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COLONIALISMO MOLECULAR Margarida Mendes

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Margarida Mendes

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Consumo e Crescimento perante a Austeridade Climática

a recente aquisição da empresa de biotecnologia agrícola e agroquímica Monsanto pela farmacêutica e química Bayer é emblemática de um momento crucial no curso da política planetária. a crescente procura de alimentos permitiu que a agricultura intensiva fosse promovida a nível global. estes modos de produção alimentar recuperam métodos de produção monocultural que começaram com regimes coloniais e foram intensificados com a revolução industrial, naquilo que se constituiu como uma mudança agroeconó-mica planetária de um impacto tremendo.

tendo como alvo ingredientes base, como o milho ou a soja, que podem ser aplicados num grande leque de produtos utilizados na indústria alimentar, um conjunto de multinacionais, como a Monsanto, juntou-se à liga da indústria alimentar e das sementes patenteadas, produzindo também herbicidas, organismos geneticamente modificados e pesticidas. estes produtos intervêm de forma direta nos métodos de cultivo para aumentar a taxa de produção das colheitas, assinalando um domínio do mercado de cartel que começa também a surgir.1 Como resultado desta modi-ficação genética generalizada de elementos-chave da cadeia alimentar, estas empresas estão a interferir diretamente nos ciclos naturais da vida e dos ecossistemas, uma vez que introduzem sementes geneticamente modificadas no mundo natural e nas inter-relações causais do ciclo alimentar.

os métodos de monocultura intensiva promovidos por estas empresas, tal como a ausência de rotação de culturas, aumentam o risco de pragas e exigem pesticidas agressivos (também produzidos pelas mesmas), que por sua vez esgo-tam a terra, tornando o solo infértil e desestabilizando

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profundamente os ritmos agrícolas.2 Pesticidas ricos em nitrogénio e fósforo têm acelerado a acidificação do solo e dos oceanos3 e conduzido a uma perda da biodiversidade ao longo das últimas décadas. Por outro lado, o uso de inseticidas neonicotinóides em plantações de milho tem sido associado à diminuição da população de abelhas.

além disso, este tipo de regime agrícola criou também uma economia de dívida para agricultores relacionada com o aumento dos preços de sementes geneticamente modifi-cadas, apesar do domínio do mercado por estas empresas. no caso de países como a Índia, onde a maior parte das colheitas é ainda produzida por pequenos agricultores e uma grande parte da população é vegetariana, esta foi uma mudança trágica, uma vez que criou amplos circuitos de dívida que desregularam o mercado e provocaram um regime de dependência que se refletiu num aumento de suicídios entre os pequenos agricultores, como foi cuidado-samente apontado pela ativista ambiental Vandana shiva.4

a fusão das duas gigantes, Monsanto e Bayer, torna explícitas as relações entre a investigação nos cuidados de saúde, o patenteamento genético e o consumo alimentar. Com ela, uma pirâmide invertida de biosoberania está a ganhar forma, estendendo-se para além do estado-nação e governando um panorama macroeconómico. em particular, esta revela um ecossistema interrelacionado de produtos que tanto criam como oferecem remédios para a contami-nação, tudo sob a alçada da mesma empresa: controlo de qualidade e avaliação da aptidão ambiental da produção alimentar, prevenção, tratamento de doenças e investiga-ção de futuras terapêuticas.

Para além disso, multinacionais como a Bayer e a Monsanto ganharam ao longo das últimas duas décadas

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ainda mais poder, graças aos acordos de comércio e investimento internacionais como o naFta (tratado norte-americano de livre Comércio), assinado em 1994 pelos eua, Canadá e México, e mais recentemente o tPPa (Parceria transpacífico) assinado em 2016 por doze países do Círculo do Pacífico, o Ceta (acordo integral de economia e Comércio) assinado em 2016 pelo Canadá e vinte e oito estados da ue, ou o ttiP (acordo de Parceria transatlântica de Comércio e investimento), atualmente em discussão entre a ue e os eua e que prevê uma menor regulação para o comércio e para os negócios de grande escala. este é um gesto sem precedentes que permitirá às empre-sas processarem governos por violações de contratos e contestarem políticas ambientais nacionais ao avançarem medidas de mercado que vão contra os objetivos ratifica-dos na CoP21, onde os estados se comprometeram com uma redução até 80 % das emissões de gases de efeito estufa até 2050.5

ao permitirem a intensificação de estruturas de poder ambiciosas entre empresas e respetivos países de acolhi-mento, as intenções colonialistas destes acordos tornam-se evidentes. se, no passado, os regimes coloniais do mundo ocidental costumavam estar implicados nas noções de raça e territorialidade pelo seu intercâmbio de pessoas como moeda de troca e pelo uso de controlo militar e do conhecimento cartográfico dos territórios colonizados para manter a sua soberania no território estrangeiro, as estruturas de poder emergentes que atualmente se formam movem-se para além do individual e do geográfico, alcançando o domínio infinite-simal do gene e da molécula.

