colecistite aguda

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MARTA CARVALHO GALVO

ARTIGO DE ATUALIZAO

Colecistite agudaAcute cholecystitisMarta Carvalho Galvo Chefe do Servio de Radiologia do Hospital So Zacharias do Hospital Geral da Santa Casa Misericrdia do Rio de Janeiro. Professora Assistente de Radiologia da Faculdade de Medicina da Fundao Tcnico-Educacional Souza Marques e da Universidade Gama Filho. Mdica staff da 18 Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa da Misericrdia do Rio de Janeiro. Radiologista do Hospital da Lagoa, Rio de Janeiro. Mestre em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro Titular do Colgio Brasileiro de Radiologia.

INTRODUOA colecistite aguda desenvolve-se como resultado de um obstculo mecnico ao esvaziamento da vescula biliar, representando, portanto, uma enfermidade de carter obstrutivo. A infeco pode sobrevir como complicao em 50% dos casos, mas freqentemente no o determinante inicial. Na maioria das situaes (90% dos casos), o fator obstrutivo representado pelo clculo vesicular (colelitase) (Figura 1) que obstrui o infundbulo da vescula ou o ducto cstico. A estase biliar conseqente favorece a concentrao da bile, que promove a liberao da fosfolipase pela mucosa, dando incio a alteraes histolgicas que se tornam relevantes cerca de 6 a 8 horas aps o evento obstrutivo, quando surgem distenso, congesto e edema da vescula. H rompimento da camada de glicoprotena da mucosa, expondo o epitlio ao direta da bile; isto desencadeia a liberao de prostaglandinas e outros mediadores da inflamao, levando ao acmulo de lquido intraluminal. A fosfolipase promove a transformao de lecitina (constituinte normal da bile) em liso-lecitina, que, ao agredir a parede vesicular, determinar alteraes e complicaes de variados graus, podendo culminar com isquemia, necrose, infeco da bile (que pode levar a empiema) e infeco da parede vesicular, via seios de Rokitanski-Aschoff (que so invaginaes da mucosa atravs da parede vesicular), complicando-se com abscessos intramurais. Cerca de 20% da populao geral desenvolve clculo vesicular ao longo da vida, incidncia que aumenta com a idade, sendo duas vezes mais freqente em mulheres. O prottipo dos pacientes com colecistite aguda representado por mulher obesa, com mais de 40 anos, freqentemente multpara, que apresenta colelitase e em geral tem antecedentes de clica biliar. O Quadro 1 relaciona os principais fatores de risco para colelitase.166

Figura 18.1 Ultra-sonografia da vescula. Imagem hiperecica com sombra acstica posterior. Colelitase. Fig. 1 Ultra-sonografia da vescula. Imagem hiperecica com sombra acstica posterior. Colelitase

Quadro 1 Fatores de risco para colelitase

Obesidade Reduo rpida do peso corporal Resseco ou doena ileal Hiperalimentao Hipertrigliceridemia Gravidez Cirrose heptica Hipotireoidismo Hemlise

Dos clculos vesiculares, cerca de 80% a 90% so compostos por colesterol; os restantes 10% so pigmentados ou mistos. Eles resultam da deficincia dos estabilizantes biliares (cidos biliares e lecitina) em relao aos solutos (colesterol, bilirrubina ou carbonato de clcio). Isto leva formao de estruturas cristalinas radiotransparentes (clculos de colesterol) ou de varivel radiopacidade (bilirrubinato de clcio). Menos freqentemente a colecistite aguda desenvolve-se na ausncia de clculos colecistite alitisica.

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COLECISTITE AGUDA

Fig. 2 Ultra-sonografia da vescula. Vescula biliar de paredes espessadas, apresentando material ecognico no seu interior, sem sombra acstica posterior. Lama biliar

Nesta eventualidade, a causa mais comum a bile espessa lama biliar , que funciona como rolha no canal cstico. A lama biliar costuma acompanhar pacientes em jejum prolongado ou em alimentao parenteral, eventos favorecedores de estase biliar. A lama biliar (Figura 2) uma bile litognica, contendo todos os elementos necessrios nucleao de clculos, como mucina, glicoprotenas e clcio.

