, de modo que foi atraída uma grande
variedade de fluxos migratórios devido às oportunidades e desafios, juntamente
com a qualidade de vida paranaense. Dessa forma, órgãos de administração
direta são encarregados de realizar a propaganda da oferta de títulos de
propriedade, de modo que sejam atraídos os migrantes, bem como em auxiliar
economicamente esses ocupantes. Para Samuel Klauck,
32 KLAUCK, Samuel. Gleba dos bispos. Colonização no oeste do Paraná. Uma experiência católica de ação social. Porto Alegre: EST Edições, 2004. 33 KERSTEN, Op. cit., p. 80. 34 MAGALHÃES, Marion e outros. O Paraná reinventado: política e governo. Curitiba: IPARDES, 1989.
15
Os novos espaços coloniais implantados com a remigração de contingentes populacionais de imigrantes e seus descendentes podem demonstrar as intenções de estabelecer uma rede articulada, tanto do ponto de vista comercial e empresarial, quando do ponto de vista cultural e social.35
1.1 Povoamento do oeste do Paraná
O processo de povoamento da região oeste do Paraná inicia-se com a
intenção de marcar e defender os limites do território. Por ordem
governamental foram criadas várias colônias nesta região para atender as
famílias desabrigadas da guerra camponesa do Contestado, bem como a
ocupação efetiva do território por migrantes gaúchos.
Dessa forma, foi construída pelos interesses governamentais a Colônia
Militar da foz do rio Iguaçu, atual cidade de Foz do Iguaçu. Este povoamento
somente assumiu um delineamento concreto a partir da última década do
século XIX, quando surge o interesse em construções de estradas estratégicas
que ligassem os importantes centros urbanos do estado à região oeste.
As terras do oeste do estado já estavam ocupadas, porém não
povoadas. A grande questão que toma parte deste fato para José Augusto
Colodel é que esta ocupação dava-se por exploradores da erva-mate e da
madeira, principalmente por argentinos e paraguaios. De modo que, pela
dificuldade de comunicação e transporte com o leste do Paraná, grande parte
desta produção era vendida e transportada pelos vários portos construídos à
beira do Rio Paraná para centros urbanos da Argentina. Dessa forma, o
sistema empregado nesta região oeste do Paraná entre meados do século XIX
e início de século XX, em nada favorecia o governo do estado. Muito pelo
contrário, o lucro deste tipo de economia favorecia apenas aos
empreendedores estrangeiros. No entanto, assim permaneceu até a
colonização da região por colonos gaúchos. Tempo suficiente, de acordo com
José Augusto Colodel para que quase toda a floresta do oeste do Paraná fosse
devastada, pois esta região encontrava-se praticamente sem o apoio do
governo paranaense.
A colônia (militar de Foz do Iguaçu) via-se privada de quase todos os meios que lhe propiciariam um desenvolvimento mais acentuado. Não havia dinheiro disponível para que se contratassem trabalhadores civis
35 KLAUCK, op. cit., p. 51.
16
e por isso ela tinha que depender do trabalho executado por pequenas turmas de soldados que eram retirados das suas funções originais causando, dessa maneira, muitos inconvenientes na execução da fiscalização do contrabando que por ali imperava tranqüilamente.36
O sistema de exploração empreendido pelos estrangeiros ficou
conhecido pelo nome de obrages. Estas obrages dedicavam-se a exploração
do mate e da madeira no oeste do Paraná e no sul do Mato Grosso, e atuaram
nesta região devido à facilidade de acesso pelo Rio Paraná, bem como a
escassez destes produtos ao norte da Argentina. Assim, nestas regiões do
Brasil puderam ampliar seus lucros e sua produção. A mão-de-obra utilizada
nestas obrages era de origem paraguaia em que os trabalhadores também
eram explorados financeiramente e estava sujeita a todo tipo de violência e
repressão.
Como exemplo desta atividade tem-se a Companhia Domingos Barthe
que instalou e iniciou suas atividades no ano de 1858, atuando na região onde
hoje se localiza a cidade de Santa Helena. Com a formação da obrage, a
companhia de Barthe adquiriu enormes porções de terras para a exploração do
mate e da madeira. Em 1905, a companhia possuía 60.000 hectares entre os
rios Paz, Tormenta e nascentes do Rio São Francisco e mais de 90 quilômetros
do Rio Paraná37. Barthe então, construiu picadas que ligou Guarapuava à
Santa Helena e adquiriu mais uma porção de terras reclamadas ao governo
paranaense com a finalidade de reabastecimento das tropas que ali passassem
carregadas de produtos. Também construiu o Porto de Santa Helena para
escoar a sua produção.
Cada obrage possuía um barracão ou armazém onde os peões
obtinham créditos para fazerem suas compras, criando um vínculo ainda maior
com o obragero.
Entretanto,
quando se esgotavam os produtos explorados em determinadas regiões, os obrageros procuravam estabelecer-se em outras áreas que ainda encontravam-se virgens. Contudo, as áreas antigas não eram abandonadas gratuitamente. Jogava-se com a especulação do preço da terra, que era quase que imediatamente vendida a outros proprietários rurais que passavam a desenvolver outras atividades econômicas – notadamente a agricultura intensiva e, algumas vezes, o
36 COLODEL, José Augusto. Obrages e companhias colonizadoras. Santa Helena na história do oeste paranaense até 1960. Santa Helena: Prefeitura Municipal, 1988. p. 48. 37 Ibid,. p. 63.
17
loteamento da terra em pequenas propriedades. Ainda assim, o negócio da venda das obrages decadentes revelava-se como extremamente compensador aos antigos proprietários38.
A partir da década de 1930, com a “Marcha para o Oeste”, as regiões
oeste e sudoeste do Paraná passaram a ser colonizadas por migrantes filhos
de imigrantes europeus. Estes migrantes vieram do Rio Grande do Sul com o
objetivo de povoar esta região paranaense ainda considerada deserta e
também para dar continuidade à agricultura familiar empreendida pela pequena
propriedade desde os primórdios da imigração européia realizada no sul do
país.
O loteamento da área a oeste e sudoeste do Paraná era uma exigência
do governo para com todas as companhias colonizadoras que quisessem se
estabelecer no território paranaense. Dessa forma, as terras foram vendidas a
preços muito baixos, pois era de interesse do governo estadual ocupá-las o
mais breve possível. Porém, as dificuldades de colonização logo resultaram
num atraso às exigências feitas pelo governo, devido ao aparente descaso por
parte das autoridades governamentais quanto à abertura de estradas para o
transporte de produtos, como também para a melhoria na comunicação entre a
capital e o interior. Este espaço geográfico do estado era carente dado o seu
isolamento e infra-estrutura precária.
Contudo, propagandas foram realizadas no Rio Grande do Sul
chamando a atenção de colonos e atraindo-os para a compra de terras e sua
colonização. Os colonos iniciam adquirir os lotes vendidos por empresas
colonizadoras, fato de que a maioria dos colonos habitava em regiões
montanhosas do Rio Grande do Sul, terreno que apresentava muitas
dificuldades para o cultivo de subsistência. No Paraná, as terras do oeste eram
planas, sendo caracterizadas como altamente propícias para a agricultura em
questão. Entretanto, muitos migraram também devido ao tamanho das colônias
do sul, que variava conforme a geografia, como também, devido ao aumento
da família, as terras foram aos poucos se tornando escassas.
