coleção aplauso - perfil de eva todor

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  • Eva Todor capa.indd 1 27/11/2007 10:15:46

  • 1Eva Todor

    O Teatro da Minha Vida

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  • Eva Todor

    O Teatro da Minha Vida

    Maria Angela de Jesus

    So Paulo, 2007

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  • Coleo Aplauso Srie Especial

    Coordenador Geral Rubens Ewald FilhoCoordenador Operacional

    e Pesquisa Iconogrfica Marcelo PestanaProjeto Grfico e Editorao Carlos Cirne

    Assistente Operacional Felipe GoulartTratamento de Imagens Jos Carlos da Silva

    Reviso Heleusa Anglica Teixeira

    Imprensa Oficial do Estado de So Paulo

    Diretor-presidente Hubert Alqures

    Diretor Vice-presidente Paulo Moreira LeiteDiretor Industrial Teiji Tomioka

    Diretor Financeiro Clodoaldo PelissioniDiretora de Gesto Corporativa Lucia Maria Dal Medico

    Chefe de Gabinete Vera Lcia Wey

    Governador Jos Serra

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  • Apresentao

    O que lembro, tenho.Guimares Rosa

    A Coleo Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo princi-

    pal reabilitar e resgatar a memria da cultura nacional, biografando atores,

    atrizes e diretores que compem a cena brasileira nas reas do cinema, do

    teatro e da televiso.

    Essa importante historiografia cnica e audiovisual brasileiras vem sendo recons-

    tituda de maneira singular. O coordenador de nossa coleo, o crtico Rubens

    Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especiali-

    zados para realizar esse trabalho de aproximao junto a nossos biografados.

    Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos.

    Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos

    casos, deu-se a conhecer o universo que compe seus cotidianos.

    A deciso em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu man-

    ter o aspecto de tradio oral dos fatos, fazendo com que a memria e toda a

    sua conotao idiossincrsica aflorasse de maneira coloquial, como se o biogra-

    fado estivesse falando diretamente ao leitor.

    Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleo, pois os

    resultados obtidos ultrapassam simples registros biogrficos, revelando ao leitor

    facetas que caracterizam tambm o artista e seu ofcio. Tantas vezes o bigrafo

    e o biografado foram tomados desse envolvimento, cmplices dessa simbiose,

    que essas condies dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se

    colocaram em sendas onde a reflexo se estendeu sobre a formao intelectual

    e ideolgica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava

    o meio, o ambiente e a histria brasileira naquele contexto e momento. Mui-

    tos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida.

    Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crtico, denunciaram precon-

    ceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso pas, mostraram

    o que representou a formao de cada biografado e sua atuao em ofcios de

    linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televiso e o que cada

    um desses veculos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas lingua-

    gens desses ofcios.

    Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biogrficos, explorando o

    universo ntimo e psicolgico do artista, revelando sua autodeterminao e

    quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princpios, a forma-

    o de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens.

    So livros que iro atrair o grande pblico, mas que certamente interessaro

    igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleo Aplauso foi discutido o

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:495

  • intrincado processo de criao que envolve as linguagens do teatro e do cinema.

    Foram desenvolvidos temas como a construo dos personagens interpretados,

    bem como a anlise, a histria, a importncia e a atualidade de alguns dos per-

    sonagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos

    artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correo

    de erros no exerccio do teatro e do cinema, a diferenciao fundamental desses

    dois veculos e a expresso de suas linguagens.

    A amplitude desses recursos de recuperao da memria por meio dos ttulos

    da Coleo Aplauso, aliada possibilidade de discusso de instrumentos profis-

    sionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as biblio-

    tecas importantes do pas, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros,

    de gratificante aceitao.

    Gostaria de ressaltar seu adequado projeto grfico, em formato de bolso, docu-

    mentado com iconografia farta e registro cronolgico completo para cada bio-

    grafado, em cada setor de sua atuao.

    A Coleo Aplauso, que tende a ultrapassar os cem ttulos, se afirma progressiva-

    mente, e espera contemplar o pblico de lngua portuguesa com o espectro mais

    completo possvel dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diver-

    sificada histria do cinema, do teatro e da televiso em nosso pas, mesmo sujeitos

    a percalos de naturezas vrias, mas com seus protagonistas sempre reagindo

    com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos.

    Alm dos perfis biogrficos, que so a marca da Coleo Aplauso, ela inclui

    ainda outras sries: Projetos Especiais, com formatos e caractersticas distin-

    tos, em que j foram publicadas excepcionais pesquisas iconogrficas, que se

    originaram de teses universitrias ou de arquivos documentais preexistentes

    que sugeriram sua edio em outro formato.

    Temos a srie constituda de roteiros cinematogrficos, denominada Cinema

    Brasil, que publicou o roteiro histrico de O Caador de Diamantes, de Vittorio

    Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil

    com a inteno de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais re-

    centes, como o clssico O Caso dos Irmos Naves, de Luis Srgio Person, Dois

    Crregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Jav, de Eliane Caff, e Como

    Fazer um Filme de Amor, de Jos Roberto Torero, que devero se tornar bibli-

    ografia bsica obrigatria para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que

    documentam essa importante produo da cinematografia nacional.

    Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da srie TV Brasil, sobre a ascen-

    so, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas

    de se fazer televiso no Brasil. Muitos leitores se surpreendero ao descobrirem

    que vrios diretores, autores e atores, que na dcada de 70 promoveram o

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  • crescimento da TV Globo, foram forjados nos estdios da TV Excelsior, que su-

    cumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar.

    Se algum fator de sucesso da Coleo Aplauso merece ser mais destacado do que

    outros, o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu pas.

    De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficcia

    a pesquisa documental e iconogrfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo

    e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com

    igual entusiasmo, colocar disposio todas essas informaes, atraentes e acess-

    veis, em um projeto bem cuidado. Tambm a ns sensibilizaram as questes

    sobre nossa cultura que a Coleo Aplauso suscita e apresenta os sortilgios

    que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenrios, cmeras e, com

    referncia a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, deles que

    todo esse material de vida e reflexo poder ser extrado e disseminado como

    interesse que magnetizar o leitor.

    A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleo Aplauso, pois

    tem conscincia de que nossa histria cultural no pode ser negligenciada, e

    a partir dela que se forja e se constri a identidade brasileira.

    Hubert AlquresDiretor-presidente da

    Imprensa Oficial do Estado de So Paulo

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  • Dedico O Teatro de Minha Vida a todos aqueles que apreciaram meu trabalho,

    ao longo dos meus 70 anos de carreira. Foram quatro geraes, s quais procu-

    rei oferecer o melhor da minha arte.

    Eva Todor

    Para Rosangela e Natlia, por todo apoio e carinho.

    Maria Angela de Jesus

    Agradecimentos

    Em especial a Marcelo Del Cima, dono de um grande acervo de artes cnicas,

    pela digitalizao e tratamento de fotos contidas neste livro, pela incansvel

    ajuda na seleo das imagens e pela foto de capa.

    A ngela de Castro Reis, pelas informaes fornecidas a partir de sua tese A

    Tradio Viva em Cena: Eva Todor na Companhia Eva e Seus Artistas, desen-

    volvida dentro do Programa de Ps-Graduao em Teatro do Centro de Letras

    e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e premiada na Bahia, Portu-

    gal e Rio Grande do Sul.

    E Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, que foi a nica a me procurar

    para realizar essa publicao. Mesmo sendo eu uma atriz essencialmente cario-

    ca, a Imprensa Oficial de So Paulo me fez essa deferncia, com a qual me sinto

    muito honrada e gratificada. Vaidosamente me confirma aquilo que sempre

    me foi dito: que sou muito querida em So Paulo.

    Eva Todor

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  • 10

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    Introduo

    Fdor, em hngaro, quer dizer babado. Seria perfeito se Eva Fdor no tivesse

    trocado a Hungria pelo Brasil e aqui construdo uma brilhante carreira artsti-

    ca. Mudou de Fdor para Todor, por razes bvias, mas sempre foi do babado:

    arrasou na revista musical, levou o pblico loucura nas comdias e emocio-

    nou nos dramas. Nasceu para os palcos e nele permaneceu por 60 anos, ence-

    nando cerca de 200 peas.

    Eva, naturalmente cmica, sabe fazer rir como ningum. Criou um estilo: o

    gnero Eva, que durante dcadas lotou os teatros onde se apresentava e se

    tornou sinnimo de bom humor. Com sua faceirice nata, conheceu o sucesso

    ainda muito jovem. Com apenas 16 anos era primeira-atriz da companhia de

    Luiz Iglzias com quem viria a se casar. Depois, teve sua prpria companhia,

    Eva e seus Artistas, realizando espetculos no Brasil, em Portugal e na frica.

    Pode-se dizer que a vida quase sempre lhe foi gentil. Obstculos, ela encon-

    trou poucos. Alm disso, sempre soube tirar proveito das dificuldades para se

    firmar como uma grande atriz. Por toda minha vida, fui muito bem cuidada,

    muito mimada, pela famlia, pelos colegas de trabalho, pelos diretores. Traba-

    lhei com os mais diversos diretores. Na comdia, tenho uma fileira deles para

    enumerar, na revista tenho mais alguns, enfim foram pessoas maravilhosas

    com quem trabalhei. E sempre fui tratada como uma boneca, confessa.

    Bonita, talentosa e naturalmente engraada, Eva relembra sua inusitada es-

    tria nos palcos. Ainda vivia na Hungria e tinha apenas 4 anos quando fez sua

    primeira apresentao de bal. Era para ter sido uma apresentao infantil

    como outra qualquer, mas ela acabou chamando a ateno por um fato curio-

    so. Foi flagrada fazendo um inocente e incontrolvel xixi no palco. O pblico

    caiu na gargalhada. Sem saber, naquele momento, Eva estreava na comdia.

    Quatro anos depois desse pequeno incidente, Eva Todor veio para o Brasil com

    os pais. Aqui teve a oportunidade de construir uma invejvel carreira. J fez o

    pblico rir e chorar, mas o humor , sem dvida, sua marca registrada. Tanto

    que migrou com facilidade do teatro para a TV, somando 25 novelas em seu

    currculo, desde que estreou nos anos 70. Quem no se lembra da Kiki Blanche

    de Locomotivas, da Santinha Rivoredo, de Stimo Sentido, ou da Morgana de

    Top Model?

    Numa mistura perfeita de humor e drama, Eva conquistou pblico e crtica.

    Seu jeito faceiro, seu sorriso encantador e seu eterno ar de menina encontra-

    ram na TV um lugar perfeito para brilhar.

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    Fez poucos filmes ao longo de sua carreira, mas garantiu um dos momentos

    mais antolgicos da histria do cinema: a cena em que faz um impagvel espe-

    lho com Oscarito, em Os Dois Ladres, dirigido por Carlos Manga, em 1960.