QUADRO CLNICO E APRESENTAES ESPECIAISO Quadro 2 lista os principais sinais e sintomas da colecistite aguda. Em geral, a colecistite aguda precedida por pelo menos um episdio de clica biliar. O termo clica biliar, que resulta da impactao do clculo no ducto cstico ou infundbulo da vescula, , de certa forma, imprprio, pois a escassez de musculatura na parede do ducto cstico previne contraes muito vigorosas deste. O que chamamos de clica biliar resultado, portanto, do espasmo funcional do cstico dilatado e obstrudo. Esta dor, de mdia intensidade, em geral sentida no epigstrio e freqentemente desencadeada por ingesta alimentar rica em gorduras. O episdio mais comumente noturno, quando a vescula assume a posio horizontal facilitando a en-

Quadro 2 Quadro clnico da colecistite aguda

Dor no QSD ponto cstico Febre (usualmente baixa) Leucocitose com desvio E (12.000) Nuseas e vmitos Anorexia Sinal de Murphy Massa palpvel no QSD

trada de clculos no ducto cstico. O quadro sbito, com intensidade que aumenta nos primeiros 10 a 15 minutos e atinge um plat em 3 horas. A dor pode se irradiar para a regio interescapular ou ombro direito. Vmitos e sudorese podem se associar. Se o clculo desobstrui o ducto cstico e retorna para a luz vesicular, o episdio geralmente regride e a dor cessa. O clculo pode ainda migrar em direo ao coldoco. Em ambas as situaes h descompresso vesicular, podendo haver remisso completa dos sintomas ou progresso para outros quadros, como coledocolitase e suas complicaes. A crise de clica biliar tipicamente associada com testes laboratoriais normais. Do ponto de vista clnico pode ser confuso diferenciar entre um episdio em remisso, sem implicaes inflamatrias significativas, de um quadro progressivo para colecistite aguda; no entanto. persistncia da obstruo por mais de quatro horas geralmente d incio a um quadro mais intenso e grave de colecistite. Nesta circunstncia, a dor desvia-se para o quadrante superior direito. Este desvio representa a mudana da dor visceral, mal localizada no epigstrio, fruto da impactao ductal por clculo, para a dor parietal, localizada no ponto cstico, secundria, agora, inflamao vesicular. Esta mudana de localizao da dor pode requerer intervalo de vrias horas. A dor pode ser agravada pela inspirao profunda. Ao exame fsico o paciente queixa-se de hipersensibilidade no ponto vesicular (interseco da linha hemiclavicular direita com o rebordo costal) e o clnico pode ter dificuldade em aprofundar a palpao. Sbita exacerbao da dor com suspenso da inspirao durante a compresso do ponto cstico o que chamamos sinal de Murphy. muito especfico, embora esteja presente apenas em 50% dos pacientes. A febre na colecistite aguda usualmente baixa (37 a 38C), e os pacientes esto anorticos e nauseados. Febre mais elevada sugere complicaes. Em 30% a 40% dos casos, a vescula pode ser sentida como massa no hipocndrio direito, secundria sua distenso aguda. Cerca de 15% dos pacientes apresentaro ictercia mesmo sem coledocolitase. Algumas situaes clnicas especiais merecem destaque por tratar-se de condies usualmente mais graves e que podem no corresponder apresentao clssica da doena. Estas condies referem-se colecistite enfisematosa, colecistite gangrenosa, a forma alitisica e a sndrome de Mirizzi. Colecistite gangrenosa refere-se a uma forma mais grave de inflamao em que ocorre necrose parietal, aumentando o risco de perfurao em mais de 10% dos casos. O sinal de Murphy menos freqentemente observado, pois pode haver denervao da parede vesicular (Figura 3).167

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Fig. 3 Ultra-sonografia da vescula biliar e vescula biliar apresentando em seu interior material denso (hemorragia) e membrana mucosa descolada. Colecistite aguda necrosante confirmada cirurgicamente.

Fig. 5 Ultra-sonografia da vescula biliar. Vescula biliar de paredes espessadas (7,7 mm), sem clculos no seu interior. O sinal de Murphy ultra-sonogrfico foi positivo. Paciente HIV positivo. Colecistite alitisica

Fig. 4 Ultrasonografia da vescula biliar. Presena de imagens hiperecicas no interior da vescula, sem sombra acstica posterior. Sinal da Champagne. Paredes mal delimitadas. Colecistite enfisematosa

