colonialidade, poder, globalização e democracia

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4 NOVOS R UMOS ANO 17 • N O 37 • 2002 Colonialidade, poder, globalização e democracia * Aníbal Quijano INTRODUÇÃO Nesta ocasião me proponho, sobretudo, a colo- car algumas das questões centrais que me parecem ainda insuficientemente pesquisadas no debate a respeito do processo chamado “globalização” e sobre suas relações com as tendências atuais das formas institucionais de dominação e em particular do moderno Estado-nação. Não obstante, ainda que seja restrita como aqui, toda discussão dessas questões implica de todo modo uma perspectiva teórica e histórica sobre a questão do poder e é sem dúvida pertinente assinalar alguns dos traços mais importantes que orientam essa pesquisa. Do ponto de vista dessa perspectiva, o fenômeno do poder é caracterizado como um tipo de relação social constituído pela co-presença permanente de três elementos – dominação, ex- ploração e conflito – que afeta as quatro áreas básicas da existência social e que é resultado e expressão da disputa pelo controle delas: 1) o trabalho, seus recursos e seus produtos; 2) o sexo, seus recursos e seus produtos; 3) a autoridade coletiva (ou pública), seus recursos e seus produtos; 4) a subjetividade/ intersubjetividade, seus recursos e seus produtos. As formas de existência social em cada uma dessas áreas não nascem umas das outras, mas não existem, nem operam separadas ou independentes entre si. Por isso mesmo, as relações de poder que se constituem na disputa pelo controle de tais áreas ou âmbitos de existência social tampouco nascem, nem se derivam, umas das outras, mas não podem existir, salvo de maneira intempestiva e precária, umas sem as outras. Isto é, formam um complexo estrutural cujo caráter é sempre histórico e específico. Em outras palavras, trata-se sempre de um determinado padrão histórico de poder. 1 O atual padrão de poder mundial consiste na articulação entre: 1) a colonialidade do poder, isto é, a idéia de “raça” como fundamento do padrão universal de classificação social básica e de dominação social; 2) o capitalismo, como padrão universal de exploração social; 3) o Estado como forma central universal de controle da autoridade coletiva e o moderno Estado-nação como sua variante hegemônica; 4) o eurocentrismo como forma hegemônica de controle da subjetividade/ intersubjetividade, em particular no modo de produzir conhecimento. Colonialidade do poder é um conceito que dá conta de um dos elementos fundantes do atual padrão de poder, a classificação social básica e universal da população do planeta em torno da idéia de “raça”. 2 Essa idéia e a classificação social e baseada nela (ou “racista”) foram originadas há 500 anos junto com América, Europa e o capitalismo. São a mais profunda e perdurável expressão da dominação colonial e foram impostas sobre toda a população do planeta no curso da expansão do colonialismo europeu. Desde então, no atual padrão mundial de poder, impregnam todas e cada uma das áreas de existência social e constituem a mais profunda e eficaz forma de dominação social, material e intersubjetiva, e são, por isso mesmo, a base intersubjetiva mais universal de dominação política dentro do atual padrão de poder. 3 A categoria de capitalismo está referida ao conjunto da articulação estrutural de todas as formas historicamente conhecidas de controle do trabalho ou exploração, escravidão, servidão, * Esta é uma versão revista de uma conferência que proferi na Escola de Estudos Internacionais e Diplomáticos Pedro Gual, em Caracas, Venezuela, em junho de 2000. Tradução de Dina Lida Kinoshita.

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4NOVOS RUMOS ANO 17 • NO 37 • 2002

Colonialidade, poder,globalização e democracia*

Aníbal Quijano

INTRODUÇÃO

Nesta ocasião me proponho, sobretudo, a colo-car algumas das questões centrais que me parecemainda insuficientemente pesquisadas no debate arespeito do processo chamado “globalização” e sobresuas relações com as tendências atuais das formasinstitucionais de dominação e em particular domoderno Estado-nação. Não obstante, ainda queseja restrita como aqui, toda discussão dessasquestões implica de todo modo uma perspectivateórica e histórica sobre a questão do poder e ésem dúvida pertinente assinalar alguns dos traçosmais importantes que orientam essa pesquisa.

Do ponto de vista dessa perspectiva, ofenômeno do poder é caracterizado como um tipode relação social constituído pela co-presençapermanente de três elementos – dominação, ex-ploração e conflito – que afeta as quatro áreas básicasda existência social e que é resultado e expressãoda disputa pelo controle delas: 1) o trabalho, seusrecursos e seus produtos; 2) o sexo, seus recursos eseus produtos; 3) a autoridade coletiva (ou pública),seus recursos e seus produtos; 4) a subjetividade/intersubjetividade, seus recursos e seus produtos.As formas de existência social em cada uma dessasáreas não nascem umas das outras, mas não existem,nem operam separadas ou independentes entre si.Por isso mesmo, as relações de poder que seconstituem na disputa pelo controle de tais áreasou âmbitos de existência social tampouco nascem,nem se derivam, umas das outras, mas não podemexistir, salvo de maneira intempestiva e precária,

umas sem as outras. Isto é, formam um complexoestrutural cujo caráter é sempre histórico eespecífico. Em outras palavras, trata-se sempre deum determinado padrão histórico de poder.1

O atual padrão de poder mundial consiste naarticulação entre: 1) a colonialidade do poder, istoé, a idéia de “raça” como fundamento do padrãouniversal de classificação social básica e dedominação social; 2) o capitalismo, como padrãouniversal de exploração social; 3) o Estado comoforma central universal de controle da autoridadecoletiva e o moderno Estado-nação como suavariante hegemônica; 4) o eurocentrismo comoforma hegemônica de controle da subjetividade/intersubjetividade, em particular no modo deproduzir conhecimento.

Colonialidade do poder é um conceito que dáconta de um dos elementos fundantes do atual padrãode poder, a classificação social básica e universalda população do planeta em torno da idéia de“raça”.2 Essa idéia e a classificação social e baseadanela (ou “racista”) foram originadas há 500 anosjunto com América, Europa e o capitalismo. São amais profunda e perdurável expressão da dominaçãocolonial e foram impostas sobre toda a populaçãodo planeta no curso da expansão do colonialismoeuropeu. Desde então, no atual padrão mundial depoder, impregnam todas e cada uma das áreas deexistência social e constituem a mais profunda eeficaz forma de dominação social, material eintersubjetiva, e são, por isso mesmo, a baseintersubjetiva mais universal de dominação políticadentro do atual padrão de poder.3

A categoria de capitalismo está referida aoconjunto da articulação estrutural de todas asformas historicamente conhecidas de controle dotrabalho ou exploração, escravidão, servidão,

* Esta é uma versão revista de uma conferência que proferi naEscola de Estudos Internacionais e Diplomáticos Pedro Gual,em Caracas, Venezuela, em junho de 2000. Tradução de DinaLida Kinoshita.

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pequena produção mercantil independente,reciprocidade e salário. Tais formas de controle dotrabalho se articularam como estrutura conjunta emtorno do predomínio da forma salarial, chamadacapital, para produzir mercadorias para o mercadomundial. O capital é uma forma específica decontrole do trabalho que consiste na mercantilizaçãoda força de trabalho a ser explorada. Por suacondição dominante em tal conjunto estrutural,outorga a esse seu caráter central – quer dizer, o fazcapitalista – mas historicamente não existe, nãoexistiu nunca e não é provável que exista no futuro,separado ou independentemente das outras formasde exploração.4

O Estado, como estrutura de autoridade e comoforma de dominação coletiva, é muito antigo. Nãoestá totalmente bem estabelecido desde quando eem associação com quais condições históricas foiimposto como a forma central universal de controleda autoridade coletiva e de dominação política,menos ainda quando, como e onde chegou a serEstado-nação. Por sua vez sabemos bem que omoderno Estado-nação é, por uma parte, re-lativamente recente e, de outra parte, não estáconsolidado a não ser em poucos espaços dedominação estatal ou países. Seus signos específicossão, primeiro, a cidadania ou presunção formal deigualdade jurídico-política dos que habitam em seuespaço de dominação não obstante sua desigualdadenos demais âmbitos do poder; segundo, a repre-sentatividade política que, sobre essa base, se atribuiao Estado com respeito ao conjunto de cidadãos enão só, como nas outras variantes de Estado, dealgum interesse social particular ou setorial. Foi seconstituindo no período conhecido como a mo-dernidade, que se abre a partir da América, e emvinculação com o processo de eurocentrização docapitalismo e da modernidade; alcança seus traçosatuais definitórios desde finais do século XVIII e éadmitido durante o século XX como o modelomundialmente hegemônico, o que não equivale,com certeza, que tenha chegado a ser praticadotambém mundialmente. Na etapa atual do podercolonial/capitalista, sua “globalização”, em especialdesde meados dos anos 1970, pressiona pelo des-virtuamento daqueles traços específicos, inclusivepela reversão de seus respectivos processos, emparticular do conflito social em torno da ampliaçãoda igualdade social, da liberdade individual e dasolidariedade social.5

Finalmente, o eurocentrismo é a perspectivade conhecimento que foi elaborada sistematicamentea partir do século XVII na Europa, como expressãoe como parte do processo de eurocentralização dopadrão de poder colonial/moderno/capitalista. Emoutros termos, como expressão das experiências decolonialismo e de colonialidade do poder, dasnecessidades e experiênciasdo capitalismo e da euro-centralização de tal padrãode poder. Foi mundialmen-te imposta e admitida nosséculos seguintes, como aúnica racionalidade legítima.Em todo caso, como a racio-nalidade hegemônica, omodo dominante de pro-dução de conhecimento.Para o que interessa aqui,entre seus elementos prin-cipais é pertinente destacarsobretudo o dualismo radical entre “razão” e “corpo”e entre “sujeito” e “objeto” na produção doconhecimento; tal dualismo radical está associadoà propensão reducionista e homogeneizante de seumodo de definir e identificar, sobretudo napercepção da experiência social, seja em sua versãoa-histórica, que percebe isolados ou separados osfenômenos ou os objetos e não requer por con-seqüência nenhuma idéia de totalidade, seja na queadmite uma idéia de totalidade evolucionista,orgânica ou sistêmica, inclusive a que pressupõeum macrossujeito histórico. Essa perspectiva deconhecimento está atualmente em um de seus maisabertos períodos de crise, como o está toda a versãoeurocêntrica da modernidade.6

Por suas características, na história conhecidaesse foi o primeiro dos padrões de poder com carátere vocação global. Nesse sentido, o que agora sechama “globalização” é, sem dúvida, um momentodo processo de desenvolvimento histórico de talpadrão de poder, talvez o de sua culminação e desua transição, como já foi sugerido por vários.7

Todas essas propostas e categorias são, como éóbvio, questões abertas. Não se deve perder de vista,em conseqüência, que sua pesquisa sistemática eseu debate estão apenas começando. Isso não querdizer que as propostas que faço neste trabalho sejamarbitrárias, mas sim que voltarei a elas conforme ainvestigação e o debate se desenvolvam.

Do ponto de vista dessa perspectiva,

o fenômeno do poder é caracterizado

como um tipo de relação social

constituído pela co-presença

permanente de três elementos:

dominação, exploração e conflito.

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AS QUESTÕES CENTRAIS DA

“GLOBALIZAÇÃO”

O que hoje se denomina “globalização” é,obviamente, uma questão múltipla e sobre a qualhá um grande debate e uma vasta e crescenteliteratura. É provável que a idéia mais difundidaque circula associada a esse termo seja a de umaintegração econômica, política e cultural contínuae crescente do mundo. Na prática, isso implica quehá fenômenos e processos que afetam a todo omundo de maneira imediata, inclusive simultânea,isto é, global. E se atribui à “revolução científico-tecnológica” nos meios e sistemas de comunicaçãoe de transporte a qualidade de ser a principaldeterminante histórica desse possível processo.

Originalmente, a “globalidade” foi referida auma mudança drástica nas relações entre o espaçoe o tempo na subjetividade, como conseqüência davelocidade da circulação de informações produzidapelos novos recursos científico-tecnológicos, de talmaneira que se podia perceber simultaneamente oque ocorria em qualquer lugar do mundo. Em nossasubjetividade, em nossas relações intersubjetivas,o mundo não só havia se apequenado, mas tambémisso ocorria porque o mundo havia se integrado notempo, era simultâneo. A famosa imagem de “aldeiaglobal” foi, sem dúvida, a construção mental inicialexitosa que dava conta dessa nova relação subjetivacom o espaço e com o tempo.8

Mesmo que, para muita gente, talvez, essassejam ainda as imagens mais associadas com a idéiade “globalização”, é preciso admitir que vão sendosubmersas sob outras mais recentes, que para muitosjá parecem ter toda a consistência de genuínascategorias conceituais, apesar de resistirem aoabandono de seu hábitat mediático: a “realidadevirtual”, a “sociedade virtual” e a “nova economia”(que a partir da mesma perspectiva poderia sertambém denominada “economia virtual”). Aprimeira tem implicações decisivas no debate sobrea produção do conhecimento. Põe em relevo,sobretudo, que com a tecnologia atual já não sereproduz apenas, se combina ou se usa imagens esons já presentes na “natureza” ou na “realidade”,mas se produz, manipula e difunde novos elementosvisuais e sonoros, novas imagens produzidas comtais novos elementos que em seu conjunto jáconstituem um mundo “virtual” e que de muitosmodos se superpõem e ainda deslocam e substituem

o mundo “real” a ponto de que em numerosas ediversas áreas não é tarefa fácil distinguir entreambos, com tudo que isso significaria para aquestão da percepção, do conhecimento e do modode produzir conhecimento. A “sociedade virtual” éuma idéia que prolonga essa imagem e propõe queas relações sociais ocorrem, cada vez mais, pre-cisamente dentro de e tramadas com aquela“realidade virtual” e de algum modo tem essaconsistência. A “nova economia” é a mais recente,mediática em sua origem como todas as demais,remete à idéia de que a economia do mundo atualse converteu, ou está em curso de sê-lo, em umarede única de intercâmbio de mercadorias e de valor.Essa seria a expressão emblemática da integraçãoglobal da economia mundial e certamente se apóiaem e se trama com aquelas “realidade virtual” e“sociedade virtual”.

