ENsAios HISTóRICOS

Colagem interna e acabamento superficialLeopold Rodés

Nos relatos históricos sobre as

manufaturas papeleiras encontramos diversas receitas visando

conseguir uma estabilidade dimensional das folhas de papel Na sua maioria estas receitas recolhem a experiência acumulada por sucessivas gerações de artesãos papeleiras passada de pais para filhos ensinandocomo melhor preparar uma cola vegetal com um mingau de farinha Estacola vegetal adicionada em algumponto da manufatura melhorava ascaracterísticas das folhas de papel nosentido de estabilizar sua estrutura

Fibrosa e portanto fixar de modo mais permanente o seu grau de porosidade ou sua capacidade para absorverlíquidos

No papel fabricado em Fabriano apartir do século XIV a estabilizaçãoda estrutura fibrosa das folhas de

papel era conseguida mergulhando asfolhas de papel num caldeirão contendo uma cola animal gelatinosapreparada fervendo longamente courocru e outros tegumentos ossos e cartilagens após o que era extraída a partemais rica em colágeno substânciaprotéica característica de tecidos conjuntivos animais

A história também nos conta sobre

a aplicação de algum tipo de farinhana superfície das folhas de papelvisando conseguir uma lisura melhorada ou uma rigidez convenientementeelevada numa ação semelhante a dassoluções de amido adicionadas aroupas brancas ou a partes de algumas vestimentas antes de serem alisa

das com o ferro de passar para as tomarmais rígidas menos enrugáveis

Interpretação dos relatoshistóricos à luz dos

conhecimentos presentesPreliminarmente tentaremos defi

nir os objetivos da colagem interna edo acabamento superficial para assimmelhor visualizar como os nossos an

tepassados foram conseguindo atingiros resultados visados

Após a prensagem e secagem dasfolhas de papel seu apertado reticulado de fibras configura um material altamente poroso convidativopara a penetração de substânciaslíquidas ou de sólidos em soluçãopelos duetos capilares internos queas fibras oferecem individualmente

e pelos estreitos interstícios e espaçosvazios que ficam entre duas ou rnaisfibras no seu entrelaçamento

Sabemos hoje que o reticuladofibroso das folhas de papel fica fixado mediante inúmeros enlaces

entre as moléculas de celulose

enlaces mais fortes que aquelesformados pelas pontes de hidrogénioque enlaçavam as moléculas decelulose com as da água circundantee que foram substituídas durante a

secagem pelos novos e mais robustosenlaces celulosecelulose Sabemostambém que a umidade ambiente éfacilmente adsorvida nas superfícieslivres das fibras onde tende a restabelecer os fracos enlaces celulose

água das pontes de hidrogénioafetando a solidez do reticulado tri

dimensional formado pelos enlacesmoleculares celulosecelulose quenele fixam a estrutura das folhas

Assim sendo tanto a condensaçãoda água presente no ar como apenetração de líquidos ou de soluções aquosas se apresentam comefeitos desestabilizadores da dimen

são tridimensional dos enlaces entre

fibras celulósicas integradas nas folhas de papel

Portanto deve ser evitado o desmanche do reticulado tridimensional

causado por aumentos da quantidadede água adsorvida eou absorvida pelaestrutura porosa das folhas de papelConseguir enlaces mais resístenios à

0 PapelJunho 1995 19

Pilão alisador ou acetinados

ação da água ou protegêlos contra osefeitos causados pela presença de umidade no ambiente onde o papel seencontra foram os objetivos visadospela colagem interna e acabamentosuperficial desde o início das manufaturas papeleiras

Os fenômenos de adesão e os

enlaces que os causamRefrescando a memória sobre os

principais conceitos ligados aos enlaces entre substâncias químicas podemos dizer que no interior de ummaterial existem e podem ser detectados diferentes tipos de força queinterligam as diversas partes da substancia ao nível molecular existem

ligações iônicas ligações covalentesforças de Van der Waals pontes dehidrogénio forças que orientamespacialmente as moléculas vizinhasCada uma destas forças de atraçãocontribui à coesão das partes comoum todo se equilibrando e se neutralizando entre elas no interior de cada

substância Porém uma molécula

situada numa superfície nova formada por impacto mecânico por exemplo tem na sua vizinhança um número de moléculas que em média éa metade das que tinha ao seu redorquando estava situada no interior dasubstância antes de ser criada a su

perfície da qual ela passou a fazerparte A energia liberada neste desequilibrio é usada para diminuir as distãncias intermoleculares nas novas su

perfícies criadas e dar origem aos fenÔmenos de adsorção e de tensão superficial ambos estreitamente ligadosà aderência entre substâncias 0

beneficiamento primário das fibrasvegetais mediante os repetidos batimentos de seu socado visa criar novas

superfícies abrir as fibras na terminologia tradicional e propiciar a aderência entre as fibras celulósicas queformam a folha de papel

Assim sendo a adesão entre duas

fibras celulósicas depende do númeroe tipo de enlaces estabelecidos entreas respectivas superfícies Uni fatoparece evidente a aderência somentese apresenta entre superfíciesjustapostas numa proximidademantida numa ordem de grandeza

molecular assim possibilitando umaproveitamento eficiente das forçasdisponíveis nas interfaces Os velhosmestres papeleiros visualizaramintuitivamente que na colageminterna uma maior resistência é

também conseguida mediante adiçãoe dispersão de produtos especiais namassa das polpas onde eles estabelecem ligações intermediárias entreos componentes celulósicos e hemicelulósicos das fibras de modo a

melhorar as propriedades e características das folhas manufaturadas

Também entenderam que ao penetrarnuma folha de papel o comportamento dos líquidos depende muitoda estrutura porosa do papel e dasinterações entre as fibras e o líquidoque as penetra Portanto as substâncias usadas nesta colagem internaprecisavam ser dispersáveis ou melhor ainda solúveis em água paraconseguir uma distribuição uniformedos efeitos desejados