A forma enfisematosa da doena (Figura 4) uma manifestao tambm mais grave, secundria infeco por organismos produtores de gs, que, em 1/3 dos pacientes, representado pelo Clostridium perfringens. mais usual nos idosos, sobretudo nos portadores de Diabetes mellitus. A insuficincia vascular da vescula parece ser o mecanismo principal. O risco de perfurao aqui aumenta em cinco vezes quando comparado a colecistite no complicada. A sndrome de Mirizzi deve ser suspeitada quando, alm da constelao dos sintomas que compem o quadro da colecistite aguda, sobrepem-se sinais de obstruo da via biliar. Esta decorre da impactao do clculo no ducto cstico com acentuada inflamao local que produz efeito de massa no ducto heptico comum. Esta sndrome deve ser reconhecida pr-operatoriamente em funo do risco de o cirurgio ligar inadvertidamente o ducto heptico comum que emerge da massa inflamatria, confundindo-o com o ducto cstico. Finalmente, ateno especial merece a colecistite aguda na ausncia de clculos (forma alitisica) em funo de sua apresentao por vezes atpica, de sua incidncia relativamente alta (2% a 15% dos casos de colecistite168

aguda) e, sobretudo, por poder acometer pacientes imunocomprometidos e com co-morbidades (Figura 5). Um estudo publicado pelo Centro de Trauma da Universidade de Maryland (EUA) reportou incidncia de colecistite aguda alitisica em 0,5% dos pacientes que permaneciam sob cuidados intensivos por mais de uma semana. Esta estatstica parece relevante e orienta-nos a incluir a vescula biliar como fonte potencial de sepse em qualquer paciente gravemente enfermo por tempo prolongado. Da mesma forma este diagnstico deve ser lembrado nos pacientes vitimados de choque, onde a hipoperfuso da artria cstica pode culminar com colecistite aguda na ausncia de clculos. Por outra via, a estase biliar desencadeia dilatao da vescula, reduzindo o fluxo parietal e levando isquemia, que parece ser o principal fator implicado na etiopatogenia da colecistite alitisica. A mucosa isqumica torna-se mais vulnervel injria pelos cidos biliares, sendo, portanto, a infeco um evento secundrio tambm aqui. Tanto as complicaes quanto a taxa de mortalidade (que chega a 6% a 7%) so maiores na forma alitisica, devendo assim ser prontamente diagnosticada. Pacientes graves, em estado confusional ou em uso de narcticos podem no manifestar dor no hipocndrio direito, mas usualmente apresentaro febre e leucocitose. J os pacientes externos tm, virtualmente todos, dor no ponto cstico e leucocitose. Destes pacientes extra-hospitalares, so portadores de arterioesclerose grave. Existe uma srie de condies que favorecem esta forma de colecistite, como mostra o Quadro 3. Importante ressaltar que nos pacientes HIV positivos a mais freqente causa de colecistite aguda continua sendo a forma litisica (70% dos casos), embora em menor proporo do que nos imunocompetentes. Assim, em tais pacientes, a ausncia de colelitase em

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COLECISTITE AGUDA

Quadro 3 Condies associadas colecistite aguda alitisica

Quadro 4 Radiologia convencional US TC na deteco da litase vesicular Mtodo RX TC US Sensibilidade 15% a 20% 80% 96%

Pacientes internados Em uso de narcticos Em nutrio parenteral Em ventilao mecnica Traumatizados Grandes queimados Imunossuprimidos Aps choque hipovolmico

vigncia de inflamao aguda da vescula deve nos remeter ao citomegalovrus e ao criptospordio como principais agentes, sendo o curso da doena alitisica mais indolente, com manifestao mais subaguda do que na forma litisica. Os achados bioqumicos no so usualmente significativos, sendo a leucopenia achado comum. Estes pacientes, HIV positivos, apresentam-se usualmente com dor crnica no quadrante superior direito, metade deles tem febre, perda de peso e sinal de Murphy positivo, enquanto apenas tem nuseas.

DIAGNSTICO POR IMAGEMObjetividade na avaliao, rapidez na definio do diagnstico, visibilizao direta do rgo suspeito e suas complicaes, custo baixo e pouca interveno no paciente fizeram da ultra-sonografia o mtodo de eleio (padro-ouro) nos pacientes com colecistite aguda suspeita, sendo freqentemente o nico procedimento necessrio na confirmao do diagnstico. Alm disto capaz de: Redirecionar a investigao, diagnosticando patologias que mimetizam a colecistite aguda. Rastrear complicaes e diagnosticar formas graves que necessitem de pronta interveno. Determinar a extenso do processo inflamatrio, fornecendo ao cirurgio um inventrio pr-operatrio, importante na abordagem laparoscpica. Devido sua particular sensibilidade em avaliar os rgos do quadrante superior direito (fgado, vias biliares, vescula, pncreas), regra geral consideramos a ultrasonografia o primeiro mtodo a ser utilizado na avaliao da dor neste compartimento. Com relao deteco dos clculos vesiculares, principal agente etiolgico da colecistite aguda, o Quadro 4 compara os diversos procedimentos e suas respectivas sensibilidades. A radiografia panormica do abdmen A radiografia panormica do abdmen um mtodo amplamente disponvel nas emergncias de praticamente todos os hospitais do Pas, alm de ser procedimento seguro e barato. No entanto, no costuma trazer infor-