O debate não consegue desviar sempre umatendência à mistificação. De fato, na linguagemmediática o termo “globalização” passou a servirtualmente sinônimo de um vasto e sistêmicomaquinário impessoal, que existe e se desenvolvede modo independente das decisões humanas, querdizer, de um certo modo natural e, nesse sentido,inevitável, e que abarcaria e explicaria todas as atuaisações humanas.

Mas o “mundo” – se com esse termo se implicaa existência social humana articulada em umaespecífica totalidade histórica –, seja ou não“globalizado”, não se poderia entender por fora docontexto de que é um padrão de poder específico,o que lhe outorga seu caráter de “mundo” ou detotalidade histórica específica, sem o qual qualqueridéia de “globalização” seria simplesmente inútil.De outro modo, resultaria que as redes decomunicação, de informação, de intercâmbio, etc.,existem e operam em um tipo de vácuo histórico.Portanto, é teoricamente necessário, não sópertinente, investigar cada uma das atuais áreas decontrole da existência social para trazer à luz ossentidos possíveis que a famosa “globalização” temou pode ter na experiência. Dentro dos limites destetrabalho não irei além de colocar as questões queme parecem centrais em duas áreas principais, ocontrole do trabalho e o da autoridade pública.

CAPITALISMO E GLOBALIZAÇÃO

Ao examinar com cuidado as atuais tendênciasdo capitalismo os dados são sem dúvida im-

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pressionantes, seja no que se refere à geografiapolítica da distribuição de renda, bens e serviçosbásicos ou dos fluxos de capital, seja, às relaçõesentre formas de capital ou às relações entre capitale trabalho. Como os dados são, em geral, acessíveisa todos, para os propósitos desta investigação épertinente assinalar melhor algumas das tendênciasprincipais:

1. Em 1800, 74% da população mundial (entãode 944 milhões) detinha 56% do produtomundial (em US$ de 1980: 229,095,000,000),enquanto 26% dessa população concentrava44% de tal PMB. Mas em 1995, 80% dapopulação mundial (já de 5.716.000.000)detinha somente 20% do produto mundial (US$de 1980: 17,091,479,000,000), enquanto 20%concentrava 80% do produto mundial.

2. A diferença de 9 a 1 com respeito a razão entrea renda média dos países ricos e a dos paísespobres, em dois séculos, chegou a umadiferença de 60 a 1. Enquanto isso, desde 1950os países ricos têm aumentado sua populaçãoem 50% enquanto os países pobres o fizeramem 250%.9

3. Segundo o informe do Banco Mundial (ano2000), em termos de produção mundial, em1999 os países do Grupo dos 7 (G7 daqui emdiante), isto é menos de 12% da populaçãomundial e com 16% da superfície do planeta,produziam 65%, 3% a mais do que em 1980.

4. E no mesmo movimento histórico, também adistância entre ricos e pobres dentro de cadaum dos países do mundo tem crescido. Assim,no país mais rico do planeta, Estados Unidos,se em 1970 havia 24,7 milhões de pessoas emsituação de pobreza crítica (11,6% da po-

pulação), em 1997 essa cifra havia saltado para35,6 milhões (13,3% da população), isto é, em43% em menos de 20 anos. Um estudo recentemostra que, entre 1977 e 1989, 1% das famíliasconseguiu captar 70% do total do aumento dariqueza familiar e viu aumentada sua renda em100%. Na América Latina, desde 1973 asdiferenças de renda têm piorado: a renda médiados 20% que obtêm renda é hoje 16 vezes maisalta do que a dos 80% restante. No Brasil essadiferença chega a ser de 25 a 1, comparadocom 10 a 1 na Europa ocidental e de 5 a 1 nosEUA. Também, a diferença de salário entre os“qualificados” e os outros. Por exemplo, noPeru, cresceu na década de 1990 em mais de30%, e na Colômbia em mais de 20%.10

5. Dadas essas condições, as três pessoas mais ricasdo mundo têm uma fortuna superior ao PIBdos 48 Estados mais pobres. Quer dizer, daquarta parte da totalidade dos Estados domundo. Por exemplo, com respeito à AméricaLatina, em 1996 as vendas da General MotorsCorporation foram de 168 bilhões de dólares,enquanto que o PIB combinado da Guatemala,El Salvador, Honduras, Costa Rica, Nicarágua,Panamá, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai eUruguai, chegou somente a 159 bilhões dedólares.

6. Ao mesmo tempo, segundo a ONU (informeda UNDP, 1998), para satisfazer às necessidadesbásicas do conjunto da população do planeta,bastariam 4% das 225 maiores fortunas domundo. E para satisfazer às necessidadessanitárias (em 1998, 4 bilhões de habitantes doTerceiro Mundo não tinham acesso à águapotável nem à energia elétrica) e de nutrição(50% das crianças sofrem de desnutrição),bastariam 13 bilhões de dólares, quer dizer,13% do que se gasta anualmente nos EstadosUnidos e na Europa em perfume.

7. Ao considerar a direção dos fluxos de capital,verifica-se que entre 1990 e 1995, por exemplo,65% do total do Fluxo de Investimento Direto(FDI) foi para o “centro” e que o restante foipara uns poucos dos chamados “paísesemergentes”. Entre 1989 e 1993, só dez dessespaíses receberam 72% desse restante do FDI(China, México, Malásia, Argentina, Tailândia,Indonésia, Brasil, Nigéria, Venezuela e Coréia

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do Sul).11 Um problema crucial do fluxo mundialde capitais é que a dívida do Terceiro Mundosubiu em menos de duas décadas de 615 bilhõesde dólares para 2.500 trilhões de dólares. E estaé, como todo mundo sabe, uma históriainfindável, literalmente, porque é impagável.Mas é, sobretudo, uma história trágica.12

8. Por outra parte, dos 6 bilhões de pessoas queformam a população do planeta ao iniciar-se onovo século, uns 800 milhões não têm empregoassalariado. E essa é, por certo, uma estimativaconservadora, já que as estatísticas registramsomente aqueles que buscam emprego, e a cifraainda deve ser multiplicada pelo menos por

cinco, se fosse consideradoo número de membros defamílias ou lares que depen-deriam de tais salários ine-xistentes. E a populaçãoconjunta de desempregadose subempregados é mais oumenos a metade da po-pulação mundial, já que 3bilhões de pessoas vivemcom menos de 2 dólaresdiários. Os economistascriaram a noção de “de-semprego estrutural” parareferir-se à tendência que

produz um desemprego mundial crescente. Enão são poucos agora os que propõem a idéiado “fim do trabalho” para dar conta dasimplicações dessa tendência.13

9. Por outra parte, e mesmo que ainda não sejamsuficientemente avançadas, as pesquisas es-pecíficas e os dados são por isso mesmoprovisórios, a população mundial em situaçãode escravidão é estimada em mais de 200milhões de pessoas.14

10. Todas essas tendências na distribuição decapital, de emprego, de produção, de rendas,de bens e de serviços no mundo de hoje, estãorelacionadas à mudança nas relações entre asdiversas formas de acumulação capitalista emfavor da absoluta hegemonia da acumulaçãoespeculativa. Assim, as transações cambiaismundiais, que eram mais ou menos de 20bilhões de dólares em 1970, já eram de 1,3trilhão de dólares em 1999.

Somente nos Estados Unidos, em 1980 os“fundos de pensão”, os “fundos comuns”, ascompanhias de seguros e os seguros de vida,constituíam ativos financeiros de 1,6 trilhão dedólares, ao redor de 60% do PIB do país. Mas em1990 esses ativos já eram 5,2 trilhões de dólares,95% do PIB, e em 1993 eram mais de 8 trilhões dedólares, 125% do PIB do país. O predomíniofinanceiro mostra-se também na chamada “finan-ceirização” das empresas, porque seus investimentosprodutivos decrescem continuamente em favor dasfinanceiras. E de outro lado, na hipertrofia doslucros financeiros na “periferia” e nos “paísesemergentes”. Em 1983, os lucros na bolsa naperiferia ainda chegavam aos 100 bilhões de dólares.Mas, em 1993, a cifra já era de 1,5 bilhão.15

Tal conjunto de informações permite fazeralgumas inferências, provisórias talvez, mas nempor isso menos pertinentes:

1. Está em curso um processo de reconcentraçãodo controle de recursos, bens e rendas em mãosde uma minoria da espécie (atualmente nãomais de 20%).

2. O anterior implica que está em curso umprocesso de polarização social crescente dapopulação mundial, entre uma minoria rica,proporcionalmente decrescente, mas cada vezmais rica, e a vasta maioria da espécie, pro-porcionalmente crescente e cada vez maispobre.

3. Está em curso um processo de incremento dasuperexploração da massa maior de traba-lhadores do mundo, já que junto com a re-concentração de rendas e de riquezas cresce adistância salarial entre os assalariados e expandea proporção dos desempregados, marginalizadosdos âmbitos centrais da estrutura de acumulação,e isso permite a diminuição contínua da médiasalarial.

4. Está em curso um processo de declínio dointeresse e da capacidade do capital de convertera força de trabalho em mercadoria, em especialnos níveis tecnologicamente mais avançados daestrutura mundial de acumulação.16

5. Como conseqüência estão em expansão asformas não-salariais de controle do trabalho.Estão se reexpandindo a escravidão, a servidãopessoal, a pequena produção mercantil

Um problema crucial do fluxo

mundial de capitais é que a dívida

do Terceiro Mundo subiu em

menos de duas décadas de 615

bilhões de dólares para 2.500

trilhões de dólares

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independente, a reciprocidade. O salariadoainda é a forma de controle do trabalho quemais se expande, mas – para usar uma imagemfamiliar – como um relógio que atrasa.

6. Está em curso um processo de crise em umadas dimensões básicas – as relações entre asformas específicas de exploração – incorporadoao padrão capitalista de controle do trabalho:estão declinando, talvez se esgotando, osmecanismos que no curso do desenvolvimentohistórico da acumulação capitalista distribuíamtal população desde as formas não-salariais àsalarial, em geral desde o não-capital ao capital,e se põem em ação mecanismos que indicariam,mesmo que em medida ainda não necessária, ocomeço de uma tendência inversa.

7. A configuração do capitalismo mundial, isto é,a estrutura das relações entre o capital e cadauma das formas de controle do trabalho, bemcomo as relações de conjunto de todas elas entresi, estão em processo de mudança drástica, oque implicaria um processo de transição dosistema.

8. Nesse sentido específico e nessa dimensão, naestrutura de exploração do trabalho estaria emcurso um processo de reclassificação social dapopulação mundial, em escala global.

9. Em todo caso, está em curso um processo dereconcentração e de reconfiguração do controledo trabalho, de seus recursos e de seusprodutos, em escala mundial. Em suma, dasrelações entre capital e trabalho.

10. Tais processos estão associados a mudançasdrásticas na estrutura mundial de acumulaçãocapitalista, associados à nova posição e funçãode predomínio que dentro daquela tem a

acumulação especulativa e financeira, emespecial desde meados dos anos 1970 do séculoXX.17

Nenhuma de todas essas tendências é nova ouimprevista. Nem sequer as últimas. Indicam ummomento, um grau ou um nível da maturação e dodesenvolvimento de tendências inerentes ao caráterdo capitalismo como padrão global de controle dotrabalho e que tinham sido longamente teorizadas,sobretudo, desde Marx.18 Tem, em conseqüência,pouco sentido discutir esses processos e os con-seguintes problemas como se fossem exatamentenovos ou, pior, como se fossem a conseqüência deum fenômeno novo chamado “globalização”,diferente ou separado do capitalismo, resultadoapenas ou principalmente da inovação tecnológicae de sua capacidade de modificar totalmente nossasrelações com o espaço/tempo, mais que do carátercapitalista da estrutura dominante de controle dotrabalho e do desenvolvimento de suas tendências.

É indubitável, entretanto, que tais tendênciasbásicas do capitalismo têm se aprofundado e, maisainda, têm se acelerado e vão adquirindo maioraceleração. A questão, portanto, é: o que é queimpulsiona a aceleração e o aprofundamento dessastendências do capitalismo? Ou em outros termos,por que a exploração capitalista vem se apro-fundando e de algum modo mais facilmente?Ninguém pode explorar ninguém se não o domina,muito menos de modo estável e duradouro.Portanto, é necessário abrir aqui a questão dasrelações entre a dominação e a exploração no atualpadrão de poder.

A força e a violência são requisitos de todadominação, mas na sociedade moderna não sãoexercidas de maneira explícita e direta, pelo menosnão de modo contínuo, mas encobertas porestruturas institucionalizadas de autoridade coletivaou pública e “legitimadas” por ideologias cons-titutivas das relações intersubjetivas entre os váriossetores de interesse e de identidade da população.Como já ficou assinalado desde o começo destetrabalho, tais estruturas são as que conhecemoscomo Estado. E a colonialidade do poder, sua maisprofunda argamassa legitimatória. Em conseqüência,é necessário indagar pelo que tem ocorrido nasrelações entre o padrão de exploração capitalista eos dois níveis do padrão de dominação, o Estado ea colonialidade do poder.

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CAPITALISMO E ESTADO

A relação entre o capitalismo como estruturaglobal de controle do trabalho e sua organizaçãoem espaços particulares de dominação, bem comoa organização de estruturas específicas de autoridadecoletiva nesses espaços, ainda é uma questão aberta.Em geral, em todo padrão de poder não são sempreclaras, muito menos sistêmicas ou orgânicas, asrelações entre a dominação e a exploração.

