colecao folha grandes pintores brasileiros - paula braga - trecho metaesquemas

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Páginas discutindo os Metaesquemas de Hélio Oiticica

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Page 1: Colecao Folha Grandes Pintores Brasileiros - Paula Braga - Trecho Metaesquemas

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HÉLIO

OITIC

ICA

DA

PINTU

RA

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C

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IAN

O

Hélio Oiticica em

foto de 1979

Não é possível falar em

uma “car-

reira de pintor” na discussão da obra de Hélio Oiticica. A palavra

carreira implica um

a linearidade, uma se-

quência de acontecimentos m

ais ou me-

nos previsíveis, e tanto a obra como a vida

de Oiticica foram feitas de guinadas, de

grandes saltos em pouco tem

po. Se fosse representada por algum

tipo de linha, essa obra teria que ser um

a trança, uma coe-

xistência de fios, que emaranhassem

os objetos produzidos pelo artista, os textos teóricos que deixou em

um arquivo obses-

sivamente organizado, os experim

entos com

cinema, a poesia, as peças de teatro,

as cartas aos amigos, que fotocopiava an-

tes de enviar, as revistas que lia, as músi-

cas que escutava, as ruas por onde cami-

nhava. Tudo isso é a obra, tudo isso é a constelação que form

a o artista Hélio Oi-

ticica, um personagem

sui generis, ainda m

ais em nossa época de existências pa-

dronizadas, como que escolhidas em

uma

prateleira. Ainda m

enino, ele escrevia peças de teatro e as encenava em

casa, tendo às vezes na plateia a tia e atriz Sônia O

itici-ca (1921-2007). As peças eram

inspiradas nas tragédias gregas, que não faltaram

na educação do neto do filólogo e anar-quista José O

iticica (1882-1957). De fato, o garoto foi educado em

casa pelos pais e recebeu grande influência intelectual do avô. Já adulto, costum

ava dizer-se “fi-lho de N

ietzsche” – que lera já aos 13 anos de idade – e “enteado de Artaud”, sinali-zando o tipo de referência intelectual com

a qual teve contato nos prim

eiros anos de form

ação. Os grandes “inventores”,

aqueles que causaram um

a revolução in-telectual em

suas épocas, os defensores da arte experim

ental, os exploradores e expansores dos lim

ites da arte, esses sem-

pre foram um

a espécie de família para

Hélio O

iticica.Se for preciso definir um

início da obra, talvez seja m

elhor respeitar o marco

que o próprio artista estabeleceu: “Eu com

ecei com Ivan Serpa [1923-73] no

Grupo Frente, em 1954”

3. Oiticica não só

“Na obra de Hélio Oiticica, a passagem para um

a arte

definida a partir da expansão para a vida é anunciada,

porém interrom

pida pela morte prem

atura do artista, em

1980. Uma frase dele m

esmo explica o rum

o que a obra

poderia vir a tomar: ‘O próprio dia a dia, para m

im, é a

construção de uma obra, o dia com

pleto é a obra. Como

também

não existe mais o m

ovimento de vanguarda:

cada dia, o dia a dia, é a vanguarda, entende?”’

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tinha aulas com Serpa, que ganhara em

1951 o prêm

io de artista jovem da I Bie-

nal Internacional de São Paulo, como in-

tegrava o Grupo Frente, organizado por Serpa para pesquisar a abstração geom

é-trica. Até o início de 1950, essa vertente estética

não tivera

no Brasil

o m

esmo

florescimento que na

Europa, visto

que nosso

Modernism

o de 1922 foi um

ar-roubo

sem

conse-quências duradouras

e ainda muito vinculado a questões na-

cionalistas, que por fim se acom

odou no desenvolvim

ento de ilustrações de temas

brasileiros em obras figurativas. O Grupo

Frente, no Rio de Janeiro, assim com

o o Grupo Ruptura, de São Paulo, liderado por W

aldemar Cordeiro (1925-73), ou o

Atelier-Abstração de

Flexor (1907-71),

tentarão recuperar a pesquisa de lingua-gem

, a busca por uma arte não figurativa

e que respondesse aos anseios de um país

desejoso de modernidade, seja na indús-

tria, na construção de estradas ou no projeto para o estabelecim

ento de uma

nova capital nacional no Centro-Oeste, seja nos estudos sobre as questões sociais brasileiras

empreendidos

pelo Instituto

Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). A pesquisa artística vai vincular-se a esse clim

a de construção, crescimento e m

o-dernização. A abstração geom

étrica colo-ca régua e com

passo nas mãos de um

a nova geração de artistas.