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Corpo enquanto Território Corporativoatualmente, os corpos já não podem ser entendidos como unidades finitas, mas sim como redes distribuídas de agência corporativa. a influência colonial das grandes empresas sobre as populações amplia o seu alcance para além dos limites do visível, infiltrando-se pelas cadeias da evolução biológica com a sua qualidade vampírica. navegando por entre os espaços vazios da lei, o capita-lismo transgride os limites éticos da democracia terrestre ao mesmo tempo que opera através de um modo de ação vigilante que se infiltra implacavelmente pelas populações através do lobbying político e legislativo. À medida que genes modificados patenteados são absorvidos pelos nossos corpos numa relação proprietária de subjugação biológica, o próprio corpo torna-se uma estrutura múltipla e expan-dida, onde a intervenção pode ocorrer em muitas escalas diferentes. Corpos em movimento tornam-se cartografias fluídas que atravessam diferentes regimes jurídicos.

os mecanismos de uma gestão corporativa da vida têm as suas raízes na história da implementação de medidas invasivas, como o regulamento da higienização imposta sobre as colónias, a gestão demográfica através do controlo da natalidade e das políticas de filho único devido aos recei os de sobre-população, ou o Plano global de ação para a Vacinação impulsionado pela organização Mundial de saúde (oMs).6 nos seus escritos detalhados sobre o tema, eugene thacker recorda que o colonialismo inaugurou a «biologização do estado»7 na qual vivemos atualmente, um momento em que as formas estatísticas de conhecimento são aplicadas na monitorização da popu-lação, utilizadas na gestão e na previsão de condições evolutivas, um período que é definido por «um afastamento

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significativo de anteriores noções de estado enraizadas no território».8 os corpos tornaram-se territórios expan-didos para intervenção soberana, onde o papel de gestão do estado tem uma palavra a dizer sobre o biorritmo de cada indivíduo. se em Capitalist Realism, de Mark Fisher, a monitorização da população se encontra associada à regulação dos afetos e das expectativas, contribuindo para a supressão da diferença e da revolta sob uma ordem neo-liberal imposta generalizada,9 o trabalho de thacker sobre a política da biometria sugere o facto de que esta própria monitorização suscita novas formas de governança, tanto ao nível molecular como através de canais tão vastos como os da circulação de grandes volumes de dados. esta esfera mais alargada influenciará então áreas tão distintas como a jurisdição, ou as previsões científicas sobre a evolução genética da vida.

Para este efeito, os modos de recolha, análise e distri-buição da informação tornam-se tão relevantes como as linguagens de programação das megaestruturas de dados que circunscrevem o mundo, que deveriam também ser sujeitas ao escrutínio legal. Juntamente com o predomínio positivista de formas de conhecimento estatístico, os dados oferecem uma base para um modelo de governança que inter fere dire tamente na relação entre informação e matéria. Como thacker defende, isto sucede precisamente numa altura em que o campo da ética se estende ao do código informático, tal como a divulgação pública do adn se torna a base prin-cipal para a intervenção na realidade física.

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num Território sem Precedentes: A Financialização da Molécula

a época dourada do estudo do adn em que atualmente vivemos permite não só uma compreensão médica mais alargada da doença, ajudando a explicar reações morfo-genéticas, como desvendou um território até aqui sem precedentes, no qual se pode intervir e operar transfor-mações ao nível da codificação genética. Por coincidência, a desco dificação e divulgação pública dos códigos genéticos de humanos, plantas e animais deu espaço a um aumento exponencial de patentes biológicas, uma vez que atualmente «quase 20 % do genoma humano é agora propriedade pri-vada»10, e a um investimento numa perspetiva empresarial da política corporal enquanto forma de endocolonização.11

ao mesmo tempo, as metodologias operacionais da admi nistração da finança invadiram amplamente o espec tro do biológico, com os seus modos de tratamento analítico e estatístico da realidade que utilizam métodos de computação como modos de avaliação do desempenho, funcionalidade e evolução da vida. o estatuto proprietário destas patentes deu origem a um enquadramento supremacista das onto-logias terrestres, onde a assunção do especismo humano é fundamental. Para além disso, responde a uma lógica de mercado que encara a vida como um bem a ser manipulado e replicado sob a volatilidade do mercado de consumo.