Se aparece mais historiado e teorizado o modocomo o colonialismo moderno – o que se constituiucom a América – configurou o contexto adequadopara a formação do capitalismo, ainda não tem sidoaberta, nem obviamente estudada, a questão do porque tal capitalismo se associou ao mesmo mo-vimento e ao mesmo tempo com diversos tipos deEstados em diversos espaços de dominação. Assimo moderno Estado absolutista/imperial (todos osEstados da Europa ocidental, menos a Suíça, entre1500 e 1789); o moderno Estado-nação imperial/colonial (por exemplo, França e Inglaterra desde finaisdo século XVIII até depois da Segunda GuerraMundial); o moderno Estado colonial (América doNorte antes de 1776 e América do Sul antes de1824, bem como os do Sudeste Asiático e os daÁfrica até meados do século XX); o moderno Estado-despótico/burocrático (a ex-União Soviética e os daEuropa oriental até finais dos 1980, seus rivaisnazistas e fascistas na Alemanha, Japão e Itália entrefinais de 1930 e 1945, China na atualidade); omoderno Estado-nação democrático (os atuais daEuropa ocidental, os da América do Norte, Japão,Oceania); os modernos Estados oligárquico-dependentes (os da América Latina antes de finaisdos 1960, com exceção do México, Uruguai, Chiledesde finais dos 1920s); os modernos Estadosnacional-dependentes (emdiversas medidas, todosos da América Latinaatual, bem como a maio-ria dos da Ásia e algunsda África, principal-mente a África do Sul) eos modernos Estadosneocoloniais (muitos,talvez a maioria, dos daÁfrica).

Essa classificação éuma hipótese de tra-

balho, do mesmo modo que sua respectiva exem-plificação. Mas não pode ser considerada arbitrária.Nesta medida, permite colocar em questão aperspectiva histórica e sociológica eurocentristasegundo a qual o tipo de Estado correspondente aocapitalismo é o moderno Estado-nação (RalphMiliband), enquanto que todos os demais seriam“de exceção” (Poulantzas) ou “pré-capitalistas” ou“de transição” (virtualmente todos os autores do“materialismo histórico”).19

Não temos ainda, do meu ponto de vista, umateoria histórica de verdade que resolva as relaçõesentre capitalismo e Estado, enquanto a questão dacolonialidade do poder não seja integrada à pesquisahistórica e teórica respectiva. Mas este não é o lugar,nem esta é a ocasião para ir mais longe a respeitodesta questão crucial.

Em todo caso, o recente debate sobre as relaçõesentre a “globalização” e o Estado, na perspectivadominante (eurocentrista) circunscreve-se exclusi-vamente à presumida crise do Estado-naçãomoderno sob os impactos da “globalização”.20

CAPITALISMO, GLOBALIZAÇÃO E

ESTADO-NAÇÃO MODERNO

O que, sem dúvida, as tendências atuais docapitalismo – e em particular a hegemonia do capitalfinanceiro e a ação predatória dos mecanismosespeculativos de acumulação – têm deixadobruscamente visível é o fato de que o capitalismomoderno, como um dos eixos centrais do atualpadrão de poder mundialmente dominante, temestado associado ao Estado-nação moderno só empoucos espaços de dominação, enquanto na maiorparte do mundo tem sido associado a outras formas

de Estado e em geral deautoridade política.

É mais pertinente,em conseqüência, e maisprodutivo tratar de evi-denciar as tendênciasmais dinâmicas que estãoem desenvolvimento nasrelações entre as mu-danças atuais na con-figuração do capitalismoe as que ocorrem nasestruturas de autoridade

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coletiva e de dominação política.

A esse respeito, é possível distinguir as seguintestendências principais:

a) a formação de um bloco imperial mundialintegrado pelos modernos Estados-nação do“centro” do sistema mundial;

b) a luta pela hegemonia regional entre os Estadosnacional-dependentes associados ou em conflitocom o bloco imperial nas regiões mais con-flitivas, como no Oriente Médio (Israel de umlado, Síria e Iraque do outro), na América doSul (Brasil, Chile, Argentina), na Ásia (Índia,Paquistão, em um extremo, e China e Coréiado Sul, no outro), e na África de modo maisfluido já que não parece haver ainda regiõesdiferenciadas de modo análogo às anteriores,com exceção da África do Sul;

c) a erosão contínua do espaço nacional-demo-crático, ou em outros termos a contínua des-democratização e desnacionalização de todosos Estados nacional-dependentes onde não sechegou à consolidação do Estado-naçãomoderno;

d) a gradual conversão dos Estados menosnacionais e democráticos em centros locais deadministração e controle do capital financeiromundial e do bloco imperial.

Não é meu propósito aqui explorar sistemáticae exaustivamente cada um de tais processos e seuconjunto. Pelo momento, para nossos fins, é,sobretudo, necessário insistir na constituição dobloco imperial mundial e na desdemocratização edesnacionalização dos Estados dependentes e suaconversão progressiva em uma sorte de agênciaspolítico-administrativas do capital financeiromundial e do bloco imperial mundial, já que sãoessas duas tendências que expressam, maisclaramente que as demais, a reconcentração docontrole mundial da autoridade pública, areprivatização local desta e a sombra virtual de umespaço global de dominação.

O BLOCO IMPERIAL MUNDIAL EOS ESTADOS LOCAIS

Ninguém poderia negar hoje que poucos dosEstados-nação modernos – o G7, agora de 8 com atardia e subordinada incorporação da Rússia – mais

fortes, vários deles sedes centrais dos modernosimpérios coloniais e todos eles do imperialismocapitalista durante o século XX,21 formam agoraem seu conjunto um genuíno bloco imperialmundial. Primeiro, porque suas decisões sãoimpostas ao conjunto dos demais países e aos centrosnevrálgicos das relações econômicas, políticas eculturais do mundo. Segundo, porque o fazem semter sido eleitos ou sequer designados, pelos demaisEstados do mundo, dos quais não são portantorepresentantes, nem, em conseqüência, têm queconsultá-los para suas decisões. São virtualmenteuma autoridade pública mundial, ainda que não umefetivo Estado mundial.

Esse bloco imperial mundial não está cons-tituído só pelos Estados-nação mundialmentehegemônicos. Trata-se mais da configuração de umtipo de trama institucional imperial formada portais Estados-nação, as entidades intergover-namentais de controle e exercício da violência, comoa Otan, as entidades intergovernamentais e privadasde controle do fluxo mundial de capital, financeiroem especial (Fundo Monetário Internacional, BancoMundial, Clube de Paris, Banco Interamericano deDesenvolvimento, entre as principais), e as grandescorporações globais. Essa trama institucional jáconstitui, de fato, um tipo de governo mundialinvisível.22

Em outros termos se trata de uma reconcen-tração mundial do controle da autoridade pública,em escala global. E este é, do meu ponto de vista, ofenômeno novo mais destacado da chamada“globalização” do atual padrão de poder mundial.

A emergência do bloco imperial mundial – tal-vez seria melhor chamá-lo diretamente global? –implica, obviamente, que os demais Estados sãosubmetidos à redução crescente de sua autonomia.Isso ocorre, em particular, com aqueles Estados esociedades que não atingiram o processo deformação de modernos Estados-nação ou nãoavançaram nele. E se, de outro lado, se observa oque ocorre com a sociedade, com as diferençassociais, culturais e políticas que produzem aimposição mundial do neoliberalismo como matrizde política econômica, tanto dentro de cada paíscomo entre países, pode-se perceber sem dificuldadeque essa erosão contínua da autonomia (ou sobe-rania) de tais Estados, consiste sobretudo nadesdemocratização da representação política da so-

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ciedade no Estado e, desse modo, na desna-cionalização da sociedade e do Estado. Isso é o quemostra às claras a associação estrutural entre asnecessidades do capital financeiro, dos mecanismosespeculativos de acumulação, e as tendências dereconcentração mundial do controle da autoridadepública, cuja maior expressão atual é o blocoimperial mundial.

No entanto, esses processos aparelhados einterdependentes não implicam que a autoridadepública do bloco imperial mundial se exerça diretae explicitamente em todos os demais espaços dedominação ou “países” daqueles (salvo de modoexcepcional e transitório, como no caso da invasãodo Panamá e a prisão de Noriega), ainda que tendem

claramente nessa direçãocomo mostram as recentesações em Kosovo, na Che-chênia, na África e agora naColômbia e, potencialmen-te, em toda a área andino-amazônica da América doSul (“Plano Colômbia”).

No momento, pelo me-nos, esse bloco imperialmundial necessita dos Esta-dos locais para impor suaspolíticas em cada país.Desse modo, esses Estadoslocais estão sendo, uns,convertidos em estruturasinstitucionais de adminis-

tração local de tais interesses mundiais e, os outros,tornando mais visível do que já vinham exercendoessas funções. Esse processo implica umareprivatização local e global de tais estados,23 a fimde responder cada vez menos à representaçãopolítica do conjunto dos setores sociais de cada país.Fazem parte, desse modo, dessa trama mundial deinstituições de autoridade pública, estatais eprivadas, que em seu conjunto começam aconformar uma espécie de governo mundialinvisível.24

A REPRIVATIZAÇÃO DO CONTROLE

DA AUTORIDADE COLETIVA

Tal reconcentração do controle mundial daautoridade pública, em escala global, implicafundamentalmente uma reprivatização do controle

em âmbito central da existência social e de suarespectiva esfera institucional. O controle da auto-ridade coletiva havia sido reconhecido como públicodurante o período da modernidade e em particulardesde o século XVIII em diante. O Estado-naçãomoderno emergiu, precisamente, como a encar-nação do caráter público da autoridade coletiva.Público no sentido específico e explícito de queadmitia a participação igual de todos os “cidadãos”e se legitimava, antes de tudo, por essa razão.25

Agora, em troca, ainda que uma parte, cada vezmais secundária, inclusive basicamente simbólica,desse universo institucional é ainda admitidamentepública, o fato é que os núcleos dominantes dessasinstituições são privados, como as corporaçõesglobais, ou como a tecnocracia administradora dasentidades financeiras e das políticas econômicasdos Estados, inclusive ao se tratar de entidadessupostamente públicas, como as instituiçõesintergovernamentais do capital financeiro, o FMIou o que se conhece como o Banco Mundial.

No debate mundial em curso sobre essa ten-dência de contínua e crescente erosão dos Estados/sociedades mais débeis, porque seu processo dedemocratização/nacionalização não chegou aculminar e a se afirmar suficientemente, a propostateórica mais difundida a apresenta como umatendência ao declínio da própria instituição domoderno Estado-nação.26

Essa é uma clara amostra do domínio daperspectiva de conhecimento. É verdade que omoderno Estado-nação, junto com a famíliaburguesa, a empresa capitalista e o eurocentris-mo,27 é uma das instituições fundamentais de cadaárea do padrão de poder mundial que correspondeao período da modernidade e que começa com aAmérica. Também o é que o moderno Estado-nação é a instituição mundialmente hegemônicadentro do universo de instituições que atuam nomundo no conflito pelo controle da autoridadepública e de seus recursos, a violência emespecial. O que não é certo, contudo, é que omoderno Estado-nação exista realmente em todosos espaços de dominação conhecidos como países.Como também não o é, que todos os atuais Estadosde todos os países, ou espaços de dominação,tenham o caráter de modernos Estados-nação,mesmo que assim se autorepresentem ou inclusivesejam admitidos no imaginário ou no universosimbólico de cada país.

O controle da autoridade

coletiva havia sido

reconhecido como público

durante o período da

modernidade e em

particular desde o

século XVIII em diante.

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COLONIALIDADE

DO PODER EESTADO-NAÇÃO

A diferença defini-tória entre os processosque chegaram a atingir eafirmar Estados-naçãomodernos e os que não,reside no modo e medidade suas respectivas rela-ções com a colonialidadedo poder. Nos primeiros, essa não esteve imedia-tamente presente nos espaços de dominação nosquais se levaram a cabo processos de democratizaçãodas relações sociais, os quais produzem e redefinemo caráter dos processos de nacionalização dasociedade e de seu Estado. Assim como ocorreu naEuropa ocidental desde o último terço do séculoXVIII até o fim da Segunda Guerra Mundial.

A colonialidade do poder, entretanto, esteve eestá de todo modo ativa, pois faz parte do contextoglobal dentro do qual ocorrem os processos queafetam todos os espaços concretos de dominação.Porque a concentração dos processos de demo-cratização e nacionalização dos Estados modernosna Europa ocidental, até o século XX, dá conta,precisamente, da imposição mundial da colonia-lidade do poder. O eurocentramento do padrãocolonial/capitalista de poder não se deveu só, muitomenos principalmente, à posição dominante na novageografia do mercado mundial, mas sobretudo àclassificação social básica da população mundial emtorno da idéia de raça. A concentração do processode formação e consolidação do Estado-naçãomoderno na Europa ocidental não poderia serexplicada, nem entendida, fora desse contextohistórico.28

A outra face do mesmo processo de cons-tituição e de consolidação do Estado-nação modernoera o mundo colonizado, África e Ásia, oudependente,29 como a América Latina. No restantedo mundo, a colonialidade do poder não só temestado e está presente no contexto global do padrãomundial de poder, mas também atua de modo diretoe imediato dentro do respectivo espaço dedominação, obstaculizando os processos que sedirigem à democratização das relações sociais e asua expressão nacional na sociedade e no Estado.