Nas áreas coloniais riograndenses, desde o final do século XIX, vinha acentuando-se a insuficiência de terras face ao aumento da população de agricultores descendentes dos imigrantes italianos e alemães. Assim, desde as primeiras décadas do século XX, formaram-se companhias de colonização, no Rio Grande do Sul, que adquiriram
38 Ibid., p. 63.
18
terras de matas ainda não ocupadas, primeiro no Noroeste do próprio Rio Grande do Sul, ao longo do Rio Uruguai, depois no Oeste Catarinense e, em continuidade, no Sudoeste do Paraná.39
Os núcleos coloniais no oeste do Paraná permaneciam isolados e quase
sem comunicação com outros centros do estado. Havia também a escassez de
recursos estaduais para efetivar a ocupação, como, por exemplo, a construção
de estradas. Com isso e juntamente com a preocupação da ocupação o
governo cedeu terras a quem as solicitasse, individual ou companhias. O que
muitas vezes não significou e resultou em um povoamento regular e
permanente, pois a maioria das companhias desapareceu sem garantir a
colonização, como também destruíram e queimaram as florestas,
empobrecendo o solo e acobertando posseiros.
Um exemplo de empreendimento colonizador bem sucedido no oeste
paranaense foi o empreendido pela Indústria Madeireira Colonizadora Rio
Paraná S. A. (Maripá). A Maripá evitou a grande propriedade e vendeu para os
colonos lotes de tamanho não superior a 10 alqueires. Ao mesmo tempo,
procurou montar uma infra-estrutura adequada para recepcionar as levas de
colonos que diariamente chegavam ao oeste paranaense. O local colonizado
pela Maripá são hoje as terras compreendidas pelos municípios de Toledo e
Marechal Cândido Rondon.
39 BALHANA, Altiva Pilatti. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Cecília Maria. Op. Cit., p. 156.
19
O estado do Paraná e a região sudoeste (1965). In: PADIS, Pedro Calil. Formação de uma Economia Periférica: O caso do Paraná. São Paulo: Editora HUCITEC, 1981. p. 148.
Segundo Pedro Calil Padis, a colonização do Rio Grande do Sul foi
empreendida por imigrantes ítalo-germânicos e era baseada em atividades
agropastoris em pequenas propriedades familiares. Ao mesmo tempo em que
surgiam estas pequenas propriedades, apareciam também pequenos centros
urbanos destinados à prestação de serviços comerciais as famílias ali
instaladas. Com o crescimento da população e das novas ondas migratórias,
as propriedades diminuíram e houve queda na produtividade e de trabalho. O
resultado desse processo foi o fluxo migratório para terras do sudoeste
paranaense, criando então, no Paraná, uma população de economia auto-
suficiente.40
Um dos motivos de ter sido realizado no estado paranaense uma
ocupação gaúcha foi o fato de que as terras de minifúndio férteis no Rio
Grande eram praticamente inexistentes, levando à emigração e ao êxodo-rural.
Outro fator importante, considerado por Padis, indica que também houve o
crescimento e o aumento do tamanho das grandes propriedades que geraram
altos níveis de renda e de produto, ao passo que as pequenas propriedades
tornaram-se menores e mais numerosas. Como a pecuária das grandes
propriedades receberam concorrência dos também criadores de gado de São
Paulo, Mato Grosso e Goiás, os pecuaristas de pequeno porte foram
praticamente obrigados a venderem suas terras aos grandes proprietários, e
estes grandes proprietários transformaram parte do pasto em agricultura.
A população expulsa do campo também se viu sem emprego nos
centros urbanos, sendo obrigada a cruzar as fronteiras do estado. Inicialmente,
esta população emigrante ocupou as terras a oeste de Santa Catarina,
formando nesse local centros urbanos. Posteriormente chegaram ao Paraná
promovendo transformações econômicas e demográficas.
As regiões do oeste catarinense e do sudoeste paranaense apresentam aspectos ecológicos bastante semelhantes aos das regiões norte e noroeste do Estado gaúcho. Ora, como os fatores geográficos geralmente condicionam o tipo de economia agrária, é fácil perceber porque os migrantes acabaram desenvolvendo as mesmas atividades às quais estavam habituados.41
40 PADIS, Pedro Calil. Formação de uma Economia Periférica: O caso do Paraná. São Paulo: Editora HUCITEC, 1981. p. 167 41 Ibid., p. 168.
20
Mas este não foi o único fator responsável pela colonização do oeste
paranaense. Padis aponta que com a venda da propriedade no Rio Grande do
Sul era possível comprar no Paraná terras duas ou três vezes maiores, pois os
preços eram menores. Dessa forma, as ocupações geralmente eram de dez
alqueires, ou seja, o suficiente para a absorção do trabalho familiar, não
gerando na região oeste do estado paranaense a presença das grandes
propriedades ou latifúndios. As terras do oeste e sudoeste do Paraná eram
impróprias para a implantação de latifúndios, pois eram de difícil maquinação e
encontravam-se muito distante da capital, como também era desprovida de
meios de comunicação. Então,
podia-se prever sem grande margem de erro, que essa população iria dedicar-se a um tipo de atividade econômica cuja finalidade era quase que exclusivamente o autoconsumo. Isto porque, diante de tal isolamento, poucas eram as possibilidades de se venderem os eventuais excedentes da produção.42
Dessa forma, intensificaram-se as relações sociais internas, reforçando
o vínculo com o lugar de origem, mantendo principalmente o tipo de produção
econômica: lavoura de trigo; feijão; mandioca e arroz; e criação de suínos.
De acordo com todo esse processo de colonização do oeste e sudoeste
do estado do Paraná, podemos destacar a colonização realizada entre os rios
Iguaçu, das Cobras e Guarani. A Colônia Jagoda, localizada no sudoeste do
Paraná e pertencendo territorialmente ao município de Laranjeiras do Sul, foi
um empreendimento de ocupação e colonização com as mesmas
características de todos os outros povoamentos citados acima. De acordo com
Antonio Monteiro da Silva, em 1935 a Companhia Estadual de Estrada de Ferro
São Paulo - Rio Grande vendeu o imóvel chamado Rio das Cobras, total de 63
mil hectares, para a Companhia Colonizadora Mercantil Paranaense S. A., que
logo firmou convênio com o governo da Polônia com o propósito de povoar a
região com imigrantes polacos já residentes no Brasil.43
Propagandas foram realizadas no Rio Grande do Sul, e a Colônia
Jagoda passou a ser ocupada por reimigrantes poloneses. A empresa
colonizadora realizou o projeto de povoamento e ocupação em pequenas
42 Ibid., p. 169. 43 SILVA, Antonio Monteiro da. Quedas do Iguaçu: Nossa História, Nossa Gente. Quedas do Iguaçu: Gráfica Constantini LTDA, 2002.
21
propriedades baseadas na agricultura de subsistência familiar. Os terrenos
foram vendidos a preços relativamente menores que a dos terrenos que estas
famílias possuíam no Rio Grande do Sul.
A firma colonizadora também foi responsável pela construção da infra-
estrutura necessária da colônia, pela casa da administração, como também
pelo comércio local com os colonos e pela construção de uma serraria.
Em 1945, o terreno em que se localizava a Colônia Jagoda foi vendido
para a empresa Companhia Agrícola e Industrial do Iguaçu S. A. e em seguida
esta companhia o revendeu para a Companhia de Celulose e Papel Iguaçu,
passando a chamar-se Campo Novo. Em 1967, o território da antiga colônia
torna-se município passando então a se chamar Quedas do Iguaçu.