Os guaches que Oiticica desenvolve no Grupo Frente a partir de 1955 preenchem

o plano com

retângulos coloridos, aglome-

rados. Percebe-se o respeito a uma estru-

tura de grade, por cima da qual os retân-

gulos, de vários tamanhos, se distribuem

. A curva é rara, e quando aparece é num

leve arredondam

ento de uma aresta de retân-

gulo ou em círculos dim

inutos que, se por um

lado conferem leveza à rígida organi-

zação ortogonal, por outro se mantêm

pousados em

arestas retas, estabilizados. N

os metaesquem

as (p. 34 e 36), guaches sobre cartão que Oiticica inicia em

1956, os retângulos estão inquietos, com

o se tentassem

subverter a grade. Há espaço entre eles e inclinações que geram

frestas, com

o se as sólidas composições dos gua-

ches do Grupo Frente tivessem sofrido um

abalo, um

terremoto. N

ão raro, os retân-gulos estão vazados, revelando o fundo cru do cartão. Com

o característica geral dos m

etaesquemas, percebe-se um

inte-resse pelo m

ovimento, com

os retângulos tentando sair não só da grade m

as tam-

bém da bidim

ensionalidade, o que é mais

evidente em com

posições que empregam

apenas tinta preta e listras, causando um

efeito óptico de tridim

ensionalidade. N

o conjunto de metaesquem

as, sobres-sai a série Secos, na qual os retângulos parecem

estar flutuando em planos não

paralelos à superfície da pintura. Assim,

por exemplo, em

Seco No 27 (p. 34), os lo-

sangos podem ser lidos com

o retângulos que giraram

em um

plano concorrente ao

do cartão. Em outros guaches da série, as

linhas também

podem ser encaradas com

o retângulos representados em

um plano

ortogonal ao do cartão, assim com

o a pá-gina retangular de um

livro aberto, virada até ficar “de perfil”, apresenta-se aos nos-sos olhos com

o uma linha.

Os metaesquem

as são um prenúncio do

salto da cor para o espaço. Com a série de

pinturas m

onocromáticas

Invenções, de

1959, Oiticica afasta a cor da parede, e fi-nalm

ente solta-a no espaço com os bilate-

rais (1959) (p. 38), placas de madeira colo-

rida penduradas no teto por fios, e relevos espaciais (1960) (p. 40), tam

bém de m

adei-ra, m

as que por vezes lembram

dobraduras de papel. Os núcleos (p. 42 e 46), que Oiti-cica desenvolve a partir de 1960, convidam

o espectador não só a circundar a obra, m

as a entrar nela, como se percorresse um

labirinto de placas penduradas no teto e que se cruzam

ortogonalmente. N

essas tentativas de libertar a pintura do plano, Oiticica está trabalhando na vertente de pesquisa de linguagem

que em 1959 Fer-

reira Gullar (1930-) descreve no Manifesto

Neoconcreto, depois de conhecer obras que tentavam

maleabilizar a rigidez da

abstração geométrica concretista, com

o o Balé Neoconcreto (1958) de Lygia Pape (1927-2004) e Reynaldo Jardim

(1926--2011) ou criações de Lygia Clark (1920--88) com

o o Ovo Linear (1958), entre ou-

tros. No m

anifesto, Gullar defende uma

obra que não derive de equações matem

á-ticas, m

as que seja um quasi-corpus, um

sím

ile do organismo vivo.