Se alguém pensa quea diferença fundamentalem que uns espaços eramcolonizados e outros não,basta comparar os pro-cessos da Europa oci-dental e da AméricaLatina, os dois cenáriosmais representativos decada lado das diferençasnesses processos, queademais ocorreram no

mesmo período, entre o final do século XVIII e osséculos XIX e XX.30 Ao contrário da Europa,distinção devida, exatamente, à distribuiçãodiferente da colonialidade do poder entre ambosespaços, na América Latina, precisamente aoterminar as guerras chamadas de independência,se produziu o paradoxo histórico mais notório daexperiência latino-americana: a associação entreEstados independentes e sociedades coloniais, emtodos e cada um de nossos países. Essa associação,ainda que sem dúvida rachada e confrontada demodo permanente embora errático, não deixou,entretanto, de presidir as relações sociais e estataisde toda a América Latina.

Ao tomar a América Latina, não se poderiaadmitir a rigor como Estados-nação modernosplenamente constituídos e afirmados os Estados/sociedades da área chamada “andina” ou o Brasil,por exemplo, a menos que se admita como nacionaissociedades e Estados explicitamente fundados nacolonialidade das relações de poder. Uruguai e Chileavançaram algo mais na constituição de Estados-nação modernos, mas à custa do extermíniogenocida das populações aborígenes. E, portanto,com limites insalváveis, a menos que ocorra umadescolonização radical das relações com aspopulações que descendem dos aborígenessobreviventes e que, como todo mundo sabe, jáestão em movimento, em ambos os países.

No México, uma revolução social, entre 1910e 1930, iniciou esse processo de descolonização dasrelações de poder, mas suas tendências radicaisforam logo derrotadas e o processo não pôde sertão profundo e global que permitisse a plenaafirmação de uma sociedade e de um Estadodemocráticos nacionais. Essa derrota não tardouem produzir suas conseqüências, perceptíveis no

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estrangulamento crescente da descolonização dasociedade e nas tendências atuais que se orientampara a reconstituição da associação entre ocapitalismo e a colonialidade do poder. Contudo,se trata do único lugar da América Latina onde asociedade e o Estado avançaram durante um períodoimportante no processo de descolonização do poder,de democratização/nacionalização. Nos demaispaíses, as revoluções que se orientavam para omesmo horizonte, entre 1925 e 1935, foramderrotadas sem exceção. E desde essa época, osprocessos têm sido, em toda parte, erráticos,parciais e, finalmente, precários. As guerras civiscentro-americanas, desde os anos 1950 até hápouco, que obviamente expressaram os mesmosconflitos e interesses, mostraram a ilegitimidade ea conflitividade inevitáveis da colonialidade do podernesses como em todos os demais países, mas asforças sociais descolonizadoras foram derrotadas.

Em termos realistas, só nos países do “centro”,primeiro, e naqueles onde foram possíveis profundasrevoluções sociais triunfantes, como na China, ouonde as guerras e as derrotas tornaram possíveisprocessos relativamente importantes de demo-cratização social, como no Japão, Coréia do Sul,Taiwan, Austrália, Nova Zelândia, se pode verificaro desenvolvimento de processos de Estado-nação,ainda que com diversos graus de afirmação e dematuridade na direção de Estados-nação modernos.A China, por exemplo, é hoje um Estado centralfortalecido depois de 1949. O que não é de todoseguro é que já tenha atingido o status de umasociedade totalmente nacional, já que existe nomesmo espaço de um império colonial e certamentenão tem deixado de ser um despotismo burocrático.

Notavelmente, não é naqueles países e espe-cialmente nos do “centro” (Estados Unidos, Europaocidental, Japão) onde se pode observar a erosãoou declínio da institucionalidade do modernoEstado-nação. O processo iniciado de unificaçãopolítica dos países da Europa ocidental não tem osignificado de uma erosão do Estado-naçãomoderno, mas da constituição de um novo e maisamplo espaço de dominação para sua vigência. Ouhá quem sugira que é o tamanho do espaço dedominação o fator que decide pelo caráter doEstado? Ou que a União Européia terá de novo umEstado absolutista ou despótico só pela ampliaçãodo espaço de dominação?

Somente nos países em que não foi possívelatingir ou afirmar os processos de democratização/nacionalização de sociedades e Estados, ouprocessos de formação de modernos Estados-nação,se pode observar processos de erosão do que sehavia conseguido avançar nessa direção.

Trata-se aqui de processos de desdemocratizaçãoda sociedade e do Estado e nessa medida de des-nacionalização de ambos, como parte de umatendência mundial de reconcentração do controlemundial das instituições de autoridade pública, istoé, do Estado em primeiro termo, e da gradualconstituição de uma trama mundial de instituições,estatais e privadas, de autoridade pública, queparecem operar como um governo mundial,invisível, mas real.

A GLOBALIZAÇÃO CAPITALISTA:UMA CONTRA-REVOLUÇÃO GLOBAL

Poucas vezes na história do período damodernidade poder-se-ia observar um grau tãonotável de reconcentração do controle do poder,especificamente no âmbito do trabalho e daautoridade pública. Semelhante extremo é quaseequiparável ao que ocorreu com o colonialismoeuropeu entre os séculos XVI e XIX.31

Poder-se-ia situar o curso desse processo entremeados da década de 1970, quando eclode a crisemundial do capitalismo. E seu momento deaceleração desde finais da década de 1980, a partirda famosa “queda do muro de Berlim”, em 1989.E, muito notavelmente, implica uma mudançaverdadeiramente dramática em relação ao períodoimediatamente anterior, por sua vez situada, grossomodo, entre o fim da Segunda Guerra Mundial emeados dos anos 1970.

Ao se comparar ambos os períodos, pode-secomeçar a perceber o decisivo significado históricodessa mudança drástica. Brevemente, já que se tratade uma história conhecida, me restringirei aquisomente a mencionar as linhas e fatos maisdestacados do período entre 1945 e 1973:

1. A descolonização política do Sudeste Asiático(Índia, Indonésia, Indochina, Ceilão, etc.), doOeste asiático (China, Coréia), da maior parteda África e do Oriente Médio, bem como dasAntilhas, da Austrália, e da Nova Zelândia.

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2. O triunfo de revoluções sociais profundas, naChina, no Vietnã, na Bolívia, em Cuba, e aextensão de movimentos revolucionários deorientação “socialista” e de “libertaçãonacional”, incluídos os “socialismos africanos”implicaram, em alguns casos, a derrota militardos Estados hegemônicos, como na Coréia,Vietnã, Argélia; e a queda de regimesautoritários e colonialistas como o de Portugal.

3. A extensão de regimes de Welfare State na Europae nos Estados Unidos.

4. Os movimentos e regimes na América Latinade tendência nacional-democrática, queproduziam reformas sociais e políticasorientadas para a democratização das relaçõessociais e políticas, incluindo a estatização dosrecursos de produção: peronismo, velasquismo,allendismo.

5. O desenvolvimento de movimentos sociaisradicalmente democráticos, anticapitalistas,antiautoritários e antiburocráticos, na Europa,Estados Unidos e em algumas zonas da Ásia eAmérica Latina, que produziram na segundametade dos anos 1960, sobretudo, vagas revo-lucionárias na França, Alemanha, EstadosUnidos, China, México.

6. A extensão de movimentos sociais de demo-cratização radical, os denominados de “libe-ração” nas relações sexuais, nas relações degênero, nas relações “raciais” e “étnicas”, nasrelações de idade.

7. O começo da crítica sistemática do euro-centrismo como perspectiva de conhecimento,sobretudo na América Latina no começo, masem seguida na Europa, na Ásia e na África.

Todos esses processos implicaram: a) uma ampladesconcentração do controle da autoridade pública,arrebatando esse controle ao colonialismo europeue ao imperialismo europeu e estadunidense; b) umarelativa, mas importante, redistribuição do controledo trabalho entre grupos de capitalistas imperialistase locais; c) uma também relativa, mas igualmenteimportante, redistribuição de benefícios e rendas, sejapor meio dos mecanismos do Welfare State nos paísesdo “centro” ou por meio da extensão de emprego eserviços públicos (em especial, educação, saúde esegurança social públicas, na América Latina, Índia,etc.); d) em medida muito menor, uma relativaredistribuição do controle de recursos de trabalho,sobretudo por meio de “reformas agrárias” emdiversos países, Japão, Coréia do Sul, AméricaLatina; e) last but not least, a extensão da críticaanticapitalista e de movimentos políticos anticapi-talistas, e de outros que radicalizavam as lutasantiimperialistas, a ponto de produzir uma virtualameaça para o padrão mundial de poder em seuconjunto.

Todos esses processos, movimentos e conflitosproduziram um cenário inequivocamente revo-lucionário em seu conjunto, na medida em que,ainda que de modos e medidas desiguais segundoregiões ou problemas, era o padrão de podermundial, como tal, seja em seus regimes deexploração ou de dominação, ou em ambasdimensões, o que estava em jogo e em algummomento, como no final dos anos 1960, em efetivorisco.

Foi a derrota de todo esse contexto, pelacombinação de medidas de reconcentração docontrole sobre o trabalho, que se deu durante a crisemundial do capitalismo, e da derrota dosmovimentos que alguns chamam “anti-sistêmicos”,primeiro por uma aliança entre os regimes rivaisdentro do sistema, e da derrota e desintegraçãoposterior dos regimes rivais mais influentes (a ex-União Soviética, o “campo socialista” europeu), quepermitiram aos Estados-nação mais poderosos dopadrão mundial de poder a rápida e relativamentefácil, sem resistência apreciável até agora,reconcentração do controle da autoridade pública,em muitos casos, uma clara reprivatização doEstado, como no caso peruano mediante o regimefujimorista.

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O QUE É A GLOBALIZAÇÃO?

Todo o anterior permite chegar a certasproposições necessárias:

1. a “globalização” consiste, antes de tudo, em umareconcentração da autoridade pública mundial, arigor uma reprivatização do controle da autoridadecoletiva, sobre cuja base se impulsiona oaprofundamento e a aceleração das tendênciasbásicas do capitalismo;

2. trata-se, assim, de uma reconfiguração do sistemade dominação política, associada às mais recentestendências da exploração ou controle capitalistado trabalho;

3. a correspondente expressão institucional no “centro”é, de um lado, a configuração de um bloco imperialmundial, integrado pelos Estados-nação que já erammundialmente hegemônicos, sob o predomínio doprincipal deles, os Estados Unidos; do outro lado,o bloco de corporações mundiais de capitalfinanceiro;

4. o bloco imperial mundial está tramado estrutu-ralmente com as instituições de controle e deadministração do capital financeiro mundial, comoo Fundo Monetário Internacional, o BancoMundial, o Clube de Paris, e de controle eadministração da violência mundial como oTratado do Atlântico Norte ou o Sistema In-teramericano de Defesa Regional;

5. o conjunto dessa trama institucional, estatal eparaestatal tende a operar como um governomundial invisível;

6. na “periferia”, a expressão institucional maisdestacada do processo é a desnacionalização edesdemocratização dos Estados de tendêncianacional e, nesse sentido específico, trata-se de umacontínua erosão das tendências de Estado-naçãomoderno nas áreas não-centrais do capitalismo;

7. na medida em que o conjunto de tais processos é oresultado da derrota mundial dos regimes,organizações e movimentos rivais ou antagônicosao padrão de poder capitalista mundial colonial/moderno e eurocentrado, a atual “globalização”desse padrão de poder tem o caráter de um processocontra-revolucionário em escala global.

Esse caráter basicamente político da chamada“globalização” mostra que não se trata, como emsua imagem mítica, de uma espécie de fenômeno

“natural”, inevitável e inescapável em conseqüência.Pelo contrário, trata-se do resultado de um vasto eprolongado conflito pelo controle do poder, do qualsaíram vitoriosas as forças que representam a co-lonialidade e o capitalismo. E, em conseqüência, a“globalização” é uma inevitável arena de conflitostanto entre os vencedores e vencidos como entre ospróprios vencedores, suscetível, portanto, de outrosresultados.

Apenas de passagem, desta vez, é pertinenteassinalar que a reconcentração do controle sobre otrabalho e sobre a autoridade pública não temimplicado reconcentração do controle global sobretodas as outras áreas do poder, especialmente nasrelações intersubjetivas de dominação social, a de“raça”, a de “gênero” e no modo de produzirconhecimento. A colonialidade do poder, a famíliaburguesa e o eurocentrismo continuam sendo, semdúvida, mundialmente hegemônicos. Mas nessasdimensões do atual padrão de poder e em suasrespectivas instituições, até hoje, a crise tem seaprofundado e vem se tornando mais explícita.

DA PERSPECTIVA NACIONAL À

GLOBAL?

Há também algo neste campo que, se não éexatamente novo, de toda maneira é provavelmentenovidade para muitos leigos no assunto. Trata-se damudança de perspectiva implicada na idéia e naimagem vinculadas ao termo “globalização”. Depoisde muito tempo, agora é possível, inclusive é quaseum consenso comum, confrontar o poder e emprimeiro termo o capitalismo, em sua verdadeira epermanente escala: a global.

Não só Marx, na verdade, mas virtualmentetodos os que depois dele debatiam essas questõesaté antes da Primeira Guerra Mundial tinham emmente a idéia de capitalismo mundial. Mas desdeentão até depois da crise mundial iniciada emmeados dos anos 1970, a perspectiva global docapitalismo como padrão mundial de controle dotrabalho foi deixada de lado em favor da perspectivachamada nacional, isto é, referida ao Estado-nação.

Esse deslocamento de perspectiva implicou,necessariamente, também um deslocamento deproblemática, ou, em outros termos, das principaisperguntas significativas que era pertinente fazer-lheà experiência (ou à “realidade”) e do significado

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atribuível às observações, aos descobrimentos ouàs verificações.

Tais deslocamentos de perspectiva e de proble-mática ocorreram sob a hegemonia do eurocen-trismo como perspectiva básica de conhecimento.A referência privilegiada do Estado-nação à européianão teria sentido de outro modo, já que não haviachegado, nem o realizou até hoje, a ser a realestrutura de autoridade pública da “periferia”.