maes relevantes no quadro de colecistite aguda. Devido sua disponibilidade e por ser parte da investigao por imagem nos quadros abdominais agudos de difcil caracterizao diagnstica, importante buscar e reconhecer achados, ainda que indiretos, de doena vesicular e/ou suas complicaes. A sensibilidade na demonstrao de clculos na loja vesicular no ultrapassa 15% em razo da maioria dos clculos vesiculares no serem radiopacos. Achados positivos de doena aguda so a demonstrao de gs no hipocndrio direito (Figura 6) contornando a parede da vescula e a presena de massa com densidade de partes moles na loja vesicular, usualmente provocando rechao inferior do ngulo heptico do clon. (Figura 7). O primeiro achado indicativo de colecistite enfisematosa, e o segundo sugere a presena de uma vescula agudamente distendida. Infelizmente, estes achados no so freqentes o suficiente para tornar a radiografia panormica do abdmen um procedimento rotineiro com este fim. A presena de aerobilia em pacientes sem histria prvia de manipulao da via biliar pode chamar a ateno para a presena de fstula blio-digestiva que, associada demonstrao de clculo radiopaco e obstruo intestinal, d origem a uma trade que culmina com o diagnstico de leo biliar. Estes clculos, usualmente de tamanho superior a 2 cm, ganham a ala intestinal depois de erodir a parede vesicular. A demonstrao de uma vescula com paredes calcificadas (vescula em porcelana), embora de interesse diagnstico devido ao risco aumentado de carcinoma vesicular, facilmente detectado pela radiografia simples, mas no se relaciona colecistite aguda. (Figura 8). Se a colecistite aguda o diagnstico clnico mais provvel, consideramos desnecessria a realizao da radiografia panormica do abdmen fundamentalmente por no responder aos questionamentos aqui j descritos e por necessitar de mtodo complementar que demonstre diretamente a vescula e suas potenciais complicaes locais. Ultra-sonografia do abdmen Tanto a ultra-sonografia quanto a colecintigrafia tm alta acurcia no diagnstico de colecistite aguda litisica,169

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Fig. 6 Radiografia do hipocndrio e flanco direitos. Observa-se na loja da vescula biliar imagem linear de hipertransparncia, sugestiva de gs na parede vesicular. Colecistite enfisematosa

Fig. 8 Radiografia do hipocndrio e flanco direitos. Na loja vesicular observa-se imagem de calcificao fina em toda a extenso da parede da vescula biliar. Vescula biliar em porcelana

correta de execuo. Alguns cuidados devem ser tomados na avaliao da vescula biliar, como: Idealmente, o paciente deve estar em jejum h 4 a 6 horas, o que no incomum em face da anorexia e nuseas que estes pacientes apresentam em vigncia de doena aguda. A vescula deve ser avaliada em toda sua extenso, certificando-se para isto que foram examinados o fundo vesicular e a regio do infundbulo, onde no infreqentemente podemos surpreender clculos encravados. Mobilize o paciente em diversos decbitos, sobretudo em oblqua posterior esquerda, o que facilita a mobilizao do rgo e seu contedo, tornando possvel sua visualizao em longitudinal. Se achar necessrio mensurar o tamanho da vescula, faa-o atravs da medida transversa, a qual

Fig. 7 Topograma do abdmen. Nota-se massa com densidade de partes moles ocupando o hipocndrio direito, condicionando rechao inferior do ngulo heptico do clon. Mesmo paciente da Figura 18.5 (HIV positivo com colecistite aguda alitisica)

no entanto a ultra-sonografia conquistou maior popularidade em funo de fornecer maiores informaes acerca das complicaes locais da doena, como, por exemplo, o abscesso perivesicular (Figura 9), por ter mais baixo custo, ser de rpida execuo e identificar melhor os diagnsticos alternativos, escaneando rgos adjacentes, como fgado, pncreas, vias biliares, rins etc. Vale salientar, no entanto, que nenhum outro mtodo depende tanto da experincia do operador, estando portanto o diagnstico diretamente relacionado tcnica170