    Eva pode dar a impresso de ter sido sempre avoada, ligeira, mas na verdade

    tem um enorme conhecimento das artes cnicas. Fala com facilidade e exati-

    do sobre marcao de cena. Tnhamos a planta baixa e uma maquete de toda

    a movimentao cnica no palco. Pelas maquetes, o diretor fazia a movimenta-

    o dos atores.

    Comprova com exemplos simples a importncia do ritmo e da impostao de

    voz. Para isso, repete a mesma frase diversas vezes e em cada uma delas coloca

    a fora, o peso, numa palavra diferente, mostrando assim que uma entonao

    errada pode acabar com uma fala. Ritmo no velocidade, o saber dizer,

    ressalta.

    Mesmo com todo o reconhecimento que recebeu ao longo da carreira, Eva se

    mantm modesta. Comenta com discrio o xito obtido e chega a ficar tmida

    quando falamos de seu talento e carisma natural, que fez dela a menina prod-

    gio dos palcos brasileiros!

    Sempre foi e continua sendo uma grande diva do teatro. Na verdade, ela pare-

    ce ter nascido diva. quase impossvel no se render aos seus encantos. Em

    poucos minutos de bate-papo, j nos sentimos parte de seu sqito, algo que

    ela consegue com naturalidade. No preciso muito para nos ter nas mos.

    Um olhar divertido, uma resposta engraada e o humor afinadssimo garan-

    tem o espetculo, nos palcos e na vida real.

    Eva no tem papas na lngua e faz piada de si mesma sem perder a elegncia.

    Na primeira vez que telefonei a ela, para marcarmos as entrevistas que resul-

    tariam nesta biografia, Eva me perguntou: Minha filha, voc est me ouvindo?

    Respondo: Sim, perfeitamente! Ao que ela rebate: Pois eu no estou ouvindo

    nada. Estou surda feito uma porta! A partir da estava estabelecida uma delici-

    osa parceria. No era preciso reservas! O melhor era aproveitar todo aquele

    bom humor para embarcar numa viagem aos tempos dourados da vida teatral.

    Comeamos com seus primeiros anos na Hungria, dos quais Eva tem adorveis

    lembranas. Falamos da chegada ao Brasil, das dificuldades com a lngua portu-

    guesa e do apoio incondicional dos pais. Revisitamos a carreira construda nos

    palcos, o casamento com seus dois e nicos amores (o primeiro marido, Luiz Iglzias,

    e o segundo, Paulo Nolding) e encerramos com o cinema e a televiso.

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  • 13

    Aos 87 anos, ela mantm a vitalidade e a graa de uma menina. Brinca com

    tudo e com todos. A risada fcil e gostosa, o jeito meigo de tratar as pessoas e

    sua espontaneidade natural fazem de Eva Todor uma criatura encantadora.

    Por vrios dias, Eva me recebeu em seu apartamento no bairro do Flamengo,

    no Rio de Janeiro - o mesmo em que viveu com Luiz Iglzias e depois com Paulo

    Nolding. Ambos falecidos. Os dois fizeram a safadeza de morrer e me deixar

    sozinha, desabafa. Foi ali, na tranqilidade de sua casa, que pude ver Eva se

    emocionar ao reler uma carta que Paulo lhe escreveu um dia antes de falecer.

    Uma carta que ela jamais havia relido e que nos cedeu para esta publicao.

    Sempre muito ligada aos pais, Eva os manteve em sua casa, mesmo quando

    esteve casada, e cuidou deles at o fim - o pai faleceu em 1966 e a me, em

    1967. Tudo o que temos nesta vida a famlia e meus pais sempre foram tudo

    para mim.

    Mora desde os anos 40 nesse mesmo apartamento, onde conserva as relquias

    de uma carreira iluminada. Os mveis so todos clssicos, finos, muito bem

    distribudos pelo amplo e arejado apartamento. Os prmios, incluindo o Molire

    que ganhou em 1969, por Olho na Amlia, ficam expostos numa grande e

    robusta estante na sala de estar. No escritrio, ela mantm centenas de fotos

    e recortes de jornal. Tenho horror de mexer com tudo isso, com todas essas

    fotos. tanta gente morta, sussurra emocionada.

    As porcelanas trazidas de suas viagens enfeitam as paredes e lotam as estan-

    tes. Os inmeros casacos de pele so guardados num grande ba de cnfora

    (um tipo de madeira perfumada), que comprou em Macao.

    Ao mostrar os casacos, Eva se pe docemente melanclica. Passa os dedos pelas

    peles macias e inacreditavelmente bem conservadas. O olhar se perde no tempo.

    Fala quase que para si mesma: Eu usava esses casacos nas muitas recepes

    a que amos. Eu tinha de estar sempre elegante. O pblico, de certa forma,

    exigia isso.

    Tudo isso faz parte de uma poca que no existe mais. Uma poca de glamour,

    grandes festas, teatros lotados de segunda a segunda e de estrelas como Eva

    Todor - nossa ltima dama faceira, como escreveu o jornalista Artur da Tvola:

    Soem as trombetas, ali vai a ltima mulher faceira. Abram alas para a faceirice

    passar!

    A faceirice abriu alas, mas foi o talento que garantiu a ela inesquecveis

    momentos nos palcos, onde teve a chance de interpretar quase todos os gran-

    des autores nacionais e internacionais: de Luiz Iglzias a Somerset Maughan,

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  • 14

    de Joracy Camargo a Bernard Shaw, de Joo Bethencourt a Neil Simon. A atriz,

    que foi dona da mais bem-sucedida companhia teatral do Pas Eva e Seus

    Artistas , sem sombra de dvida, um marco na histria do teatro brasileiro.

    Maria Angela de Jesus

    Aos 4 anos, num espetculo deDomingo de Pscoa, na AcademiaNacional de Msica de Budapeste

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  • 15

    Captulo I

    A Pequena Eva

    Nasci em Budapeste, na Hungria, em 9 de novembro de 1919, filha nica de

    Alexandre Fdor e Gisela Rathstein Fdor. Acho que nasci artista. Aos 4 anos,

    fui matriculada na pera Real da Hungria, para aprender bal. Eu danava

    muito bem e fiz alguns bailados, por isso, quando nos mudamos para o Brasil,

    cheguei com um repertrio de dana, apesar de minha pouca idade.

    Vim para c com apenas 8 anos. Meu pai era comerciante de tecidos e minha

    me era designer de roupas. Ela desenhava e costurava. Meu pai montou uma

    loja linda para ela, perto de onde morvamos, numa regio muito bonita de

    Budapeste. Era um salo lindo, todo em estilo colonial, na cor creme. Infeliz-

    mente, a casa foi desapropriada, para dar lugar a um grande edifcio. Meu pai

    recorreu, mas perdeu em terceira instncia. Ele ficou desgostoso e disse para

    minha me que queria se mudar para a Amrica do Norte. Mas ela disse que s

    sairia de l se fosse para vir para o Brasil. E ele, como todo homem deu a ltima

    palavra: Concordo.

    Enfim, ns viemos para o Brasil porque mame bateu p que queria o Brasil.

    Ela tinha a me e os irmos vivendo aqui. E assim viemos. Lembro-me dos meus

    tios nos esperando no cais do porto, na cidade de Santos. Essa a primeira

    imagem que tenho do Brasil.

    Primeiro, nos instalamos em So Paulo, onde fiz sozinha, aos 9 anos de idade,

    um recital de bal, no Teatro Municipal. Esse recital est registrado e, com

    certeza, est no arquivo do teatro como a menina prodgio de 9 anos. O palco

    para mim era um caminho natural a ser seguido. E desde cedo eu demonstrava

    certa tendncia para a comdia.

    Acho que sempre tive uma veia de humor, de saber fazer rir. No tinha jeito,

    mesmo em situaes supostamente srias, eu aprontava alguma, muitas vezes

    at sem querer. Como foi o caso de minha primeira apario nos palcos. Fiquei

    sem dizer isso a ningum, mas acho que agora vale a pena contar. Isso foi l

    em Budapeste. Eu tinha uns 4 anos e estava fantasiada de fada, toda boniti-

    nha, de sapatilha de ponta, para uma apresentao de bal. Havia um telo na

    minha frente, que iria subir quando chegasse a minha vez. Como eu era muito

    pequena e estava demorando muito para eu entrar, sussurrei para minha me,

    l na coxia: Quero fazer xixi! E ela: No pode, agora no pode.

    Demorou mais um pouco. Disse novamente: Mame, eu quero fazer xixi! E ela:

    No pode sair agora. Mas eu preciso! E ela, danada da vida, disse: Ento faz a

    mesmo! Nessa hora, eu no pensei duas vezes. Saltei do trono, tirei a calcinha

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  • 17

    esquerda, acima, Saly e Aron Fdor (avs paternos de Eva) e, abaixo, seus pais, Gisela eAlexandre Fdor, no dia de seu casamento, em 1919, na Hungria

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  • 18

    Aos 4 anos, na pera Real da Hungria, em Budapeste

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  • 19

    e fiz. O problema que o palco era em declive, como todo palco, e ento o

    xixi comeou a escorrer. Eu fui ver para onde o xixi estava indo e nisso sobe o

    telo. E eu estava l, ainda endireitando a calcinha.

    Foi um riso geral, mas todo mundo bateu palmas. Eu me endireitei e comecei a

    danar. Um sucesso. Essa a primeira lembrana que tenho do palco. Foi mi-

    nha estria no teatro!

    O curioso que eu achava tudo muito natural. No estranhava nada. Lembro-

    me de outro espetculo, na Academia de Msica da Hungria, em que arreben-

    tou a fita da minha sapatilha. No tive dvidas: tirei a sapatilha e continuei a

    danar. Foi uma ovao, por eu no ter parado e simplesmente ter danado

    sem as sapatilhas. Desde ento, at deixar o bal, aos 18 anos, nunca mais

    amarrei as sapatilhas. Eu era a nica, mesmo mais tarde, quando nos mudamos

    para o Rio de Janeiro, e fui estudar bal com a professora russa Maria Oleneva,

    que era uma das mais importantes da poca, eu no usava a tal da fita.

    Para completar, nesse mesmo espetculo, que era num Domingo de Pscoa, vi

    minha av na platia com um enorme ovo de chocolate. Ao acabar de danar

    fui para a boca de palco e fiz sinal com as mos pedindo para ela me dar o ovo.

    O pblico no resistiu e me aplaudiu de novo.

    Sempre tive essa naturalidade no palco. No sei explicar, mas tem a duas coi-

    sas: primeiro, acho que de raa mesmo. O povo hngaro, na maioria das

    vezes, engraado, cmico, e tem um senso de humor incrvel. Isso nato,

    da raa. Segundo, porque quase todos os hngaros acham que muito impor-

    tante para a criana ter uma educao artstica qualquer, seja no bal, na m-

    sica, no teatro, enfim, na arte de se expressar.

    Assim, quando as crianas so matriculadas na pera Real da Hungria, acabam

    sendo encaminhadas para aquilo em que tm mais vocao. No meu caso, me

    designaram para o bal, e a partir de ento comeou minha vida artstica. Meu

    pai achava muito bom e pagava para eu estudar. No era de graa.