Localização do município de Quedas do Iguaçu. In: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f9/Parana_Municip_QuedasdoIguacu.svg/280px-Parana_Municip_QuedasdoIguacu.svg.png
22
2. A COLÔNIA JAGODA
A partir da discussão realizada no capitulo anterior sobre algumas
questões concernentes ao processo de povoamento pelo qual passou o oeste
do estado do Paraná nos anos 1930, vamos apresentar algumas questões
suscitadas por entrevistas realizadas com moradores da Colônia Jagoda, de
cujo território foi criado o município de Quedas do Iguaçu.
2. 1 Anos iniciais
Após a leitura das entrevistas podemos perceber como foi realizada a
viagem de saída do Rio Grande do Sul e a chegada dos colonos na Colônia
Jagoda. A viagem, na maioria das vezes foi realizada de trem e muitas famílias
viajavam acompanhadas umas das outras. Mas, se as condições de viagem
eram desfavoráveis, e era necessário trazer a mudança, ou apenas pelo fato
de as famílias serem muito grandes, geralmente com crianças pequenas e
mulheres, a viagem era empreendida de carroça. Eram viagens que,
dependendo das condições climáticas e das condições das estradas e dos
transportes, poderiam durar muitos dias.
Saímos cinco de abril de 1941 e uma semana viemos até Palmeira [...] E quando no próximo domingo já era páscoa. E deu uma chuva, uma chuva, uma chuva [...] E o que eu lembro bem que passamos 14 balsas. Daí já chegamos naquela estrada que vai para Foz do Iguaçu. Daí viemos. Daí facilitou.44
O trecho da entrevista de Mariano CZEYKA mostra a dificuldade
enfrentada pelos colonos na viagem do Rio Grande do Sul à Colônia Jagoda.
Quando viajavam com este meio de transporte muito comum na época de 1930
e 1940, a migração era feita com uma ou mais famílias. Vieram sete famílias
aquele mês [abril], aquele ano [1941]. Nós viemos em duas famílias juntas. Eu,
nós e o tio nosso o Walczinski.45 Em outro depoimento, Verônica
ROSENTALSKI conta como foi a viagem e qual o meio de transporte utilizado:
Daí nós viemos do Rio Grande em duas mudanças. Viemos de caminhão até
44 CZEYKA, Mariano. Entrevista. Quedas do Iguaçu, 25/07/07. As falas dos entrevistados foram adequadas à norma culta da língua portuguesa e apresentadas em itálico. 45 CZEYKA, Mariano.
23
aqui [Jagoda] 46 Em outro trecho da entrevista a mesma senhora conta sobre a
viagem, mas de uma maneira diferente, relatando também o tempo de viagem:
Viemos de trem e a mudança veio de carroça. Demorou acho que um mês para
virmos.47
Este aparente engano de memória é possível de se compreender.
Muitas famílias que saíram do Rio Grande do Sul com destino ao Paraná,
realizaram essa mesma viagem de trem até o Paraná, pois este meio de
transporte era considerado como rápido e confortável. Mas, a partir do
momento que chegavam à cidade de Ponta Grossa ou Guarapuava, e estes
colonos tinham que vir para o oeste do Paraná, os únicos meios de transporte
eram a carroça ou o caminhão, pelo fato de as estradas estarem em precárias
condições e também pelo fato de que não havia ferrovia que cruzasse o estado
no sentido leste/oeste. Íamos de trem até Guarapuava, depois pegávamos o
caminhão.48 Dessa forma, entende-se que a viagem da senhora foi realizada
do Rio Grande do Sul até Guarapuava de trem e a viagem até a Colônia
Jagoda de caminhão. João Merlak corrobora essa informação: Daí eles vieram
de trem até Ponta Grossa, de Ponta Grossa até Guarapuava vieram no
caminhão da companhia Jagoda.49
A viagem de carroça era realizada também pelo fato de os colonos
terem que trazer as mudanças, ou seja, objetos pessoais que não puderam ser
abandonados no Rio Grande do Sul. Alguns dos colonos saíam de seu estado
de origem e percorriam todo o percurso até o Paraná com apenas um meio de
transporte. Viemos de carroça de lá [Rio Grande do Sul]. Levamos 22 dias de
carroça... Foi boa, foi boa. Porque vieram três mudanças em quatro carroças,
uma atrás da outra.50
Os depoimentos mostram, que as viagens de carroça, na maioria das
vezes, eram mais demoradas, por enfrentar problemas com as condições de
tempo. Dessa forma, as viagens de trem eram escolhidas pelas famílias que
46 ROSENTALSKI, Verônica Benk. Entrevista. Quedas dos Iguaçu, 1ª entrevista 18/07/07 e 2ª entrevista 25/07/07. 47 ROSENTALSKI, Verônica. 48 ROSENTALSKI, Verônica. 49 MERLAK, João. Entrevista. Quedas do Iguaçu, 28/07/07. 50 ORLOWSKI, Júlio. Entrevista. Quedas do Iguaçu, 23/07/07.
24
tinham filhos pequenos e mulheres: Porque daí ela [mãe] ganhou neném e vir
de dieta era meio ruim.51
Um caso isolado, foi o de Eugênio JAREMCZUK, que emigrou da
Polônia. Na Colônia Jagoda, vinha bastante gente do Rio Grande também, até
da Polônia vinha gente.52
Foram dezoito dias de viagem de navio com mais três dias de paradas, abastecimento. Então, quer dizer que o total era vinte e dois dias. Do embarque nós vínhamos da Polônia e desembarcamos no Rio de Janeiro. Aí embarcamos em um navio brasileiro, era um tanto menor do que aquele transatlântico polonês.53
Os motivos que levaram famílias inteiras à reimigrarem em uma terra
desconhecida e praticamente coberta por floresta densa, também são
demonstrados a partir das entrevistas. Cada família tem um motivo particular
para explicar a migração. Mas, alguns dos motivos pelos quais migraram para
a região foram semelhantes: busca por terras com melhores condições para o
plantio e que, ao mesmo tempo, satisfizesse as necessidades do crescimento
familiar e da manutenção da hereditariedade. Os motivos da reimigração
levam-nos a entender também, o processo de ocupação das terras do oeste do
Paraná.
E foi até 15, 16, 17 anos que o pai resolveu de vir [do Rio Grande do Sul] para o Paraná porque tinha grande propaganda dessa Colônia Jagoda, que as terras eram muito baratas. E de fato era barata, era barata de fato. Com mato, com tudo e por isso que nós éramos cinco irmãos, daí o pai não ia ter condições de compra terras para cada um. Assim não. Veio aqui, vendeu as terras lá. Não comprou bem tudo, mas comprou quatro colônias.54
As declarações de Mariano CZEYKA são confirmadas por Verônica
Rosentalski: Porque lá no Rio Grande não era assim que nem aqui na Jagoda. Diziam que o terreno era mais barato e era o terreno que dava mais, produzia muito mais coisa. Tu plantavas dava tudo. E lá quase não dava. Porque já muita gente e tudo eram morro e pedra e daí terral, daí não dava para plantar. Daí o pai resolveu de vir.55
Os motivos da migração dos colonos riograndenses para o Paraná são
compreendidos por vários fatores como, por exemplo, a manutenção da família
sob a posse da terra em um novo território devido à escassez de terras no Rio
Grande do Sul, como também na Polônia. As terras no Rio Grande eram 51 ROSENTALSKI, Verônica. 52 ROSENTALSKI, Verônica. 53 JAREMCZUK, Eugênio. Entrevista. Quedas do Iguaçu 23/07/07. 54 CZEYKA, Mariano. 55 ROSENTALSKI, Verônica.