Fig. 9 Vescula biliar parcialmente ocupada por material ecognico, apresentando paredes, sobretudo na regio fndica, de difcil caracterizao. Adjacente vescula (ntero-lateralmente), observa-se coleo sugestiva de abscesso perivesicular. Colecistite aguda, complicada com abscesso

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no deve ultrapassar 4 cm em dimetro. A parede vesicular deve ser medida em sua poro que toca o parnquima heptico, no devendo ultrapassar, em condies normais, com boa distensibilidade, 3 mm. Nas complicaes, quando o leito vesicular pode tornar-se de difcil caracterizao, lembre-se de examinlo atravs da fissura heptica principal, ou no trajeto da veia heptica mdia. Avalie o entorno da vescula, buscando colees, microabscessos hepticos e a presena de fstulas ou perfuraes. As vias biliares devem ser cuidadosamente examinadas quanto presena de dilataes, aerobilia e clculos no seu interior, situaes que podem acompanhar o quadro agudo. O hepatocoldoco pode ser avaliado utilizando-se inclusive a vescula distendida como janela acstica. Pesquise o sinal do Murphy ultra-sonogrfico, comprimindo a loja vesicular e solicitando ao paciente que inspire profundamente. A inflamao aguda, acompanhada de dor, o impedir de concluir a respirao. O ponto cstico situa-se na interseco da linha hemiclavicular direita com o rebordo costal. A presena de lama biliar e/ou clculos deve ser relatada no laudo. Em relao aos clculos devemos informar ao cirurgio seu nmero, localizao (ducto cstico, infundbulo), tamanho e mobilidade. Na abordagem laparoscpica, o inventrio pr-operatrio completo traz ao cirurgio mais confiana e conforto durante o procedimento. A presena dos clculos pode, alm disto, atestar a indicao da colecistectomia caso os achados patolgicos no sejam consistentes com inflamao aguda. Por fim, proceda, como deve ser o costume, a uma avaliao geral do abdmen, pois seu paciente ser encaminhado a um procedimento cirrgico, e achados passveis de diagnstico ultra-sonogrfico no devem surpreender o cirurgio. O Quadro 5 classifica os clculos vesiculares em relao a seu tamanho. Esta classificao serve para normalizar a descrio, e todos os ultra-sonografistas deveriam adot-la como rotina. A microlitase (Figura 10) entendida como clculos com menos de 3 mm de dimetro e no deve ser confundida com lama biliar. Chamamos lama biliar a suspenso de muco, bilirrubinato de clcio e cristais de colesterol, que ultra-sonografia tm a aparncia de uma camada com baixa amplitude de ecos que no forma sombra acstica posterior, podendo fazer nvel bile-lama. Hoje est definida a associao entre lama biliar, clculo e colecistite aguda. O achado mais consistente de colecistite aguda a presena da trade composta por colelitase, espessamento da parede vesicular (Figura 11) e o Murphy

ultra-sonogrfico (reproduo do sinal de Murphy com a compresso da vescula realizada pelo transdutor). O valor preditivo positivo desta trade alcana 95%. importante, no entanto, ressaltar que estes sinais, isoladamente, no guardam especificidade, devendo ser valorizados no contexto da doena aguda. A parede da vescula biliar mede menos que 2 mm de espessura em cerca de 97% dos pacientes normais, sendo seu espessamento acima de 4 mm indcio de inflamao. No entanto, existe uma srie de situaes em que este dado no tem valor clnico para o diagnstico de colecistite aguda, tal qual mostra o Quadro 6. Com a popularizao da colecistectomia laporoscpica tem-se buscado identificar, pr-operatoriamente, situaes que possam prever o risco potencial de converso para cirurgia convencional, o que relevante se considerarmos o custo destes procedimentos e a experincia de quem realiza a cirurgia. A ultra-sonografia tem-se mostrado, como atestam publicaes recentes, de valor para este fim, atravs da identificao do espessamento da parede vesicular e presena de lquido pericolecstico; achados estes indicativos do aumento das dificuldades tcnicas, prolongamento do tempo de preparo laparoscpico (expo-

Quadro 5 Classificao dos clculos biliares em relao ao tamanho Classificao Microclculos Clculos pequenos Clculos mdios Clculos grandes Tamanho < 3 mm 3 a 5 mm 5 a 10 mm > 10 mm