    Meu pai s falava para eu no cantar! Ele dizia: Minha filha, isso s mais tarde.

    Mas mesmo depois, quando eu j estava na revista, na comdia musicada, ele

    dizia: Faa tudo o que voc quiser, represente, dance, mas pelo amor de Deus,

    no cante! Eu at que tinha boa voz, era afinada, mas ele achava que era

    esganiada. Como ele dizia, eu nunca estudei canto, ento porque que havia

    de cantar?

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  • 20

    Aos 5 anos, na pera Real da Hungria, em Budapeste

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  • 21Com outros alunos da pera Real da Hungria, em Budapeste (acima, quarta a partir da esquerda) e, na foto abaixo, ajoelhada direitaem recepo no Consulado da Hungria em So Paulo

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  • 22

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:4922

  • 23

    Era tudo muito natural para mim. Eu me sentia bem no palco. Eu era brinca-

    lhona e sempre engraada nas minhas danas e representaes. S chorei uma

    vez, num desses espetculos de escola de dana, em que os alunos fazem apre-

    sentaes. Isso foi na Hungria e eu era pequenininha, tinha dois nmeros para

    fazer: um de bailarina e outro de Jackie Coogan, um ator infantil que fazia

    aquele tipo mal-vestido, de bon e cigarro na boca, que ficou famoso pelo

    filme O Garoto, de Charlie Chaplin.

    Meu primeiro nmero seria de Jackie Coogan. E a eu estava l, caracterizada de

    menino pobre, esperando minha vez. Ao meu lado estavam outras crianas, todas

    vestidas de fada, bailarina, princesa, rainha. Olhei aquilo e comecei a chorar,

    abri o berreiro, pois no queria entrar de Jackie Coogan por nada neste mundo.

    E disse: No vou entrar! Ento o diretor alterou o roteiro, colocando-me primeiro

    de bailarina e depois de Jackie Coogan. Da em diante, aprendi a reivindicar.

    Nem lembro direito desses fatos, mas minha me sempre me contava tudo com

    detalhes. Alis, meus pais sempre me apoiaram muito e adoravam me ver no

    palco. Mas nenhum deles era artista, como disse, meu pai era comerciante de

    tecidos e minha me desenhava os modelos de roupa e costurava. Quando

    chegamos ao Rio de Janeiro, eles abriram um salo de roupas, Casa de Modelos

    nicos, que foi a primeira do gnero em Copacabana. Essa foi a vida deles, mas

    sempre tiveram esse fascnio pelo teatro, pela dana, pela msica. Inclusive,

    minha me sempre me vestiu em todas as peas.

    O nico artista da famlia, tanto da parte de minha me como de meu pai, era

    um tio meu, que se tornou grande escritor com muitas peas de sucesso na

    Broadway, Ladislau Fdor. Ele era conhecidssimo na Hungria e na ustria,

    onde teve vrios de seus textos encenados. Escrevia para cinema e teatro, tor-

    nando-se um autor consagrado na Amrica do Norte, onde escreveu peas e

    roteiros de filmes, como Seis Destinos e Tampico.

    Alis, naquela poca, muitos artistas saram da Hungria, por causa do incio do

    nazismo. E foram para a Espanha, Estados Unidos ou para o Brasil. Muitos

    deles eram artistas consagrados. Aqui no Brasil, muitos faziam espetculos no

    Clube Hngaro, em So Paulo. Vi muitas peas em hngaro, pois minha famlia

    freqentava o clube. Inclusive, todo ms recebamos uma revista, Vida de Tea-

    tro, que era bem grossa, com artigos sobre a vida artstica da Hungria. Dentro

    da revista vinha sempre um livreto com uma pea completa algumas de auto-

    ria do meu tio , e eu no deixava de ler nenhuma delas.

    At hoje falo, leio e escrevo fluentemente hngaro. Assim, lia todas essas peas

    e depois via a montagem no Clube Hngaro.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:4923

  • 24 Fotos de seu primeiro espetculo solo, noTeatro Municipal de So Paulo, aos 9 anos,1930 (acima); e em sua estria no TeatroRecreio (ao lado), na revista H uma ForteCorrente, no papel de Folia

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:4924

  • 25

    No Teatro Recreio ( direita),1935. E em seu espetculo

    solo, no Teatro Municipal deSo Paulo, aos 9 anos (abaixo)

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:4925

  • 26

    Isso me deu uma grande noo da arte de representar e fez crescer em mim a

    vontade frrea de no sair do teatro. Nunca! O teatro para mim era algo que

    traduzia com perfeio a vida real.

    Havia tambm o teatro amador da colnia hngara, que montava espetculos

    muito bonitos e bons. Fiz algumas peas nesse teatro e me tornei a coquelu-

    che da colnia hngara, assumindo todos os papis infantis. Em alguns espet-

    culos, eu s entrava no final para fazer um nmero de dana, mas em outros

    tomava parte do elenco. Fiz, por exemplo, o filho de Ana Karenina. E essas

    experincias, essa vivncia, me ajudaram a entender, desde muito cedo, o que

    era a arte de representar, como se dirigia teatro, como se fazia teatro, como se

    falava no teatro. S que eu sabia tudo isso em hngaro, no em portugus.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:4926

  • 27

    Captulo II

    Faceirice Nata

    Eva Todor possui lugar prprio em nossa cena pelo estilo absolutamente genuno

    e sua forma de representar, que mantm caractersticas do teatro de comdia

    leve de costumes... O clima cnico e humano de Eva , de tal maneira, prprio

    e peculiar, que ela se situa numa faixa acima do bem e do mal. No cabe em

    escolas de representao, estilos, tcnicas (embora possua tcnica e talento).

    Eva compe-se com uma impostao prpria que a faz nica. Em cena, recupera

    algo em desuso e to lindo: a faceirice. Eva Todor faceira.

    Artur da Tvola O Globo 28/8/1986

    Alm das peas no Clube Hngaro, eu tambm fazia apresentaes de bal.

    Assim, em 1932, fui contratada por Francisco Serrador, dono do circuito de

    cinemas Serrador, para fazer alguns nmeros de dana ao vivo, nos cinemas,

    ao trmino das sesses. Tudo endossado por meu pai. Mal sabamos que alguns

    anos depois eu teria muitos contratos assinados com Serrador, trabalhando

    com ele por mais de 22 anos, frente do Teatro Serrador, quando j nem

    precisvamos de contrato. Bastava a palavra dele e tudo se resolvia. Diversas

    vezes o teatro foi solicitado por outras companhias e ele jamais cedeu. Sempre

    fez questo de deixar claro que s cederia se eu desistisse.

    Mas, enfim, nosso primeiro contrato foi por ocasio dessas apresentaes no cir-

    cuito de cinema. Eu era muito graciosa, brincalhona, nas danas e representaes.

    Obtive xito com esses nmeros, que tiveram lugar em So Paulo e Porto Alegre.

    Logo em seguida, nos mudamos para o Rio de Janeiro, onde meu pai me matricu-

    lou no Theatro Municipal, justamente para ter aulas com Maria Oleneva. Fiquei

    por l algum tempo, mas ali encontrei companheiras e amigos. Fiz camaradagem

    com Bibi Ferreira, Madeleine Rosay e Itlia de Azevedo.

    At que um dia Oduvaldo Viana, que havia ouvido falar da menina hngara,

    ainda amadora, mas que j fazia diversas apresentaes no Clube Hngaro

    (onde se apresentaram importantes artistas hngaros, de passagem pelo Brasil),

    me chamou para fazer um teste. Ele estava preparando a montagem da pea

    A Cano da Felicidade, com Dulcina de Morais, e precisava de uma menina

    que tivesse alguma prtica de teatro. Fui fazer o teste e infelizmente no fui

    aprovada, por um motivo muito simples: a lngua.

    Eu estava com uns 12 anos, mas ainda no falava bem o portugus, porque

    aconteceu o seguinte: quando cheguei ao Brasil, fui matriculada numa escola

    alem, em So Paulo.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:4927

  • 28 Eva (Arlequim), Bibi Ferreira (Cossaco), Madeleine Rosay (Bailarina) e Itlia Azevedo,no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no Corpo de Baile de Maria Olenea

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5028

  • 29

    Isso fez uma tremenda confuso na minha cabea, porque ningum na escola

    alem falava hngaro e eu no falava uma palavra de alemo. So duas ln-

    guas que no tm nada a ver uma com a outra. Muito menos com o portugus.

    Eram trs idiomas completamente diferentes na minha cabea, sendo que de

    duas delas eu no falava nada! Era muita confuso. Eu no tinha ningum com

    quem conversar. A no ser duas meninas hngaras. Uma delas, inclusive, at

    hoje minha amiga, e a outra era a filha do cnsul hngaro em So Paulo.

    Quando fui reprovada no teste da Companhia da Dulcina, chorei muito, disse

    que no ia mais tentar, mas sobrevivi! Voltei ao Municipal e l Mrio Nunes,

    crtico de teatro do Jornal do Brasil, me disse: No chora no, porque tenho

    uma oportunidade melhor para voc. Voc dana muito bem. S precisa fazer

    alguns papis para treinar a lngua e tudo vai correr bem. E ele ento me levou

    para o Teatro Recreio. Foi assim que estreei, em 1934, com apenas 13 anos, na

    revista carnavalesca, H uma Forte Corrente, fazendo a Folia alis, custei a

    entender o que era folia, pois ningum conseguia me explicar! Esse espetculo

    no era propriamente revista, no tinha nu nem nada, era uma burleta, ou

    seja, uma revista com enredo. Foi ento que tive a certeza absoluta de que

    no seria somente uma bailarina. E disse para mim mesma: De um jeito ou de

    outro, serei atriz.

    Esse trabalho no Teatro Recreio teve grande importncia na minha vida. Foi l

    que conheci um diretor que quis me tirar o papel porque eu falava mal o por-

    tugus. Eu empombei e disse: No senhor! Eu j sei o que a arte de represen-

    tar. O senhor no diretor? Pois ento que me dirija e me ensine o portugus.

    Eu tinha 14 anos, mas sabia muito bem o que queria! Sempre fui assim, muito

    firme na minha vontade de seguir a carreira artstica. E deu certo. Ele me en-

    saiou para a pea H uma Forte Corrente, que foi um grande sucesso! Seu

    nome: Luiz Iglzias, que viria a ser meu primeiro marido. Por essa bronca que

    dei nele que ele se apaixonou. Ele cada vez mais apaixonado por mim e eu

    cada vez mais apaixonada pelo teatro.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5029

  • 30

    Com Luiz Iglzias, 1940

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  • 31

    Captulo III

    Iglzias: Uma Parceria na Vida e nos Palcos

    Quando Eva Todor e Luiz Iglzias uniram seus destinos, ele como que nasceu

    de novo, para o teatro e para a vida. Ao lado de Eva, seu entusiasmo pelo

    teatro atingiu o ponto culminante e sua vontade de viver, para ela e para o

    teatro, encontrara novamente o calor da famlia, no carinho, no desvelo e na

    abnegao de sua primeira atriz e seu ltimo amor.

