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Movimento ISSN: 0104-754X [email protected] Escola de Educação Física Brasil Stigger, Marco Paulo Relações entre o esporte de rendimento e o esporte da escola Movimento, vol. VII, núm. 14, julio, 2001, pp. 67-86 Escola de Educação Física Rio Grande do Sul, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115318300008 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Movimento

ISSN: 0104-754X

[email protected]

Escola de Educação Física

Brasil

Stigger, Marco Paulo

Relações entre o esporte de rendimento e o esporte da escola

Movimento, vol. VII, núm. 14, julio, 2001, pp. 67-86

Escola de Educação Física

Rio Grande do Sul, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115318300008

Como citar este artigo

Número completo

Mais artigos

Home da revista no Redalyc

Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

2. Coordenador do Laboratório de Psicologia doEsporte do UNILESTE-MG.fnoce2000@yahoo. com. br3. Professor da Universidade de Itaúna - MG.varley @cenesp. eef. ufmg. br

ENDEREÇO PARA CONTATOAv. Presidente Carlos Luz, 4664. B. Pampulha.Belo Horizonte-MG CEP:31310-180.

Relações entre o esporte de rendimento e oesporte da escola

Marco Paulo Stigger1

Será preciso acabar por admitir que, se para alguns,o lema é "mais alto, mais rápido, mais forte!" para osmais numerosos "o essencial é participar"(Alain Loret)

Depois de algum tempo fora da agenda dos debates,reaparecem na Revista Movimento as questõesvinculadas às relações entre o esporte de rendimentoe o esporte enquanto conteúdo da educação físicaescolar. Na verdade, tendo sido motivo de muitaspolêmicas na década de 80 e apesar de - nos últimosanos - terem se ausentado das discussões presentesnos textos acadêmicos da área, acredito que estasquestões nunca se afastaram dos encontros econgressos profissionais, nem das salas e doscorredores das faculdades de educação físicabrasileiras. O fato de pesquisadores reconhecidosna área terem respondido rapidamente aochamamento da Revista Movimento, assim como adiversidade das abordagens identificadas, parecemevidenciar que o debate não foi superado, que atemática é atualmente relevante, e que ainda hámuito a dialogar sobre a matéria.

Mesmo que esta posição inicial possa ser aceita, elanão é suficiente para responder às perguntas que fazBracht (2000: XIV) na introdução do seu texto enviadoà Revista Movimento, onde discute as relações entreo esporte na escola e o esporte de rendimento.Pergunta Bracht:

O que estaria fazendo com que com que este temaadquirisse um caráter polêmico, ou seja, que fossecapaz de mobilizar a comunidade para o debate? É aconstatação de que o tema não se esgotou? Queteriam permanecido questões fundamentais a seremdiscutidas? Em suma, seriam razões 'internas' aodebate?

Tendo como referência estes questionamentos e, emprincípio, concordando com o entendimento deBracht sobre motivos externos que contribuem parao reativar da polêmica2, tentarei, neste texto, oferecera minha contribuição a partir das razões internas aodebate, as quais, acredito, contribuem para o seurenascimento. Assim, respondendo à pergunta doautor, antecipo: acredito que há razões internas quemotivam o debate, pois, apesar das muitas questõesfundamentais que foram discutidas, ainda não houveum razoável entendimento sobre algumas delas, oque faz com que o tema não tenha se esgotado.

Nesta perspectiva, inicialmente realizarei uma breverevisão acerca de alguns aspectos da discussãosociológica contemporânea sobre o esporte,chamando a atenção para as suas repercussões nodesenvolvimento do debate que ocorre no âmbito daEducação Física Brasileira, no que se refere à inserçãodesta prática social na realidade escolar. Buscareiapontar para algumas questões que - apesar de teremsido motivos de muitas discussões entre osprofissionais da área - ainda me parecem obscurase, por esta razão, não têm satisfeito os elementosdesta comunidade, contribuindo para a manutençãoda polêmica, agora reativada pela Revista Movimento.

Posteriormente, apresentarei resultados deinvestigações por mim desenvolvidas em espaçospúblicos urbanos, onde procurei compreender oprocesso de apropriação cultural do esporte porpessoas e grupos que o praticam no lazer, os quais,acredito, poderão oferecer alguns elementos para odebate em pauta. Tendo a categoria rendimentoperpassado grande parte da discussão dos dadosobtidos nas investigações, acredito que asinterpretações desenvolvidas poderão oferecer algumaluz ao debate.

Movimento .67 Movimento

Finalmente, tentarei estabelecer relações entre estesresultados e alguns aspectos da discussão brasileirasobre o tratamento pedagógico do esporte na escola,e - me utilizando do exemplo de uma experiênciareferida na bibliografia da área - defenderei a idéiade uma educação esportiva multicultural.

ESPORTE: HOMOGENEIDADE OUHETEROGENEIDADE?Um esforço de síntese acerca da produçãocontemporânea sobre o esporte visto numaperspectiva sociocultural - sem ter a intenção de fazê-lo de forma compartimentada, mas sim, procurandoatender ao debate em questão - permite colocar algunsestudos desenvolvidos em dois diferentes campos depensamento, os quais podem ser utilizados paradirecionar a presente discussão3.

Numa primeirap e r s p e c t i v a

encontram-se autorescomo Bouet (1968),Brohm (1976; 1978;1989a; 1989b),Guttmann (1978),Mandell (1986) e

Guay(1993),que-aoprivilegiar aspectose s t r u t u r a i s da

sociedade, e tendo como opção metodológica a buscade aspectos que caracterizem o esporte como umarealidade cultural específica - encaminham para umavisão homogeneizada desta prática.

Sintetizando as suas posições, pode depreender-seque, nos seus estudos, são desenvolvidas análisesacerca do esporte numa tradição que tende a abordá-lo dando especial atenção à estrutura social, políticae econômica na qual ele está inserido. Assimvisualizado, o esporte é identificado como elementoda cultura que encontra a sua orientação numadimensão mais ampla da sociedade, a qual, de formaconsensual, é um fator determinante das suascaracterísticas. Desta maneira, o esporte passaria adesempenhar uma ou várias funções na sociedade, e

seria um elemento de reprodução desta mesmarealidade.

Um aspecto comum destes trabalhos é a origem dassuas análises, as quais têm como referênciasfundamentais as observações e reflexões relacionadascom as competições esportivas de grande evidênciasocial. Mesmo quando sustentados em dadosempíricos, os autores levam em consideração apenasaqueles que são relacionados com o esportehegemônica e institucionalmente difundido nasociedade - o esporte de rendimento4-, expressospelos seus agentes sociais dominantes, na forma deregulamentos, legislações, obras literárias,depoimentos registrados, meios de comunicação demassa, entrevistas com atletas, etc...

Assim, o esporte é visualizado numa perspectivainstitucional, na medida em que é visto como umsistema de práticas competitivas situadas dentro deuma mesma lógica e coerência internas, a qual -objetivada nos seus regulamentos, normas,modalidades, valores e outros componentes - serelaciona com formas de organizações que lhe sãoexteriores.

Isto leva-os a destacar determinadas características(Guttmann) básicas (essenciais, na perspecctiva deBouet), que constituiriam a lógica do esportemoderno (Brohm), ou da cultura esportiva (Guay).Mesmo utilizando palavras e expressõesdiferenciadas, estes autores acabam por aproximar-se bastante5, ao enfatizarem que o esporte é frutode um processo de racionalização da vida moderna,que transformou os passatempos e jogosdesenvolvidos até então, em práticas vinculadas: àidéia de competitividade e afrontamento; ao espíritoesportivo; às regras e normas universalizadas; aosgestos estandartizados e especializados; à busca deresultados mensuráveis e comparáveis; àmeritocracia, expressa na figura do campeão; àprodutividade e performance corporal no sentidodo progresso, cuja expressão máxima é o recordesportivo. Ao articularem todas estas idéias ecaracterísticas, são, em grande medida, unânimesao criticarem o esporte moderno, por considerá-loexcessivamente competitivo, ideologicamente

Uma visão homogeneizadaprevalece sobre o fenômeno

esportivo, o qual é identificadocom uma forma monolítica

que dá prioridade àsregularidades e continuidades,sem levar em conta as possíveisdescontinuidades na realidade

das suas práticas concretas.

reprodutor dos valores dominantes, e fator dealienação e exclusão social

Pautado, desta forma, num universo já determinadode referências e num caminho metodológico que visaencontrar características comuns a todos os esportes,uma visão homogeneizada prevalece sobre ofenômeno esportivo, o qual é identificado com umaforma monolítica que dá prioridade às regularidadese continuidades, sem levar em conta as possíveisdescontinuidades na realidade das suas práticasconcretas. Estas regularidades passam a darsustentação a algo semelhante a leis sociais para oesporte, como se todas as práticas esportivas tivessemos mesmos objetivos, sentidos e motivações,independentemente dos seus protagonistas.Conseqüência destes aspectos, é a transposição dascaracterísticas apontadas pelos autores (que passama funcionar como determinantes) para todas as demaispossibilidades de manifestação deste fenômenocultural.

A partir desta forma de olhar para o esporte, estefenômeno poderia ser identificado como umaatividade que se desenvolveria numa perspectivamonocultura!, ou seja, que se expressaria de umaúnica maneira, independente dos locais em que fossepraticado, assim como das características, interessese motivações dos seus praticantes.

Uma segunda posição (Elias/Dunning, 1992; Pociello,1981; Bourdieu, 1990; Bento s/d; Padiglioni, 1996)volta-se para aspectos individuais e subjetivos dosatores sociais, encaminha a reflexão para aheterogeneidade das manifestações esportivas, edemonstra a sua insatisfação em relação à pretendidaposição passiva dos protagonistas do esporte. Paraestes autores, o esporte poderia ser visto como umaprática social passível de ser apropriada de formadiferente em diversas realidades específicas, na medidaem que fosse praticado por grupos particulares.

De maneira bastante diferenciada do primeiro grupode trabalhos destacados neste texto, esta últimaperspectiva, ao invés de apresentar a sociedade comoum todo de valores e funções sociais que conferemcoerência e funcionalidade ao sistema, destaca as

relações de conflito entre diferentes grupos sociais.Quando não se satisfazem com uma visão única parao esporte - e mesmo reconhecendo que as normassociais têm influência nas condutas - identificam osatores sociais também como sujeitos de suas escolhas,e põem em evidência as decisões individuais e deagrupamentos coletivos particulares.

Vistas desta maneira, as práticas esportivas deixam deser analisadas de uma forma homogênea e passam aser consideradas como valores presentes num sistema,sendo praticadas e veiculadas por diferentes gruposde um mesmo contexto social, convivendo, não numarelação consensual via dominação, mas de interaçãoe de conflito; ao questionarem a homogeneidade daspráticas esportivas, chamam a atenção para aspossibilidades de diferentes significados que lhespodem ser atribuídos pelos praticantes.

Vale assim dizer que, em que pese a sua origem, odesenvolvimento, a existência atual e os aspectos queo caracterizam, para estes autores, o esporte nãoresponde necessária e mecanicamente às normassociais que porventura sejam dominantes em cadacontexto. Nesta ótica, num palco de contradiçõessociais, os diferentes protagonistas participam comuma posição ativa, capaz de criar e recriar as suaspráticas culturais, na perspectiva do que Bourdieu(1990: 213) denomina de "efeito de apropriação"6.

Ao olhar para o esporte com este ponto de vista, osautores identificam-no como uma prática que tempossibilidades de se desenvolver numa perspectivamulticultural, ou seja, que se expressaria numadiversidade de manifestações, além daquela que temmaior visibilidade social, o esporte de rendimento.Isto ocorreria vinculado ao contexto cultural em queo esporte fosse praticado, assim como às característicasdos seus praticantes.

RELAÇÕES COM O CONTEXTO DAEDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA

No que se refere à produção acadêmica acerca doesporte na Educação Física Brasileira - e mesmo semque tenham sido utilizados, necessariamente, ospensamentos de todos os autores referidos acima -o que tem prevalecido7 é um olhar que tem uma

.68 Movimento Movimento

Finalmente, tentarei estabelecer relações entre estesresultados e alguns aspectos da discussão brasileirasobre o tratamento pedagógico do esporte na escola,e - me utilizando do exemplo de uma experiênciareferida na bibliografia da área - defenderei a idéiade uma educação esportiva multicultural.

ESPORTE: HOMOGENEIDADE OUHETEROGENEIDADE?Um esforço de síntese acerca da produçãocontemporânea sobre o esporte visto numaperspectiva sociocultural - sem ter a intenção de fazê-lo de forma compartimentada, mas sim, procurandoatender ao debate em questão - permite colocar algunsestudos desenvolvidos em dois diferentes campos depensamento, os quais podem ser utilizados paradirecionar a presente discussão3.

Numa primeirap e r s p e c t i v a

encontram-se autorescomo Bouet (1968),Brohm (1976; 1978;1989a; 1989b),Guttmann (1978),Mandell (1986) e

Guay(1993),que-aoprivilegiar aspectose s t r u t u r a i s da

sociedade, e tendo como opção metodológica a buscade aspectos que caracterizem o esporte como umarealidade cultural específica - encaminham para umavisão homogeneizada desta prática.

Sintetizando as suas posições, pode depreender-seque, nos seus estudos, são desenvolvidas análisesacerca do esporte numa tradição que tende a abordá-lo dando especial atenção à estrutura social, políticae econômica na qual ele está inserido. Assimvisualizado, o esporte é identificado como elementoda cultura que encontra a sua orientação numadimensão mais ampla da sociedade, a qual, de formaconsensual, é um fator determinante das suascaracterísticas. Desta maneira, o esporte passaria adesempenhar uma ou várias funções na sociedade, e

seria um elemento de reprodução desta mesmarealidade.

Um aspecto comum destes trabalhos é a origem dassuas análises, as quais têm como referênciasfundamentais as observações e reflexões relacionadascom as competições esportivas de grande evidênciasocial. Mesmo quando sustentados em dadosempíricos, os autores levam em consideração apenasaqueles que são relacionados com o esportehegemônica e institucionalmente difundido nasociedade - o esporte de rendimento4-, expressospelos seus agentes sociais dominantes, na forma deregulamentos, legislações, obras literárias,depoimentos registrados, meios de comunicação demassa, entrevistas com atletas, etc...

Assim, o esporte é visualizado numa perspectivainstitucional, na medida em que é visto como umsistema de práticas competitivas situadas dentro deuma mesma lógica e coerência internas, a qual -objetivada nos seus regulamentos, normas,modalidades, valores e outros componentes - serelaciona com formas de organizações que lhe sãoexteriores.

Isto leva-os a destacar determinadas características(Guttmann) básicas (essenciais, na perspecctiva deBouet), que constituiriam a lógica do esportemoderno (Brohm), ou da cultura esportiva (Guay).Mesmo utilizando palavras e expressõesdiferenciadas, estes autores acabam por aproximar-se bastante5, ao enfatizarem que o esporte é frutode um processo de racionalização da vida moderna,que transformou os passatempos e jogosdesenvolvidos até então, em práticas vinculadas: àidéia de competitividade e afrontamento; ao espíritoesportivo; às regras e normas universalizadas; aosgestos estandartizados e especializados; à busca deresultados mensuráveis e comparáveis; àmeritocracia, expressa na figura do campeão; àprodutividade e performance corporal no sentidodo progresso, cuja expressão máxima é o recordesportivo. Ao articularem todas estas idéias ecaracterísticas, são, em grande medida, unânimesao criticarem o esporte moderno, por considerá-loexcessivamente competitivo, ideologicamente

Uma visão homogeneizadaprevalece sobre o fenômeno

esportivo, o qual é identificadocom uma forma monolítica

que dá prioridade àsregularidades e continuidades,sem levar em conta as possíveisdescontinuidades na realidade

das suas práticas concretas.

reprodutor dos valores dominantes, e fator dealienação e exclusão social

Pautado, desta forma, num universo já determinadode referências e num caminho metodológico que visaencontrar características comuns a todos os esportes,uma visão homogeneizada prevalece sobre ofenômeno esportivo, o qual é identificado com umaforma monolítica que dá prioridade às regularidadese continuidades, sem levar em conta as possíveisdescontinuidades na realidade das suas práticasconcretas. Estas regularidades passam a darsustentação a algo semelhante a leis sociais para oesporte, como se todas as práticas esportivas tivessemos mesmos objetivos, sentidos e motivações,independentemente dos seus protagonistas.Conseqüência destes aspectos, é a transposição dascaracterísticas apontadas pelos autores (que passama funcionar como determinantes) para todas as demaispossibilidades de manifestação deste fenômenocultural.

A partir desta forma de olhar para o esporte, estefenômeno poderia ser identificado como umaatividade que se desenvolveria numa perspectivamonocultura!, ou seja, que se expressaria de umaúnica maneira, independente dos locais em que fossepraticado, assim como das características, interessese motivações dos seus praticantes.

Uma segunda posição (Elias/Dunning, 1992; Pociello,1981; Bourdieu, 1990; Bento s/d; Padiglioni, 1996)volta-se para aspectos individuais e subjetivos dosatores sociais, encaminha a reflexão para aheterogeneidade das manifestações esportivas, edemonstra a sua insatisfação em relação à pretendidaposição passiva dos protagonistas do esporte. Paraestes autores, o esporte poderia ser visto como umaprática social passível de ser apropriada de formadiferente em diversas realidades específicas, na medidaem que fosse praticado por grupos particulares.