Fig. 10 Ultra-sonografia da vescula biliar. Aps repetidas compresses do hipocndrio direito e sucessivas mudanas de decbitos, notamos mltiplas pequenas imagens hiperecicas que flutuam na bile. Vescula biliar de paredes espessadas. Paciente com histria pregressa de pancreatite aguda recorrente idioptica. Colecistite aguda e microclculos vesiculares 171

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No empiema, a parede pode no ser totalmente delineada, denotando inflamao grave, e o contedo usualmente heterogneo pela presena de pus. O fluxo arterial na parede inflamada pode estar aumentado, e para utilidade diagnstica necessita cobrir uma rea superior a 2,5 cm de comprimento ao estudo com color-Doppler. No entanto, este dado carece de especificidade. Pacientes om hipertenso portal podem apresentar varizes na parede vesicular e mimetizar edema ou hiperfluxo. O Quadro 7 descreve os achados ultra-sonogrficos de colecistite aguda. ColecintigrafiaFig. 11 Ultra-sonografia da vescula. Vescula biliar de paredes espessadas, laminadas, apresentando lama biliar e clculos no seu interior. Paciente com sinal de Murphy ultra-sonogrfico positivo e sinais clnicos de coleciste aguda. Colecistite aguda litisica

Quadro 6 Causas de espessamento da parede vesicular

Contrao fisiolgica Colecistite crnica Adenomiomatose Colangite esclerosante Carcinoma vesicular Hipertenso portal (varizes parietais) Insuficincia renal Doenas auto-imunes Hepatite aguda Giardase Obstruo linftica

sio do tringulo de Calot) e maior taxa de converso. A intensidade do processo inflamatrio influencia, portanto, o grau de dificuldade cirrgica, devendo o ultrasonografista fornecer o mximo de informaes possveis ao clnico. Na forma gangrenosa da doena, a ultra-sonografia pode evidenciar membranas intraluminais representando exsudato fibrinoso ou membrana descolada , hemorragia e a parede pode ter aspecto estriado. A presena de membranas considerada um achado especfico, no entanto incomum. A ultra-sonografia superior colecintigrafia na demonstrao de perfurao e presena de gs na parede vesicular, evidenciada por sombra acstica que emerge da parede da vescula, tpica do artefato de gs (chamada sombra suja pelos ultra-sonografistas). Sugerimos a realizao da radiografia do abdmen sempre que a ultra-sonografia sugere a presena de colecistite enfisematosa; este dado merece confirmao, pois sugere o risco de perfurao e a cirurgia emergencial.172

A cintigrafia hepatobiliar considerada o mais especfico mtodo de diagnstico de obstruo do ducto cstico. realizada atravs da injeo endovenosa do cido iminodiactico (IDA) ou seu anlogo cido diisopropil iminodiactico (DISIDA) ligado ao tecncio 99. Aps a administrao, cerca de 80% de uma dose total de 5 mCi excretada pela bile sem conjugao. Os 20% restantes sofrem excreo renal. A vescula biliar normalmente visibilizada ao final de 30 minutos da injeo. Se a vescula no visibilizada aps 45 minutos podem-se usar baixas doses de morfina, com o objetivo de contrair o esfncter de Oddi e facilitar a demonstrao da vescula caso o ducto cstico seja patente. O indicador cintigrfico de colecistite aguda , portanto, a no-visibilizao da vescula. No nosso meio, a colecintigrafia no um mtodo rotineiramente utilizado na emergncia por no ser disponvel na maioria de nossos hospitais, por tratar-se de procedimento relativamente oneroso, demorado, por vezes exigindo a permanncia do paciente por at 4 horas no setor e por necessitar de medicao endovenosa. A ultra-sonografia oferece, por sua vez, alm de sensibilidade similar, vantagens que a tornaram o procedimento de escolha, padro-ouro, na avaliao da cole-

Quadro 7 Achados ultra-sonogrficos na colecistite aguda

Colelitase Espessamento da parede Distenso vesicular Lquido pericolecstico Lama biliar Obstruo do cstico Parede vescula laminada (edema) Sinal de Murphy ultra-sonogrfico Fluxo mural aumentado ao power Doppler Peri-hepatite Abscesso pericolecstico ou bilioma Gs na parede ou intraluminal