    Joracy Camargo 1964

    Com Luiz Iglzias vivi um casamento de 28 anos, que s acabou quando ele

    faleceu, em 1963. Logo que nos conhecemos, houve certa resistncia de minha

    parte, mas acabei cedendo e me apaixonando por ele. Casei-me com apenas 14

    anos e grande contrariedade da parte de meu pai.

    O fato que quando Iglzias se encantou por mim e quela altura eu j

    estava deslumbrada pelo teatro me senti lisonjeada, pois havia todo um en-

    canto pela figura do diretor, pela autoridade. E desde o incio ele demonstrou

    grande dedicao a mim, chegando at mesmo a compor uma marcha de car-

    naval para mim, intitulada Eva Querida, de 1935, com msica de Benedito

    Lacerda, que era assim:

    Eva querida,

    Quero ser o teu Ado.

    Dar-te hei o meu amor,

    A minha vida

    Em troca do teu corao!

    Hei de conquistar o teu amor

    Se Deus quiser,

    Custe o que custar,

    Haja o que houver...

    Serei capaz de qualquer prejuzo

    Mas te darei um paraso!

    Eva, Eva, Eva, Eva querida (bis)

    Iglzias sempre se preocupou com a minha carreira. Tanto que contratou pro-

    fessores particulares para me ensinar tudo: portugus, histria, conhecimen-

    tos gerais. Menos aritmtica, pois ele dizia que eu no precisava me preocupar

    em fazer contas.

    Claro que meu pai no concordava com nosso namoro, pois Iglzias era quase

    20 anos mais velho do que eu e, para piorar, era desquitado. E meu pai, quando

    soube do namoro, ficou furioso.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5031

  • 32

    Com seu marido Luiz Iglzias, seus pais e tios

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  • 33

    Com seu marido Luiz Iglzias e seus pais

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  • 34

    Mas eu disse a ele: Voc no se importou que eu me tornasse artista e sempre quis

    que eu seguisse essa carreira. Nunca me perguntou nada, mas sempre estivemos

    de acordo, e agora no quer me deixar casar?. No final tudo deu certo.

    Iglzias estava mesmo decidido a se casar comigo, mas isso no era possvel

    por ele ser desquitado. Mas ele no desistiu e chegou a dizer que podamos

    nos casar no Uruguai, por procurao, qualquer coisa, desde que tivssemos

    uma situao regular, correta. Naquela poca muita gente casava no Uruguai.

    Era comum. A persistncia dele foi tamanha que meu pai acabou deixando

    que nos casssemos, pois sabia que no ia adiantar proibir. Casamos por

    procurao. Chamamos um tabelio l em casa. Em 22 de setembro de 1935

    firmou-se um contrato de casamento e em seguida embarquei em lua-de-mel

    que na verdade era uma excurso com a companhia, para levar espetculos

    por todo o Nordeste. Fizemos a turn e a lua-de-mel ao mesmo tempo.

    Iglzias sempre me tratou com todo o respeito e carinho deste mundo, antes e

    depois de nos casarmos. Lembro-me que quando chegamos Bahia recebe-

    mos uma notificao dizendo que menor de idade no podia fazer teatro.

    Como eu era menor, ns tnhamos que ir delegacia e assinar um livro, como

    se fosse um registro, para obter a liberao do espetculo. Nesse livro, eu teria

    de assinar numa pgina que dizia: Atrizes e Meretrizes. Iglzias se enfureceu e

    no permitiu que eu assinasse aquilo. Ele parou toda a companhia, organizou

    manifestaes com estudantes na cidade e, por fim, conseguimos o alvar para

    estrearmos, mas eu no assinei aquele livro.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5034

  • 35

    Com seu marido Luiz Iglzias e seus pais

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    Luiz Iglzias e Jardel Filho, assinando contrato

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    Captulo IV

    Formao

    Eva Todor veio do teatro ligeiro por possuir reais qualidades para a comdia.

    A sua figura irradia simpatia... A sua interpretao segura e convence, porque

    a artista, como peixe ngua, dominando a cena e conquistando o pblico,

    impe sua personalidade. No se parece nem imita qualquer outra artista. Isto

    seu mrito primeiro.

    Jornal O Sculo Lisboa - 3/4/1948

    Devo muito do meu aprendizado ao Iglzias. Com ele aprendi muita coisa e tive

    chance de estudar muito. Ele nunca se descuidou disso e sempre me apoiou. Inclu-

    sive, algumas pessoas que no gostavam dele o acusavam de no contratar dire-

    tores para a nossa companhia. No verdade. Sempre tivemos e dos bons!

    Tivemos diretoras como Ester Leo e Lucila Simes, ambas de Portugal, que

    eram muito talentosas, e o professor Eduardo Vieira, portugus tambm, radi-

    cado no Brasil. Ele era o maior, o melhor diretor da lngua portuguesa e um

    profissional muito significativo para o nosso teatro. Ele foi contratado em carter

    permanente e teve uma importncia fundamental na minha formao. Foi ele

    que me ensinou a representar e me mostrou o valor das vrgulas e outras coisas

    que numa escola de teatro talvez eu no tivesse aprendido. Aprendi na prtica,

    durante 14 anos.

    Ele me ensinou a arte de dizer. Hoje em dia muitos artistas falam que repre-

    sentam, mas que no conhecem a arte de dizer. Nada! Fazem drama gritando,

    falando alto.

    Com o professor Vieira, descobri e entendi a arte de valorizar uma determinada

    palavra numa frase. Por isso ele tem grande valor para mim. Foi meu professor,

    contratado no Teatro Serrador, e me ensinou dico. No se pode esquecer

    que, na comdia, uma frase ou uma palavra colocada errada desmonta o humor.

    Acaba com a graa. , por isso, que sempre digo que a comdia muito mais

    difcil do que o drama.

    No drama, voc pega a pessoa pela emoo e vai levando. Alm disso, qualquer

    um pode ser dramtico. Comediante no. diferente. Ou se tem graa ou no

    se tem. No h meio-termo. Hoje tenho noo disso, mas na poca no tinha.

    E no posso agora me enfeitar com penas de pavo, dizendo: Eu sabia... No

    precisei aprender nada. Meu processo de trabalho e minha forma de atuao

    eram inatos. Eu usava a intuio, mas tambm estudei muito. Sempre me per-

    guntavam: Como que voc faz os papis, o que que voc faz? No sei.

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    Revista Carioca, 1941 ( esquerda), quandoEva estrelava Chuvas de Vero, no TeatroSerrador, e os programas do Serrador das

    temporadas de 1943 e 1946 ( direita)

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    A nica coisa que costumo fazer me perguntar: O que eu faria na vida real, para

    ser natural? Faria isso assim ou assado? Existem trs aspectos bsicos que sempre

    analiso num papel: o porqu, para qu e para quem. O resto no tem mistrio.

    Posso dizer que tive um pouco mais de dificuldade no drama, porque no a

    minha rea. por isso que sempre digo que o artista no tem obrigao de fazer

    tudo. Cada um de ns tem um gnero, no s nos palcos, nas telas, mas na prpria

    vida. J imaginou o grande, trgico, Ermete Zacconi fazendo comdia? No, en-

    to porque razo ns temos de fazer comdia, drama e por a afora?

    Mas hoje em dia j no se faz mais o teatro puro de comdia. Os autores con-

    fundem comdia com besteirol ou chanchada que nunca foi a minha praia.

    Assim como confundem comediante com cmico. O que no a mesma coisa.

    As pessoas tm mania de achar que comdia fcil ou que somente um

    gnero. Na verdade, considerada por muitos como um gnero menor. A tal

    ponto que no tnhamos nem apoio nem subveno, nada. Nunca recebi ne-

    nhum auxlio, mas tambm nunca precisei recorrer a isso, graas a Deus.

    Vrias temporadas da Cia. de Eva no Teatro Serrador

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    Captulo V

    O Estilo Eva

    Atriz ou ator que cria e faz sucesso com um gnero de representar demonstra,

    antes de tudo, personalidade dominante face ao pblico... A nossa Eva Todor

    tambm criou seu gnero, o gnero Eva, a personagem alegre, brincalhona,

    biruta, capaz de resolver os mais intrincados crimes e passar pelo mais nove-

    lesco caso de amor, sorrindo e fazendo o pblico sorrir.

    Ney Machado O Dia 29/11/1964

    Nos anos 40, depois de cinco anos fazendo teatro de revista, veio minha grande

    transformao. Iglzias, muito esperto e preocupado com minha carreira, achou

    que no era legal que continussemos na revista, pois estava comeando a

    surgir o nu artstico, que foram incorporados aos espetculos. E a ele percebeu

    que era hora de mudar. Ele dizia para o pessoal da companhia: Eva tem jeito e

    talento para a comdia! Claro que todo mundo achava que ele estava louco,

    afinal, queria lanar uma menina na comdia e isso parecia uma loucura. Ainda

    mais uma menina que no tinha experincia nenhuma nem conhecia direito a

    lngua portuguesa.

    Ele queria sair do teatro de revista e tinha certeza de que eu me daria muito na

    comdia. Tanto que, em maro de 1940, ao voltarmos da turn pelo Nordeste,

    fundamos a companhia Eva e seus Artistas e estreamos a comdia Feia, de

    Paulo Magalhes, sob a direo de Esther Leo.

    Foi a partir de ento que pude desenvolver um estilo pessoal de comdia, o que

    acabou se tornando uma marca na minha carreira, na minha vida. Nascia assim o

    estilo Eva, que era um estilo de humor, um jeito muito prprio de fazer rir.

    importante dizer que o gnero Eva era comdia, no era besteirol. Eu fazia com-

    dia fina, com textos muito bem elaborados. E tinha a minha graa pessoal, alm

    da graa do texto e das situaes. Era um gnero fino e familiar, de menina-moa.

    Sempre tive uma queda para o humor. O povo morria de rir com as bobagens

    que eu dizia em cena e com o meu humor fsico tambm. Eu atravessava o

    palco, de mais de sete metros, feito uma borboleta. Num dos espetculos, tinha

    de andar em cima dos mveis, pulava, fazia e acontecia. Como eu tinha sido

    bailarina, era fcil para mim, pois tinha muita agilidade no palco.

    O Iglzias criava ou adaptava personagens especialmente para a minha idade.

    Com isso, acabava fazendo sempre as jovenzinhas ingnuas. Fui muito

    sobrecarregada e, de certa forma, estandartizada. Com isso, fiquei muito tempo

    representando meninas de 17, 18, 20 anos, porque era o meu forte.

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  • 52

    E o pblico adorava. Muita gente chegava bilheteria do teatro e perguntava:

    pea gnero Eva? Se a moa da bilheteria respondia: No, nem tanto, eles

    diziam: Ento, no quero.

