coleta seletiva de lixo

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Coleta seletiva com incluso dos catadoresFrum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo Experincia e desaos

Coleta seletiva com incluso dos catadoresFrum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo Experincia e desaos

Essa revista contou com o apoio da Ecofuturo no fornecimento do papel Reciclato. O Instituto Plis conta com o apoio solidrio de: Avina Action Aid CCFD EED FPH Frres des Hommes Fundao Ford Fundao Friedrich Ebert - ILDES IDRC NOVIB OXFAM

Publicaes Plis ISSN - 0104-2335

CENTRO DE DOCUMENTAO E INFORMAO DO INSTITUTO PLISGRIMBERG, Elisabeth Coleta seletiva com incluso social: Frum Lixo e Cidadania na Cidade de So Paulo. Experincia e desaos. -- So Paulo: Instituto Plis, 2007. 148p. (Publicaes Plis, 49) 1. Meio Ambiente Urbano. 2. Saneamento Ambiental. 3. Gesto Ambiental. 4. Resduos Slidos. 5. Gesto Compartilhada de Resduos Slidos. 6. Coleta Seletiva. 7. Cooperativas de Catadores. 8. Polticas Sociais. 9. Cidade de So Paulo. 10. Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo. 11. Programa Coleta Seletiva Solidria. 12. Movimentos Sociais. I. Ttulo. II. Instituto Plis. III. Srie. Fonte: Vocabulrio Instituto Plis/CDI

Plis 49 Coordenao: Elisabeth Grimberg Assistente de coordenao: Auana Diniz Coodernao editorial: Iara Rolnik Xavier e Paula Santoro Conselho editorial: Elisabeth Grimberg, Veronica Paulics, Juliana Sicoli, Auana Diniz, Iara Rolnik Xavier e Paula Santoro Reviso de textos: Toms Bastian Capa e diagramao: Silvia Amstalden

Coleta seletiva com incluso dos catadoresFrum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo Experincia e desaos

Sumrio

Apresentao Introduo Captulo I Captulo II Captulo III Captulo IV Concluses Bibliograa Anexos Fotos

7 9 21 49 63 101 109 114 115 131

Apresentao

Esta publicao apresenta a histria da formao e atuao do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo. O Frum, criado em 2000, foi uma construo coletiva de muitas instituies e pessoas que contriburam de forma signicativa para fazer avanar o paradigma de gesto de resduos slidos neste municpio com a aposta de que esta experincia pudesse servir de referncia para outras cidades do pas. A revista est estruturada em seis captulos. Logo aps a introduo do texto, o captulo I apresenta o processo de construo do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, seguido pelo captulo II, em que tratada a trajetria do Programa Coleta Seletiva Solidria e um conjunto de aes desenvolvidas pelo Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo. No captulo III so abordados diversos aspectos que caracterizaram as primeiras sete cooperativas de catadores que operaram as centrais de triagem do Programa Coleta Seletiva Solidria. Neste captulo so apresentados depoimentos de cooperados que atuavam nestes locais. No captulo IV, o texto apresenta os conitos e tenses que marcaram o primeiro ano da gesto PSDB-PFL (2005) na cidade. As concluses apontam avanos e desaos a serem enfrentados rumo a um sistema sustentvel de gesto de resduos slidos. O processo de articulao poltica do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo contou especialmente, no perodo entre 2000 e 2005, com a participao de Eduardo de Paula (Cooperativa de Catadores Autnomos de Papel, Papelo, Aparas e Materiais Reaproveitveis COOPAMARE) e de inmeros catadores que aqui seria impossvel de nominar, Marilena de Souza e Edy de Lucca (Organizao de Auxlio Fraterno OAF), Delaine Romano (Frum Desenvolvimento Zona Leste), Wilson Pereira Santos, Fabio Luiz Cardoso e Ruth Takahashi (Frum Recicla So Paulo), Srgio Forini (Comit de Resduos Slidos da Associao Brasileira de Engenharia Sanitria e Ambiental ABES), Stefan David (ABIVIDRO), Ins Berto e Minoro Kodama (Programa Coleta Seletiva Solidria da Secretaria de Servios e Obras da Prefeitura Municipal de So Paulo SSO/PMSP da gesto Marta Suplicy), Valria Tiveron (Departamento de Limpeza Urbana da Prefeitura Municipal de So Paulo LIMPURB-PMSP, gesto Marta Suplicy), Helena Magoso (Secretaria da Sade da Prefeitura Municipal de So Paulo SS-PMSP, gesto Marta Suplicy).

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Neste processo de articulao foram fundamentais as contribuies dos tcnicos do Instituto Plis Claudio Lorenzetti, Miriam Lozano, Yamila Goldfarb. Outros parceiros do Instituto Plis que deram contribuies igualmente relevantes em momentos crticos do processo foram Nelson Saule Junior, Mariana Levy Piza Fontes, Patrcia Cardoso, Jorge Kayano, Jos Carlos Vaz, Maria do Carmo Albuquerque e Incio da Silva. Destacou-se tambm a contribuio de Luciana Tuzel, mestranda em desenvolvimento sustentvel pela Universidade de Genebra e pesquisadora visitante no Instituto Plis, em 2004, e de Yamila Goldfarb, tcnica da rea do Instituto Plis, na pesquisa e elaborao do captulo IV. O trabalho de organizao da documentao e de levantamento de informaes de Auana Diniz, estagiria no Instituto Plis, foi da maior importncia. O Centro de Documentao e Informao do Instituto Plis deu uma preciosa contribuio no levantamento de fontes de informao. Do ponto de vista do suporte metodolgico, a Fundao Friedrich Ebert teve um papel central ao apostar na iniciativa de criao do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo e tambm em outros momentos do processo. Elisabeth Grimberg

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Introduo

Introduo

Diferenciando lixo de resduos slidos reciclveis preciso diferenciar os termos lixo de resduos slidos reciclveis. Quando misturados, restos de alimentos, embalagens descartadas e objetos inservveis tornam-se lixo, que deve ter como destino ambientalmente adequado o aterro sanitrio. Esses mesmos materiais, quando disponibilizados separadamente para a coleta seletiva (resduos secos e midos) tornam-se materiais reaproveitveis ou reciclveis. Ainda preciso diferenciar os materiais que no tm mais como serem aproveitados na cadeia do reuso ou reciclagem, denominados rejeito. No cabe, portanto, a denominao de lixo para tudo aquilo que sobra no processo de produo ou de consumo. Estudos indicam que 90% dos resduos urbanos gerados so passveis de reaproveitamento 60% so resduos orgnicos e podem se compostados e 38% so papis, vidros, metais, plsticos e embalagens que podem se tornar produtos reciclados. Marcar estas diferenas de suma importncia para a construo de um paradigma de gesto sustentvel de resduos slidos que supere, inclusive, o conceito de limpeza urbana. A perspectiva a de avanar para uma sociedade sensibilizada, informada e educada para as questes do no desperdcio de materiais, para consumir com critrios, para descartar seletivamente e para no jogar resduos nas ruas, crregos, terrenos baldios, ou seja, de forma inadequada. Neste cenrio, poderemos superar o conceito de limpeza urbana, que pressupem a sujeira urbana, lixo governos, empresas, cidados e cidads tero conscincia de suas atitudes e no mais jogaro os resduos em locais imprprios. Pelo contrrio, estaro participando da construo de uma nova concepo de gesto de resduos estruturada a partir da participao cidad, da incluso social, da educao para os 3 Rs reduzir, reutilizar, reciclar da responsabilidade social empresarial e da economia solidria e inclusiva.

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Os resduos slidos no BrasilSegundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico (PNSB), realizada em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geograa e Estatstica (IBGE), no Brasil coleta-se diariamente 125,281 mil toneladas de resduos domiciliares, sendo que 47,1% dos mesmos vo para aterros sanitrios. O restante, 22,3%, segue para aterros controlados e 30,5% para lixes (depsitos a cu aberto). Ou seja, 52,8% do total gerado no pas so destinados de forma inadequada. Cabe salientar que os dados referentes destinao para aterros sanitrios so relativizados inclusive pelo IBGE, conforme matria publicada no jornal O Estado de So Paulo (28/03/2002): os informantes [prefeituras] podem ter sido demasiadamente otimistas. A pesquisa revela uma tendncia de melhora no quadro da destinao adequada de resduos no pas (diminuio da quantidade destinada para lixes), entretanto o prprio Instituto ressalva que no provvel que se tenha atingido a qualidade desejada de destinao nal do lixo urbano no Brasil, na medida em que estes locais, por estarem geralmente na periferia das cidades, no despertam interesse da populao formadora de opinio, tornando-se, assim, pouco prioritrios na aplicao de recursos por parte da administrao municipal (IBGE, 2000). Por outro lado, h que considerar que os chamados aterros controlados so uma modalidade de disposio de resduos extremamente frgil e, portanto, questionvel quando denida como uma forma adequada de tratamento. Aterros controlados so inadequados porque podem facilmente tornar-se lixes e, alm disso, devido a sua engenharia ser muito inferior a do aterro sanitrio, causam problemas ambientais, tais como contaminao do ar, do solo e das guas subterrneas. Assim, pode-se considerar que 52,8% do total de resduos gerados no pas so gerenciados de forma inadequada, ou seja, quase 3mil municpios esto nessa condio. Vale destacar tambm que as cidades, especialmente as grandes, enfrentam a crescente falta de espao para a construo de aterros. Nos municpios pequenos e mdios, por sua vez, os espaos que servem para os aterros podem ter outras nalidades importantes tais como a agricultura, turismo, lazer etc. A estas diculdades e desvantagens de destinao para aterros sanitrios, acrescentam-se os altos custos para instalao e gerenciamento deste tipo de infra-estrutura. Quanto aos resduos reciclados, apenas uma parcela mnima (no contabilizada na pesquisa por sua pequena dimenso) coletada seletivamente e destinada para a reciclagem por meio de programas municipais. No entanto, na metodologia do IBGE no foi contabilizada a parcela de resduos destinada para a reciclagem pelo trabalho desenvolvido pelos catadores em todo o pas. preciso que se realize este levantamento urgentemente. Outra face da questo o grave quadro social que envolve a presena de crianas, adolescentes e adultos vivendo no e dos inmeros lixes e muitas12