Pensando sobre a obra com caracterís-

ticas de organismo e lendo os escritos do

filósofo Henri Bergson (1859-1941), Oitici-ca inaugura a década de 1960 defendendo a im

portância de conferir duração à obra de arte, “tem

poralizar a obra”. Ele chegará então ao conceito de cor-tem

po, aquela que se altera sutilm

ente em passagens

contínuas da cor, a exemplo dos am

arelos que gradualm

ente se tornam diferentes

tons de laranja nos relevos espaciais. Assim

como a duração para Bergson é um

desa-guar contínuo do tem

po e não o salto de um

corpo de um estado para outro subse-

quente, a cor para Oiticica é um desaguar

contínuo de uma frequência de onda em

outra. Além

disso, ele adiciona à obra o próprio m

ovimento do espectador, que

circundando os relevos espaciais e bilate-rais confere à cor o tem

po do movim

ento do corpo do espectador. Esse m

ovimento

causa alterações sutis de cor.

Metaesquem

a1957

45 x 53,8 cmGuache sobre cartão

Coleção particular

“Oiticica inaugura a

década de 1960

defendendo a

importância de conferir

duração à obra de arte,

‘temporalizar a obra’”

GRUPO FREN

TE E METAESQ

UEMAS

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A cor que se liberou para o espaço, ins-tituindo a transform

ação do espectador em

participador, passa a ser apresentada tam

bém na form

a de pigmento nos bólides

(p. xx-yy) e a exigir não só que o especta-dor ande em

torno da cor, mas tam

bém

que nela mergulhe as m

ãos. Os bólides já são

pequenas arquiteturas,

caixas que

lembram

casas, com portas e janelas, e

nisso assemelham

-se aos penetráveis (p. xx-yy), construções onde o espectador en-tra e experim

enta a cor em torno do corpo.

Outras vezes, os bólides usam elem

entos encontrados no m

undo, como vasos de

vidro e pedaços de pano colorido.

O parangolé (p. xx, zz, uu) surge em

1964, como decorrência da pesquisa de

Oiticica sobre a superação do quadro e após o contato do artista com

a Escola de Sam

ba Estação Primeira de M

angueira. N

ascido em um

a família m

uito intelectua-lizada, Hélio Oiticica achou no m

orro e no sam

ba uma experiência de êxtase, alarga-

mento da percepção e vivência do corpo

para além do intelecto. Longe de ter sido

um contato m

issionário, essa experiência na M

angueira, parte marginalizada da so-

ciedade brasileira, foi uma vivência que

incluiu amizades duradouras, m

ergulho no aprendizado do sam

ba, da moral do m

ar-ginal, da arquitetura flexível dos barracos e, consequência desse am

biente no coti-diano, aprendizado da ginga do cam

inhar nas quebradas da favela e do “pisar a terra de novo”, expressão que o artista usa para descrever o descondicionam

ento social da experiência no m

orro. 4

A atitude introspectiva de exame dos

bólides será transformada em

giros, pulos e dança com

o parangolé, que confere à cor um

a mobilidade esvoaçante e explicita a

importância do coletivo na obra do artista.

O parangolé não é uma capa a ser trajada,

mas um

a extensão do corpo de quem a

veste, como um

órgão novo, capaz de cap-tar para o corpo, e em

conjunto com o

corpo, algo que ele não perceberia sozinho. Da m

esma form

a como precisam

os de um

aparelho de rádio para captar um tipo de

onda eletromagnética que está presente em

qualquer recinto, m

as que não percebemos

só com nossos cinco sentidos, há um

a onda estética que o parangolé sintoniza no corpo do participador. Assim

ele atinge, pela dan-ça e com

a capa, um estado que Oiticica

chama de “em

briaguez dionisíaca”, em re-

ferência a Friedrich Nietzsche (1844-1900). Em

1965, Oiticica apresentou os paran-golés na exposição Opinião 65, no M

useu de Arte M

oderna do Rio de Janeiro (MAM

--RJ). Ao irrom

per na galeria do museu com

um

grupo de dançarinos da Mangueira

envergando as capas coloridas, Oiticica foi expulso. A radicalidade de unir passistas da escola de sam

ba ao elitismo das artes

plásticas obviamente não foi com

preendi-da. Ultrajado, o artista continuou a apre-sentação do lado de fora do m

useu, nos jardins. Com

o veremos, a questão “lado

de dentro/lado de fora” virá novamente

à baila naquele mesm

o museu em

1967, quando Oiticica apresenta Tropicália, um

a obra que rem

ete ao morro e às favelas,

trazendo outra arquitetura, outra face do Brasil, para dentro do prédio m

odernista do M

AM-RJ.