    Assim, insistia-se muito nessas peas. Isso estandardizou um pouco a minha

    vida, que ficou resumida, vamos dizer, a um s gnero. No deu uma amplitude

    ou espao a outros gneros. A no ser uma ou outra vez, quando eu fazia uma

    pea para mostrar que tambm podia interpretar outros estilos.

    Mas o fato que o gnero Eva sempre fez muito sucesso. Era comercial e

    familiar. Mesmo mais tarde, quando todo o mundo comeou a fazer teatro de

    opinio, teatro de agresso, teatro poltico, ns continuamos com as peas

    leves, de humor. E o nosso teatro era sucesso absoluto, enquanto os outros

    precisavam de subvenes.

    A companhia Eva e seus Artistas existiu at o final do anos 60. Durante os

    quase 30 anos de sua existncia, sempre representando comdias de costume,

    ns pudemos contar com atores maravilhosos, como Andr Villon, Jardel

    Jrcolis, Elza Gomes, Henriette Morineau, Afonso Stuart, Judite Vargas, Arman-

    do Rosas, Armando Braga, Samaritana Santos e muitos outros. Alis, naquela

    poca, poucos artistas de teatro no foram contratados meus. Alguns deles

    hoje so famosos na televiso, mas comearam na minha companhia, como

    Daniel Filho, Herval Rossano, Jorge Dria e Marieta Severo.

    No incio de Eva e seus Artistas, fazamos espetculos no Teatro Rival, de Hlio

    Vivaldi Leite Ribeiro, e muitas vezes tnhamos de esperar que uma companhia

    importante, como a de Alda Garrido, Dulcina de Morais ou do Jayme Costa,

    sasse de cartaz para que pudssemos entrar. Era difcil de trabalhar, no havia

    teatro para todo mundo.

    Foi ento que nos ofereceram o Teatro Serrador, o mais alinhado do Rio de

    Janeiro, alm do teatro do Copacabana Palace, que tinha pegado fogo e no

    se podia contar com ele. At ento a gente tinha de esperar que algum desis-

    tisse para poder entrar. Assim, quando recebemos a proposta de ficar perma-

    nentemente no Serrador, fomos ao Rival, falar com Vivaldi Leite Ribeiro, para

    explicar que iramos ficar fixos no Serrador. Fizemos isso por pura considerao,

    pois achamos importante conversar com ele antes de tomar qualquer deciso.

    Havamos feito temporadas brilhantes l, com Feia, Levadinha da Breca, Casei-

    me com um Anjo, Colgio Interno (escrito pelo meu tio, Ladislau Fdor) e uma

    poro de outras peas.

    Lembro-me que Vivaldi Leite Ribeiro disse: Olha, minha filha, eu gostaria muito

    que vocs ficassem no Rival, mas tenho que admitir que o Serrador muito

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5152

  • 53

    mais teatro. Principalmente para voc. Fomos para o Serrador, onde ficamos

    por 23 anos consecutivos. Foram tantos anos de espetculos no Serrador que as

    pessoas j diziam: o teatro da Eva. Quando Francisco Serrador faleceu, tenta-

    mos compr-lo, mas o negcio no foi adiante. Recebemos at o apoio do

    presidente Castelo Branco que, ao saber do caso, ligou para minha casa. Meu

    pai atendeu o telefone e desligou, pois pensava que era trote. Ele nos ofereceu

    um financiamento para comprar o teatro, mas a j no valia a pena. Isso algo

    que me di muito. Existem tantos teatros com nomes de atrizes e eu no tenho

    nenhum.

    Durante as mais de duas dcadas que ficamos no Serrador, tnhamos espet-

    culos de segunda a segunda. De janeiro a janeiro. A vida teatral era muito

    intensa, com muitas peas sendo montadas. Quando estreei, lembro-me que

    era um ms para cada pea. Era tudo muito rpido. E isso exigia uma rgida

    marcao de cena, seguindo o modelo italiano ou portugus. Era a nica manei-

    ra de estruturar cenicamente uma pea num prazo to curto. Trabalhvamos

    com uma slida planta baixa de todo o espetculo, para facilitar o processo de

    remontagem. Sempre acompanhei tudo isso muito de perto e aprendi muito

    sobre marcao de cena. Depois que isso foi mudando.

    Iglzias era, ento, o poderoso chefo do teatro brasileiro. Ele escolhia as peas

    para mim, especialmente entre textos hngaros e americanos. Eu lia, ajudava a

    traduzir e ele adaptava, pois as peas tinham 17, 18, 20 personagens. Ele reduzia

    para o tamanho da nossa companhia, que eram dez, 11 pessoas. E funcionava

    muito bem, porque ele reduzia os personagens, mas no cortava, pois era um

    adaptador sensacional. O que ele fazia era fundir os personagens, adaptando

    os textos para a minha idade. Da o meu grande sucesso.

    Pesava uma grande responsabilidade sobre mim. Eu s trabalhava, mas era

    muito feliz, muito mimada. Alis, pelos dois maridos que tive. Primeiro o Iglzias

    e depois o Paulo Nolding. Embora hoje eu saiba que Iglzias era muito assedia-

    do e tinha suas escorregadelas, na poca eu no sabia. Eu estava totalmente

    entregue ao teatro, trabalhando intensamente.

    Inclusive, muitos anos depois, quando comecei a fazer televiso j tenho 27

    anos na Rede Globo eu ficava sufocada com tanto trabalho. Fazia teatro,

    televiso, no parava nunca. Mais tarde que tomei a deciso de fazer uma

    coisa apenas e acabei optando pela televiso, que para mim muito mais fcil.

    Mas confesso que hoje em dia no tenho mais vontade de fazer teatro, onde eu

    teria de fazer tudo: escolher as peas, cuidar da organizao e administrao das

    coisas. O que sei fazer do palco para dentro. Do palco para fora, nada.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5153

  • 54

    Chegada a Lisboa, 1950, pela segunda vez no navio Vera Cruz

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  • 55

    Captulo VI

    Portugal se Rende ao Gnero Eva

    Eva Todor encantou logo no cais, ao chegar. Depois, no palco do Teatro Aveni-

    da, seduziu completamente, arrancando entusisticos e sinceros aplausos do

    exigente pblico lisboeta.

    Manuel Moutinho Dirio da Manh Lisboa, 4/4/1948

    A estria de Eva e seus Artistas, pode afirmar-se sem favor, constitui um triunfo

    para o teatro brasileiro, para Eva Todor e para Luiz Iglzias... E Eva Todor ,

    sem dvida, um desses temperamentos privilegiados de artista que exerce junto

    de uma platia o papel de um reagente poderoso, irresistvel.

    Norberto Lopes Dirio de Lisboa 3/4/1948

    um gosto v-la atuar com tanta alegria, espontaneidade e inteno. Os olhos,

    as mos, as pernas, os braos representam tambm com ela. E, curioso, estando

    sempre em movimento, agitada, Eva nunca exuberante demais.

    Dirio de Notcias Lisboa 15/5/1948

    Tenho orgulho de dizer que foi com a comdia de gnero Eva que cruzamos o

    Atlntico e conquistamos Portugal. Minha companhia, Eva e Seus Artistas, foi trs

    vezes fazer temporada na Europa, levando 27 peas, com cenrios, figurinos, tudo

    por nossa conta. ramos um grupo de 40 pessoas, entre atores e tcnicos. Cada

    ator fazia apenas um papel por espetculo. Nunca usvamos o mesmo ator para

    dois ou trs papis, como comum quando as companhias viajam. Levvamos

    tudo daqui, de navio, e montvamos os espetculos completos.

    Viajvamos com todo o elenco, diretores, contra-regras, secretrios e por a

    afora. Alis, levvamos um grupo de atores talentosos, de primeira linha, com

    Andr Villon, Elza Gomes, Afonso Stuart, Samaritana Santos, ris del Mar,

    Alberto Perez, Armando Rosas, Armando Braga, Pla Leski, Pepa Ruiz, Arman-

    do Ferreira e Artur Costa Filho que no eram apenas artistas contratados,

    eram nossa famlia. Viajvamos de navio, de primeira classe, com todo o con-

    forto possvel.

    A idia de ir para Portugal foi coisa do Iglzias. No recebemos um convite,

    ns que pedimos para ir. Assim, fomos trs vezes Europa, por conta prpria,

    e permanecemos por l nessas condies. E ainda por cima pagvamos 50% ao

    empresrio de l e ficvamos com os outros 50%. Mesmo assim sobrevivemos e

    ganhamos muito dinheiro.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5155

  • 56 No Teatro Maria Victria, de Lisboa, com os atores Humberto Madeira e Raul Solnado

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5156

  • 57

    Claro que era um negcio arriscado, pois alm de dividir os ganhos com o empre-

    srio de l, ainda tnhamos de assumir toda a despesa com passagem, transporte,

    estadia e ainda pag-lo. Apesar de tudo isso, deu certo.

    s quintas-feiras, sbados e domingos, fazamos trs sesses corridas por dia:

    das 4 s 6 horas da tarde, das 8 s 10 horas da noite e das 10 meia-noite. s

    segundas, teras, quartas e sextas-feiras, fazamos duas sesses. Hoje em dia

    isso no existe mais. Sem dizer que os portugueses no gostavam de peas

    curtas! Tnhamos de montar espetculos longos, grandiosos, completos.

    Nunca recorremos a incentivos do governo. A nica vez em que recebi uma

    ajuda pequena do governo foi com a pea Chiquinha Gonzaga, que tinha muitas

    roupas de poca, com 32 figuras em cena. Na ocasio, recebemos o apoio do

    ento ministro da Educao e Cultura, Jarbas Passarinho, que fez questo de

    nos ajudar por se tratar de uma personagem histrica.

    Por isso, fao questo de lembrar que Eva e seus Artistas foi a primeira compa-

    nhia de comdia a atravessar o Atlntico e se apresentar em Portugal. Fizemos

    nossa primeira temporada em 1948, com apresentaes sempre lotadas, durante

    nove meses. O sucesso foi to retumbante que voltamos em 1950 e em 1960,

    para uma temporada de 11 meses e outra de dois anos e meio. Era uma mara-

    vilha. Sempre recebemos boas crticas e o carinho do pblico. Era uma loucura.

    Por exemplo, quando eu ia atravessar a Avenida da Liberdade, que a principal

    e mais movimentada de Lisboa, o guarda parava o trnsito para mim: Parem

    para a menina Eva passar, dizia ele. E eu nunca conseguia comprar nada, pois

    ningum aceitava meu dinheiro! Se eu gostasse de algo, eles me davam de

    presente. como digo, portugus fino fidalgo.

    Foram momentos maravilhosos no Teatro Avenida, de Lisboa, e em outras

    provncias de Portugal, na regio do Porto. Tudo isso com a companhia por

    minha prpria conta.