vezes em aterros sanitrios e controlados. Estas pessoas coletam alimentos e materiais reciclveis para da extrarem sua sobrevivncia. So cerca de 35 mil crianas em lixes e uma estimativa de 500 mil catadores1 trabalhando em depsitos a cu aberto e nas ruas em todo o pas! Constata-se, assim, um duplo desperdcio: por um lado, deixa-se de reutilizar ou reciclar uma grande quantidade de materiais vidro, papel, papelo, metais, plsticos que podem dinamizar um mercado gerador de trabalho e renda, uma economia inclusiva. E, por outro lado, gasta-se signicativas cifras dos oramentos pblicos para enterrar resduos. Estes recursos podem ser redirecionados para implementao de uma nova lgica de prestao de servios no setor: catadores organizados em cooperativas e/ou associaes podem realizar os servios de coleta, triagem e pr-beneciamento, de forma remunerada e com infra-estrutura subsidiada. Estudos indicam que a reciclagem de todos os resduos poderia propiciar uma economia de 3 a 12% no oramento anual das prefeituras brasileiras. Alm disso, os recursos oramentrios devem ser canalizados para amplas e permanentes campanhas de sensibilizao e de educao ambiental de forma a que os materiais sejam separados pelos grandes geradores (empresas, setor pblico etc.) e pela populao em geral, e doados aos catadores e suas cooperativas ou associaes. Um outro aspecto a ser considerado na tica das mudanas necessrias no enfrentamento do desperdcio refere-se ao no aproveitamento dos resduos orgnicos que, como j mencionado anteriormente, representam cerca de 60% do total de resduos slidos descartados hoje no pas. Anualmente 14 milhes de toneladas de sobras de alimentos, segundo o Ministrio da Agricultura, transformam-se em lixo literalmente, devido a procedimentos inadequados em toda a cadeia produtiva. Perde-se 30% das hortalias ao longo das fases de produo, industrializao, armazenagem, transporte e distribuio. Perde-se outras tantas toneladas de hortifrutigranjeiros com o descuido do consumidor no manuseio de alimentos nos supermercados, e tambm nas cozinhas domiciliares e comerciais, em funo dos preconceitos da nossa cultura alimentar que despreza, por exemplo, talos de verduras, cascas de frutas e de ovos, sementes etc. Dados publicados na revista Superintessante (03/2002) apontam que 19 milhes de pessoas poderiam ser alimentadas diariamente com as sobras desperdiadas. Por m, deve-se considerar tambm que a falta de alternativas adequadas de descarte dos resduos provoca graves problemas de sade pblica, bem como desastres ambientais quando jogados nos rios e crregos.

1 O termo catador ser usado nesta publicao para denominar os trabalhadores que atuaram na coleta e/ou triagem de materiais reciclveis. Esta uma conceituao poltica, definida pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis (MNCR).

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A situao dos resduos slidos na cidade de So PauloSo Paulo produzia no incio de 2001 cerca de 10 mil toneladas de resduos por dia, o equivalente a um quilo por pessoa, que so destinados a dois aterros sanitrios (ambos estimados com apenas mais um ano de vida til). Os dados ociais sobre quantidade de resduos produzidos na cidade de So Paulo so aferidos com base nas informaes de coleta e destinao de resduo sob responsabilidade da Prefeitura. A quantidade efetivamente gerada no medida, pois o poder pblico mede apenas o que coletado. Detectar, portanto, a quantidade de resduo que a populao de So Paulo est gerando implica um estudo minucioso que dever contemplar (1) a coleta feita pelos catadores de rua que atuam individualmente e pelos que atuam coletivamente organizados em grupos, associaes e cooperativas e (2) a identicao da quantidade de resduos jogada a cu aberto, em terrenos baldios, crregos, nos rios Pinheiros e Tiet. Quanto questo social, que envolve a presena de catadores de rua, um grande desao saber quantas pessoas esto atuando nesta rea, conhecer seu perl, saber quantos dentre eles so organizados e como atuam, identicar a cadeia de intermedirios (que compram seus materiais) entre outras informaes. Segundo dados da Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas (FIPE), So Paulo tinha ocialmente, em 2000, cerca de nove mil moradores de rua, sendo que 32,2% dos entrevistados na pesquisa exerciam atividade de catao. J estimativas do Instituto Plis (amplamente adotadas pela mdia e pelo prprio movimento de catadores) apontam a presena de cerca de 20 mil catadores. Na falta de um censo que apure o nmero exato de catadores que coletavam materiais reciclveis nas ruas da cidade em 2004, o Instituto Plis construiu a seguinte lgica para estimar o nmero de pessoas atuando nesta atividade: dados da Secretaria de Servios Obras indicavam a reduo de 1.300 toneladas de resduos coletados por dia entre o ano 2000 e 2004. Multiplicando-se estas 1.300 toneladas por 30 dias (um ms) e dividindo este valor (39.000 toneladas) por duas toneladas (mdia que um catador organizado coleta por ms) chega-se ao nmero de 19.500 pessoas sobrevivendo de materiais reciclveis em So Paulo. (Estes nmeros esto sujeitos a revises, a partir da realizao de um levantamento mais preciso.) Segundo estimativas do Comit de Catadores de So Paulo existe cerca de 70 a 96 entidades de catadores (cooperativas, associaes, grupos), aproximadamente 3 mil pessoas atuando na cidade de forma organizada. O trabalho dos catadores avulsos, especialmente, realiza-se em condies bastante precrias e indignas, sendo comum encontrar famlias inteiras de catadores o que inclui crianas separando materiais reciclveis embaixo de viadutos e pontes, praas e terrenos baldios. Os materiais so, em geral, vendidos para intermedirios, tambm chamados de atravessadores (os preos

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praticados pelos intermedirios na compra dos materiais dos catadores avulsos costumam ser extremamente baixos)2. A discrepncia de informaes entre as fontes disponveis e a sabida precariedade do trabalho de catao apontam a necessidade urgente de o poder pblico realizar um inventrio desta situao. Apesar da cobrana permanente do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, ao longo de sua atuao, para que se realizassem estes levantamentos, at o momento essa demanda no foi atendida. Por m, do ponto de vista da sade, a situao de destinao inadequada de resduos, dada a falta de infra-estrutura e educao, apresenta-se como outro problema social a ser enfrentado, em que destacam-se as doenas veiculadas como leptospirose, diarria, tifo, salmonelose etc. A disposio inadequada tambm causa srios impactos ambientais, especialmente na gua: as represas Billings e Guarapiranga as reservas hdricas mais importantes para abastecimento de gua dos 17 milhes de habitantes da Grande So Paulo j esto em estgio avanado de assoreamento e contaminao.

O Frum Nacional Lixo e CidadaniaEm junho de 1998, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF) tomou a iniciativa de organizar um seminrio em Braslia para debater e apontar caminhos para o problema da presena de famlias inteiras, adultos e crianas, vivendo nos e dos lixes no Brasil. Deste evento resultou a criao de um programa, o Frum Nacional com o nome Lixo e Cidadania e o objetivo de erradicar o trabalho de catao de materiais reciclveis por crianas e adolescentes, criando alternativas concretas para integrar os catadores adultos em ambientes de trabalho com condies dignas. Outro grande objetivo do Frum Nacional era (e continua sendo) a mudana de padro de destinao de resduos slidos, na perspectiva de erradicar os lixes existentes no pas. A principal estratgia desenvolvida pelo programa criado foi a campanha Criana no lixo nunca mais3. Simultaneamente ao lanamento da campanha, foi enviado um questionrio para apurar a situao dos resduos nos municpios aos 5,5 mil prefeitos brasileiros, dos quais 1.679 foram respondidos, ou seja, 30% do total. No marco da atuao do Frum Nacional desenvolveu-se uma srie de iniciativas, entre elas a de criar fruns estaduais e municipais para implementao de polticas pblicas voltadas para os objetivos acima mencionados. Formaram-se 24 fruns estaduais Lixo e Cidadania e inmeros fruns municipais que contriburam (e contribuem at hoje) para levar as bandeiras de mudana no paradigma de gesto de resduos slidos no Brasil, no s no sentido da erradicao do trabalho das crianas e adolescentes nos lixes e nas ruas, mas tambm da ampliao dos programas de recuperao e reciclagem com incluso dos catadores.

2 Cabe ressaltar que consideramos aqui os intermedirios como todos os que atuam na compra de materiais reciclveis para posterior venda para as empresas de reciclagem, chamados de sucateiros, ferro-velhos, depsitos, aparistas. Uma parcela significativa das empresas que atuam neste negcio o faz de forma irregular e freqentemente explora os catadores pagando preos aviltantes ou gerando dependncia dos mesmos de formas variadas. A luta do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis (MNCR) pelo estabelecimento de comercializao direta com as indstrias e para tal esto organizando no presente momento centrais de venda em que possam vender em escala, o que favorece a venda para as indstrias de reciclagem (como exemplo, existem hoje as redes CataBahia, CataSampa e Central de Comercializao de Papel de Belo Horizonte).

3 Ver ABREU, 2001.

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4Para saber mais sobre o Frum Lixo e Cidadania, consulte tambm o site www.lixoecidadania.org.br .

Pode-se dizer que esta iniciativa do UNICEF, em co-promoo com inmeros atores da sociedade e de governos, deu incio ao processo de construo de um novo paradigma de gesto de resduos pautado na participao social, na incluso dos catadores em sistemas pblicos de recuperao e reciclagem de resduos. Assim, as cerca de 56 instituies plurais rgos governamentais, ONGs, entidades tcnicas e religiosas passaram a atuar sob a forma de gesto compartilhada na estruturao de estratgias para enfrentamento do problema. Os resultados desta ao ainda esto longe de ser satisfatrios e passveis de mensurao, mas vale ressaltar a iniciativa e, como refora as palavras de Tia Magalhes (coordenadora executiva do Frum Nacional Lixo e Cidadania) em entrevista em 2006, (...) houve o esforo de distribuir 46 mil bolsas do Programa de Erradicao do Trabalho Infantil, da ONG Misso Criana e de algumas prefeituras, no ano de 2002. A efetividade da sada das crianas do trabalho tem que ser relativizada, porque as crianas tendem a voltar a trabalhar, medida que os lixes mantm-se abertos sai uma criana e supostamente abre-se um espao para a entrada de outra no mesmo lugar. Alm disso, constata-se o aumento de crianas na catao das ruas no pas pelo prprio fato da valorizao que a catao de reciclveis passou a ter. Apesar disso, houve uma reduo real de crianas trabalhando nesta rea e uma tomada de conscincia por parte das Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), do Ministrio Pblico e de muitas prefeituras4.

