código de processo civil - 2015 - anotado - parte 4

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Parte 4

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Claudionor Benite

Art. 802 - Na execução, o despacho que ordena a citação, desde que realizada em observância ao disposto no § 2º do art. 240, interrompe a prescrição, ainda que proferido por juízo incompetente.Parágrafo único - A interrupção da prescrição retroagirá à data de propositura da ação.

AutorClaudionor Benite

I. Interrupção da prescrição

A citação é o ato pelo qual se dá ciência ao executado da propositura da demanda executi-va e, sendo válida, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor (CPC/2015, art. 240, caput). Também tem o efeito de interromper a prescrição, ainda que orde-nada por juízo incompetente.

II. Efeito retroativo

Para retroagir o efeito interruptivo da prescrição à data da propositura da execução (art. 312, CPC/2015), necessário que o exequente promova a citação do executado no prazo legal. Por isso, a remissão ao § 2º, do art. 240, do CPC/2015, é para alertar o exequente que é dele a incumbência de tomar as providências necessárias para viabilizar a citação do executado, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de não se ter por interrompido o prazo prescricional. Conta-se esse prazo a partir da intimação do despacho que ordenou a citação.

Observe-se que o art. 240, do CPC/2015, não prevê a possibilidade de prorrogação desse pra-zo, como expressamente previa o § 3º, do art. 219, CPC/1973. Contudo, havendo prorrogação do prazo por decisão judicial, é de se admitir interrompido o prazo prescricional, desde a data da propositura da execução, se efetivado o ato citatório dentro do prazo estendido.

A citação do executado poderá ser feita pelas formas previstas no art. 246, do CPC/2015. De regra, a citação será por via postal, o que já ocorre na execução fiscal (art. 8º, inciso I, da Lei nº 6.830/1980) e nas execuções perante o juizado especial cível (art. 18, inciso I, da Lei nº 9.099/1995).

A principal diligência do exequente é providenciar o recolhimento de custas devidas para expedição do mandado citatório e o seu cumprimento, seja pela via postal, pessoal ou por edital, eis que admitida quaisquer das modalidades previstas no art. 246, do CPC/2015, ao contrário do sistema anterior que não permitia a citação via postal no processo de execução (art. 222, d, CPC/1973).

III. Precedentes

STJ – Súmula nº 106: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”

“[...] 1. Considera-se interrompida prescrição na data em que a petição inicial é protocolada, desde que não seja imputada ao exequente culpa pelo atraso do despacho ou da citação [...]”

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(3ª T., AgRg no AREsp nº 433.766/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 20/11/2014, DJe de 25/11/2014).

“[...] Para fins de interrupção da prescrição, os efeitos da citação válida devem retroagir à data da propositura da ação, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC [...]” (1ª T., AgRg no AREsp nº 539.253/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 19/8/2014, DJe de 27/8/2014).

“[...] Esta Corte tem manifestado entendimento no sentido de considerar interrompida a pres-crição desde a data em que a petição inicial da execução dá entrada no protocolo do Juízo, salvo se considerada inepta ou seja atribuída ao autor a demora na distribuição ou citação. Preceden-tes. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp nº 204.730/PB, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 22/6/2004, DJ de 2/8/2004, p. 395) 2. Recurso não provido” (TJPR, 13ª C.Cível, AC nº 1289138-4 - Guarapuava, Rel. Luciano Carrasco Falavinha Souza, unânime, j. em 4/3/2015).

Art. 803 - É nula a execução se:I - o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;II - o executado não for regularmente citado;III - for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.Parágrafo único - A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.

I. Função do título executivo

É tornar adequada a tutela jurisdicional executiva (nulla executio sine titulo) e para ter eficá-cia executiva deve reunir os três requisitos de exequibilidade, ou seja, obrigação certa, líquida e exigível (art. 783, CPC/2015).

É certa a obrigação quando não há dúvida de sua existência e do que é devido an debeatur. Diz-se líquida a obrigação quando é determinada ou determinável a quantia ou qualidade do que é devido quantum debeatur e quid debeatur e exigível quando vencida e não sujeita a condição.

Execução sem título leva à carência do direito de ação por falta de interesse processual (inadequação da via jurisdicional executiva), extinguindo-se o processo por ausência de uma das condições da ação.

II. Citação: pressuposto de validade da relação processual

É o ato de convocação das partes para integrarem a relação processual (art. 238, CPC/2015). Sem este ato não há formação válida do processo. A citação deverá observar o disposto no art. 240, §§ 1º a 4º, quanto aos efeitos, e o art. 246, incisos I a V, quanto à modalidade. O compare-cimento espontâneo do executado supre o vício. Será inválida a citação por edital, por exemplo, se o executado tem endereço certo e conhecido.

III. Exigibilidade

O termo e condição estão afetos à exigibilidade do título que se vincula ao interesse necessi-dade. Verificado o termo (evento futuro e certo) e não havendo condição pendente (evento futuro

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e incerto) que condicione o início dos efeitos do negócio jurídico, o inadimplemento do devedor torna exigível a obrigação representada no título. Obrigação vencida e não sujeita a condição, representada em título executivo, autoriza a execução forçada.

Tratando-se de obrigação bilateral representada em título executivo, compete ao exequente com-provar que cumpriu com sua contraprestação, para exigir o cumprimento da prestação do execu-tado, sob pena de extinção do processo de execução (art. 787, CPC/2015, c.c. o art. 476, do CC).

IV. Precedentes

STJ - Súmula nº 233: “O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo”.

STJ - Súmula nº 414: “A citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modalidades”.

STJ – Súmula nº 196: “Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos”.

“[...] Execução. Título imperfeito. Nulidade. Declaração independentemente da apresentação de embargos. A arguição de nulidade da execução com base no art. 618 do Estatuto Processual Civil não requer a propositura da ação de embargos à execução, sendo resolvida incidentalmente” (STJ, 4ª T., RESP nº 3.079, Rel. Min. Cláudio Santos).

“[...] ausentes a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação (art. 586, do CPC) - Ausente a data de vencimento da obrigação – Aplicação da súmula 233 STJ – nulidade da execução – Recurso conhecido e não provido” (TJPR, 14ª C.Cível, AC nº 1235277-5 - Chopinzinho, Rel. Octavio Campos Fischer, unânime, j. em 3/12/2014).

“[...] nula é a execução desacompanhada do título executivo” (TJPR, 5ª Câmara Cível (extinto TA), AC nº 617538/PR, Apelação Cível nº 061753-8, Rel. Newton Luz, j. em 4/5/1994).

“[...] Nula se apresenta a execução se instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrido o termo, como proclamam as normas dos arts. 572 e 618, III do CPC. Não ocorrida a condição acor-dada, indevida a multa pactuada” (STJ, 4ª T., REsp nº 1.680/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU de 2/4/1990) (RJ 153/73).