    Logo depois da terceira temporada em Portugal, fomos para a frica, em 1962,

    onde excursionamos por oito meses. Nessa altura, entrou um scio, um empre-

    srio portugus na companhia, que a transformou numa companhia de gnero

    musicado. A comdia ficava por minha conta, mas o resto era um gnero de

    revista, que eles adoravam l fora. Essa foi a nica vez que fiz revista, depois de

    ter sado do gnero j nos primeiros anos de carreira. Claro que ao retornar ao

    Brasil fomos de novo para a comdia.

    Conheci grande parte da frica. Foram 25 cidades da costa oriental e 25 da costa

    ocidental. Trabalhamos muito. Passamos pela Rodsia, Zimbbue, Angola,

    Moambique e frica do Sul. Foram muitos lugares e uma tima experincia.

    Eva Todor miolo.pmd 26/11/2007, 15:5157

  • 58

    Infelizmente, logo depois que voltamos de viagem, Iglzias veio a falecer de

    edema pulmonar, em 1963. No posso deixar de dizer que Iglzias deu todo o

    alicerce para minha carreira que no foi conquistada custa de mdia, mas

    sim pela qualidade do meu trabalho, pelas peas que fiz e pela minha atuao.

    Tenho plena conscincia de que no decorrer dos anos Iglzias acabou se anu-

    lando para se dedicar a mim. Chegou at a esquecer que era um grande autor,

    pois s trabalhava para mim. Por isso tudo, devo metade do meu sucesso ou

    mais a Luiz Iglzias.

    No casamento civil, com seu segundo marido, Paulo Nolding, e seus pais

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  • 59

    Captulo VII

    O Casamento com Paulo Nolding

    Depois da morte do Iglzias, fiquei sozinha com meus pais. Foi tudo muito de

    repente. Um susto danado. Na poca, nem pensava em me casar de novo,

    mas eu tinha apenas 42 anos. At que Paulo Nolding, que j era um grande

    amigo, me convenceu do contrrio. Ainda bem, pois com ele vivi 25 anos de

    felicidade imensa.

    Paulo era engenheiro qumico e tinha uma fbrica, a Metalrgica Nolding,

    uma empresa familiar, que ele administrava com os irmos. Na verdade, ele

    era presidente da empresa, mas depois desistiu de tudo.

    No fundo, o sonho do Paulo era ser ator. Tanto que entrou para a nossa compa-

    nhia para substituir um ator. Ele era um rapaz educadssimo, de uma famlia

    finssima, que at hoje como se fosse minha. Entrei para essa famlia maravi-

    lhosa, de 14 irmos, que me acolheu com muito carinho. Ele tinha uma poro

    de tios e sobrinhos, bem diferente da minha famlia, que sempre foi pequena.

    Eu sou filha nica! Guardo recordaes maravilhosas de todos eles, aos quais

    quero muito bem. Eles foram uma ddiva de Deus para mim.

    Mas, enfim, quando Paulo entrou para nossa companhia tornou-se logo um gran-

    de amigo. Como ele ainda tinha a fbrica, trabalhava conosco esporadicamente.

    Assim, quando fomos para a Europa, deixamos aqui algumas coisas pendentes,

    inclusive financeiras, e ele tomou conta de tudo. E ainda fazia companhia a meus

    pais, que j estavam velhos, e ia jogar cartas regularmente com eles, durante os

    dois anos e meio em que estivemos fora. E Iglzias sempre dizia: Esse sim, vinho

    de uma boa safra. Naturalmente quando Iglzias veio a falecer, Paulo me ajudou

    muito, administrando uma poro de coisas minhas.

    Eu estava muito abalada e no queria mais fazer teatro. Era muita coisa para

    cuidar, mas a Paulo me disse: Pode deixar que eu te ajudo. Segui em frente e

    reestrei no Teatro Serrador, com A Moral do Adultrio, pea inacabada de

    Iglzias, da qual ele havia escrito apenas um ato. A segunda parte foi escrita

    por Mrio Brasini, um excelente autor e acima de tudo um grande amigo. Alis,

    ao Mrio devo o fato de ter aceitado o pedido de casamento de meu segundo

    marido e o convite para ser funcionria da Rede Globo.

    Nessa poca, me entreguei completamente ao trabalho. E Paulo sempre por perto,

    me apoiando. O espetculo ficou belssimo e foi um grande sucesso. Logo depois

    fiz outra pea, As Vivas do Machado, baseada em Machado de Assis. Paulo j

    havia, ento, se tornado mais do que um amigo: era meu empresrio.

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  • 60

    O casamento religioso com Paulo Nolding, na Igreja Nossa Senhora do Brasil, na Urca, 1965

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  • 61

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  • 62

    O casamento religioso, com Paulo Nolding, e os amigos Alda Garrido, Fbio Sabag, PaschoalCarlos Magno e Maria Sampaio

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  • 63

    Ele ficava comigo, pra l e pra c todo dia, tnhamos um entendimento muito

    grande. E ele j tinha dito, para muita gente, que estava apaixonado por mim.

    Todo mundo sabia, menos eu. Era paixo mesmo. At que um dia ele me disse:

    Olha, Evinha, eu no posso ficar vindo sua casa todo dia, porque at feio

    para voc. Como eu j estava viva h seis meses, ele achava que no ficava

    bem sua presena constante no meu dia-a-dia. Respondi: Est bem, ento no

    vem mais. Mas quando ele foi embora, eu o chamei imediatamente e disse:

    No posso viver sem voc.

    Aceitei seu pedido de casamento, que foi realizado dois anos e meio depois.

    A me dele, coitadinha, sempre me pedia: Pelo amor de Deus, casa com ele,

    no o faa sofrer. Paulo era muito ligado famlia e muito correto. Era solteiro,

    totalmente desimpedido, e podamos nos casar quando bem quisssemos. Mas

    eu no queria me casar. At que meu pai me chamou e me fez um sermo: O

    que voc est pensando? Voc encontra um rapaz, um homem da sua idade,

    solteiro, desimpedido, que no precisa de voc para nada e voc est a fazendo

    doce. Voc est pensando que Clepatra. viva, bonita, importante, popular,

    claro que vai encontrar muita gente disposta a ter uma situao com voc, mas

    vai ser apenas uma situao. Poucos homens da sua idade vo querer casar,

    porque j esto casados. O momento de construir uma nova famlia agora.

    Voc encontra um rapaz que no precisa de voc e mesmo assim quer casar

    com voc, mas voc no quer! Que histria essa?

    Eu ainda no estava apaixonada pelo Paulo. Via nele um grande amigo, mas

    depois de casada, devo admitir, ele foi a criatura que mais adorei neste mundo.

    Ele foi incrivelmente bom, paciente, inteligente, perspicaz, companheiro,

    amante, tudo o que voc possa imaginar. Sem desmerecer meu primeiro mari-

    do que fez de tudo pela minha carreira e se no fosse ele eu no teria sido o

    que fui Paulo foi melhor como companheiro, como a pessoa que organizou

    minha vida e me deu um lastro. Um lastro que Iglzias no havia deixado, pois

    era mais perdulrio, mais bomio, e sempre me dizia: Posso no deixar nada

    para voc, porque bens materiais no significam nada, mas de uma coisa voc

    pode ter certeza, plantei o seu nome muito bem plantado. Sua carreira est

    encaminhada. Voc tem uma carreira e um nome plantado. Uma carreira que

    no feita por marketing, nem por jornais, mas porque voc conhecida no

    Brasil inteiro e na Europa, aqum e alm-mar. Posso no te deixar nada, mas o

    teu nome eu deixo feito. Assim era Iglzias.

    E Paulo, por intuio, continuou a obra de Iglezias. Foram meus dois casamen-

    tos. Um de 28 anos e outro de 25. S tive essas duas criaturas na vida: Iglzias

    e Paulo. S que os dois fizeram a safadeza de morrer e me deixar sozinha.

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    Nos dois anos e meio que namorei Paulo, era s namoro mesmo. Pode acredi-

    tar! Eu no fiz a experincia que uma das irms dele me aconselhou a fazer.

    Ela me disse bem assim: Se voc no gosta dele, se no quer casar, faa uma

    experincia, uma situao. Mas no fiz isso e argumentei: No vou fazer isso,

    porque conheo a famlia de vocs, que muito sria, tradicional. E Paulo um

    homem absolutamente ntegro e honesto. Vou casar com ele direitinho. Dar

    tempo ao tempo e me casar.

    Em 1965, nos casamos na igreja Nossa Senhora do Brasil, na Urca. Foi uma

    cerimnia lindssima. Tive at que me batizar para poder casar na igreja catlica,

    pois no era batizada. E Elza Gomes foi minha madrinha. Meu pai dizia que eu

    era vira-lata, porque s me batizei para casar na igreja! Mas mesmo com Iglzias,

    com quem no tive uma cerimnia tradicional, fomos receber a bno na

    igreja catlica. E vou dizer uma coisa: no dia do meu casamento com Paulo, eu

    estava to nervosa que telefonei para o meu mdico, desesperada. Estou cheia

    de dor, eu disse. E ele respondeu: Voc est em pnico, sua boba!

    Depois que nos casamos, Paulo abandonou de vez tanto a metalrgica quanto

    a idia de se tornar ator. No ia dar certo ser ator estando casado comigo. Eu

    no queria fazer concorrncia a ele. Claro que queria que ele fosse uma pessoa

    importante e fizesse carreira no mundo artstico, que era o que gostava, mas

    como ator haveria sempre uma competio entre ns. Alm disso, ele era mara-

    vilhoso como empresrio. Tanto que realizou grandes produes. Foi ele que

    produziu as peas De Olho na Amlia, com 27 pessoas envolvidas, Em Famlia,

    de 20 pessoas, Rendez-Vous, na Maison de France, e Chiquinha Gonzaga, que

    era uma produo grande, com mais de 30 pessoas e um figurino de cem roupas

    de poca.

    Eu o fiz empresrio e ele correspondeu, pois tinha uma vocao enorme para

    administrao! Tinha que ter. Era engenheiro qumico, uma pessoa instruda,

    falava diversas lnguas, entendia de teatro, enfim, era muito talentoso. Como

    ator, fez alguns trabalhos e chegou a substituir Nelson Rodrigues, que era autor

    e ator da pea Perdoa-me por Me Trares, na montagem de 1957. Paulo, que

    falava francs muito bem, se apaixonou pelo teatro ao trabalhar com Louis Jouvet,

    que se apresentou no Rio de Janeiro, no Theatro Municipal, nos anos 40. Enfim,

    ele at tinha vocao para ser artista, mas eu no o queria como artista.

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    Na pea Cndida, de Bernard Shaw, 1946

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    Captulo VIII

    Do Humor ao Drama

    um prazer, depois de vrios anos, deparar de novo com o estilo de Eva Todor,

    uma das damas do teatro brasileiro. Ela perdeu a audcia da colegial sapeca,

    tpica de seus primeiros namoros com a platia. Uma inflexo e uma prosdia

    especiais, dando-lhe ar brejeiro, de comunicabilidade simptica. A essas caracte-

    rsticas, verdadeira marca pessoal, Eva acrescentou maturidade, no domnio

    dos recursos cnicos, e um toque de fantasia que retira a comdia do plano

    terrestre, para sugerir nela um mergulho mais profundo.