Constituio do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Reciclveis (MNCR)Em meados de 1999 foi realizado o I Encontro Nacional de Catadores de Papel, momento considerado como o incio do processo de formao do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis (MNCR). J em junho de 2001, ocorreu em Braslia o I Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis, um acontecimento poltico que marcou a expresso do potencial organizativo da categoria. Participaram desse congresso 1.700 catadores. Nessa oportunidade, foi encaminhada uma srie de propostas s autoridades responsveis, entre elas a denio e implantao, em nvel nacional, de uma poltica de coleta seletiva que priorize o modelo de gesto integrada dos resduos slidos urbanos, colocando os mesmos sob a gesto dos empreendimentos dos Catadores de Materiais Reciclveis, bem como a adoo de uma poltica de subsdios para a aquisio de equipamentos e aperfeioamento tecnolgico. Tambm nesta oportunidade ocorreu a I Marcha Nacional da Populao de Rua, qual os catadores vieram a se somar.16

Este evento representou um marco na luta por direitos de cidadania, fruto do processo de organizao mais amplo que j vinha se desenvolvendo em diversas regies do Brasil. Neste congresso foi lanada a Carta de Braslia (Anexo I), documento que expressa as necessidades das pessoas que sobrevivem da coleta dos materiais reciclveis. Em outubro de 2002, o MNCR teve uma de suas primeiras conquistas quando houve o reconhecimento do trabalho do catador como prosso por parte da Classicao Brasileira de Ocupaes (CBO, n. 5192). A CBO o documento que reconhece, nomeia e codica os ttulos e descreve as caractersticas das ocupaes do mercado de trabalho brasileiro. Em 2003, em Caxias do Sul/RS, no contexto do III Frum Social Mundial, realizou-se o I Congresso Latino-americano de Catadores, encontro em que catadores de diversos pases elaboraram a Carta de Caxias. Neste evento foi apresentada a situao dos catadores na Amrica Latina, criando-se as condies para iniciar o processo de unicao da luta entre os pases, fruto das articulaes regionais em desenvolvimento em todo o pas. Participaram 800 catadores representando organizaes do Brasil, Argentina e Uruguai. No marco do V Frum Social Mundial, em 2005 ocorreu o II Congresso Latino-americano de Catadores no municpio de So Leopoldo/RS que contou com a participao de 1.050 pessoas vindas de todas as regies do Brasil e delegaes da Argentina, Uruguai, Chile e Colmbia. Neste evento os catadores realizaram um balano dos desaos estabelecidos no ano anterior em Caxias do Sul e reiteraram suas consignas: garantia pelos governos de condies dignas de trabalho, alimentao, moradia, educao para todos os catadores que atuam em lixes e nas ruas. Neste perodo, o MNCR tomou diversas iniciativas, entre elas destacou-se a de criar a campanha Selo Amigo do Catador com o objetivo de incentivar a doao de materiais reciclveis aos catadores organizados em associaes, cooperativas, grupos articulados com o movimento. A campanha procurou tambm sensibilizar a sociedade para a valorizao do trabalho dos catadores, enquanto agentes ambientais que recuperam matria-prima para a indstria da reciclagem. O Selo Amigo do Catador um smbolo que atesta a responsabilidade social das empresas, instituies (escolas, universidades etc.), comunidades (bairros e condomnios) e outras iniciativas que promovam a participao direta dos catadores na coleta seletiva e continua sendo usado at hoje. Essa campanha foi lanada em 2004, na cidade de So Paulo, numa cerimnia com a presena do atual presidente Luiz Incio Lula da Silva. A iniciativa da campanha contou com o apoio especial da Organizao de Auxlio Fraterno e tambm de outras entidades e colaboradores voluntrios. O Frum Lixo e Cidadania da Cidade e do Estado de So Paulo participaram do processo inicial de construo da mesma. O MNCR um movimento que vem crescendo a cada ano e revelando grande capacidade organizativa e com resultados concretos para a categoria5.

5 Para saber mais sobre o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis consulte o site www.mncr.org.br.

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Articulao por uma Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS)Em maio de 2001, a Cmara Federal criou uma Comisso Especial para instituir a Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS). O Deputado Emerson Kapaz, ento relator da mesma, elaborou um anteprojeto de lei sobre o tema e o abriu para o debate no pas. O Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo interveio neste debate, visto que o documento continha uma srie de artigos relacionados questo da coleta seletiva e responsabilizao dos geradores de resduos que afetavam diretamente os interesses dos catadores, por um lado, e os interesses da sociedade como um todo, por outro. Foi realizada uma srie de reunies com o foco neste assunto, visto que as diversas instituies que se reuniram para analisar o anteprojeto concordaram que o mesmo abordava o tema da responsabilidade dos geradores de forma a reexcluir os catadores. Outro tema considerado relevante para o aprofundamento do debate foi a questo da incinerao, que constava como uma das tecnologias a serem consideradas como alternativa para a destinao de resduos slidos domiciliares no Relatrio Preliminar da Poltica Nacional de Resduos Slidos. Os integrantes do Frum Lixo e Cidadania da cidade de So Paulo avaliaram como negativas as implicaes sociais e ambientais deste tipo de tecnologia de destinao tendo construdo os argumentos no seminrio Incinerao de Resduos Slidos, organizado pelo Instituto Plis. O seminrio, no marco do Frum Lixo e Cidadania, foi feito em parceria com o Frum para o Desenvolvimento da Zona Leste, o Frum Recicla So Paulo e o Comit Metropolitano de Catadores e contou com a colaborao de dois especialistas no tema, integrantes do Greenpeace na poca: Karen Suassuna, coordenadora da campanha de Substncias Txicas, e Dlcio Rodrigues, coordenador de campanhas desta ONG. A partir de ento, cou denido publicamente que a posio coletiva dos fruns era contrria ao uso desta tecnologia. Dada a importncia de se elaborar um marco regulatrio na questo dos resduos e suas implicaes sobre os catadores, entendeu-se que era preciso criar uma ressonncia das propostas elaboradas pelo Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo. Neste sentido, o Instituto Plis, em conjunto com a Associao Brasileira de Engenharia Sanitria e Ambiental do Rio Grande do Sul (ABES/RS), tomou a iniciativa de organizar um amplo debate, em 2003, no mbito do II Frum Social Mundial, buscando o compromisso do governo federal, do Congresso Nacional e, assim, garantir um amplo processo participativo de elaborao de Projeto de Lei da Poltica Nacional de Resduos Slidos. Neste evento, criou-se tambm a Articulao por uma Poltica Nacional de Resduos Slidos, cujo objetivo central foi, e continua sendo at hoje, inuenciar na elaborao e aprovao de um marco regulatrio com diretrizes tanto para a cadeia da produo (responsvel pela gerao de

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resduos slidos) e do consumo (co-responsvel pela gerao), quanto para a gesto dos mesmos. A questo da incluso dos catadores em um sistema pblico de servios de recuperao de materiais reciclveis era um dos temas centrais desta rede. Os fruns nacional e municipal Lixo e Cidadania foram ativos na elaborao de propostas para a mudana no padro de produo e consumo do pas, bem como no padro de destinao de resduos slidos, especialmente no perodo entre 2001 e 2004. Este processo foi chave para tornar pblicas propostas que foram acumuladas pelos debates na sociedade civil e assim marcar a presena e fora dos setores organizados.

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Captulo I

O Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo

Criao do Frum em 2000O interesse e os resultados decorrentes das iniciativas ligadas campanha Criana no lixo nunca mais motivaram a criao do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo. Entre essas iniciativas estava o Programa Lixo e Cidadania, em So Bernardo do Campo. Em 1999 o UNICEF indicou e apoiou o Instituto Plis para atuar como co-promotor junto Prefeitura Municipal de So Bernardo do Campo na estruturao de aes e estratgias para erradicao do trabalho de crianas e adultos no lixo do Alvarenga. O lixo, localizado em uma rea de proteo de mananciais, beira da represa Billings, na divisa entre os municpios de So Bernardo do Campo e Diadema um dos maiores lixes da Amrica Latina, com 40 hectares de lixo a cu aberto1. A experincia em So Bernardo do Campo foi fundamental para a deciso do Instituto Plis de tomar a iniciativa de criar uma rede que zesse avanar a concepo de gesto de resduos em So Paulo tendo como desao, agora, pressionar coletivamente por uma poltica pblica que integrasse os milhares de catadores de rua que atuavam de forma organizada ou no sem que, at ento, tivessem o apoio e reconhecimento do governo e da sociedade de sua contribuio para a destinao sustentvel de resduos na cidade. Cabe salientar que, neste momento, existiam algumas iniciativas de organizao de catadores na cidade, mas praticamente sem articulao entre si. A referncia mais forte de organizao de catadores era a Cooperativa de Catadores Autnomos de Papel, Papelo, Aparas e Materiais Reaproveitveis (COOPAMARE), criada em 1989. Neste contexto, o Instituto Plis tomou a iniciativa de reunir instituies plurais cooperativa de catadores, ONGs e fundaes promotoras do desenvolvimento social entre outras para elaborar propostas voltadas para a soluo das questes ambientais e sociais que envolvem a produo e a recuperao dos resduos slidos na cidade de So Paulo. Com o apoio da Fundao Friedrich Ebert, o Plis organizou dois eventos que possibilitaram a criao de uma base slida e legtima para a criao e o desenvolvimento das aes posteriores do Frum.

1 Ver mais em: International Finance Corporation, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Instituto Plis. Segurana Alimentar e Nutricional: a contribuio das empresas para a sustentabilidade das iniciativas locais. So Paulo: Instituto Plis, 2003.

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Assim, em maro de 2000, foi realizada uma ocina para denir os objetivos do encontro e pactuar a lista preliminar de instituies a serem convidadas para participar do mesmo. Participaram desta ocina representantes das seguintes organizaes: UNICEF, COOPAMARE, Fundao ABRINQ, Greenpeace, Organizao de Auxlio Fraterno (OAF), gua e Vida, Compromisso Empresarial para a Reciclagem (CEMPRE), Sindicato dos Trabalhadores em gua, Esgoto e Meio Ambiente (SINTAEMA). Tambm estiveram presentes um representante da Prefeitura de So Bernardo do Campo e dois tcnicos integrantes do programa municipal de coleta seletiva que atuaram durante a gesto Luiza Erundina na Prefeitura de So Paulo entre 1989-92. A Fundao Friedrich Ebert participou deste evento como apoiadora da metodologia utilizada. A ocina legitimou a proposta do Plis qual somou-se o UNICEF como co-promotor de um encontro para a criao de um Frum e de uma plataforma propositiva com alternativas para os resduos da capital com vistas instituio de uma poltica pblica de reaproveitamento de resduos com incluso social. A proposta do evento preparatrio continha, em si mesma, o embrio do que viria a ser a estrutura e dinmica do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo: um frum plural, aberto para integrar permanentemente novas posies e vises e com a capacidade propositiva em termos de formulao de polticas pblicas para a gesto socioambiental e sustentvel dos resduos slidos da cidade de So Paulo. Nos dias 27 e 28 de junho de 2000, realizou-se o Encontro Lixo e Cidadania: compartilhando a gesto do lixo de So Paulo, do qual participaram mais de 60 instituies. A criao de um espao institucional para articulao de atores sociais plurais, comprometidos com a construo de objetivos comuns voltados para o tema da gesto compartilhada e sustentvel de resduos slidos em So Paulo, revelou-se bastante oportuna. Os trabalhos desenrolam-se em dois dias, em grupos de trabalho que elaboraram propostas para o enfrentamento dos seguintes desaos: 1) Incorporar os catadores no sistema de gesto de resduos slidos urbanos; 2) Erradicar o trabalho infanto-juvenil na catao do lixo urbano; 3) Reduzir a gerao de resduos slidos urbanos na cidade; 4) Segregar os resduos perigosos nas fontes geradoras na cidade. Do encontro de junho, que ganhou visibilidade por meio da rdio Cultura, que divulgou o mesmo numa srie de entrevistas ao longo dos dois dias, resultou a elaborao da Plataforma Lixo e Cidadania para So Paulo (Anexo II) e a criao do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo. Destacam-se a seguir as propostas centrais deste documento

