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Apoio As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas

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As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas

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Apresentação

Com a missão de suprir a carência de informações históricas e culturais acerca do mundo das instalações elétricas e sua evolução no Brasil, nasceu o projeto da Coleção Elétrica. Trata-se de uma publicação seccionada em quatro edições, que deverá trazer à tona importantes relatos de personagens que, direta ou indiretamente, contribuíram para o desenvolvimento dos projetos e da normalização que rege a engenharia elétrica no País. Com a coordenação do engenheiro eletricista, consultor e presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Materiais Elétricos – Nema Brasil –, Hilton Moreno, esta Coleção tem o intuito de contar parte da trajetória da eletricidade até os tempos contemporâneos. As quatro edições, a serem lançadas no decorrer do ano de 2008, serão alicerçadas em quatro bases: normalização e certificação de produtos, normalização e certificação de instalações elétricas. Essa estrutura foi eleita por representar – as quatro bases juntas – os pedestais essenciais à segurança pessoal e patrimonial e por ser, há anos, os principais temas discutidos pela comunidade técnica do setor. Os conceitos de historicidade, normalização e evolução tecnológica – intrínsecos às reportagens aqui publicadas – são ilustrados nas capas das revistas que constituem esta Coleção. Com uma chave-faca cravada em um livro, conotamos a idéia de um dispositivo que certamente está na memória dos engenheiros mais experientes e, embora não seja adequado à utilização, remonta ao início das experiências com eletricidade e, ao mesmo tempo, o livro simboliza conhecimento, pesquisa e aprendizado. Representaremos cada passo desta Coleção por meio da evolução dos equipamentos elétricos. Dessa forma, cada edição trará uma surpresa na capa, indo ao encontro das soluções desenvolvidas ao longo do tempo para o mundo das instalações elétricas. Caro leitor, esta Coleção é um trabalho realizado com o envolvimento e a dedicação de diversos profissionais, com a colaboração de importantes fontes do setor elétrico, com o apoio de amigos e familiares daqueles que não mais desfrutam dessa vida e com a confiança de empresas que estão apostando nesse trabalho. Esperamos que aprecie esta obra. Boa leitura!

Adolfo Vaiser, Sergio Bogomoltz e Flávia Lima

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Hilton Moreno, engenheiro eletricista, consultor e presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos - Nema Brasil

Caro amigo do setor de instalações elétricas,

Quando fui apresentado pela equipe da Atitude Editorial ao projeto da “Coleção Elétrica”, que na época ainda nem tinha este nome, fiquei imediatamente fascinado. Disponibilizar para os profissionais brasileiros um conjunto de cadernos especiais com a “história dos principais personagens do mundo das instalações elétricas e dos caminhos percorridos em busca de soluções técnicas” era, e é, um grande presente que a Atitude Editorial nos dá em reconhecimento à importância que o setor e seus profissionais têm no cenário nacional. O objetivo desta Coleção é oferecer um conjunto de informações históricas, técnicas, normativas, de exercício profissional, educacionais, biográficas, entre outras, focadas no setor de instalações elétricas. Este setor emprega no Brasil milhares de pessoas, fatura milhões de reais, recolhe outros tantos milhões de impostos e, além de tudo, gera e distribui para a população este bem tão indispensável às sociedades modernas – a eletricidade. Foi com muita honra, acompanhada da proporcional responsabilidade, que aceitei então coordenar a preparação do conteúdo da Coleção. Ao mesmo tempo, confiei na alta qualidade dos profissionais que estavam sendo reunidos nesta empreitada. E, com a publicação deste primeiro caderno da Coleção Elétrica, posso afirmar com todas as letras que não errei no meu julgamento inicial. Em particular, este primeiro caderno da Coleção Elétrica presta uma homenagem especial ao grande e imortal ícone de nosso setor, o inesquecível professor Cotrim, de quem somos todos, direta ou indiretamente, alunos. É um tributo a uma pessoa e a um profissional único que nos marcou para sempre com sua breve passagem. Sinceramente, espero que você, leitor, aprecie esta Coleção Elétrica e que ela possa contribuir para seu crescimento pessoal e profissional.

Abraços e boa leitura!

Hilton Moreno

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cegrandes questões A importância do aterramento em projetos elétricos.

históriaO nascimento e a evolução do motor elétrico, invento

indispensável à vida moderna.

biografiaAdemaro Cotrim: parte da história e do legado de um dos

profissionais mais consagrados do mundo das instalações

elétricas.

dentro da leiArquitetos, técnicos em eletrotécnica, engenheiros civis e

eletricistas. Quem é responsável por projetos elétricos em

instalações de baixa tensão?

normalizaçãoReportagem mostra como a padronização técnica chegou

ao Brasil. O País se espelhou na Europa e acompanhou a

evolução da normalização mundial.

formaçãoA história da eletricidade, as primeiras instituições

brasileiras de ensino e a popularização do curso de

engenharia elétrica.

descontraçãoHistórias em quadrinhos especialmente criadas, de acordo

com a realidade do engenheiro, para a sua diversão.

DiretoresAdolfo Vaiser

José Guilherme Leibel Aranha

Gerência de planejamento Sergio Bogomoltz

[email protected]

Assistente de pesquisaMarina Marques

[email protected]

Administração Paulo Martins Oliveira Sobrinho

[email protected]

Jornalista responsávelFlávia Lima

MTB [email protected]

Coordenador técnicoHilton Moreno

Direção de arte e produçãoLeonardo Piva

[email protected]

ColaboradoresBruno Moreira, Leonardo Faria,

Sergio Bogomoltz e Mauro Júnior

RevisãoGisele Folha Mós

PublicidadeDiretor comercialAdolfo vaiser

[email protected]

Contatos PublicitáriosAna Maria rancoleta

[email protected] Marquiori

[email protected]

Capa Kanji Design

ImpressãoGráfica Ipsis

DistribuiçãoACF Alfonso Bovero

Atitude Editorial Ltda.Rua Piracuama, 280 cj. 72 / PompéiaCEP 05017-040 / São Paulo - SP

Fone/Fax - (11) 3872-4404 www.atitudeeditorial.com.br

[email protected]

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A superfície da Terra é eletricamente condutiva e mantida permanentemente em um potencial negativo por um “circuito elétrico global”. Este circuito tem três fontes geradoras principais: o vento solar, que penetra pela magnetosfera; o vento da ionosfera; e as tempestades acompanhadas de descargas atmosféricas (raios). Estima-se que milhares de tempestades com raios aconteçam diariamente no planeta, emitindo, conseqüentemente, milhares de descargas elétricas por minuto. Isso gera uma corrente elétrica constante de milhares de ampères, que transfere cargas positivas para as camadas superiores da atmosfera e cargas negativas para a superfície da Terra. Assim, a superfície de nosso planeta é uma abundante fonte de elétrons livres. Nos seres humanos, quando estão em contato direto com a terra (descalços), elétrons livres são conduzidos pela superfície da pele e pelo interior do corpo por meio de membranas mucosas dos sistemas respiratório e digestivo. Dessa forma, o corpo é mantido no mesmo potencial da Terra. Quando não está em contato com o solo (por exemplo, calçando sapatos com solas isolantes), o corpo não aterrado equilibra-se com o potencial da atmosfera ao seu redor, que é eletricamente positivo em condições climáticas normais. Quando um corpo não aterrado está em pé ou deitado dentro de uma edificação, ele torna-se eletrificado pelo campo eletromagnético do ambiente. Alguns estudos evidenciaram que as tensões elétricas de corpos humanos não aterrados diminuíram de uma média de 3,27 V para 0,007 V após o aterramento. Isso contribuiu, dentre outros efeitos benéficos, para a regularização dos perfis de cortisol e redução de disfunções do sono, dores e estresse. Em uma instalação elétrica de baixa tensão, o aterramento é uma parte fundamental para a garantia do funcionamento adequado dos sistemas de proteção contra choques elétricos, sobretensões, descargas atmosféricas, descargas eletrostáticas, além de ajudar a garantir o pleno funcionamento dos equipamentos de tecnologia de informação (computadores, centrais telefônicas, modems, controladores lógicos, etc.). As normas de instalações elétricas e as boas práticas de engenharia fornecem diversas recomendações para realizar adequados sistemas de aterramento (e de eqüipotencialização), de modo a serem atingidos ótimos graus de proteção e de operação das instalações e seus equipamentos.

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Aterramento Sistema fundamental para o pleno e seguro funcionamento das instalações elétricas

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Histórico

Os primeiros sistemas telegráficos eletromagnéticos de grandes comprimentos instalados a partir de 1820 nos Estados Unidos usavam dois ou mais condutores para conduzir os sinais. Foi descoberto, provavelmente pelo cientista alemão Carl August Steinheil, entre 1836 e 1837, que o solo poderia ser utilizado como caminho de retorno das correntes elétricas para completar os circuitos, tornando, assim, os condutores de retorno, até então utilizados, desnecessários. Entretanto, houve problemas com esse sistema, como o desenvolvimento de uma grande resistência de aterramento durante o verão seco, obrigando que as hastes de aterramento fossem “regadas” para permitir que funcionassem o telégrafo e os telefones. Mais tarde, quando o telefone começou a substituir o telégrafo, foi descoberto que as correntes que circulavam pela terra induzidas pelos sistemas de potência, redes ferroviárias elétricas, redes de outros sistemas telefônicos e fontes naturais, inclusive as descargas atmosféricas, causavam interferências inaceitáveis aos sinais de áudio e, dessa forma, o sistema a dois fios foi novamente utilizado. Na área de instalações elétricas, a primeira edição do Código Norte-americano de Eletricidade (National Electrical Code – NEC) de 1897 não fazia menção ao aterramento, sendo este tema incluído na edição de 1903 como uma recomendação e, na edição de 1913, como obrigatório. Neste ano, o NEC incluiu regras de aterramento para circuitos em corrente alternada. Uma das regras fundamentais era que deveria ser feito o aterramento do ponto neutro da alimentação quando e onde possível. Como se sabe, tal prescrição mantém-se até hoje não apenas no NEC, mas na maioria das normas de instalações elétricas de todos os países. É curioso o fato de que, já em 1890, a associação New York Board of Fire Underwriters condenava a prática de aterrar o neutro da alimentação, enquanto a concessionária de energia elétrica da cidade (Edison Company) utilizava largamente essa prática (para economizar cobre e, conseqüentemente, dinheiro). Outra curiosidade remete aos anos da Segunda Guerra Mundial, em que as carcaças de equipamentos elétricos nos Estados Unidos eram aterradas pelo condutor neutro como forma de economizar cobre para uso em material bélico (tal prática foi terminantemente proibida pela edição do NEC de 1996). Em função dessa medida, a maioria das tomadas instaladas até 1960 nos Estados Unidos não possuía contato de aterramento, até que, finalmente, a edição de 1962 do NEC exigiu que todas as instalações e tomadas fossem aterradas. Comparando-se com o Brasil, a primeira norma brasileira de instalações elétricas de baixa tensão foi a NB 3, publicada em 1941. Embora baseada no NEC, a NB 3, que teve sua última edição publicada em 1960, nunca exigiu de modo claro o aterramento de instalação e tomadas. Foi apenas com a substituição da NB 3 pela NBR 5410, em 1980, que o assunto começou, de fato, a ser tratado de modo mais específico e com prescrições mais rigorosas em relação aos quesitos de segurança contra choques elétricos, envolvendo, assim, os assuntos de aterramento.

Principais funções do aterramento

Aterrar os sistemas, ou seja, ligar intencionalmente o condutor neutro à terra tem o objetivo de controlar a tensão em relação à terra dentro de limites previsíveis, além de fornecer um caminho para a circulação de correntes de falta ou de fuga entre os condutores vivos e a terra. O controle dessas tensões limita as solicitações elétricas sobre as isolações

dos condutores, diminui as interferências eletromagnéticas e permite a redução dos perigos de choques elétricos para as pessoas e os animais. Aterramentos adequados também permitem o correto funcionamento de sistemas de proteção contra sobretensões, descargas atmosféricas, sistemas de telecomunicações, sistemas de informática, televisão a cabo, entre outros.