De maneira bastante diferenciada do primeiro grupode trabalhos destacados neste texto, esta últimaperspectiva, ao invés de apresentar a sociedade comoum todo de valores e funções sociais que conferemcoerência e funcionalidade ao sistema, destaca as

relações de conflito entre diferentes grupos sociais.Quando não se satisfazem com uma visão única parao esporte - e mesmo reconhecendo que as normassociais têm influência nas condutas - identificam osatores sociais também como sujeitos de suas escolhas,e põem em evidência as decisões individuais e deagrupamentos coletivos particulares.

Vistas desta maneira, as práticas esportivas deixam deser analisadas de uma forma homogênea e passam aser consideradas como valores presentes num sistema,sendo praticadas e veiculadas por diferentes gruposde um mesmo contexto social, convivendo, não numarelação consensual via dominação, mas de interaçãoe de conflito; ao questionarem a homogeneidade daspráticas esportivas, chamam a atenção para aspossibilidades de diferentes significados que lhespodem ser atribuídos pelos praticantes.

Vale assim dizer que, em que pese a sua origem, odesenvolvimento, a existência atual e os aspectos queo caracterizam, para estes autores, o esporte nãoresponde necessária e mecanicamente às normassociais que porventura sejam dominantes em cadacontexto. Nesta ótica, num palco de contradiçõessociais, os diferentes protagonistas participam comuma posição ativa, capaz de criar e recriar as suaspráticas culturais, na perspectiva do que Bourdieu(1990: 213) denomina de "efeito de apropriação"6.

Ao olhar para o esporte com este ponto de vista, osautores identificam-no como uma prática que tempossibilidades de se desenvolver numa perspectivamulticultural, ou seja, que se expressaria numadiversidade de manifestações, além daquela que temmaior visibilidade social, o esporte de rendimento.Isto ocorreria vinculado ao contexto cultural em queo esporte fosse praticado, assim como às característicasdos seus praticantes.

RELAÇÕES COM O CONTEXTO DAEDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA

No que se refere à produção acadêmica acerca doesporte na Educação Física Brasileira - e mesmo semque tenham sido utilizados, necessariamente, ospensamentos de todos os autores referidos acima -o que tem prevalecido7 é um olhar que tem uma

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perspectiva semelhante ao do primeiro grupo, ouseja, uma visão homogênea e homogeneizadora destaprática social. Isto se expressa em vários trabalhospublicados já na década de 80, quando - vinculadasao processo de abertura política que ocorria no Brasilna época - surgiram várias análises críticas sobre oesporte, sustentadas em referências das ciências sociaisque eram inseridas nas discussões da área.

Dentre estas, é importante destacar o trabalhopublicado por Cavalcanti (1981), quando, em umartigo que buscava oferecer um contraponto à visãodo movimento do Esporte para Todos que sedesenvolvia no Brasil naquele momento, analisacriticamente o esporte realizado no lazer. Sustentadaprincipalmente nas idéias de Brohm (op. cit), a autoraprocurou refletir sobre "A função cultural do esportee as suas ambigüidades sociais", e esforçou-se nosentido de denunciar as características alienadora ereprodutora deste fenômeno. Mesmo que tenhatentado - ao final do texto - discutir a possibilidadeda ação dos educadores e dos movimentos popularesresistirem à cultura dominante do esporte, acaboupor transmitir (pela ênfase dada à perspectiva crítica)uma visão única para esta atividade.

Também na década de 80, um outro trabalho bastantelido pelos professores de educação física brasileiros,e que, desde então, teve bastante influência nopensamento acadêmico-profissional destacomunidade, foi o publicado por Bracht em 1987.Neste texto, o autor faz uma análise critica acerca doesporte enquanto conteúdo da aula de educaçãofísica, e considera que "A criança que pratica esporterespeita as regras do jogo... capitalista". De formasemelhante ao texto de Cavalcanti {op. cit), - e mesmoque tenha concluído o seu trabalho com umchamamento aos educadores no sentido da construçãode um "novo esporte" (: 188) -, o autor acaba por darmaior evidência à função que esta atividade tem, dereproduzir e reforçar a ideologia capitalista, o que seexpressaria numa lógica e características únicas, ouseja, aquelas que Bracht identifica no esporte praticadona sua forma hegemônica, o esporte de rendimento.O pensamento do autor se manifesta de maneirasemelhante numa publicação posterior (Bracht, 1989),quando afirma que o esporte, com as suas

características (competição, rendimento, record,racionalização, controle e cientifização dotreinamento), "tomou como que de assalto o mundoda cultura corporal e do movimento" (: 69), tornando-se a sua expressão hegemônica, fornecendo, assim,o modelo de atividade para o esporte praticado nolazer. Mesmo que, em vários momentos do texto, abraespaços para pensar na possibilidade de umaheterogeneidade das manifestações esportivas8, Brachtencontra dificuldades para uma autonomia do esportede lazer, em relação ao de rendimento, acabandopor sugerir, também, uma visão homogênea para ofenômeno esportivo: "a diferenciação destas duasmanifestações em direção a uma possível autonomiaencontra sérias dificuldades" (: 70).

Pensamento semelhante é encontrado na obra deKunz, quando, discutindo a possibilidade da"Transformação didático-pedagógica do esporte"(1994), faz uma "análise de sentido do esporte" (: 22)e destaca o que denomina de princípios ou regrasbásicas, desta atividade: a sobrepujança e ascomparações objetivas, assim como as suasconseqüências imediatas, os processos deselecionamento, de especialização, e dainstrumentalização. Com base nesta perspectiva - eapesar do objetivo da obra9 -, enfatiza o que considerauma tendência "em qualquer situação, em que oesporte é praticado e independente dos motivos quelevam à esta prática, seja, pelo lazer, rendimento ouenquanto Educação Física Escolar" (: 22): a"normatização e padronização destas práticas" (ibid.),o que impede a realização de outras possibilidadesde movimentos, assim como reprime "umaparticipação mais subjetiva dos indivíduos nas práticasdo esporte" (ibid.). Posteriormente, no atual debateproposto pela Revista Movimento, Kunz reafirmaalgumas das suas posições anteriores10, oferecendouma análise do que agora denomina de "esporte do(...) leque olímpico" (2000: II), que, "mesmo praticadopor não atletas, como uma prática de lazer ou naescola, tem seus princípios de desenvolvimentofundados sobre valores11 físicos" que, na sua "efetivaçãoprática, qualquer que seja a modalidade (...) devemser avaliados" para permitirem a comparação, o quese relaciona com as suas "regras básicas, asobrepujança e a comparação objetiva"12. Como

alternativa ao conteúdo externo do esporte, quepertenceria à ciência, à cultura e à tradição, Kunzpropõe o investimento na busca do auto-conhecimento através do esporte e a partir dodesenvolvimento da sensibilidade, da percepção e daintuição; pela concentração da atenção ao "mundovivido" (: XII), isto propiciaria o desenvolvimento dascapacidades dos praticantes para "conceituar eentender racionalmente o mundo, os outros e a nósmesmos" (ibid.).

Apesar das diferenças de abordagem destes trabalhos,analisando-os como um conjunto, identifico algunspontos em comum: o primeiro deles - apesar dealgumas colocações relativisadoras -, é uma posiçãoque tende para identificar o esporte numa visão única,homogênea e homogeneizadora, que teria comomodelo o esporte de rendimento; o segundo, é acrítica que é feita a este modelo, principalmentequanto às suas possibilidades educacionais; o terceiroé uma vontade de transformar o esporte, adequando-o ao que os autores consideram ser os objetivoseducacionais da escola; o quarto é umadúvida/incerteza sobre as possibilidades destatransformação, expressa na ênfase que é sempre dadaaos aspectos por eles criticados acerca do esporte.Enfim, identifico um pensamento ambíguo sobre oesporte e sobre as suas possibilidades educacionaisno contexto escolar: ora o esporte de rendimento évisto com enorme força no sentido da sua hegemoniacultural, ora ele é visto como passível de sertransformado, tanto no contexto do lazer, como noda escola.

Em alguma medida, acredito que ambigüidadesemelhante a esta foi também identificada por Vago(1996), quando dialogou com Bracht acerca do esportena escola e o esporte da escola. Analisando ostrabalhos deste autor, Vago identifica que "Brachtinicialmente escreve que o esporte e a Educação Física'condicionam-se mutuamente'" (: 8), mas que, numoutro momento, "o autor afirma taxativamente quea Educação Física "'assume os códigos de uma outrainstituição' mais poderosa: a instituição esportiva"(ibid.).

Apesar de que esta hesitação13 poderia ter encontrado

solução em mais de uma possibilidades, a suarepercussão no pensamento de grande parte dacomunidade da Educação Física Brasileira pareceapontar, preponderantemente, para uma visãohomogênea sobre o esporte14. Digo isto com baseem conversas com colegas que atuam na área, assimcomo a partir de observações em debates e eventosdesta esfera profissional15.

Talvez isto pudesse ser sintetizado afirmando-se que,se por um lado há alguns movimentos (inclusivedestes próprios autores) no sentido de propostasmotivadas por um "otimismo prático" (Kunz, 1994:6) voltado para uma visão multicultural do esporte,expresso pela possibilidade da sua transformação nocontexto escolar, o que tem prevalecido nopensamento da comunidade em questão, é um

"pessimismo teórico"

Ora o esporte de rendimento évisto com enorme força nosentido da sua hegemoniacultural, ora ele é visto comopassível de ser transformado,tanto no contexto do lazer, comono da escola.

ESPORTE OU ESPORTES?APROPRIAÇÕES CULTURAIS DOFENÔMENO ESPORTIVO, NO LAZERSendo parte da comunidade da Educação FísicaBrasileira, e assim, bastante influenciado por estasdiscussões, eu sempre tive vontade de encontrarelementos que ajudassem a compreendê-las. Apesarde reconhecer grande validade nas formulaçõesdesenvolvidas por estes e outros autores que sesustentam nas formulações da chamada sociologiacrítica do esporte16, a minha intuição e experiênciaesportiva pessoal sempre me fizeram encontrar algumadificuldade em aceitá-las inteiramente.

Mesmo correndo o risco de cometer aqui algumasimplificação, acredito que, se por um lado estasformulações acabam por oferecer uma críticaimportante às posições que identificam o fenômenoesportivo de uma forma ingênua e descontextualizada(atribuindo-lhe apenas virtudes), por outro, no seu

(ibid.), que acaba porenfatizar a idéia deque o que existe éuma monocultura doesporte, representadopela forte hegemoniacultural do esporte derendimento.

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perspectiva semelhante ao do primeiro grupo, ouseja, uma visão homogênea e homogeneizadora destaprática social. Isto se expressa em vários trabalhospublicados já na década de 80, quando - vinculadasao processo de abertura política que ocorria no Brasilna época - surgiram várias análises críticas sobre oesporte, sustentadas em referências das ciências sociaisque eram inseridas nas discussões da área.

Dentre estas, é importante destacar o trabalhopublicado por Cavalcanti (1981), quando, em umartigo que buscava oferecer um contraponto à visãodo movimento do Esporte para Todos que sedesenvolvia no Brasil naquele momento, analisacriticamente o esporte realizado no lazer. Sustentadaprincipalmente nas idéias de Brohm (op. cit), a autoraprocurou refletir sobre "A função cultural do esportee as suas ambigüidades sociais", e esforçou-se nosentido de denunciar as características alienadora ereprodutora deste fenômeno. Mesmo que tenhatentado - ao final do texto - discutir a possibilidadeda ação dos educadores e dos movimentos popularesresistirem à cultura dominante do esporte, acaboupor transmitir (pela ênfase dada à perspectiva crítica)uma visão única para esta atividade.

Também na década de 80, um outro trabalho bastantelido pelos professores de educação física brasileiros,e que, desde então, teve bastante influência nopensamento acadêmico-profissional destacomunidade, foi o publicado por Bracht em 1987.Neste texto, o autor faz uma análise critica acerca doesporte enquanto conteúdo da aula de educaçãofísica, e considera que "A criança que pratica esporterespeita as regras do jogo... capitalista". De formasemelhante ao texto de Cavalcanti {op. cit), - e mesmoque tenha concluído o seu trabalho com umchamamento aos educadores no sentido da construçãode um "novo esporte" (: 188) -, o autor acaba por darmaior evidência à função que esta atividade tem, dereproduzir e reforçar a ideologia capitalista, o que seexpressaria numa lógica e características únicas, ouseja, aquelas que Bracht identifica no esporte praticadona sua forma hegemônica, o esporte de rendimento.O pensamento do autor se manifesta de maneirasemelhante numa publicação posterior (Bracht, 1989),quando afirma que o esporte, com as suas

características (competição, rendimento, record,racionalização, controle e cientifização dotreinamento), "tomou como que de assalto o mundoda cultura corporal e do movimento" (: 69), tornando-se a sua expressão hegemônica, fornecendo, assim,o modelo de atividade para o esporte praticado nolazer. Mesmo que, em vários momentos do texto, abraespaços para pensar na possibilidade de umaheterogeneidade das manifestações esportivas8, Brachtencontra dificuldades para uma autonomia do esportede lazer, em relação ao de rendimento, acabandopor sugerir, também, uma visão homogênea para ofenômeno esportivo: "a diferenciação destas duasmanifestações em direção a uma possível autonomiaencontra sérias dificuldades" (: 70).

Pensamento semelhante é encontrado na obra deKunz, quando, discutindo a possibilidade da"Transformação didático-pedagógica do esporte"(1994), faz uma "análise de sentido do esporte" (: 22)e destaca o que denomina de princípios ou regrasbásicas, desta atividade: a sobrepujança e ascomparações objetivas, assim como as suasconseqüências imediatas, os processos deselecionamento, de especialização, e dainstrumentalização. Com base nesta perspectiva - eapesar do objetivo da obra9 -, enfatiza o que considerauma tendência "em qualquer situação, em que oesporte é praticado e independente dos motivos quelevam à esta prática, seja, pelo lazer, rendimento ouenquanto Educação Física Escolar" (: 22): a"normatização e padronização destas práticas" (ibid.),o que impede a realização de outras possibilidadesde movimentos, assim como reprime "umaparticipação mais subjetiva dos indivíduos nas práticasdo esporte" (ibid.). Posteriormente, no atual debateproposto pela Revista Movimento, Kunz reafirmaalgumas das suas posições anteriores10, oferecendouma análise do que agora denomina de "esporte do(...) leque olímpico" (2000: II), que, "mesmo praticadopor não atletas, como uma prática de lazer ou naescola, tem seus princípios de desenvolvimentofundados sobre valores11 físicos" que, na sua "efetivaçãoprática, qualquer que seja a modalidade (...) devemser avaliados" para permitirem a comparação, o quese relaciona com as suas "regras básicas, asobrepujança e a comparação objetiva"12. Como

alternativa ao conteúdo externo do esporte, quepertenceria à ciência, à cultura e à tradição, Kunzpropõe o investimento na busca do auto-conhecimento através do esporte e a partir dodesenvolvimento da sensibilidade, da percepção e daintuição; pela concentração da atenção ao "mundovivido" (: XII), isto propiciaria o desenvolvimento dascapacidades dos praticantes para "conceituar eentender racionalmente o mundo, os outros e a nósmesmos" (ibid.).

Apesar das diferenças de abordagem destes trabalhos,analisando-os como um conjunto, identifico algunspontos em comum: o primeiro deles - apesar dealgumas colocações relativisadoras -, é uma posiçãoque tende para identificar o esporte numa visão única,homogênea e homogeneizadora, que teria comomodelo o esporte de rendimento; o segundo, é acrítica que é feita a este modelo, principalmentequanto às suas possibilidades educacionais; o terceiroé uma vontade de transformar o esporte, adequando-o ao que os autores consideram ser os objetivoseducacionais da escola; o quarto é umadúvida/incerteza sobre as possibilidades destatransformação, expressa na ênfase que é sempre dadaaos aspectos por eles criticados acerca do esporte.Enfim, identifico um pensamento ambíguo sobre oesporte e sobre as suas possibilidades educacionaisno contexto escolar: ora o esporte de rendimento évisto com enorme força no sentido da sua hegemoniacultural, ora ele é visto como passível de sertransformado, tanto no contexto do lazer, como noda escola.

Em alguma medida, acredito que ambigüidadesemelhante a esta foi também identificada por Vago(1996), quando dialogou com Bracht acerca do esportena escola e o esporte da escola. Analisando ostrabalhos deste autor, Vago identifica que "Brachtinicialmente escreve que o esporte e a Educação Física'condicionam-se mutuamente'" (: 8), mas que, numoutro momento, "o autor afirma taxativamente quea Educação Física "'assume os códigos de uma outrainstituição' mais poderosa: a instituição esportiva"(ibid.).

Apesar de que esta hesitação13 poderia ter encontrado

solução em mais de uma possibilidades, a suarepercussão no pensamento de grande parte dacomunidade da Educação Física Brasileira pareceapontar, preponderantemente, para uma visãohomogênea sobre o esporte14. Digo isto com baseem conversas com colegas que atuam na área, assimcomo a partir de observações em debates e eventosdesta esfera profissional15.

Talvez isto pudesse ser sintetizado afirmando-se que,se por um lado há alguns movimentos (inclusivedestes próprios autores) no sentido de propostasmotivadas por um "otimismo prático" (Kunz, 1994:6) voltado para uma visão multicultural do esporte,expresso pela possibilidade da sua transformação nocontexto escolar, o que tem prevalecido nopensamento da comunidade em questão, é um

"pessimismo teórico"

Ora o esporte de rendimento évisto com enorme força nosentido da sua hegemoniacultural, ora ele é visto comopassível de ser transformado,tanto no contexto do lazer, comono da escola.