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Propostas Plataforma Lixo e Cidadania para a Cidade de So PauloO sistema de gesto de resduos slidos urbanos deve possibilitar a reduo, o reaproveitamento dos resduos e processos de coleta, tratamento e disposio, social e ambientalmente adequados. Para tal requer-se do sistema de gesto de resduos slidos urbanos as seguintes caractersticas: organizao com base na co-gesto gesto pblica compartilhada com a sociedade devendo ser construdo e gerido de forma participativa, desenvolvendo aes para promover, de forma transparente, o efetivo envolvimento de todos os segmentos da sociedade; organizao e atuao sob uma concepo de desenvolvimento sustentvel, promovendo aes educativas de mudanas de valores e hbitos no conjunto da sociedade, esclarecendo a populao para os benefcios sociais, econmicos e ambientais envolvidos nos processos de reduo da gerao, reutilizao de produtos e reciclagem de materiais (3 Rs), precedida da separao de resduos nas fontes geradoras; promoo de mudanas nos processos produtivos das atividades urbanas para implantao do consumo responsvel, da reduo, da reutilizao e separao dos materiais reciclveis e ampliao do aproveitamento biolgico da frao orgnica dos resduos; promoo de formao e capacitao permanentes dos agentes do processo; o sistema deve contar com um rgo pblico com os recursos necessrios, gerido com autonomia, agilidade e sob controle social. O funcionamento deste rgo deve ser sistmico para integrar as aes dos demais rgos da administrao; o sistema dever implantar, por fora de lei, a coleta seletiva e reciclagem dos resduos de forma descentralizada e em parceria prioritria com os catadores, organizados em cooperativas e/ou outras formas associativas. tambm objetivo do sistema de resduos slidos urbanos incorporar a participao dos catadores no sistema de gesto de resduos slidos urbanos. Para tal necessrio: criar uma instncia para uma gesto compartilhada de resduos slidos urbanos Conselho Lixo e Cidadania; o poder pblico promover, em parceria com diversos setores da sociedade, o reconhecimento legal e o fortalecimento do catador25

enquanto categoria prossional autnoma, por meio de: acesso ao processo licitatrio e s condies de infra-estrutura pelas organizaes de catadores; criao da gura de cesso de reas para utilizao pelos catadores; provimento de infra-estrutura para que as organizaes dos catadores tenham sustentabilidade; promoo de programas de capacitao dos catadores, estimulando-os participao e organizao; estabelecimento de parcerias entre catadores e poder pblico na execuo de servio de limpeza de forma descentralizada; autorizao legal para apropriao dos resduos secos pelos catadores; formalizao de contratos com os catadores, organizados sob diversas formas associativas, para a coleta seletiva de resduos; cadastramento dos catadores com orientao sobre formas de associativismo e promoo de sua organizao em cooperativas ou outras formas de pessoa jurdica para que possam dispor de subsdios e tributos e se tornarem protagonistas no sistema de gesto de resduos slidos urbanos; promoo de estudos sobre o marco institucional-legal das entidades cooperativadas, sobre a apropriao dos custos na cadeia de produo de resduos, sobre os tributos e as despesas pblicas no sistema de gerenciamento dos resduos, e sobre as experincias como as da Associao dos Catadores de Papel, Papelo e Material Reciclvel (ASMARE), em Belo Horizonte, a Cooperativa de Catadores Autnomos de Papel, Papelo, Aparas e Materiais Reaproveitveis (COOPAMARE) e Cooperativa de Reciclagem de Papel, Papelo e Materiais Reaproveitveis (COORPEL), em So Paulo, e Federao das Associaes de Recicladores do Rio Grande do Sul, para apoiar os trabalhos em cada local; viabilizao econmico-nanceira dos projetos das organizaes de catadores por meio de: acesso s linhas especiais de crdito para nanciamento; parcerias e convnios entre indstrias e organizaes de catadores e entidades populares para absoro dos resduos industriais, fomentando o desenvolvimento da economia solidria; criao de incentivos para o mercado de reciclados; garantia da destinao de recursos federais/estaduais, existentes ou a criar, para o fomento reciclagem.26

Outro objetivo erradicar o trabalho infanto-juvenil na catao do lixo urbano em So Paulo. Para isso necessrio: implantar polticas pblicas integradas de incluso socioeconmica dos catadores e retirar as crianas e adolescentes do trabalho com lixo; implementar polticas de gerao de renda programas de bolsaescola, renda mnima etc.; criar condies bsicas para a educao e capacitao de crianas e adolescentes, assegurando sua presena na escola; criar programas de complementao escolar; criar programas especcos de educao infantil para evitar a presena de crianas na catao; criar melhores condies de scalizao do trabalho infanto-juvenil; criar programas de habitao para retirar as crianas e adolescentes e seus familiares-catadores da sub-habitao; criar programas especcos de sade e educao sanitria; construir redes sociais de apoio proposta de erradicao do trabalho infanto-juvenil no lixo; sensibilizar e mobilizar a sociedade para o problema do trabalho infanto-juvenil. Para reduzir a gerao de resduos slidos urbanos na cidade de So Paulo necessrio: implementar programas de informao e esclarecer o conjunto da sociedade sobre o impacto ambiental, social e econmico dos resduos para o desenvolvimento da cultura do consumo responsvel e sustentvel, do consumo com critrios; o poder pblico criar e implementar programas educativos de mudanas de hbitos e atitudes que reduzam a gerao de resduos e aumentem a responsabilidade dos agentes sociais com o ambiente; difundir prticas de reduo na gerao de refugos, de diminuio do desperdcio alimentar e de outras formas de consumo responsvel; desenvolver projetos e programas sobre modalidades de reaproveitamento de materiais e produtos com aes educativas especcas, direcionadas aos diversos setores sociedade, setores privado e pblico; estimular a implementao de polticas de embalagens retornveis/reaproveitveis, a criao de produtos com ecodesign, desmontveis, recondicionveis e com maior vida til, visando reduzir a27

gerao de resduos nos vrios pontos da cadeia produtiva; promover envolvimento dos geradores de resduos em aes integradas com os rgos municipais para a soluo dos problemas sociais, econmicos e ambientais da regio relacionados com a produo, coleta, tratamento e disposio dos resduos. Objetivo de segregar os resduos perigosos nas fontes geradoras na cidade de So Paulo. As aes necessrias para garantir a segregao de resduos perigosos podem ser agrupadas em trs conjuntos: aes gerais, aplicadas a todos os tipos de resduos perigosos, aes aplicadas especicamente aos resduos domiciliares e aes aplicadas especicamente aos resduos dos servios de sade. Aes gerais: implantar mecanismos que assegurem a participao da sociedade na formulao, implementao e avaliao de polticas para resduos perigosos; desenvolver programas educativos para a sociedade em geral e para setores especcos; priorizar os 3Rs no manejo intra-unidade geradora e tambm no tratamento ps-coleta dos resduos perigosos; diversicar as formas de tratamento de resduos slidos de sade; implementar polticas pblicas que responsabilizem o produtor pelo tratamento e disposio nal adequados, com infra-estrutura de coleta diferenciada; scalizar efetivamente os procedimentos de tratamento e disposio nal dos resduos perigosos; Aes especcas para resduos domiciliares: Sensibilizar a populao sobre os riscos dos resduos perigosos; Implantar extensa rede de entrega voluntria; Responsabilizar o produtor pela transmisso de informaes ao consumidor, tais como especicao no rtulo sobre os riscos inerentes ao produto e embalagem (uso e descarte); Normatizar (leis e incentivos) a coleta, o tratamento e o destino nal adequados para cada tipo de resduo. Ao especca para resduos de servios de sade: Criao de rotinas que facilitem a classicao e separao dos materiais.

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O fato de o ano 2000 ser um ano eleitoral balizou tambm a escolha da estratgia de comprometer os candidatos ao governo da cidade com propostas formuladas pela sociedade civil. Tanto o desenvolvimento da ocina preparatria em abril, quanto do encontro em junho, ambos em 2000, tiveram como ferramenta de trabalho a metodologia da moderao, que permitiu a construo coletiva de proposies, a valorizao de todas as intervenes sem hierarquizaes, a formulao e registro de consensos e dissensos. Desta forma, deniram-se objetivos, diretrizes e estratgias coletivas e comuns, contribuindo para uma nova cultura do fazer poltica. O desao de implementar uma poltica pblica de reaproveitamento de resduos com incluso dos catadores sob forma de gesto integrada e compartilhada requeria este tipo de metodologia, dado que experincias de governana ainda so embrionrias.

As primeiras aes do Frum Lixo e CidadaniaCompromisso pblico e as negociaes iniciaisO primeiro passo do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo foi a realizao, em 30 de agosto de 2000, de um ato pblico de comprometimento dos candidatos Prefeitura de So Paulo tendo como instrumento de reivindicao a Plataforma Lixo e Cidadania para So Paulo. Oito candidatos, entre eles os mais pontuados nas pesquisas de opinio, compareceram ao evento e assinaram um termo de inteno, no qual assumiam o compromisso de implementar as propostas contidas neste documento. O evento ganhou visibilidade na mdia e contou com a presena das rdios CBN, Cultura, Globo e da TV Cultura, que veiculou, neste dia, uma matria sobre a criao do Frum e o trabalho dos catadores da COOPAMARE. A Plataforma tambm recebeu a adeso de dezesseis candidatos a vereador. A aprovao deste documento pelo conjunto dos participantes deste ato precedeu a abertura do evento, bem como discusses de encaminhamentos para novas adeses ao Frum. Esta foi uma das estratgias iniciais de ampliar e consolidar esta rede como uma instncia democrtica, plural e com dinmica horizontal, capaz de avanar rumo ao compartilhamento da gesto de resduos da cidade. No evento foram distribudos quatrocentos exemplares da Plataforma Lixo e Cidadania para So Paulo. Por m, nesta mesma sesso, foi eleita uma coordenao transitria, denominada grupo facilitador para instalao do Frum e agilizao das aes seguintes. Integraram esse grupo o Instituto Plis, o UNICEF, o Ministrio Pblico, a Organizao de Auxlio Fraterno (OAF), gua e Vida, Greenpeace, Plastivida, LIMPURB-PMSP e o Conselho Estadual dos Direitos da Criana e do Adolescente. Ao Instituto Plis coube o papel de dinamizao geral da rede,

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na condio de secretaria executiva do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo. Aps a denio dos resultados da eleio para a Prefeitura de So Paulo, em que Marta Suplicy foi nomeada prefeita, integrantes do Frum Lixo e Cidadania consideraram estratgica uma aproximao do Instituto Florestan Fernandes (IFF), instituio criada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para dialogar, recolher propostas e divulgar a plataforma de governo junto sociedade civil paulistana. A expectativa do Frum era a de que este fosse um canal de comunicao, na conjuntura de transio entre a ps-eleio e a posse e, portanto, um espao legitimado junto ao governo para iniciar o processo de construo da gesto compartilhada, vistos os compromissos assumidos na campanha eleitoral com a Plataforma Lixo e Cidadania para So Paulo. Contudo, as discusses no IFF contriburam para dar visibilidade s propostas da Plataforma e ao prprio Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, mas no se converteram num canal poltico capaz de fazer avanar o processo de implementao dos compromissos assumidos pela prefeita recm eleita. Em fevereiro de 2001, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, ento presidida por Stela Goldenstein, tomou a iniciativa de chamar um debate para trazer a pblico as propostas para o programa de coleta seletiva tanto do governo quanto dos quatro fruns atuantes na cidade Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, Comit Metropolitano de Catadores, Frum Recicla So Paulo e Frum para o Desenvolvimento da Zona Leste.