25
escassas, poucas terras, daí o pai resolveu vir para os matos ali [Jagoda], para
poder trabalhar mais.56 A possibilidade de em uma nova região garantir uma
vida melhor a partir do trabalho na terra, movia muitos dos reimigrantes.
Porque lá no Rio Grande estavam trabalhando ele [pai] e quatro irmãos em
parceria nas terras do judeu. Então, sabe que veio para cá [Jagoda] daí
começou trabalhar para ele.57
Na Polônia, a situação da posse de terra também era enfrentada com
dificuldades pelos seus moradores, assim como o enfrentado pelos brasileiros
no Rio Grande do Sul. Dessa maneira, a terra tornou-se um dos principais
motivos para que famílias polonesas emigrassem para o Brasil.
Então a situação da Polônia era muita escassez. Falta assim de terra. Então o povo tinha uma fome de terra. Porque as terras, não que não tinham, tinham, mas eram de latifúndio. Tinham donos poderosos. Os donos poderosos vivam em Paris, Londres. É o povo sem terra sofria.58
É importante perceber como as famílias de colonos tomaram
conhecimento do empreendimento realizado pela colonizadora, bem como
apontar como se desenrolou este processo de compra das terras. Pois a
notícia corre, né.59 Sabe-se que as colônias na região oeste do Paraná
privilegiaram o trabalho familiar baseado na pequena propriedade, o que
caracterizou o tamanho das propriedades, em torno de 10 alqueires. O
depoimento a seguir nos mostra não apenas como o povoamento da colônia
começou, mas também, os meios utilizados para a colonização.
Foi a Companhia Polonesa Jagoda, que eles faziam a imigração, daí eles tinham locutores que andavam fazendo a propaganda. Jornal, rádio não tinha, a maioria em jornal, cartas, tudo. Daí o pai pegou o jornal no Rio Grande, daí pelo jornal, comprou dez alqueires de terra. [...] Daí o pai comprou e veio.60
A propaganda realizada pela colonizadora, bem como a pressão do
governo estadual em colonizar toda a região, fazia com que os preços das
terras baixassem, chamando a atenção dos colonos. Porque todo o povo
ganhava [...] Então o falecido pai [...] se encantou e queria vir para cá e
viemos.61
56 ORLOWSKI, Júlio. 57 MERLAK, João. 58 JAREMCZUK, Eugênio. 59 ROSENTALSKI, Verônica. 60 MERLAK, João. 61 ROSENTALSKI, Verônica.
26
Chegar a um local novo, no qual não se conhece ninguém, representa,
para muitos, uma grande dificuldade nos primeiros anos da colonização. Um
dos problemas enfrentados pelos colonos no início do povoamento foi em
relação à infra-estrutura da colônia e as dificuldades de começar a “roça”. Daí
nós nos colocamos nos barracões da firma, que tinham só mesmo para quando
vinham com as mudanças, até ter onde se colocar, até comprar terreno, até
construir a casa...62
A colonizadora possuía... uma casa grande de dois andares, grande
assim e se chamava Casa Grande. E tinha escritório [...] e tinha granja.63 Nesta
“casa grande” a companhia colonizadora efetuava a venda das terras aos
colonos, como também a administração da colônia. Nas proximidades da “casa
grande” encontrava-se o armazém e os barracões que serviam para hospedar
as famílias recém chegadas e para a realização de encontros e bailes. Acho
que cabiam umas dez famílias em cada barracão. Daí acampavam aqui [nos
barracões], daí iam comprar terreno.64
A estada nos barracões da companhia muitas vezes significava um
tempo a mais para a preparação da roça, ou também uma maneira de trabalhar
no centro da colônia, desenvolvendo atividades de empregado assalariado na
serraria ou no moinho, que eram tocados a água.65 Essas atividades permitiam
salvar as economias e comprar a terra, ou simplesmente trabalhar para ter
condições financeiras de iniciar o plantio. Daí sabe que o pai veio com a
mudança para cá [Jagoda], ficaram dois anos nos barracões da companhia e
trabalhava na serraria. E quando não tinha serviço na serraria, ele fazia roça.66
As entrevistas também apontam para dificuldades de adaptação no
território. A comparação com o Rio Grande do Sul, já urbanizado e com melhor
estrutura para viver, com maior número de famílias e com pessoas já
conhecidas é comentada com certo saudosismo.
A minha mãe e nós ficamos meio tristes. Porque lá [no Rio Grande do Sul] era mais cidade e não tinha tanto mato, não tinha tanto mosquito. Não tinha nada assim. A gente era mais assim unido lá. Lá já era o povoado e aqui não. Nós viemos eram poucos, era só sertão.67
62 ORLOWSKI, Júlio. 63 CZEYKA, Mariano. 64 ROSENTALSKI, Verônica. 65 ROSENTALSKI, Verônica. 66 MERLAK, João. 67 ROSENTALSKI, Verônica.
27
As famílias estranhavam estar vivendo na nova colônia, pois tudo o que
vivenciavam ali era diferente do que já estavam acostumados no Rio Grande
do Sul. No centro da colônia encontravam-se apenas as instalações da
companhia, poucas casas e a escola. Como as famílias moravam, a maioria,
em colônias68, quase não se encontravam. O isolamento entre as famílias e os
centros urbanos do estado do Paraná, e entre as famílias da colônia, fazia com
que a adaptação fosse lenta e demorada.
Então, sabe que eu estranhei muito e estava assim que não podia me acostumar. Passou-me, viu demorou um ano para eu me acostumar. Daí quando passou um ano e assim já criei amizade com as pessoas, com tudo, e já me acostumei com aqueles jeitos.69
Os entrevistados chegaram à Colônia ainda crianças, e suas lembranças
daquele tempo e de sua infância remetem aos seus tempos de escola. A
escola é mostrada em todos os depoimentos como algo extremamente
importante, mas nunca alcançado pelos entrevistados. Isto ocorre pelo fato de
viverem nas propriedades e por causa do trabalho familiar. Dessa forma, as
crianças, quando ainda freqüentavam a escola, já eram consideradas como
força de trabalho na propriedade.
Outra questão importante sobre a vida dos colonos durante a infância e
durante o período escolar, aponta para as dificuldades enfrentadas para
completar os estudos. A escola apenas exercia as suas funções a cada três
meses. Mas também a escola não tinha assim como é agora. É só tinha
professor que ficava um mês dando aula e depois ia embora. Daí dois, três
meses vinha de novo.70
O trecho do depoimento acima também nos faz destacar a relação e a
comparação entre o presente e o passado na constituição da memória. Ao
lembrar da escola como era antigamente, Verônica Rosentalski a comparou
com a escola do presente, para assim constituir a sua lembrança. Isso mostra
que nos depoimentos, o passado é reconstituído e relembrado a partir das
concepções que cada entrevistado tem de seu presente. Em outro depoimento,
esta questão do presente/passado também é destacada: Assim eu fiz o
primário só. Porque antigamente não tinha mais, né.71
68 Termo utilizado pelos moradores da colônia Jagoda para designar sua terra. 69 CZEYKA, Mariano. 70 ROSENTALSKI, Verônica. 71 ORLWSKI, Júlio.
28
Além de freqüentarem a escola durante a infância, quando tinha
professor, os depoimentos mostram várias outras atividades. Como a colônia
era praticamente no meio do mato e perto de rios, muitas crianças brincavam
nestes locais. Mas, além da brincadeira, o trabalho já era encarado desde cedo
como uma atividade obrigatória.