ESPORTE OU ESPORTES?APROPRIAÇÕES CULTURAIS DOFENÔMENO ESPORTIVO, NO LAZERSendo parte da comunidade da Educação FísicaBrasileira, e assim, bastante influenciado por estasdiscussões, eu sempre tive vontade de encontrarelementos que ajudassem a compreendê-las. Apesarde reconhecer grande validade nas formulaçõesdesenvolvidas por estes e outros autores que sesustentam nas formulações da chamada sociologiacrítica do esporte16, a minha intuição e experiênciaesportiva pessoal sempre me fizeram encontrar algumadificuldade em aceitá-las inteiramente.

Mesmo correndo o risco de cometer aqui algumasimplificação, acredito que, se por um lado estasformulações acabam por oferecer uma críticaimportante às posições que identificam o fenômenoesportivo de uma forma ingênua e descontextualizada(atribuindo-lhe apenas virtudes), por outro, no seu

(ibid.), que acaba porenfatizar a idéia deque o que existe éuma monocultura doesporte, representadopela forte hegemoniacultural do esporte derendimento.

Movimento .71 Movimento

esforço para a contextualização, elas acabam porinterpretar o esporte apenas como resultado doprocesso de industrialização da sociedade, dadominação do capital e da ideologia dominante.

Neste sentido, e identificando uma carência de estudosempíricos sobre a temática17, procurei estudar oesporte de lazer, o que me levou a buscar saber emque medida poder-se-ia pensar numa visãomulticultural para esta atividade, e/ou até quando iriaa hegemonia do esporte de rendimento, na suapretensa influência na construção de uma monoculturano contexto desta prática social (Stigger, 2000).

Estes questionamentos encaminharam para a buscade respostas a partir da investigação etnográfica, naperspectiva de centrar a atenção não apenas nosaspectos mais gerais do esporte, mas t a m b é m

nas e x p r e s s õ e sparticulares desteelemento da cultura. Istofoi realizado através datentativa de compreensãodas atividades de trêsgrupos de praticantes deesporte, no lazer (fim desemana), na cidade doPorto, em Portugal: oGrupo do Castelo(homens adultos ejovens, praticantes devoleibol de praia); osCaídos na Praia(homens adultos ejovens, praticantes defutebol de praia); e os

Anônimos (homens adultos e jovens, praticantes defutebol tipo pelada, num parque público da cidade).

Ao privilegiar, então, os aspectos microssociais doesporte, a investigação caracterizou-se por ser umaanálise interpretativa da cultura18, a qual não está àprocura de leis sociais, mas preocupada emcompreender o significado que esta prática social tempara os seus praticantes, em universos culturais

específicos. Este tipo de investigação visa conhecera peculiaridade do seu objeto de pesquisa, não tendoassim pretensões generalizadoras, no sentido de queas suas conclusões possam ser estendidas a outroscontextos culturais.

No entanto, sendo uma análise em profundidade deespecíficos universos culturais, ela pode e deveoferecer subsídios para submeter à prova conceitosanteriormente desenvolvidos, estes sim, estabelecidosno modo da generalização. É assim, pela confrontaçãocom análises e teorias generalizadoras, que os estudosetnográficos podem ser úteis para propor uma visãoalternativa de determinadas práticas sociais (Peirano,1995).

Nesta perspectiva, foi dada prioridade à análise pordentro, vinculada à experiência pessoal no campo,via observação participante e entrevistas semi-estruturadas, no contexto dos três grupos depraticantes de esporte aos fins de semana. O trabalhofoi, assim, o resultado da interpretação de padrõesculturais de contextos específicos, desenvolvida apartir das representações (Jodelet, 1989; Laplantine,1989; Magnani, 1988) dos indivíduos e gruposesportivos acerca das suas práticas, expressos nosseus discursos e nas suas ações.

Assim desenvolvido, mas indo além do discursonativo, no trabalho houve a preocupação emenquadrar este discurso num contexto mais ampliado,procurando alargar o universo do conhecimento sobreesta prática social19. Visou-se, então, não apenascompreender o esporte praticado por grupos deesportistas particulares, mas sim, através da análiseparticular, oferecer subsídios para uma maiorcompreensão deste fenômeno cultural, em especialno âmbito do lazer.

Neste momento as interpretações correntes no âmbitoda sociologia do esporte foram bastante úteis, tantocomo interlocutoras, como para fornecer elementospara reflexão sobre as categorias que foram analisadase contextualizadas no decorrer do estudo. Dentreestas, a categoria rendimento foi motivo de bastantediscussão, tendo surgido tanto no discursos dosinformantes, quanto na bibliografia da área.

Ao privilegiar, então, os aspectosmicrossociais do esporte, a

investigação caracterizou-sepor ser uma análise

interpretativa da cultura...

.... indo além do discursonativo, no trabalho houve apreocupação em enquadrar

este discurso num contextomais ampliado, procurando

alargar o universo doconhecimento sobre esta

prática social.

Isto não é de surpreender, pois, quando o objetivo écaracterizar o esporte numa perspectiva sociológica,são bastante utilizadas, por diversos autores, entreoutras, as categorias relacionadas com as idéias derendimento, de performance e de produtividade.Explicitadas também sob a forma de outras expressõesnos trabalhos de vários estudiosos20, estas idéiasaparecem formando um conjunto que identifica oesporte como um fenômeno cultural que tem fortesvínculos com a lógica da sociedade industrial, e, poresta razão, desenvolver-se-ia em relação direta comestas características, as quais são identificadas noprocesso social global desta mesma sociedade. Nestesentido, falar em rendimento, performance ouprodutividade, significa relacionar o debate em tornodo esporte com o contexto das discussões vinculadasao mundo do trabalho, especificamente ao trabalhoindustrial.

É disto que trata Bero Rigauer (1981), na sua obraEsporte e Trabalho, onde tenta demonstrar asafinidades entre estes dois universos socioculturais,os quais estariam impregnados pela idéia dorendimento. No sentido apresentado pelo autor, orendimento esportivo seria representado pela suasemelhança com o rendimento no mundo da indústria,já que, em ambos, o sucesso é reconhecido pelacapacidade de os grupos e indivíduos ultrapassaremníveis de produtividade cada vez maiores.

Desta forma, estes indivíduos e grupos seriam vítimasde uma pressão normativa, relacionada com oprogresso, no sentido de alcançar objetivosestabelecidos no exterior, os quais, simbolicamentee por comparação, seriam fatores indicadores da suaposição na hierarquia social. Esta lógica teriarepercussões no sentido de que - com base nela - oesporte seria uma prática seletiva e, inclusive,excludente, já que, tendo como referência orendimento esportivo demonstrado por cadaelemento, colocaria os menos habilitados numaposição inferior na escala social, ou mesmo os excluiriadesta atividade.

Apesar de, na sua análise, Rigauer (pp. cit) ter voltadoo seu olhar para o esporte de alta competição, o autorgeneraliza as suas idéias e amplia a sua interpretação

para outras manifestações esportivas. Neste sentido,afirma: "toda a asserção sobre o fenômeno do esportede alto nível é relevante para os esportes em geral,pois os esportes de alto nível são hoje a forçacondutora de todo o sistema dos esportes" (: 79).Rigauer vai ainda mais longe na sua generalização,quando -referindo-se especificamente ao esporte delazer - enfatiza: "o esporte recreativo (...) acaba porser uma versão em miniatura do esporte de alto nível(: 107).

Contrariando esta formulação teórica generalizadorado autor, os dados e interpretações dos gruposesportivos estudados na cidade do Porto mostramque estes coletivos estão predominantementedesvinculados de interesses relacionados com orendimento, com a performance e com aprodutividade.

Conforme ficou demonstrado naanálise e interpretação dos dadosobtidos, em nenhum dos gruposinvestigados aparece, como regrageral, a valorização dosresultados esportivos dos seusjogos.

concluído a partir da ausência de referências aresultados esportivos nos depoimentos e nas açõesdos participantes, assim como pela presença de outrosinteresses identificados em seu lugar, tanto a curto,como a longo prazo. Esta interpretação foi aindaencontrada quer no que se refere às metas coletivasde cada grupo, quer no que tange aos aspectosrelativos a cada participante, visto individualmente.

Este aspecto está diretamente relacionado com a idéiade rendimento nos esportes, o que é bastante evidenteno que se refere a estes grupos, já que, nas suadinâmicas: todos escolheram não praticar o esportecontra outras equipes, e sim desenvolver suasatividades no âmbito interno dos coletivos; e tambémnenhum dos os grupos mantém equipes fixas a cadafim de semana (nos Caídos na Praia há estratégiasclaras e definidas em estatuto, sobre este aspecto).

De fato, conformeficou demonstrado naanálise e interpretaçãodos dados obtidos, emnenhum dos gruposinvestigados aparece,como regra geral, avalorização dosresultados esportivosdos seus jogos. Isto foi

.72 Movimento Movimento

esforço para a contextualização, elas acabam porinterpretar o esporte apenas como resultado doprocesso de industrialização da sociedade, dadominação do capital e da ideologia dominante.

Neste sentido, e identificando uma carência de estudosempíricos sobre a temática17, procurei estudar oesporte de lazer, o que me levou a buscar saber emque medida poder-se-ia pensar numa visãomulticultural para esta atividade, e/ou até quando iriaa hegemonia do esporte de rendimento, na suapretensa influência na construção de uma monoculturano contexto desta prática social (Stigger, 2000).

Estes questionamentos encaminharam para a buscade respostas a partir da investigação etnográfica, naperspectiva de centrar a atenção não apenas nosaspectos mais gerais do esporte, mas t a m b é m

nas e x p r e s s õ e sparticulares desteelemento da cultura. Istofoi realizado através datentativa de compreensãodas atividades de trêsgrupos de praticantes deesporte, no lazer (fim desemana), na cidade doPorto, em Portugal: oGrupo do Castelo(homens adultos ejovens, praticantes devoleibol de praia); osCaídos na Praia(homens adultos ejovens, praticantes defutebol de praia); e os

Anônimos (homens adultos e jovens, praticantes defutebol tipo pelada, num parque público da cidade).

Ao privilegiar, então, os aspectos microssociais doesporte, a investigação caracterizou-se por ser umaanálise interpretativa da cultura18, a qual não está àprocura de leis sociais, mas preocupada emcompreender o significado que esta prática social tempara os seus praticantes, em universos culturais

específicos. Este tipo de investigação visa conhecera peculiaridade do seu objeto de pesquisa, não tendoassim pretensões generalizadoras, no sentido de queas suas conclusões possam ser estendidas a outroscontextos culturais.

No entanto, sendo uma análise em profundidade deespecíficos universos culturais, ela pode e deveoferecer subsídios para submeter à prova conceitosanteriormente desenvolvidos, estes sim, estabelecidosno modo da generalização. É assim, pela confrontaçãocom análises e teorias generalizadoras, que os estudosetnográficos podem ser úteis para propor uma visãoalternativa de determinadas práticas sociais (Peirano,1995).

Nesta perspectiva, foi dada prioridade à análise pordentro, vinculada à experiência pessoal no campo,via observação participante e entrevistas semi-estruturadas, no contexto dos três grupos depraticantes de esporte aos fins de semana. O trabalhofoi, assim, o resultado da interpretação de padrõesculturais de contextos específicos, desenvolvida apartir das representações (Jodelet, 1989; Laplantine,1989; Magnani, 1988) dos indivíduos e gruposesportivos acerca das suas práticas, expressos nosseus discursos e nas suas ações.

Assim desenvolvido, mas indo além do discursonativo, no trabalho houve a preocupação emenquadrar este discurso num contexto mais ampliado,procurando alargar o universo do conhecimento sobreesta prática social19. Visou-se, então, não apenascompreender o esporte praticado por grupos deesportistas particulares, mas sim, através da análiseparticular, oferecer subsídios para uma maiorcompreensão deste fenômeno cultural, em especialno âmbito do lazer.

Neste momento as interpretações correntes no âmbitoda sociologia do esporte foram bastante úteis, tantocomo interlocutoras, como para fornecer elementospara reflexão sobre as categorias que foram analisadase contextualizadas no decorrer do estudo. Dentreestas, a categoria rendimento foi motivo de bastantediscussão, tendo surgido tanto no discursos dosinformantes, quanto na bibliografia da área.

Ao privilegiar, então, os aspectosmicrossociais do esporte, a

investigação caracterizou-sepor ser uma análise

interpretativa da cultura...

.... indo além do discursonativo, no trabalho houve apreocupação em enquadrar

este discurso num contextomais ampliado, procurando

alargar o universo doconhecimento sobre esta

prática social.

Isto não é de surpreender, pois, quando o objetivo écaracterizar o esporte numa perspectiva sociológica,são bastante utilizadas, por diversos autores, entreoutras, as categorias relacionadas com as idéias derendimento, de performance e de produtividade.Explicitadas também sob a forma de outras expressõesnos trabalhos de vários estudiosos20, estas idéiasaparecem formando um conjunto que identifica oesporte como um fenômeno cultural que tem fortesvínculos com a lógica da sociedade industrial, e, poresta razão, desenvolver-se-ia em relação direta comestas características, as quais são identificadas noprocesso social global desta mesma sociedade. Nestesentido, falar em rendimento, performance ouprodutividade, significa relacionar o debate em tornodo esporte com o contexto das discussões vinculadasao mundo do trabalho, especificamente ao trabalhoindustrial.

É disto que trata Bero Rigauer (1981), na sua obraEsporte e Trabalho, onde tenta demonstrar asafinidades entre estes dois universos socioculturais,os quais estariam impregnados pela idéia dorendimento. No sentido apresentado pelo autor, orendimento esportivo seria representado pela suasemelhança com o rendimento no mundo da indústria,já que, em ambos, o sucesso é reconhecido pelacapacidade de os grupos e indivíduos ultrapassaremníveis de produtividade cada vez maiores.

Desta forma, estes indivíduos e grupos seriam vítimasde uma pressão normativa, relacionada com oprogresso, no sentido de alcançar objetivosestabelecidos no exterior, os quais, simbolicamentee por comparação, seriam fatores indicadores da suaposição na hierarquia social. Esta lógica teriarepercussões no sentido de que - com base nela - oesporte seria uma prática seletiva e, inclusive,excludente, já que, tendo como referência orendimento esportivo demonstrado por cadaelemento, colocaria os menos habilitados numaposição inferior na escala social, ou mesmo os excluiriadesta atividade.

Apesar de, na sua análise, Rigauer (pp. cit) ter voltadoo seu olhar para o esporte de alta competição, o autorgeneraliza as suas idéias e amplia a sua interpretação

para outras manifestações esportivas. Neste sentido,afirma: "toda a asserção sobre o fenômeno do esportede alto nível é relevante para os esportes em geral,pois os esportes de alto nível são hoje a forçacondutora de todo o sistema dos esportes" (: 79).Rigauer vai ainda mais longe na sua generalização,quando -referindo-se especificamente ao esporte delazer - enfatiza: "o esporte recreativo (...) acaba porser uma versão em miniatura do esporte de alto nível(: 107).

Contrariando esta formulação teórica generalizadorado autor, os dados e interpretações dos gruposesportivos estudados na cidade do Porto mostramque estes coletivos estão predominantementedesvinculados de interesses relacionados com orendimento, com a performance e com aprodutividade.

Conforme ficou demonstrado naanálise e interpretação dos dadosobtidos, em nenhum dos gruposinvestigados aparece, como regrageral, a valorização dosresultados esportivos dos seusjogos.

concluído a partir da ausência de referências aresultados esportivos nos depoimentos e nas açõesdos participantes, assim como pela presença de outrosinteresses identificados em seu lugar, tanto a curto,como a longo prazo. Esta interpretação foi aindaencontrada quer no que se refere às metas coletivasde cada grupo, quer no que tange aos aspectosrelativos a cada participante, visto individualmente.

Este aspecto está diretamente relacionado com a idéiade rendimento nos esportes, o que é bastante evidenteno que se refere a estes grupos, já que, nas suadinâmicas: todos escolheram não praticar o esportecontra outras equipes, e sim desenvolver suasatividades no âmbito interno dos coletivos; e tambémnenhum dos os grupos mantém equipes fixas a cadafim de semana (nos Caídos na Praia há estratégiasclaras e definidas em estatuto, sobre este aspecto).

De fato, conformeficou demonstrado naanálise e interpretaçãodos dados obtidos, emnenhum dos gruposinvestigados aparece,como regra geral, avalorização dosresultados esportivosdos seus jogos. Isto foi

Movimento .73 Movimento

Assim, questionados sobre quando consideram queum dia de jogos é bom nos seus respectivos contextos- mesmo reconhecendo que gostam de vencer aspartidas21 -, não colocaram as vitórias em evidência,mas outros aspectos foram valorizados, como: o fatode o jogo ter ocorrido22; a convivência com os amigos;os jogos equilibrados; o divertimento; a assiduidadedos colegas; e a continuidade do grupo23.

Sob o ponto de vista dos interesses individuais ocorreda mesma forma, já que nenhum dos participantesdemonstra preocupação com a melhoria do seurendimento esportivo de uma semana para a outra:dentre os vários informantes que desenvolvem outrasatividades esportivas durante a semana, nenhumdeclarou que o faz com o objetivo de melhorar a suaperformance, para produzir mais nos jogos do fim desemana. Estas outras atividades esportivas sãoassociadas a outro tipo de objetivos: esporte comoforma de manter a saúde; relaxamento mental;divertimento; convívio.

No mesmo caminho, encontram-se as declaraçõesdos integrantes dos três grupos, relativas às perguntasacerca do que consideram ser as características deum bom companheiro de grupo e de um bomcompanheiro de equipe, e ainda a respeito do que évalorizado para o acesso de um candidato àparticipação nas atividades de cada grupo emparticular.