no último século produziram-se 80.000 novas molé-culas que foram posteriormente lançadas no ecossistema e cujo comportamento não é inteiramente previsível. Cientistas como giuseppe longo têm-se preocupado com a criação de anthromes, novas moléculas produzidas pelo homem, e a circulação de ogM e os seus efeitos, espe-cialmente devido ao facto de a crise endocrinológica em

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que os nossos sistemas vivem aumentar os níveis de infer-tilidade e de desenvolvimento de cancro.12 a interação entre agentes híbridos, como «anthromes» e organismos naturais, foi impulsionada de forma inédita, conduzindo ao comportamento inesperado e evolução de vários compo-nentes e a um resultado imprevisível das suas mutações.

um novo campo de potencial capitalizável é assim revelado, trazendo consigo uma cartografia estratégica de intervenção em formas de vida. À medida que somas avultadas de capital transnacional são atribuídas à gestão da saúde planetária, reações enzimáticas tornaram-se espaços financiais. Mas como poderemos abordar a com-plexidade desta relação empresarial que desenvolvemos com a matéria sem trazer para o primeiro plano as moti-vações que se escondem por trás das ferramentas que utilizamos? esta abordagem neoliberal ao domínio do natural enquanto plata forma potencial para o lucro conduz definitivamente a uma controvérsia ética, na qual a vida é tratada como informação: uma linguagem que pode ser encriptada e decifrada.

Indeterminação na Erada Ditadura Algorítmica

temos testemunhado, ao longo das últimas décadas, o desenvolvimento de formas algorítmicas de inteligência que crescem em paralelo, e muitas vezes em aliança, à investigação genética. Como evoluiu a nossa compreensão do pensamento algorítmico nos últimos tempos? e de que forma é que esta abarca problemas complexos, para não dizer éticos, de inter venção no curso da vida e da evolução, tendo como base a linguagem da computação?

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o domínio da soberania algorítmica imposta no estudo da evolução ganhou um investimento exponencial por parte dos guardiões tecnológicos e das agências de execução legis lativa, dando um poder nunca antes visto aos lóbis e aos negócios feitos sobre a administração da vida. Para além disso, os campos dos serviços de saúde e da produção alimentar proporcionaram o mercado necessário para uma exploração e manipulação mais profundas da natureza, dando origem ao que atualmente é a codificação dos ciclos do mundo natural orientada pelo lucro. este cenário pode não ter fim à vista, a não ser que invistamos num debate honesto sobre a relação colonialista da intervenção humana sobre a esfera natural, questionando formas de raciocínio ético e criativo envolvidas nos instrumentos que utilizamos, e criando espaços de diálogo entre diferentes epistemologias.

a integração de algoritmos e da análise de grandes dados na esfera biológica é acompanhada por uma crença acrescida no tecnopositivismo e nos modelos de pensamento estatístico, bem como por regimes de avaliação do mundo natural, e de novas formas de governança. estes são essen-cialmente modos de previsão e análise que tratam a matéria como um objeto finito e computável. a matemática desem-penha aqui um papel essencialmente normativo que pode ser quasi-reducionista, como giuseppe longo sugeriu na sua obra crítica sobre a função sintética da matemática. além disso, no «dilúvio de falsas correlações em grandes dados», longo também aborda a inclusão do indetermi-nismo na análise de grandes volumes de dados, revelando como a aleatoriedade é iminente na mesma: «bases de dados muito grandes têm de conter correlações arbitrárias. estas correlações aparecem apenas devido à dimensão, não à natureza, dos dados. Podem ser encontradas em bases de

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dados suficientemente grandes e geradas ao acaso, o que implica, como poderemos provar, que a maior parte das correlações são falaciosas. demasiada informação tende a comportar-se como muito pouca informação».13