“[...] se a nulidade da execução pode ser reconhecida de ofício, claro está que poderá ser ar-guida pela parte a qualquer tempo, não sendo necessário, por isso, que o juízo esteja previamente seguro pela penhora ou que haja, necessariamente, a obrigatoriedade de serem opostos embar-gos” (TJPR, Ap. Cív. nº 66.464, 2ª C., Rel. Des. Munir Karam, p. 18/3/1996, v.u.).

“[...] A citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modali-dades. (Súmula 414/STJ). - Verificada a citação nula do réu, realizada na forma editalícia, bem como sua revelia no feito, sem que lhe fosse designado curador, este vício pode ser reconhecido a qualquer tempo, inclusive de ofício, dentro da própria execução, porquanto não houve registro da Carta de Arrematação. Recurso não provido” (TJPR, 1ª C.Cível, AI nº 633747-1 - Goioerê, Rel. Ruy Cunha Sobrinho, unânime, j. em 29/6/2010).

Art. 804 - A alienação de bem gravado por penhor, hipoteca ou anticrese será ineficaz em relação ao credor pignoratício, hipotecário ou anticrético não intimado.

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§ 1º - A alienação de bem objeto de promessa de compra e venda ou de cessão registrada será ineficaz em relação ao promitente comprador ou ao cessionário não intimado.§ 2º - A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído direito de superfície, seja do solo, da plantação ou da construção, será ineficaz em relação ao concedente ou ao concessionário não intimado.§ 3º - A alienação de direito aquisitivo de bem objeto de promessa de venda, de promessa de cessão ou de alienação fiduciária será ineficaz em relação ao promitente vendedor, ao promitente cedente ou ao proprietário fiduciário não intimado.§ 4º - A alienação de imóvel sobre o qual tenha sido instituída enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso será ineficaz em relação ao enfiteuta ou ao concessionário não intimado.§ 5º - A alienação de direitos do enfiteuta, do concessionário de direito real de uso ou do concessionário de uso especial para fins de moradia será ineficaz em relação ao proprietário do respectivo imóvel não intimado.§ 6º - A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído usufruto, uso ou habitação será ineficaz em relação ao titular desses direitos reais não intimado.

I. Alienação de bem com gravame

A regra procedimental em análise aplica-se conjugada com os arts. 799, incisos I a VI; 889 e 903, § 1º, inciso II, do CPC/2015.

A principal finalidade da referida intimação prévia do ato de alienação do bem penhorado com gravame é dar ciência àquele que, não sendo exequente, mantenha relação jurídica de direito ma-terial com o bem objeto da constrição judicial e que será expropriado, para que possa manifestar seu interesse no produto da alienação (particular ou judicial) ou até mesmo na adjudicação, em face de privilégio do seu crédito ou preferência do seu direito.

O efeito dessa intimação é o de liberar o bem penhorado do gravame para ser transferido livre e desembaraçado ao patrimônio do adquirente, pois o gravame sub-roga-se no produto da aliena-ção, desde que, no prazo, assim se manifeste e se habilite nos autos aquele que tem privilégio ou preferência. A propósito do efeito da intimação, observe-se as disposições dos arts. 1499, inciso VI, e 1.501, do CC.

Essa intimação deverá ser feita pelo menos 5 (cinco) dias antes da alienação (art. 889, CPC/2015), mesmo que já tenha ocorrido a intimação nas hipóteses previstas no art. 799 do CPC/2015.

A regra em comento somente será observada se a penhora incidir sobre bem gravado com ônus real ou vinculado por relação jurídica de direito material com quem não faça parte da relação jurídica processual executiva.

Efetivada a penhora sobre bem gravado, compete ao exequente diligenciar a intimação do respectivo titular do direito real ou vinculado ao bem pelas hipóteses descritas no art. 804 e seus parágrafos, sob pena da ineficácia da expropriação.

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A intimação prévia também tem o escopo de evitar litígio na fase satisfativa da execução en-volvendo pessoa estranha a relação processual.

O gravame deve estar registrado ou averbado na matrícula do bem imóvel ou perante o órgão competente de registro de bem móvel ou semovente.

O artigo em comento traz inovação nos seus parágrafos, na medida em que elenca outras hi-póteses de gravames além do penhor, hipoteca e a anticrese, adequando-se ao posicionamento dos tribunais.

II. Precedentes

“[...] A ausência de intimação do credor hipotecário para a hasta pública não contamina a validade da expropriação judicial, mas acarreta a ineficácia da arrematação em relação ao titular da garantia. Interpretação do art. 698 do CPC que melhor se coaduna com os arts. 619 do CPC e 826 do CC/16 (equivalente ao art. 1.501 do CC/2002). Fica assegurado o direito de regres-so do arrematante contra o devedor. 7. Recursos especiais parcialmente providos” (STJ, 3ª T., REsp nº 1219329 RJ 2010/0187467-3, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 11/3/2014, DJe de 29/4/2014).

“[...] A arrematação levada a efeito sem intimação do credor hipotecário é inoperante relativa-mente a esse, não obstante que seja eficaz entre executado e arrematante. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido” (2ª T., AgRg no REsp nº 1461782/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Mar-ques, j. em 2/10/2014, DJe de 8/10/2014).

“[...] I - Conforme entendimento firmado no âmbito desta Corte Superior é necessária a inti-mação do credor hipotecário da realização da praça do bem imóvel dado em garantia, sob pena de nulidade da arrematação. Precedentes: REsp nº 739.197/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe de 08/02/2010; e REsp nº 397.899/AL, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 31/03/2003. II - Agravo regimental improvido” (1ª T., AgRg nos EDcl no AREsp nº 116.955/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, j. em 28/8/2012, DJe de 9/10/2012).

“[...] 3. O objetivo da notificação, de que trata o art. 1.501 do Código Civil, é levar ao conhe-cimento do credor hipotecário o fato de que o bem gravado foi penhorado e será levado à praça de modo que este possa vir a juízo em defesa de seus direitos, adotando as providências que entender mais convenientes, dependendo do caso concreto.

4. Realizada a intimação do credor hipotecário, nos moldes da legislação de regência (artigos 619 e 698 do Código de Processo Civil), a arrematação extingue a hipoteca, operando-se a sub-rogação do direito real no preço e transferindo-se o bem ao adquirente livre e desembaraçado de tais ônus por força do efeito purgativo do gravame.

5. Extinta a hipoteca pela arrematação, eventual saldo remanescente em favor do credor hipo-tecário poderá ser buscado contra o devedor originário, que responderá pessoalmente pelo res-tante do débito (art. 1.430 do Código Civil) [...]” (3ª T., REsp nº 1201108/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 17/5/2012, DJe de 23/5/2012).

“[...] Prévia e regular intimação pessoal do credor hipotecário para habilitação do crédito – Ausência de manifestação – Extinção da hipoteca – Inteligência dos artigos 1501 do Código Civil e 619 do Código de Processo Civil – Precedentes desta Corte do Superior Tribunal de Justiça – Recurso provido” (TJPR, 8ª C.Cível, AI nº 1277906-1 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina, Rel. Marcos S. Galliano Daros, unânime, j. em 5/3/2015).