Na década de 1970, o com

portamento

do participador está para a expansão da arte rum

o à vida assim com

o a cor esteve para a expansão da pintura rum

o ao espa-ço no com

eço da década de 1960. É no

comportam

ento que Oiticica identifica a chave para a transform

ação da arte. A dança, o ritm

o e, acima de tudo, os estados

de quase transe propiciados pela dança do parangolé incitam

o artista a adensar a discussão sobre arte com

a reflexão a res-peito de elem

entos capazes de alterar o com

portamento, de liberar o dionisíaco em

direção à percepção de um

mundo sim

ul-taneam

ente imanente e m

ágico. Essas ideias sobre o com

portamento

surgem em

seus textos por volta de 1967, m

as aguardam até 1969 para serem

colo-cadas em

prática no Éden, montado na

Whitechapel Gallery de Londres. Sem

dúvi-da, a obra Tropicália, m

ontada no MAM

-RJ em

1967, foi um protótipo dos labirintos

que Oiticica desenvolveria nos anos 1970, porém

a ênfase do artista naquela monta-

gem foi criar um

a imagem

multissensorial

do Brasil, na qual não só elementos visuais

estivessem agenciados, m

as também

o ta-to, a m

ovimentação do corpo pelos espa-

Grande Núcleo N

C3, NC4, N

C61960-196647 peças com

medidas variáveis;

planta: 10,77 x 7,17 mÓleo sobre m

adeira Coleção particular

B2 Bólide Caixa 2 - “Platônico”1963

33,8 x 27 x 20,9 cm (fechado),

34,6 x 27 x 41,6 cm (aberto)

Óleo sobre madeira

Coleção particular

PARANGO

COM

PORTAM

ENTO

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ços que circundavam os dois penetráveis,

os sons das araras, as texturas de tecidos e plantas que integram

a obra. Um passo

anterior a

propostas que

favorecem

o com

portamento descondicionado, Oiticica

quer com Tropicália descondicionar o im

a-ginário, afastar-se de m

odelos europeus e norte-am

ericanos. O efeito suprassensorial da integração

de comportam

ento e ambiente é colocado

à prova no Éden, uma área com

chão de areia e pedrisco, na qual vários penetráveis com

o a Área Aberta ao Mito e os ninhos

anunciam a im

portância do conceito de crelazer, que Oiticica teoriza em

vários tex-tos da época com

o sendo o lazer descondi-cionado e propiciador de transform

ações no participador. Crelazer seria então um

com

portamento que se apropria do tem

po, processo que, em

vez de se dar no ritmo da

produção, corre na temporalidade da expe-

riência estética, de construção de um m

un-do próprio, em

oposição à aceitação passi-va do m

undo do espetáculo.Depois da exposição na W

hitechapel Gallery, Oiticica passa alguns m

eses como

artista residente na University of Sussex, Inglaterra. N

o Éden, ele incluíra uma es-

trutura de cápsulas para o participador habitar por algum

as horas, chamadas “ni-

nhos”. Em Sussex, constrói outra versão

dos ninhos, dessa vez empilhando-os em

três andares, acessíveis por um

a escada externa. Retornando ao Brasil em

1970, é convidado a participar da coletiva Infor-m

ation, no MoM

A, onde expõe novamen-

te ninhos de três andares, chamando essa

experiência de Barracão 2 5.