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COLECISTITE AGUDA

cistite aguda. Comparativamente colecintigrafia, a ultrasonografia mais disponvel, mais barata, no necessita de nenhuma medicao para sua realizao, alm de ter o resultado imediato e fornecer a possibilidade de diagnsticos alternativos. Excepcionalmente, a ultrasonografia necessitar de procedimento alternativo para o diagnstico da colecistite aguda. Tomografia computadorizada A tomografia no tem papel importante na avaliao da colecistite aguda, exceto em situaes especiais, quando a apresentao atpica e a ultra-sonografia no conclusiva. Esta situao representa mais freqentemente pacientes com colecistite alitisica. injeo do contraste endovenoso a parede encontra-se espessada, com baixa atenuao e captao do meio de contraste pela mucosa. Infiltrao da gordura pericolecstica pode ser um achado determinante para o diagnstico. A demonstrao de gs no interior da vescula ou em sua parede mais bem caracterizada pela tomografia computadorizada, por sua particular sensibilidade na demonstrao de gs (Figura 12). Outra indicao interessante seria para pacientes com co-morbidades, bem exemplificado pelos pacientes HIV positivos, os quais podem ter um curso mais subagudo da doena e gerar confuso na concluso do diagnstico. Colangiorressonncia magntica Representa um mtodo mais complementar do que alternativo, pois avalia com maior propriedade a rvore biliar, tendo uma indicao aceitvel nos pacientes com suspeita de coledocolitase associada, e por acrescentar informaes pr-operatrias relevantes. Alm disto, tem sensibilidade superior ultra-sonografia na deteco de clculo obstruindo o ducto cstico (sensibilidades respectivas de 97% e 77%). No entanto, deve-se ressaltar seu custo alto e sua indisponibilidade ainda nos hospitais pblicos de nosso pas, sendo, portanto, mtodo complementar para casos selecionados. Finalmente, conveniente ressaltar que a ultrasonografia o mtodo de eleio e o nico necessrio para avaliar a imensa maioria dos pacientes que se apresentam com suspeita clnica de colecistite aguda. Determina com alta sensibilidade a presena de colelitase, constituindo ainda um mtodo capaz de avaliar o hipocndrio direito com excelente relao custo-benefcio. , no entanto, de fundamental importncia que os pacientes sejam examinados por um clnico experiente, uma vez que nenhum dos sinais ultra-sonogrficos isoladamente especfico da doena; no entanto, associado aos achados clnicos positivos atinge uma sensibili-

Fig. 12 Tomografia computadorizada do abdome com contraste oral e venoso. Vescula biliar de paredes espessadas e coleo perivesicular. Gs no interior e contornando a parede vesicular. Colecistite aguda enfisematosa

dade prxima a 100%, em tempo hbil, sem custo significativo, fornecendo ao cirurgio um confortvel inventrio pr-operatrio.

TERAPUTICAA primeira conduta frente a um paciente com suspeita de colecistite aguda intern-lo para confirmao diagnstica e estabelecimento da teraputica. Em seguida, devemos mant-lo em dieta zero e iniciar hidratao endovenosa cuidadosa, de acordo com cada situao. A verificao atravs da histria e exame fsico da coexistncia de outras condies clnicas imprescindvel, pois esta doena comumente incide em diabticos, cirrticos, portadores de doena pulmonar obstrutiva crnica, idosos etc. , pois, fundamental a avaliao pr-operatria ainda que devamos faz-la com a maior brevidade possvel. prefervel perdermos algumas horas na normalizao de uma glicemia, no equilbrio de um distrbio hidroeletroltico, na verificao do estado de coagulao de um cirrtico, do que indicarmos uma cirurgia imediata com riscos mais elevados. O preparo pr-operatrio adequado to importante quanto a cirurgia precoce. Antibioticoterapia Na colecistite aguda leve, de diagnstico precoce, o uso de antibitico deve ser indicado de forma profiltica e em monoterapia. Isto se justifica em funo de cerca de 50% dos pacientes apresentarem infeco bacteriana superposta no ato da cirurgia.O uso de cefalosporinas de primeira gerao (cefazolina) ou de segunda gerao (cefoxitina) nos parece o mais indicado por um pe173

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rodo no superior a 24 horas de ps-operatrio, desde que a colecistectomia confirme a suspeita clnica de uma colecistite aguda no complicada (Quadro 8). J na colecistite gangrenosa, enfisematosa ou complicada com empiema, perfurao, sndrome de Mirizzi ou coledocolitase, optamos por uma terapia trplice, associando-se ampicilina (para os enterococos), aminoglicosdeo (para os gram-negativos) e metronidazol (para os anaerbios) (Quadro 9).Quadro 8 Colecistite aguda agentes bacterianos na bile

entanto, em 1987, Mouret, em Lyon, fez a primeira colecistectomia laparoscpica modalidade cirrgica atualmente indicada como primeira escolha, salvo contra-indicaes absolutas (Quadro 10). Dentre as vantagens da cirurgia laparoscpica destacamos a rpida recuperao ps-operatria, em mdia de 24 a 48 horas, com rpido funcionamento intestinal e menor uso de analgsicos, possibilidade de uma volta mais precoce ao trabalho e menor custo global da cirurgia.