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“[...] Para fins de expropriação do bem imóvel hipotecado, não há necessidade de intimação do seu possuidor, mas tão somente do credor hipotecário ou senhorio direto (TJPR, 15ª C.Cível, AC nº 418987-5 - Cascavel, Rel. Luiz Carlos Gabardo, unânime, j. em 4/7/2007) [...]” (TJPR, 15ª C.Cível, AC nº 1221073-8 - Ibaiti, Rel. Shiroshi Yendo, unânime, j. em 22/10/2014).

“[...] Prescindibilidade do ajuizamento de execução própria para a satisfação do crédito hi-potecário – Credor não intimado que pode, inclusive, pleitear pela invalidação da hasta ou fazer valer a sua ineficácia [...]” (TJPR, 2ª C.Cível, AI nº 1152178-9 - Umuarama, Rel. Antônio Renato Strapasson, unânime, j. em 25/3/2014).

“[...] II - Realizada a arrematação de imóvel gravado com o ônus da hipoteca, com a prévia notificação do credor hipotecário, há a extinção deste gravame, recebendo a arrematante o bem livre e desembaraçado. Enquanto o credor hipotecário sub-roga-se no preço daquela. III - Neces-sário o ajuizamento de execução para a satisfação do crédito hipotecário, forte nos princípios do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica, porém, o remanescente da arrematação deve manter-se depositado em juízo [...]” (TJPR, 10ª C.Cível, AI nº 785911-6 - Curitiba, Rel. Arquelau Araujo Ribas, unânime, j. em 15/12/2011).

“[...] Se a lei não autoriza sequer a praça de imóvel hipotecado ou emprazado, sem que seja intimado, com um mínimo de dez dias de antecedência, o credor hipotecário ou o senhorio direto, como garantia (art. 698 do CPC) ao credor ou senhoria, o que dizer-se então de uma praça onde o proprietário do imóvel, aquele que tem o imóvel registrado em seu nome não foi intimado? [...] (Ministro Waldemar Zveiter, REsp 2008/SP, j. 10/06/91)” (TJPR, 14ª C.Cível, AC nº 487534-1 - Curitiba, Rel. Laertes Ferreira Gomes, unânime, j. em 1º/10/2008).

“[...] Hasta pública – Falta de intimação de credor hipotecário – Ineficácia da arrematação – art. 619 do CPC [...]” (TJPR, 10ª C.Cível, AI nº 285067-3 - Maringá, Rel. Paulo Roberto Hapner, unânime, j. em 5/4/2005).

“[...] 1. Nos termos do artigo 619 do CPC, necessária a intimação do credor hipotecário para alienação do bem gravado, sob pena de invalidade. 2. Ausente tal intimação e ingressando o credor hipotecário com ação de execução, fica o adquirente sujeito à perda do bem, mesmo que arrematado em hasta pública, diante do direito de sequela do credor da hipoteca. 3. E o cancela-mento da arrematação se dá independentemente do ajuizamento de ação de nulidade em face do arrematante [...]” (TAPR, 2ª C.Cível (extinto TA), AI nº 218647-2 - Cascavel, Rel. Rosene Arão de Cristo Pereira, unânime, j. em 12/3/2003).

Art. 805 - Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.Parágrafo único - Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.

I. Princípio da menor onerosidade

O art. 805, caput, do CPC/2015, reproduz a regra do art. 620, do CPC/1973, que trata do princípio da menor onerosidade da execução para o executado. A inovação fica por conta do pa-

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rágrafo único, que transfere ao executado a incumbência de demonstrar o meio mais eficaz para satisfazer o exequente, com o menor sacrifício. Por exemplo: para evitar a expropriação de bens do seu patrimônio, o executado pode oferecer em pagamento da obrigação pecuniária percentual do faturamento da empresa; de frutos ou rendimento de determinado bem (art. 825, CPC). Essa forma de satisfação do crédito está prevista no art. 905, do CPC/2015.

Observe-se que o sistema atual não menciona o usufruto como modalidade de expropria-ção, no que andou bem, corrigindo uma incongruência do sistema anterior (art. 647, inciso IV, CPC/1973). De fato, o usufruto de bem para satisfazer o exequente não importa em transferência de domínio (art. 1.393, CC), apenas se lhe transfere o uso, gozo e administração da coisa (art. 1.394, CC) por certo tempo, não podendo o exequente alterar a sua substância ou destinação, obrigando-se a zelar pela integridade e conservação do bem, pelo período concedido. Satisfeito o exequente, retornam todos os direitos inerentes ao domínio ao executado.

Ainda que o art. 904, CPC/2015, não mencione expressamente o usufruto como forma de sa-tisfação do crédito, não há dúvida dessa sua finalidade.

II. Precedentes

“[...] O princípio da menor onerosidade do devedor, insculpido no art. 620 do CPC, tem de estar em equilíbrio com a satisfação do credor, sendo indevida sua aplicação de forma abstrata e presumida, cabendo ao executado fazer prova do efetivo prejuízo [...]” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1.469.455/SC, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 9/2/2015).

“[...] A Primeira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que a penhora - ou eventual substituição de bens penhorados - deve ser efetuada conforme a ordem prevista no art. 655 do CPC, podendo a parte exequente recusar a nomeação de bem quando fundada na inobservância da ordem legal, sem que implique ofensa ao art. 620 do CPC (REsp 1.090.898/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe de 31/8/09). 7. Recurso especial parcialmente provido” (1ª T., REsp nº 1260443/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 26/6/2012, DJe de 2/8/2012).

“[...] A incidência da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC é imposição que decorre do mero descumprimento obrigacional no prazo definido em lei, não se incompatibilizando com o princípio da menor onerosidade, considerando-se o objetivo do legislador em prestigiar a satis-fação espontânea do título judicial exequendo [...]” (1ª T., AgRg no AREsp nº 318.967/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 24/3/2015, DJe de 7/4/2015).

“[...] Princípio da menor onerosidade do devedor que deve ser interpretado em conjunto com o princípio do interesse do credor – Recurso desprovido” (TJPR, 12ª C.Cível, AI nº 1286271-2 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina, Rel. Joeci Machado Camargo, unânime, j. em 18/3/2015).

“[...] a menor onerosidade para o devedor não pode ser razão de grande prejuízo para o credor (comprometendo a efetividade da tutela); e a tutela efetiva para o credor não justifica penhora excessivamente onerosa para o devedor. (DIDIER, Freddie. Curso de direito processual civil: execução. Vol. 5. ed. 4. Bahia: 2012, Editora Jus Podivm. p. 613-614.). Requisitos não atendidos na espécie. 3. Recurso não provido” (TJPR, 13ª C.Cível, AI nº 1279802-6 - Chopinzinho, Rel. Luciano Carrasco Falavinha Souza, unânime, j. em 25/2/2015).

“[...] Não observância da ordem legal. Princípio da menor onerosidade ao devedor que deve ser interpretado em conjunto com o princípio da efetividade da execução. Decisão Mantida [...]” (TJPR, 15ª C.Cível, AI nº 1281966-6 - Colombo, Rel. Shiroshi Yendo, unânime, j. em 28/1/2015).