Sobre estes aspectos, o não dito foi de grandeimportância na interpretação dos dados, já quenenhum dos informantes dos três grupos se referiuespontaneamente à performance como umacaracterística desejável para alguém ser integrado noseu grupo: todos os que se referiram ao rendimentoesportivo de outro jogador, o fizeram apenas após aminha insistência na temática (insisti, tento em vistaser uma categoria importante e bastante referida nabibliografia: "não é importante ter na tua equipe,alguém que te ajude a vencer os jogos"?). Confirmandoas interpretações anteriores, quando - após a minhainsistência - houve referências à performance, esta foisempre colocada num plano inferior em relação aoutros atributos esperados dos seus colegas: sersociável; ser assíduo; estar disponível para tarefas

necessárias; jogar coletivamente.

Algumas declarações e acontecimentos, identificadosnos três grupos, são bons exemplos de situações queconfirmam esta conclusão. Efetivamente, apesar deter passado quase toda a época24 97/98 lesionado, umdos participantes do grupo Caídos na Praia ficouem terceiro lugar no mapa de assiduidade, o qual éelaborado para que se saiba quem será destacadocomo o sócio do ano, que é o único tipo de distinçãoregularmente oferecida pelo grupo a algumparticipante25. Também o processo de renovação dosCaídos26, ocorrido em 1999, não levou em conta, emnenhum momento, aspectos relativos à performancedos candidatos.

Dentre os vários depoimentos que poderiam sercitados, um é o de Amaral (dos Anônimos).Questionado sobre se não prefere ter na sua equipealguém que o ajude a vencer os jogos27, respondeucontrariamente à idéia de que priorizaria alguém queproduzisse esportivamente, assim como confirmououtras de suas posições, no sentido de que aquelaatividade, para ele, está relacionada ao divertimento:o informante afirmou que é mais importante teralguém que jogue coletivamente, pois um jogadorindividualista, "começa a não ter um grande valor paranós, porque começamos a vê-lo jogar e não jogamosnós, [pois] o divertimento28 já não é o mesmo se euganhar e se não jogar à bola".

Estes exemplos não significam que, naquelescontextos, o rendimento esportivo comparado nãofosse uma referência para o desenrolar das atividades.Digo isto, pois nos grupos do Castelo e dos Caídos,os jogadores são comparados pelas suas possibilidadesde produzir algo, mas na perspectiva de que estacomparação permita a realização de jogosequilibrados29. Este é um aspecto bastante valorizadopelos participantes, que se identifica no interesse30

de que os seus jogos sejam sempre duros, renhidos,disputados31, e se concretiza na estratégia de distribuirequitativamente entre as equipes que são formadas,os indivíduos que apresentem performancessemelhantes32.

É neste sentido que - nos dois grupos acima referidos

- as atividades são desenvolvidas de forma que acomparação dos rendimentos dos participantes, sejauma maneira de encontrar o equilíbrio dos jogos, enão um meio para selecionar os participantes. Istoparece estar relacionado com as satisfações emocionaisdos integrantes dos grupos, o que talvez possa serexplicado pelas idéias oferecidas por Elias (1992) nasua teoria multidisciplinar das emoções: para esteautor, mais do que ser uma prática que proporcionaa libertação de tensões, o esporte é uma atividadeque produz um tipo particular de tensão-excitaçãoagradável. No caso dos grupos anteriormente referidos,a teoria parece conciliar-se com a realidade empírica,na medida em que, ao procederem desta forma, osgrupos adotaram estratégias específicas, na perspectivade alcançar um nível de tensão que consideram ótimo,vinculado ao seu interesse particular.

Por outro lado, não é possível desconsiderar que -em alguma medida - a avaliação do rendimentoesportivo acaba por ser também um fator quedetermina o acesso à participação nos grupos doCastelo e dos Caídos na Praia. Isto porque se esperaque os participantes ofereçam condições mínimas paraacompanhar as atividades, e ainda tendo em vista que,depois de uma certa idade, os elementos que seconsideram inabilitados acabam por reformar-se.Porém, esta avaliação/seleção é bastante diferenciadade outros universos esportivos onde as exigências derendimento são bem maiores, o que faz com que apossibilidade de acesso de participantes seja bem maisreduzida, assim como as diferenças técnicas entre osjogadores sejam bem menores. Diferente disto, nocaso dos grupos investigados, o que é esperado deum companheiro de grupo é um rendimento mínimo,e que pode ser esclarecido pelas palavras de um dosinformantes do Grupo do Castelo (voleibol): "é lógicoque ele [um candidato à participação no grupo] sabeque vai para ali e não vai jogar com os pés". Estadeclaração pode ser interpretada com o auxilio dopensamento de Kunz (1999), quando pensa numesporte onde seja buscado apenas um "rendimentonecessário" para que a atividade aconteça dentro depadrões bastante flexíveis, construídos pelo própriogrupo e vinculados ao prazer, e não um "rendimentoobrigatório", no sentido de estar "determinado pelosresultados finais e sua conseqüências" (: 4).

As palavras do informante referido acima sãoconfirmadas em outras características comuns aosgrupos do Castelo e dos Caídos, as quais tambémdestacam a pouca valorização atribuída à produtividadeesportiva dos jogadores, assim como a ausência deuma estratégia que se sustente na seletividade dosparticipantes: em ambos os grupos há a presença deuma larga faixa de jogadores, no que se refere aosseus rendimentos esportivos33 e, mesmo assim, todoseles participam conjuntamente nos mesmos jogos,sem que fossem identificadas dificuldades nodesenrolar das atividades.

Desta forma, tanto no âmbito enquanto coletivo,como individual, os grupos investigados nãodesenvolvem nenhum tipo de atividade visando amelhoria da sua produtividade no esporte quepraticam, nem mantêm nenhum registro dosresultados dos seus jogos, o que poderia evidenciaruma preocupação em controlar o rendimento do seuconjunto. Dos três grupos investigados, o dos Caídosna Praia é o único que mantém registros das suasatividades, porém controla apenas a assiduidade e opagamento das taxas dos participantes, além dasinformações acerca da ocorrência ou não de jogo emcada domingo. Os demais grupos não realizamqualquer tipo de controle sistemático.

Poderiam, por exemplo - como faz o GrupoArarigbóia04 que escolheu jogar contra outros grupos -, manter um diário das atividades realizadas em cadasábado, onde constam anotados os números de golosfeitos por cada jogador, assim como a quantidade devitórias obtidas pela equipe. Neste grupo, é aindaregistrado o craque da rodada, e, no final de cadaano, algumas vezes, é atribuído o prêmio do melhorjogador do período, tendo como referência os aspectosrelativos à sua produtividade nos jogos. Além disso,naquele contexto, são apenas aceitos indivíduos queapresentem rendimento esportivo compatível comos interesses de vitória do grupo, e todos os jogadoresali inseridos estão colocados num status socialdiferenciado, relativo à sua condição de titular oureserva da equipe.

Características semelhantes às que encontrei no GrupoArarigbóia são destacadas por vários dos participantes

.74 Movimento Movimento

Assim, questionados sobre quando consideram queum dia de jogos é bom nos seus respectivos contextos- mesmo reconhecendo que gostam de vencer aspartidas21 -, não colocaram as vitórias em evidência,mas outros aspectos foram valorizados, como: o fatode o jogo ter ocorrido22; a convivência com os amigos;os jogos equilibrados; o divertimento; a assiduidadedos colegas; e a continuidade do grupo23.

Sob o ponto de vista dos interesses individuais ocorreda mesma forma, já que nenhum dos participantesdemonstra preocupação com a melhoria do seurendimento esportivo de uma semana para a outra:dentre os vários informantes que desenvolvem outrasatividades esportivas durante a semana, nenhumdeclarou que o faz com o objetivo de melhorar a suaperformance, para produzir mais nos jogos do fim desemana. Estas outras atividades esportivas sãoassociadas a outro tipo de objetivos: esporte comoforma de manter a saúde; relaxamento mental;divertimento; convívio.

No mesmo caminho, encontram-se as declaraçõesdos integrantes dos três grupos, relativas às perguntasacerca do que consideram ser as características deum bom companheiro de grupo e de um bomcompanheiro de equipe, e ainda a respeito do que évalorizado para o acesso de um candidato àparticipação nas atividades de cada grupo emparticular.

Sobre estes aspectos, o não dito foi de grandeimportância na interpretação dos dados, já quenenhum dos informantes dos três grupos se referiuespontaneamente à performance como umacaracterística desejável para alguém ser integrado noseu grupo: todos os que se referiram ao rendimentoesportivo de outro jogador, o fizeram apenas após aminha insistência na temática (insisti, tento em vistaser uma categoria importante e bastante referida nabibliografia: "não é importante ter na tua equipe,alguém que te ajude a vencer os jogos"?). Confirmandoas interpretações anteriores, quando - após a minhainsistência - houve referências à performance, esta foisempre colocada num plano inferior em relação aoutros atributos esperados dos seus colegas: sersociável; ser assíduo; estar disponível para tarefas

necessárias; jogar coletivamente.

Algumas declarações e acontecimentos, identificadosnos três grupos, são bons exemplos de situações queconfirmam esta conclusão. Efetivamente, apesar deter passado quase toda a época24 97/98 lesionado, umdos participantes do grupo Caídos na Praia ficouem terceiro lugar no mapa de assiduidade, o qual éelaborado para que se saiba quem será destacadocomo o sócio do ano, que é o único tipo de distinçãoregularmente oferecida pelo grupo a algumparticipante25. Também o processo de renovação dosCaídos26, ocorrido em 1999, não levou em conta, emnenhum momento, aspectos relativos à performancedos candidatos.

Dentre os vários depoimentos que poderiam sercitados, um é o de Amaral (dos Anônimos).Questionado sobre se não prefere ter na sua equipealguém que o ajude a vencer os jogos27, respondeucontrariamente à idéia de que priorizaria alguém queproduzisse esportivamente, assim como confirmououtras de suas posições, no sentido de que aquelaatividade, para ele, está relacionada ao divertimento:o informante afirmou que é mais importante teralguém que jogue coletivamente, pois um jogadorindividualista, "começa a não ter um grande valor paranós, porque começamos a vê-lo jogar e não jogamosnós, [pois] o divertimento28 já não é o mesmo se euganhar e se não jogar à bola".

Estes exemplos não significam que, naquelescontextos, o rendimento esportivo comparado nãofosse uma referência para o desenrolar das atividades.Digo isto, pois nos grupos do Castelo e dos Caídos,os jogadores são comparados pelas suas possibilidadesde produzir algo, mas na perspectiva de que estacomparação permita a realização de jogosequilibrados29. Este é um aspecto bastante valorizadopelos participantes, que se identifica no interesse30

de que os seus jogos sejam sempre duros, renhidos,disputados31, e se concretiza na estratégia de distribuirequitativamente entre as equipes que são formadas,os indivíduos que apresentem performancessemelhantes32.

É neste sentido que - nos dois grupos acima referidos

- as atividades são desenvolvidas de forma que acomparação dos rendimentos dos participantes, sejauma maneira de encontrar o equilíbrio dos jogos, enão um meio para selecionar os participantes. Istoparece estar relacionado com as satisfações emocionaisdos integrantes dos grupos, o que talvez possa serexplicado pelas idéias oferecidas por Elias (1992) nasua teoria multidisciplinar das emoções: para esteautor, mais do que ser uma prática que proporcionaa libertação de tensões, o esporte é uma atividadeque produz um tipo particular de tensão-excitaçãoagradável. No caso dos grupos anteriormente referidos,a teoria parece conciliar-se com a realidade empírica,na medida em que, ao procederem desta forma, osgrupos adotaram estratégias específicas, na perspectivade alcançar um nível de tensão que consideram ótimo,vinculado ao seu interesse particular.

Por outro lado, não é possível desconsiderar que -em alguma medida - a avaliação do rendimentoesportivo acaba por ser também um fator quedetermina o acesso à participação nos grupos doCastelo e dos Caídos na Praia. Isto porque se esperaque os participantes ofereçam condições mínimas paraacompanhar as atividades, e ainda tendo em vista que,depois de uma certa idade, os elementos que seconsideram inabilitados acabam por reformar-se.Porém, esta avaliação/seleção é bastante diferenciadade outros universos esportivos onde as exigências derendimento são bem maiores, o que faz com que apossibilidade de acesso de participantes seja bem maisreduzida, assim como as diferenças técnicas entre osjogadores sejam bem menores. Diferente disto, nocaso dos grupos investigados, o que é esperado deum companheiro de grupo é um rendimento mínimo,e que pode ser esclarecido pelas palavras de um dosinformantes do Grupo do Castelo (voleibol): "é lógicoque ele [um candidato à participação no grupo] sabeque vai para ali e não vai jogar com os pés". Estadeclaração pode ser interpretada com o auxilio dopensamento de Kunz (1999), quando pensa numesporte onde seja buscado apenas um "rendimentonecessário" para que a atividade aconteça dentro depadrões bastante flexíveis, construídos pelo própriogrupo e vinculados ao prazer, e não um "rendimentoobrigatório", no sentido de estar "determinado pelosresultados finais e sua conseqüências" (: 4).

As palavras do informante referido acima sãoconfirmadas em outras características comuns aosgrupos do Castelo e dos Caídos, as quais tambémdestacam a pouca valorização atribuída à produtividadeesportiva dos jogadores, assim como a ausência deuma estratégia que se sustente na seletividade dosparticipantes: em ambos os grupos há a presença deuma larga faixa de jogadores, no que se refere aosseus rendimentos esportivos33 e, mesmo assim, todoseles participam conjuntamente nos mesmos jogos,sem que fossem identificadas dificuldades nodesenrolar das atividades.

Desta forma, tanto no âmbito enquanto coletivo,como individual, os grupos investigados nãodesenvolvem nenhum tipo de atividade visando amelhoria da sua produtividade no esporte quepraticam, nem mantêm nenhum registro dosresultados dos seus jogos, o que poderia evidenciaruma preocupação em controlar o rendimento do seuconjunto. Dos três grupos investigados, o dos Caídosna Praia é o único que mantém registros das suasatividades, porém controla apenas a assiduidade e opagamento das taxas dos participantes, além dasinformações acerca da ocorrência ou não de jogo emcada domingo. Os demais grupos não realizamqualquer tipo de controle sistemático.

Poderiam, por exemplo - como faz o GrupoArarigbóia04 que escolheu jogar contra outros grupos -, manter um diário das atividades realizadas em cadasábado, onde constam anotados os números de golosfeitos por cada jogador, assim como a quantidade devitórias obtidas pela equipe. Neste grupo, é aindaregistrado o craque da rodada, e, no final de cadaano, algumas vezes, é atribuído o prêmio do melhorjogador do período, tendo como referência os aspectosrelativos à sua produtividade nos jogos. Além disso,naquele contexto, são apenas aceitos indivíduos queapresentem rendimento esportivo compatível comos interesses de vitória do grupo, e todos os jogadoresali inseridos estão colocados num status socialdiferenciado, relativo à sua condição de titular oureserva da equipe.

Características semelhantes às que encontrei no GrupoArarigbóia são destacadas por vários dos participantes

Movimento .75 Movimento

dos grupos estudados na cidade do Porto, ora quandose referem ao esporte de rendimento35, ora aoaludir a outros grupos que conhecem, os quaispraticam o esporte, assim como eles, no tempo livre.Ao fazerem comparações entre estas atividades eaquelas que desenvolvem nos seus respectivosgrupos, encontram muitas diferenças, igualmenterelativas ao valor atribuído ao rendimentoesportivo.

Enquanto identificam os seus esportes como práticaslivres de objetivos relacionados com os resultados ecom a produtividade, encontram, no esporteprofissional, muitas das características citadas porRigauer (pp. cif), quando estabelece relações entre omundo do esporte e o mundo do trabalho: objetivosa atingir; jogadores vistos como trabalhadores que

são pagos paraalcançar resultados;s e r i e d a d e do

a m b i e n t e ;compromisso com o

t r e i n a m e n t o ;rendimento; busca de

r e s u l t a d o s ;seletividade; entreoutros. Da mesmaforma, encontram

e x i g ê n c i a ssemelhantes a estas

noutros grupos queconhecem, os quais,

- mesmo no lazer e guardadas as devidas proporções- parecem acabar por reproduzir esta mesma lógica,sendo, agora sim, como que miniaturas do esportede alto nível.

Aliados a outros aspectos já referidos, estas evidênciasdemonstram que a participação naqueles contextosnão está vinculada a um "capital esportivo" (Marivoet,1998: 31)36 do candidato, no sentido de um saber-fazer que lhe permitiria aceder aos grupos estudados,tendo como base o rendimento manifestado nacomparação com outros candidatos. A partir disto, édifícil aceitar as formulações de Rigauer (pp. cit) e deoutros autores da área, estes que, tendo como baseas suas interpretações acerca do esporte de altacompetição, alargam a sua análise e concluem que a

busca do rendimento esportivo cada vez maior, é umacategoria que acaba por ser uma característica centralem todos os tipos de práticas relacionadas com oesporte.

Diversamente deste raciocínio e mais adequado àinterpretação dos grupos estudados, é conduzido opensamento de Dunning (1992), ao interpretar adinâmica do esporte moderno ao desenvolver umaanálise sobre o significado social do esporte e a suaorientação para os resultados. Nesta outra ótica, osgrupos estariam inseridos naqueles que desenvolvemo esporte a partir de um "ethos amador" (: 312), cujocomponente principal é a prática do esporte pordivertimento; sendo atividades que têm um fim emsi mesmas e cujo acento tônico estaria no prazer,constituiriam "formas de participação nos esportes'dirigidos para si próprio' ou 'egocêntricos'" (ibid.).No seu esforço para esclarecer esta idéia, Dunningcontrapõe esta maneira específica de praticar o esporteàquela em que o ethos é do tipo profissional e cujaorientação está vinculada aos resultados: "formas departicipação 'dirigidas para os outros'" (1992: 317),tanto adversários, como espectadores; contrariamenteàs anteriores, estas práticas estão vinculadas ao queestá em jogo, quer sejam interesses materiais, quersejam satisfações relacionadas com a identidade ecom o prestígio.