Sistemas de aterramento e eqüipotencialização segundo a NBR 5410

A Figura 1 resume a estrutura de um sistema de aterramento e eqüipotencialização, de acordo com as prescrições da norma ABNT NBR 5410:2004 – Instalações elétricas de baixa tensão. É importante tratar, nesse ponto, a diferença entre aterramento e eqüipotencialização. O conceito de “aterramento” envolve, necessariamente, algum tipo de ligação das massas e os elementos condutores com a terra, visando a levar todos os componentes do sistema de aterramento a ficarem no potencial mais próximo possível da terra. Assim, por exemplo, quando “aterramos” a carcaça condutiva de um equipamento, queremos que sua massa fique idealmente no potencial da terra. A “eqüipotencialização”, por sua vez, não envolve diretamente a terra, mas está relacionada ao objetivo de colocarmos todas as massas e os elementos condutores no mesmo potencial entre si, independentemente de qual seja esse potencial em relação à terra. Isso sempre remete-nos ao exemplo clássico do avião, em que todas as massas e os elementos condutores da aeronave são interligados (eqüipotencializados), mas, obviamente, é impossível ligar tais massas e elementos condutores à terra propriamente dita.

LEGENDA:

1 - Eletrodo de aterramento (infraestrutura de aterramento)2 - Condutor de aterramento3 - BEP (Barramento de Eqüipotencialização Principal)4 - Condutor de eqüipotencialização principal5 - Condutor de proteção principal6 - Condutor de eqüipotencialização suplementar7 - Condutor de proteção8 - BEL (Barramento de Eqüipotencialização Local)9 - Elemento condutor estranho à instalação elétrica10 - Massa

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histó

ria

O advento do motor elétrico no final do século XIX trouxe ao mundo facilidades que até então não eram sequer sonhadas. Simples tarefas como a fabricação de materiais ou o transporte de uma grande carga a uma pequena distância exigiam, por parte de seus realizadores, a aplicação de força de muitos homens, a utilização de animais ou, mais tarde, o uso de máquinas ainda não tão desenvolvidas. Gastava-se dias para a realização dessas tarefas, o que retardava o início de novos trabalhos. Em um mundo cada vez mais industrializado e capitalizado, o resultado era sentido no retardamento da produção e na conseqüente diminuição do lucro. Pode-se imaginar qual não foi o alvoroço quando em 1866, o cientista berlinense, Werner Von Siemens, resolveu mostrar à população alemã a sua mais nova criação: o gerador de corrente

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A história do motor elétrico, invenção que acelerou a industrialização mundial e transformou radicalmente o modo de vida das pessoas

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Criado por August Haselwander, este gerador trifásico - com potência de 2,7 kW - entrou em operação em 1887 em uma fábrica alemã.

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Antes dessa constatação, o físico norte-americano Benjamin Franklin observou, em 1752, durante seu experimento, no qual empinou uma pipa em uma tempestade, que a eletricidade podia ser captada e conduzida por fios. E o professor italiano de medicina e anatomia, Luigi Galvani, verificou, em 1786, que as coxas de uma rã contraíam-se depois de separadas do corpo, se colocadas em um suporte de ferro. Denominou esse fenômeno como eletrecidade animal, mas não soube explicá-lo. A solução desse fenômeno só viria com outro italiano, o físico Alessandro Volta, que ao colocar dois metais distintos imersos em um líquido condutor de corrente observou que ao contrário do que pensava Galvani não era necessário tecido animal para gerar eletricidade. Foi somente após o final do século XVIII, porém, com o físico dinamarquês Hans Christian Oersted e o físico francês André Marie Ampère que foi dado, verdadeiramente, o primeiro passo rumo ao surgimento do motor elétrico. Oersted, ao observar a agulha magnética de sua bússola desviar da posição original norte-sul perto de um condutor de energia elétrica e voltar à posição inicial ao ser afastado dele, verificou a conexão entre magnetismo e eletricidade. Já Ampére, em 1821, um ano após a constatação de Oersted, complementou a experiência do cientista nórdico, criando a “lei da mão direita” que tomou como base a orientação de uma agulha imantada no sentido da corrente. Os cientistas ingleses William Sturgeon e Michael Faraday, inspirados pelas descobertas de seus contemporâneos foram os responsáveis pelos últimos passos rumo à construção do

contínua auto-induzida. A invenção de Siemens é considerada, por consenso, o primeiro motor elétrico produzido pelo homem, contudo, como todas as grandes obras inventadas na história do mundo, muito teve de ser desenvolvido e experimentado em épocas anteriores para que a máquina criada pelo inventor alemão obtivesse êxito e fosse considerada modelo para outros cientistas em aprimoramentos futuros.

O começo

O início dessa história pode ser creditado ao filósofo grego Tales de Mileto que, em 41 a.C., ao esfregar um pedaço de resina fóssil denominada âmbar-amarelo a um pano, teria percebido que a resina adquirira uma força de atração com corpos leves, como seus fios de cabelo. Quinze séculos mais tarde, o experimento de Mileto seria completado pelo físico e médico inglês da corte elizabethiana, William Gilbert, que, em 1600, descobriu que além do âmbar, muitos outros materiais poderiam atrair se fossem friccionados. Muitos outros inventos surgiram desde então. Em 1663, o cientista alemão Otto Von Guericke construiu a primeira máquina eletrostática, que consistia em uma esfera de enxofre em cima de um eixo, que transformava energia mecânica em energia elétrica. Era uma invenção estratégica, já que tempos depois, no final do século XVIII, verificou-se que, por meio do princípio eletrostático, poderia ser possível também gerar energia mecânica.

Princípio de um gerador elétrico: primeiro dínamo elétrico, de Werner von Siemens (1866).

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motor elétrico. Sturgeon inventou, em 1825, o eletroimã, que posteriormente teria grande papel na construção de máquinas elétricas gigantes. Já Faraday foi responsável por descobrir, finalmente, a indução eletromagnética. Ele verificou que uma corrente elétrica era induzida nos terminais de um condutor elétrico quando este se movimentava em um campo magnético e provou, definitivamente, a ligação entre magnetismo e eletricidade que já havia sido intuída por Tales de Mileto há quase dois mil anos. Era 1831 quando Faraday comprovou o eletromagnetismo. Ainda faltavam 35 anos para que o primeiro motor elétrico da história surgisse. Isso não impediu, no entanto, que durante esse período relativamente pequeno, outras máquinas com o mesmo princípio fossem inventadas, a começar por um gerador construído pelo próprio Faraday e que consistia em um disco de cobre com diâmetro de 30 cm. Ele girava no campo magnético formado entre os pólos de um imã com forma de ferradura e produzia eletricidade. Outro inglês, ainda na década de 1830, o cientista W. Ritchie inventou o comutador, peça que seria importante na composição do motor elétrico e o mecânico francês H. Pixii colocou o invento em prática. Pixii construiu um gerador composto de um imã em ferradura que girava na frente de duas bobinas presas com um núcleo de ferro. Este núcleo, utilizado pela primeira vez em um experimento, permitiu o aumento do fluxo magnético e da tensão da indução, fazendo a tensão alternada das bobinas ser transformada pelo comutador em uma tensão contínua pulsante. No final dessa mesma década, o arquiteto e professor de física alemão, Moritz Hermann von Jacobi, deu um objetivo para a nova invenção. Instalou um motor movido a pilhas galvânicas dentro de uma lancha e transportou 14 pessoas durante algumas horas. Mostrou-se, pela primeira vez, que a energia elétrica podia ser utilizada a favor do trabalho mecânico. Contudo, as baterias galvânicas eram muito caras e descarregavam rapidamente, tornando a invenção um artigo de luxo. A mudança de perspectiva viria com Siemens, que, em 1866, já tendo criado um gerador de tensão elétrico baseado no princípio de indução eletromagnética desenvolvido por Faraday, construiu

um dínamo e provou que a tensão necessária para o magnetismo podia ser extraída do próprio enrolamento do rotor. Ou seja, a máquina podia gerar sua própria energia e não ficar dependente dos imãs. Assim, a invenção barateou o gerador, que também funcionava como motor quando alimentado por energia elétrica. Com preço menor, estavam criadas as condições para uma maior difusão do novo velho invento.

A evolução

Em 1879, uma empresa criada, anos antes, por Siemens em conjunto com Johann George Halske para fabricar telégrafos, expandiu sua gama de produtos e, na feira industrial de Berlim, apresentou ao público a nova invenção aplicada: uma locomotiva movida por um motor elétrico de dois quilowatts. O motor, apesar de mais barato que no início, continuava com o custo muito elevado para ser produzido em escala industrial, além de apresentar problemas de ordem técnica. Nomes como o do italiano Galileu Ferraris, do iugoslavo Nicolau Tesla e do alemão Friedrich Haselwander surgiram para tentar tornar mais viável a nova máquina. Suas descobertas pareciam solucionar os problemas em um primeiro momento, mas logo se mostram ineficazes. Em 1890, as atenções se voltaram para o cientista russo radicado na Alemanha, Michael von Dolivo-Dobrowolsky, que já um ano antes, trabalhando como construtor da AG berlinense, desenvolve um motor trifásico de corrente alternada com potência contínua de 80 watts e rendimento de aproximadamente 80%. O equipamento mostrou-se ideal para os planos da indústria crescente, por apresentar alto rendimento, ótima partida, relativo silêncio durante o funcionamento e baixa complexidade – o que facilitava a manutenção –, alta resistência e nenhuma interferência de correntes parasitas, tornando-o mais seguro para a operação. Em 1891, o construtor russo já tinha conseguido produzir o novo equipamento em série. Concomitantemente, começaram a aparecer as primeiras indústrias de motores que logo se tornaram muitas. Os equipamentos se padronizaram e aos poucos diminuíram

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Motor trifásico patenteado em 1889 pelo cientista radicado na Alemanha, Dolivo-Dobrowolsky.

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Gerador, criado pelo mecânico parisiense H. Pixii, foi instalado pelo arquiteto e professor de física alemão Moritz Hermann von Jacobi em uma lancha, no fim da década de 1930.

Primeiro motor elétrico fabricado pela brasileira Weg.

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de tamanho ao ponto de ainda no início de sua produção seriada já terem seu tamanho reduzido em 25%. Nada comparado com os motores de hoje, cujo peso representa somente 8% das máquinas com a mesma potência fabricadas no início do século XIX. Contudo, nos dias atuais, a tendência da diminuição do tamanho do motor elétrico está sendo revertida. Para o diretor de engenharia da Weg, Siegfried Kreutzfeld, isso acontece por causa da carência da oferta de energia elétrica em quase todo o mundo. Faz-se necessária a adoção de medidas para economia de energia que, no caso do motor elétrico, aumenta o rendimento do equipamento. “E para aumentar o rendimento é preciso o emprego de materiais como cobre e chapa, o que, conseqüentemente, acarreta em mais peso“, afirma. De volta ao passado, após a invenção de um princípio ideal de funcionamento para o motor elétrico, as atenções dos cientistas voltaram-se para o aprimoramento da fórmula estabelecida e questões como aumento de potência, melhor rendimento do aparelho, maior durabilidade e economia foram colocadas em foco. Para que desenvolvimentos e inovações ocorressem, no entanto, foram necessários diversos motivos. O primeiro deles pode ser creditado na conta dos estudiosos da área, que ao analisar mais detalhadamente os aspectos técnicos do motor elétrico, consolidaram a teoria necessária para que construtores pudessem a partir delas realizar melhorias. O segundo fator deve-se à competição. Em busca de maiores fatias do mercado, indústrias de motores buscavam destaque, lançando equipamentos diferentes da concorrência. Neste afã, eram colocados à disposição dos consumidores motores com potência igual à do competidor só que com menor tamanho. Essa variedade de tipos ocasionava um problema já que não havia como substituir modelos de fabricantes diferentes sem ajustes. Por essa questão é que se fez premente uma normalização que ditasse os parâmetros de construção dos equipamentos. A terceira razão foi o uso de matérias-primas mais nobres e apropriadas na

estrutura dos motores e a quarta, e talvez mais importante, foi o uso em grande escala dos motores pela população mundial que impulsionou os fabricantes a desenvolverem mais e melhores produtos.

Aplicações

Prestando minimamente atenção no mundo que nos cerca percebe-se sem muito esforço que o uso de motores elétricos não ficou restrito somente à lancha de von Jacobi e nem à locomotiva exposta pela empresa de Halske e Siemens na feira industrial de Berlim. Depois dessas primeiras utilizações, o invento começou a ser empregado nas indústrias que se proliferavam nos países mais ricos do mundo. Não demorou muito tempo, no entanto, para se perceber que, se os motores elétricos eram úteis para os países mais desenvolvidos, certamente deveriam ser mais úteis ainda para nações mais pobres, em que o desenvolvimento industrial era ainda incipiente. Assim, começou a surgir indústrias especializadas na fabricação de motores elétricos. Logo, o equipamento, antes restrito ao ambiente industrial, alcançou estabelecimentos comerciais e residenciais. Na área doméstica, por exemplo, houve o surgimento de diversas máquinas que utilizavam o novo invento. Torradeiras, liquidificadores e espremedores propiciaram às donas de casa a otimização de seus afazeres, possibilitando, conseqüentemente, que houvesse mais tempo para outras atividades. Nos Estados Unidos, de acordo com o livro Mundo Elétrico, quase todos os eletrodomésticos apareceram entre 1890 e 1910. Na fronteira entre comércio e atividade doméstica, a confecção de roupas foi transformada pela invenção da máquina de costura. Profissionais liberais como dentistas também se beneficiaram com o surgimento do motor; suas velhas ferramentas foram substituídas por equipamentos elétricos e o trabalho ficou mais preciso e seguro.