Art. 805

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Letícia de Souza Baddauy

Art. 806 - O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, em 15 (quinze) dias, satisfazer a obrigação.§ 1º - Ao despachar a inicial, o juiz poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo.§ 2º - Do mandado de citação constará ordem para imissão na posse ou busca e apreensão, conforme se tratar de bem imóvel ou móvel, cujo cumprimento se dará de imediato, se o executado não satisfizer a obrigação no prazo que lhe foi designado.

AutoraLetícia de Souza Baddauy

I. Coisa certa

Coisa certa é coisa individuada, cujas características só as têm exatamente a coisa a ser entre-gue como prestação da obrigação exequenda. Logo, tal individualização da coisa deve constar do título extrajudicial em questão, sendo possível e devida sua indicação desde o momento da propositura da demanda executiva, na petição inicial.

O processo de execução autônomo para entrega de coisa, sendo reservado aos casos em que já existe título executivo em favor de quem pretende seu recebimento, independe do fundamento obrigacional ou real da pretensão.

II. Inicial e prazo

Feito o exame de admissibilidade da demanda, com a devida verificação da presença dos pres-supostos processuais e dos requisitos da petição inicial executiva (CPC, arts. 319, 320 e 798), a execução da obrigação para entrega de coisa certa inicia-se, então, com a citação do executado para o cumprimento da obrigação, tendo em vista que a coisa já se encontra especificada no título em qualidade e quantidade.

O prazo de 15 dias, sendo legal, não poderá ficar a arbítrio do juiz, contando-se a partir do ato de citação. A previsão de prazo mais dilatado em relação ao anteriormente previsto (dez dias, CPC/1973, art. 621) segue a política de uniformização dos prazos, presente no CPC/2015. Ademais, tratando-se de prazo legal em dias, a contagem deve ser feita computando-se apenas os dias úteis (CPC, art. 219). Lembre-se que a citação na execução, em regra, deve ser pessoal, por oficial de justiça.

III. Satisfação da obrigação

Considerando-se que no processo de execução não há discussão sobre a existência do direito (como regra, podendo a questão ser excepcionalmente discutida por exceção de pré-executividade), a citação será feita para que o executado satisfaça a obrigação. No caso, para que entregue a coisa, já individualizada no título.

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Letícia de Souza Baddauy

A entrega da coisa, em atendimento ao despacho inicial, acarreta a extinção da obrigação, podendo ensejar o fim da execução, que deverá ser extinta por sentença (CPC, art. 924, inciso II, e art. 925). Vale lembrar que existem hipóteses de prosseguimento do processo. Vide art. 807.

IV. Coerção

Na execução para entrega de coisa pode ser adotado meio executivo coercitivo (técnica man-damental) para imprimir mais eficiência ao processo. Desde o despacho inicial o juiz pode fixar a coerção patrimonial, impondo multa por dia de atraso na entrega do bem, independentemente de requerimento do exequente. Embora normalmente a multa seja fixada por dia de atraso (astreintes), entendemos que sua periodicidade pode ser outra, estipulada pelo juiz conforme o caso concreto, sempre atentando para sua idoneidade em pressionar o executado a satisfazer a obrigação.

Dada a natureza coercitiva da multa, seu valor tem que ser avaliado a ponto de cumprir tal propósito. Valor aquém ou além não geram o efeito esperado, de pressão sobre o executado que o leve a cumprir a obrigação. Por isso, poderá ser revisto pelo juiz a fim de encontrar-se um valor que se coadune com a finalidade da multa (coerção, e não punição ou indenização).

Ressalte-se que, se houver valor para esta multa já previsto no título executivo, o juiz poderá reduzi-lo se o entender excessivo (CPC, art. 814, parágrafo único). Embora a lei preveja apenas a possibilidade de redução, entendemos ser cabível também a elevação do valor, dada a natureza processual desta técnica mandamental, seguindo o critério de sua idoneidade como mecanismo de pressão sobre o executado, cuidando-se para não haver abusividade.

Se a entrega (tutela específica) tornar-se impossível, evidencia-se a necessidade de revogação da multa, que passa a não ter finalidade. Ainda, a incidência da multa não pode se prolongar indefinidamente, mesmo que o executado não entregue a coisa objetivamente possível de ser en-tregue. Verificando o juiz que a medida é inidônea à coerção no caso concreto, deve substituí-la por outra (vide itens V e VI), ou buscar-se a tutela reparatória. Vide art. art. 809.

V. Sub-rogação

Além da possibilidade do emprego do meio executivo coercitivo (multa) desde o início do procedimento, o dispositivo legal prevê também que conste no próprio mandado inicial o meio executivo sub-rogatório, que prescinde, portanto, da colaboração do executado. Ou seja, no man-dado de citação deve constar a determinação para que se proceda à imissão na posse, no caso dos bens imóveis, ou à busca e apreensão, no caso dos móveis. A previsão da medida executiva já no mandado inicial vem ao encontro da racionalização do procedimento adotada pelo CPC/2015, conferindo mais eficiência em relação ao anteriormente previsto pelo art. 625 (CPC/1973), que previa a expedição do mandado de busca ou imissão na posse em momento posterior.

Para que o oficial de justiça pratique tais atos executivos basta que o executado não efetue, no prazo legal (15 dias), a satisfação da obrigação, com a respectiva entrega da coisa em juízo. Encontrado o bem e estando em perfeito estado, fica satisfeita a obrigação.

VI. Conciliação das medidas executivas

Causa estranheza a previsão de duas técnicas executivas concomitantemente, como é feito nos parágrafos do dispositivo. Se a lei estabelece que no próprio mandado inicial conste deter-minação de desapossamento (busca e apreensão ou imissão na posse), qual seria a utilidade de previsão também da multa coercitiva? Em nosso entendimento, maior racionalidade encontra-se em interpretar no sentido de uma conciliação entre as técnicas, colocando ambas à disposição

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do Estado e mesmo da parte exequente, de modo a entendê-las como opção a ser feita no caso concreto, a partir do quadro fático de realização da execução. Ou seja, o juiz deverá determinar a adoção de um único meio executivo (multa ou desapossamento), conforme seu entendimento do que seja mais eficiente no momento da decisão, ou, ainda, conforme a escolha do exequente, podendo, contudo, alterá-lo caso se revele sua ineficiência.

VII. Defesa do executado

O artigo nada dispõe sobre a defesa do executado. Aplica-se ao caso o regime geral dos em-bargos à execução, previsto a partir do art. 914. O executado poderá, portanto, caso não entregue a coisa, defender-se opondo embargos no prazo de 15 dias, sem necessidade do depósito pré-vio do bem, o que somente se tornará necessário para eventual concessão, pelo juiz, de efeito suspensivo àqueles (CPC, art. 919, § 1º). O depósito da coisa tem por finalidade assegurar que, diante de eventual improcedência dos embargos suspensivos, o bem não tenha desaparecido ou se deteriorado, garantindo assim sua entrega ao credor.