Numa outra linguagem, mas num sentido semelhanteàs formulações de Dunning, encaminham-se asconsiderações de Loret (1996). Ao estudar formasalternativas37 de esporte, este autor caracteriza o"esporte de utilidade pública" (: 174-211) como aqueleque está vinculado ao discurso tradicional do esporteorganizado, o qual - entre outros fatores - encontranos resultados obtidos por formas racionais dedesenvolvimento, a forma fundamental dereconhecimento social e estatal; este tipo de esporteseria, para ele, uma prática heterônoma, na medidaem que - agora utilizando as palavras de Dunning{pp. cit) - seria voltado para os outros. Diversamentedeste tipo de esporte e vinculado apenas ao prazerda atividade, o mesmo Loret descreve o que denominade "esporte de utilidade lúdica" (: 212-271): umaprática do tipo "'selvagem' [que] não possui (...)nenhum valor de troca [e] (...) exalta somente um

Estasevidências demonstramque a participação naqueles

contextos não está vinculada aum "capital esportivo" do

candidato, no sentido de umsaber-fazer que lhe permitiriaaceder aos grupos estudados,

tendocomobaseo rendimentomanifestado na comparação

com outros candidatos.

valor de uso38 limitado no tempo"; esta maneira depraticar o esporte seria assim autônoma, ou seja,voltada para si própria. Esta formulação estábastante adequada à descrição da realidade dosgrupos estudados, nos quais os participantes nãonegam que se esforçam para obter o resultado(vencer as partidas), mas isto fica confinado aoperíodo em que estão desenvolvendo os jogos, semque haja qualquer repercussão relativa ao queacontece em períodos anteriores ou posteriores àsatividades.

Com isto quero dizer - e acho importante ressaltar- que, mesmo que a categoria rendimento estejapresente nos grupos estudados (na divisão dasequipes e no esforço para vencer as partidas), elanão é central na constituição da lógica do esportepraticado naqueles coletivos, e nem um valorfundamental na estrutura social dos grupos: não écom base nela que é avaliado o sucesso individuale dos grupos; não é através dela que é delimitada ahierarquia social no interior de cada contexto; nãoé a partir dela que é definido o acesso (ou não) dealgum candidato à participação nas atividades.

Esta lógica está presente (tem repercussões) tambémem outras características39 dos grupos estudados, queadaptaram outros aspectos do esporte, aos sentidospor eles atribuídos à esta prática. No que se refere àsregras adotadas, por exemplo, mesmo que tenha sidoidentificado que estão vinculadas a uma racionalidadeespecifica da modernidade, voltada para o interessede adequar meios aos fins, na perspectiva de queseja assegurada a previsibilidade e calculabilidadeno decorrer das competições esportivas (Guttmann,1978; Bourdieu, 1983b; Guay, 1993), nos gruposestudados elas apareceram de forma diferente do queocorrem nas práticas esportivas oficiais. Se, nestasúltimas, as regras são consideradas elementosconstruídos para assumirem uma funçãoconstrangedora40, seletiva41 e autocrática42, nos gruposestudados elas apareceram voltadas para outrosaspectos: modificando as regras do esporte oficial, osparticipantes alteraram-nas para - além de seremnormativas e evidentemente constrangedoras -vinculá-las também, e em grande medida, a uma lógicahedonista43, participativa44 e democrática45.

Desta forma e tendo como base estas análises,acredito, que, enquanto alguns autores defendema idéia de uma monocultura do esporte, o queparece ocorrer, na realidade, é umamulticulturalidade no âmbito desta prática social,na medida em que ela é apropriada por diferentesgrupos e em contextos culturais particulares. Comisto quero dizer que, se é possível afirmar que, emmuitas situações do lazer acontece uma reproduçãoda lógica do esporte de rendimento, isto não pode,e não deve ser estabelecido enquanto generalização.

Quando afirmo não pode, é por acreditar que istoé muito difícil de ser sustentado empiricamente.Quando advogo que não deve, é por considerar que

Mesmo que a categoriarendimento esteja presente nosgrupos estudados, ela não écentral na constituição da lógicado esporte praticado naquelescoletivos, e nem um valorfundamental na estrutura socialdos grupos.

AS RELAÇÕES COMO ESPORTE

REALIZADO NA REALIDADE DAESCOLA: CULTURA ESCOLAR,CONFLITO E MULTICULTURALIDADEAo apresentar os resultados desta investigação,procurei tanto colocar em questionamento as análisesque identificam o esporte como uma práticahomogênea e homogeneizadora, como, a partir disto,oferecer uma perspectiva otimista para odesenvolvimento desta atividade enquanto conteúdoda aula de educação física. Ao proceder desta forma,assumo uma posição bastante próxima daqueles quedefendem a transformação do esporte no contextoescolar, na perspectiva da sua adequação aos objetivoseducacionais da escola. Me associo àqueles queidentificam aspectos negativos na mera reproduçãodo esporte de rendimento na realidade escolar e que,em síntese, acreditam que a escola é um lugarprivilegiado para a transmissão de conhecimentos e

a manutenção dacrença numa visãoúnica para o esporte,acaba por alimentar opessimismo teórico járeferido, do qual, meparece, são vítimasmuitas reflexões emuitas propostaspara as atividadese s p o r t i v a s docontexto escolar.

.76 Movimento Movimento

dos grupos estudados na cidade do Porto, ora quandose referem ao esporte de rendimento35, ora aoaludir a outros grupos que conhecem, os quaispraticam o esporte, assim como eles, no tempo livre.Ao fazerem comparações entre estas atividades eaquelas que desenvolvem nos seus respectivosgrupos, encontram muitas diferenças, igualmenterelativas ao valor atribuído ao rendimentoesportivo.

Enquanto identificam os seus esportes como práticaslivres de objetivos relacionados com os resultados ecom a produtividade, encontram, no esporteprofissional, muitas das características citadas porRigauer (pp. cif), quando estabelece relações entre omundo do esporte e o mundo do trabalho: objetivosa atingir; jogadores vistos como trabalhadores que

são pagos paraalcançar resultados;s e r i e d a d e do

a m b i e n t e ;compromisso com o

t r e i n a m e n t o ;rendimento; busca de

r e s u l t a d o s ;seletividade; entreoutros. Da mesmaforma, encontram

e x i g ê n c i a ssemelhantes a estas

noutros grupos queconhecem, os quais,

- mesmo no lazer e guardadas as devidas proporções- parecem acabar por reproduzir esta mesma lógica,sendo, agora sim, como que miniaturas do esportede alto nível.

Aliados a outros aspectos já referidos, estas evidênciasdemonstram que a participação naqueles contextosnão está vinculada a um "capital esportivo" (Marivoet,1998: 31)36 do candidato, no sentido de um saber-fazer que lhe permitiria aceder aos grupos estudados,tendo como base o rendimento manifestado nacomparação com outros candidatos. A partir disto, édifícil aceitar as formulações de Rigauer (pp. cit) e deoutros autores da área, estes que, tendo como baseas suas interpretações acerca do esporte de altacompetição, alargam a sua análise e concluem que a

busca do rendimento esportivo cada vez maior, é umacategoria que acaba por ser uma característica centralem todos os tipos de práticas relacionadas com oesporte.

Diversamente deste raciocínio e mais adequado àinterpretação dos grupos estudados, é conduzido opensamento de Dunning (1992), ao interpretar adinâmica do esporte moderno ao desenvolver umaanálise sobre o significado social do esporte e a suaorientação para os resultados. Nesta outra ótica, osgrupos estariam inseridos naqueles que desenvolvemo esporte a partir de um "ethos amador" (: 312), cujocomponente principal é a prática do esporte pordivertimento; sendo atividades que têm um fim emsi mesmas e cujo acento tônico estaria no prazer,constituiriam "formas de participação nos esportes'dirigidos para si próprio' ou 'egocêntricos'" (ibid.).No seu esforço para esclarecer esta idéia, Dunningcontrapõe esta maneira específica de praticar o esporteàquela em que o ethos é do tipo profissional e cujaorientação está vinculada aos resultados: "formas departicipação 'dirigidas para os outros'" (1992: 317),tanto adversários, como espectadores; contrariamenteàs anteriores, estas práticas estão vinculadas ao queestá em jogo, quer sejam interesses materiais, quersejam satisfações relacionadas com a identidade ecom o prestígio.

Numa outra linguagem, mas num sentido semelhanteàs formulações de Dunning, encaminham-se asconsiderações de Loret (1996). Ao estudar formasalternativas37 de esporte, este autor caracteriza o"esporte de utilidade pública" (: 174-211) como aqueleque está vinculado ao discurso tradicional do esporteorganizado, o qual - entre outros fatores - encontranos resultados obtidos por formas racionais dedesenvolvimento, a forma fundamental dereconhecimento social e estatal; este tipo de esporteseria, para ele, uma prática heterônoma, na medidaem que - agora utilizando as palavras de Dunning{pp. cit) - seria voltado para os outros. Diversamentedeste tipo de esporte e vinculado apenas ao prazerda atividade, o mesmo Loret descreve o que denominade "esporte de utilidade lúdica" (: 212-271): umaprática do tipo "'selvagem' [que] não possui (...)nenhum valor de troca [e] (...) exalta somente um

Estasevidências demonstramque a participação naqueles

contextos não está vinculada aum "capital esportivo" do

candidato, no sentido de umsaber-fazer que lhe permitiriaaceder aos grupos estudados,

tendocomobaseo rendimentomanifestado na comparação

com outros candidatos.

valor de uso38 limitado no tempo"; esta maneira depraticar o esporte seria assim autônoma, ou seja,voltada para si própria. Esta formulação estábastante adequada à descrição da realidade dosgrupos estudados, nos quais os participantes nãonegam que se esforçam para obter o resultado(vencer as partidas), mas isto fica confinado aoperíodo em que estão desenvolvendo os jogos, semque haja qualquer repercussão relativa ao queacontece em períodos anteriores ou posteriores àsatividades.

Com isto quero dizer - e acho importante ressaltar- que, mesmo que a categoria rendimento estejapresente nos grupos estudados (na divisão dasequipes e no esforço para vencer as partidas), elanão é central na constituição da lógica do esportepraticado naqueles coletivos, e nem um valorfundamental na estrutura social dos grupos: não écom base nela que é avaliado o sucesso individuale dos grupos; não é através dela que é delimitada ahierarquia social no interior de cada contexto; nãoé a partir dela que é definido o acesso (ou não) dealgum candidato à participação nas atividades.

Esta lógica está presente (tem repercussões) tambémem outras características39 dos grupos estudados, queadaptaram outros aspectos do esporte, aos sentidospor eles atribuídos à esta prática. No que se refere àsregras adotadas, por exemplo, mesmo que tenha sidoidentificado que estão vinculadas a uma racionalidadeespecifica da modernidade, voltada para o interessede adequar meios aos fins, na perspectiva de queseja assegurada a previsibilidade e calculabilidadeno decorrer das competições esportivas (Guttmann,1978; Bourdieu, 1983b; Guay, 1993), nos gruposestudados elas apareceram de forma diferente do queocorrem nas práticas esportivas oficiais. Se, nestasúltimas, as regras são consideradas elementosconstruídos para assumirem uma funçãoconstrangedora40, seletiva41 e autocrática42, nos gruposestudados elas apareceram voltadas para outrosaspectos: modificando as regras do esporte oficial, osparticipantes alteraram-nas para - além de seremnormativas e evidentemente constrangedoras -vinculá-las também, e em grande medida, a uma lógicahedonista43, participativa44 e democrática45.

Desta forma e tendo como base estas análises,acredito, que, enquanto alguns autores defendema idéia de uma monocultura do esporte, o queparece ocorrer, na realidade, é umamulticulturalidade no âmbito desta prática social,na medida em que ela é apropriada por diferentesgrupos e em contextos culturais particulares. Comisto quero dizer que, se é possível afirmar que, emmuitas situações do lazer acontece uma reproduçãoda lógica do esporte de rendimento, isto não pode,e não deve ser estabelecido enquanto generalização.

Quando afirmo não pode, é por acreditar que istoé muito difícil de ser sustentado empiricamente.Quando advogo que não deve, é por considerar que

Mesmo que a categoriarendimento esteja presente nosgrupos estudados, ela não écentral na constituição da lógicado esporte praticado naquelescoletivos, e nem um valorfundamental na estrutura socialdos grupos.

AS RELAÇÕES COMO ESPORTE

REALIZADO NA REALIDADE DAESCOLA: CULTURA ESCOLAR,CONFLITO E MULTICULTURALIDADEAo apresentar os resultados desta investigação,procurei tanto colocar em questionamento as análisesque identificam o esporte como uma práticahomogênea e homogeneizadora, como, a partir disto,oferecer uma perspectiva otimista para odesenvolvimento desta atividade enquanto conteúdoda aula de educação física. Ao proceder desta forma,assumo uma posição bastante próxima daqueles quedefendem a transformação do esporte no contextoescolar, na perspectiva da sua adequação aos objetivoseducacionais da escola. Me associo àqueles queidentificam aspectos negativos na mera reproduçãodo esporte de rendimento na realidade escolar e que,em síntese, acreditam que a escola é um lugarprivilegiado para a transmissão de conhecimentos e

a manutenção dacrença numa visãoúnica para o esporte,acaba por alimentar opessimismo teórico járeferido, do qual, meparece, são vítimasmuitas reflexões emuitas propostaspara as atividadese s p o r t i v a s docontexto escolar.

Movimento .77 Movimento

hábitos historicamente construídos pelos sereshumanos, assim como, para formação de cidadãosconscientes, críticos, criativos e participativos.

Neste sentido, vale perguntar: se é possível identificara transformação do esporte no âmbito do lazer,vinculando-o - através de uma participação ativa ecriativa - à outros sentidos, por que não seria possívelfazer o mesmo no contexto educacional da escola?Se, no contexto do lazer, é possível encontrar práticasque se contrapõem à hegemonia cultural do esportede rendimento, por que na escola isto não poderiaacontecer? Se, no lazer, é possível praticar o esportenuma perspectiva multicultural, por que na escolaesta prática necessita estar associada a uma lógicamonocultural?

Tentando responder aestas perguntas, um pontode partida para pensar opapel da escola no quese refere ao esporte, éreconhecer a suaevidência social e, por estarazão, considerar que ainstituição escolar nãopode ficar (e não temficado) a lhe i a a esteimportante fenômeno

sociocultural. Isto não é difícil identificar narealidade brasileira atual, na qual -tendo seconstituído uma prática hegemônica no contextoda cultura do movimento - o esporte passou a tergrande influência na Educação Física, ao ponto deser, hoje, talvez o seu maior conteúdo de ensino.

Isto leva a considerar que, entre os muitos espaços emque o esporte é praticado na sociedade em que vivemos,a escola é aquele que tem um papel especial: transmitiresta prática social para as gerações futuras, com ajudados professores de Educação Física. Neste sentido, aEducação Física constitui-se como umapráticapedagógicaque, no âmbito escolar, tem o papel de tematizar - entreoutros conteúdos da denominada cultura corporal -esta forma particular de atividade física.

Com estas preocupações, no seio da comunidade daEducação Física Brasileira têm sido geradas inúmerasdiscussões e publicações relacionadas aotratamento/tematização do esporte no contextoescolar. Muitos autores estão preocupados com o fatode que a reprodução da lógica do esporte derendimento na escola, além de oferecer uma visãolimitada e limitadora desta prática social e de trazerconsigo a afirmação de aspectos ideológicos dasociedade capitalista, seria uma forma de encaminharos indivíduos para uma participação passiva no campoesportivo. Pela lógica seletiva identificada por estesautores, muitos indivíduos, incapazes de responderàs exigências que lhes fossem impostas, seriamexcluídos ou se auto excluiriam desta prática,constituindo-se meros consumidores do esporte;estes o conheceriam principalmente através daindústria cultural, que lhes apresenta um únicomodelo para esta atividade, pronto e acabado. Algunsestudos confirmam esta idéia, ao identificarem quemuitos professores das escolas têm tratado o esportecom a mesma lógica com que é praticado no contextodas competições esportivas federadas; conscientesou não, eles vêm visualizando a escola como meratransmissora dos valores culturais da sociedade ondeestá inserida.

Outros preocupam-se em analisar criticamente oesporte oficial e identificar as suas contradições, masnão conseguem ir além da denúncia. Mesmo criticandovários aspectos do esporte hegemonicamentedifundido na sociedade, estes profissionais têm tidodificuldade em admitir a possibilidade de lhe ser dadoum tratamento pedagógico no contexto escolar. Combase nisto, alguns discursos têm chegado ao exagerode propor a retirada do esporte das aulas de educaçãofísica.

Outros ainda visualizam a escola como produtora decultura e têm tentado encontrar soluções no sentidode - no contexto escolar - transformar o esporte emuma prática acessível a todos, assim como, de retirar-lhe os já referidos componentes responsáveis pelasua lógica reprodutora, excludente e limitadora. Apreocupação destes é de encontrar ações pedagógicascapazes de - a partir de práticas alternativas - produzirum conhecimento significativo sobre o esporte, que

Se é possível identificar atransformação do esporte no

âmbito do lazer, vinculando-o- através de uma participação

ativa e criativa - à outrossentidos, por que não seriapossível fazer o mesmo no

contexto educacionalda escola?

váalémdasuapráticavistacomo umfim em simesma.