    Sbato Magaldi Jornal da Tarde 4/7/1981

    Quando digo que Eva Todor traa novas diretrizes a seu teatro, no pretendo

    afirmar qualquer ato de rejeio ao teatro com que, por muitos anos, conquistou

    sua posio das mais queridas do pblico brasileiro. Um teatro que com ines-

    quecvel simpatia e graa e bastante talento interpretou na primeira fase

    de sua carreira. E no fcil de interpretar, preciso que se diga. S os que esto

    por fora, em teatro, pensam que esse tipo de criao o leve, o cotidiano, o

    natural fcil. um teatro de treinamento, que equipa o intrprete e d-lhe

    segurana para o teatro maior.

    Maria Jacintha 1968

    Depois de muito tempo interpretando mocinhas, percebi que era hora de buscar

    papis mais maduros. Era difcil arranjar peas naquela poca, porque as primei-

    ras-atrizes do mundo inteiro eram mais velhas do que eu. Por exemplo, quando

    fiz Cndida, eu tinha 26 anos e a personagem tinha 36 anos, era uma mulher

    casada e mais madura. A mesma coisa com A Carta de W. Somerset Maugham,

    que fiz no ano seguinte, em 1947, com 27 anos. Esse papel foi feito pela Bette

    Davis, que j era uma atriz mais madura, de seus 40 anos. Esses foram meus

    primeiros papis de mulheres mais velhas. Mesmo assim no deixei as moci-

    nhas totalmente de lado.

    A grande virada veio a partir de 1965, quando me casei com Paulo. Foi ele que

    me aconselhou a abandonar de vez os papis de jovenzinha: J est na hora de

    parar de fazer as mocinhas. Lembro-me que ele falou bem assim: melhor o

    pblico pensar que voc est muito jovem para um papel do que pensar que

    voc est muito velha. Foi ento que percebi que era o momento de fazer as

    damas-gals, como foi o caso da pea De Olho na Amlia, de Feydeau, pela

    qual ganhei o prmio Molire de melhor atriz, em 1969.

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    Graas ao Paulo, assumi a minha velhice muito antes de ela chegar. Como digo

    sempre: houve uma poca em que eu fazia as mocinhas. Depois, fazia as mulhe-

    res mais velhas e hoje fao mulheres mais jovens do que eu.

    Apesar dessa mudana, o gnero Eva sobreviveu, pois sobreviveria a qualquer

    idade. Mesmo hoje em dia, quando fao novelas, utilizo elementos que nasce-

    ram dali. Foi o caso da novela O Cravo e a Rosa, onde explorei muito o meu

    prprio estilo, ou seja, o gnero Eva permanece at hoje. A idade avana, mas

    o gnero fica. Claro que na televiso sempre mais complicado, pois os textos

    so mais srios. Tem algumas coisas engraadas, mas no tudo.

    Depois que parei de fazer as mocinhas, passei a interpretar as quarentonas, as

    cinqentonas, as velhas amalucadas. J no era mais a menina de 18 anos,

    avoada, inconseqente, mas o gnero se manteve.

    Em 1966, quando fiz Senhora da Boca do Lixo, de Jorge Andrade, com direo

    da Dulcina de Morais, pude mostrar que era capaz de fazer outras coisas, de

    viver outros papis. Lembro-me que quando apareci em cena, de peruca branca,

    como uma senhora idosa, recebi uma salva de palmas. A personagem tinha 70

    e tantos anos, mas eu tinha 47 anos. E fazia aquela senhora, gr-fina, de fam-

    lia quatrocentona de So Paulo, que ia parar numa delegacia da boca do lixo

    por estar metida com contrabando.

    Apesar do humor, a pea tinha um lado dramtico. Ento, a Dulcina dizia: Eu

    desasnei essa menina. Desasnou, de asno, compreende? E foi um grande sucesso,

    embora ningum acreditasse que fosse dar certo. Alis, trabalhar com a Dulcina

    foi uma maravilha. Uma experincia enriquecedora.

    Lembro-me que encontrei a Cacilda Becker, em Belo Horizonte, alguns dias

    antes da estria, e ela me disse: Voc vai fazer Senhora da Boca do Lixo? Respon-

    di: Sim, vou fazer. E ela: Voc no pode, no tem idade para isso. Ela tambm

    no tinha. ramos quase da mesma idade. Na verdade, acho que ela estava

    com inteno de fazer a pea. Ento, me disse: Se voc fizer esse papel, nunca

    mais vai poder interpretar as jovens. Mas isso no aconteceu. Continuei fazendo

    mulheres jovens e ainda abri espao para papis mais maduros.

    Muitos anos depois, em 1970, voltei a fazer uma idosa, na pea Em Famlia, de

    Oduvaldo Vianna Filho, com direo de Srgio Brito. Nesse espetculo, que

    ficou um ano em cartaz, eu fazia uma av, bem velhinha, cujos filhos e netos

    decidem mand-la para um asilo, pois nenhum deles queria ficar com ela. O

    pblico se emocionava tanto que algumas pessoas gritavam da platia: Eu fico

    com a senhora! Era emocionante.

    Em A Carta, no Teatro Serrador ( direita)

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    Em cenas de Olho nAmlia, no Teatro Maison de France, com Milton Moraes, 1969

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    Em cena de Olho nAmlia, e o cartaz da pea Rendez Vous ( direita)

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  • 77

    Depois, em 1976, fiz outra pea, no teatro Maison de France, chamada Rendez-

    Vous, em que interpretava uma senhora americana. Eu usava uma dentadura

    horrorosa e uma peruca branca para me caracterizar como uma idosa. No meio

    do espetculo, eu dava aquele salto de circo, e dizia: Ah, minha perouca, eu

    perdi a minha perouca. E dava um salto mortal! Nessa pea, eu fazia oito papis.

    E as personagens tinham idades diferentes! Eu fazia de tudo, dava camba-

    lhota, ia pra l e pra c. Um tremendo trabalho.

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    Alguns dos personagens de Rendez-Vous, 1976

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    Mais um personagem de Rendez-Vous, 1976

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    Captulo IX

    70 Anos nos Palcos

    Em cena, nenhum outro estilo capaz de ser to demonstrativo de liberdade

    que o de Eva Todor. Ela vem de uma escola em que o livre convvio com a

    platia regra primordial. Sua tcnica cnica a da naturalidade. Seu processo

    interpretativo o do instinto, que se contenta quando ela se percebe vonta-

    de. Seu critrio sempre foi o da gratificao constante de seu pblico... E tem,

    com relao platia, a mesma fora que caracteriza as mes mais desveladas:

    dar para receber mais; receber para continuar dando.

    Paulo Afonso Grisolli, diretor teatral 1969

    Fiz centenas de espetculos ao longo de minha carreira. At perdi a conta.

    Comecei com 14 anos e trabalhei a vida toda. S parei depois de quase 70 anos

    nos palcos. Foi uma vida toda dedicada ao teatro. Durante toda minha carreira

    sempre fiz um espetculo atrs do outro. Fiquei 23 anos no Teatro Serrador em

    carter permanente. De janeiro a janeiro. Eu no viajava mais, s montava

    peas no Serrador. Fiz poucos espetculos fora do Rio.

    Nem mesmo em So Paulo consegui levar muitos espetculos, apesar de saber

    que no se podia desprezar a cidade, por ser uma metrpole com uma vida

    cultural intensa. Mas infelizmente no dava para sair do Serrador. Tenho at um

    pouco de frustrao por causa disso. De qualquer forma, nunca deixei o pblico

    paulistano de lado. Durante vrios anos fiz questo de levar espetculos para l,

    sempre no Teatro Santana, que ficava na Rua 24 de Maio, perto do bar Jequitib.

    Assim aconteceu tambm em Belo Horizonte, que foi a primeira capital, depois

    de So Paulo, na qual fiz sucesso em turn. A pea Colgio Interno, do meu tio

    Ladislau Fdor, foi uma verdadeira consagrao. Durante vrios anos s dava

    tempo de ir a Belo Horizonte, depois da temporada do Serrador. Qualquer

    pea que eu anunciasse, tendo feito sucesso no Rio, imediatamente era requisi-

    tada pelo pblico e pela imprensa, que me pedia que eu repetisse tambm

    Colgio Interno. E foi assim durante dez anos.

    Nos anos 40 e 50, eu reservava sempre o ms de dezembro para levar espet-

    culos cidade de So Paulo. Nas minhas temporadas no Teatro Santana, o

    conde lvares Penteado, que era proprietrio do teatro, assistia sempre s

    minhas peas na sua frisa. Ele era um homem gentilssimo. Curiosamente na

    minissrie sobre a famlia Penteado, Um S Corao, exibida na Rede Globo, a

    autora Maria Adelaide Amaral no faz meno ao Teatro Santana. O que foi

    uma falha imperdovel, pois o teatro era maravilhoso.

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    Placa em homenagem ao aniversrio da companhia, anncios em campos de futebol e o pblicona porta do Teatro Serrador

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    Tenho timas lembranas de So Paulo e somente uma desagradvel: eu esta-

    va no palco, encenando Iai Boneca, e no segundo ato quebrei o p, ao me

    levantar de mau jeito. Tive que ir para o hospital e fiquei por vrios dias sem

    poder trabalhar.

    Mas, enfim, sempre fui muito bem recebida pelos paulistanos. Em 1989, quando

    levei do Rio para So Paulo a pea Como se Tornar uma Superme em Dez

    Lies, foi um retumbante sucesso. Eu fazia uma me judia, uma personagem

    maravilhosa. Estava num momento muito difcil, pois a pea estreou 20 e poucos

    dias depois da morte do Paulo. Eu nem sabia que ia estrear. De certa forma,

    Wolf Maia, que era o diretor, alis, um grande diretor, me tapeou. Em nossa

    primeira apresentao, ele me disse: Fica tranqila, Eva, s um ensaio geral,

    com alguns convidados. Mas na verdade era a estria. Eu estava muito mal

    mesmo, no tinha condies fsicas para fazer a pea. Mesmo assim continuei e

    ficamos em cartaz por 2 anos e 8 meses.

    Com a morte do Paulo, acabei por no fazer mais teatro. Era muita mo-de-

    obra, muita coisa para cuidar. Paulo cuidava de tudo para mim. Naquele

    momento, decidi que no iria mais fazer teatro, apenas televiso. Mas o teatro

    sempre foi e continuar sendo minha vida! No teatro pude encenar grandes

    autores nacionais e estrangeiros, vivendo personagens maravilhosas.