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Carta de Princpos Frum Recicla So PauloEm maro de 2000, foi criado o Frum Recicla So Paulo por grupos que tinham por objetivo a troca de experincias, articulao e qualicao do trabalho de coleta e estruturao de venda coletiva de materiais reciclveis. Na construo de sua rede, foi produzida a Carta de Princpios que norteou a organizao dos grupos que dele participavam. O Frum reunia mais de 70 grupos de coleta seletiva, que atuavam em todas as cinco regies da cidade e na regio metropolitana. Em junho de 2000, foi criado o Comit Metropolitano dos Catadores, que se estabeleceu como a principal referncia para a organizao e mobilizao em nvel local, regional, estadual e nacional para o I Congresso Nacional de Catadores de Materiais Reaproveitveis. O Comit desempenhou importante papel de elo e apoio s organizaes dos catadores da grande So Paulo, troca de experincia, formao, informao e organizao. Em 2004, formou-se o Comit de Catadores de So Paulo, cujo papel era e continua sendo o de articulao de aes voltadas para a valorizao e reconhecimento dos catadores pelo governo e sociedade. Alm disso, o Comit responsvel pela implementao das diretrizes denidas no mbito do Movimento Nacional de Catadores de Reciclveis (MNCR) na capital paulista. O Frum para o Desenvolvimento da Zona Leste um movimento que rene representantes dos governos federal, estadual e municipal, entidades empresariais do comrcio, indstria e servios, entidades educacionais, universidades, entidades de trabalhadores, associaes e ONGs. Foi criado com o objetivo de unir entidades para propor solues para os problemas da Zona Leste da cidade de So Paulo. O Frum organizado em grupos de trabalho, em que os representantes das entidades ans se renem e, de forma voluntria e solidria, elaboram diagnsticos, analisam projetos e propostas, encaminhandoos aos rgos pblicos e/ou para parcerias junto sociedade civil. O Frum iniciou o processo de articulao para a coleta seletiva a partir do ano 2000, com a realizao do seminrio de Meio Ambiente com o Programa Coleta Seletiva: Zona Leste Faz!. O objetivo do seminrio foi o de criar um programa de coleta seletiva realizado por catadores autnomos de materiais reciclveis e entidades interessadas. O Frum para o Desenvolvimento da Zona Leste conta com o apoio do SESC Itaquera, do poder pblico e de agentes econmicos da iniciativa privada envolvidos com a questo. Atualmente articula oito grupos de catadores organizados em torno do programa.31

2 Expresso usada por Roberto Kishinami, diretor do Greenpeace na poca (2001).

Esse foi um momento em que a sociedade pde inteirar-se de um projeto em andamento na Secretaria de Servios e Obras (SSO), responsvel pela gesto de resduos. Por meio desse projeto, segundo a secretaria, seria implantado um sistema de coleta seletiva que contaria com uma tecnologia sosticada, a ser operada pelas empreiteiras que prestam servios na cidade sem que os catadores fossem incorporados nesse processo. A partir de ento, desenrolou-se uma srie reunies com a Prefeitura em que participaram associaes e cooperativas de catadores, ONGs ativas no campo social e ambiental. As discusses eram tensas, visto que o movimento organizado defendia uma tecnologia social2, capaz de incorporar os catadores, enquanto que a SSO/PMSP apresentava como modelo de coleta seletiva solues com tecnologias sosticadas que no contemplavam a participao dos catadores. A tenso reetia o descompasso com o compromisso assumido publicamente, em perodo eleitoral, de implementar um sistema de gesto compartilhada de resduos com base no reaproveitamento de materiais reciclveis contemplando dimenses sociais e ambientais. Vale lembrar que um dos itens da Plataforma Lixo e Cidadania diz: O sistema deve ser organizado com base na co-gesto gesto pblica compartilhada com a sociedade , construdo e gerido de forma participativa, devendo desenvolver aes para promover, de forma transparente, o efetivo envolvimento de todos os segmentos da sociedade. Mais adiante, esse documento, assinado pela prefeita, fala sobre a criao de uma instncia para a gesto compartilhada de resduos slidos urbanos Conselho Lixo e Cidadania. O centro do conito passava pelo no reconhecimento desta populao os catadores de reciclveis que atua h dcadas na cidade e no pas, num esforo de auto-incluso, praticamente sem apoios de governos, salvo em alguns casos em que foi concedido algum recurso ou equipamento e cedidas reas pblicas para funcionamento da triagem e comercializao de reciclveis. Por m, o movimento organizado tambm tomava como base a prpria plataforma do governo que se propunha a implementar uma gesto democrtica e com incluso social dos catadores.

A presso dos fruns para a implantao da coleta seletiva com incluso dos catadoresNo dia 26 maro de 2001, o governo municipal realizou uma audincia pblica para instaurar um processo de licitao para contratao dos servios de limpeza para a cidade de So Paulo. Nesta oportunidade, a coleta seletiva foi apresentada como um dos servios que seriam implantados visto que a mesma cou esquecida no municpio ao longo dos anos... (Ata da Audincia Pblica, 26/03/2001). Representantes da Prefeitura Municipal de So Paulo tambm salientavam que a cidade reciclava apenas 0,03% dos resduos produzidos e que a meta era avanar para 1% num primeiro momento. Representantes dos

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diversos fruns participaram da audincia interpelando o governo quanto proposta de iniciar a coleta seletiva por meio de um modelo piloto em trs bairros da cidade (Pinheiros, Lapa e Butant), beneciando supostamente um nmero aproximado de 14 organizaes de catadores, ao invs de potencializar as cerca de 70 associaes e cooperativas ativas nesse momento. Ou seja, o que os fruns defendiam era a valorizao do conjunto das iniciativas de coleta seletiva e triagem j existentes na cidade e investimentos pblicos nas mesmas para qualicarem investimentos a fundo perdido em equipamentos, instalaes fsicas e capacitao e ampliarem sua atuao. Tambm defendiam uma campanha de sensibilizao da populao e implantao de toda uma infra-estrutura para descarte e coleta seletiva deveria ser desenvolvida pelo governo para dar a devida sustentabilidade a este modelo. Em sntese, os argumentos trazidos pela sociedade questionavam a implementao do convencional programa-piloto em algum local da cidade, a exemplo do que j havia sido feito na gesto Luiza Erundina entre 1989-1992, com empresas contratadas pelo poder pblico. Posicionavam-se, portanto, contrrios contratao de empresas, sem que antes se denisse claramente o papel das organizaes de catadores e das empreiteiras neste novo modelo. J os empresrios, por sua vez, questionavam os valores previstos pelo governo para este servio, bem como a ecincia e o alto custo do mesmo se operado pelas organizaes de catadores. A imprensa noticiou a dupla presso vivida pelo diretor da LIMPURB na audincia3. interessante relatar que, na ocasio da audincia, as empresas e associaes que as representavam praticamente desaaram as lideranas sociais presentes a comprovarem sua ecincia, indagando de forma agressiva qual a quantidade de materiais desviada pelos catadores dos aterros para a reciclagem e qual o custo da coleta seletiva, por exemplo. Em sntese, os empresrios armaram que os projetos sociais existentes eram inecazes, que a coleta seletiva era uma operao cara e propunham que os materiais recuperveis cassem sob responsabilidade dos produtores. O resultado mais signicativo desta audincia foi o compromisso do diretor da LIMPURB-SSO, Alfredo Buso, de realizar uma nova audincia especicamente para tratar da coleta seletiva. Para as lideranas sociais, integrantes dos fruns, esta era uma dupla conquista, porque alm da abertura deste espao para aprofundar o debate do governo com a sociedade, tambm passou a ser publicamente conhecida a existncia de um movimento organizado com propostas que apontavam para um novo modelo de gesto, comprometido com a causa social dos catadores e a preservao ambiental. Ao nal deste processo foi publicado um edital de licitao dos servios de limpeza pblica que no contemplou a coleta seletiva, abrindo-se concretamente a possibilidade de se estruturar uma modalidade de gesto da coleta seletiva com a participao de cooperativas e associaes de catadores e no pela via da prestao deste servio por empreiteiras.

3 Jornal Folha de So Paulo, 27 maro 2000.

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Esta deciso foi avaliada pelos integrantes dos fruns como uma vitria, porque desta forma poderia dar-se seqncia ao processo de fazer valer o compromisso da prefeita com as propostas do Frum Lixo e Cidadania. Destaque-se que, em 7 de maro daquele ano, o Frum Lixo e Cidadania, em parceria com os demais fruns, havia solicitado uma audincia com Marta Suplicy (anexo VI), tendo em vista inclusive a previso de que a coleta seletiva deveria ser um dos temas da licitao dos servios de limpeza da cidade. Antes deste desfecho, vrias instituies atuantes nos fruns haviam manifestado este posicionamento ao diretor da LIMPURB, em reunio sobre o assunto. O governo argumentava no ser contrrio ao estabelecimento da participao dos catadores, mas declarava, at aquele momento, no ter encontrado a forma jurdica adequada para a formalizao da relao da Prefeitura com servios prestados pelas organizaes dos catadores. O Frum Lixo e Cidadania, mais especicamente, tomou a iniciativa de buscar subsdios para contribuir junto ao poder pblico na elaborao de um caminho legal para a contratao dos catadores. Foram realizadas ao longo deste processo inmeras reunies na tentativa de encontrar um formato jurdico que garantisse uma relao sustentvel entre o poder pblico e as organizaes de catadores, respaldada pela lei. Primeiramente, especialistas no assunto foram chamados para contribuir na busca de solues jurdicas para a contratao de associaes e cooperativas para a catao e reciclagem dos resduos slidos. Um jurista e dois tcnicos sugeriram as formas de consrcios ou convnio. Tambm Adriano Diogo, ento vereador do PT, tornou-se um parceiro importante, trazendo ao longo de 2001, elementos-chave para a concepo de gesto de resduos sob um novo paradigma, alm de articular uma consultoria pontual com advogado especialista na rea. Diante da situao de indenio do governo quanto implantao de um sistema de coleta seletiva que integrasse os catadores de reciclveis formalmente, agendou-se uma audincia com a prefeita e representantes da coordenao do Frum Lixo e Cidadania de So Paulo, Comit Metropolitano de Catadores, Frum Recicla So Paulo e Frum para o Desenvolvimento da Zona Leste. Em 26 de abril de 2001, um grupo de lideranas sociais, representando as quatro redes, reapresentou ento prefeita as propostas da Plataforma, por ela assinada, a qual previa a implantao de um sistema pblico de reaproveitamento de resduos, por meio de um programa de coleta seletiva, no qual os catadores deveriam ser integrados como agentes centrais do processo. A preocupao imediata dessa reivindicao era de que o edital de licitao dos servios de limpeza pblica contemplasse a participao dos catadores, ou, na impossibilidade disto acontecer por questes jurdicas, que se criasse outros mecanismos de participao dos mesmos, o que signicava a no entrada deste item no processo licitatrio tal como havia sido apresentado na audincia pblica antes referida (o que terminou por acontecer).