Nesta última perspectiva me parecem inserir-se asteorizações de Vago (1999), quando considera que otrabalho interno da construção de um disciplina escolarvincula-se a uma ruptura com a idéia da transmissãode um conhecimento instituído, pronto e acabado,como se este fosse impenetrável à ação dosprofissionais da escola.

Não aceitando os agentes escolares como merosconsumidores de saberes impostos do exterior destainstituição, Vago aponta para uma escola produtorade saberes, estes constituintes da cultura escolar.Esta cultura se desenvolveria pelo processo deescolarização dos conhecimentos que circulam nasociedade, o que não ocorreria pela negação destesúltimos, mas pela tensão permanente com eles, numaperspectiva, tanto de complementariedade, como decontradição.

Na seqüência deste raciocínio, o mesmo autor acreditaque a Educação Física seria uma disciplina que buscariaa construção de uma "cultura escolar de EducaçãoFísica" (: 22), que - dentro da sua especificidade noque se refere ao tratamento pedagógico de jogos,brincadeiras, esportes, danças e outros elementos dadenominada por muitos de cultura corporal - seconstituiria para organizar a sua intervenção econhecimentos no contexto particular da escola; apartir daí, a escola, com os seus saberes, interviria naspráticas culturais da sociedade, tanto concorrendo,como identificando-se com elas. Desta forma, ao invésde aceitar passivamente as práticas corporaisdesenvolvidas na sociedade, a Educação Física poderiaproduzir significações específicas para estas inúmeraspráticas, adequando-as ao contexto escolar. Não setrataria então de uma contradição no sentido danegação das práticas corporais exteriores à escola,mas de desenvolver, na escola, um conhecimento apartir do diálogo entre estes diferentes contextosculturais.

Aceitar as proposições de Vago, me parece, significaidentificar a sociedade não de forma monolítica econsensual via dominação, mas reconhece-la naperspectiva de um universo onde convivem

indivíduos e instituições em relações de interaçãoe de conflitos. Nesta perspectiva, a escola seria um,entre outros universos culturais que - disputandoe interagindo sobre formas de estar no mundo -faria parte da construção da história cultural de umasociedade.

As idéias do autor acerca da dinâmica social parecemse associar ao pensamento do segundo grupo deestudiosos do esporte, que referi no início deste texto.Digo isto, pois, como eles, Vago identifica as relaçõesde conflito como parte do processo de construçãoda sociedade, assim como - a partir disto - abreespaços para que se possa pensar na perspectivamulticultural para o esporte realizado no contextoescolar. Sobre este último aspecto, em outro trabalho,o mesmo Vago (1996) visualiza pelo menos doisesportes: o esporte na escola, que seria representadopela reprodução do esporte de rendimento nocontexto escolar; e o esporte da escola, que seapresentaria como o resultado de um processo deescolarização desta prática.

O ESPORTE DA ESCOLA: UM BREVEEXEMPLO DE PRÁTICA DOCENTECom certeza, muitas pistas para responder à perguntasfeitas no início do tópico anterior poderão serencontradas em vários trabalhos já desenvolvidos noâmbito da Educação Física Brasileira; os trabalhos deBracht e Kunz (op cit) são, provavelmente, algunsdos mais expressivos no contexto desta comunidade.Porém, vou apresentar um exemplo de um trabalhode um autor que me é próximo, com quem já converseivárias vezes sobre estes assuntos, o qual me pareceser útil para oferecer maior concretude à estadiscussão.

Num esforço para encontrar alternativas para o ensinodo esporte no contexto escolar, Molina (1995)46

desenvolveu uma atividade com estudantesuniversitários, que, acredito, poderia ter sidoigualmente realizada na escola. Sendo professor defutebol na Escola de Educação Física da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, e identificandoestratégias de reprodução sistemáticas no ensino defutebol em algumas escolas de educação física47,

.78 Movimento Movimento

hábitos historicamente construídos pelos sereshumanos, assim como, para formação de cidadãosconscientes, críticos, criativos e participativos.

Neste sentido, vale perguntar: se é possível identificara transformação do esporte no âmbito do lazer,vinculando-o - através de uma participação ativa ecriativa - à outros sentidos, por que não seria possívelfazer o mesmo no contexto educacional da escola?Se, no contexto do lazer, é possível encontrar práticasque se contrapõem à hegemonia cultural do esportede rendimento, por que na escola isto não poderiaacontecer? Se, no lazer, é possível praticar o esportenuma perspectiva multicultural, por que na escolaesta prática necessita estar associada a uma lógicamonocultural?

Tentando responder aestas perguntas, um pontode partida para pensar opapel da escola no quese refere ao esporte, éreconhecer a suaevidência social e, por estarazão, considerar que ainstituição escolar nãopode ficar (e não temficado) a lhe i a a esteimportante fenômeno

sociocultural. Isto não é difícil identificar narealidade brasileira atual, na qual -tendo seconstituído uma prática hegemônica no contextoda cultura do movimento - o esporte passou a tergrande influência na Educação Física, ao ponto deser, hoje, talvez o seu maior conteúdo de ensino.

Isto leva a considerar que, entre os muitos espaços emque o esporte é praticado na sociedade em que vivemos,a escola é aquele que tem um papel especial: transmitiresta prática social para as gerações futuras, com ajudados professores de Educação Física. Neste sentido, aEducação Física constitui-se como umapráticapedagógicaque, no âmbito escolar, tem o papel de tematizar - entreoutros conteúdos da denominada cultura corporal -esta forma particular de atividade física.

Com estas preocupações, no seio da comunidade daEducação Física Brasileira têm sido geradas inúmerasdiscussões e publicações relacionadas aotratamento/tematização do esporte no contextoescolar. Muitos autores estão preocupados com o fatode que a reprodução da lógica do esporte derendimento na escola, além de oferecer uma visãolimitada e limitadora desta prática social e de trazerconsigo a afirmação de aspectos ideológicos dasociedade capitalista, seria uma forma de encaminharos indivíduos para uma participação passiva no campoesportivo. Pela lógica seletiva identificada por estesautores, muitos indivíduos, incapazes de responderàs exigências que lhes fossem impostas, seriamexcluídos ou se auto excluiriam desta prática,constituindo-se meros consumidores do esporte;estes o conheceriam principalmente através daindústria cultural, que lhes apresenta um únicomodelo para esta atividade, pronto e acabado. Algunsestudos confirmam esta idéia, ao identificarem quemuitos professores das escolas têm tratado o esportecom a mesma lógica com que é praticado no contextodas competições esportivas federadas; conscientesou não, eles vêm visualizando a escola como meratransmissora dos valores culturais da sociedade ondeestá inserida.

Outros preocupam-se em analisar criticamente oesporte oficial e identificar as suas contradições, masnão conseguem ir além da denúncia. Mesmo criticandovários aspectos do esporte hegemonicamentedifundido na sociedade, estes profissionais têm tidodificuldade em admitir a possibilidade de lhe ser dadoum tratamento pedagógico no contexto escolar. Combase nisto, alguns discursos têm chegado ao exagerode propor a retirada do esporte das aulas de educaçãofísica.

Outros ainda visualizam a escola como produtora decultura e têm tentado encontrar soluções no sentidode - no contexto escolar - transformar o esporte emuma prática acessível a todos, assim como, de retirar-lhe os já referidos componentes responsáveis pelasua lógica reprodutora, excludente e limitadora. Apreocupação destes é de encontrar ações pedagógicascapazes de - a partir de práticas alternativas - produzirum conhecimento significativo sobre o esporte, que

Se é possível identificar atransformação do esporte no

âmbito do lazer, vinculando-o- através de uma participação

ativa e criativa - à outrossentidos, por que não seriapossível fazer o mesmo no

contexto educacionalda escola?

váalémdasuapráticavistacomo umfim em simesma.

Nesta última perspectiva me parecem inserir-se asteorizações de Vago (1999), quando considera que otrabalho interno da construção de um disciplina escolarvincula-se a uma ruptura com a idéia da transmissãode um conhecimento instituído, pronto e acabado,como se este fosse impenetrável à ação dosprofissionais da escola.

Não aceitando os agentes escolares como merosconsumidores de saberes impostos do exterior destainstituição, Vago aponta para uma escola produtorade saberes, estes constituintes da cultura escolar.Esta cultura se desenvolveria pelo processo deescolarização dos conhecimentos que circulam nasociedade, o que não ocorreria pela negação destesúltimos, mas pela tensão permanente com eles, numaperspectiva, tanto de complementariedade, como decontradição.

Na seqüência deste raciocínio, o mesmo autor acreditaque a Educação Física seria uma disciplina que buscariaa construção de uma "cultura escolar de EducaçãoFísica" (: 22), que - dentro da sua especificidade noque se refere ao tratamento pedagógico de jogos,brincadeiras, esportes, danças e outros elementos dadenominada por muitos de cultura corporal - seconstituiria para organizar a sua intervenção econhecimentos no contexto particular da escola; apartir daí, a escola, com os seus saberes, interviria naspráticas culturais da sociedade, tanto concorrendo,como identificando-se com elas. Desta forma, ao invésde aceitar passivamente as práticas corporaisdesenvolvidas na sociedade, a Educação Física poderiaproduzir significações específicas para estas inúmeraspráticas, adequando-as ao contexto escolar. Não setrataria então de uma contradição no sentido danegação das práticas corporais exteriores à escola,mas de desenvolver, na escola, um conhecimento apartir do diálogo entre estes diferentes contextosculturais.

Aceitar as proposições de Vago, me parece, significaidentificar a sociedade não de forma monolítica econsensual via dominação, mas reconhece-la naperspectiva de um universo onde convivem

indivíduos e instituições em relações de interaçãoe de conflitos. Nesta perspectiva, a escola seria um,entre outros universos culturais que - disputandoe interagindo sobre formas de estar no mundo -faria parte da construção da história cultural de umasociedade.

As idéias do autor acerca da dinâmica social parecemse associar ao pensamento do segundo grupo deestudiosos do esporte, que referi no início deste texto.Digo isto, pois, como eles, Vago identifica as relaçõesde conflito como parte do processo de construçãoda sociedade, assim como - a partir disto - abreespaços para que se possa pensar na perspectivamulticultural para o esporte realizado no contextoescolar. Sobre este último aspecto, em outro trabalho,o mesmo Vago (1996) visualiza pelo menos doisesportes: o esporte na escola, que seria representadopela reprodução do esporte de rendimento nocontexto escolar; e o esporte da escola, que seapresentaria como o resultado de um processo deescolarização desta prática.

O ESPORTE DA ESCOLA: UM BREVEEXEMPLO DE PRÁTICA DOCENTECom certeza, muitas pistas para responder à perguntasfeitas no início do tópico anterior poderão serencontradas em vários trabalhos já desenvolvidos noâmbito da Educação Física Brasileira; os trabalhos deBracht e Kunz (op cit) são, provavelmente, algunsdos mais expressivos no contexto desta comunidade.Porém, vou apresentar um exemplo de um trabalhode um autor que me é próximo, com quem já converseivárias vezes sobre estes assuntos, o qual me pareceser útil para oferecer maior concretude à estadiscussão.

Num esforço para encontrar alternativas para o ensinodo esporte no contexto escolar, Molina (1995)46

desenvolveu uma atividade com estudantesuniversitários, que, acredito, poderia ter sidoigualmente realizada na escola. Sendo professor defutebol na Escola de Educação Física da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, e identificandoestratégias de reprodução sistemáticas no ensino defutebol em algumas escolas de educação física47,

Movimento .89 Movimento

criticou este modelo por considerá-lo limitado: para oautor, esta forma de ensino do futebol eraexcludente, reforçava a idéia de que futebol é jogo parahomens, sustentava-se na desigualdade, eencaminhava para fortes possibilidades de reprodução domodelo hegemônico.

Tentando ir além da denúncia, propôs - como umaforma de enfrentar este modelo, na prática - uma"alternativa simples às propostas tradicionais de ensino daeducação física" (: 31), o que fez anunciando o quedenominou uma "intervenção otimizadora" (ibid.). Apóssistematizar o conhecimento que todos os alunos tinhamsobre o tema e, com eles, buscar relacionar o modelotradicional de futebol com alternativas existentes erealizadas por diferentes grupos de pessoas,desenvolveu uma problematização, que foidesencadeadapelarealizaçãodeumjogodefutebol

na sua formatradicional. Este jogo

criou diversassituações de conflitoe n t r e osparticipantes48, as quaislevaram o professor eos e s t ud a n t e s atentarem, juntos,responder à pergunta:

como os alunos e alunas poderiam jogar futebol juntose deforma agradável, tendo as mesmasoportunidade de uma aprendizagem significativadesteconteúdodeensino?

Dali em diante iniciou-se um processo dediscussão, ondedestacaram-se vários aspectos a seremdesenvolvidos, ocasião em que o professor adotou umaposição de mediador e estimulador das reflexões. A partirdisto foram construídas coletivamente regras capazes degarantir a participação de todos nos jogos, assim comoforam encontradas formas de aprendizagem eexercícios mais adequados ao grupo de alunos. O grupotambém estabeleceu os critérios e a responsabilidade decada um no processo de formação das equipes e aindadebateutemasgenéricosrelacionados ao esporte em geral,e ao futebol, em particular. Tudo isto contribuiu para que,nomomentoda realização do jogo coletivo, já houvesseregras

acordadas e também uma relativa segurança quanto àshabilidadesbásicasdecadaumparapraticarojogo.

Ao final do trabalho, o professor Molina identificou umamudança de comportamento em relação àspossibilidades educacionais do ensino do futebol e dasexpectativas que os alunos tinham da disciplina. Além doefetivo aprendizadodashabilidades técnicasedas regrasdofutebol, ele observou uma forte coesão no grupo, oaumento do nível de participação nas aulas, umelevado espírito crítico em relação ao trabalhorealizado, assim como o desenvolvimento de umacompetêncialingüísticaemrelaçãoaofutebol.

Desenvolvendo as suas aulas desta perspectivaalternativa, me parece que o professor adotou umaprática docente estimulante e participativa para osalunos que, tendo o futebol oficial como ponto departida,propicioudiversassituaçõesquecontribuíramparaaconstrução de uma aprendizagem significativa sobre amodalidade. Quando digo significativa, é no sentido deque, sem negar o futebol que é praticado na sua versãooficial (foram estudadas e praticadas as suas regras etécnicas), o professor foi além dele, identificando outrasformas de praticar este esporte, assim como outrosaspectos relacionados.

Assim, ao intervir através de situações de conflito, oprofessor produziu "imagens desestabilizadoras"(Santos, 1996:30) da cultura hegemônica do esporte devárias maneiras: não satisfez-se apenas com oparadigma técnico-biológico que sustenta em grandemedida a cultura do esporte de rendimento; colocou nummesmo plano pessoas diferentes no que se refere aotradicional produzir algo num jogo de futebol; nãosatisfez-se com a idéia de que saber esporte reduz-se auma competência prática, mas foi além dela, no sentidodabuscadacompreensão deoutrosaspectosrelacionados;rompeu com o modelo cultural dominante queencaminha para a idéia de que futebol é para homem;tratou com menor centralidade a competição e abusca do resultado esportivo, características do esportede rendimento que reforça desigualdades, assim comotende a encaminhar muitas pessoas para a exclusão domundodo esporte49.

Ao intervir através desituações de conflito, o

professor produziu"imagens desestabilizadoras"

da cultura hegemônica doesporte de várias maneiras.

Assim, da forma como o trabalho foi desenvolvido,parece não ter havido contradição (no sentido danegação) na relação entre o esporte de rendimentoe os objetivos da escola. Digo isto, na medida em que- reconhecendo a inegável presença do futebolenquanto prática social que mobiliza grande parte dasociedade, tanto de dentro, como de fora da escola- o professor assumiu o seu papel de tematizar estaatividade, escolarizando-a, ou seja, adequando-a aosobjetivos desta instituição educacional.

Em outras palavras, acredito que poderia ser dito que,ao investir esforços no sentido da escolarização dofutebol, Molina propôs uma forma particular depraticar o futebol, o futebol da escola. Mais do queisto, acredito que - ao mostrar-se insatisfeito com amonocultura do futebol oficial - o professor tenharealizado a sua intervenção na perspectiva de umaeducação esportiva multicultural. A idéia deeducação multicultural aqui referida, aproxima-se doapresentado por Forquin (1992:156), que lhe atribuium papel de crítica social, que busca "fornecer aosalunos os meios para submeter a um exame críticoas crenças próprias da sua cultura e de fazer evoluirsua representação do mundo, lhes permitindo alargarsuas perspectivas"50.

Ao que parece, ao intervir explorando as situações deconflito entre diferentes perspectivas de pensar eviver o esporte, Molina propiciou um ambientepedagógico capaz de despertar nos alunos uma atitudecrítica em relação à esta atividade, ou seja, ofereceuelementos para o desvelamento das suas contradições,no sentido de permitir que os estudantes sejamcapazes, no futuro, de fazerem as suas escolhas deforma consciente. Quando agirem desta forma, estesalunos estarão expressando o seu gosto, visto nãomeramente como fazendo aquilo que lhes dá prazere/ou reconhecimento social, mas exercitando o queSantos Silva (1994:431) considera ser uma "faculdadesuperior de fruir distintivamente, de escolher eapropriar acontecimentos, bens e símbolos".