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Dínamo desenvolvido por Thomas Edison.

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O equipamento consolidou-se e mesmo com o advento da era digital no século XX, permaneceu firme. A máquina que teve seu tamanho diminuído e tornou-se silenciosa com o passar dos anos e hoje pode ser encontrada em todos os lugares em que um ser humano esteja realizando uma atividade. Brinquedos, escadas rolantes, portões eletrônicos, impressoras, computadores, condicionadores de ar, caixas eletrônicos, banheiras de hidromassagem, limpadores de pára-brisa e muitos outros equipamentos utilizam de alguma forma o motor elétrico em suas composições. Aliada com a eletrônica, a eletricidade e seus aplicativos são os principais impulsionadores do progresso humano. Segundo o diretor de engenharia da Weg, Siegfried Kreutzfeld, o motor elétrico de indução foi, é, e continuará sendo considerado o impulsor ou a força motriz da indústria em todo mundo.

No Brasil

Se no final do século XIX e início do século XX, o motor elétrico já era realidade em diversos países da Europa e nos Estados Unidos, o mesmo não podia ser dito em relação ao Brasil. Se antes de 1900, os motores trifásicos de indução já eram utilizados nas indústrias dos países desenvolvidos e se nas vésperas da primeira guerra mundial, Estados Unidos e Alemanha já despontavam como potências nessa área, o Brasil apresentava uma economia totalmente atrelada a produtos agrícolas, como a borracha, a cana-de-açúcar e o café. Nas primeiras décadas do século XX, as indústrias eram quase todas movidas a vapor ou a força hidráulica. A eletricidade, quando existente, era, em geral, somente para a iluminação. “Era difícil convencer a muitos dos industriais daquela época que o pequeno motor elétrico substituía com vantagem as barulhentas e fumegantes caldeiras e máquinas a vapor”, afirma Pedro Carlos da Silva Telles, em seu livro História da Engenharia no Brasil.

A situação só se modificou com a queda da produção cafeeira no País que afetou a taxa de câmbio e encareceu em demasia os produtos de importação. Como eles eram muitos e fariam falta para a sociedade brasileira, só restou uma solução ao governo da época: incentivar a produção interna por meio de indústrias. Os governos de Getúlio Vargas de 1934 a 1945 e depois de 1950 a 1954 foram um dos grandes responsáveis pelo primeiro empurrão rumo à difusão das indústrias no País. Mais indústrias demandavam mais energia e o País não possuía, pelo menos naquele momento, meios que aumentassem sua produção energética, A perspectiva começou a se modificar no governo de Juscelino Kubitschek (JK), entre 1956 e 1960. Foi na sua gestão, por exemplo, que foram construídas as usinas de Furnas e Três Marias. Os investimentos deram certo e a capacidade de produção de energia passou de 3,5 milhões de quilowatts para 4,7 milhões de quilowatts no final de 1960. Estava criada uma infra-estrutura suficiente para atender à demanda de produção industrial brasileira que havia crescido cerca de 80% durante o mandato de JK. A partir de então, o País entrou de vez na era industrial e os motores elétricos, tomando carona nessa onda, começaram a ser comercializados em grande escala. As empresas fabricantes do equipamento se situaram, em um primeiro momento, na região Sudeste do País, mais especificamente em São Paulo, como Siemens, General Electric, Arno, Búfalo, Wazgner, Brasil Motores e Indústria Paulista de Motores. Posteriormente, a região Sul também entrou no mapa da produção de motores elétricos do País com o surgimento no Estado de Santa Catarina de empresas como a Weg, a Motores Eberle (atual Metal Corte) e a Kolbach. Na atualidade, o progresso tecnológico do motor elétrico tem sido surpreendente tanto em termos de otimização de volume e peso, em virtude das inovações de materiais isolantes, como das novas ferramentas de engenharia no uso do cálculo dos motores elétricos.

Os primeiros motores elétricos foram instalados no Brasil em 1898, sendo um de 30 CV

“Westinghouse”, na fábrica de tecidos Bernardo Mascarenhas, e outro de 20 CV, italiano, na

firma Pantaleone Arcuri & Timpani, ambos em Juiz de Fora (MG).

Pesquisa:O motor elétrico, publicação da Weg.

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Falecido em 15 de agosto de 2000, Ademaro Alberto Bittencourt Cotrim deixou em seus parentes, amigos, conhecidos e admiradores uma imensa lacuna que só pode ser preenchida e remediada por lembranças de momentos marcantes vividos junto a ele. Este espaço é destinado a relatar essas lembranças e tem o intuito de, por meio delas, mostrar um pouco de como viveu o professor Cotrim, rendendo, dessa forma, uma justa homenagem ao homem que tanto contribuiu intelectualmente para o fortalecimento do setor elétrico, mais especificamente, da área de normalização. Aos 61 anos, a vida de Cotrim foi subitamente interrompida, de modo fulminante, dentro de um avião, ao se aproximar de Fortaleza, para onde se dirigia para ministrar mais uma de suas imperdíveis palestras. Nos seus conhecidos, a certeza de que saíra de cena cedo demais, por ainda ser jovem, mas também porque sempre fora um realizador e que, se não fosse a morte, muitas outras coisas ainda teria por realizar. Convicto do que queria ser, em 1966, Cotrim formou-se na primeira turma de engenharia elétrica, modalidade eletrotécnica, pela Escola de Engenharia Mauá, tornando-se professor nessa mesma universidade um ano depois por convite do professor e pesquisador do Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia, José Thomaz Senise. Talvez sempre tivesse permanecido no campo docente não fosse a entrada em cena de uma norma que mudaria sua trajetória profissional.

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Engenheiro foi e continua sendo um dos nomes mais consagrados da normalização brasileira de instalações elétricas de baixa tensão

Ao mestre com carinho

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A NBR 5410

No final da década de 1970, a norma brasileira (NB 3), que regulava as instalações elétricas do País, já havia tido duas edições: a primeira em 1940 e a segunda em 1960, ambas baseadas no NEC, norma americana de instalações elétricas. Embora o NEC sempre tenha sido bastante completo e com centenas de páginas, a NB 3 limitava-se a cerca de vinte páginas, com um conteúdo bastante limitado. De acordo com o engenheiro eletricista e amigo de Cotrim, Paulo Barreto, no final dos anos 1970, a realidade brasileira havia mudado um pouco; o sistema internacional de unidades já estava em vigor e o sistema métrico dos condutores elétricos também. Nada mais necessário que uma nova revisão da norma fosse levada a cabo. De acordo com Barreto, em sua terceira versão, a norma, que até aquele momento era denominada somente Norma Brasileira 3 (NB 3), passou a ser denominda NBR 5410, nome recebido quando o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) surgiu e passou a ser o responsável pelo registro de todas as normas brasileiras. Contudo, durante muito tempo, para efeito de divulgação, a norma de instalações elétricas em baixa tensão, apesar de seu registro NBR 5410, ainda foi chamada de “nova NB 3”. A nova NB 3 foi inovadora porque tomou como base um modelo misto da norma internacional IEC 364 e da norma francesa NFC 15-100. Além disso, a nova versão ainda teve sua estrutura totalmente transformada. “Ficou mais detalhada e abrangente, acompanhando o crescente desenvolvimento tecnológico da época”, explica Barreto. A relação de Cotrim com a NBR 5410 teve início com a participação do

até então professor da Mauá na comissão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que realizaria a nova versão da norma de instalações elétricas de baixa tensão. Entretanto, talvez seu nome ficasse somente restrito a essa participação não fosse a entrada em cena do engenheiro eletricista e editor da revista Eletricidade Moderna, José Rubens Alves de Souza. Cotrim sempre fora um estudioso do campo normativo, mas nunca tivera a oportunidade de difundir seu conhecimento para um grande número de pessoas; seu público-alvo restringia-se ao alunato. A situação, no entanto, mudou de figura quando, incentivado por José Rubens, iniciou uma série de artigos na revista Eletricidade Moderna, com o intuito de difundir a nova norma. De acordo com o editor, a idéia de divulgação da nova NB 3 surgiu de uma frustração sua em ler revistas estrangeiras e ver publicado em suas páginas artigos que diziam respeito às normas dos respectivos países e não conseguir fazer algo semelhante no Brasil. Quando José Rubens soube que uma nova versão da NB 3 estava sendo realizada, ele vislumbrou ali uma oportunidade de concretizar seu plano. “Vi que um membro da comissão que iria fazer a revisão da norma era de São Paulo e fui falar com ele”. Este membro era Ademaro Cotrim. Surgia, naquele momento, uma parceria que seria extremamente benéfica para ambas as partes. Com a publicação e o sucesso dos artigos na revista, um problema veio à tona: o interesse que eles despertavam nos leitores não era recompensado com a difusão da norma em larga escala. “Muitas pessoas interessadas me ligavam e perguntavam como eles poderiam ter acesso ao texto da norma e eu não sabia responder”, diz José Rubens. Isso porque, até aquela época, os textos da ABNT eram editados por meio de mimeógrafo e, conseqüentemente, o processo era mais demorado

Cotrim, representando o Cobei, (extrema direita), à mesa com representantes do Comitê Eletrotécnico Internacional (IEC) e da Nema no Fórum Abinee Tec, em 1999.

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e a tiragem muito pequena. Em março de 1981, porém, com suporte de José Rubens, foi lançado, pela primeira vez na história da ABNT, a norma em formato de livro. A tiragem de 8 mil exemplares resolveu o problema de divulgação do texto normativo. Para sedimentar ainda mais o trabalho de difusão maciça da nova norma, a revista Eletricidade Moderna começou a promover, no mesmo ano, seminários que eram ministrados pelo professor Cotrim. Dessa forma, torna-se evidente a participação importantíssima de Cotrim tanto na elaboração como na difusão da normalização das instalações elétricas de baixa tensão em território nacional. Importância que pode ser explicada também por sua dedicação ao assunto. “Eu fui testemunha de como ele doou muitas horas de sua vida a este assunto sem retorno financeiro algum”, conta Barreto.

Amigos e família

Após ter seu nome atrelado a tão importante acontecimento, Cotrim tornou-se referência nacional na área de normalização, passou a ser chamado para ministrar palestras e cursos pelo país afora e dividiu-se entre professor da Mauá, palestrante e consultor de diversas empresas de produtos elétricos que começaram a utilizar o conhecimento de Cotrim para elaboração de pesquisas ligadas à área de normalização e à fabricação de equipamentos mais adequados às instalações elétricas brasileiras. É como consultor da empresa de fios e cabos Pirelli, atual Prysmian, que Cotrim conheceu, em 1985, o engenheiro eletricista, consultor e atual presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos (Nema Brasil), Hilton Moreno. Eles trabalharam juntos no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Pirelli, criando produtos e soluções na área de baixa tensão. “Fazíamos um trabalho de ponta e precisávamos muito do conhecimento das normas”, diz Moreno. Com a convivência e os interesses em comum, os dois acabaram estreitando os laços e passaram de meros colegas a grandes amigos. “Nos tornamos amigos de viajar juntos com familiares, de conversas diárias sobre temas pessoais e profissionais”, conta. Com o trabalho na área de consultoria consumindo grande parte de seu tempo e o aumento do número de palestras e cursos, Cotrim foi diminuindo o número de aulas na Escola de Engenharia Mauá. Até que, em 1987, já acumulando as funções de consultor da Pirelli, da Btcino e do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel), Cotrim desistiu de vez do posto de professor da Escola de Engenharia Mauá e passou a sua última matéria para Hilton Moreno. Tratava-se da disciplina de Instalações Elétricas Industriais que, segundo Moreno, “era a menina dos olhos do Professor Cotrim”. A amizade de Cotrim e Moreno foi ficando cada vez mais forte ao longo dos anos e os dois permaneceram parceiros até o falecimento do consultor. Dessa convivência surgiram muitas histórias que Moreno