VIII. Julgados – CPC/1973

“RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. OBRIGA-ÇÃO DE ENTREGA DE COISA. INADIMPLÊNCIA. JUROS PACTUADOS À TAXA DE 1% AO MÊS. CUMULAÇÃO COM ASTREINTES. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍ-CIOS E ASTREINTES. REVISÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 1. [...] 2. Incidência de juros de mora na obrigação para entrega de coisa. Exegese do art. 407 do Código Civil. Doutrina sobre o tema. 3. Possibilidade de cumulação de astreintes com encargos contratuais devido à natureza distinta dos dois institutos. Natureza processual das astreintes e de direito material dos encar-gos contratuais. Doutrina e jurisprudência. 4. [...]. 5. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. É possível ao Juiz arbitrar de ofício astreintes na hipótese de execução de título extrajudicial que encerre obrigação de entrega de coisa certa, haja vista que tal faculdade é conferida expressa-mente pela lei ao magistrado, segundo o artigo 621, parágrafo único, do CPC, como forma de obtenção da tutela específica da obrigação. (VOTO VENCIDO) (MIN. MASSAMI UYEDA) Não é possível ao Juiz arbitrar de ofício astreintes na hipótese de execução de título extrajudicial que encerre obrigação de entrega de coisa certa, sem que haja, ao menos, um pedido expresso do exequente nesse sentido, haja vista que a fixação da multa diária somente se mostra pertinente quando exteriorizada a má-fé do executado, cumprindo ao juiz, segundo interpretação do § 1° do artigo 621 do CPC, antes de fixar a multa diária, determinar a citação do executado, para possi-bilitar o exercício do contraditório” (STJ, 3ª T., REsp nº 1198880/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 20/9/2012).

“[...] 1. Apesar de os arts. 621 e 622 do CPC determinarem a necessidade de depósito da coisa para a apresentação de embargos, a segurança do juízo, no atual quadro jurídico, introduzido pela Lei 11.382/2006, não é mais pressuposto para o ajuizamento dos embargos à execução, con-figurando apenas um dos requisitos para atribuição de efeito suspensivo. 2. O procedimento da execução para entrega de coisa, fundada em título extrajudicial, deve ser interpretado à luz das modificações feitas pela Lei 11.382/2006, porquanto o juiz deve conferir unidade ao ordenamen-to jurídico [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 1177968/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 12/4/2011).

“[...] 1. Nas ações para entrega de coisa, os embargos à execução podem ser opostos inde-pendentemente de penhora, depósito ou caução, de acordo com a alteração realizada pela Lei n. 11.382/2006 ao art. 736, do Código de Processo Civil. 2. Não existe nenhum óbice quanto à

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fixação da multa por descumprimento da obrigação de entrega de coisa, pois o texto de lei (CPC, art. 621, parágrafo único) confere essa faculdade ao Magistrado” (TJSC, AI nº 2011.066470-5/RS, Rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 10/5/2012).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENTREGA DE COISA INCERTA. SACAS DE SOJA. DESNECESSIDADE DE GARANTIA DO JUÍZO PARA O OFERECIMENTO DE EMBAR-GOS À EXECUÇÃO, EM FACE DO ADVENTO DA LEI Nº 11.382/06 QUE REVOGOU O ART. 737 DO CPC. MULTA COERCITIVA DIÁRIA PELO DESCUMPRIMENTO DA OBRI-GAÇÃO. POSSIBILIDADE. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] O MM. Juiz da cau-sa também consignou na decisão atacada que, no caso de atraso no cumprimento da obrigação, seria fixada multa diária de R$300,00 (trezentos reais), conforme art. 621, parágrafo único do CPC. É possível a cominação de multa coercitiva para estimular o executado a entregar a coisa em juízo (art. 621, parágrafo único, CPC). No caso em que é entregue a coisa em juízo no prazo legal, a multa coercitiva não incide. Também não incide a multa coercitiva se o executado de-positar a coisa em juízo no prazo legal. Observe-se, ainda, que os referidos dispositivos legais não condicionam a fixação das astreintes à demonstração, pela exequente, de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, uma vez que o seu escopo é forçar o cumprimento da ordem judicial proferida, não tendo, portanto, nem caráter punitivo, nem indenizatório [...]” (TJPR, 13ª C. Cível, AI nº 760922-3, Rel. Cláudio de Andrade, j. em 8/2/2012, grifo nosso).

“[...] Os Artigos 621, parágrafo único e 631, do CPC, facultam ao Magistrado a aplicar multa no caso de descumprimento da obrigação nos autos da execução para entrega de coisa incerta. Embora a multa diária possa ser fixada em patamares elevados, não pode o Julgador se distanciar do princípio da razoabilidade, devendo, ainda, evitar um possível enriquecimento da parte que vier a se tornar credora. Por outro lado, também não pode fixar valores ínfimos que, na prática, não atendam ao fim a que se destinam [...]” (TJMG, 10ª C. Cível, AI nº 1.0071.09.043525-7/001, Rel. Des. Pereira da Silva, j. em 14/7/2009).

Art. 807 - Se o executado entregar a coisa, será lavrado o termo respectivo e considerada satisfeita a obrigação, prosseguindo-se a execução para o pagamento de frutos ou o ressarcimento de prejuízos, se houver.

I. Satisfação da obrigação. Extinção da execução

A satisfação da obrigação ocorre com a entrega da coisa (vide comentário ao art. 806, item III). Vale lembrar que, em se tratando de obrigação para entrega de coisa certa, somente a en-trega exata da coisa prevista no título executivo extrajudicial caracterizará a satisfação integral da obrigação, de modo a ensejar o encerramento da execução. Ouvido o exequente e constatada pelo juízo a efetiva satisfação integral da obrigação, deverá ser declarada a extinção da execução por sentença.

II. Frutos pendentes. Indenização

Pode dar-se a entrega da coisa devida, sem, contudo, haver encerramento da execução nos casos em que ficar pendente o pagamento de eventuais frutos ou prejuízos. O dispositivo autoriza a lavratura do termo de entrega, com a quitação do débito correspondente ao dever de entrega da coisa. Porém, além da entrega, abre-se a possibilidade de execução por quantia em prossegui-

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mento à execução para entrega de coisa. Logo, sem necessidade de instauração de novo processo, a obrigação pecuniária pode desde logo ser cobrada judicialmente.

Verifica-se que a lei permite ao credor que, de fato, cumule pedidos nesta espécie de execu-ção. Interessante notar que se trata de pedidos que envolvem procedimentos diversos, a serem adotados sucessivamente.