Como resultado desta audincia com a prefeita foi criado um Grupo de Trabalho Intersecretarial (GTI) e intersetorial, composto por dez secretarias municipais Servios e Obras (que coordenava o grupo), Verde e Meio Ambiente, Trabalho e Desenvolvimento Social, Sade, Educao, Assistncia Social, Habitao, Negcios Jurdicos, Finanas, de Implementao de Subprefeituras e por representantes dos fruns da sociedade j mencionados para iniciar o processo de gesto compartilhada para elaborao e implantao de programa de coleta seletiva com incluso dos catadores na cidade. preciso destacar, em primeiro lugar, a importncia de a sociedade ter criado um fato poltico para estabelecimento de um compromisso pblico, em perodo eleitoral, o que permitiu, em segundo lugar, a cobrana de seu cumprimento. Assim, a Plataforma Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo ganhou dupla funo e relevncia: por um lado, as propostas elaboradas coletivamente deram um norte para a mobilizao social que se formava neste momento e, por outro, constituiu-se em um instrumento poltico para pressionar o governo. E nesse sentido a presena da mdia ao nal da audincia com a prefeita e a Secretria do Verde e do Meio Ambiente foi fundamental para dar ampla visibilidade atuao do Frum Lixo e Cidadania e dos outros fruns que estavam presentes nesta luta em So Paulo.

Planejamento estratgico e a estruturao do Modelo de Gesto Socioambiental Compartilhada de Resduos para So PauloUma das intervenes centrais do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo foi a formulao coletiva de uma proposta de um novo modelo de gesto de resduos. Desta perspectiva, as instituies integrantes da coordenao do Frum entenderam que era necessrio detalhar as aes a serem desenvolvidas para que as propostas contidas na Plataforma ganhassem concretude. Assim, nos dias 7 e 8 de maio de 2001, o Instituto Plis, enquanto secretaria executiva do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, organizou sesses de planejamento de aes a serem desenvolvidas na cidade, tomando como referncia a Plataforma Lixo e Cidadania para So Paulo. Novamente obtm-se o apoio da Fundao Friedrich Ebert para as sesses de Planejamento Estratgico, contando com especialista no mtodo da moderao para o desenho Modelo de Gesto Socioambiental Compartilhada de Resduos Slidos para So Paulo. Como resultado deste trabalho, deniram-se princpios, diretrizes e benefcios para uma gesto sustentvel de resduos em nvel social, ambiental, econmico e poltico. Tambm foram indicadas linhas para o funcionamento da coleta dos resduos domiciliares inorgnicos e orgnicos, objetos inservveis, inertes e substncias perigosas produzidas na cidade. Um aspecto a ser des-

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tacado foi a identicao dos fatores crticos para a garantia do sucesso de um modelo de gesto compartilhada voltado para o descarte, coleta seletiva e reaproveitamento de materiais reciclveis ou compostveis. Por m, este planejamento estratgico apontou diretrizes para uma legislao em nvel local e nacional que contemplasse os objetivos do Programa Nacional Lixo e Cidadania. O modelo de Gesto de Resduos Slidos Urbanos foi validado pela Prefeitura de So Paulo, que decidiu integrar-se na etapa nal do processo de Planejamento Estratgico, promovido pelo Frum Lixo e Cidadania, com participao de representantes dos outros dois Fruns. Participaram pela Prefeitura representantes das Secretarias de Servio e Obras, Educao e Assistncia Social. Este processo deu-se em duas etapas. Na primeira, participaram integrantes da coordenao do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, representantes do Frum Recicla So Paulo e do Frum para o Desenvolvimento da Zona Leste, um professor da UFRJ e um vereador de So Paulo (Adriano Diogo - PT). Numa segunda etapa, foi debatida com um coletivo de quarenta instituies, tambm integrantes do Frum, a estrutura de modelo e de funcionamento da gesto de resduos, especialmente o sistema de coleta seletiva, ampliando e aprofundando o desenho das aes elaborado na primeira etapa. Esta escolha de realizar o planejamento em duas etapas visou garantir resultados mais efetivos no processo de detalhamento do plano de ao, pois na segunda etapa j se contava com uma estrutura bsica de contedos formulados.

O modelo de gesto socioambiental compartilhada de resduos slidos para So PauloO modelo proposto tinha dois eixos estruturantes: o reconhecimento da coleta seletiva executada pelos catadores como parte do processo de recuperao de resduos, e a educao ambiental voltada para os 3 Rs reduo, reutilizao, reciclagem. No primeiro eixo, a proposta era a de estruturar um modelo que integrasse os catadores como prossionais do sistema de gesto de resduos e no apenas na perspectiva de um projeto social, apesar de a proposta contemplar fortemente a dimenso social como parte dos desaos a serem resolvidos, dada a presena de crianas e adolescentes que trabalham na catao de materiais reciclveis na cidade. Como perspectiva de soluo destes dilemas, aponta-se a integrao dos adultos-familiares nas atividades de coleta, triagem, comercializao e beneciamento (artesanal, industrial etc.) de resduos. Sem promover a incluso social dos pais por meio da gerao de trabalho e renda, dicilmente atinge-se o resultado esperado em relao s crianas.36

O foco deste modelo foi a coleta seletiva com incluso dos catadores e a participao da sociedade. Contudo, foram contemplados outros temas relativos ao gerenciamento de resduos mais globalmente e registrados em relatrio. O modelo pode ser traduzido, basicamente, no seguinte grco:

Ncleo

Catador

Ncleo

Catador Associao ou Cooperativa Amaz / Benef Comercializao

Catador

Catador Catador Ncleo Ncleo

Acima, tem-se o modelo em que os ncleos de catadores existentes, associaes ou cooperativas dialogam com o catador avulso para promover sua integrao s organizaes. O conjunto dos ncleos, por sua vez, se articula em unidades de comercializao para armazenagem e comercializao coletiva dos materiais reciclveis, garantindo escala e melhores condies de beneciamento dos mesmos. Se necessrio, as unidades de comercializao podem dar diversos tipos de suporte aos ncleos como destinao de materiais, no caso de uma eventual reduo dos mesmos, e outros tipos de apoio. Essa estrutura garante s organizaes de catadores um patamar mais sustentvel de negociao com a indstria da reciclagem, especialmente no que se refere aos preos. Neste modelo as unidades de comercializao constituem-se formalmente como associao ou cooperativa e estabelecem convnios com a secretaria responsvel pela gesto de resduos (Secretaria de Servios e Obras), que se responsabiliza por assegurar espao fsico (galpo de triagem), equipamentos (prensa, balana, empilhadeira, equipamentos de proteo individual (EPIs) etc.) para os ncleos e para as unidades de beneciamento. Os ncleos e unidades de comercializao promovem capacitao para integrao dos catadores avulsos e para os associados/cooperados que atuam em ambos, com recursos pblicos e privados. importante valorizar a capacidade das redes sociais em processo de organizao, naquele momento, de estruturao de um novo modelo de gesto de resduos slidos para uma cidade do porte de So Paulo na perspectiva da

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implantao de um sistema pblico de reaproveitamento de resduos e ao mesmo tempo com incluso social, sob forma autogestionria. De fato, esta iniciativa signicou um avano no que comumente declarado como desao para resolver o problema do lixo. Neste contexto, portanto, criaram-se condies para a reexo e o debate propositivo em torno de uma nova concepo de gesto que se diferenciasse da convencional coletar e destinar lixo para aterros sanitrios, ou seja, considerar materiais reaproveitveis, matria-prima, como lixo, como rejeito. Mais do que isso, os produtos gerados nestas sesses de planejamento apontaram possibilidades de inovar na forma de gerir a coisa pblica, alm de fortalecer sujeitos coletivos, ao se formular propostas para serem implantadas de forma participativa, tendo-se como prioridade garantir a integrao dos catadores neste novo sistema. No segundo eixo, a referncia para a atuao era desenvolver aes para mobilizar a populao para separar seus resduos e doar para os catadores, disponibiliz-los, por meio da coleta seletiva ocial ou diretamente para os catadores avulsos ou organizados em associaes e cooperativas. Esses, ento, foram os eixos constituintes do Programa Coleta Seletiva Solidria.

Associao ou Cooperativa Amaz / Benef Comercializao

Inst. Legal Convnio associao ou cooperativa com Secretaria de Servios Secretaria de Servios espao fsico, prensa e balana caminho que atenda aos ncleos

Ncleo Secretaria de Servios espao fsico, prensa e balana Comercializao Associaes e Ncleos participam da formao, capacitao e incubao

Catador

Capacitao

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O I Encontro de Educao Socioambiental do Programa Coleta Seletiva SolidriaEm 2001, haviam se constitudo grupos de trabalho para a concepo poltica do modelo da coleta seletiva, a estruturao da logstica e construo de estratgias de capacitao e educao ambiental da sociedade para motiv-la a participar ativamente do Programa Coleta Seletiva Solidria. Assim, em 2002, em uma das reunies do grupo de trabalho responsvel pela rea de educao e formao do sistema de coleta seletiva aprovou-se a proposta de organizar um encontro para desenhar uma nova plataforma propositiva que pudesse contribuir para a estruturao de um programa pblico de sensibilizao da populao para que esta aderisse ao Programa Coleta Seletiva Solidria doando seus materiais. A busca dessa sensibilizao estava fundamentada na tendncia crescente de parte da populao, especialmente os moradores de condomnios residenciais, em separar seus materiais reciclveis e vend-los, ao invs de do-los aos catadores ou ao programa pblico de coleta seletiva ocial em implantao. Ento, os fruns e tambm o governo entenderam ser necessria a elaborao de diretrizes e estratgias para o conjunto dos setores da sociedade a participar deste processo, com nfase na educao. Considerou-se que no bastava construir infra-estrutura para descarte seletivo se as pessoas no fossem sensibilizadas e educadas para us-la e compreender mais amplamente a importncia de mudar suas prticas, valores e comportamentos em relao ao que comumente chamado de lixo. Um aspecto que chamou ateno, neste momento (maio de 2002), foi a informao de que nas plenrias deliberativas do Oramento Participativo da cidade aparecia a demanda por coleta seletiva e educao socioambiental. Isto reforou a deciso de se organizar este encontro. O Instituto Plis sediou o processo de organizao do evento que passou a se estruturar de forma compartilhada Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, Comit Metropolitano de Catadores, Frum para o Desenvolvimento da Zona Leste, Frum Recicla So Paulo e mais nove representantes de secretarias municipais de governo (Servios e Obras, Verde e Meio Ambiente, Sade, Cultura, Assistncia Social, Subprefeituras, Educao, Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade e Infra-estrutura Urbana) e um representante da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Como mtodo j consolidado de construo de eventos que tenham como objetivo a elaborao coletiva de propostas, o Plis co-promoveu um debate preparatrio do encontro para criar uma base mais consolidada de participao no dia 16 de agosto de 2002. As perguntas que as instituies envolvidas na concepo do evento se zeram foram: Para que precisamos da educao socioambiental para implantar o Programa Coleta seletiva Solidria? e O que fazer ao consumir e aps consumir? A resposta que o grupo organizador do evento