Esses deslocamentos afetaram, ainda que emmodos e medidas diferentes, a todas as vertentesdo debate. Isto é, não somente aos defensores docapitalismo e de suas formas associadas de poder,mas também aos que exerciam ou tentavam exercersua crítica teórica e política. Enquanto para aquelesse facilitava a defesa teórica de seu sistema, para osúltimos o resultado foi teórica e politicamente desas-troso. Em primeiro lugar, perpetuou-se a visão ahistórica dualista/evolucionista entre os chamadospré-capital e capital. Em segundo lugar, perdeu-sede vista o caráter global das relações fundamentaisentre os processos de dominação e de exploração,dos processos de classificação social e de suasrelações com os espaços particulares de dominaçãochamados, com ou sem razão, nacionais.

Nessas condições não era possível reconhecer,uma vez que não se podia vê-las, as tendências docapitalismo que agora estão à vista de todos e quepor isso, principalmente, se presumem novas. Emespecial, a polarização social global da populaçãomundial entre uma minoria rica e uma imensamaioria continuamente empobrecida, a constanteconcentração de capital, a contínua revolução dosmeios de produção, e a tendência ao esgotamentodo interesse e da necessidade de converter a forçade trabalho em mercadoria.

Essa perspectiva não só tomava um Estado-nação, real ou suposto, como unidade de estudomas também como perspectiva teórica e metodo-lógica para indagar as tendências e processos geraisdo capitalismo. Essa perspectiva de conhecimentosó podia ser reducionista. E, de imediato, a partirdela não era em absoluto difícil de mostrar que nosEstados-nação modernos, dos países do “centro”,as tendências globais que agora são patentes paratodo mundo, não tinham lugar, ou não eram aindatão evidentes como hoje. Que, portanto, asdificuldades do desenvolvimento capitalista nosdemais países eram uma questão de “modernização”,

isto é, em seus termos, de colocar-se na mesmarota que os mais “avançados”. Ou de tempo e acertonas medidas de política econômica, para aquelesque já houvessem ingressado nesse caminho. Emtodo caso, era um problema “nacional” e deviaresolver-se por meio do Estado-nação. Quer dizer,não era um problema do poder mundial nem docapitalismo mundial.

COLONIALIDADE E ESTADO-NAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

O nacionalismo latino-americano foi concebidoe tem atuado sob uma perspectiva eurocêntrica deEstado-nação e nacionalismo, como uma lealdadea uma identidade estabelecida ou assumida pelosbeneficiários da colonialidade do poder, à margeme não poucas vezes contra os interesses dos explo-rados/dominados pelo colonialismo e capitalismo.Por isso o liberalismo latino-americano se atolouna quimera de uma modernidade sem revoluçãosocial. O “materialismo histórico” naufragou emoutro pântano, de natureza igualmente eurocêntrica:a idéia de que os dominadores desses países eram esão, por definição, “burguesias nacionais eprogressistas”. Desse modo, se confundiu as víti-mas e se desviaram suas lutas pela democratização/nacionalização de suas sociedades, onde adescolonização social, material e intersubjetiva, é acondição sine qua non de todo possível processo dedemocratização e de nacionalização.

A descolonização é o piso necessário de todarevolução social profunda. Inclusive para umdesenvolvimento enérgico do capitalismo nessespaíses seria necessária essa revolução/descolo-nização, como o demonstra o destino dessa regiãona economia mundial e os inúteis e inoportunosprojetos e discursos atuais de “integração” demercados, seja no Pacto Andino ou no Mercosul.32

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Enquanto essas condições não forem remo-vidas, a soberania nacional não pode consistir nadefesa dos interesses dos donos do Estado de umasociedade colonial e do controle do trabalho, deseus recursos e de seus produtos, antes sóciosmenores dos interesses imperiais, hoje apenas seusagentes administradores no espaço de dominaçãochamado nacional. Isso é antagônico aos interessesda imensa maioria dos trabalhadores. O fujimo-rismo é a mais acabada expressão dessa experiênciaperversa.33

Nas condições da “globalização” contra-revolucionária do mundo, o desenvolvimento deEstados-nação à moda européia é um caminho cego.E o discurso de que somos sociedades multiétnicas,multiculturais, multietc, etc., não implica, nãopoderá implicar a real descolonização da sociedadenem do Estado, e em vários casos, dos quais ofujimorismo no Peru é a ilustração par excellence,serve para escamotear as pressões para a relegi-timação do racismo/etnicismo e desvirtuar as lutassociais contra essas formas de dominação.34

Para os países onde a colonialidade do poder éa base real das relações de poder, a cidadanização,a democratização, a nacionalização não podem serreais a não ser de modo precário no modeloeurocêntrico de Estado-nação. Os povos latino-americanos terão de encontrar outra via alternativa.A comunidade e a associação de comunidadescomo a estrutura institucional de autoridade pública,local e regional, já assomam no horizonte, com opotencial de chegar a ser não só o marcoinstitucional mais apto para a democracia dasrelações cotidianas entre as pessoas, mas estruturasinstitucionalizadas mais eficazes e mais fortes doque o Estado, para o debate, a decisão, o planeja-mento, a execução e a defesa dos interesses,necessidades e trabalhos e obras de vasto alento dapopulação mundial.

A QUESTÃO DA DEMOCRACIA

O que o termo democracia significa no mundoatual, no padrão mundial de poder colonial/moderno/capitalista/eurocêntrico, é um fenômenoconcreto e específico: um sistema de negociaçãoinstitucionalizada dos limites, das condições e dasmodalidades de exploração e de dominação, cuja figurainstitucional emblemática é a cidadania e cujo marcoinstitucional é o moderno Estado-nação.35

A pedra de toque desse sistema é a idéia daigualdade jurídica e política dos desiguais nas demaisáreas da existência social. Não é difícil perceber oque está implícito historicamente nela, a confluênciae a trama entre três processos: a) a secularizaçãoburguesa e sua expressão na nova racionalidadeeurocêntrica; b) as lutas entre o novo padrão depoder e a “antiga ordem” pela distribuição docontrole da autoridade coletiva; c) as lutas peladistribuição do controle do trabalho, de seus recur-sos e de seus produtos, no período do capitalcompetitivo, sobretudo entre os próprios gruposburgueses, e desde o ingresso no período mono-polista, principalmente entre o capital e o trabalho.

Fora dessa confluência histórica não se poderiaexplicar, nem entender, a instalação da idéia daigualdade social, da liberdade individual e dasolidariedade social como questões centrais dasrelações sociais, como expressão da racionalidadeno período da modernidade. A dessacralização daautoridade na configuração da subjetividade, demodo que o foro interno individual fosse autônomo,é parte da secularização da subjetividade, do novomodo da subjetificação das pessoas e é o fun-damento da liberdade individual. Mas, por sua vez,as necessidades do mercado capitalista, bem comoas lutas pelo controle do trabalho, de seus recursose de seus produtos, obrigavam ao reconhecimentoda igualdade social e à solidariedade de todos osseus participantes. Essa confluência das idéias deigualdade social, de liberdade individual e desolidariedade social constitui a própria base daadmissão de que na sociedade todos têm igualpossibilidade de participar no controle do trabalho,bem como no controle da autoridade coletiva, quepela primeira vez se torna pública. A democraciase estabelecia, desse modo, como a cifra ecompêndio da modernidade.

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Dois elementos condicionaram, sem dúvida, demodo decisivo esses processos. Em primeiro lugar,o novo padrão de poder tinha caráter moderno, mascapitalista. Portanto, não só a racionalidade e amodernidade, mas também a desigualdade social,a exploração e a dominação lhe são constitutivas.O mercado, em conseqüência, operava como pisoda igualdade, mas ao mesmo tempo como seu teto,ou seja, como seu limite. O mercado põe emsituação formal de igualdade agentes de desiguaiscondições sociais. Da mesma maneira, o foroindividual não podia ter a mesma ilimitadaautonomia para todos os indivíduos em qualquerdas áreas de existência social onde o poder estavacomprometido: o sexo, seus recursos e seusprodutos, em primeiro lugar. Assim, as mulheresnão obtiveram então esse foro próprio, nãopoderiam participar no âmbito do público, masapenas no privado, onde ficaram reclusos a família,a atividade sexual e seus produtos, o prazer e a prole.Do mesmo modo no trabalho, seus recursos e seusprodutos, em segundo lugar. Os que haviam sidoou seriam totalmente vencidos na luta pelo controlerespectivo e que não dispunham, para tanto, de nadaalém de sua própria força de trabalho para participarno mercado não poderiam tampouco ser iguais anão ser dentro dos limites do mercado, nem indi-vidualmente livres para além de sua subalternidade.

De todo modo, as relações sociais teriam desdeentão um caráter novo: sua intersubjetividademarcada pelo domínio dessa nova racionalidade esua materialidade marcada pelo mercado capitalista.Portanto, desde então, o conflito social consistiria,antes de tudo, na luta pela materialização da idéiade igualdade social, da liberdade individual e dasolidariedade social. A primeira coloca em questãoa exploração. As outras, a dominação. A democraciase constituía, assim, na área central do conflito deinteresse de acordo com o novo padrão de poder.Todo o processo histórico deste padrão específicode poder tem consistido no contínuo desdobramentodessa contradição: de um lado, os interesses sociaisque pugnam, todo o tempo, pela contínuamaterialização e universalização da igualdade social,da liberdade individual e da solidariedade social.Por outro lado, os interesses que pugnam por limitá-las e, enquanto fosse possível, reduzi-las, ou melhor,cancelá-las, exceto para os dominantes. O resultadoaté agora tem sido a institucionalização da negociaçãodos limites e das modalidades de dominação, e a

cidadania é sua expressão precisa. Dos limites dacidadania, depende a negociação dos limites e dasmodalidades da exploração. O universo institucionalque resultou dessas negociações é o chamado Estado-nação moderno. Isso é o que se conhece como democraciano atual padrão de poder.

Em segundo lugar, o novo padrão de poder eracolonial/eurocêntrico. Quer dizer, é baseado nacolonialidade da classificação racial como clas-sificação social básica e universal e, por essadeterminação específica, era eurocentrado. Dessestraços se originou o fato de que, durante quase doisséculos, desde fins do XVIII a meados do XX, essacontradição específica fundante da democracia nãopudera estabelecer-se plena-mente a não ser na Europaocidental. Primeiro, porquenesses países não estavadiretamente presente a colo-nialidade da classificaçãosocial, graças, precisamente,à colonialidade impostaentre os “europeus” e osdemais membros da espécie.Segundo, porque neles haviasido concentrada a mer-cantilização da força detrabalho, de modo que ocapital era a relação socialuniversal. Terceiro, porqueneles havia sido erradicadaa modalidade senhorial de dominação. De outromodo, nos demais lugares do planeta, conforme foise expandindo o colonialismo europeu, a colo-nialidade foi imposta como a classificação básica;devido a isso, a forma dominante de exploraçãotendia à exclusão do salário até fins do século XIX,e as formas de controle da autoridade tinham caráterestatal/colonial/senhorial.

Em todo caso, a plena institucionalização danegociação dos limites e das modalidades dedominação e de exploração aparece consolidada nassociedades “européias” (Europa ocidental, EstadosUnidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia) aindaque sob a “globalização” começa a ficar na defensiva.E foi lograda de maneira tardia e com claraslimitações naquelas que não foram resultantes docolonialismo europeu e da colonialidade do poder,como o Japão, Taiwan, Coréia do Sul. Em todos osdemais ainda é uma trajetória a percorrer, na

O mercado põe em

situação formal de

igualdade agentes de

desiguais condições

sociais.

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maioria dos casos, ou por culminar como, emparticular, na América Latina.

GLOBALIZAÇÃO E DEMOCRACIA

Circula profusamente no debate político atual,a idéia de que a democracia está em pleno curso deafirmação em todo o mundo. Essa idéia se refere

ao fato de que a maioriados governos atuais nomundo é resultado deeleições. O voto, em con-seqüência, é assumidocomo a exclusiva institui-ção definitória da demo-cracia.36

Essa idéia de demo-cracia é uma expressão docrescente caráter tecno-crático da racionalidadeburguesa e eurocêntrica eescamoteia dois proble-

mas. Primeiro, que o governo de todos os Estados,e em especial o daqueles não-nacionais ou nãoplenamente nacionais, é exercido cada vez mais portecnoburocracias não eleitas e completamente àmargem da vontade dos votantes ou, pior, contraela.37 Contudo, essa tendência evidente é encobertaem um grosseiro contrabando intelectual, um argu-mento que a despeito de ser quase ridiculamenteabsurdo acabou sendo imposto como um virtualsentido comum: o governo dos assuntos econô-micos, sobretudo, e em geral os assuntos do governodo Estado não são problemas políticos, mastécnicos! Segundo, essa relação entre políticasestatais e votos não poderia ser explicada separa-damente da “globalização”, isto é, do atual processode reconcentração do controle da autoridadepública, que reduz ou busca reduzir toda parti-cipação política dos cidadãos que não seja a dovoto, para fazer possível a atuação local, nem sempremuito oculta, de um tipo de governo mundialtecnocrático ou “transgovernance”.

Com toda a importância vital que tem, sem apresença de condições democráticas nas relaçõessociais básicas o voto não só pode ser objeto defraude, manipulado, escamoteado, bem como, aoser exercido com plena legalidade, já não podeassegurar aos votantes o controle das instituiçõesde autoridade pública.