III. Prosseguimento da execução. Execução por quantiaAssim, com base no título executivo extrajudicial, contendo dever de entregar coisa, pede-se

a realização do direito material.Além disto, a depender da previsão no título ou da lei civil (CC, art. 233 e seguintes), caso

o exequente alegue inicialmente que, além do direito a receber a coisa, possui direito a receber quantia correspondente aos frutos que lhe entende devidos, bem como a ressarcimento por pre-juízos sofridos com a perda da disponibilidade da coisa, e, ainda, acrescente-se, eventuais lucros cessantes, deverá requerer a instauração de uma fase verdadeiramente cognitiva no curso do mesmo processo, a fim de apurarem-se os valores devidos. Ou seja, dever-se-á proceder à liqui-dação de tais valores, em contraditório, logicamente (CPC, art. 509 e seguintes).

Somente após a apuração da existência de quantia devida ao exequente é que se passará ao procedimento de execução por quantia (expropriação), com a observância do rito de cumprimen-to de sentença (CPC, art. 523 e seguintes), pois se trata de execução de decisão judicial, e não mais do título extrajudicial que inicialmente fundou a demanda.

IV. Julgados – CPC/1973“[...] Mesmo aceita a prestação, o credor poderá prosseguir, ainda, com a execução para bus-

car o pagamento de frutos e o ressarcimento por perdas e danos. Destarte, o art. 624 do Código de Processo Civil admite que o ressarcimento de perdas e danos e o pagamento de frutos se deem na própria demanda executiva, mas apenas se concernentes à coisa objeto da entrega e se presen-te disposição expressa no título executivo [...]” (TJMG, 16ª C., ApCível nº 1.0643.06.000729-8/001, Rel. Des. Batista de Abreu, j. em 15/4/2009).

“[...] O artigo 627 c/c artigo 624, ambos do CPC, permitem a cumulação da execução com per-das e danos. Apelo provido, sentença cassada apenas na parte que extingue a execução” (TJMG, 15ª C. Cível, ApCível nº 1.0069.03.010661-6/001, Rel. Des. Electra Benevides, j. em 12/2/2009).

Art. 808 - Alienada a coisa quando já litigiosa, será expedido mandado contra o terceiro adquirente, que somente será ouvido após depositá-la.

I. Alienação da coisa. Fraude

A alienação de coisa litigiosa, ou seja, cuja transferência da propriedade tenha ocorrido após a citação em demanda na qual a coisa é disputada, pode não produzir efeitos no âmbito da execução para entrega da coisa. Isso porque a alienação neste contexto é passível de caracterizar fraude à execução (CPC, art. 792), e, assim, ser ineficaz no âmbito da execução que recai sobre a tal coisa (CPC, art. 792, § 1º). Por esta razão, o legislador prevê que se expeça contra o terceiro adquirente o mandado para entrega da coi-sa, tendo em vista permanecer esta objeto da execução. Em outras palavras, a coisa permanece na esfera da responsabilidade patrimonial, isto é, sujeição do bem aos atos executivos (CPC, art. 790, inciso V).

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O ato executivo de desapossamento do bem será praticado independentemente de onde e sob o poder de quem se encontre o bem. O mandado a que se refere o artigo é o de busca e apreensão ou imissão na posse. Entendemos não ser cabível a citação do terceiro, que não é parte no processo, tampouco a adoção de medida coercitiva contra este.

Ressalte-se que o exequente não é obrigado a perseguir o bem no patrimônio do terceiro. Vide art. 809.

II. Defesa do terceiroÀ luz do princípio do contraditório, o terceiro adquirente deverá ter oportunidade de manifes-

tação na execução que recai sobre a coisa adquirida. Entretanto, a lei exige o prévio depósito da coisa para que haja esta manifestação, diversamente do que ocorre em relação ao próprio deve-dor, cuja defesa por meio dos embargos não está vinculada ao depósito da coisa (vide comentário ao art. 806, item VII).

O terceiro tem responsabilidade, limitada à coisa litigiosa adquirida. Não passa a ter a condi-ção de devedor apenas porque os atos executivos o atingirão. Não adquire a qualidade de parte na execução. Portanto, sua defesa deverá ser exercida por meio dos embargos de terceiro (CPC, art. 674 e seguintes).

III. Má-fé do adquirenteDeve ser verificada a má-fé do terceiro para que este venha a efetivamente ser desapossado

do bem. Para defender-se, tem de depositar a coisa, como já visto. Contudo, o levantamento da coisa pelo exequente somente ocorrerá com a improcedência dos embargos de terceiro, em cujo âmbito necessário se faz provar a má-fé do adquirente. O CPC/2015 exige para caracterização da fraude e presunção absoluta de má-fé a averbação da existência do processo de execução no competente registro (CPC, art. 792, inciso II, e art. 828).

IV. Julgado – CPC/1973“[...] 2. A alienação da coisa litigiosa em execução de entrega de coisa certa é ineficaz peran-

te o credor, nos termos do art. 626 do Código de Processo Civil. 3. Pode o julgador, diante do poder geral de cautela, determinar o gravame de inalienabilidade sobre o bem litigioso, evitan-do tumulto processual e prejuízo a interesse de terceiros. [...]” (TJMG, 15ª C. Cível, ApCível nº 1.0024.06.271223-7/002, Rel. Des. Wagner Wilson, j. em 2/12/2008).

Art. 809 - O exequente tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa, quando essa se deteriorar, não lhe for entregue, não for encontrada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente.§ 1º - Não constando do título o valor da coisa e sendo impossível sua avaliação, o exequente apresentará estimativa, sujeitando-a ao arbitramento judicial.§ 2º - Serão apurados em liquidação o valor da coisa e os prejuízos.

I. Tutela reparatóriaNa execução da obrigação para entrega de coisa, a tutela específica consiste na exata entrega

da coisa prevista no título. Ocorrem situações, contudo, que autorizam a conversão da tutela

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específica em perdas e danos. Na impossibilidade de a tutela específica ser prestada, vale dizer: se o bem objeto da execução não for entregue ao exequente, este terá a possibilidade de pleitear tutela reparatória, recebendo indenização no valor da coisa, eventualmente acrescido caso tenha havido perdas e danos decorrentes do não cumprimento da obrigação pelo devedor.

Havendo deterioração da coisa, esta perde, em maior ou menor grau, seu valor e utilidade. Cabe ao credor aceitar recebê-la no estado em que se encontre. Não a aceitando ou ainda que a aceite com estragos, terá direito a ser indenizado pelas perdas e danos (CC, art. 234 a 240). Po-rém, caso não queira receber a coisa, não está obrigado, surgindo, então, o direito a receber seu valor integral, além das perdas e danos.

Embora citado para cumprir a obrigação de entrega, e ainda que seja prevista multa coercitiva, pode acontecer de o executado não entregar o bem. Não havendo entrega, o dispositivo prevê também o direito do exequente de receber o valor da coisa cumulado com as perdas e danos. Entendemos que o sistema processual dá preferência à concessão da tutela específica. Isto, em princípio, deveria ensejar a aplicação da medida sub-rogatória cabível (busca e apreensão para bens móveis ou imissão na posse para os imóveis) quando o bem não seja entregue ao exequente. Entretanto, o juiz deve considerar a situação fática do caso, pois pode se revelar excessivamente difícil ou onerosa a busca do bem, sobretudo o móvel. E não se descarte inclusive a dificuldade na localização até mesmo de bens imóveis (ex.: áreas rurais em determinadas regiões do País).Também é opção do exequente perseguir a coisa que tenha sido transferida para terceiro (vide comentários ao art. 808). Poderá preferir o recebimento do valor da coisa, cumulado com as perdas e danos.