Os fenômenos de superfície nasfolhas de papel

No acabamento superficial conseguiase um resultado satisfatório mediante a aplicação de produtos adequados sobre as superfícies já formadas das folhas de papel ou de papelão operação que dava também lugara interações com os componentes dasfibras destas folhas A presença doscompostos assim originados por umlado propiciava uma modificação datensão superficial que tomava as fibrase portanto as folhas de papel dificilmente molháveis nas suas interfaces

com os líquidos Invasores Esta açãoera convenientemente reforçada pelotamponamento ou obstrução mecânicados acessos aos poros assim dificultando ainda mais a penetração capilarde líquidos e soluções salinas índesejadas

Conseguir uma penetração conflável para um atendimento satisfatóriodas expectativas funcionais de cadaum dos diferentes papéis manufaturados foi o objetivo visado pelosdiversos procedimentos utilizadospara unia colagem interna elou umacabamento superficial Assim os papéis destinados à escrita demandavam

uma superfície que permitisse umdeslizamento suave do bico da penausada para depositar a tinta Estespapéis também precisavam apresentaruma absorção limitada para as tintasque não podiam se espalhar à vontade Obviamente em papéis tipicamente absorventes tais como os mata

borrão a resistência à penetração delíquidos não é desejada Portantoestes papéis não precisam de colagemalém daquela necessária para mantersuas formas e dimensões iniciais

A funcionalidade dos papéis destinados à confecção de embalagens demanda unia elevada resistência à tra

ção e portanto devem também ficarprotegidos contra enfraquecedoresaumentos de umidade

Evolução histórica do colagemApós refrescar a nossa memória

sobre os fundamentos da adesão e

voltando ao que a história nos contasobre os procedimentos de colageminterna e de acabamento superficialpodemos melhor avaliar os sucessivosacertos intuitivos dos cautelosos e

teimosos mestres papeleiros de antigamente

Assim podemos melhor entendero enrolado vegetal com base a ummingau de farinha de cereais comosendo uma adição de amido carboídrato que pela tia constituiçãopolimêrica semelhante à celulose émuito adequado à formação deligações intermediárias com oscomponentes celulósicos das fibrasvegetais A importância da adição deamido porém decorre em parte dotamponamento dos poros pela açãomecânica do alisado superficialsubseqüente Entendemos melhortambém as vantagens da colagemvegetal interna que visa depositar umprecipitado de abietatos de alumíniosobre as fibras celulósicas A inexis

tência dos conhecimentos técnico

científicos hoje disponíveis comportou uma falta de domínio sobre este

processo de colagem resultando numadeposição da cola de breu na formade gotículas muito variáveis no seutamanho fato que prejudicou a uniformidade dos resultados obtidos

No que diz respeito ao encalado

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animal ele estabiliza a estrutura dasfolhas mediante o uso de uma cola

preparada com o colagênio componente principal dos tecidos conectivosdos mamíferos e peixes dos quais éextraído como uma gelatina formadapor polímeros protéicos diversosmediante um processo hidrolftico aoqual são cometidas peles tendõesossos e outros tecidos ricos em fibras

protéicas 0 encolado animal foi umainovação tecnológica importante poisdemonstrou estabilizar a estrutura das

folhas melhor que o encolado vegetaltradicional inclusive superior ao encolado à base de cola de breu No

caso do encolado animal a deposiçãode uma cola gelatinosa na forma deum filme ou camada muito delgada euniforme sobre as fibras celulósicas

propiciou uma distribuição uniformeda cobertura protéica hidrofóbicasobre as áreas que abrigam osenlaces celulose celulose a serem

protegidos

Acabamento superficiala acabamento superficial tem visa

do desde os primórdios da manufaturado papel conseguir uma lisura na superfície das folhas que permita urnadeposição confiável de tinta medianteinstrumentos tais como pincéis ou bicos de pena cortados de forma a facilitar a elaboração de traços emdesenhos ou na representação de símbolos gráficos significando a expressão sonora de palavras ou expressõesverbais portadoras de conceitos abstratos 0 pergaminho e o papiro materiais que precederam o papel na função de suportar a escrita ou os desenhos apresentavam umas superfíciesque demandavam um tratamento paraconseguir a lisura desejada pelosusuários profissionais da escrita Nãoé de se estranhar que as superfíciesdas folhas de papel manufaturadastenham seguido caminhos mimétïcos visando diminuir as irregularidades superficiais decorrentes demarcas deixadas por imperfeições naspeneiras muito primitivas que foramutilizadas inicialmente Este acaba

inento superficial consistia num alisar

a superfície das folhas passandorepetidamente uma pedra dura epolida sobre as superfícies a seremalisadas e com a pedra exercendouma pressão sobre o papel até deixara sua superfície bem lisa e quasebrilhante Outra maneira de se dar um

acabamento superficial às folhas depapel consistia no seu insistente martelameento num pilão cujo cabeçoteestava provido de uma placa de açopolido numa ação semelhante aomartelé dos ourives Obviamente

o polimento é um acabamento superficial que obtura muitos dos puros daestrutura fibrosa da folha assim difi

cultando a penetração capilar de líquidos

Não podemos deixar de lembrarque estes acabamentos abriram o caminho para os modernos recobrimentos de hoje onde as fibras do papel atuam quase exclusivamente comosuporte mecânico de urnas condiçõessuperficiais de elevada e complexaespecificidade funcional que ficamsuperpostas à folha de papel

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