Finalmente,

em

dezembro

de 1970,

Oiticica consegue se mudar para N

ova York com

bolsa da Fundação Guggen-heim

. O artista percebera que, se continu-asse no Brasil da ditadura m

ilitar, não conseguiria levar adiante seu trabalho com

o comportam

ento do participador, um

a força emancipatória dem

ais para os Anos de Chum

bo. No início de sua estadia

nos EUA, matricula-se em

um curso de

cinema na N

ew York University

6 e passa a frequentar a cena teatral underground de M

anhattan.Seu grande projeto nesse início de 1971

é conseguir divulgar e construir os novos labirintos que planeja para áreas públicas, com

o Project 1, o primeiro da série de tra-

balhos que nomeia de Subterranean Tropi-

calia Projects. De fato, Oiticica desejava instalar no Central Park o Project 1, um

labirinto com quatro áreas diferentes para

o crelazer. Os Subterranean Tropicalia Pro-jects perm

aneceram com

o maquetes e só

foram construídos postum

amente, a partir

de 2010, pelo Projeto Hélio Oiticica, em

versões temporárias.

A estadia de oito anos em N

ova York, ainda que não tenha gerado um

a produ-ção física de obras, foi profícua. O artista viveu em

dois apartamentos que transfor-

mou em

ninhos. Não havia a distribuição

tradicional de cômodos num

a casa, tam-

pouco mobília. Tudo isso foi substituí do

por uma espécie de estrutura de beliches,

com

vários com

partimentos,

que eram

usados pelo artista e am

igos que o visita-vam

em N

ova York. Nos ninhos de N

ova York, ele escreveu New

yorkaises, um livro

de estrutura labiríntica, feito de excertos de autores de sua “fam

ília de inventores”.Enquanto o redigia com

o um texto-

-montagem

, um found-footage em

forma

de palavras, Oiticica investigou a imagem

cinem

atográfica. Em parceria com

Neville

D´Almeida (1941-), na série Block-Experi-

ments in Cosm

ococas Programa in Prog-

ress (p. 82), elaborou o que eles chamaram

de quasi-cinem

as, homenageando alguns

inventores da galáxia de Oiticica: Luis Bu-ñuel (1900-83) em

Cosmococa Program

a in Progress CC1, Yoko Ono (1933-) em

CC2, M

arilyn Monroe (1926 -62) em

CC3,

John Cage (1912-92) em CC4, Jim

i Hendrix (1942-70) em

CC5. Essas obras expandem

a experiência de “ir ao cinema”. N

elas, nin-guém

fica em um

a poltrona, assistindo passivam

ente a um film

e. As Cosmococas

oferecem um

ambiente para o visitante,

com chão fofo para pular, ou redes para

balançar enquanto se vê o filme, m

úsica para dançar, ou até um

a piscina. Em co-

mum

, todas as Cosmococas usam

projeção de slides no lugar da película contínua. Em

cada slide, os artistas m

ostram capas de

livros ou discos sobre as quais desenharam

linhas brancas, feitas com pó de cocaína.

Só recentem

ente os

cinco prim

eiros block-experim

ents de Cosmococas Pro-

grama in Progress foram

concretamente

realizados em locais públicos. Circularam

em

forma de texto, no entanto, ao longo

de três décadas. Ainda hoje o uso de coca-ína nessas obras é assunto controverso. M

as, para além da discussão das drogas no

contexto dos anos 1970, essas obras de-vem

ser lidas como parte da pesquisa de

B17 Bólide Vidro 5 - “Homenagem

a Mondrian”

196531 x 33 cm

; diâmetro de 33 cm

; base de 7 cm

Vidro, tinta a óleo sobre tela de nylon, juta, água com

pigmento am

arelo. Tate M

odern (Londres)

Penetrável Projeto Filtro1972

Planta: 2,50 x 8,08 x 6,08 m Plásticos transparente e nas cores

verde, azul, amarelo e laranja, tela de

nylon, tecido de algodão preto e MDF

Coleção particular

NO

VA YORK

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Oiticica com a cor e com

a expansão do cam

po da arte. A cocaína, nos textos do artista, está ligada à cor branca e ao “bran-co sobre branco” de M

alevich:“[...] o branco não é só um

quadro do M

alevich, o branco com branco é um

re-sultado de invenção, pelo qual todos têm

que passar; não digo que todos tenham

que pintar um

quadro branco com bran-

co, mas todos têm

que passar por um es-

tado de espírito que eu chamo branco

com branco, um

estado em que sejam

negados todo o m

undo da arte passada, todas as prem

issas passadas e você entra no estado de invenção.”