relembra com saudades; como a ligação forte que Cotrim possuía com a esposa Maria Helena, ao ponto de inúmeras vezes ele dispensar o almoço com os amigos para fazer sua refeição com ela. Esse amor era expresso até no nome da empresa de consultoria do Cotrim, a MHC Engenharia (Maria Helena Cotrim). E também o carinho que o consultor tinha pelos animais e que lhe ocasionou transtornos. “Cotrim e a esposa compravam sacos de alpiste e jogavam na laje para alimentar passarinhos e pombos; esse hábito, entretanto, costumava lhes causar alguns transtornos, já que o local enchia de pombos, causando um mal-estar nos vizinhos, que mais de uma vez chamaram a vigilância sanitária”, conta. O convívio entre as famílias dos dois também rendeu outras boas histórias. Certa vez, relata Moreno, em uma viagem a trabalho para França e Itália, ele e o amigo conseguiram levar as esposas. “Chegando em Paris, pedimos um táxi até o hotel, mas como eram muitas malas, decidimos pegar um carro para a bagagem e outro para a gente”, lembra. Na viagem, um motorista sério e calado fez Cotrim comentar, em bom português, ao grupo: “Motorista de táxi é mal-humorado em qualquer lugar”. No final, na hora de pagar, o condutor do veículo disse, também em bom português, qual era o preço da corrida. “Foi quando percebemos que ele era de Portugal e havia entendido tudo que tínhamos falado sobre ele”, conta. As lembranças dos fatos vividos junto a Cotrim só reforçam a imagem que o amigo guarda dele. “Era um grande sujeito: bonachão, brincalhão e, mesmo quando estava de baixo-astral, era engraçado”, diz. O engenheiro também salienta o caráter pacífico do amigo e sua generosidade com os outros. “Não brigava por nada desse mundo. Era um cara positivo e gostava de fazer as pessoas se sentirem muito bem”. O engenheiro Paulo Barreto, outro amigo de Cotrim, também faz eco aos elogios tecidos por Moreno. “Apesar de toda sua projeção nacional e internacional, o Cotrim sempre foi uma pessoa supernormal, aberta ao diálogo e humilde”. No que concerne à vida profissional, Moreno, colega de trabalho do consultor na Pirelli, relata que Cotrim tinha um grande domínio matemático. Segundo o presidente da Nema Brasil, isto não acontecia por acaso. “Ele era um estudioso, estava sempre lendo, sempre pesquisando”. Por isso o consultor era muito respeitado. “As pessoas sabiam que quando ele falava era porque tinha certeza”, completa. Como palestrante, o engenheiro eletricista também era ótimo, segundo Moreno. “Ele era um exímio palestrante, dominava a platéia de maneira muito fácil, até porque conhecia muito do assunto do qual falava”, explica. Ironicamente, todo o conhecimento teórico de Cotrim na parte elétrica não foi suficiente para que seu filho seguisse seus passos. Luis Henrique Cotrim também é engenheiro, mas sua especialidade é outra. Químico e engenheiro químico por formação, Luis Henrique até questionou sua escolha em épocas difíceis, quando profissionalmente

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Cotrim (à direita) e Hilton Moreno (à esquerda) em seminário do Encontro Nacional de Instalações Elétricas (Enie) em junho do ano 2000, dois meses antes de seu falecimento.

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portas não se abriam e talvez sua atuação na mesma área de Cotrim tornasse mais fácil o caminho. No entanto, a dificuldade em aprender os conceitos de Física ligados à eletricidade já no colegial criaram uma espécie de bloqueio em Luis Henrique, que preferiu manter distância da área preferida do pai. Por conta disso, Cotrim e o filho tiveram algumas brigas. “Ele me explicava a matéria como se fosse a coisa mais tranqüila do mundo, mas eu não conseguia entender e ficava irritado”, relembra. Luis Henrique, porém, pondera sua decisão de ter mantido distância da engenharia elétrica. O “afastamento” que teve em relação à profissão de seu pai serviu para que outras pessoas, também muito importantes, entrassem em seu caminho. “Podia ter tido mais facilidades profissionalmente, mas não teria conhecido minha esposa e, conseqüentemente, não teria tido minha filha”, argumenta. Ele e a esposa conheceram-se no Mackenzie, universidade em que Luis Henrique cursou Química e Engenharia Química. A ausência de Cotrim deixa na memória de Luis Henrique algumas histórias divertidas para contar como aquela em que, presenteado por Henrique e pela irmã com uma calculadora HP de nova geração, Cotrim preferiu continuar usando sua velha máquina de calcular da marca Texas com os números já gastos, porque a outra possuía um pequeno detalhe que lhe deixava nervoso: a tecla Enter. “Papai tinha ojeriza a computador, ao termo inicializar e à tecla enter”, relembra. Certamente, Cotrim faz e continuará fazendo falta para sua família e para seus colegas e amigos, não só na esfera pessoal, por causa de seu jeito agradável e bem-humorado, mas também no âmbito profissional. “Eu tenho comigo que o setor de baixa tensão seria ligeiramente diferente se hoje ele estivesse vivo. A área de normalização perdeu muito da pureza, do idealismo com a morte de Cotrim”, conta Moreno. O engenheiro Paulo Barreto ainda é mais veemente. “Se ele

estivesse vivo, não tenho dúvidas de que a tão esperada certificação das instalações elétricas já teria saído. Ele saberia encontrar os argumentos certos para que isso acontecesse”. Uma importante e muito estressante fase da vida profissional de Cotrim foi aquela em que esteve, por dois anos, à frente da superintendência do Comitê Brasileiro de Eletricidade (CB 3) da ABNT, localizado em sua antiga sede na Rua Líbero Badaró, no centro velho de São Paulo. O CB 3 vivia, naquela época, o auge de sua crise financeira, praticamente sem verbas para pagar aluguel, telefone, contas de água, luz, condomínio, salários, etc. Moreno lembra as diversas vezes em que viu o professor Cotrim ligar para organizações e companhias pedindo contribuições extras que pudessem fechar o mês e honrar os compromissos da entidade. “Foi uma fase desgastante para o Cotrim, mas nunca o vi desanimar um só instante e ele nem recebia nada para desempenhar esta função”, lembra Moreno. Foi no CB 3 que Cotrim conheceu o engenheiro eletricista e atual diretor-executivo da Target Engenharia, Antonio Sartório. Durante os anos em que Cotrim esteve à frente do Comitê, Sartório foi o secretário-executivo da instituição. Nessa época, desenvolveram uma relação mais próxima que ainda ecoa nas lembranças de Sartório. “Cotrim foi diferenciado. Na parte profissional, acima de qualquer suspeita e, no âmbito pessoal, também uma pessoa maravilhosa”, conta. No que diz respeito ao trabalho de Cotrim no Comitê Brasileiro de Eletricidade, o diretor-executivo afirma que, por ser uma figura respeitada, Cotrim era chamado para harmonizar os interesses dos diferentes membros que compunham o CB 3. E ele sempre conseguia. Segundo Sartório, duas linhas antagônicas, diante das argumentações de Cotrim, tornavam-se consensuais. “Uma pessoa pacificadora que não se vê mais hoje em dia”, diz.

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Cotrim em viagem com a família. Com a esposa, Maria Helena, e a nora, Márcia, à esquerda, e com a esposa à direita.

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Mesmo um profissional renomado, Cotrim sempre manteve uma sincera humildade, lembra Sartório . Em diversas reuniões ao ser chamado de senhor, o engenheiro dizia: “Chame-me de Cotrim; senhor está no céu”. O caráter impoluto e único do engenheiro deixou marcas benéficas em Sartório que por isso lhe rendeu uma “singela homenagem”. O auditório na empresa da qual Sartório é diretor-executivo chama-se Professor Ademaro Cotrim.

A “Bíblia” do setor

Paralelamente à docência, às consultorias, às palestras e aos cursos, Cotrim também arrumava tempo para escrever livros, obviamente ligados à área a que tanto se dedicou: normalização de instalações elétricas de baixa tensão. Todos redigidos manualmente, sem qualquer intervenção digital, a não ser aquela feita pela editora. Cotrim não era do tipo que usava computador e seus manuscritos, depois de terminados, eram digitados pela editora Makron Books para que pudessem ser publicados. A considerada “Bíblia” dos projetistas de instalações elétricas de baixa tensão, redigida por Cotrim, data de 1993 e versa sobre a quarta revisão da norma NBR 5410, realizada em 1990. Antes de chegar nesta versão, no entanto, o engenheiro realizou outras duas: a primeira na década de 1970, em que comenta as mudanças da norma realizadas em 1960 e a segunda edição, na década de 1980, que traz explicações e exemplos sobre a revisão feita em 1980. No ano de sua morte, Cotrim estava preparando a quarta edição do livro, a respeito da revisão da NBR 5410 feita em 1997, mas faleceu antes de finalizá-la. Os direitos autorais da publicação foram repassados pela família ao engenheiro eletricista e professor Geraldo Kindermann, que completou as

anotações de Cotrim e publicou o livro em 2003. Para Paulo Barreto, a terceira edição do livro Instalações Elétricas é considerada a mais importante de todas por causa de seu tamanho. O exemplar com mais de 800 páginas é quase o dobro da versão anterior, e reflete, certamente, o cuidado e a dedicação que o engenheiro mantinha com relação ao tema normalização. Dedicação esta que foi recompensada com o Prêmio Jabuti em 1993 e também com a repercurssão de seu trabalho entre os profissionais do setor. “Nós costumávamos brincar que quem nunca leu um livro do Cotrim não é profissional atuante em instações elétricas”, diz Barreto. Em suas palestras, seminários e em seus livros, o professor Cotrim traduzia com muitos exemplos as prescrições das normas técnicas da área de baixa tensão. De acordo com Barreto, Cotrim conseguia realizar isso com maestria porque detinha um profundo conhecimento do assunto. Além disso, para Moreno, deve-se juntar a esse imenso domínio normativo a redação fantástica de Cotrim. “Ele escrevia muito bem e conseguia explicar de forma clara os motivos de tais normas estarem escritas de determinados jeitos”, explica. Apesar do didatismo, não deve se pensar que o livro de Cotrim permanecia na superfície. “Ele ia fundo, ia longe, quando necessário também recorria ao uso de matemática avançada”, conta Moreno. O professor Cotrim viveu cercado de inúmeros familiares, amigos, colegas e admiradores que têm, certamente, muitas outras histórias para nos contar. Citar todos neste artigo seria impossível, mas temos certeza que os que lerem esta matéria estarão recompensados pela justa homenagem que se presta a este ser humano e profissional brilhante que, durante sua breve passagem, iluminou este mundo de um modo muito especial.

Instalações Elétricas, de Ademaro Cotrim, é considerada pelos técnicos brasileiros como a “bíblia” dos projetistas de instalações elétricas de baixa tensão. Ao lado, a capa da quarta edição do livro, revisada, ampliada e adaptada, pelo engenheiro Geraldo Kindermann, de acordo com a versão de 1997 da NBR 5410.

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Profissionais em conflitoQuem é responsável por projetos de instalação elétrica em baixa tensão? Leis com múltiplas interpretações e envolvidos, cada qual com seu ponto de vista, deixam a pergunta sem uma resposta definitiva.

Arquitetos, técnicos em eletrotécnica, engenheiros eletricistas e civis apresentam algo em comum: são peças que deveriam ser fundamentais em um projeto de edificação, porém, devido à situação econômica do País, isso nem sempre acontece. Contudo, a importância desses profissionais para que uma obra de construção civil seja bem-sucedida é inegável. Não obstante a ligação entre eles, quando se pensa no papel que cada um deve ter em uma determinada construção, as diferenças tornam-se bem definidas: a grosso modo, o arquiteto deve ser o responsável pela elaboração física do projeto, definindo sua forma interior e exterior; o engenheiro civil pela análise dos materiais a serem utilizados e pela viabilização técnica da obra; engenheiros eletricistas e técnicos eletrotécnicos acumulariam a responsabilidade por tudo que fosse relacionado à parte elétrica de uma edificação, com a diferença de que os primeiros, pela formação, seriam responsáveis por tarefas mais complexas. No entanto, a aparente convivência pacífica não reflete a verdadeira luta existente, há muitos anos, entre os representantes dessas profissões quando o assunto envolve atribuições profissionais que transitam entre uma área e outra, mais especificamente, atribuições como a de instalações elétricas em baixa tensão. Por causa dela muito já se discutiu dentro do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea).

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Em um primeiro momento, algo que não pareceria um tema polêmico vem preocupando, principalmente, dos engenheiros eletricistas, que, muitas vezes, têm problemas com arquitetos, técnicos eletrotécnicos e engenheiros civis por entenderem que estes, em sua maioria, não são os mais habilitados a projetarem instalações elétricas em baixa tensão. Como a discussão levantada por eles é complexa e divide-se em duas frentes: engenheiros eletricistas versus engenheiros civis e arquitetos; e engenheiros eletricistas versus técnicos eletrotécnicos, foi decidido separá-las aqui para um melhor entendimento.