PARA CONCLUIRUm dos fatores que me motivaram, já há alguns anos,a investir esforços na formação profissional naperspectivadas ciências sociais e adesenvolver estudos

nesta perspectiva, foi uma insatisfação com algumasformulações que são corriqueiras no âmbito daEducação Física, acerca do esporte, este visto comoum fato sociocultural.

Identificando-me então como um indivíduo que teveuma vivência esportiva em vários níveis, uma vez emcontato com as discussões sociológicas acerca doesporte, tive sempre alguma dificuldade em aceitarformulações que são muitas vezes expressas sobre atemática, tanto no senso comum do ambienteuniversitário, como nas próprias produçõesacadêmicas disponíveis.

Reconhecendo a validade de muitos aspectos destasformulações, é importante destacar que as suasconclusões são muitas vezes fruto de reflexões teóricase de observações distanciadas do espaço concretoonde o esporte acontece, e que as suas referênciasprincipais são eventualmente análises macrossociaisque carecem de dados empíricos. Não raras vezes, assuas conclusões são sustentadas por reflexõesrealizadas sobre as competições esportivas oficiais,que são posteriormente generalizadas, sem levar emconta o contexto cultural do local em que o esporteé praticado. A aceitação de formulações como estastorna-se ainda mais difícil, quando, nos dias atuais,identifica-se o esporte como uma prática socialdifundida por todo o mundo, realizada nas maisvariadas formas, e por diversos tipos de pessoas, asquais, em grande parte, o inserem entre as suas opçõesde atividades de lazer e nos seus estilos de vidaparticulares.

A partir desta inquietação, tive a preocupação deinterpretar o esporte praticado por estas pessoascomuns, o que fiz na investigação referida no iníciodeste texto, cujos resultados sustentaram grande partedas minhas argumentações anteriores. Foram estesresultados que me motivaram, neste momento eapesar de me identificar como alguém de fora destadiscussão51, a participar do debate proposto pelaRevista Movimento.

Com base neles, tentei mostrar que, quandodesenvolvido como uma atividade de lazer - e aocontrário do que anunciam grande parte das

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criticou este modelo por considerá-lo limitado: para oautor, esta forma de ensino do futebol eraexcludente, reforçava a idéia de que futebol é jogo parahomens, sustentava-se na desigualdade, eencaminhava para fortes possibilidades de reprodução domodelo hegemônico.

Tentando ir além da denúncia, propôs - como umaforma de enfrentar este modelo, na prática - uma"alternativa simples às propostas tradicionais de ensino daeducação física" (: 31), o que fez anunciando o quedenominou uma "intervenção otimizadora" (ibid.). Apóssistematizar o conhecimento que todos os alunos tinhamsobre o tema e, com eles, buscar relacionar o modelotradicional de futebol com alternativas existentes erealizadas por diferentes grupos de pessoas,desenvolveu uma problematização, que foidesencadeadapelarealizaçãodeumjogodefutebol

na sua formatradicional. Este jogo

criou diversassituações de conflitoe n t r e osparticipantes48, as quaislevaram o professor eos e s t ud a n t e s atentarem, juntos,responder à pergunta:

como os alunos e alunas poderiam jogar futebol juntose deforma agradável, tendo as mesmasoportunidade de uma aprendizagem significativadesteconteúdodeensino?

Dali em diante iniciou-se um processo dediscussão, ondedestacaram-se vários aspectos a seremdesenvolvidos, ocasião em que o professor adotou umaposição de mediador e estimulador das reflexões. A partirdisto foram construídas coletivamente regras capazes degarantir a participação de todos nos jogos, assim comoforam encontradas formas de aprendizagem eexercícios mais adequados ao grupo de alunos. O grupotambém estabeleceu os critérios e a responsabilidade decada um no processo de formação das equipes e aindadebateutemasgenéricosrelacionados ao esporte em geral,e ao futebol, em particular. Tudo isto contribuiu para que,nomomentoda realização do jogo coletivo, já houvesseregras

acordadas e também uma relativa segurança quanto àshabilidadesbásicasdecadaumparapraticarojogo.

Ao final do trabalho, o professor Molina identificou umamudança de comportamento em relação àspossibilidades educacionais do ensino do futebol e dasexpectativas que os alunos tinham da disciplina. Além doefetivo aprendizadodashabilidades técnicasedas regrasdofutebol, ele observou uma forte coesão no grupo, oaumento do nível de participação nas aulas, umelevado espírito crítico em relação ao trabalhorealizado, assim como o desenvolvimento de umacompetêncialingüísticaemrelaçãoaofutebol.

Desenvolvendo as suas aulas desta perspectivaalternativa, me parece que o professor adotou umaprática docente estimulante e participativa para osalunos que, tendo o futebol oficial como ponto departida,propicioudiversassituaçõesquecontribuíramparaaconstrução de uma aprendizagem significativa sobre amodalidade. Quando digo significativa, é no sentido deque, sem negar o futebol que é praticado na sua versãooficial (foram estudadas e praticadas as suas regras etécnicas), o professor foi além dele, identificando outrasformas de praticar este esporte, assim como outrosaspectos relacionados.

Assim, ao intervir através de situações de conflito, oprofessor produziu "imagens desestabilizadoras"(Santos, 1996:30) da cultura hegemônica do esporte devárias maneiras: não satisfez-se apenas com oparadigma técnico-biológico que sustenta em grandemedida a cultura do esporte de rendimento; colocou nummesmo plano pessoas diferentes no que se refere aotradicional produzir algo num jogo de futebol; nãosatisfez-se com a idéia de que saber esporte reduz-se auma competência prática, mas foi além dela, no sentidodabuscadacompreensão deoutrosaspectosrelacionados;rompeu com o modelo cultural dominante queencaminha para a idéia de que futebol é para homem;tratou com menor centralidade a competição e abusca do resultado esportivo, características do esportede rendimento que reforça desigualdades, assim comotende a encaminhar muitas pessoas para a exclusão domundodo esporte49.

Ao intervir através desituações de conflito, o

professor produziu"imagens desestabilizadoras"

da cultura hegemônica doesporte de várias maneiras.

Assim, da forma como o trabalho foi desenvolvido,parece não ter havido contradição (no sentido danegação) na relação entre o esporte de rendimentoe os objetivos da escola. Digo isto, na medida em que- reconhecendo a inegável presença do futebolenquanto prática social que mobiliza grande parte dasociedade, tanto de dentro, como de fora da escola- o professor assumiu o seu papel de tematizar estaatividade, escolarizando-a, ou seja, adequando-a aosobjetivos desta instituição educacional.

Em outras palavras, acredito que poderia ser dito que,ao investir esforços no sentido da escolarização dofutebol, Molina propôs uma forma particular depraticar o futebol, o futebol da escola. Mais do queisto, acredito que - ao mostrar-se insatisfeito com amonocultura do futebol oficial - o professor tenharealizado a sua intervenção na perspectiva de umaeducação esportiva multicultural. A idéia deeducação multicultural aqui referida, aproxima-se doapresentado por Forquin (1992:156), que lhe atribuium papel de crítica social, que busca "fornecer aosalunos os meios para submeter a um exame críticoas crenças próprias da sua cultura e de fazer evoluirsua representação do mundo, lhes permitindo alargarsuas perspectivas"50.

Ao que parece, ao intervir explorando as situações deconflito entre diferentes perspectivas de pensar eviver o esporte, Molina propiciou um ambientepedagógico capaz de despertar nos alunos uma atitudecrítica em relação à esta atividade, ou seja, ofereceuelementos para o desvelamento das suas contradições,no sentido de permitir que os estudantes sejamcapazes, no futuro, de fazerem as suas escolhas deforma consciente. Quando agirem desta forma, estesalunos estarão expressando o seu gosto, visto nãomeramente como fazendo aquilo que lhes dá prazere/ou reconhecimento social, mas exercitando o queSantos Silva (1994:431) considera ser uma "faculdadesuperior de fruir distintivamente, de escolher eapropriar acontecimentos, bens e símbolos".

PARA CONCLUIRUm dos fatores que me motivaram, já há alguns anos,a investir esforços na formação profissional naperspectivadas ciências sociais e adesenvolver estudos

nesta perspectiva, foi uma insatisfação com algumasformulações que são corriqueiras no âmbito daEducação Física, acerca do esporte, este visto comoum fato sociocultural.

Identificando-me então como um indivíduo que teveuma vivência esportiva em vários níveis, uma vez emcontato com as discussões sociológicas acerca doesporte, tive sempre alguma dificuldade em aceitarformulações que são muitas vezes expressas sobre atemática, tanto no senso comum do ambienteuniversitário, como nas próprias produçõesacadêmicas disponíveis.

Reconhecendo a validade de muitos aspectos destasformulações, é importante destacar que as suasconclusões são muitas vezes fruto de reflexões teóricase de observações distanciadas do espaço concretoonde o esporte acontece, e que as suas referênciasprincipais são eventualmente análises macrossociaisque carecem de dados empíricos. Não raras vezes, assuas conclusões são sustentadas por reflexõesrealizadas sobre as competições esportivas oficiais,que são posteriormente generalizadas, sem levar emconta o contexto cultural do local em que o esporteé praticado. A aceitação de formulações como estastorna-se ainda mais difícil, quando, nos dias atuais,identifica-se o esporte como uma prática socialdifundida por todo o mundo, realizada nas maisvariadas formas, e por diversos tipos de pessoas, asquais, em grande parte, o inserem entre as suas opçõesde atividades de lazer e nos seus estilos de vidaparticulares.

A partir desta inquietação, tive a preocupação deinterpretar o esporte praticado por estas pessoascomuns, o que fiz na investigação referida no iníciodeste texto, cujos resultados sustentaram grande partedas minhas argumentações anteriores. Foram estesresultados que me motivaram, neste momento eapesar de me identificar como alguém de fora destadiscussão51, a participar do debate proposto pelaRevista Movimento.

Com base neles, tentei mostrar que, quandodesenvolvido como uma atividade de lazer - e aocontrário do que anunciam grande parte das

Movimento .81 Movimento

produções sociológicas contemporâneas sobre oesporte, estas que, acredito, têm repercussões naspreocupações pedagógicas de grande parte dacomunidade da Educação Física Brasileira - o esportenão parece ser uma prática homogênea, ou seja, nãoparece se manifestar igualmente em todas as situações.

Isto me levou a relacionar estes resultados com adiscussão reavivada pela Revista Movimento, sobre asrelações entre o esporte de rendimento e o esportevisto como conteúdo das aulas de educação física.Perguntei, então: se, no lazer, é possível praticar oesporte numa perspectiva multicultural, por que naescola esta prática necessita estar associada a umalógica monocultural?

Ao tentar responder a esta pergunta, procurei oferecerelementos para que se possa pensar numa educaçãoesportiva multicultural, vista como uma forma de,além de ampliar os horizontes esportivos dosestudantes, fazê-lo através de estratégias reflexivas eparticipativas, na expectativa de conduzi-los a ter umaatitude crítica sobre a sociedade em que vivem. Esperoter contribuído para o debate.

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.82 Movimento Movimento

produções sociológicas contemporâneas sobre oesporte, estas que, acredito, têm repercussões naspreocupações pedagógicas de grande parte dacomunidade da Educação Física Brasileira - o esportenão parece ser uma prática homogênea, ou seja, nãoparece se manifestar igualmente em todas as situações.

Isto me levou a relacionar estes resultados com adiscussão reavivada pela Revista Movimento, sobre asrelações entre o esporte de rendimento e o esportevisto como conteúdo das aulas de educação física.Perguntei, então: se, no lazer, é possível praticar oesporte numa perspectiva multicultural, por que naescola esta prática necessita estar associada a umalógica monocultural?

Ao tentar responder a esta pergunta, procurei oferecerelementos para que se possa pensar numa educaçãoesportiva multicultural, vista como uma forma de,além de ampliar os horizontes esportivos dosestudantes, fazê-lo através de estratégias reflexivas eparticipativas, na expectativa de conduzi-los a ter umaatitude crítica sobre a sociedade em que vivem. Esperoter contribuído para o debate.

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NOTAS1. Doutor em Ciências do Desporto e Educação Físicapela Universidade do Porto/Portugal. Professor naEscola de Educação Física da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul.

2 . Bracht os apresenta no mesmo texto.3 . Publiquei esta discussão, numa versão maiscompleta na revista Horizonte, em Portugal (Stigger,1998).4 . Tendo em vista ter sido adotada pela RevistaMovimento, utilizarei, neste texto, a terminologiaesporte de rendimento como forma de expressar oesporte desenvolvido na sua forma institucionalizadae realizada no âmbito das federações esportivas, ouseja, o esporte hegemonicamente praticado e aqueleque tem sua expressão em grandes eventos de caráteroficial, os quais têm grande visibilidade social: esporteoficiai, esporte de alta competição; esporteespetáculo; esporte de competição; esporteformal. Assim, quanto eu me referir a este tipo deprática esportiva, estarei me utilizando de aspectosque considero (e encontro na bibliografia) comocaracterísticos desta forma específica de praticar oesporte. Estarei me aproximando do "tipo ideal" naperspectiva de Weber (1993), uma estratégiametodológica construída pelo pesquisador com oobjetivo de evidenciar e articular os elementos de umdeterminado fenômeno social: uma elaboração mental(uma abstração) que tem um sentido puramentelógico, não devendo ser confundido com a realidade.Afirma Weber (1993:140): "Trata-se de um quadrode pensamento, não da realidade histórica, e muitomenos da 'realidade autêntica'; não serve comoesquema em que se possa incluir a realidade à maneiraexemplar. Tem, antes, o significado de um conceito-limite, puramente ideal, em relação ao qual se mede

a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empíricode alguns de seus elementos importantes, e com oqual esta é comparada. (...) Portanto, a construção detipos ideais abstratos não interessa como fim, masúnica e exclusivamente como meio de conhecimento".5.0 que está apresentado a seguir, não significa quetodos os autores foram unânimes ao destacar asmesmas idéias e características. Mesmo correndoalgum risco, acredito não ser falso afirmar que os seuspensamentos sobre o esporte - implícitos ou explícitosnas suas obras - aproximaram-se muito, o que permiteenquadrá-los num conjunto.6. Quando utiliza o termo efeito de apropriação,Bourdieu está chamando a atenção - entre outrosaspectos - para o elemento gosto, enquanto aspectode fundamental importância no momento das escolhasculturais. No sentido que lhe é atribuído, gosto é a"propensão e aptidão à apropriação (material e/ousimbólica) de uma determinada categoria de objetosou práticas classificadas e classificadoras, [e] é a formagenerativa que está no princípio do estilo de vida"(Bourdieu, 1983a: 83). Neste sentido, o esporte, juntocom outras práticas culturais, manifestar-se-ia segundoaspectos distintivos dos seus praticantes, constituindouma das expressões dos diferentes estilos de vida. Noque se refere a aspectos influenciadores das distinções,Bourdieu destaca as questões relativas às diferençasentre classes sociais, mas amplia esta possibilidadepara as distinções no interior de uma mesma classe- ver em Bourdieu (1983, a e b) e Bourdieu (1990).7. Quando digo que tem prevalecido, quero me referiràquela produção que - tanto pela quantidade detrabalhos apresentados, como pela qualidade destes,assim como, pelo momento histórico em que ostrabalhos surgiram - teve (tem) maior influência nopensamento contemporâneo sobre a temática da área.8. Encontra diferenças entre o esporte de lazer e ode rendimento, o que se expressaria por diferentescódigos, capazes de orientar a ação.9. Propor a transformação didático-pedagógica doesporte.10. Cita algumas de suas publicações anteriores sobrea temática.