A minha vida era só brincar e ajudar a mãe, assim na casa. Porque cada um tinha que ajudar. E eu, e a falecida Alexandrina, a Dolfa e só nós três, porque outros não tinham. Daí o falecido pai andava para lá e para cá, e nós tínhamos que ajudar a mãe. É lavar a roupa, limpar a casa, lavar a louça. E depois quando nós terminávamos as nossas tarefas a mãe dizia: “Então vão brincar”. Daí nós íamos para o rio.72
Mas, a infância era encarada por alguns como uma fase repleta de
coisas boas. Bom, a minha vida de infância era só brincar, caçar, pescar,
estudar um pouco e visitar os amigos.73 Nem todas as atividades estavam
relacionadas com o trabalho e a escola: nós brincávamos, brincávamos de
caçador, de tudo. Pula corda... de tudo.74
Em outros depoimentos, a infância é apresentada como a fase da
escola, mas também como época das descobertas para o trabalho. Lá [Rio
Grande do Sul] eu andei durante o dia na escola porque lá era como todos
andavam assim o primário. Só depois eu ajudava os pais, quando voltava.75
Quando os entrevistados alcançavam a juventude, declararam que tinha
vontade de continuar os estudos. Eu mesmo, se pudesse, eu continuaria, mas
não tinha onde. Onde? Como? Na roça com taquari.76 Como o trabalho para o
plantio e o cuidado da terra ocupava quase toda a família, os pais mandavam
mais para roça do que...77
De acordo com Márcia Scholz de Andrade Kersten o colono polaco se
caracteriza pelo apego a terra, pelo trabalho familiar para a produção de
alimentos e de subsistência. Também que por ser um campesinato tradicional,
os colonos polacos apresentam fortes laços familiares e comunitários.78 Dessa
forma, compreendemos como os colonos polacos de Jagoda se fixaram em
72 ROSENTALSKI, Verônica. 73 MERLAK, João. 74 ROSENTALSKI, Verônica. 75 CZEYKA, Mariano. 76 JAREMCZUK, Eugênio. 77 ORLOWSKI, Júlio. 78 KERSTEN, Op. Cit., p. 25-26.
29
uma região sem recursos, pois o simples fato de serem os possuidores da terra
em que produziam satisfazia uma de suas principais necessidades de vida.
2.2 A vida na colônia: trabalho e lazer
Agora, hoje em dia, é mais fácil. E aqueles tempos, não. Nós
morávamos na colônia, retirado, já não era tão fácil, né.79 Questões simples,
como infra-estrutura, atendimento médico, escola, estradas, eram totalmente
precárias. Nas propagandas prometiam mil maravilhas, mas simples estradas
para caminho dos coitados ninguém fazia.80 Na colônia de antigamente não
existia rádio nem televisão. Nada. Nem luz tinha.81
Após a chegada à colônia, e a compra das terras, construírem a moradia
não era uma atividade de fácil realização: não era fácil de vir morar. Tínhamos
que construir. Era mato aqui.82 A precariedade da infra-estrutura da colônia é
apontada em todos os depoimentos. Como o local escolhido para a
colonização era de floresta fechada, em que os próprios colonos ao comprarem
a terra tinham que realizar o desmatamento, a floresta de araucária
predominava. Para nós irmos à aula eu tinha medo! Porque cada passo um
bicho. Aqui era mato, mato, não tinha nada.83
Um grande problema considerado pelos colonos vetor de todos os
outros era a precariedade das estradas. A colônia Jagoda ficava a uma
distância de 80 quilômetros do centro urbano mais próximo, a cidade de
Laranjeiras do Sul. A estrada que ligava a colônia a esta cidade era
praticamente intransitável. Com este problema, outros surgiam: a venda da
produção e as questões relacionadas à saúde, por exemplo.
E olha, comida também era escasso. Nós nos criamos a polenta e ovo. Porque farinha não tinha, não existia, arroz não existia, feijão não tinha. Depois que começou de vir mais gente, tinha gente morando aqui, mas também não tinha. E o falecido pai pegou, fez um carretão assim de puxar mantimentos. Foram para Laranjeiras, carregou lá foi levar. Levava uma semana para ele ir e uma semana para voltar. Porque antigamente não é que nem agora. Uma hora esta lá [em Laranjeiras do Sul] .84
79 CZEYKA, Mariano. 80 JAREMCZUK, Eugênio. 81 ROSENTALSKI, Verônica. 82 JAREMCZUK, Eugênio. 83 ROSENTALSKI, Verônica. 84 ROSENTALSKI, Verônica.
30
Em depoimento também é apontada a falta de apoio governamental aos
colonos: ninguém imagine que a colônia era beleza pura e não faltava nada.85
Há nos depoimentos o sentimento de abandono e descaso em relação ao lugar
onde moravam. Não tinha apoio governamental.86 O fato de morarem lá onde o
diabo perdeu as botas87 fazia com que a vida se tornasse mais difícil para os
colonos: nós não passamos muita crise, muita miséria não. Só que sabe como
lá no Rio Grande era diferente, era povoado e tudo.88
Pelo fato de a colonização da região ter sido baseada na agricultura
familiar, a questão da alimentação não se destacou como uma dificuldade.
Então assim nós não tínhamos crise de comida. Não tínhamos. E tínhamos a
caça, e tínhamos o peixe, tínhamos tudo.89 Mas, quando a questão era a venda
da produção, as dificuldades enfrentadas com o transporte eram enormes. Era
difícil um pouquinho as estradas.90 Porque não tinha estrada para o outro lado,
nem para São Jorge. Não tinha. Só picada assim. A cavalo dava para ir.91
Porque seguido nós levávamos carga depois que nós tínhamos a
carroça e os cavalos.92 A necessidade de vender a produção se dava pelo fato
de os colonos precisarem adquirir nos centros urbanos produtos que não se
encontravam na colônia. A produção de alimentos pelas famílias era
necessária para a sobrevivência, mas faltava sal, querosene, roupas e outros
utensílios utilizados no dia-a-dia e na lavoura. Para vender a produção de
arroz, os colonos viajavam de carroça até Guarapuava e, com o dinheiro da
venda do produto compravam outros produtos de que necessitavam. Comprei
seis sacos de sal, duas latas de querosene que era uma caixa assim com duas
latas, comprei mais o que a mãe pediu para comprar açúcar e essas coisas.
Comprei e sobrou dinheiro.93
Mesmo com a necessidade de buscar em outros centros produtos
necessários, a colônia possuía um armazém onde eram vendidos muitos
85 JAREMCZUK, Eugênio. 86 JAREMCZUK, Eugênio. 87 CZEYKA, Mariano. 88 CZEYKA, Mariano. 89 CZEYKA, Mariano. 90 ORLOWSKI, Júlio. 91 CZEYKA, Mariano. 92 CZEYKA, Mariano. 93 CZEYKA, Mariano.
31
produtos. Mas, quando os produtos requisitados não eram encontrados no
armazém, a solução era buscá-los em outra cidade.