Engenheiros eletricistas, engenheiros civis e arquitetos

A confusão entre engenheiros eletricistas, civis e arquitetos no que se refere à responsabilidade pelos projetos de instalações elétricas em baixa tensão de edificações deve-se muito a uma falha no Decreto Federal nº 23.569 de 1933, que regula o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor. Quando o Decreto discorre sobre as atribuições de cada profissional, não há uma discriminação do que são “obras complementares” de uma construção de edifício. De acordo com o engenheiro eletricista e membro da Câmara de Engenharia Elétrica (CEE) do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo (Crea-SP), Paulo Barreto, essa pequena indefinição, que poderia passar despercebida, proporciona muitas interpretações, podendo, por isso, ser utilizada por profissionais para realizarem funções que não seriam de sua responsabilidade. O projeto e a execução de instalações elétricas seria uma delas. Protegidos por essa indefinição do Decreto, engenheiros civis e arquitetos conseguiram a emissão de diversos pareceres favoráveis pelos Creas. “Ao longo dos últimos 20 anos, criou-se uma série de polêmicas e até de aberrações baseadas em interpretações equivocadas (algumas até levianas), no sentido de estender atribuições na área da engenharia elétrica para outras modalidades profissionais”, diz o conselheiro Barreto. Isso teria gerado muita confusão no meio e até mesmo na sociedade. “Como ninguém teve o empenho de resolver essa questão, o mal se instalou”, afirma.

Mudanças no sentido de acabar com essa distorção já foram feitas, segundo Barreto. Em uma Decisão Plenária do Confea nº PL–1329 de 2006, por exemplo, decidiu-se rejeitar uma Deliberação nº 796/2006-CEP que pretendia firmar entendimento referente à concessão de atribuições aos engenheiros civis e arquitetos no tocante às atividades de projeto e execução de instalações elétricas de baixa tensão e telefônicas. Ficou decidido pelo Confea que as atribuições deveriam ser concedidas exclusivamente por meio da análise curricular, entendendo isso como a estrutura curricular do profissional, o perfil de sua formação e o projeto pedagógico dos cursos, sendo consideradas, apenas, as matérias caracterizadas pelas ementas que dão conhecimento específico profissionalizante. Definiu-se também que a análise do currículo ficaria a cargo da câmara especializada inerente à atividade que está sendo requerida. A decisão do Confea toca em um aspecto que Barreto acredita ser de suma importância quando se fala em concessão de atribuições profissionais: a formação escolar. Assim como foi definido pelo conselho federal, o engenheiro eletricista afirma: “As atribuições têm vínculo direto com o conteúdo das disciplinas consideradas de ‘formação’ profissional, excluindo-se aquelas disciplinas que são meramente ”informativas”. Recentemente, a polêmica voltou ao meio técnico. Isso porque o plenário do Confea reuniu entre os dias 26 e 28 de março de 2008 e ficou decidido o cancelamento da Instrução de Serviço n° 01/2004, da Câmara Especializada de Engenharia Civil (CEEC), do Crea-BA, que determinava que engenheiros civis formados possuíam atribuições nas áreas de eletricidade, com ou sem restrições de tensão, conforme artigos da Instrução. A medida foi tomada para evitar jurisprudência, tendo em vista que a prescrição não constava de nenhum outro conselho regional da classe. Para o membro da Câmara de Engenharia Elétrica (CEE), há que separar o “poder fazer” do “saber fazer”. A legislação trata do “poder fazer”, no entanto, se o profissional não estiver suficientemente capacitado para o exercício de determinada atividade, mesmo protegido pela lei, ele não deverá faze-la. “Caso o faça sem estar devidamente preparado pode ser considerado

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infrator pelo Código de Ética”, comenta o engenheiro. A regra não vale somente para engenheiros civis e arquitetos, mas também para profissionais de sua própria área. O engenheiro eletricista, por exemplo, tem de cursar a disciplina de “Resistência dos Materiais”, porém, isso não lhe dá a atribuição para se responsabilizar por cálculos estruturais. Do mesmo modo, o engenheiro civil e o arquiteto possuem disciplinas com conteúdo sobre instalações elétricas de caráter “informativo”, mas isso não os habilita a realizar tarefas nesta área. Neste ponto, o arquiteto, urbanista e coordenador nacional da Câmara de Arquitetos do Confea, Ary Demóstenes Montelo, discorda de Barreto. Segundo ele, a formação dada no curso de arquitetura é suficiente para que os profissionais sejam considerados aptos a projetar instalações elétricas em baixa tensão. “Podemos ter essa atribuição porque tivemos a cadeira de elétrica na faculdade”, argumenta. De acordo com Montelo, em relação às instalações elétricas em alta tensão, não há o que se discutir, os engenheiros são os únicos habilitados e, por isso, somente eles podem projetá-las. Contudo, em pequenas edificações, em que não há muita complexidade, as aulas ministradas na faculdade de arquitetura sobre o assunto atendem aos requisitos pedidos. “Nós temos este entendimento na Câmara de que quem estuda tem atribuição”, diz o urbanista que, no entanto, concorda, caso determinada faculdade não tenha uma disciplina relacionada à eletricidade, que os profissionais saídos dela sejam proibidos de realizarem tarefas nessa área. Engenheiro eletricista de formação, mas com uma vida profissional toda dedicada à luminotécnica, área relacionada à arquitetura, Plinio Godoy sente-se confortável em afirmar que está apto a fazer projetos de instalações elétricas, mas acredita que deve haver uma diferenciação e que cada profissional deve atuar na área de sua especificação. Entretanto, entende também que, em uma obra muito singela, na qual o orçamento não comporta gastos elevados, sejam utilizados profissionais habilitados que não sejam engenheiros eletricistas. A solução deste problema, para Godoy, deve passar por consenso.

Já Montelo acredita que a solução definitiva de quem pode ou não fazer determinada tarefa relativa a diversas profissões virá quando a Resolução 1010 de 2005 do Confea entrar em vigor. A resolução, que já foi aprovada, torna obrigatória a análise do currículo dos egressos por parte dos Creas. Decisão que dificultará o exercício por parte do profissional de alguma atividade para qual ele não tiver sido devidamente instruído. Não obstante, o coordenador afirma que já existe um acordo entre as câmaras de arquitetura e engenharia elétrica do Confea para que possam realizar instalações elétricas somente os egressos que tiveram, na faculdade, uma disciplina que os tornaram aptos para isso. Montelo vê nesse descontentamento de alguns engenheiros eletricistas uma tentativa de proteger seus profissionais, realizando uma espécie de reserva de mercado. Posição semelhante é a do engenheiro civil, de segurança do trabalho e coordenador nacional da Câmara de Engenharia Civil do Confea, Carlos Henrique Rossi. “Isso é uma briga interna muito boba”, diz. E ela só existe, segundo o engenheiro civil, por causa da falta de investimento em grandes empreendimentos de energia elétrica. “Isso ocasiona uma falta de campo de trabalho; situação que deve ser mudada com o Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC)”, complementa. Assim como o arquiteto, Rossi confia na capacidade dos engenheiros civis para realizarem projetos elétricos de edificações. “Eles têm plenas condições de realizarem tal tarefa”, afirma. Aliás, segundo Rossi, engenheiros civis apresentam até um requisito a mais que engenheiros eletricistas. “Por causa de sua formação, sabem até melhor quais materiais utilizar em instalações”, argumenta. O coordenador da Câmara de Engenharia afirma também que a maioria dos cursos de engenharia civil apresenta uma cadeira de instalações elétricas em edificações em sua grade curricular; o que não acontece nos cursos de elétrica, por exemplo. Segundo Rossi, estudantes de engenharia elétrica não têm essa disciplina específica, mas seria inapropriado afirmar que não estão habilitados a realizarem tais tarefas, já que seus ensinamentos nessa área são diluídos durante todo curso.

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Engenheiros eletricistas e técnicos eletrotécnicos

No que diz respeito à disputa envolvendo engenheiros eletricistas e técnicos em eletrotécnica, o foco da discussão, de acordo com o engenheiro eletricista Paulo Barreto, gira em torno do Decreto Federal nº 90.922 de 1985 que concede aos técnicos a realização de instalações elétricas em edificações de até 800 kVA de demanda. Ao legislar sobre o fator demanda, no entanto, o decreto estaria cometendo um erro, segundo Barreto, já que fator de demanda seria um fator subjetivo que não pode estar na lei. Além disso, 800 kVA, de acordo com o engenheiro, representam 4 mil kVA de potência instalada, ou seja, indústrias de médio e grande portes. O que seria, para Barreto, uma responsabilidade extremamente grande para um técnico. Apesar do decreto, os Creas de todos os estados se recusaram a habilitar os técnicos em eletrotécnica para trabalharem em demandas de até 800 kVA. O que não poderia ser feito, segundo o ex-conselheiro do Crea de São Paulo e assistente do Departamento Jurídico do Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do Estado de São Paulo (Sintec-SP), Paulo Roberto Santos, porque consta na Resolução 1000 de 2002 do Confea que os Creas não podem dispor sobre atribuições profissionais em seus atos normativos. Munido dessas informações e com o Decreto Federal ao seu lado, os técnicos foram à luta, por meio de seus sindicatos, e conseguiram, nos Estados de Goiás e de São Paulo, que o Tribunal Regional Federal (TRF) das respectivas regiões concedesse liminar em mandado de segurança para que eles pudessem realizar instalações elétricas em alta, média e baixa tensão. Só restou aos Creas paulista e goiano cumprirem a lei e concederem aos profissionais o exercício dessas atividades. Entretanto, no Rio Grande do Norte, o quadro mostra-se bem mais complicado, já que, segundo Barreto, uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (STJ-RN) reconheceu a ilegalidade do Decreto nº 9090.922/85 e concordou com o Crea local na redução das atribuições dos técnicos em eletrotécnica para demanda de

10 kVA; o que equivale a um condomínio residencial de luxo, segundo o engenheiro eletricista. “Muita água ainda passará por baixo dessa ponte”, afirma Barreto. Constatação confirmada por Santos que promete uma contrapartida. “Estamos fazendo um estudo muito sério desse caso e conversando com diversos Sintecs do Brasil para analisar a melhor medida a ser tomada”, diz. Apesar do embate, Santos argumenta que não há nada contra os engenheiros eletricistas, por parte do Sintec, muito pelo contrário. “O Brasil está carente de engenheiros, precisamos deles, mas para o planejamento estratégico de energia”, diz. Segundo o ex-conselheiro do Crea-SP, não tem cabimento utilizar os serviços de profissionais tão gabaritados, por exemplo, para esticar uma rede elétrica em uma rua de 200 metros. “Engenheiro deve pensar, projetar e não realizar o trabalho que um técnico pode muito bem fazer”, diz. De acordo com Santos, os técnicos podem fazer este serviço, porque recebem o aval das escolas técnicas. Contudo, Barreto não se convence com os argumentos contrários e continua batendo na tecla da formação escolar. Para o engenheiro, os profissionais formados em escolas técnicas, assim como os engenheiros civis e arquitetos, não devem ser responsáveis por projetos de instalações elétricas. Barreto destaca ainda que muitas vezes os profissionais nem sabem disso e acreditam que têm competência técnica. Dessa forma, colocariam a vida alheia em risco. Contra isso, o assistente do Departamento Jurídico do Sintec-SP argumenta que não há registros de técnicos punidos por incapacidade profissional dentro do Crea-SP. O conflito está longe de uma trégua; nem arquitetos, nem engenheiros civis, nem técnicos em eletrotécnica e nem muito menos engenheiros eletricistas devem desistir de lutar pelo que acreditam ser o melhor para si e para a população. Muita discussão ainda promete ser travada, dentro dos conselhos regionais, no que se refere ao confronto entre arquitetos, engenheiros eletricistas e civis e também na justiça comum, na pendência envolvendo engenheiros eletricistas e técnicos. Agora é só aguardar.

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Com o advento da indústria e, conseqüentemente, da produção em massa, surge uma grande variedade de formas e tamanhos dos produtos e componentes fabricados. Esse problema contribuiu para o aparecimento de alguns entraves na fabricação e, principalmente, na comercialização das peças. Os industriais tinham de empregar um maior número de ferramentas, moldes e dispositivos de fabricação e controle, o que lhes rendia grandes custos de produção e dificuldades no atendimento à demanda, que também era diversificada. Foram essas novas necessidades e escalas produtivas que culminaram em iniciativas de elaboração de normas técnicas que estabelecessem parâmetros e padrões universais para determinado produto ou serviço. Tudo começou quando o engenheiro mecânico inglês Joseph Withworth estabeleceu uma padronização para rosca de parafuso em 1839. A partir de então, todos os elementos que compõem uma rosca, como o passo, os raios, a altura e os ângulos do filete, passaram a seguir os métodos

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Os caminhos da padronização técnica

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Acompanhando o ritmo da normalização mundial, o Brasil cria sua estrutura normativa e se espelha na Europa para estabelecer seus documentos técnicos. Eletricidade é um dos setores que mais se desen-volveu nessa área.