11. Grifo meu.12. Grifos do próprio autor.13. Identificada por Vago, no pensamento de Bracht,e por mim encontrada no conjunto dos pensamentos

dos autores referidos.14. Vale esclarecer aqui que, ao fazer esta observação,assumo uma posição semelhante àquela adotada porLovisolo (1995), quando - ao realizar uma análisesobre uma concepção desenvolvida no campo daEducação Física Brasileira sobre as regras esportivas- critica, não os autores em particular, mas arepercussão dos seus trabalhos: o "efeito conjuntodos seus trabalhos, embora não sejam diretamenteresponsáveis por esses efeitos" (: 84).15. Reconheço o aspecto subjetivo destas inferências.16 . Utilizo a expressão de Bracht (1997).17. Discutindo acerca do esporte e hegemonia, Bracht(1997: 66) também parece identificar a ausência deestudos empíricos sobre a temática: o autor considera"necessário (...) apontar para a importância de estudosempíricos para buscar identificar as possibilidades deresistência política e cultural nesta área".18. Análise cultural, como utilizam Geertz (1989) eSantos Silva (1994).19. Para Geertz (1989: 24), um dos objetivos dosestudos culturais "é o alargamento do universo dodiscurso humano".20. São inúmeros os autores que - dando maior oumenor atenção a estas características - desenvolvemesta idéia: Huizinga (1980); Bouet (1968); Guttmann(1978); Mandell (1986); Brohm (1976); Rigauer (1981);Guay(1993).21 . Sobre este aspecto, oferecerei interpretação aseguir.22. Aspecto bastante evidenciado pelos participantesdos grupos, estes que declaravam que ruim é quandonão há jogo.23. Nos grupos do Castelo e nos Caídos, uma dasgrandes preocupações é com a idéia de continuidadeda atividade. Quando - por falta de participantes -há o perigo do grupo se extinguir, os Caídos na Praiadesenvolvem processos de renovação (convidampessoas para integrarem-se à atividade).24. É como este e os outros grupos delimitam umperíodo de jogos, que vai de setembro de um ano,até junho do outro, sendo interrompido pelas fériasde verão.25. Este integrante não pôde participar em muitosjogos, não tendo, portanto, apresentado rendimentoesportivo, apesar de comparecer no local, mesmosem jogar. Se tivesse ficado em primeiro lugar em

assiduidade, teria - mesmo sem jogar - recebido aúnica distinção que o grupo ofereceregularmente/anualmente. No ano seguinte, recebeuuma distinção dos colegas, pelo reconhecimento àsua presença e envolvimento sistemático nas atividadesdo grupo: Vale ainda referir que é opinião geral dogrupo, que este participante joga mal o futebol, sendo,muitas vezes motivo de brincadeiras e gozações sobresuas habilidades técnicas neste esporte: "o Alberto sóchuta de bico, é mesmo assim". 26 . Em 1999,tendo em vista a constante falta/afastamentos departicipantes nas atividades, o grupo passou por umprocesso de renovação, o que ocorre através dainserção de novos elementos, que são convidadospor participantes já integrados na atividade; nestasituação, os candidatos indicados são aceitos (ounão), dependendo da sua possibilidade de atenderaos interesses do grupo. No caso específico darenovação de 1999, as únicas perguntas feitas acercados candidatos foram sobre o seu compromisso coma assiduidade (o aspecto mais referido) e com umcomportamento adequado, no convívio com os outrosparticipantes.27. Fiz esta pergunta após Amaral ter omitido esteaspecto como uma característica desejável de umcompanheiro de equipe.28. Grifo meu.29. Isto não ocorre nos Anônimos, por se tratar deum grupo aberto, onde a presença dos participantesé incerta, e as pessoas, muitas vezes, são desconhecidas(motivo da denominação, dada por mim, deAnônimos). Também por esta razão, não é possívelutilizar a estratégia de realizar jogos equilibrados.30. Desejo declarado por todos.31. Palavras nativas.32. Em ambos os grupos, não é feita uma escolha,mas uma divisão equitativa. No caso dcs Caídos,esta estratégia consta nos Estatutos do gaipo: doisparticipantes formam equipes equivalentes, sendoque apenas após isto ter sido realizado, que, porsorteio, eles são integrados a cada uma das equipes.33 . Jovens de dezesseis/dezessete anos; adultossexagenários; indivíduos em plena forma física;participantes bastante obesos; iniciantes na práticaesportiva; ex-participantes do esporte federado.34. Ver estudo sobre futebol de veteranos: Stigger(1998).

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VAGO, Tarcísio Mauro. Intervenção e conhecimentona escola: por uma cultura escolar de EducaçãoFísica. In: GOELLNER, Silvana Vilodre. EducaçãoFísica/Ciências do Esporte: Intervenção eConhecimento. Florianópolis: Colégio Brasileirode Ciências do Esporte, 1999.

WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais -parte 1. 2a ed. Campinas: Editora da UniversidadeEstadual de Campinas, 1993.

NOTAS1. Doutor em Ciências do Desporto e Educação Físicapela Universidade do Porto/Portugal. Professor naEscola de Educação Física da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul.

2 . Bracht os apresenta no mesmo texto.3 . Publiquei esta discussão, numa versão maiscompleta na revista Horizonte, em Portugal (Stigger,1998).4 . Tendo em vista ter sido adotada pela RevistaMovimento, utilizarei, neste texto, a terminologiaesporte de rendimento como forma de expressar oesporte desenvolvido na sua forma institucionalizadae realizada no âmbito das federações esportivas, ouseja, o esporte hegemonicamente praticado e aqueleque tem sua expressão em grandes eventos de caráteroficial, os quais têm grande visibilidade social: esporteoficiai, esporte de alta competição; esporteespetáculo; esporte de competição; esporteformal. Assim, quanto eu me referir a este tipo deprática esportiva, estarei me utilizando de aspectosque considero (e encontro na bibliografia) comocaracterísticos desta forma específica de praticar oesporte. Estarei me aproximando do "tipo ideal" naperspectiva de Weber (1993), uma estratégiametodológica construída pelo pesquisador com oobjetivo de evidenciar e articular os elementos de umdeterminado fenômeno social: uma elaboração mental(uma abstração) que tem um sentido puramentelógico, não devendo ser confundido com a realidade.Afirma Weber (1993:140): "Trata-se de um quadrode pensamento, não da realidade histórica, e muitomenos da 'realidade autêntica'; não serve comoesquema em que se possa incluir a realidade à maneiraexemplar. Tem, antes, o significado de um conceito-limite, puramente ideal, em relação ao qual se mede

a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empíricode alguns de seus elementos importantes, e com oqual esta é comparada. (...) Portanto, a construção detipos ideais abstratos não interessa como fim, masúnica e exclusivamente como meio de conhecimento".5.0 que está apresentado a seguir, não significa quetodos os autores foram unânimes ao destacar asmesmas idéias e características. Mesmo correndoalgum risco, acredito não ser falso afirmar que os seuspensamentos sobre o esporte - implícitos ou explícitosnas suas obras - aproximaram-se muito, o que permiteenquadrá-los num conjunto.6. Quando utiliza o termo efeito de apropriação,Bourdieu está chamando a atenção - entre outrosaspectos - para o elemento gosto, enquanto aspectode fundamental importância no momento das escolhasculturais. No sentido que lhe é atribuído, gosto é a"propensão e aptidão à apropriação (material e/ousimbólica) de uma determinada categoria de objetosou práticas classificadas e classificadoras, [e] é a formagenerativa que está no princípio do estilo de vida"(Bourdieu, 1983a: 83). Neste sentido, o esporte, juntocom outras práticas culturais, manifestar-se-ia segundoaspectos distintivos dos seus praticantes, constituindouma das expressões dos diferentes estilos de vida. Noque se refere a aspectos influenciadores das distinções,Bourdieu destaca as questões relativas às diferençasentre classes sociais, mas amplia esta possibilidadepara as distinções no interior de uma mesma classe- ver em Bourdieu (1983, a e b) e Bourdieu (1990).7. Quando digo que tem prevalecido, quero me referiràquela produção que - tanto pela quantidade detrabalhos apresentados, como pela qualidade destes,assim como, pelo momento histórico em que ostrabalhos surgiram - teve (tem) maior influência nopensamento contemporâneo sobre a temática da área.8. Encontra diferenças entre o esporte de lazer e ode rendimento, o que se expressaria por diferentescódigos, capazes de orientar a ação.9. Propor a transformação didático-pedagógica doesporte.10. Cita algumas de suas publicações anteriores sobrea temática.

11. Grifo meu.12. Grifos do próprio autor.13. Identificada por Vago, no pensamento de Bracht,e por mim encontrada no conjunto dos pensamentos

dos autores referidos.14. Vale esclarecer aqui que, ao fazer esta observação,assumo uma posição semelhante àquela adotada porLovisolo (1995), quando - ao realizar uma análisesobre uma concepção desenvolvida no campo daEducação Física Brasileira sobre as regras esportivas- critica, não os autores em particular, mas arepercussão dos seus trabalhos: o "efeito conjuntodos seus trabalhos, embora não sejam diretamenteresponsáveis por esses efeitos" (: 84).15. Reconheço o aspecto subjetivo destas inferências.16 . Utilizo a expressão de Bracht (1997).17. Discutindo acerca do esporte e hegemonia, Bracht(1997: 66) também parece identificar a ausência deestudos empíricos sobre a temática: o autor considera"necessário (...) apontar para a importância de estudosempíricos para buscar identificar as possibilidades deresistência política e cultural nesta área".18. Análise cultural, como utilizam Geertz (1989) eSantos Silva (1994).19. Para Geertz (1989: 24), um dos objetivos dosestudos culturais "é o alargamento do universo dodiscurso humano".20. São inúmeros os autores que - dando maior oumenor atenção a estas características - desenvolvemesta idéia: Huizinga (1980); Bouet (1968); Guttmann(1978); Mandell (1986); Brohm (1976); Rigauer (1981);Guay(1993).21 . Sobre este aspecto, oferecerei interpretação aseguir.22. Aspecto bastante evidenciado pelos participantesdos grupos, estes que declaravam que ruim é quandonão há jogo.23. Nos grupos do Castelo e nos Caídos, uma dasgrandes preocupações é com a idéia de continuidadeda atividade. Quando - por falta de participantes -há o perigo do grupo se extinguir, os Caídos na Praiadesenvolvem processos de renovação (convidampessoas para integrarem-se à atividade).24. É como este e os outros grupos delimitam umperíodo de jogos, que vai de setembro de um ano,até junho do outro, sendo interrompido pelas fériasde verão.25. Este integrante não pôde participar em muitosjogos, não tendo, portanto, apresentado rendimentoesportivo, apesar de comparecer no local, mesmosem jogar. Se tivesse ficado em primeiro lugar em

assiduidade, teria - mesmo sem jogar - recebido aúnica distinção que o grupo ofereceregularmente/anualmente. No ano seguinte, recebeuuma distinção dos colegas, pelo reconhecimento àsua presença e envolvimento sistemático nas atividadesdo grupo: Vale ainda referir que é opinião geral dogrupo, que este participante joga mal o futebol, sendo,muitas vezes motivo de brincadeiras e gozações sobresuas habilidades técnicas neste esporte: "o Alberto sóchuta de bico, é mesmo assim". 26 . Em 1999,tendo em vista a constante falta/afastamentos departicipantes nas atividades, o grupo passou por umprocesso de renovação, o que ocorre através dainserção de novos elementos, que são convidadospor participantes já integrados na atividade; nestasituação, os candidatos indicados são aceitos (ounão), dependendo da sua possibilidade de atenderaos interesses do grupo. No caso específico darenovação de 1999, as únicas perguntas feitas acercados candidatos foram sobre o seu compromisso coma assiduidade (o aspecto mais referido) e com umcomportamento adequado, no convívio com os outrosparticipantes.27. Fiz esta pergunta após Amaral ter omitido esteaspecto como uma característica desejável de umcompanheiro de equipe.28. Grifo meu.29. Isto não ocorre nos Anônimos, por se tratar deum grupo aberto, onde a presença dos participantesé incerta, e as pessoas, muitas vezes, são desconhecidas(motivo da denominação, dada por mim, deAnônimos). Também por esta razão, não é possívelutilizar a estratégia de realizar jogos equilibrados.30. Desejo declarado por todos.31. Palavras nativas.32. Em ambos os grupos, não é feita uma escolha,mas uma divisão equitativa. No caso dcs Caídos,esta estratégia consta nos Estatutos do gaipo: doisparticipantes formam equipes equivalentes, sendoque apenas após isto ter sido realizado, que, porsorteio, eles são integrados a cada uma das equipes.33 . Jovens de dezesseis/dezessete anos; adultossexagenários; indivíduos em plena forma física;participantes bastante obesos; iniciantes na práticaesportiva; ex-participantes do esporte federado.34. Ver estudo sobre futebol de veteranos: Stigger(1998).

Movimento .85 Movimento

35. A expressão, presente na bibliografia da área,aparece também, nos universos estudados, comopalavra nativa.36. Ao que parece, a autora adapta esta expressão apartir do conceito de capital cultural, de Bourdieu(várias obras).37.0 autor inclui no mesmo universo que denominade esporte alternativo, o esporte fim, ou, ainda, osesportes de deslize (sports deglisse). Apesar de dirigira sua atenção em especial para estas formas demanifestações esportivas, desenvolve a sua reflexãoacerca do esporte de uma forma geral.38 . Valor de troca e valor de uso - grifos meus.39 . Busquei, até aqui, apresentar análises einterpretações relativas à temática em discussão naRevista Movimento (a categoria rendimento), maselas aparecem também em outros aspectos analisadosno estudo, como é o caso das regras adotadas pelosgrupos, brevemente referidas a seguir.40 . Diminuindo a liberdade, pela modelação doscomportamentos, dentre os quais, o controle daviolência.41. Limitando a participação, tanto pelo número depessoas que pode participar na atividade, como pelasexigências de execução técnica de determinadosgestos esportivos.42. Pela característica hierárquica do sistema, no qualcada participante tem o seu lugar definido.43. Porque visam a liberdade na sua relação com asregras oficiais, assim como o prazer pela atividade.44. Porque, ao invés de limitar o número de pessoas,visam favorecer a participação de mais indivíduos.45. Porque descentralizam o poder de decisão emtodas as instâncias daqueles grupos, especialmenteno que se refere à aplicação das regras do esporte.46. Já me utilizei deste trabalho, como exemplo, emoutra publicação (Stigger, 1999). Apesar do trabalhode Molina estar disponível, para a facilidade do leitor,

opto por apresentar sua síntese.47. Após ter realizado uma análise crítica do plano decurso do ensino do futebol em algumas escolas deeducação física, concluiu que: tanto os fundamentosda técnicosdo futebol, quanto formas coletivas dejogo eram apresentados prontos aos alunos; asatividades práticas eram executadas principalmentepor estudantes mais habilidosos, os quais recebiammaior atenção do professor; enquanto estes alunosdesenvolviam as atividades práticas, o professorassumia o papel de árbitro ou orientador das açõestécnicas e táticas; os estudantes tinham a oportunidadede aplicar os conhecimentos adquiridos nas aulas,ensinando o futebol a crianças e jovens da rede públicade ensino, o que faziam da mesma forma com quehaviam aprendido.48. Alguns alunos eram habilidosos, mas tambémindividualistas ou desenvolviam o jogo apenas entresi; outros se envolviam excessivamente no jogo eexageravam nos gestos e nas palavras; algumas alunas,insatisfeitas, retiravam-se do jogo.49. De acordo com pesquisa divulgada pela Folha deSão Paulo (apud Marcellino, 1996), entre pessoas demais de 14 anos há uma defasagem entre o gosto e aprática esportiva: apenas 7% declararam não teremadmiração por algum esporte, mas 61% não praticamqualquer atividade. Entre outros dados, dois aspectosajudam a compreender tal defasagem: o grandefascínio pelo espetáculo esportivo levaria à aquisiçãodo gosto, enquanto que a seletividade da atividadeesportiva, seria um inibidor da prática.50. Sobre educação multicultural, na perspectivadeste autor, ver Forquin (1992: 152-160).51 . A minha atuação profissional, assim como otrabalho que sustentou parte das minhasargumentações, não estão diretamente relacionadoscom a pedagogia do esporte.

Técnica, Esporte, Rendimento

AlexandreFernandezVaz*

Para Valter Bracht

Uma das questões que com maior força parecemainda afligir aqueles que se relacionam com o esporte,diz respeito aos debates que, nas últimas décadas, seocuparam em condená-lo e defende-lo. O esporte,esse fenômeno social tão marcante do século passado,e que continuará sendo, ao que parece, uma dasexpressões desse nosso tempo, foi e continua sendoalvo de reflexão, análise e questionamento, tanto nocampo mais restrito da Educação Física/Ciências doEsporte, quanto, em um âmbito mais geral, nasCiências Humanas e Sociais.

Essas questões, que se colocam justamente porqueo esporte é um fenômeno social rico e multifacetado,e que não escaparam de grandes pensadorescontemporâneos, oxigenaram os debates da EducaçãoFísica/Ciências do Esporte, mas foram também,inevitavelmente, fonte de diferentes mal-entendidos,mal-estares e dissabores. O debate acadêmico nemsempre foi tranqüilo, também porque ao questionaro esporte, ele colocou sob suspeita (moral?, política?)aqueles que se ocupavam com sua prática,desestruturando uma das mais fortes fontes deidentidade dos professores e professoras de EducaçãoFísica.

Nas próximas páginas ocupo-me de algumas questõesque se relacionam ao tema, considerando um campoteórico, a Teoria Crítica do Esporte, mas com especialatenção a um ponto que me parece fundamental,talvez insuficientemente discutido. Refiro-me à questãoda técnica, objeto de dúvidas, equívocos e mal-entendidos, como recentemente foi destacado,1 mascuja importância conceituai, sobretudo paraentendermos o espírito do nosso tempo, está, segundopenso, fora de dúvidas.

Considero em minhas observações, evidentemente,a técnica como meio propriamente dito, fundamentalpara o esporte e para várias de nossas atividadescotidianas. Refiro-me a ela também, no entanto,também como estrutura modelar, que fascina seucriador e que organiza vários modos de ser do mundocontemporâneo.

Meu texto se divide em três partes. Na primeira delasapresento alguns comentários a respeito da crítica aoesporte na Educação Física/Ciências do Esporte,considerando, como pano de fundo, as contribuiçõesda Teoria Crítica do Esporte. Nesse contexto, levantoalguns aspectos de teorias que concorrem com ela,notadamente a Sociologia Figuracional de Norbert Eliase as contribuições de Roberto DaMatta sobre o futebolbrasileiro. Na segunda parte do trabalho, procuroaprofundar a questão da técnica, tendo como referênciaprincipal o esporte, entendido como uma das formasde mediação entre o ser humano e seu próprio corpo,de organização da corporeidade. Retomo aquiconsiderações já parcialmente apresentadas em outrosmomentos.2 Por fim, na terceira parte, rediscuto aquestão da técnica, tentando, a partir dos pontos detensão até então expostos, elaborar algumasconsiderações sobre sua onipresença em ambientesque, em princípio, estão mais distantes do esporte derendimento, como as quadras e pátios escolares.

A inspiração para este trabalho, implícita e explícita,como se verá, vem da obra de Theodor W. Adorno,um importante filósofo do século vinte, crítico damodernidade e do esclarecimento (Aufklárung),herdeiro da melhor tradição dialética. Foi tambémele uma das referência fundamentais da Nova Esquerdados anos sessenta e setenta, também no que se refereà contribuição que ela nos ofereceu a respeito doesporte.

.86 Movimento Movimento