Um pouquinho a gente comprava ali [no armazém da colônia] [...] a maioria do que compravam era para alimentação, a maioria a gente plantava ali tudo, só o que a gente não produzia a gente comprava. Aqui tinha armazém também da firma, mas às vezes não tinha as coisas. [...] Que nós em 42, 3, 4 nós viajávamos de carroça para Guarapuava vender o produto que nós colhíamos aqui. Daí, a gente já fazia a compra lá também. Porque favorecia lá né.94
O armazém da colonizadora fazia o possível para ter todo o necessário,
que o povo procurasse, seja lá, remédio, prego, martelo, tecido, querosene.95
Quando os produtos procurados não eram encontrados no local, as soluções
eram: aproveitar quando viajavam para vender a produção da colheita; ou fazer
o pedido pelo armazém da colonizadora. Se não tinha [o produto] eles faziam
o pedido. O caminhão ia para Ponta Grossa, Curitiba e traziam de acordo com
a encomenda.96
Outro item importante na vida produtiva dos colonos era a criação de
porcos. Quando estes não eram utilizados pela própria família, eram vendidos
nos municípios de Laranjeiras do Sul, Guarapuava ou Ponta Grossa. Porcada
daqui a Ponta Grossa tocava a pé. E estava bom. Hoje parece mentira né?97 O
que vale ressaltar é a importância da criação de suínos na vida dos colonos,
como também observar este tipo de criação como parte fundamental da vida
dos moradores.
Ainda sobre a vida dos colonos, podemos perceber uma grande
preocupação com a saúde. Por exemplo, se alguém adoecesse em Jagoda,
muitas vezes, pela demora do tempo de chegada ao hospital mais próximo, em
Laranjeiras do Sul, poderia falecer durante a viagem. As condições da estrada,
já mencionadas acima, e a precariedade nos transportes, (apenas carroça ou
cavalo), dificultavam e impediam que a viagem ao hospital fosse realizada com
a rapidez necessária.
E sabe aqui estava o problema grande. Quem adoecia assim, por exemplo, com uma mulher para dar a luz, para ganhar filhos né, nós tínhamos que chamar alguém98. Veja, morriam na estrada porque não
94 ORLOWSKI, Júlio. 95 JAREMCZUK, Eugênio. 96 JAREMCZUK, Eugênio. 97 ORLOWSKI, Júlio. 98 CZEYKA, Mariano.
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suportavam os socos porque Deus me livre! [...] Porque não tínhamos recursos.99
Viver na colônia não era fácil, mas foi para muitos dos colonos a única
opção existente, porque antigamente não é que nem agora.100 Viver em um
local retirado dos centros urbanos, em que luz não tinha, rádio não tinha,
televisão não tinha, nada nada nada. Não tinha nada101, parece ser muito
dificultoso. Uma explicação possível para a permanência dos colonos nesta
colônia pode ser encontrada nas palavras de Júlio Orlowski: aquilo lá [vida na
colônia] a gente não pensava que não estava bom porque outro recurso não
tinha. Tínhamos que fazer assim então.102
O trabalho para os colonos poloneses de Jagoda era uma condição de
vida fundamental. O apego à terra e seus cuidados fazem com que estes
colonos fossem dedicados ao trabalho e fazem como um estilo de vida.
O trabalho familiar na pequena propriedade e a produção de alimentos
fazia parte de todas as famílias. Na colônia assim, nós plantávamos milho e
tudo, e colhíamos arroz e tudo. Milho feijão e arroz que nós plantávamos. Trigo
também.103 As dificuldades enfrentadas nas plantações foram mostradas
durantes as entrevistas, quando os entrevistados comentam as diferenças dos
meios utilizados para a plantação atual e a utilizada na época da colônia:
Então, quando o povo plantava com máquina, porque ninguém plantava como
hoje né;104 na época da colônia, cada um tinha que trabalhar porque tudo era a
custo da enxada porque antigamente não tinha maquinário que nem agora
tem.105
As plantações dos colonos eram, na maioria das vezes, consumidas por
eles e sua família, como também era vendida inicialmente na casa da
administração da companhia colonizadora e também em outras cidades, como
Guarapuava e Ponta Grossa. Daí vendíamos o produto que nós levávamos
daqui à Guarapuava de carroça de animal.106 O trabalho na lavoura constituiu-
se como um costume, trabalhar de colono na terra era considerado uma vida
99 ROSENTALSKI, Verônica. 100 ROSENTALSKI, Verônica. 101 ROSENTALSKI, Verônica. 102 ORLOWSKI, Júlio. 103 CZEYKA, Mariano. 104 CZEYKA, Mariano. 105 ROSENTALSKI, Verônica. 106 ORLOWSKI, Júlio.
33
boa, boa. Sem problemas.107 Porque a profissão mais divertida é a lavoura.
Criação, cuidar. Mais descansado. Não pensa muito.108
Mas os colonos dedicavam-se também a outras atividades, tanto
comerciais como industriais.
E daí ele [pai] começou a trabalhar na serraria velha que tinha. [...] Daí ele comprou essa chácara e o pai saiu da serraria. Daí inventou de comprar um caminhão para puxar frete. Então fizemos um mercado. [...] Nós tínhamos uma bodega. Tinha açúcar, tinha tudo. Roupa, tudo o pai trazia lá de Laranjeiras.109
Muitos dos entrevistados também desenvolveram atividades como
trabalhadores da serraria e do moinho da companhia colonizadora, como
caminhoneiros e também como atendentes do comércio local. Além das
atividades da lavoura e de outras atividades ligadas ao comércio, por
necessidade maior eu me dedicava muito a ir ao mato caçar. Caçava, porque
tinha muita caça, muito bicho.110 Pois a caça, ou seja, o couro do animal
capturado pela caça, muitas vezes era utilizado para obter lucro. Veio aquele
Ovídio Clock que comprava os couros dos bichos porque todos nós tínhamos,
todos caçavam.111
Outra atividade de trabalho era a criação de porcos, como já indicado.
Este tipo de atividade valorizava não apenas a venda da criação, auxiliando na
renda familiar; a carne e a gordura serviam para a alimentação e outras
necessidades familiares. A venda da criação se dava porque o porco tinha
preço.112 A criação de suínos seguia os costumes dos colonos polacos em criar
e engordar os porcos em pastos de área livre.
Assim grandes roças de mato quando maduravam nós beirávamos os milhos e largávamos a porcada. Quando estava bom para tirar, tirávamos. Costeávamos uns dois, três em um mangueirão daí tocávamos na estrada e íamos embora.113
A criação de porcos era realizada em família, como uma sociedade.
Daí nós tínhamos juntos. O cunhado Sigismundo tinha junto, o sogro tinha junto e cada um tratava de seus porcos. [...] Então daí eu sempre chamava eles [os porcos] e eles entravam eu trancava o portão daí jogava milho, mandioca para eles comerem. [...] E nós tínhamos chiqueiro. Primeiro ano aqui quando casamos eu engordei acho que 17
107 ORLOWSKI, Júlio. 108 MERLAK, João. 109 ROSENTALSKI, Verônica. 110 JAREMCZUK, Eugênio. 111 CZEYKA, Mariano. 112 MERLAK, João. 113 ORLOWSKI, Júlio.
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cabeças de porco. [...] E olha o porco não dão de 50, 60, 70 quilos até100. Eram que nem bolinha. Não eram grandes nem que fossem esses landraz que é porco comum.114
Mas o trabalho com a terra, plantio e colheita, eram considerados pelos
colonos como principal. O apego à terra foi a essência da colonização polonesa
na região. Os colonos reconheciam a terra como suas próprias vidas. Porque a
gente gostava de trabalhar na lavoura e pronto. [...] Que eu tinha amor na
lavoura mesmo.115
Os costumes e o lazer dos colonos resumiam-se ao trabalho e às visitas
aos amigos, pois como o território da colônia era pequeno e retirado dos
centros urbanos, os colonos procuravam passar o tempo livre e se divertirem
da maneira que encontravam, ou seja, saindo para visitar os amigos ou
freqüentar os bailes e matinês quanto havia. Sair para caçar e pescar
constituía-se nas atividades masculinas, bem como sair para beber com os
amigos. As mulheres se encontravam com as amigas para conversar e tomar
chimarrão. As atividades de lazer em comum eram as festas da Igreja, missas
e matinês.