Concomitantemente, algoritmos inspirados pelo mundo natural e ideias de seleção e evolução natural foram desen-volvidos, como acontece com os algoritmos genéticos, desenhados para evoluírem e se adaptarem ao ambiente e resolverem problemas neste processo de auto-geração. algoritmos genéticos são um subgrupo de algoritmos evolucionários que reproduzem ações inspiradas em opera-dores biológicos, como células, por exemplo, procurando otimizar as respostas aos problemas dos seus ambientes ao auto-gerarem-se e incluirem processos de mutação e seleção natural. no entanto, neste exercício assume-se que uma certa tradução e espelhamento de processos naturais sejam inerentemente positivos, muitas vezes acompanhados pela crença de que tudo é potencialmente computável e previsível. neste processo, é rejeitado o facto de que a vida é ela própria um sistema aberto, não-linear, e exponencial-mente caótico.

a cada vez maior integração de modelos algorítmicos de computação para a gestão da vida revela uma incompre ensão sobre o poder adaptativo da natureza enquanto sistema aberto, e como tal incomputável, e que frequentemente escapa às avaliação preditivas que tentam moldar os sistemas vivos. estes modelos têm de incluir o indeterminismo no seu núcleo. Para além disso, diria que a genética, tal como os algoritmos, devem incluir «a probabilidade de incomputabilidade» à semelhança da defesa que luciana Parisi, na sua análise de arquiteturas algorítmicas,14 faz por uma probabilidade que seja indeterminada e que não responda apenas a problemas

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finitos nem à direta adaptabilidade a estímulos externos,15 mas que seja cada vez mais entrópica.

a vida é em si mesma mais incomputável do que podemos atualmente prever, e a sua propensão para a mutação constante é incalculável na sua forma atual, sendo um sistema complexo. Qualquer abordagem regula-dora baseada na síntese matemática nega a propensão da natureza para bifurcar e complexificar a sua evolução por caminhos híbridos. a nossa fé na compatibilidade genética e nos seu absoluto controlo leva-nos a intervir nos ecos-sistemas de uma forma que nos conduziu a um regime de uma soberania biopolítica em conflito consigo mesma. Mas como rejeitar a força colonizadora dos algoritmos e predadores genéticos como subtextos para toda a matéria, a não ser pela regulação legal da programação informática e intervenção genéticas?

/ *anomalias genéticas inesperadas provaram o indeterminismo da matéria e das suas mutações a níveis alarmantes, opondo--se contra a ação colonizadora do homem. tome-se como exemplo o aparecimento do vírus zika na américa latina e a onda de pânico global que provocou. registado pela primeira vez em 1947, desde 2015 que a oMs tem verificado a propagação do vírus zika pelas américas em larga escala, tendo sofrido uma mutação para uma forma aparente mente mais complexa que causa microcefalia em recém-nascidos de mães infetadas. a comunidade científica ainda procura a origem desta mutação, mas algumas teorias ainda por provar relacionam este surto com uma colónia de mosquitos fêmea inférteis geneticamente modificada que foi lançada em

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2015 para combater a dengue, de que apenas uma pequena percentagem era ainda portadora de doenças. a oMs tem investigado a mutação do mosquito e a sua ligação a um pesticida introduzido pela companhia sumitomo–Monsanto, enquanto outros atribuem a prolife ração do inseto infetado a uma mutação de colónia hibridizada de mosquitos infér-teis criada numa tentativa de regular a febre de dengue.16 apesar de estas alegações se encontrarem por provar, o Brasil reagiu ao pulverizar os seus cidadão com mais pesti-cidas, e estados como a Florida continuam a considerar a introdução de um novo tipo de mosquito geneticamente modificado para controlar o índice de fertilidade do inseto que transporta o zika no seu território,17 o Aedes Aegypti. encarado pelos órgãos reguladores de saúde como um passo otimista, esta decisão parece no entanto que contri buirá para um aumento do efeito bola de neve, em que o destino é uma capitalização infinita das suas consequências.18

terão as nossas constituições a força suficiente para agir antecipadamente ou estaremos a permitir que progra-madores, patenteadores e laboratórios liderem os caminhos da seleção natural?

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Notas

1. Ken Roseboro, «The GMO Seed Cartel», The Organic and Non-GMO Report, 1 de fevereiro de 2013. Consultado a 15 de outubro de 2016, http://www.non-gmoreport.com/articles/february2013/the-gmo-seed-cartel.php.

2. Union of Concerned Scientists, «Expanding Monoculture, 8 Ways Monsanto Fails at Sustainable Agriculture: #4», in Union of Concerned Scientists, 9 de janeiro de 2012. Consultado a 15 de outubro de 2016, http://www.ucsusa.org/food_and_agriculture/our-failing-food-system/genetic-engineering/expanding-monoculture.html#.WC-7NGXPzrc.