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criados por Withworth, criando uma linguagem comum entre fabricantes e consumidores. Em 1873, surgem as primeiras normas para chapas e fios, em 1875, o metro é instituído como unidade de medida em Paris e, em 1877, é editada uma norma de especificações para cimentos Portland. Posteriormente, já no século XX, são fundados os organismos com a incumbência de estabelecer e controlar a normalização técnica. Em 1901, é fundada a British Engineering Standards Comitte na Inglaterra, o Bureau of Standards nos Estados Unidos e, no Japão, edita-se a primeira norma. As associações internacionais dedicam-se à elaboração de normas técnicas que são consideradas válidas para diversos países do mundo. Elas permitem que diferentes países utilizem a mesma terminologia, os mesmos padrões e procedimentos para produzir, avaliar e garantir a qualidade de determinado produto. Em 1906, foi criada na Europa a Comissão Internacional de Eletrotécnica (International Electrotechnical Comission – IEC), com o intuito de elaborar normas que permitam aos fabricantes de componentes elétricos e eletrônicos utilizarem os mesmos parâmetros de terminologia, simbologia, segurança e desempenho. Em 1946, representantes de 25 países – entre eles o Brasil – encontraram-se em Londres e decidiram criar uma nova entidade, a Organização Internacional para Padronização (International Organization for Standardization – ISO), a fim de facilitar a coordenação internacional e a unificação dos padrões industriais. A nova organização iniciou suas operações oficialmente em 23 de fevereiro de 1947 e aprova normas internacionais em todos os campos técnicos, exceto nas áreas de eletricidade e eletrônica, cuja responsabilidade é da IEC, e na área de telecomunicações sob o comando da União Internacional de Telecomunicação (International Telecommunication Union – ITU). Durante as primeiras décadas do século XX, toda a comunidade técnica brasileira já reconhecia a necessidade da existência de um órgão nacional de normalização técnica, que se encarregasse oficialmente da elaboração de especificações e padrões de materiais.

Em 1929, o deputado Ranulpho Bocayuva Cunha apresentou na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei criando o “Instituto Nacional de Padrões”, que teria sido inspirado no Bureau of Standards norte-americano, mas a proposta não foi aprovada. Assim, a criação de uma entidade nacional de normalização ainda esperaria 11 anos, quando, em 1940, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) foi criada.

Versão brasileira

Fundamental para a segurança, a normalização é também essencial ao desenvolvimento da indústria moderna e ao progresso tecnológico. Não por acaso, o mundo depende cada vez mais desses documentos, que estabelecem padrões reguladores que asseguram a qualidade de produtos industriais e a racionalização da produção e de processos. Embora ainda haja muito por fazer, o Brasil, nesse aspecto, não está na vanguarda, mas também não é caudatário de outros países. O País traz, atualmente, um acervo considerável de normas técnicas e participou, por meio da ABNT, da criação da ISO, da constituição da Comissão Pan-Americana de Normas Técnicas (Copant) e da fundação da Associação Mercosul de Normalização (AMN). Atualmente, o Brasil possui, apenas na área de eletricidade, aproximadamente 1.400 normas, incluindo especificações para produtos e para instalações e participa – representado pelo atual Comitê Brasileiro de Eletricidade, Iluminação e Telecomunicações (Cobei) – de cerca de 70 comissões da IEC, as quais reúnem um membro de cada país para propor, estudar e validar normas para o setor elétrico. Pelo menos 60% das normas brasileiras são inspiradas nas normas IEC. “É natural, como todas as entidades normativas do mundo, que os seus documentos técnicos sejam baseados em normas mais avançadas de outros países”, afirma o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e presidente da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), o engenheiro eletricista e mecânico Antonio Hélio Guerra Vieira.

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Alguns especialistas dizem, no entanto, que falta ao Brasil influência na elaboração de normas nos fóruns em que elas são concebidas. “Embora o País tenha sido mais atuante na IEC nos últimos anos, ele, com algumas poucas exceções, apenas participa da votação, que é praticamente o processo final de elaboração de uma norma”, afirma o presidente da Nema Brasil, o engenheiro eletricista Hilton Moreno. Compartilha da mesma opinião a chefe da Divisão de Normas e Qualidade da Eletrobrás, Juçara Silva Lopes: “Mais do que utilizarmos como base as normas internacionais, temos de influir na sua elaboração, o que só pode ser conseguido com a presença de especialistas brasileiros nos diversos grupos das entidades internacionais de normalização”. O diretor-geral da UL no Brasil, Péricles Arilho, enxerga outra preocupação: “não existe problema quando a norma internacional é traduzida na íntegra, mas sim quando são excluídos do documento brasileiro itens de segurança importantes utilizados em outros países”. Ainda não estamos caminhando plenamente juntos com a normalização internacional, mas estamos no caminho. De acordo com o Cobei, apesar de o Brasil estar presente em muitas comissões, ainda há algumas sem representatividade brasileira. Isso se deve à falta de especialistas aptos a ingressarem nessas equipes, como a comissão de carros elétricos da IEC, que não conta com participação do País justamente por não terem encontrado ainda um expert nacional no assunto.

O início da normalização nacional Ainda que a história da normalização no Brasil seja da década de 1940, com a criação da ABNT, a origem dos estudos

normativos na área elétrica é mais antiga. A entidade precursora é o Comitê Eletrotécnico Brasileiro, fundada em 1908 com o objetivo de representar o Brasil com a recém-criada IEC. Naquele tempo, não havia nenhum organismo normativo no País, mas as empresas, especialmente as de grande porte – como a Light SP, a Light Rio e a General Electric – sentiam necessidade de uma padronização dos produtos e de estarem atentas ao que acontecia no mundo. Com esse fim, nasceu o comitê, criado por um grupo de profissionais que tinham em comum o interesse em receber informações sobre tendências normativas e sobre os últimos acontecimentos nessa área. “O órgão funcionou de forma truncada até o surgimento da ABNT, pois não havia uma coordenação”, conta o engenheiro eletricista e civil Milton Martins Ferreira, que seria, mais tarde, superintendente do Cobei. A idéia da criação da ABNT começou em 1937 com o início do desenvolvimento industrial brasileiro. O Instituto Nacional de Tecnologia (INT) promoveu a primeira Reunião de Laboratórios de Ensaios de Materiais, no Rio de Janeiro, com o objetivo de aprimorar pesquisas e criar novas tecnologias. O sucesso do encontro, envolvendo o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), fez ele ser repetido nos anos posteriores, lançando as bases para a criação de um organismo de normalização brasileiro. O projeto foi lançado pelos engenheiros Paulo Sá e Ary Frederico Torres e concretizou-se com a instituição da ABNT em 28 de setembro de 1940, na presença do então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Waldemar Falcão. O Brasil participava da Segunda Guerra Mundial e a nova associação teve papel relevante elaborando normas de emergência, principalmente para o setor têxtil.

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Primeira reunião de Laboratórios de Ensaios de Materiais, ocasião que deu origem à criação da ABNT.

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Com orçamento apertado, a ABNT iniciou suas atividades na Avenida Almirante Barroso, no centro do Rio de Janeiro, contando apenas com uma secretária. A organização do trabalho de normalização foi dividida em Comitês Brasileiros (CB): CB 1, responsável por estudar normas para a área de metalurgia; CB 2, para a área de construção civil; CB 3, para eletricidade; e assim por diante. O já existente Comitê Eletrotécnico Brasileiro foi então incorporado à Associação para constituir o CB 3 e passou a ser responsável pelos estudos e normas técnicas elaboradas para os segmentos de eletricidade e de iluminação. As primeiras normas publicadas no Brasil foram aquelas que já haviam sido preparadas pelos organismos que antecederam a ABNT, como o INT, o IPT e o próprio Comitê Eletrotécnico Brasileiro. Ferreira explica que os documentos normativos que existiam eram informais, traduções ou adaptações baseadas em normas internacionais e utilizadas por empresas que se interessavam em seguir a tendência mundial. “Essas normas eram geradas para cobrir as necessidades de segurança, de proteção elétrica e de padronização de tensão e de outras unidades elétricas”, conta Ferreira, que foi funcionário da General Electric por, aproximadamente, 50 anos. Como o comitê era constituído por profissionais experientes e que representavam as suas respectivas empresas e, conseqüentemente, os seus interesses, algumas divergências começaram a surgir dentro do então Comitê Eletrotécnico Brasileiro. A Light, por exemplo, optava pelo padrão europeu (tensão de 220 V), ao passo que a General Electric dava preferência à linha norte-americana (tensão de 110 V). “Não houve, de início,

um trabalho organizado que coordenasse a equipe e que evitasse essas discrepâncias, que perduram até hoje no País”, conclui Ferreira. Os assuntos relacionados à construção civil foram os primeiros a serem normalizados. A primeira norma ABNT foi a NB 1 “Cálculo e execução de obras de concreto armado”, atual NBR 6118, seguida da normas de ensaio NB 2 “Cimento Portland – Determinação da resistência à compressão e do procedimento cálculo e execução de pontes de concreto armado”, hoje NBR 7187. Na área de eletricidade, a primeira norma de procedimento a ser publicada foi a NB 3 “Norma de instalações elétricas de baixa tensão”, editada em 1941 e hoje denominada NBR 5410. Segundo o engenheiro Milton Ferreira, a primeira norma de especificação de produto elétrico foi destinada à lâmpada incandescente, que também teria sido elaborada antes mesmo da criação da ABNT. Esses documentos recebiam uma numeração que indicava uma seqüência de acordo com a data de publicação e uma sigla que os organizavam em categorias: NB – norma de procedimento, TB – norma de terminologia, SB – norma de simbologia, CB – norma de classificação e EB – norma de especificação. O primeiro superintendente do CB 3, o professor de física da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o engenheiro Dulcidio de Almeida Pereira, começou a organizar as atividades do grupo técnico. As estatais Petrobras, Telebrás e Eletrobrás constituíram-se nas grandes bases financeiras apoiadoras do comitê, que passou rapidamente a ser o maior produtor de normas da ABNT. Incorporando normas de eletrotécnica, eletrônica e de iluminação, o CB 3 passou a

Manuscritos da ata da sessão de fundação da ABNT, de setembro de 1940.

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ser chamado, na década de 1950, de Cobei, sigla para Comitê Brasileiro de Eletrotécnica, Eletrônica e Iluminação. Na década de 1960, decidiu-se simplificar a tradução da sigla e o Cobei passou a chamar-se simplesmente de Comitê Brasileiro de Eletricidade e Iluminação. Nesse período, a Eletrobrás dava um apoio financeiro bastante significativo, o que deu ênfase às normas que lhe interessavam, por exemplo, normas para produtos, como geradores, transformadores e outros equipamentos utilizados na geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. “Em 1963, eu já estava no Cobei. Mais da metade das normas da ABNT saíam desse comitê, que cresceu no mercado principalmente com os recursos da Eletrobrás”, diz Ferreira. Algumas crises permearam a história da ABNT. Uma delas aconteceu entre 1975 e 1978, período em que se tentou estatizar a Normalização. Como pressão, as anuidades da IEC, do Copant e da ISO, na época, pagas com recursos oriundos do Governo, deixaram de ser honradas. A dívida com os organismos internacionais arrastou-se pelas décadas de 1980 e 1990. Em 1995, a ABNT sofreu uma reforma administrativa e desvinculou os funcionários de todos os comitês da organização da Associação. Dessa maneira, o setor que prezava normalização técnica deveria compor a sua própria estrutura. De 1996 a 2001, a comunidade técnica da área de eletricidade organizou-se informalmente para sustentar a elaboração de normas na área. Faziam parte dessa equipe as entidades de classe, como a Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux), a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não-Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel), empresas do setor e estatais. Mais tarde, algumas empresas deixaram de contribuir com o Cobei e, com a saída da Eletrobrás, o comitê enfrentou sérias conseqüências financeiras. O Cobei, que possuía um corpo de 30 funcionários, foi reduzido a três. Diante da gravidade da crise, o comitê decidiu então procurar recursos para continuar suas atividades e tornar-se independente da ABNT. “Como os trabalhos normativos do Cobei eram de fundamental importância para o setor eletroeletrônico, um amplo movimento empresarial foi então estimulado para

reativação de suas atividades, envolvendo associações de classe, entidades privadas, governamentais e empresas, que decidiram assumir a responsabilidade pelo seu gerenciamento e seus custos”, conta Ferreira. Desta forma, nascia, em maio de 2002, o “novo” Cobei, agora com a denominação “Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações”, uma sociedade civil de direito privado e sem fins lucrativos, que preservava a tradicional sigla, tornando-se responsável pelo financiamento, estímulo, coordenação e execução dos trabalhos normativos de interesse do setor. Com as novas instalações devidamente acomodadas, a relação com as entidades internacionais também foi restaurada. Em dezembro de 2002, os sócios-fundadores, em conjunto com o governo federal, reuniram-se novamente para regularizar o passivo da IEC. A partir de então, o Cobei teve outra vez acesso às normalizações internacionais. Atualmente, o CB 3 da ABNT (mantido pelo Cobei) contribui tecnicamente com as normas para o Mercosul por meio do Comitê Setorial Mercosul CSM 01. Uma vez concluídos, tais trabalhos são encaminhados à ABNT, por meio do CB 3 – que se mantém preservado e desvinculado da sigla Cobei e que fica, assim, livre dos encargos de custos, competindo-lhe instalar as Comissões de Estudo, quando recebe mais uma vez o apoio do Cobei, como serviços de secretaria, acomodações, etc. Todos os trabalhos subseqüentes ficam a cargo da ABNT: reprodução e distribuição do projeto, consulta pública e publicação final do texto, uma vez aprovado, como a Norma Brasileira (NBR). A partir do aparecimento de blocos que acelerou a internacionalização da economia, o cenário foi tornando-se favorável à ABNT. Explica-se: para competir externamente e ao mesmo tempo fortalecer o mercado interno, a indústria nacional buscou modernizar-se procurando elevados níveis de qualidade, produtividade, competitividade e capacitação tecnológica.