7

No final da estadia em

Nova York, Oi-

ticica planeja a série Magic Squares (p.

86), junção das experiências com a dura-

ção da cor e com a duração – o m

ovimen-

to, a alteração contínua – dos participa-dores, com

o um novo Éden, concebido

para o espaço público. “Aí eu comecei a

fazer um negócio assim

de umas m

aque-tes que fossem

e pudessem ser um

a pra-ça... inclusive eu cham

o de ‘magic square’,

porque square é quadrado e é praça ao m

esmo tem

po. Que pudesse ser uma coisa

que tá permanentem

ente ali, para uso do público”

8, explicou o artista.

Em 1978, Hélio Oiticica retorna ao Rio

de Janeiro, deixando para trás a segunda cidade que m

ais amava, N

ova York, onde vivera desde dezem

bro de 1970. No Rio

de Janeiro, recompõe sua vida, que, com

o ele descreve, estava em

cacos9, retom

a seus contatos com

os moradores do M

or-ro da M

angueira – uma M

angueira menos

idílica do que a comunidade que o artista

conhecera em 1964, época da concepção

do parangolé – e volta a ser passista da escola de sam

ba.Podem

-se ler muitas das obras que

Oiticica desenvolve em seus dois últim

os anos de vida, passados no Rio de Janeiro, com

o ativações da capacidade de super-

por espaços. De fato, tem-se a im

pressão de que Rio de Janeiro e N

ova York con-fluem

e se misturam

no espaço de inven-ção criado pelo artista. Assim

, Oiticica encontrará um

pedaço de asfalto solto no centro do Rio de Janeiro com

a forma da

ilha de

Manhattan,

concretizando na

obra Manhattan Brutalista, de 1978, essa

coexistência de duas geografias em seu

pensamento. A proposição de cam

inhar pela cidade em

busca de encontros mági-

cos – com um

pedaço de asfalto, com um

canto da rua, com

um terreno baldio – é

definida pelo artista como um

“delírio concreto”,

um

delirium

ambulatorium

, com

o ele nomeia a experiência que elege

a cidade como o cam

po da experiência estética. Se por um

lado virtualiza a obra de arte – nem

o objeto nem o am

biente são m

ais requeridos –, por outro a vincula ao que há de m

ais concreto e sólido: pisar o chão, cam

inhar pela cidade.Em

Nas Quebradas, de 1979, Hélio

Oiticica constrói um cam

inho íngreme de

pedriscos, típico de uma favela carioca,

em um

a sala de exposição em São Paulo.

Em Rijanviera, tam

bém de 1979, desloca

para dentro de um hotel luxuoso a sensa-

ção de molhar os pés na água da praia.

Finalmente, em

Devolver a Terra à Terra (p. 90), do m

esmo ano, a força criativa de

deslocamentos é celebrada com

um gesto

ritualístico e mínim

o: transportar um pu-

nhado de terra de um local para outro,

movim

ento que

poderia ser

repetido “sem

pre que houver ocasião-necessidade para tal”

10.N

a obra de Hélio Oiticica, a passagem

para uma arte definida a partir da expan-

são para a vida é anunciada, porém inter-

rompida pela m

orte prematura do artista,

em 1980. Um

a frase dele mesm

o explica o rum

o que a obra poderia vir a tomar: “O

próprio dia a dia, para mim

, é a constru-ção de um

a obra, o dia completo é a obra.

Como tam

bém não existe m

ais o movi-

mento de vanguarda: cada dia, o dia a

dia, é a vanguarda, entende?”11. E quem

há de negar que viver é construir um

a obra de arte? Com

o falou Nietzsche, grande

referência de Hélio, o mundo só se justi-

fica como um

fenômeno estético

12.

Osmar Salom

ão Veste em N

ova York P31 Parangolé Capa 24 - “escrerbuto”1972.Tecido de nylon branco e laranja, ideogram

a “escrerbuto” em

nanquim sobre tela de nylon,

vinil transparenteColeção particular

Cosmococa CC3 M

aileryn1973

37 slides, balões coloridos, trilha sonoraFoto da instalação na Exposição

Cosmococa Program

a in Progress, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2003

RETORN

O AO

RIO