Por fim, não sendo encontrada a coisa, a tutela específica torna-se inviável, restando ao exe-quente a conversão em obrigação pecuniária.

II. Valor da coisa. Prejuízos. Liquidação

O valor do bem a ser entregue pode estar previsto no próprio título executivo, o que facilita a conversão do procedimento em execução de quantia. Se não estiver previsto, o exequente, ao optar pelo recebimento do valor da coisa, deve apresentar uma estimativa deste. Obviamente, o valor estimado pelo exequente está sujeito ao contraditório e à análise judicial.

Os prejuízos sofridos pelo exequente devem também ser apurados judicialmente. Tanto o valor da coisa como os prejuízos serão apurados por meio da abertura de uma fase de liquidação, que deverá seguir o devido rito processual (CPC, art. 509 e seguintes), sempre com o estabele-cimento do contraditório.

É importante a compreensão da expressão adotada pelo § 1º do artigo, ao referir-se ao arbi-tramento judicial. Certamente, não se está tratando de uma avaliação subjetiva a ser feita pelo juiz. A liquidação poderá ser feita pelo procedimento comum (CPC, art. 509, inciso II) ou por arbitramento (CPC, art. 509, inciso I), de acordo com a necessidade do caso. E, em sendo adotada a liquidação por arbitramento, o juízo pode valer-se de perito, conforme previsto na lei. O arbi-tramento judicial, com ou sem auxílio de trabalho pericial, deve ser entendido como a decisão judicial sobre os valores em debate devidamente fundamentada (CPC, art. 489), com base nos dados e argumentos trazidos pelas partes, inclusive no caso de o bem ter desaparecido e serem necessárias estimativas.

A decisão da liquidação é impugnável por agravo de instrumento (CPC, art. 1.015, parágrafo único).

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III. ProcedimentoCabe lembrar que, encerrada a liquidação, a execução dar-se-á por cumprimento de sentença,

nos moldes do art. 523 e seguintes (CPC/2015).

IV. Julgados – CPC/1973“[...] II - O objetivo específico da execução para entrega da coisa é a obtenção do bem que se

encontra no patrimônio do devedor (ou de terceiro). Caso não mais seja encontrado o bem, ou no caso de destruição ou alienação, poderá o credor optar pela entrega de quantia em dinheiro equivalente ao valor da coisa e postular a transformação da execução de coisa certa em execu-ção por quantia certa, na linha do art. 627, CPC. III - Indispensável, nessa hipótese, contudo, a prévia apuração do quantum, por estimativa do credor ou por arbitramento. Sem essa liquidação, fica inviável a conversão automática da execução para entrega da coisa em execução por quantia certa, mormente pelo fato de que a execução carecerá de pressuposto específico, a saber, a liqui-dez” (STJ, 4ª T., REsp nº 327.650/MS, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, j. em 26/8/2003).

“[...] Apenas nas hipóteses em que há a perda da coisa, o seu perecimento ou deterioração, que se aplica a regra do art. 627 do CPC, o que assegura ao credor o direito a receber, além das per-das e danos, o valor da coisa [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 720.061/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 14/11/2006).

“[...] Não havendo o cumprimento espontâneo da obrigação exequenda, e tendo restado frus-trada a apreensão da coisa certa, pode o credor pleitear a conversão do rito de execução para en-trega de coisa certa para execução por quantia certa, nos termos do art. 627 do CPC. [...]” (TJPR, 15ª C. Cível, AI nº 1224381-7, Rel. Shiroshi Yendo, j. em 10/9/2014).

“[...] 1. Execução para entrega de coisa incerta. Conversão. Na execução para entrega de coisa certa ou incerta, o fim específico é a restituição do bem que se encontra no patrimônio do devedor (ou de terceiro). Somente após deixar o devedor de promover a restituição ou depositar a coisa, objeto do contrato, admite-se a conversão para execução por quantia certa. A execução para entrega de coisa incerta, por ter procedimento próprio, não admite transformação, já de início, para a execução por quantia certa, a não ser no momento processual do art. 627 do CPC, após frustrado o procedimento estabelecido nos arts. 629 a 631 do CPC [...]” (TJPR, 15ª C. Cível, Ap. Cível nº 906877-3, Rel. Jurandyr Souza Junior, j. em 18/7/2012).

“[...] Decido. II. [...] A agravante aduz, em síntese, que é possível a imediata conversão da execução para entrega de coisa em execução por quantia certa, independentemente da busca e apre-ensão determinada pela magistrada de primeiro grau, uma vez que os agravados não entregaram, nem depositaram o bem almejado. Não lhe assiste razão. Isso porque, conforme consta da decisão agravada de f. 102- TJ, ‘A presente execução segue o rito do art. 621 e seguintes do Código de Processo Civil.’. Logo, deve ser observado o procedimento previsto para esta execução específica (entrega de coisa incerta), inclusive a regra do artigo 625, do Código de Processo Civil: ‘Não sendo a coisa entregue ou depositada, nem admitidos embargos suspensivos da execução, expedir-se-á, em favor do credor, mandado de imissão na posse ou de busca e apreensão, conforme se tratar de imóvel ou de móvel.’ Desse modo, para que se possa requerer o recebimento do valor da coisa, nos termos do artigo 627 do CPC, devem ser cumpridas, primeiramente, as providências previstas em lei para localização do bem, o que ainda não ocorreu no caso dos autos. [...] Ressalte-se, por fim, que a agravante não demonstrou quais foram as supostas diligências por ela realizadas a fim de localizar o produto em armazéns da região, pelo que deve ser mantida a decisão exarada pela Dra. Luzia Terezinha Grasso Ferreira. III. Pelo exposto, com fulcro no art. 557, caput, do Código de

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Processo Civil, nego seguimento ao presente agravo de instrumento, por conter fundamentação contrária à jurisprudência desta Corte. IV. Remeta-se cópia da presente decisão ao juízo de origem, via sistema ‘Mensageiro’. V. Intimem-se. VI. Oportunamente, baixem” (TJPR, 15ª C. Cível, AI nº 93698-8, Rel. Luiz Carlos Gabardo, decisão monocrática, j. em 30/7/2012).

“Agravo de instrumento - Execução por quantia certa contra devedor solvente - Conversão da execução para entrega de coisa incerta para execução de quantia, pelo valor estimado pela exequente, sem que tenha sido aberta oportunidade para manifestação dos devedores - Impossi-bilidade - Era de rigor a instauração do procedimento de liquidação (art. 627, § 2º) - O valor da coisa será apurado por arbitramento (art. 627, § 1º). Determinada a realização de prova pericial técnica - Decisão reformada - Recurso provido.