Não pode ser admitido, em tais condições, quea democracia esteja, precisamente, em curso deexpansão mundial e de afirmação. Ao contrário. Ocapital financeiro e a acumulação especulativadensenfreada passaram a dominar o capitalismomundial, do conjunto da estrutura mundial deacumulação. E o exercem usando todos os recursostecnológicos mais avançados e pondo a serviço desuas próprias finalidades e interesses a racionalidadee a produção do conhecimento. Essa é umatendência estrutural atual do poder colonial/capitalista no mundo. Seu desenvolvimento requerque os espaços democráticos na sociedade sejamreduzidos, porque tais espaços implicam, ne-cessariamente, uma distribuição igualmente demo-crática do acesso e do controle do trabalho, derecursos e de produtos, do sexo, de seus recursos ede seus produtos, da subjetividade e em primeirolugar do conhecimento. Para tudo isso, é indis-pensável a distribuição democrática do controle daautoridade pública, isto é, do Estado. O Estado-nação moderno se constitui, tendencialmente, dessemodo e sobre essas bases. Mas as necessidadesatuais da acumulação especulativa requerem,também necessariamente, a redução desses espaçose, onde seja possível, sua eliminação ou o desvir-tuamento de suas instituições, como a cidadania eo voto.

O caráter capitalista do poder que se “globa-liza” e o domínio do capital especulativo na etapaatual do capitalismo são contrários à demo-cratização da sociedade e, nessa medida, de suanacionalização, já que todo Estado-nação modernoé nacional só quando e enquanto for representaçãode uma sociedade democrática. Esta “globalização”específica vai desocultando cada vez mais na medidaem que se coloca contra os processos de na-cionalização/democratização em todas as sociedadese Estados, mais imediata e drasticamente contra aafirmação de Estados-nação da “periferia” e emparticular onde a colonialidade do poder preside asrelações sociais, como nos países latino-americanos.

Por outra parte, não obstante toda sua ca-pacidade reconhecida de distorsão, a racionalidadeeurocêntrica pode ser levada a admitir a crítica e odebate de seus elementos de distorsão, e maisrecentemente de sua colonialidade. Nessa medidae nessas condições foi um dos fundamentos centraisda legitimação mundial das idéias de igualdadesocial, de liberdade individual, e de solidariedade

O capitalismo financeiro

e a acumulação

especulativa desenfreada

passaram a dominar

o capitalismo mundial.

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social que legitimou as lutas dos explorados, dosdominados, dos discriminados, não só contra seusopressores, não só para mudar de lugar no poder,mas também contra a opressão, contra o poder,contra todo poder. Mas desde a crise mundial demeados dos anos 1970 do século XX, as neces-sidades e os interesses da exploração pressionamessa racionalidade.

As tendências predatórias do capitalismo atuale a reconcentração do controle mundial do podercom o bloco imperial mundial abrem caminho aosfundamentalismos, a todos os preconceitos e mitossobre os quais se baseia a sacralização dashierarquias sociais; pressionam na direção do usoexclusivamente tecnocrático do conhecimento, daciência, da tecnologia, com o propósito explícito eexcludente de fortalecer a exploração, a dominação,incluindo agora a intervenção tecnológica nabiologia humana para perpetuar a discriminaçãoracista/etnicista a serviço dos privilégios impostos,através do colonialismo e do imperialismo, contraa imensa maioria da espécie.

Há uma pressão ativa mundial pela des-modernização da vida das pessoas, não no sentidoda crítica e eliminação do caráter colonial da versãoeurocêntrica da modernidade, mas pela re-legitimação das formas mais opressivas de poder.O poder foi quase eliminado como questão depesquisa, de debate e em particular de crítica, excetoem um sentido tecnocrático e administrativo. Dessemodo se legitima uma postura cínica comoorientação da conduta cotidiana, já que o podercomo elemento das relações sociais, de todas asrelações sociais, não pode ser excluído darealidade.38 O capital financeiro pressiona pelamercantilização radical de todo conhecimento e obloco imperial mundial procura a militarização docontrole da pesquisa científica e da tecnologia.39 Ocapitalismo especulativo que marca essa etapa da“globalização” exacerba todas e cada uma dessastendências.

Nesse sentido específico, a “globalização”implica riscos mais profundos e decisivos que emnenhum momento da história dos últimos 200 anos.Desta vez não se trata somente de tendências deautoritarismo, como o nazismo, o fascismo, oestalinismo emergindo ao revés de tendênciasdemocráticas mais fortes que faziam, ainda, partedo contexto histórico da modernidade e que en-

volviam não somente os explorados e dominados,mas também uma parte importante da burguesiamundial, posto que as tendências do capitalismonão podiam chegar a seus extremos atuais pelaresistência mundial, pelos conflitos entre poderesrivais, pelas lutas mundiais contra o atual padrãode poder. Mas essas lutas foram derrotadas e osconfitos e rivalidades pela hegemonia mundialforam controlados e deram passagem ao blocoimperial mundial. Por tudo isso, agora se trata,infelizmente, de tendências que parecem configurar-se no mesmo patamar da sociedade e da culturadesse padrão de poder, em direção à formação e àreprodução de um novo sentido comum universalem que o poder, as hierarquias sociais, o controledesigual do trabalho e de seus recursos e produtos,o controle desigual e concentrado da autoridade eda violência, o controle repressivo e mercantil dosexo, da subjetividade e do conhecimento sejamadmitidos como legítimos e, em especial, comonaturais.

Os últimos processos do capitalismo requerema mais completa instrumentalização da ra-

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cionalidade eurocêntrica. Desse modo, levam àrelegitimação da desigualdade implicada na extremapolarização social em curso à redução das margensdemocráticas de acesso ao controle do trabalho, deseus recursos e produtos, bem como das margensde acesso ao controle da geração e manejo dasinstituições de autoridade pública e de seus recursos,em particular da violência.

Embora o capitalismo seja um dos termosbásicos do eixo central do padrão atual de podermundial, com processos que necessariamente irãoagudizando suas atuais necessidades ou interesses,suas necessidades de dominação, principalmentepolítica e cultural, serão empurradas na mesmadireção. Os esforços políticos e tecnológicos do“transgoverno” mundial para concentrar todo ocontrole da comunicação e da informação, exa-tamente aquele que fascina a seus intelectuais epropagandistas como sinal de “integração” mundial,do apequenamento do mundo, estão nesse caminho.

AS PERSPECTIVAS:CONFLITIVIDADE E VIOLÊNCIA

Na imagem mítica da “globalização” que ospublicistas do capitalismo e do bloco imperialmundial difundem, estaríamos imersos em umprocesso que escapa às intenções e às decisões daspessoas. Tratar-se-ia, pois, de um fenômeno natural,frente ao qual toda intervenção intencional seria, é,inútil. A imagem que circula em toda parte é queenfrentar a “globalização” é como se um indivíduopretendesse deter um trem parando na frente dele.

E como se trata de uma integração econômica,política e cultural do mundo, seria necessárioadmitir que se trata de uma totalidade sistêmica daqual não há como escapar ou se defender.

Contudo, a indagação precedente torna per-tinente observar, primeiro, que não existe tal coisa,a globalização, pois é impossível um padrão de podertotalmente homogêneo, sistêmico, mecânico ouorgânico, e em geral nenhuma totalidade histórica.A heterogeneidade histórico-estrutural de todopadrão de poder implica que os âmbitos deexistência social e as respectivas formas de controlearticuladas nele não podem ter ritmos sistêmica ouorganicamente correspondentes. O que ocorre entrea “economia”, a “política” e a “cultura”, ou, de outraperspectiva, entre o trabalho, o sexo, a subjetividade

e a autoridade coletiva é uma relação descontínuahistórica e estruturalmente, e do mesmo modo emcada uma de tais áreas. Assim, hoje é factívelverificar ao observar as brechas e contradiçõesatuais dentro da “economia”, em especial entre a“bolha” especulativa e a produção de novo valormaterial. Ou na “política” nas relações entre o blocoimperial mundial e os processos vinculados à lutaatual por espaços autônomos para identidadesnacionais, étnicas, etc. E, obviamente, entre tais“economia” e “política”, ou entre a crise daracionalidade eurocêntrica e as tendências a umarecolonização da intersubjetividade, ou, enfim, entrea crise dos padrões de classificação social e astendências a uma reclassificação da populaçãomundial em escala global. Essas razões têm levadoalguns estudiosos a propor que se pense em termosde “globalizações” em cada área e em diversosperíodos.40

Em segundo lugar, o caráter basicamentepolítico do que se chama “globalização”, tal comoficou demonstrado, em especial a respeito daseqüência entre um período de mudanças e riscosrevolucionários cuja derrota permite impor o blocoimperial mundial, esclarece a curiosa idéia de quese trata de um tipo de fenômeno natural e não umavatar das disputas de poder e em conseqüênciasujeito, sem dúvida, às intenções e às decisões daspessoas, quaisquer que sejam os prazos do conflitoe de seus resultados.

Em terceiro lugar, a estrutura de poder que seprocessa na “globalização”, tanto nas relações deexploração quanto nas de dominação, mostra comoum de seus problemas inerentes uma extremadaconflitividade: entre capital e um universo de tra-balho mais heterogêneo e menos controlável emconseqüência; entre o capital financeiro e umamassa de trabalhadores enredados entre a falta deemprego assalariado e ingressos, e a inescapávelnecessidade de sobreviver no mercado; entre ricoscada vez mais ricos e pobres cada vez maisnumerosos e cada vez mais pobres; entre o blocoimperial mundial e os Estados locais e suas tendênciasnacionais e regionais; entre os Estados que batalhampor hegemonias regionais; entre as lutas pela reduçãoou simples extinção da democracia e as quebatalham por sua consolidação política e suaampliação à sociedade; enfim, entre as tendênciascrescentes de reducionismo tecnocrático no modo

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de produzir conhecimento e as tendências mundiaispara outra racionalidade não-eurocêntrica.41

O que se diz acima não é, de modo algum,uma enumeração exaustiva. Mas põe a descobertofontes e tendências insanáveis de conflitos quecomeçam a emergir à superfície e a transformarem lutas ativas. Essa extrema conflitividade inerenteao momento atual do padrão de poder mundial étambém o sinal de sua impossível estabilidade. Eessas condições podem significar apenas o potencialigualmente extremo de violência contido nessasituação e que tem expressões cuja ferocidade épatente para todos, no Golfo Pérsico, no Chifre daÁfrica, em Ruanda-Burundi-Congo, nos Bálcãs, noOriente Médio, na ex-União Soviética, como naChechênia agora, ou na América Latina, naColômbia e em toda a área andino-amazônica. Essaviolência, muito provavelmente, está começando.

E nem sequer tocamos ainda nos possíveisconflitos mais violentos que parecem estar sepreparando no futuro entrevisível: as disputas entreo bloco imperial e a China (e eventualmente China-Índia-Rússia); no bloco, entre os Estados Unidos ea União Européia, de cada um e de ambos com oJapão ou com a Rússia. Difícil admitir, diante dessasperspectivas, as imagens mistificadas que circulamno universo de comunicação e de informação sobcontrole do capital financeiro global.

Em suma, a “globalização” do padrão de podermundial ameaça levar a seus extremos a polarizaçãosocial, a reconcentração de controle do podermundial em mãos de uma pequena minoria daespécie, com a recolonização do mundo em umaestrutura imperial de domínio a serviçodas piores formas de exploração e de dominação;ameaça de desdemocratização, portanto a des-modernização das relações sociais, materiais eintersubjetivas, com a extrema tecnocratização doconhecimento. Coloca a descoberto, pela primeiravez de maneira explícita, a velha ameaça eurocêntricade uma barbárie técnica.

AS OPÇÕES ALTERNATIVAS

É necessário estabelecer, em primeiro lugar,com toda a clareza, que tais tendências e perspectivasde aumento da exploração e da dominação nomundo e, devido a isso, de permanente confli-tividade e extrema violência não têm nada a vercom a integração mundial do intercâmbio de bens,de serviços, de informação e de transporte, com oapequenamento do mundo, com a mudança denossas relações com o tempo e o espaço. O queestá em questão não é, em conseqüência, aintegração do mundo, mas o caráter capitalista,contra-revolucionário e predador do poder mundialque se “globaliza”. A integração democrática domundo é, pelo contrário, um dos mais ilustressonhos da espécie.

Trata-se, pois, não de deter a integração domundo, mas de permitir seu desenvolvimento maiscompleto, de liberá-la tanto quanto possível deconflitividade sistemática e de violência extrema,de modo que a diversidade da espécie deixe de serum argumento da desigualdade na sociedade, queas relações sociais entre as várias identidades entrea população do planeta possam ser entre seres so-cialmente iguais e individualmente livres.

Nessa perspectiva, trata-se, em primeiro lugar,de liberar o processo de integração mundial dastendências do capitalismo e do bloco imperialmundial. Isso implica, necessariamente, a redis-tribuição mundial do poder, isto é, do controle dotrabalho, de seus recursos e de seus produtos; docontrole do sexo, de seus recursos e de seusprodutos; do controle da autoridade coletiva, deseus recursos e de seus produtos; do controle dasubjetividade e, antes de tudo, do modo de

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produção do conhecimento. Tal redistribuiçãosignifica a volta do controle de cada um dos âmbitosvitais da existência social à vida cotidiana doshomens e mulheres desta terra.

É verdade que durante mais de duas décadas adesintegração do “campo socialista” europeu, aderrota mundial dos movimentos “anti-sistema”, oeclipse do “materialismo histórico” como discursolegitimador do “socialismo” entre os principaiselementos que se desencadearam junto com a crisemundial desde meados dos anos 1970 permitirama “globalização” da dominação imperialista. Aderrota política foi acompanhada da desintegraçãosocial e política do mundo do trabalho e de seusassociados. Originou a desmoralização e a

desocupação políticas, quan-do não a aberta decom-posição dos derrotados.Produziu uma crise de iden-tidade social mundial pro-funda, subalternizou de novoo discurso social dos domi-nados e explorados, in-clusive reconfigurou seupadrão de memória. En-quanto isso, o capital finan-ceiro pôde levar a cabo,quase sem resistência, suaação predatória contra so-

ciedades e Estados dependentes e contra aesmagadora maioria dos trabalhadores. Contudo,esse tempo começa a findar. A resistência estácomeçando mundialmente. Para os latino-americanos basta olhar ao redor, uma vez que aslutas sociais já têm provocado crise e instabilidadepolíticas em toda a América do Sul.