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deu a esta pergunta foi a seguinte: preciso atingir o pblico-alvo do catador os cidados. importante a adeso do poder pblico, mas a questo principal a participao dos cidados e cidads na separao e doao dos resduos gerados nas residncias e tambm nos locais de trabalho, com a compreenso de que esto contribuindo para a incluso social. fundamental a adeso da populao no sentido de apoiar, valorizar e reconhecer que o sistema que est sendo implantado envolve a organizao dos catadores, enquanto prestadores de um servio pblico de forma autogestionria. A idia de que as cooperativas sejam aceitas e que, quando se reservar reas na cidade para instalao de unidades de triagem operadas por catadores, por exemplo, se supere o preconceito de que neste lugar se est depositando lixo e que, portanto, o bairro vai se desvalorizar. Tambm rearmamos a compreenso da experincia dos catadores e catadoras como agentes ambientais, bem como das ONGs. Retomou-se, por outro lado, a discusso de que o tema geral do encontro tambm a questo da minimizao e reduo de resduos para o desenvolvimento sustentvel. Em sntese, o desao assumido pelas instituies co-promotoras era o de mudar a cultura poltica da gesto dos resduos para uma gesto participativa voltada para a recuperao e minimizao dos resduos, tendo a educao ambiental da populao como eixo estruturante para seu enfrentamento. Nos dias 4 e 5 de dezembro de 2002, foi realizado o I Encontro de Educao Socioambiental e o Programa Coleta Seletiva Solidria da Cidade de So Paulo com a participao de 74 instituies e um total de cem pessoas atuantes nas dimenses social, ambiental, econmica, cultural e de educao da gesto de resduos. O encontro, realizado na sede do Instituto Plis, adotou a mesma metodologia do encontro de 2000 e contou com o apoio da Fundao Friederich Ebert e da Caixa Econmica Federal. O nal do processo de organizao do evento foi bastante complexo, pois o clima estava tenso entre o governo e os fruns em funo da pressa da Prefeitura em aprovar o Projeto de Lei n 685/02 que mudaria o sistema de funcionamento da limpeza urbana de So Paulo (este tema ser abordado no prximo item). Apesar do atropelo dos fatos, o encontro realizou-se com a participao do Secretrio de Servios e Obras, Jorge Hereda, tendo os fruns adotado como estratgia buscar garantir, junto ao secretrio, o compromisso do governo com o Programa Coleta Seletiva Solidria. Havia tambm a compreenso de que a luta pela no aprovao do projeto teria que se dar em outras frentes e que o evento era uma oportunidade privilegiada de denio de instrumentos de educao e mobilizao da populao para somar no programa em andamento. A mdia se fez presente com o intuito de aferir posies da sociedade organizada para contracenar com as do governo quanto s mudanas no sistema de limpeza pblica, ou seja, a instituio de um marco legal para setor. Assim o evento foi noticiado levando em considerao o posicionamento crtico do Frum Lixo e Cidadania sobre a proposta de lei.

Deste encontro resultou um conjunto de propostas reunidas no documento Plataforma de Educao Socioambiental do Programa Coleta Seletiva Solidria, com diretrizes e estratgias para o envolvimento dos empresrios, da sociedade e do governo na armao de um novo paradigma de gesto de resduos slidos na cidade de So Paulo. Foram dois dias intensos de debate e de construo coletiva, o que mais uma vez armou a fora da metodologia utilizada, em que se estimulou a participao de todos, tendo sido feito um registro completo das manifestaes dos participantes. No segundo dia formaram-se grupos por anidades de interesse e, assim, catadores, empresrios, instituies da sociedade que j haviam interagido no dia anterior reuniram-se separadamente para denir seus compromissos e aes no campo da educao e mobilizao para que convergessem com o modelo de coleta seletiva que estava sendo implementado de forma compartilhada naquele momento na cidade. Depois de um longo processo de construo da parceria entre os fruns e a Federao do Comrcio do Estado de So Paulo (Fecomrcio), foi lanada publicamente a Plataforma de Educao Socioambiental do Programa Coleta Seletiva Solidria, em 3 de setembro de 2003, no auditrio da sede central do SESC So Paulo. A escolha desta entidade teve como motivao inicial a busca de apoio para sensibilizar o comrcio para a causa dos catadores, que neste momento enfrentavam uma falta signicativa de materiais. A escassez de material foi agravada pela implantao da Taxa Domiciliar de Resduos Slidos, uma vez que os condomnios residenciais, uma das fontes importantes de reciclveis no abastecimento das organizaes de catadores, comearam a vender seus materiais para empresas privadas a m de reduzir o custo do novo imposto. Outra razo aparente para tal reduo de reciclveis parecia ser o envolvimento de novos atores na atividade de catao, associada ao aprofundamento da diculdade de obteno de um trabalho no sistema formal ou informal. O governo tambm havia sido envolvido neste ato de publicizao da Plataforma. Na viso dos fruns a parceria com a Fecomrcio representava uma demonstrao de capacidade de articulao com um ator social de peso, com fortes possibilidades de mobilizar grandes e mdios geradores do comrcio para a doao dos seus materiais. Outro fato considerado relevante neste ato pblico foi o lanamento da campanha Ao Recicla Comrcio, criada por iniciativa da Federao do Comrcio. No folheto da campanha havia meno participao dos fruns e a valorizao do trabalho dos catadores. No obstante a iniciativa ter sido dos fruns, o governo valeu-se deste espao para anunciar a introduo de novos circuitos da coleta seletiva porta a porta sem uma prvia campanha de sensibilizao da populao a ser abrangida e, alm disso, utilizando equipamentos questionveis, ou seja, caminhes compactadores que, ao prensarem os reciclveis, terminavam por dicultar o trabalho de triagem e classicao dos mesmos e diminuindo seu valor de venda. Mais uma vez, viveu-se a coliso de vises num contexto em que os

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fruns apostavam na construo compartilhada e, no caso, justamente no lanamento de um documento que deveria servir de instrumento de comunicao, de informao e formao da populao. Os fruns consideraram-se mais uma vez atropelados no processo. Durante o debate, diversos catadores e entidades ligadas aos fruns protestaram contra esta postura da Prefeitura. O evento foi divulgado na rdio CBN e em meios de comunicao. Apesar destas diculdades, a Plataforma de Educao Socioambiental do Programa Coleta Seletiva Solidria foi ampliada e divulgada tornando-se uma referncia para muitos setores e atores interessados no assunto.

As negociaes e dificuldades para a implementao da gesto compartilhada e integrada de resduos urbanosPressionada pelos fatos e pela mdia que comeava a dar visibilidade para as intervenes dos fruns, a Prefeitura realizou, em 18 de maio de 2001, o I Seminrio de Limpeza Urbana da Cidade de So Paulo. No espao reservado para exposies, o Frum Lixo e Cidadania exps a Plataforma Lixo e Cidadania para a Cidade de So Paulo e o Termo de Inteno assinado pela prefeita Marta Suplicy em ato de campanha, no mesmo stand em que o Comit Metropolitano de Catadores exps uma representao do carrinho do catador, feita pela artista plstica Mara Amaral. O Frum Lixo e Cidadania tambm foi convidado para apresentar sua misso no painel Limpeza Urbana da Cidade de So Paulo denindo um futuro ambientalmente sustentvel, momento em que foram apresentadas suas propostas de modelo de coleta seletiva. Chamou ateno, nesta mesa, a explcita diviso interna da Prefeitura quanto denio de modelo de coleta seletiva a ser adotado, quando uma representante da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) polemizou com a representante da Secretaria de Servios e Obras (SSO) aps esta ltima apresentar o modelo de coleta seletiva em negociao com os fruns. Nele estava denido que o funcionamento do sistema, triagem e comercializao dos reciclveis seria implantado com a participao das organizaes dos catadores e naquele momento a SVMA questionava sua viabilidade uma vez operado em parceria com as organizaes de catadores. Assim, apesar de haver indcios de abertura de alguns rgos da Prefeitura no sentido de incorporar o modelo de coleta seletiva que estava sendo proposto, o ritmo das negociaes era lento, do ponto de vista dos fruns e das organizaes dos catadores. Foram feitas reunies com os secretrios da SSO, da SVMA e com o Coordenador da Secretaria de Desenvolvimento Social (em 2003 convertida em Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de So Paulo), num esforo de convencimento da viabilidade do modelo que estava sendo proposto. Ressalva-se, tambm, a presso feita pelos