O processo de normalização

Antigamente, as normas ABNT eram aprovadas nos Congressos Anuais de Normalização Técnica, que foram realizados até 1953, reunindo profissionais de todo o Brasil. Os projetos preparados

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pelas Comissões de Estudos (CEs) eram votados pelos associados e tinham o caráter de recomendações. Depois, passaram a ser colocados em votação entre os associados e, se aprovados, passavam diretamente à condição de norma brasileira. Atualmente, o processo de elaboração de uma norma brasileira é iniciado com uma demanda da sociedade, pelo setor envolvido ou mesmo pelos organismos regulamentadores. A pertinência do pedido e da demanda é analisada pela ABNT e, se tiver mérito, será levada ao Comitê Brasileiro do setor para inserção no seu Plano de Normalização Setorial (PNS) da Comissão de estudo pertinente. Caso contrário, é criada uma Comissão de Estudo Especial (CEE/ABNT). As Comissões de Estudo discutem e chegam a um consenso para a elaboração do projeto de norma. De posse desse projeto, a ABNT o submete à consulta nacional, como uma forma de dar oportunidade a todas as partes envolvidas de examinar e de emitir seus comentários. Passado o tempo necessário para a consulta, a Comissão de Estudo realiza uma reunião para análise da conveniência ou não dos comentários recebidos. Não havendo impedimento, o projeto

será encaminhado para homologação pela ABNT, recebendo a sigla ABNT NBR e seu número respectivo. A seguir, a norma é colocada no acervo de normas brasileiras. O processo é similar aos existentes em todos os demais países signatários do acordo de Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) da Organização Mundial de Comércio (OMC). Periodicamente as normas devem ainda passar por uma revisão, processo que intenta o aprimoramento, a harmonização e a atualização do texto normativo. As associações internacionais recomendam que as normas sofram uma revisão a cada cinco anos. Embora o País tenha uma quantidade alta de normas antigas, ou seja, com mais de dez anos de elaboração, não se pode dizer que normas velhas são obsoletas. Dependendo da natureza do assunto, uma norma pode ser antiga em sua data de publicação, mas manter-se atual em seu conteúdo técnico, fato que só poderá ser comprovado com uma revisão, que pode chegar a três possíveis conclusões: conservar o texto original inalterado, isto é, o documento ainda é atual, portanto, e não precisa sofrer nenhuma modificação (confirmação da norma); cancelar a norma, considerando que o texto está completamente

Revisão da antiga NB 3 - Norma de instalações elétricas de baixa tensão, publicada em 1941, é liberada para votação (foto), aprovada e publicada em 1960 pela ABNT.

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desatualizado e inadequado; ou revisar efetivamente a norma, ou seja, introduzir alterações de forma a torná-la atual e apropriada.

Pirâmide da normalização

Considerando normalização como “conjunto de critérios estabelecidos entre as partes interessadas para padronizar produtos, simplificar processos e garantir um produto confiável, que atenda às suas necessidades”, existem vários níveis de normas que constituem a chamada “pirâmide da normalização”. A ABNT salienta que as normas podem ser elaboradas em quatro níveis distintos: O gerente de engenharia de distribuição da AES Eletropaulo, Sérgio Basso, conta que as normas internas das concessionárias – norma interna de nível empresa - vieram antes mesmo das normas brasileiras. “As escadas de madeira, os cinturões e as cordas de segurança, por exemplo, precisavam ter o mínimo de segurança e as concessionárias foram desenvolvendo as suas próprias condições de segurança”, afirma. Ele relata que, na primeira metade do século XX, quando a área de manutenção de equipamentos da Eletropaulo ocupava um prédio na região do Cambuci, em São Paulo, a unidade funcionava como uma fábrica de postes, transformadores, escadas e outras peças. A maioria das concessionárias tinha de produzir os equipamentos a serem utilizados nas ruas, pois não havia fornecedores suficientes. A ABNT veio então para unificar esse trabalho que as concessionárias já haviam começado. No entanto, Basso explica que algumas normas são necessárias e inviáveis de se padronizar entre as concessionárias devido às características particulares de rede de cada uma das áreas de atuação das distribuidoras. “Procuramos sempre a norma brasileira antes de criarmos as nossas especificações”, diz. Segundo ele, os critérios da concessionária são complementares às normas publicadas pela ABNT. “No

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norma internacional: normas destinadas ao uso

internacional, provenientes da ativa participação das nações

com interesses comuns. Como exemplos, temos a ISO e a IEC;

norma de nível regional: normas destinadas ao uso regional, resultantes da participação de um

limitado grupo de países de um mesmo continente. É o caso de normas, como

da Copant (Américas), AMN (Mercosul), CANENA (América do Norte – NAFTA) ,

PACS (Ásia e Pacífico) e do Comitê Europeu de Normalização (CEN);

norma de nível nacional:

normas destinadas ao uso nacional, resultantes do consenso entre os interessados em uma organização

nacional reconhecida como autoridade no respectivo país. Como exemplos, citam-se as normas da ABNT (Brasil), ANSI (Estados Unidos), IRAM (Argentina),

AFNOR (França), DIN (Alemanha), JISC (Japão), CAS (China) e BSI (Reino Unido);

norma de nível de empresa ou grupos empresarias:

normas elaboradas por empresas ou grupos empresariais (geralmente associações), com a finalidade de padronizar

construções e ensaios, garantir segurança, reduzir custos, etc. São exemplos deste tipo de normas aquelas publicadas pela

Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos (Nema), Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), UL,

Associação Alemã de Engenheiros Eletricistas (VDE), Associação Americana de Ensaios dos Materiais (ASTM), etc.

Jantar oferecido pelo governador do Rio Grande do Sul aos participantes da 8ª Reunião Geral da ABNT (1950).

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caso das eletroferragens, por exemplo, praticamente todas as concessionárias adotam o mesmo padrão, que é o estabelecido por uma NBR, o que não acontece com os postes, os quais devem obedecer as especificações de cada concessionária para atender, adequadamente, a cada uma das instalações”, esclarece. O problema é que nem sempre há uma NBR disponível e que atenda aos requisitos da concessionária. “Não há, por exemplo, regulamentação brasileira para redes subterrâneas, há normas para construção, mas não para os materiais, por isso nós desenvolvemos nossas normas”, queixa-se. Ele conta que, não raramente, recorrem a normas internacionais. Juçara Lopes, da Eletrobrás, comenta que o mercado conhece principalmente a normalização da ABNT e de alguns organismos estrangeiros, mas “os níveis são importantes, pois a empresa que pratica os níveis inferiores de normalização demonstra o quanto a normalização já está internalizada nas suas rotinas, o que acaba contribuindo, como já foi visto, para a melhoria da qualidade e da segurança do consumidor”, completa. Ao encontro dos objetivos da pirâmide da normalização, ela enumera algumas vantagens para o consumidor e para o produtor:• Organização do mercado; • Constituição de uma linguagem única entre produtor e consumidor; • Melhor qualidade de produtos e serviços; • Maior segurança dos produtos;• Aumento da produtividade, com conseqüente redução dos custos de produtos e serviços, contribuindo para o aumento da economia do País e para o desenvolvimento da tecnologia nacional;• Utilização adequada dos recursos;• Uniformização do trabalho;• Facilidade no treinamento e melhoria no nível técnico da mão-de-obra;• Registro do conhecimento tecnológico;• Facilidade na contratação e na venda de tecnologia;

• Redução do consumo e do desperdício;• Padronização de componentes e equipamentos;• Melhor especificação de matérias-primas;• Melhor controle de produtos e processos;• Melhor orientação para as concorrências públicas. Considerando o acervo de normas dos países desenvolvidos e o número de certificações de produtos, o Brasil ainda tem muito a evoluir. A ABNT acumula, em seus 68 anos de existência, aproximadamente 10 mil normas técnicas, enquanto a Inglaterra, por exemplo, apresenta 27 mil. Para Juçara, muito ainda há a se fazer: “é preciso buscar recursos e parcerias para que haja um maior desenvolvimento das atividades de normalização e estimular a conscientização da sociedade como um todo”. O Brasil possui um número relativamente alto de normas técnicas, especialmente na área de eletricidade. De 1940 a 2003, o CB 3 havia produzido 1.370 normas técnicas, seguindo-se o CB 4 (máquinas e equipamentos mecânicos) com 1.058, o terceiro, 828 documentos, com o CB 10 (química) e todos os outros 48 comitês com menos de 500 normas elaboradas cada. Nesse sentido, outra comparação interessante refere-se à avaliação da conformidade. Essa incumbência pertence ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Normalização Industrial (Inmetro), que coordena certificações compulsórias e voluntárias de cerca de 130 produtos, ao passo que, na Espanha, são mais de 300 produtos certificados. Mas essa é uma outra história...

Pesquisa:O projeto como processo intelectual e como processo social, de Márcio M. Fabrício.A normalização, a certificação e os sistemas de gestão da qualidade, de Patrícia Miranda LordêloQualidade dos cursos de engenharia, de Antonio Helio GuerraHistória da engenharia no Brasil – século XX, de Pedro Carlos da Silva TellesAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)Cômite Brasileiro de Eletricidade, Iluminação e Telecomunicações (Cobei)Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)Universidade de São Paulo (USP)

Em 1888, o “Centro Technico de Eletricistas Brasileiros” havia elaborado um código de segurança

denominado “Regras Preventivas de Incêndio nas Instalações Elétricas”, trabalho pioneiro no campo

da normalização técnica no Brasil.

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Historicamente, a engenharia elétrica nasceu com a ciência do eletromagnetismo, quando, por volta do ano 100 a.C. foi encontrada uma pedra que atraía ferro na Grécia. Essa pedra recebeu o nome de “magnetita” por ser originária das terras dos Magnésios, uma região da Grécia antiga. Bem mais tarde, o eletromagnetismo gerou também o primeiro livro da ciência moderna. Willian Gilbert lançou a obra De Magnete em 1600, mostrando como fazer imãs permanentes por meio do tratamento do ferro. O livro discutia também aplicações medicinais do magnetismo e, pela primeira vez, representava o campo magnético por setas. Gilbert dedicou todo o seu tempo ao estudo da eletricidade e do magnetismo. Foi ele quem cunhou o termo “eletricidade” e notou, com propriedade, que o fenômeno da atração devido ao atrito do âmbar e aquele devido ao imã permanente são de naturezas diferentes, de modo que essas duas classes de fenômenos deviam ser estudadas separadamente, como ocorreu nos 200 anos seguintes.

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A edificação da engenharia elétrica

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A eletricidade foi cada vez mais explorada e novos conceitos, técnicas e aplicações foram descobertos e, mais tarde, ensinado em escolas de engenharia.