Todo o tempo de derrota dos explorados edominados permite aos que controlam o poderrealizar mudanças profundas nas relações sociaisde poder e muitas delas profundas e irreversíveis.Seria inútil ou, pior, derrotada de antemão, todatentativa de luta pela simples restauração do quetem sido destruído ou modificado. A nostalgia nãotem o mesmo rosto nem mira na mesma direçãoque a esperança. Mas, na ausência de uma propostasolucionadora e admitida de reconhecimento darealidade e de suas opções reais de mudança embenefício das vítimas do poder, em períodossemelhantes as lutas de resistência começam, quasesempre, com a memória do perdido, porque se trata

de reconquistar as poucas concessões arrancadasaos exploradores e dominadores.

E o que foi perdido nesses anos é muito amploe muito forte: emprego estável, salários adequados,liberdades públicas, e na maioria dos países domundo os espaços de participação democrática nageração e gestão da autoridade pública. Em outraspalavras, a exploração tornou-se mais forte e adominação mais direta. As lutas de resistência emtodo o mundo se dirigem, precisamente, à re-conquista de emprego, de salários, de espaçosdemocráticos, de participação na gestão do Estado.O problema, não obstante, é que nas tendênciasatuais do capitalismo já não existem condições paraa expansão do emprego assalariado, mas ao contráriopara sua contínua redução.42 Se isso é correto, afragmentação, a dispersão, a heterogeneidade deidentidades sociais, étnicas e culturais da populaçãomundial dos trabalhadores só continuarão au-mentando. Nessas condições, a erosão dos espaçosganhos na democratização e nacionalização dosEstados locais da “periferia” também, pro-vavelmente, não será revertida na maioria doscasos.43

As necessidades atuais do capital pressionamhoje, inclusive nos países do “centro”, pela reduçãodos espaços democráticos de negociação dos limitesda exploração e da dominação e pelo desvirtuamentode seus propósitos, identificada a democraciaapenas com o voto. Na vasta “periferia”, acolonialidade do poder bloqueou a plena demo-cratização e nacionalização das sociedades e Estadose hoje as pressões do bloco imperial mundialreduzem continuamente os espaços ganhos e emmuitos casos têm conseguido quase anulá-los. E semo controle da autoridade pública ou sem sequer umaparticipação plena e consolidada em sua cons-tituição e em sua gestão os limites da exploração eda polarização social atual não podem sercontrolados.

A luta pela democratização e nacionalização desociedades e Estados é, ainda, sem dúvida, umatarefa mundialmente importante na defesa dosdireitos conquistados ou de sua reconquista. Mas éindispensável admitir que esse é um caminholimitado, ao se manter a perspectiva eurocêntricade Estado-nação moderno. E em todo caso, agora évisível que no mais moderno, democrático enacional dos Estados, a democracia não deixou de

A derrota política foi

acompanhada da

desintegração social e

política do mundo do

trabalho e de seus

associados.

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ser, não poderá deixar de ser, mais do que um espaçode negociação institucionalizado das condições, doslimites e das modalidades de exploração e dedominação.

Por sua vez, dadas as tendências de limitaçãocrescente à mercantilização da força de trabalho,de criação e de ampliação do emprego assalariado,a heterogenização, a fragmentação, a dispersão, amultiplicação de interesses e identidades locaisconspiram de modo crescente contra a organizaçãoe mobilização dos trabalhadores nas formasestabelecidas durante os séculos XIX e XX. E, nessascondições, a luta pelo controle do Estado é umcaminho limitado e poderia ser, no fim das contas,cega. Isto é, o controle mais ou menos democráticodo Estado, a cidadania como igualdade jurídica dedesiguais no poder não levou, não pode levar a umaexpansão contínua da igualdade social, da liberdadeindividual e da solidariedade social, da democraciaem suma. Os espaços ganhos estão agora em questãono “centro” e são erodidos sem cessar na “periferia”.E nas atuais condições sociais e políticas e deprovável ou certo desenvolvimento de suas jáassinaladas tendências as lutas dos dominados pelocontrole do Estado poderiam ser exitosas só de modoexcepcional e precário.

A prolongada experiência tem demonstrado,amplamente também, que é inútil tratar de impor àrealidade nossos desejos e aspirações por atrativose plausíveis que possam ser ou parecer. Em lugardisso, é indispensável observar no cenário atual domundo as tendências e possíveis tendências queimplicariam outras formas de organização, deidentificação dos trabalhadores e de organização dasociedade.

Nessa perspectiva, é demonstrável hoje que sãoos próprios processos do capitalismo e as tendênciasde dominação imperial que estão impelindotendências alternativas. Assim, por um lado, na áreado controle do trabalho, dos recursos e dos produtos,devido às limitações na mercantilização da força detrabalho e da correspondente crise na produção deemprego assalariado, estão de volta a escravidão, aservidão pessoal, a pequena produção mercantilindependente é mais ubíqua que nunca e é o coraçãodo que se etiqueta como “economia informal”. Naárea de controle da autoridade, a formação do blocoimperial mundial e a erosão dos processos locaisde Estado-nação na “periferia”, estão associadas à

reprodução de formas locais,pré-modernas, de autorita-rismo, de hierarquização dasociedade e de limitação àindividualização, comoocorre com as tendênciasfundamentalistas em todo omundo. Porém, frente a elastambém estão em reexpan-são a reciprocidade naorganização do trabalho e acomunidade como estruturade autoridade pública.

Essas tendências pre-cisam ser estudadas e de-batidas em relação a seupotencial de ampliação econsolidação da igualdade social, da liberdadeindividual e da solidariedade social em escala global.Já se sabe que na escravidão ou na servidão todoresquício de democracia é nulo ou só existe para osamos, uma reduzida minoria. O que o salariado eo capital permitem em termos de democracia já foiverificado profundamente, bem como se verificamagora suas crescentes limitações e seus prováveiscaminhos cegos em um prazo não muito longo. Emtroca, a reciprocidade consiste, precisamente, nointercâmbio socializado do trabalho e da força detrabalho, de seus recursos e de seus produtos. E acomunidade como estrutura de autoridade é, semdúvida, a forma de socialização ou democratizaçãoplena do controle da geração e da gestão da autori-dade pública. E ambas as tendências têm lugar agorano mundo urbano novo, no produzido como cenáriocentral da sociedade e da cultura do capitalismo eda modernidade, como relações livres entreindivíduos livres.44

A teoria eurocêntrica sobre a democracia colocaos arranjos de autoridade entre os senhores escravistasda pólis ateniense do século V a.C., como o momentode origem da linhagem européia ocidental dademocracia, e à institucionalização dos arranjos depoder entre o senhorio feudal e a coroa na Inglaterra,no século XIII, na famosa Carta Magna e depois noParlamento, como o momento de reinício modernode sua história. Não por acaso, mas porque permiteperpetuar o mito do indivíduo isolado, concentradoem si mesmo e contraposto ao social, e do mito queo funda e que funda na realidade a versãoeurocêntrica da modernidade, o mito do Estado de

A prolongada experiência tem

demonstrado, amplamente

também, que é inútil tratar de

impor à realidade nossos

desejos e aspirações por

atrativos e plausíveis que

possam ser ou parecer.

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natureza como momento inicial da trajetóriacivilizatória cujo apogeu é, por certo, “Ocidente”.

Essa teoria, no entanto, bloqueia a percepçãode outra linhagem histórica da democracia, semdúvida mais universal e mais profunda: acomunidade como estrutura de autoridade, isto é,o controle direto e imediato da autoridade coletivapela população de um espaço social determinado.Para não ir mais longe, essa linhagem não estáausente da própria história da Europa ocidental.No mesmo século XIII as comunidades camponesasda área helvética se reuniram e decidiram associar-se, como comunidades, na Confederação Helvética,para defender-se conjuntamente do despotismofeudal e do despotismo imperial. A atual repúblicaSuíça é a adaptação dessa trajetória às condiçõesdo capitalismo e do Estado-nação moderno, masmantendo duas instituições-chave da democraciadireta: o referendo, isto é, a consulta à cidadaniade toda decisão que afete de modo significativo avida coletiva, e a ausência de forças armadas pro-fissionais, separadas do controle da cidadania. Adefesa exterior e a segurança interior são realizadasde modo direto, institucionalizado, pela comu-nidade. Não é em vão que a Suíça tem sidoreconhecida como um modelo particular dedemocracia avançada nas condições do capitalismo.

Estas são, certamente, proposições de pesquisae de debate. Mas se não são arbitrárias, se astendências assinaladas são ativas e vitais no mundoatual, com a formação de comunidades e deassociações regionais de comunidades, comoestrutura genuinamente democrática de autoridadepública, como autogoverno popular em muitas áreasurbanas e semi-urbanas do mundo, sobretudo na“periferia”; com a reciprocidade como forma deorganização do trabalho e de distribuiçãodemocrática de seus recursos e de seus produtos,associada hoje em parte à chamada “economiainformal” em todo o mundo, um horizonte novoestá, talvez, emergindo para as lutas mundiais poruma nova sociedade na qual a democracia não sejasomente negociação institucionalizada do conflitocontínuo entre vencedores e vencidos, mas tambémo modo de vida cotidiano das pessoas.

NOTAS

1 Sobre essa proposta, ver A. Quijano, “Poder y derechoshumanos”, em Poder, salud mental y derechos humanos (Lima:Cecosam, 2001).

2 A discriminação de “gênero” é, talvez, a mais antiga na históriada espécie. Mas no atual padrão mundial de poder ficousubordinada à colonialidade do poder. E na medida em quesobre ela há um longo debate e uma inesgotável literatura,parece-me necessário enfatizar a colonialidade específica do atualpadrão de poder.

3 Ver A. Quijano, “Colonialidad del poder, eurocentrismo yAmérica Latina”, em Edgardo Lander (org.), Colonialidad delsaber, eurocentrismo y ciencias sociales (Bueno Aires: Clacso-Unesco, 2000), pp. 201-246. Aqui, sem dúvida, é útil notarque os termos “colonialidade” e “colonialismo” se referem afenômenos e questões diferentes. O “colonialismo” não se refereà classificação social universalmente básica que existe no mundohá 500 anos, mas à dominação político-econômica de algunspovos sobre outros e é milhares de anos anterior à colonialidade.Ambos os termos estão, obviamente, relacionados, já que acolonialidade do poder não teria sido possível historicamentesem o específico colonialismo imposto ao mundo a partir dofinal do século XV.

4 Ibid.5 Para essa discussão, ver A. Quijano, “Estado-nación, ciudadanía

y democracia, cuestiones abiertas”, em Heidulf Schmidt &Helena Gonzáles (orgs.), Democracia para una nueva sociedad(Caracas: Nueva Sociedad, 1998); “El fantasma del desarrollo”,em Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, no 2,(Caracas, Universidad Central de Venezuela, 2000).

6 Ibid.; Towards a Non-Eurocentric Rationality, documentoapresentado ao simpósio “Subalternidade e Colonialidade”,Duke University, outubro de 1998; e “Colonialidad del podery clasificación social”, em Festschrift for Immanuel Wallerstein,vol. I (Nova York: Fernand Braudel Center/BinghamtonUniversity, 2000).

7 De certo modo, a oposta hegeliana desenvolvida por Kojéve eretomada por Fukuyama (o fim da história) implica essa idéiade culminação desse padrão de poder. Ver A. Quijano, “¿El finde cual historia?”, em Análisis Político. Revista del Instituto deEstudios Políticos y Relaciones Internacionales, no 32, (Bogotá,Universidade Nacional da Colômbia, set.-dez. 1997 pp. 27-32).

8 Sobre as implicações da “revolução científico-tecnológica”, émuito ilustrativo acompanhar o desenvolvimento que vai dosestudos do Coletivo Radovan Richta em Praga, antes da invasãodos tanques russos, em 1969, à visionária “Aldeia global”macluhaniana. Ver, por exemplo, A. Quijano, “Tecnología deltransporte y desarrollo urbano”, no volume coletivoAproximación critica a la tecnología en el Peru (Lima: MoscaAzul, 1982).

9 N. Birsdall, “Life is Unfair: Inequality in the World”, emForeign Policy, Carnegie Endowment for International Peace,Summer 1998, pp. 76-93; também em Robert Griffiths (ed.),Developing World 99/00, Dushkin-McGraw Hill-Guilford,CT, USA, 1999, pp. 25-34.

1 0 Ver Paul Krugman, “The Right, the Rich and the Facts:Deconstructing the Income Distribution Debate”, em AmericanProspect, Fall, 1992. De Michael Bruno, Martin Ravallion yLynn Squire, Equity and Growth in Developing Countries(Washington: World Bank, 1996), citado em Nancy Birsdall,Nancy Birsdall, “Life is Unfair: Inequality in the World”, cit.,p. 33. Sobre o Brasil, ver os números mais recentes: “O InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão federal,acaba de divulgar índices aterradores, que valem como balançodestes cinco anos e quatro meses de governo de FHC: 1% dapopulação tem em suas mãos uma riqueza superior a 50% dos

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brasileiros. Ou seja, cerca de 1,6 milhão de pessoas possuemuma fortuna superior à soma dos bens de 83 milhões debrasileiros; 19,6% das famílias têm uma renda mensal de, nomáximo, 1/2 salário mínimo”; Frei Beto, “Los rumbos de laoposición”, em América Latina em Movimiento, no 314, Alai,23 de maio, 2000, pp. 2-3. E, na Venezuela, segundo uminforme da Cepal, a renda de 40% da população urbana maispobre caiu de 16,85 para 14,7% entre 1990 e 1997, enquantoque a dos 10% da população urbana mais rica subiu de 28,4%para 32,8% no mesmo período (Cepal, Panorama social deAmérica Latina, 1998, p. 64).