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3. Will Steffen, et al., «The Anthropocene: conceptual and historical perspectives», in Philosophic Transactions of the Royal Society A, 31 de janeiro de 2011. Consultado a 12 de junho de 2013, http://www.rsta.royalsocietypublishing.org/content/369/1938/842.

4. «Em vez de controlar pragas, o Algodão BT levou ao aparecimento de novas pragas e a um número treze vezes maior de pesticidas. Os agricultores sofrem duplamente. Sementes caras e químicos caros empurram-nos para a armadilha da dívida, e a dívida empurra-os para o suicídio. Desde 1997, suicidaram-se na Índia 200.000 agricultores. A maior parte destes suicídios concentrou-se na cintura do algodão, e 95 % do algodão é agora Algodão Bt da Monsanto». Vandana Shiva, «Making Peace with the Earth», 3 de novembro de 2010. Consultado a 10 de outubro de 2016, http://sydneypeacefoundation.org.au/wp-content/uploads/2012/02/2010-SPP_Vandana-Shiva1.pdf: 8.

5. Arthur Nelsen, «Leaked TTIP energy proposal could “sabotage” EU climate policy», in The Guardian, 11 de julho de 2016. Consultado a 12 de julho de 2016, http://www.theguardian.com/environment/2016/jul/11/leaked-ttip-energy-proposal-could-sabotage-eu-climate-policy.

6. World Health Organization, «Global Vaccine Action Plan 2011–2020». Consultado a 8 de outubro de 2016, http://www.who.int/immunization/global_vaccine_action_plan/en/.

7. Eugene Thacker, The Global Genome: Biotechnology, Politics, and Culture (Cambridge, Mass.: MIT Press, 2005),p. 151.

8. Ibid.

9. «No seu livro The Selfish Capitalist, Oliver James defendeu de forma clara uma correlação entre índices crescentes de perturbações mentais e o modo neoliberal do capitalismo praticado em países como a Grã-Bretanha, os EUA ou a Austrália. Na linha das reivindicações de James, quero sublinhar que é necessário reenquadrar o problema cada vez maior do stress (e do sofrimento) nas sociedades capitalistas. Em vez de o tratar como uma imposição sobre os indivíduos para resolverem o seu próprio sofrimento psicológico, em vez de se aceitar a vasta privatização do stress que tem vindo a ocorrer ao longo dos últimos trinta anos, precisamos

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de perguntar: como é que se tornou aceitável que tantas pessoas, e especialmente tantos jovens, estejam doentes? A ‘praga da doença mental’ nas sociedades capitalistas sugeriria que, em vez de ser o único sistema social que funciona, o capitalismo é intrinsecamente disfuncional, e que o preço a pagar por parecer que funciona é muito elevado». Mark Fisher, Capitalist Realism (Winchester: Zero Books, 2009), p. 19.

10. «Nos últimos trinta anos, foram atribuídas mais de 3.000 patentes sobre genes. Quase 20 % do genoma humano é atualmente propriedade privada. A Agência Americana de Patentes e Marcas emitiu quase 50.000 patentes envolvendo material genético humano. Foram atribuídas patentes para microorganismos, plantas e animais geneticamente modificados, células estaminais, tecidos e muitos outros organismos vivos». David Bollier, «The Chakrabarty Case and the Ownership of Lifeforms», in David Bollier: News and perspectives on the commons (blog) 5 de outubro de 2012. Consultado a 10 de fevereiro, 2016, http://www.bollier.org/blog/chakrabarty-case-and-ownership-lifeforms.

11. «[B]iocolonialismo é também um fenómeno nos países do primeiro mundo, onde a indústria farmacêutica fica a ganhar a maior parte do lucro. Esta “endocolonização”, não só do corpo mas da própria prática médica, foca-se nas formas em que o corpo biológico pode ser transformado num gerador de valor, quer seja no desenvolvimento de drogas ou através de técnicas médicas inovadoras, como a terapia genética.» Eugene Thacker, The Global Genome: Biotechnology, Politics, and Culture, (Cambridge, Mass.: MIT Press, 2005), p. 157.