Escherichia coli Klebsiella species Enterococcus (Streptococcus faecalis) Enterobacter species Pseudomonas Clostridia species Bacteroides

Quadro 10 Contra-indicaes da colecistectomia

Peritonite generalizada Choque sptico Coagulopatia grave Cncer da vescula (concomitante) Terceiro trimestre da gravidez

Obs.: Nestas situaes, a colecistectomia aberta a preferida.

Quadro 9 Colecistite Antibiticos

LITERATURA RECOMENDADABalthazar EJ. Imaging the acute abdomen. The radiologic clinics of North America Setembro, 1994. Bennett GL, Rusinek H, Lisi V et al. CT findings in acute gangrenous cholecystitis. AJR 2002;178:275-281. Ferrucci JT, Kuligowska E, Birkett DH. Acute cholecystitis. In: Pitt H, Carr-Locke DL, Ferrucci JT. Hepatobiliary and Pancreatic Disease: the team approach to management. Boston: Little, Brown and Company 219-227, 1995. Gore RM, Levine MS. Textbook of gastrointestinal radiology. In: Zeman R.K. Cholelithiasis and cholecystitis. Philadelphia: WB Saunders, 1.321-1.345, 2000. Grand D, Horton KM, Fishman E. CT of the gallbladder: spectrum of disease. AJR 2004;183:163-170. Jeffrey RB, Ralls Jr. PW. CT and Sonography of the acute abdomen. 2 ed., Philadelphia: Lippincott Raven, 1996. Krestin GP, Choyke PL. Acute abdomen: diagnostic imaging in the clinical context. Nova York: Thieme Medical Publishers, 1996. Mulagha E, Fromm H. Acute cholecystitis. Current Treatment Options in Gastroenterology 1999;2:144-146. Owen DA, Kelly JK. Pathology of the gallbladder, biliary tract and pancreas.WB Saunders Company, 2001. Shields SJ, Donovan JM. Treatment of gallstones. In: Wolfe MM. Therapy of Digestive Disease. Philadelphia: WB Saunders Company, 207218, 2000. Van Leeuwen DJ, Reeders JWAJ, Ariyama J, Stanley RJ. Imaging in hepatobiliary and pancreatic disease. Londres: WB Saunders Company, 2000.

Forma leve/moderada - uso profiltico (24 h): Cefazolina - 1g de 6/6 h - via EV ou Cefoxitina - 1g de 6/6 h - via EV Fomas graves associao teraputica ( 5 a 10 dias) Ampicilina 1g de 6/6 h EV + Amicacina 500 mg 12/12 h EV + Metronidazol 500 mg 8/8 h EV

Obs.: Em nefropatas pode-se substituir a amicacina ou gentamicina (aminoglicosdeo) por cefalosporina de terceira gerao ou ciprofloxacina

Momento da cirurgia A teraputica da colecistite aguda cirrgica. Inmeros trabalhos prospectivos, randomizados, tm sido taxativos quanto s vantagens da colecistectomia precoce, tanto sob o ponto de vista clnico-cirrgico, quanto em relao aos custos para a instituio. Com esta conduta h uma diminuio do tempo mdio de doena, da durao da hospitalizao, do ndice de complicaes e de mortalidade. Alm disto, evitamos a recorrncia do quadro de colecistite aguda, o que ocorre em mais de 20% dos pacientes tratados clinicamente. Cirurgia convencional versus laparoscpica A colecistectomia por inciso subcostal direita, descrita em 1886 por Langenberch, foi, durante um sculo, o padro-ouro na teraputica da colecistite aguda. No174

Endereo para correspondncia Dra. Marta Carvalho Galvo Rua Tonelero 83/101 - Copacabana 2030-000 Rio de Janeiro- RJ

JBG, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.5, n.4, p.166-174, out./dez. 2005