1 1 Developing World 99/00, cit., p. 46.1 2 “This past year [1996] the government of Uganda spent only

$ 3 per person on health care, but spent $ 17 per person onrepaying its foreign debt. Meanwhile, one in the five Ugandanchildren will not reach their fifth birthday as a result of diseasesthat could be prevented through investment in primary healthcare”; Marie Griesgraber, “Forgive our Debts: The ThirdWorld’s Financial Crisis”, em The Christian Century, 22-1-1997, pp.76-83.

1 3 Por exemplo, J. Rifkin. The End of Work (Nova York: JeremyTarcher Inc. 1996); Dominique Meda, Le travail, une valeuren voie de disparition (Paris: Champs/Flamarion 1995). Ainvestigação sobre as tendências nas relações entre trabalho ecapital refere-se exclusivamente ao emprego assalariado. Seusachados produziram uma numerosa família de categorias: a“flexibilização”, a “precarização”, a “subcontratação”, o regressodo “putting-out system”, a “informalização”, entre as principaisde uma abundante literatura. Sobre a América Latina ver, porexemplo, V. E. Tokman & D. Martinez, Flexibilizacióm en elmargem: la reforma del contrato de trabalho (OIT, 1999).Também os estudos contidos em Carlos Santigado (org.), PrimerEncontro Latinoamericano de Estúdios Del Trabajo (Porto Rico:Revista de Administración Pública/Universidade de PuertoRico, 1996).

1 4 Em 1991 a OIT reconhecia a existência de 6 milhões de pessoasem situação de escravidão no mundo. A ONU encarregou umacomissão de estudos desse problema. O informe dessa comissãoem 1993 salienta que existiriam 200 milhões de escravos napopulação mundial. Ver a entrevista de José de Souza Martinsem “Estudos Avançados”, em Revista do Instituto de EstudosAvançados, no 31, São Paulo, USP, 1997.

1 5 Segundo essas informações, o capital financeiro atual tem umcaráter quase oposto ao do período pré-crise. O anterior serviapara promover investimento produtivo. O atual é quase quepuramente parasitário, ergo predatório.

1 6 O estudo e o debate dessas tendências começaram na AméricaLatina desde meados dos anos 1960, no debate sobre a questãoda marginalização. Dessa perspectiva, ver, principalmente, J.Nun, “Sobrepoblación relativa, ejército industrial de reserva ymasa marginal”, em Revista Latinoamericana de Sociología, volV, no 2, julho de 1969. E de A. Quijano, os textos incluídosem Imperialismo y marginalidad en América Latina (Lima:Mosca Azul, 1977), e também “Crisis capitalista y clase obrera”no volume coletivo Crisis clase obrera (México: Era, 1975).

1 7 Na América Latina, ainda que o debate geral sobre a crisecapitalista já estivesse no ar desde meados dos anos 1970, foi obrasileiro Celso Furtado um dos primeiros a chamar a atençãopara a hegemonia do capital financeiro sobre suas implicações;ver A. Quijano, “Transnacionalización y crisis de la economíaen América Latina”, em Cuadernos Del Cerep, San Juan, 1984.Sobre o debate recente, da perspectiva das áreas dependentes eperiféricas do capitalismo, ver K. Singh, Globalization of Finance

(Londres/Nova York: Zed Books 1999), e do mesmo autor,Taming Financial Flows: Challenges and Alternatives in theEra of Financial Globalization (Londres-Nova York: Zed Books,2000).

1 8 Em O capital e em seus agora não menos célebres Grundrisse,Marx chegou notavelmente longe nessa elaboração, tão longecomo seria possível sem romper o leito de uma perspectivaeurocêntrica de conhecimento. Em todo caso, estabeleceu asbases e as questões maiores do debate. Assim, a tendência aoesgotamento da conversão de força de trabalho em mercadoriaquando uma força produtiva superior permitisse a automatizaçãoda produção é a questão central aberta, tão prematura como em1858, no capítulo sobre a contradição entre o princípio debase (medida do valor) da produção burguesa e odesenvolvimento desta; ver Fondements de la critique del’economie politique, vol. 1 (Paris: Anthropos, 1968), pp. 220-231. Sem dúvida, não é por azar que os próprios economistasda burguesia ou os funcionários das principais entidades deadministração internacional do capital descobrem surpresos oquanto as previsões de Marx coincidem com as tendênciasmais avultadas do capitalismo “globalizado”, em particular aconcentração de capital e a polarização social global, tanto temposimplesmente negada entre os economistas da burguesia. Ver,por exemplo, a nota de J. Cassidy, “The Return of Karl Marx”,em New Yorker, 20-27-10-1997. E N. Birsdall, vice-presidenteexecutiva do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),não vacila em começar seu texto dizendo: “Exactly 150 yearsafter the publication of the Communist Manifest, inequality loomslarge on the global agenda”, cf. N. Birsdall, “Life is Unfair:Inequality in the World”, cit., p. 25. Ver também meu “Crisiscapitalista y clase obrera”, em F. Claudin, K.S. Karol, A. Quijanoy R. Rosanda, Crisis capitalista y clases sociales (México: Era,1974).

1 9 De R. Miliband, The State in Capitalist Society (Nova York:Basic Books, 1969), foi especificamente proposto como umestudo do Estado nos países chamados “ocidentais”. De N.Poulantzas, Poder político y clases sociales en el Estado capitalista(México: Siglo XXI, 1969). Uma revisão útil da literaturaanterior ao eclipse do “materialismo histórico” no debate mundialé a de Tilman Evers, El Estado en la periferia capitalista (México:Siglo XXI, 1979 e 1985).

2 0 Sobre esse assunto, não deixa de fluir uma imensa literatura.Para uma parte do debate na América Latina ver, por exemplo,D. G. Delgado, Estado-nación y globalización (Buenos Aires:Ariel, 1998); F. C. Scarlato et al. Globalizacão e espaço latino-americano (São Paulo: Hucitec-Anpur, 1993). E em relaçãoaos processos políticos vinculados aos culturales, J. S. Parga,Globalización, gobernabilidad y cultura (Quito: Abya-Yala,1997); D. Mato, Crítica de la moderna globalización yconstrucción de identidades (Caracas: Universidade Centralda Venezuela, 1995); N. G. Canclini (coord.), Culturasen globalización (Caracas: Nueva Sociedad, 1996).

2 1 No sentido de Hobson e Lênin.2 2 T. M. Gallaghy cunhou o conceito de “Transgovernance” para

dar conta do fato de que as instituições do Estado sãoimprescindíveis para aplicar ou impor em cada país as normase as condutas que correspondem aos interesses do capital e domercado. Mas que, ao mesmo tempo, essas instituições estataisestão enlaçadas com as específicas do capital. Ver “Globalizationand Marginalization. Debt and International Underclass”, emCurrent History, novembro de 1997, pp. 392-396 e emDeveloping World 99/00, cit., pp. 50-54.

2 3 Acerca da questão das relações entre o público e o privado na

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configuração e na ação da autoridade coletiva, estatal emparticular, adiantei algumas propostas em “Lo público y loprivado: un enfoque latinoamericano”, em A. Quijano,Modernidade, identidade e utopia na América Latina (Lima:Sociedad y Políticas, 1988).

2 4 Escrita esta revisão textual de minha conferência, li a obra deM. Hardt & A. Negri, Empire (Cambridge/Londres: HarvardUniversity Press, 2000). Sua tese central é de que já estamosdentro de um Império Global, de análogas característicashistóricas e estruturais às do Império Romano e que já acaboua era do imperialismo e do Estado-nação, em sua perspectivade instituições mutuamente correspondentes. Essa idéia já estavano livro de G. Soros, The Crisis of Global Capitalism (NovaYork: 1998). Os leitores perceberão minhas diferenças comessas propostas.

2 5 Ver em A. Quijano, “Lo público y lo privado, un enfoquelatinoamericano”, cit.

2 6 A respectiva literatura, já extensa, cresce a cada dia. Ver porexemplo, as referências em D. G. Delgado, Estado-nación yglobalización. Fortalezas y debilidades en el umbral del tercermilenio (Buenos Aires: Ariel, 1998).

2 7 Sobre essa questão, ver em A. Quijano, Coloniality of Powerand its Institutions, documento do Seminário Internacionalsobre La Colonialidad del Poder y sus Ambitos, BinghamtonUniversity, abril de 1999, Binghamton, Nova York, EUA.

2 8 Ver “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”,cit.

2 9 Sobre o conceito de “dependência” implícito nessa definição,ver “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”,cit. Também “Colonialidad del poder, cultura y conocimientoen América Latina”, em Anuario Marateguiano, vol. IX, no 9,Lima, 1997, pp. 113-122.

3 0 Discuti antes essas questões em diversos textos. Principal-mente em “Colonialidad del poder, eurocentrismo y AméricaLatina”, cit.; em “Estado-nación, ciudadanía y democracia:cuestiones abiertas”, em Heidulf Schmidt & Helena Gonzáles(orgs.), Democracia para una nueva sociedad (Caracas: NuevaSociedad, 1998); “El fantasma del desarrollo”, em RevistaVenezolana de Ciencias Sociales, no 2 (Caracas, UCV, 2000);“Colonialidad, ciudadanía y democracia”, em Amerique Latine:democratie et exclusión (Paris: L’Harmattan, 1994); em “AmericaLatina en la economia mundial”, em Problemas del desarrollo,revista del Instituto de Investigaciones Económicas, Unam,vol. XXIV, no 95, México, 1993.

3 1 Uma visão conjunta e panorâmica de colonialismo eanticolonialismo nos últimos 500 anos pode ser encontradano monumental livro de L. S. Stavrianos: Global Rift. TheThird World Comes of Age (Nova York: William Morrow andCo., 1981).

3 2 Ver América Latina en la economía mundial, cit. Também Elfantasma del desarrollo en América Latina, cit.

3 3 Discuti isso em vários textos, entre os quais: El fujimorismo y elPerú, Lima 1995; “Fujimorismo y populismo”, em FelipeBurbano de Lara (org.), El fantasma del populismo (Caracas:

Nueva Sociedad 1998); “El fujimorismo, la OEA y el Perú”,em America Latina en Movimiento, Quito, 25 de julho, 2000.

3 4 A Corte Suprema do poder judiciário controlado e manipuladopelo Serviço de Inteligência Nacional, a soldo dos especuladorese negociantes corruptos do país, sentenciou que era legal essadiscriminação imposta pelas empresas dos locais de diversãonoturna em Lima. Ver meu artigo “Qué tal raza”, originalmentepublicado no volume Cambio Social y Família (Lima: Cecosam,2000) e depois em várias outras publicações da América Latina.

3 5 Sobre minhas propostas históricas e teóricas a respeito dessaquestão, remeto, principalmente, aos citados textos“Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”,“Estado-nación, ciudadanía y democracia: cuestiones abiertas”e El fantasma del desarrollo.

3 6 Acerca desse debate, ver as referências em meu texto “Estado-nación, ciudadanía y democracia: cuestiones abiertas”, cit.

3 7 O caso mais escandaloso na América Latina é, obviamente, o deFujimori, no Peru, cujo triunfo em 1990 deveu-se à maciçaoposição dos votantes contra o programa econômico neoliberalde Vargas Llosa, mas que impôs imediatamente a mais extremae perversa versão do neoliberalismo contra a expressa vontadede seus eleitores. A partir de então, mantém-se no governorecorrendo a golpes de Estado e a fraudes eleitoraismundialmente condenados. Isto é, de novo, contra a vontadedos eleitores.

3 8 Sobre tais arestas no debate chamado pós-modernista, ver, porexemplo, Steven Best & Douglas Kellner, Postomodern Theory.Critical Interrogations (Nova York: Guilford Press, 1991).

3 9 Uma discussão provocativa dessas questões encontra-se em PaulVirilio: La bombe infomatique (Paris: Galilée, 1998).

4 0 Ainda que seu enfoque de interesse especial seja a área cultural,são pertinentes a esse respeito as propostas de Goran Therbornem “The Atlantic Diagonal in the Labyrinths of Modernitiesand Globalizations”, em Globalizations and Modernities(Estocolmo: FRN, 1999), pp. 11-40.

4 1 Sobre os limites do processo de globalização da economiacapitalista há uma extensa literatura. Entre os textos de maiorinteresse, ver Elmar Alvater & Birgit Mahnkopf, Grenzender Globalisierung, Oekonomie, Oekologie und Politik in derWeltgesellschaft (Munique: Verlag Westfalisches Dampfboot,1996). E a coletânea organizada por Robert Boyer & DanielDrache, States Against Markets, the Limits og Globalization(Londres/Nova York: Routledge, 1996).

4 2 Ver A. Quijano, El trabajo al final del siglo XX, conferênciapública por ocasião da celebração do primeiro centenário defundação da Confederação dos Trabalhadores de Porto Rico,em Paraninfo de la Universidad de Puerto Rico, em Río Piedras,em Outubro de 1998 (no prelo).

4 3 Adiantei algumas propostas para debate em “Globalización yexclusión desde el futuro”, em La Republica, Lima, 18-8-1997.

4 4 Ver um debate inicial dessas questões em A. Quijano, La“economía popular” en América Latina (Lima: Mosca Azul,1988); Modernidad, identidad y utopía en América Latina(Lima: Sociedad y Política, 1988).