Para conhecer as pessoas que moravam em Jagoda era fácil! Porque
não tinha muita gente, daí o povo vinha como para se conhecer, para
prosear.116 O número reduzido de moradores da colônia facilitou a socialização
entre eles fosse na escola, na igreja e nos bailes, lugares freqüentados por
quase todas as pessoas da colônia. Quando tinham missas assim, quando o
padre vinha daí reunia o povo. Todos se conhecem, conversam.117 Também,
nós nos encontrávamos quando andávamos para aula todo dia. E depois às
vezes no domingo um ia visitar o outro.118
Os barracões da companhia, já mencionados, eram utilizados para
bailes e matinês, e proporcionavam aos moradores da colônia os seus
encontros e lazer. A infra-estrutura da colônia não oferecia uma vida cultural
aos colonos, mas a diversão e o lazer sempre estavam presentes.
Se não ia pescar assim para o rio Iguaçu, então eu saía aqui para a cidade, para vila. E aqui o povo se reunia. Tinha um bar, tinha um tipo de pensão e então se reuniam lá nessa pensão e, mais era jovem,
114 ROSENTALSKI, Verônica. 115 ORLOWSKI, Júlio. 116 ORLOWSKI, Júlio. 117 ORLOWSKI, Júlio. 118 MERLAK, João.
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juventude assim. E não tanto moça quanto rapaziada. E lá tomavam pinga, caipira e se divertiam assim e combinavam, faziam matiné. Mais para baixo assim tinham os barracões [...] tinha uma sala grande nesses barracões. Aí nós nos divertíamos vínhamos para cidade, por exemplo, para rezar aqui e depois íamos lá naquela pensão e já tinha bastante gente. Então estava divertido assim, estavam se divertindo assim porque outra coisa não tinha.119
As comemorações de maior porte, como festas da Igreja, eram
realizadas nos barracões da companhia. Os barracões, de acordo com as
entrevistas, foram planejados com a intenção de atender as necessidades dos
colonos, tanto como abrigo quanto de lazer, pois o povo mais jovem, na casa
grande da administração da colônia Jagoda já era projetado, já tinha um salão
reservado para bailes e encontros.120
As festas e comemorações não eram apenas realizadas nos barracões
da companhia. Muitos moradores possuíam casas grandes e, na casa destas
pessoas, os bailes ocorriam frequentemente.
Mas nós éramos todos polacos, como eu disse só aquele italiano era o João da Libra. E então ele fez aquela casa grande, [...] e tinha quatro moças e lá logo dos Nieradka tinha umas moças também. Então eles faziam lá matinê, o baile e nós íamos a pé lá e seguido. Era baile, era matinê, era isso, era aquilo.121
O espaço de lazer da colônia é representado pelas comemorações e
visitas aos amigos. Como o trabalho durante a semana é intenso, há nos finais
de semana a necessidade de sair para passear e conversar com outras
pessoas.
A visita aos amigos era reservada para os domingos. Então quando eu
ia no domingo nas minhas amigas, daí no outro domingo eu as convidava para
virem em casa.122 As reuniões das amigas eram os piqueniques e as
brincadeiras. Nós fazíamos piqueniques. E fazíamos de tudo. Uma fazia o bolo,
uma trazia outra coisa, uma fazia uma coisa, outra trazia outra coisa.123 As
brincadeiras nos rios em volta da colônia também eram constantes: nós íamos
ao rio e tomávamos banho. Fazíamos aqueles salva-vidas de porunga, sabe?
[...] e daí pegamos amizade com as meninas, isso e aquilo.124
119 CZEYKA, Mariano. 120 JAREMCZUK, Eugênio. 121 CZEYKA, Mariano. 122 ROSENTALSKI, Verônica. 123 ROSENTALSKI, Verônica. 124 ROSENTALSKI, Verônica.
36
As atividades dos homens se caracterizavam pela caça e pela pesca.
Como o local onde a colônia foi instalada era de florestas, havia então um
grande número de animais na região. Desse modo: sábado nós trabalhávamos
até à noite, e domingo às vezes descansávamos ou senão íamos caçar e
pescar.125
Se nos sábados os colonos trabalhavam até o anoitecer, depois era o
momento de sair para se divertir nos bailes.
Daí à noite no baile daí sim. Porque antigamente dava gosto porque o povo se divertia mais, se respeitava muito mais do que agora se respeita. Isso nós falamos porque é verdade. [...] Nunca dava encrenca. Nunca dava briga nenhuma. A maioria vinha para nos divertirmos.126
Os depoimentos apontam para uma época em que o divertimento era
mais saudável e mais divertido do que é considerado atualmente pelos
entrevistados. Os bailes daquela época eram mais divertidos que agora,
porque íamos ao baile e lá pela meia noite tínhamos café, tínhamos doce, tudo.
Às vezes tínhamos churrasco.127 Mesmo as moças quando completavam certa
idade, freqüentavam os bailes e matinês da colônia.
Daí depois já estava com treze anos, já comecei de andar nos bailes, matinês. [...] Nós íamos ao sol entrando e vínhamos para casa ao sol nascendo. E não existiam brigas quase. E não tinha polícia, não tinha nada. Só o inspetor tinha. Que antigamente não tinha tanta encrenca que agora tem.128
Os bailes e matinês da colônia, além de serem considerados muito
divertidos e seguros, eram também locais para namorar. Arrumei uma
namorada, irmã do Gabriel Potulski, aqui do outro Potulski, irmã mais nova. E
estavam tão escassas as moças. Eu a arrumei e assim como na matinê, o
baile, a gente dançava e tudo.129
Mas, os bailes não eram os únicos lugares em que poderiam fazer festa
e dançarem. As festas de aniversários realizadas nas próprias casas dos
colonos e as festas de casamento também eram consideradas como diversões.
Nós só andávamos assim com os Kasanoski que eram meus amigos também.
Então lá também saía baile.130 As festas de aniversários eram animadas a:
125 MERLAK, João. 126 ORLOWSKI, Júlio. 127 MERLAK, João. 128 ROSENTALSKI, Verônica. 129 CZEYKA, Mariano. 130 CZEYKA, Mariano.
37
gaitinhas de boca e danças. E eu porque eu era pequena, mas minhas duas
irmãs, mas já dançavam, dançavam.131 As festas de casamento eram mais
divertidas, pois duravam uma semana, uma semana de festa. Churrasco e
buchada, vinho e pinga eram à vontade. Tinha gaiteiro. Era divertido!132
Apesar da animação das festas e bailes, a atividade de lazer
considerada mais importante era receber a simples visita de um amigo ou ir
visitar os amigos. Encontrar para tomar chimarrão, conversar sobre a colheita e
as atividades diárias satisfazia as necessidades de relações sociais da colônia.
A valorização da companhia para a conversa comparava-se também com a
ajuda mútua entre vizinhos. Aí então os amigos, os vizinhos eles estavam igual
a parentes ou talvez mais. Porque eram mais necessários. Mas é claro que nós
nos visitávamos e muito.133 Quando os amigos se encontravam era uma coisa
assim sagrada, uma coisa que nem fosse santa tradicionalmente é o
chimarrão. Esse não pode faltar.134 E acima das dificuldades financeiras o
nosso povo ele por pobre que seja ele sempre tem e providencia o mais
comum, o mais fácil para comemorar qualquer acontecimento ou simples
visita.135 Dessa forma, os colonos demonstram e representam as suas
amizades. Apesar de todas as adversidades da vida, sempre é possível fazer o
necessário para receber uma visita em sua casa.