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fruns junto Cmara de Vereadores para o aumento da dotao oramentria da PMSP prevista para a coleta seletiva na Lei Oramentria Anual de 2002, inicialmente no valor de 1,6 milho, para 7 milhes de reais. Todos estes acontecimentos eram noticiados pela mdia, o que contribua para a visibilidade das propostas do Frum Lixo e Cidadania e da categoria dos catadores. Apesar dessas tentativas de dilogo com os rgos pblicos municipais e da presso na Cmara, a diculdade de implementar uma nova concepo de gesto de resduos pela Prefeitura era ntida nos primeiros seis meses de governo perodo de vigncia da Secretaria de Infra-Estrutura Urbana (aps julho de 2001 foi reinstituda a Secretaria de Servios e Obras). A questo permanentemente colocada pelo governo era a diculdade de estabelecer uma relao legal com as associaes e cooperativas de catadores. pergunta sobre como construir legalmente a insero dos catadores, os fruns responderam com o argumento trazido pelo Vereador Adriano Diogo, de que a construo jurdica deve atender s decises polticas, ou seja, se a Prefeitura decidisse que a forma de executar a coleta seletiva deveria incluir os catadores, poderia ser criada uma modalidade jurdica para dar sustentao legal para esta escolha. O Instituto Plis tambm se mobilizou para trazer argumentos nesse sentido, o que cou claro na fala da autora desta revista: a Prefeitura poder deixar de ter despesas com a destinao convencional, ou seja, aterramento de resduos slidos ao investir na coleta dos materiais reciclveis com a participao dos catadores, pois estes, ao entrarem no ciclo econmico do reaproveitamento, tornam-se matria-prima. Mas o governo precisa entender que, no primeiro momento, ter que investir na estruturao do modelo de coleta seletiva proposto pelos fruns. Na busca por aprofundar o argumento quanto viabilidade de um sistema de recuperao de resduos de carter hbrido operado pelo poder pblico por meio da contratao de empresas para a coleta convencional e, em parte, por cooperativas de catadores para a coleta seletiva atravs de suas organizaes devidamente equipadas e estruturadas os integrantes do Frum decidiram realizar a ocina Cooperativismo, Auto-gesto e Economia Solidria. Em 20 de julho de 2001 participaram do evento como expositores o professor Paul Singer representando a Associao Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogesto (ANTEAG), Egeu Esteves, representando a Agncia de Desenvolvimento Solidrio da Central nica de Trabalhadores (CUT), e Paulo de Tarso Fragetto, como representante da Verso Cooperativa de Psicologia. Ao todo 63 pessoas, num total de 42 instituies, participaram deste momento estratgico da reexo propositiva de um novo modelo de gesto de resduos para a cidade de So Paulo (o evento realizou-se no Instituto Plis). O esforo permanente dos integrantes dos fruns era aportar contedos que pudessem esclarecer o poder pblico sobre a importncia da construo de uma poltica pblica de carter redistributivo, visto que investir na integrao dos catadores, enquanto prossionais do sistema de limpeza urbana,

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4 A partir deste momento, fruns e governo passaram a se referir ao Grupo de Trabalho Intersecretarial e Comisso de Gesto Compartilhada, dado o carter de trabalho conjunto entre governo e fruns.

5 Estima-se que os catadores sejam responsveis por 90% do material que alimenta a indstria.

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traria condies dignas de trabalho, aumento na renda dos mesmos e sustentabilidade na gesto dos resduos slidos na cidade. Isso implicava por outro lado redirecionar recursos pblicos do sistema convencional de destinao, dos aterros sanitrios para o ciclo da coleta seletiva, triagem e reciclagem dos resduos secos com incluso social. Aps a extino da Secretaria de Infra-estrutura, separada em duas Secretaria de Vias Pblicas e Secretaria de Servios e Obras (SSO) - e a troca do Secretrio Rasmussen por Jorge Hereda, houve uma sensvel mudana na forma de encaminhar o processo de dilogo como os fruns e os catadores. Ins Berto passou coordenao do programa de coleta seletiva e as negociaes com o governo assumiram outro formato, mais favorvel sociedade organizada. Foram ento realizadas inmeras reunies com os fruns e visitas tcnicas s associaes e cooperativas dos catadores. Em agosto deste mesmo ano, o Modelo de Gesto Socioambiental Compartilhada de Resduos Slidos para So Paulo foi apresentado ao Grupo de Trabalho Intersecretarial4, criado para a estruturao do programa de coleta seletiva, j ento coordenado pelo Secretrio de Servios e Obras, Jorge Hereda. Defendia-se que cada secretaria teria um papel a cumprir e que aes integradas poderiam representar um salto qualitativo em todas as reas envolvidas tanto na questo dos catadores quanto na gesto dos resduos de maneira geral. Com esta inteno, foi realizada em 26 de outubro de 2001 a ocina Gesto socioambiental compartilhada de resduos slidos urbanos, em que representantes dos fruns e do Grupo de Trabalho Intersecretarial propuseram a identicao de aes em cada setor do governo para que cada secretaria pudesse atuar posteriormente com clareza de suas atribuies. A diculdade do governo de mudar a engrenagem que movia os interesses relacionados a este setor (especialmente no que se refere relao com as empresas privadas prestadoras de servios de limpeza pblica), contudo, era maior do que a vontade poltica de alguns tcnicos que compreendiam e apostavam nas propostas de compartilhamento da gesto e na integrao dos catadores. Apesar do incio do processo de discusso do modelo de coleta seletiva de So Paulo ter como foco o compromisso do governo em formular uma poltica pblica, havia tambm a clareza (por parte dos fruns) da responsabilidade das empresas geradoras de resduos slidos. Considerava-se que as empresas no estavam assumindo sua responsabilidade em relao aos resduos gerados, mas, na sua grande maioria, os convertendo em passivo ambiental. Na falta de um marco legal regulatrio em nvel nacional que reconhecesse a contribuio dos catadores ao assumirem essa responsabilidade, apontava-se o apoio s organizaes de catadores para o aumento da vida til dos aterros sanitrios uma vez que essas ajudam a desviar os materiais reciclveis destes locais5. Cabe salientar que at este momento ainda no foi aprovada a Poltica Nacional de Resduos Slidos e, portanto, o estabelecimento das responsabilidades das empresas na gerao, tratamento e destinao dos resduos. As empresas apon-

tadas como especialmente problemticas eram as produtoras de embalagens cartonadas (denominadas de longa vida) e de vidro. As empresas de cartonados so problemticas por gerar um resduo parcialmente reciclvel e com extrema diculdade de ser comercializado, seja pelo baixo valor pago pela nica empresa recicladora do mesmo, seja pela diculdade de armazenamento. J as indstrias do vidro trazem problemas em funao da diculdade de transporte do material at as indstrias e tambm pelo preo pago considerado inadequado, uma vez que denido pelo valor da matria-prima. Para o vidro, a proposta dos fruns era a de que a Associao Brasileira das Indstrias do Vidro (ABIVIDRO) tratasse as setenta organizaes existentes como Postos de Entrega Voluntria (PEVs) e buscasse o material neste locais. E, para a indstria produtora das embalagens cartonadas, a proposta dos fruns era a de que fosse colocado no rtulo dos produtos um aviso de que o material deveria ser lavado e entregue na associao ou cooperativa mais prxima. Como se sabe, o resto de leite nas embalagens produz odores, alm de ser um vetor de disseminao de doenas, atraindo ratos e baratas. E havia a proposta de que a empresa de cartonados dinamizasse o setor para que os reciclveis tivessem escoamento no mercado comprador. Foram agendadas reunies com estas empresas, mas apenas o setor do vidro estabeleceu uma parceria com os catadores, por meio da ABIVIDRO, garantindo a comercializao direta com a indstria, alm de doao de materiais para algumas cooperativas e equipamento de proteo. A Associao tambm realizou cursos de capacitao na rea. Por m, em 10 de dezembro de 2001, ainda no esforo de propor e pressionar a Prefeitura para a implantao da coleta seletiva em moldes cooperativistas, os catadores organizados realizaram o Ato de Preservao Vida, que consistiu numa marcha que percorreu as avenidas centrais de So Paulo no Dia Internacional dos Direitos Humanos. Na praa da S foi feito um ato pblico, em que diversos atores sociais defenderam os direitos dos catadores enquanto prossionais da coleta seletiva e agentes de preservao ambiental. O Frum Lixo e Cidadania foi convidado a expressar suas posies nesta oportunidade.

Participao do Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo no debate pblico e na mdia em 2001O reconhecimento do papel do Frum Lixo e Cidadania foi sendo revelado e legitimado por meio dos diversos convites para que apresentasse sua viso e suas propostas. O Frum participou de mesas de discusso em duas audincias pblicas realizadas pelo Ministrio Pblico do Trabalho de So Paulo, em que estiveram presentes cinquenta prefeituras do Estado; em evento da Coordenadoria da Fundao Orsa, em Carapicuba; em encontro do Tribunal Regional Federal

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6 Um clipping das matrias est disponvel para consulta no Instituto Plis.

com a presena de setenta funcionrios; em reunio do Frum dos Mutires de So Paulo com a participao de cinquenta lideranas sociais; em debate com diretoras do Sindicato dos Especialistas do Ensino Municipal de So Paulo; em exposio para setenta lideranas comunitrias e vereadores na Cmara Municipal de So Paulo; na Ocina nacional de trabalho sobre lixo domiciliar: uma abordagem ambiental, ocupacional e social, promovida pela Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do Trabalho (Fundacentro); no ciclo de palestras organizado pelo Dirio do Grande ABC no centro universitrio do Municpio de So Caetano; no Curso Atualizao do Novo Cenrio Poltico e Social da Cidade de So Paulo em Aes Organizadas, entre outras. No ano de 2001, os meios de comunicao deram um destaque mpar para a questo dos resduos6 certamente devido ao fato indito da sociedade ter se organizado em fruns para reivindicar a implementao de uma poltica pblica voltada para a recuperao de resduos e a integrao concomitante dos catadores organizados em associaes e cooperativas. Dentre essas iniciativas, cabe destacar o debate promovido pela rdio CBN no programa Mais So Paulo, em 16 de outubro, no Ptio do Colgio, em que participaram o Instituto Plis, representando o Frum Lixo e Cidadania, o secretrio da SSO e o presidente da Associao Brasileira de Empresas de Limpeza Pblica Resduos Especiais (ABRELPE).

A organizao do Movimento de Catadores de Materiais Reaproveitveis no Estado de So PauloAinda no ano de 2001, um outro acontecimento revelava o avano do processo de armao de uma nova concepo de gesto de resduos com a integrao dos catadores. Organizou-se o I Encontro Estadual dos Catadores de Materiais Reaproveitveis durante trs dias no ms de abril, que contou com apoio do UNICEF, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), Secretaria do Emprego e do Trabalho do Estado (SERT) e da Organizao de Auxlio Fraterno (OAF). O Frum Lixo e Cidadania da Cidade de So Paulo, por meio do Instituto Plis, contribuiu tanto no estabelecimento do contato junto SERT, quanto na elaborao inicial da estrutura do encontro. Trezentas pessoas participaram, representando setenta experincias de cooperativas e associaes de catadores de quarenta municpios do Estado. Como resultado do evento, foi denida uma pauta para o trabalho de organizao interna dos catadores e para a realizao de um Congresso Nacional dos Catadores em Braslia. A pauta interna contemplava a capacitao dos catadores para o cooperativismo e a educao ambiental e bsica, construo de canais de comunicao com a comunidade, prefeituras, empresas e outras entidades com vistas ao estabelecimento de parcerias. J neste momento abriu-se a discusso para a formao de uma46

rede solidria. Outras pautas de reivindicaes a serem levadas para Braslia envolviam a legalizao da prosso de catador de materiais reciclveis, a garantia da participao das cooperativas e associaes nos programas municipais de coleta seletiva, os incentivos indstria da reciclagem, a reviso da lei do cooperativismo e a criao de linhas de nanciamento para cooperativas e associaes da categoria. Alm deste encontro, os catadores realizaram outros eventos regionais em Araatuba, Santos e Mont Mor, que resultaram na construo dos princpios do movimento e das bandeiras de luta levadas para o Congresso Nacional, realizado em Braslia, em 2001, que deu origem ao Movimento Nacional de Catadores de Reciclveis. (Ver Introduo, p.11).

O Frum da