O ensino da engenharia no Brasil

O impacto social da eletricidade foi enorme em toda a sociedade. O século XX foi denominado o “século da eletricidade”, porque “nenhuma outra descoberta teve tão grande influência em todos os aspectos da vida humana”, conforme explica Pedro Carlos da Silva Telles em seu livro História da engenharia no Brasil – século XX. Antes da eletricidade, as únicas fontes de energia mecânica eram as máquinas a vapor e as rodas d’água. Com os motores elétricos, o progresso foi ainda maior. É dispensável mencionar aqui os inúmeros progressos conquistados com a eletricidade e sua contribuição para o conforto doméstico, para a evolução da indústria, dos transportes e das comunicações. Especialmente para os engenheiros, a eletricidade exerceu uma grande influência. Como ela ainda era pouco conhecida e muitos ainda a temiam, o engenheiro que a dominava tinha muito mais valor que os engenheiros que construíam casas, estradas e pontes. A instalação de escolas de engenharia no Brasil foi um reflexo do que já acontecia em outros países do mundo. Em 1506, teria sido fundada em Veneza a primeira escola dedicada à formação de engenheiros e artilheiros. Em 1747, foi criada, na França, a

primeira escola de engenharia do mundo, a École des Ponts et Chaussées; em 1778, fundou-se a École des Mines; e, em 1794, o Conservatoire des Arts et Métiers. Essas escolas eram voltadas para um ensino técnico diferente da École Polytechinque, de 1774, estabelecendo, assim, uma divisão da engenharia em dois campos: o prático e o teórico. Posteriormente, foram criadas escolas técnicas nos países de língua alemã, como as escolas de Praga (1806), Viena (1815), Karlsruhe (1825), Munique (1827) e Zurique (1854). Nos Estados Unidos, a mais antiga escola de engenharia foi a Academia Militar de West Point, criada em 1794, e a Califórnia Institute of Technology, de 1919. A engenharia entrou no Brasil principalmente por meio das atividades dos oficiais-engenheiros e dos mestres construtores de edificações civis e religiosas. De acordo com os professores do Departamento de Eletrotécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Oliveira e Antonio Lopes de Souza, devido ao modelo escravista, a engenharia no Brasil manteve-se atrasada por muitos anos, pois esse modelo impedia a implantação da indústria no País. O professor da Politécnica da UFRJ, que foi diretor da escola por dez anos, o engenheiro eletricista Heloi José Fernandes Moreira, conta que é difícil precisar um instante em que o ensino da engenharia elétrica chegou ao País e que foi um processo evolutivo. “Há uma relação forte entre o ensino tecnológico e o desenvolvimento da tecnologia: o ensino e a pesquisa provocam o

Primeira sede da Escola Politécnica de São Paulo

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desenvolvimento da tecnologia e esta, por sua vez, exige estudos e pesquisas mais profundos e especializados”, diz. Segundo ele, com o desenvolvimento da lâmpada elétrica, do motor e do gerador elétrico e de outros dispositivos na segunda metade do século XIX, o ensino da engenharia elétrica foi se ampliando e tornando-se cada vez mais específico. Surgiu, inicialmente, dentro de um conteúdo denominado “física industrial”, que abrangia calor e eletricidade, para posteriormente ser específico em matérias como “Aplicações da eletricidade” e depois em “Produção, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica”. O professor relata que a história da engenharia no Brasil começa com a fundação, em 1792, da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, na cidade do Rio de Janeiro. “A preocupação daquela época era com a engenharia militar, voltada para a construção de fortes resistentes às balas de canhões”, diz. Com a chegada de Dom João VI ao Brasil, a escola é transformada na Academia Real Militar (1810) e, em 1858, a Academia Real Militar, agora com sede no largo São Francisco, no Rio de Janeiro, passa a chamar-se Escola Central. Até então, não havia eletricidade, tampouco existia qualquer ensino da engenharia elétrica no País. A primeira experiência de iluminação elétrica no País, segundo Moreira, foi em 1872, quando, por ocasião do cinqüentenário da independência, foi inaugurada uma estátua de José Bonifácio no largo São Francisco, em frente ao prédio da Academia. Alguns fachos de luz elétrica foram lançados sobre a estátua, constituindo-se em uma das primeiras demonstrações de

iluminação elétrica no Brasil. Naquela época, já havia iluminação pública, mas movida a gás. Dois anos depois, a Academia Real Militar foi dividida em duas escolas: Politécnica e Militar. De 1874 a 1937 a escola transformou-se em Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil e, em 1966, passa a ser Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2005, recebe o nome de Escola Politécnica da UFRJ.

A engenharia elétrica

Tendo em vista a longa e promissora existência da eletricidade, muitas escolas formaram-se com o intuito de pesquisar e melhor explorar o recurso. As Escolas de Engenharia que primeiro se instalaram no País eram influenciadas, sobretudo, pelas idéias européias, o que foi preservado por algum tempo. O presidente do conselho da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) e ex-reitor da Universidade de São Paulo, o engenheiro eletricista e mecânico Antonio Helio Guerra, conta que a primeira reforma das bases teóricas da engenharia aconteceu nos anos 1940/1950, quando a relevância do ensino da física e da matemática cresceu muito, especialmente para os cursos de engenharia elétrica,com o aparecimento dos transistores. Segundo ele, outra grande evolução para a engenharia foi o advento dos sistemas digitais na década de 1960. Com a novidade, os cursos incorporaram a computação – software e hardware – ao ensino e, logo mais,

Gabinete de eletricidade da Escola Politécnica do Rio de Janeiro

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surgiria uma nova ramificação, a eletrônica digital. Em 1913, é fundado o Instituto Eletrotécnico e Mecânico de Itajubá (MG), primeira entidade de ensino superior no Brasil especialmente dedicada ao estudo da engenharia elétrica. A iniciativa foi do doutor Theodomiro Carneiro Santiago, seu primeiro diretor. Nesse mesmo ano é organizada, em São Paulo, a Escola Superior de Eletricidade, na rua Libero Badaró, que ministrava um curso técnico de grau médio em três anos, possuindo grandes e bem montados laboratórios de estudo. Ainda referência na engenharia elétrica, a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) foi instituída com o propósito de transmitir conhecimento voltado para a realidade prática. Silva Telles conta que, na ocasião da inauguração oficial do instituto, enquanto Santiago, diretor da escola, discursava sobre o seu ponto de vista acerca do ensino da engenharia, levantou-se o engenheiro Paulo de Frontin para rebater com veemência as idéias do orador. A calorosa discussão resultou no encerramento da sessão e na retirada do Presidente da República e demais autoridades. O incidente, que repercutiu pelo País, foi visto por alguns como um importante marco pelo choque de opiniões entre os que defendiam o aspecto prático do ensino e os que defendiam o caráter científico. Os primeiros professores de Itajubá foram trazidos da Bélgica e a primeira turma, de 16 engenheiros mecânicos-eletricistas, formou-se em 1917, ano em que a escola foi oficialmente reconhecia pelo Governo Federal. O curso, que tinha a duração de três anos no início, passou para quatro anos em 1923 e para

cinco em 1936, quando passou a ser chamado simplesmente de engenharia elétrica. Em 1963, o curso foi subdividido em engenharia mecânica e engenharia elétrica. Para se ter idéia da importância de Itajubá nessa área, no início da década de 1960, avaliava-se que a escola tinha formado cerca de 40% do total de engenheiros mecânicos e eletricistas do País. De acordo com Silva Telles, nas escolas de engenharia já existentes, os primeiros cursos de engenheiros eletricistas, ainda chamados de “mecânicos-eletricistas” ou “civis-eletricistas”, começaram na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e na Escola Politécnica de São Paulo, ambos em 1911, sendo que, na primeira, o curso propriamente de engenheiros eletricistas só veio com a reforma dos programas de 1925. Até a criação do curso específico de engenharia elétrica, a eletricidade era ensinada na disciplina de Física, nos primeiros anos do curso geral. Assim como aconteceu com a engenharia civil, a prática da eletricidade antecedeu o início formal do seu ensino. Dessa forma, os engenheiros que tomaram parte nos pioneirismos da eletricidade no País foram estrangeiros ou brasileiros que estudaram no exterior. A atual Escola Politécnica de São Paulo foi criada em 1893. Seu primeiro diretor foi o professor Antonio Francisco de Paula Souza. Ao contrário das duas primeiras escolas de engenharia – Politécnica do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto, sendo esta última criada em 1876 para o ensino da mineralogia e da metalurgia – a Politécnica de São Paulo não teve influência francesa, mas seguiu o modelo da Escola de Zurich, na qual

Prédio da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1874

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Alguns documentos do final do século XIX e do início do século XX que se referem, especificamente, à Escola Polytechnica do Rio de Janeiro:

Estatuto de 22/11/1890

O curso de Engenheiro Industrial estuda, na segunda cadeira, a

matéria de “Física industrial precedida de eletricidade”.

Decreto 3920, de 12/02/1901Além da Física Industrial, estuda-se também “Eletrometalurgia”. O emblema do engenheiro industrial era um fio metálico. O professor

Eugène Tisserandot era o catedrático de Física Industrial.

Decreto 8663, de 05/04/1911*

São criados três cursos: Civil, Industrial e Mecânico e eletricista. Neste, passam a existir as seguintes cadeiras:

4º ano - Cadeira de Teoria da Eletrotécnica, Medidas Elétricas e Magnéticas;

5º ano - Física Industrial, Aplicações Industriais da Eletricidade.

Decreto 11530, de 18/05/1915

Permanece o curso de Engenheiro Mecânico e Eletricista, mas o conteúdo de eletricidade torna-se mais forte:

2ª cadeira: Física Industrial;3ª cadeira: Eletrotécnica; Medidas elétricas e magnéticas;

Produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.

Decreto 16782-A, de 13/01/1925

Criado um curso exclusivamente de Engenheiro Eletricista, mas ainda com muito conteúdo da engenharia civil.

* Há a indicação de que Edmundo França Amaral teria sido o único a fazer o curso de Mecânico

e eletricista, do Decreto de 1911, obtendo o diploma de engenheiro eletricista em 1914.

Pesquisa:Uma breve história da engenharia elétrica, de José Roberto CardosoQualidade dos cursos de engenharia, de Antonio Helio GuerraHistória da engenharia no Brasil – século XX, de Pedro Carlos da Silva TellesHistória da engenharia no Brasil – séculos XVI a XIX, de Pedro Carlos da Silva Telles

o professor Paula Souza havia estudado. A escola passou por diversas modificações curriculares. Em 1911, foi criado o curso de engenheiro mecânico-eletricista e extinguido o curso de engenheiros agrônomos. Com a criação do novo curso, a escola foi ampliada com a construção do prédio “Ramos de Azevedo”, inaugurado no mesmo ano. O curso passou a ser apenas de engenheiros eletricistas na reforma de 1918 e, em 1931, todos os cursos de engenharia passaram dos seis anos para os tradicionais cinco anos de formação. O professor Silva Telles destaca em seu livro que, em caráter pioneiro no Brasil, a Politécnica de São Paulo teria criado, em 1901, uma cadeira independente de eletrotécnica. rgiram também outros cursos na área de eletricidade, como os cursos de iluminação ministrados pelo catedrático de física da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, o professor Dulcídio de Almeida Pereira. O primeiro desses cursos foi em 1928, em São Paulo, patrocinado pela General Electric. O mesmo professor, na década de 1930, era responsável por cursos de extensão universitária para engenheiros eletricistas, também mantidos pela General Electric. Em 1932, é iniciada a Escola Técnica de Eletricidade da Light do Rio de Janeiro, voltada para a formação de profissionais de nível médio. Muitas outras Escolas de Engenharia foram criadas no século XIX, como a Escola de Engenharia de Pernambuco (1895), Escola de Engenharia Mackenzie (1896), Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896) e Escola Politécnica da Bahia (1897), mas eram voltadas para o ensino da engenharia civil. A engenharia elétrica começou a integrar o currículo de mais escolas de ensino superior a partir dos anos 1950.

O Barão de Capanema, professor de Física da Escola Politécnica, diretor-geral durante muitos anos dos Telégrafos do Brasil foi o único engenheiro brasileiro com título de nobreza do Império pelo simples fato de ser um engenheiro.

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ção

Engenheiro x advogado

E os grandes gênios se encontram...

Sermão da montanhaE se Jesus fosse engenheiro....

Festa das funções

Mundo HQ para engenheiro Depois de tanta informação, dedicamos esta página à descontração do engenheiro. As histórias em quadrinhos (HQ) aqui publicadas intentam retratar, de certa forma, a realidade desse profissional. Por isso, se você não é engenheiro e não entender a piada, não desanime, procure o engenheiro mais próximo e não se envergonhe de pedir uma explicação e aproveite para conhecer um pouco mais desse universo da engenharia. Divirta-se!

InteratividadeSe você conhece alguma piada ou história divertida de engenheiro, não hesite em nos contar! Mande um e-mail para [email protected] e nos ajude a brincar com esse profissional. Sua dica pode ser ilustrada nesta página!

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As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas

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