Outra questão importante refere-se à religião. Como o acesso à região
era precário, missas todos os domingos, como segue o costume católico, não
eram possíveis de serem realizadas. Na igreja, aos domingos, era apenas
rezado o terço. Os padres eram enviados à colônia para a realização de missas
apenas a cada três ou mais meses. As entrevistas mostram uma necessidade
religiosa não alcançada, porque o padre vinha para cá [Jagoda] a cada seis
meses, às vezes um ano.136 Então, ele tinha casamentos e batizados.
Fazíamos uma festa.137 O descaso em relação à presença do padre fazia com
que muitos dos colonos realizassem o seu culto em casa, mas sem perder a fé
na Igreja católica.
131 ROSENTALSKI, Verônica. 132 MERLAK, João. 133 JAREMCZUK, Eugênio. 134 JAREMCZUK, Eugênio. 135 JAREMCZUK, Eugênio. 136 MERLAK, João. 137 ROSENTALSKI, Verônica.
38
Nas próprias casas as antigas nonas pegavam o livro que traziam da Polônia e o rosário e rezavam. Então, os netos e a criançada acompanhavam. Não perderam o tipo não, nem se esqueceram de rezarem porque isso era igual a um alívio, uma coisa milagrosa que dava lembrança de onde vieram e passavam para os netos.138
A partir das dificuldades enfrentadas durante a vida na colônia, a
solução era se apegarem entre si e viverem a vida da maneira que lhes era
possível, porque não tínhamos outra escolha não. [...] não tínhamos
possibilidades mínimas de comunicação com o mundo, só entre si139.
138 JAREMCZUK, Eugênio. 139 JAREMCZUK, Eugênio.
39
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das entrevistas, pudemos elaborar algumas considerações sobre
a colonização de terras do oeste do Paraná, privilegiando aspectos da vida dos
moradores na Colônia Jagoda.
Após apresentarmos questões acerca da colonização empreendida no
oeste do Paraná pelas companhias colonizadoras e pelo governo estadual,
procuramos mostrar o tipo de colonização empregada, a qual esteve baseada
na pequena propriedade e na atividade agrícola para a subsistência de seus
próprios moradores. Com este modo de ocupação da terra foram garantidas as
preocupações do governo estadual, que consistiam em colonizar a terra
definitivamente criando uma população apegada ao trabalho agrícola e também
garantindo a ocupação desse território fronteiriço.
O problema da escassez de terras no Rio Grande do Sul e o crescente
número de indivíduos nas famílias, fizeram com que muitos colonos residentes
lá procurassem terras em outras regiões do Brasil, ocupando territórios de
Santa Catarina e do Paraná.
Procuramos entender os motivos que levaram famílias de descendentes
de imigrantes poloneses radicada no Rio Grande do Sul a reimigrarem para a
Colônia Jagoda, situada na região oeste do Paraná.
A falta de terras no sul do Brasil e os baixos preços das terras no oeste
do Paraná, auxiliado pela propaganda para a rápida ocupação da região,
provocaram a reimigração de muitas famílias para o Paraná. O pai resolveu vir
[do Rio Grande do Sul] para o Paraná porque existia grande propaganda dessa
Colônia Jagoda, que as terras eram muito baratas.140 Os depoimentos
mostraram que não havia apenas o problema da escassez de terras no Rio
Grande do Sul, mas também outras dificuldades como a qualidade do solo e a
super ocupação de lotes destinados à agricultura. Porque lá [Rio Grande do
Sul] já tinha muita gente e tudo era morro e pedra, daí não dava para plantar.141
Procuramos também discutir as condições de vida na colônia. As
condições das estradas foram as primeiras dificuldades a serem enfrentadas
pelos colonos. As estradas eram consideradas fundamentais para que fossem
140
CZEYK, Mariano. 141
ROSENTALSKI, Verônica.
40
resolvidos muitos outros problemas, em relação à saúde e à venda da
produção, por exemplo. Os hospitais encontravam-se apenas na cidade mais
próxima, Laranjeiras do Sul, que se localizava a uma distância de 80
quilômetros da colônia. Prometeram estradas, mas essas estradas saíram meio
século depois. E não naquela hora em que o povo morria no mato sem
recurso.142 A falta de boas estradas também dificultava a venda da produção
dos colonos.
Muitos outros problemas referentes às condições de vida dos colonos
foram apontados a partir das entrevistas. A escola foi considerada como
precária, pois as aulas eram dadas a cada três meses. Além de mostrarem as
condições da escola, os depoimentos mostraram o quanto eles consideravam
importante o estudo, algo impossível de ser alcançado justamente pela
precariedade da infra-estrutura da colônia.
Como o povo polonês é considerado um povo fortemente católico, a
questão referente à religião, mostrou que os colonos eram tratados com certo
descaso, pois as missas eram realizadas apenas a cada quatro ou mais
meses.
Os espaços destinados ao convívio dos colonos foram organizados pela
empresa colonizadora, e as atividades escolares proporcionavam a
possibilidade de conhecer e interagir com novas pessoas, como também de
experimentar novos relacionamentos. Na escola eu já arrumei namorado.143
Como a Igreja e a escola a casa da administração da companhia
colonizadora também era um local de sociabilidade. Ao lado dessa casa
grande144 se encontravam dois barracões e o armazém. Um dos barracões era
destinado para atender as necessidades dos colonos recém chegados. O outro
barracão destinava-se às atividades de lazer e neste aconteciam bailes e
matinês. Outras atividades de lazer também eram realizadas nas casas dos
moradores da colônia.
Uma atividade que foi destacada pelos entrevistados foi a simples visita
de ou a um amigo. Pelo fato de morarem em propriedades rurais afastadas
umas das outras, o encontro com os amigos proporcionava a sociabilidade da
142 JAREMCZUK, Eugênio. 143 ROSENTALSKI, Verônica. 144 CZEYK, Mariano.
41
colônia. Visitar aos amigos aos domingos ou feriados significava para os
colonos saírem de sua rotina de trabalho e gastar tempo fazendo algo
agradável. As visitas aos amigos eram sempre retribuídas em outros domingos,
mantendo assim a sociabilidade dos colonos que sempre quando se
encontravam estavam tomando chimarrão. Isso era o principal.145
A realização de bailes e de matinês foi considerada como momentos de
extrema atividade social pelos colonos. Nestes locais se divertiam e
namoravam, ressaltando que naquela época, eram mais divertidos que
agora.146 Estes bailes e matinês muitas vezes eram realizados nas próprias
casas dos moradores da colônia: Nós só andávamos com os Kasanoski que
eram meus amigos também. Então lá também saía matinê. E nós nos
reuníamos só para... Não tinha o que fazer.147
Enfim, podemos concluir que apesar das dificuldades enfrentadas pelos
colonos em Jagoda, eles não deixaram suas origens e tradições de lado,
mesmo morando em um local retirado das possibilidades culturais da época.
Com a manutenção das tradições, seguido pela sociabilidade dos colonos,
entendemos que a própria distância dos centros urbanos do estado, e as
péssimas condições das estradas, facilitaram para que estes colonos
desenvolvessem entre si a comunicação e a sociabilidade, mantendo assim as
suas tradições familiares e sociais, ao passo que também, souberam se
adaptar a nova região de acordo com o clima e as necessidades econômicas.
145
JAREMCZUK, Eugênio. 146 MERLAK, João. 147 CZEYKA, Mariano.
43
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