    Uma pea que me traz boas recordaes Lily, Lily, que levei ao Teatro Copa-

    cabana, no final de 1988. Ficamos um ano em cartaz! Alis, poucas peas minhas

    fizeram menos de um ano. Lily, Lily tinha um texto timo, embora dificlimo, que

    Joo Bethencourt dirigiu genialmente. Eu fazia dois papis. Eram duas irms,

    gmeas, uma provinciana, toda mocoronga, e a outra, uma vedete, absoluta-

    mente doidona, que bebia, tomava drogas. Eu mudava de roupa 25 vezes sendo

    que a troca mais longa eu fiz em apenas 25 segundos. Eu saia de cena como a

    mocoronga e voltava imediatamente como a vedete. Tudo muito rpido! O p-

    blico fazia: Ohhhh. Absolutamente inacreditvel.

    At na hora dos agradecimentos mantive as duas personagens. Eu agradecia

    como vedete, saa de um lado, fechava-se a cortina e, quando abria de novo,

    eu j estava do outro lado, como a provinciana. Era sensacional. Um excelente

    trabalho de Joo Bethencourt, que alm de grande escritor de comdias, era

    um excelente diretor e um amigo muito querido que infelizmente perdemos

    recentemente, no final de 2006.

    Com ele fiz tambm O Doente Imaginrio, de Molire, que ele dirigiu maravi-

    lhosamente bem, no Theatro Municipal do Rio, em 1978. Eu interpretava a

    Toninha (Toinette, no original francs), que a personagem permanente mais

    famosa de Molire.

    Cenas de Iai Boneca (acima) e de Lily Lily (abaixo)

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    E Joo criou uma cena arbitrria nesse espetculo, me fazendo danar na passa-

    rela com o primeiro-bailarino do Municipal, Emlio Martins.

    Era um grande prazer trabalhar com Joo Bethencourt. Fizemos outro espetculo

    juntos: O Dia em que Raptaram o Papa, uma pea divina que montamos em 1972!

    sobre uma famlia judia, e o marido est revoltado com o mundo e decide raptar

    o papa. A coisa toda vira um escndalo e ele finalmente pede o resgate: S entrego

    o papa se o mundo inteiro prometer que haver paz por um dia. Um dia sem um

    tiro, sem uma agresso, sem um assassinato, sem um assalto no mundo. Era s isso

    o que ele queria. A pea era uma delcia, uma tima comdia. E eu fazia a mulher

    do seqestrador, uma judia muito divertida.

    Um trabalho que teve grande importncia na minha carreira foi Lili do 47, de

    Joracy Camargo. Ganhei um prmio especial pelo papel de uma jovem que se

    torna prostituta: a Medalha de Ouro da Associao de Crticos Teatrais, em

    1949. Foi um grande sucesso!

    Lembro-me com carinho de Lotria, do Luiz Iglzias, que tinha uma conotao

    poltica. Era em cima do marechal Lott e fez muito sucesso tambm. Isso em

    1956. Nesse mesmo ano fiz outra pea com conotao poltica: Timbira, tambm

    do Iglzias, com direo de Jardel Filho. Eu fazia uma ndia, com o corpo todo

    maquiado para ficar morena e uma peruca preta, enorme. Eu descia de um

    coqueiro de sete metros de altura. O pblico adorou! Era eu, Ilka Soares e

    Beatriz Veiga. As peas do Iglzias funcionavam muito bem. Tanto os textos

    originais, de autoria dele, como os que ele adaptava. Era uma maravilha, com

    dilogos preciosos.

    Alis, a primeira comdia que Iglzias ousou fazer para mim foi Chuvas de

    Vero, de 1941. Como eu tinha sotaque, todo o mundo dizia: Iglzias louco,

    tirar a menina do gnero musicado para coloc-la na comdia. Ela mal fala

    portugus! Pois ele fez e foi um sucesso.

    Foram tantos espetculos ao longo de minha carreira! Tantas personagens! De

    Bernard Shaw fiz Cndida, em 1946, que foi a primeira pea a ficar seis meses

    em cena no Brasil. Bernard Shaw nos enviou uma carta, por intermdio de

    Paschoal Carlos Magno, dizendo que pela primeira vez sua pea fazia sucesso

    no teatro. Talvez pelo fato de Iglzias ter alterado o final dos trs atos, que se

    encerrava sempre com os dizeres: E assim o poeta foi embora, levando consigo

    um segredo. Iglzias preferiu fazer um final menos rebuscado. Claro que muitas

    pessoas o acusaram de ter mudado a pea, ao que ele respondeu: tudo uma

    questo de dinheiro. Por meio do prprio Carlos Magno, Iglzias pagou a Bernard

    Shaw o correspondente a dez contos de ris para mudar os finais.

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    Cndida foi a primeira pea da qual se fez um levantamento de arrecadao de

    bilheteria encomendado por Almeida Braga, presidente do Banco da Guana-

    bara, junto a Carlos Lacerda. Resultado: constatou-se que aquela era a pea que

    ficou mais tempo em cartaz e tambm a que deu mais dinheiro naquele ano de

    1946. E ganhamos a Medalha de Ouro de Arrecadao de Direito Autoral.

    De Bernard Shaw encenei ainda A Milionria, em 1953, que era muito moder-

    na. No espetculo, eu dava golpes de jiu-jtsu no Fernando Torres. Eram golpes

    sensacionais! Tivemos at aulas com o lutador Hlio Grace.

    Em 1955, fiz Sabrina, no Serrador. Ao mesmo tempo, estava anunciado para

    estrear no Cine Metro o filme homnimo com Audrey Hepburn. A repercusso

    e o sucesso da nossa Sabrina foram tamanhos que a estria do filme foi adiada,

    para esperar que nossa pea sasse de cartaz. O elenco inclua Manoel Pra,

    Jorge Dria, Elza Gomes, Afonso Stuart, Andr Villon, Jardel Filho e Leda Valli.

    Um elenco milionrio, sem falar da presena de Henriette Morineau minha

    contratada por dois anos , que dirigiu e atuou nessa pea.

    Rainha do Ferro-Velho, do original Born Yesterday, de Garson Kanin, foi igual-

    mente um retumbante sucesso e tambm anunciado paralelamente ao filme,

    o que no nos prejudicou em absolutamente nada. O mesmo aconteceu com

    Anastcia, que estreou na mesma poca que o filme homnimo, estrelado por

    Ingrid Bergman, em 1956.

    Alm de Anastcia, anos depois, em 1977, fiz outro espetculo notvel com

    Morineau, novamente contratada: Quarta-feira sem Falta, l em Casa, de Mario

    Brasini, com direo de Gracindo Jr. Ficamos dois anos em cartaz no Rio de

    Janeiro e, em seguida, samos em excurso pelo Brasil todo, s no fizemos So

    Paulo. Eu guardei a pea por muitos anos, pensando em encen-la outra vez,

    mas no tive oportunidade. Em 2006, acabei cedendo a pea para Nicette

    Bruno e Beatriz Segall, que fizeram uma nova montagem. Cedi porque j no

    tencionava faz-la novamente. Muitas companhias haviam me pedido os direi-

    tos, mas durante dez anos neguei, por gostar muito do texto.

    Outra pea maravilhosa e que considero um dos meus melhores trabalhos: Os

    Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, de 1973, com direo de

    Brbara Heliodora. uma pea sria, formidvel. Srgio Brito comeou a diri-

    gi-la, mas abandonou o trabalho. Brbara assumiu a direo magistralmente,

    alm de fazer a traduo e adaptao do original de Paul Zindell. Gostei muito

    de trabalhar com ela e ganhei o prmio Ibeu de melhor atriz. Paulo Nolding

    tambm foi premiado, na categoria de melhor montagem. Graas percepo

    aguda de Brbara, a pea foi um grande sucesso.

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    Em Timbira,com Jardel Filho,1958

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    Em Timbira,com Ilka Soarese Beatriz Veiga,

    1958

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    Em Lotria ( esquerda), com Glauce Rocha e Herval Rossano; e com Afonso Stuart (acima), emO Dia em que Raptaram o Papa

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    A estria de Colgio Interno (acima), 1942; em Chuvas de Vero (abaixo), 1941; e em Lili do 47 (direita), Medalha de Ouro pela Associao dos Crticos

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    Em A Rainha do Ferro-Velho, com Manoel Pra

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    Cenas de Sabrina, com Elza Gomes e Armando Rosas, 1955, sob direo de Henriette Morineau

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    Cenas de Anastcia, 1956

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    Cenas de Anastcia, 1956

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    Cenas de Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, com Maria Helena Pader

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    Cena de Quarta-feira, sem Falta, l em Casa, com Henriette Morineau

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    Ela uma tima diretora e uma profissional que realmente entende de teatro!

    No sei por que no dirige mais.

    No final das contas, o fato de Brbara ter assumido a direo acabou sendo

    muito positivo. Com certeza Srgio Brito teria dado outro tom ao texto. Acho

    que ele no percebeu que se tratava de uma comdia de humor negro, com

    momentos de graa. Humor negro sim, mas humor. Se tivssemos feito uma

    montagem absolutamente dramtica, como ele queria, teramos enterrado o

    espetculo.

    Enfim, fiz quase 200 peas nestes meus 70 anos de carreira. No d para falar

    de todas, seno seriam necessrios uns dois ou trs livros!

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    Com Oscarito e Cyll Farney, num intervalo da filmagem de Os Dois Ladres, 1960

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    Captulo X

    Cinema

    O teatro sempre foi o foco da minha carreira. Por isso, tive pouca oportunidade

    de fazer cinema, mas confesso que gostaria de ter feito mais. Fiz um filme em

    Portugal, chamado Po, Amor e... Totobola lanado em 1964 com grande sucesso

    de pblico. No tive chance de v-lo, porque voltei para o Brasil logo aps o trmi-

    no das filmagens. Quando fizeram o lanamento em Portugal, fiquei impossibili-

    tada de ir porque Iglzias havia falecido havia pouqussimo tempo. Mas recebi um

    telegrama dizendo que o filme tinha feito uma boa carreira nos cinemas. Era uma

    produo portuguesa e eu era a nica brasileira no elenco.

    J Os Dois Ladres, que fiz nos anos 60 e com o qual ganhei vrios prmios,

    um filme muito comentado, principalmente por causa da cena com Oscarito,

    em que fazemos espelho um do outro. Era uma seqncia divertida: eu me

    olhava no espelho, mas na verdade no era um espelho, era o Oscarito vestido

    igualzinho a mim. Ento, eu dizia: Nossa, como estou feia. E cada movimento

    que eu fazia, ele repetia, como se fosse mesmo minha imagem no espelho.

    A direo era do Carlos Manga, que conduziu todo o filme com muito talento.

    Eu interpretava uma milionria, madame Gaby, e Oscarito, um golpista, que

    agia na alta sociedade, a servio de um ladro sofisticado vivido por Cyll

    Farney. Os Dois Ladres foi lanado em 22 cinemas simultaneamente. Um su-

    cesso absoluto.

    Oscarito era um colega maravilhoso, uma pessoa muito boa. Eu j havia traba-

    lhado com ele na revista e o conhecia h alguns anos, tanto ele como a esposa,

    Margot Louro. Eram pessoas muito corretas. E ele no se pode deixar de

    dizer era um ator genial!

    Recentemente o diretor Mau