12. «O discreto panorama computacional não nos ajudou (ou não nos permitiu) a detetar o papel dos perturbadores endócrinos das 80.000 (sic) moléculas artificiais que produzimos no século XX. Pensava-se que a maioria era inócua, abaixo dos limites individuais arbitrariamente impostos, uma vez que não eram estereoespecíficos (não numa correspondência físico-químico-geométrica exata) e por isso incapazes de interferir com cadeias moleculares-computacionais, necessariamente estereoespecíficas, que vão “do ADN ao ARN às proteínas” (o dogma central da biologia molecular), e com as vias hormonais. Deve ser sublinhado, com efeito, que a estereoespecificidade molecular exata foi deduzida, contra evidências experimentais que disponíveis na altura (desde 1957: ver Elowitz e Levine 2002; Raj e Oudernaaden 2008):

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é ‘necessário’, como Monod (1972) diz, para que a transmissão de informação computacional e o programa genético funcionem. Assim, negando o papel do contexto na expressão genética e no controlo hormonal, as consequências (diretas e indiretas) das finitas combinações das ditas 80.000 moléculas no organismo e no ecossistema químico dos vivos desapareceram. A incidência de cancro aumentou nos últimos cinquenta anos, em todas as faixas etárias, juntamente com a redução para metade (sic) da densidade média de espermatozóides humanos nos países ocidentais (Diamanti–Kandarakis et al. 2009; Soto e Sonnenschein 1999, 2010). Quanto ao cancro, a falha da abordagem molecular, que é à cinquenta anos centrada no ADN, foi recentemente reconhecida por um dos seus pais fundadores, Weinberg (2014)». Giuseppe Longo, «Conceptual Analyses from a Grothendieckian Perspect e Reflections on Synthetic Philosophy of Contempora Mathematics by Fernando Zalamea», trad. Fabio Gironi, in Speculations VI, 12 de dezembro 12, 2015. Consultado a 8 de fevereiro de 2016, http://static1.1.sqspcdn.com/static/f/1181229/26726714/1449753798363/Speculations_VI_Longo.pdf?token=1xxfj1KQBowRiD8MmVxjMWv7W0Q%3D.

13. Guiseppe Longo e Cristian S. Calude, «The Deluge of Spurious Correlations in Big Data», in Algorithmic Randomness. Consultado a 30 de novembro de 2016, http://www.academia.edu/23450804/The_Deluge_of_Spurious_Correlations_in_Big_Data in Objective and Epistemic Complexity in Biology: 1.

14. Luciana Parisi, Contagious Architecture: Computation, Aesthetics and Space (Cambridge, Mass.: MIT Press, 2013). p. 13.

15. «[A] primeira vaga de cibernéticos seguiu os protocolos científicos tradicionais ao considerar que os observadores se encontram fora do sistema que observam. […] A segunda vaga de cibernéticos afastou-se das tentativas de incorporar a reflexividade no paradigma cibernética a um novel fundamental […] A terceira vaga desenvolveu-se quando a auto-organização começou a ser entendida não apenas como uma mera (re)produção da organização interna mas como trampolim para o surgimento.» N. Katherine Hayles, How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature, and Informatics (Chicago, Il.: University of Chicago Press, 1999), p. 11.

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16. Mike Adams, «Zika virus outbreak linked to release of genetically engineered mosquitoes … disastrous unintended consequences now threaten life across the Americas», Natural News (1 de fevereiro de 2016). Consultado a 20 de setembro de 2016, http://www.naturalnews.com/052824 _Zika_virus_genetically_engineered_mosquitoes_unintended_consequences.html.

17. Jessica Glenza, «Florida cleared to release genetically modified mosquitoes in Zika fight», The Guardian (5 de agosto de 2016). Consultado a 10 de outubro de 2016, http://www.theguardian.com/world/2016/aug/05/florida-genetically-modified-mosquitoes-zika.

18. Bill Berkrot, «Zika vaccine race spurred by crisis and profit potential», Reuters (4 de outubro de 2016). Consultado a 5 de outubro de 2016, http://www.reuters.com/article/us-health-zika-vaccines-analysis- idUSKCN12409V.

Outras Referências

Susan Schluppi «Deadly Algorithms» in Radical Philosophy (setembro/outubro 2014). Consultado a 30 de novembro de 2016. http://www.radicalphilosophy.com/commentary/deadly-algorithms.

Vandana Shiva «The War against Earth» in The State of Things, ed. Marta Kuzma, Pablo Lafuente e Jaques Rancière (Oslo: Office for Contemporary Art, 2012).

Anna Tsing «Unruly Edges: Mushrooms as Companion Species» in Tsingmushrooms (blog). Consultado a 30 de novembro de 2016. http://www.tsingmushrooms.blogspot.com/.

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