‘[...] Ante o exposto, não se mostra cabível a conversão automática da execução de entrega de coisa certa para execução de quantia certa sem prévia manifestação da parte executada sobre a estimativa efetuada pelo credor, razão pela qual admissível a realização da prova pericial técnica [...]’” (TJSP, 37ª C. de Direito Privado, AI nº 0112521-34.2013.8.26.0000, Rel. Sergio Gomes, j. em 15/10/2013).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - BEM MÓVEL - CONVERSÃO DE EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA EM EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA - POSSIBILIDADE, DESDE QUE APURADO O QUANTUM DEVIDO ATRAVÉS DE ARBITRAMENTO POR NÃO CONSTAR NO TÍTULO EXECUTIVO A DETERMINAÇÃO DE VALOR - RECURSO PAR-CIALMENTE PROVIDO. ‘[...] O credor tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa, quando esta não lhe for entregue ou não for encontrada, transformando-se em execução por quantia certa, a teor do disposto no art. 627, Código de Processo Civil. Sucede que, nessa hipótese, faz-se imprescindível a prévia apuração do quantum por arbitramento (art. 627, § 2º, do Código de Processo Civil), salvo se o valor já estava expresso no título executivo [...]’” (TJSP, 26ª C. de Direito Privado, AI nº 2002709-86.2014.8.26.0000, Rel. Renato Sartorelli, j. em 19/2/2014).

“EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA - PETIÇÃO DO DEVEDOR DANDO CONTA DA PERDA DA SAFRA DADA EM GARANTIA - IMPUGNAÇÃO DO CREDOR - CON-VERSÃO DA EXECUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - NECESSIDADE DE BUSCA E APREENSÃO DA GARANTIA PARA, ESGOTADAS AS DILIGÊNCIAS, HAVER REGULAR LIQUIDAÇÃO DAS PERDAS E DANOS - RECURSO PROVIDO. No caso da execução para entrega de coisa in-certa, o legislador previu rigorosamente o íter a ser seguido, não cabendo a uma das partes, principal-mente com oposição expressa da outra, dar caminho diverso ao processo. ‘[...] a providência do artigo 630, do Código de Processo Civil, apenas faz menção à impugnação da escolha feita pelo credor, sendo que, no caso de mera alegação de impossibilidade de cumprimento da ordem judicial remete ao disposto no artigo 625 e seguintes, do mesmo ‘codex”’, ou seja, expedição de mandado de busca e apreensão, inclusive com a possibilidade de o mandado ser cumprido em face de terceiros, quando alienada a coisa litigiosa (art. 626, CPC). Somente então, fracassadas todas as tentativas, admite-se a liquidação dos prejuízos, como previsto no artigo 627, do Código de Processo Civil [...]’” (TJSP, 35ª Câmara do oitavo grupo (extinto TA), AI nº 1063097900, Rel. Artur Marques, j. em 18/9/2006).

Art. 810 - Havendo benfeitorias indenizáveis feitas na coisa pelo executado ou por terceiros de cujo poder ela houver sido tirada, a liquidação prévia é obrigatória.

Art. 810

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Parágrafo único - Havendo saldo:I - em favor do executado ou de terceiros, o exequente o depositará ao requerer a entrega da coisa;II - em favor do exequente, esse poderá cobrá-lo nos autos do mesmo processo.

I. Benfeitorias indenizáveisNeste artigo a lei estabelece um pressuposto para que possa ocorrer efetivamente a execução

da obrigação para entrega da coisa prevista no título. Trata-se da prévia liquidação das benfeito-rias indenizáveis. A regra aplica-se tanto à hipótese de aquelas terem sido realizadas pelo execu-tado como pelo terceiro de quem se pretende retirar a coisa.

Logo, a liquidação prévia é obrigatória, não se autorizando a execução sem que assim se pro-ceda. O credor deve, portanto, requerer a liquidação antes de pretender a satisfação da obrigação.

A liquidação deverá ser feita nos termos do CPC/2015 (art. 509 e seguintes). Estabelecido o valor das benfeitorias, o exequente deverá depositá-lo antes de requerer a entrega da coisa. Caso não o faça, e venha a pedir a entrega da coisa, o credor da indenização por benfeitorias (execu-tado ou terceiro) tem o direito a exercer a retenção da coisa (CC, art. 242, caput, e art. 1.219), sendo esta questão passível de alegação em seus embargos (embargos de retenção – CPC, art. 917, inciso IV).

II. Benfeitorias x frutosO parágrafo único do dispositivo menciona eventual existência de saldo credor a ser verifica-

do, conforme o resultado da liquidação, para que se determine como se dará o prosseguimento da execução. De seu teor extrai-se que o legislador prevê a possibilidade de ser feita, na apuração dos valores, uma compensação entre o crédito pecuniário do exequente (frutos, danos) e o crédito do executado (benfeitorias) (CC, art. 242, parágrafo único).

Se o saldo for favorável ao executado, temos a situação já comentada no item I, ou seja, a neces-sidade do prévio depósito do valor para o prosseguimento da execução de entrega (desapossamento).

Se o saldo for favorável ao exequente, poderá ser cobrado no mesmo processo. Ter-se-á, as-sim, após satisfeita a obrigação para entrega de coisa, o prosseguimento do processo para exe-cução de quantia, na forma de cumprimento de sentença (CPC, art. 523), tendo em vista que se trata de título judicial.

III. Julgado – CPC/1973“[...] A liquidação prévia a que faz referência o art. 628 do CPC pressupõe o reconheci-

mento, no título executivo, das benfeitorias a serem indenizadas [...]” (STJ, 4ª T., AgRg no Ag nº 405.987/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 18/3/2003).

Art. 811 - Quando a execução recair sobre coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o executado será citado para entregá-la individualizada, se lhe couber a escolha.Parágrafo único - Se a escolha couber ao exequente, esse deverá indicá-la na petição inicial.

Art. 811

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Letícia de Souza Baddauy

I. Coisa incerta

É admitida a execução do título extrajudicial que contenha obrigação para entrega de coisa incerta, entendendo-se esta como a coisa somente determinada pelo gênero e pela quantidade. Vez que a citação no processo de execução é para que o executado cumpra a obrigação, faz-se necessária a precisa indicação da coisa a ser entregue nos casos em que no título executivo esteja ainda incerta.

II. Escolha. IndividualizaçãoQuando a escolha couber ao credor, o que deverá estar previsto no título, a indicação é requi-

sito da inicial da execução. O título estabelece a quem compete a escolha. Não exercendo sua faculdade, a escolha será do executado. Entendemos, contudo, que deva ser-lhe, antes, oportu-nizada a emenda da inicial (CPC, art. 321), tendo em vista que, para qualquer outro requisito, existe esta oportunidade.

Cabendo ao devedor, sua citação deve ser para entregá-la já individualizada, no prazo de 15 dias (CPC, art. 806). Como a individualização é que caracteriza o objeto, e sendo o devedor su-jeito à prestação, o Código Civil (art. 244) defere-lhe a faculdade de escolher, dentre as do mes-mo gênero, aquela a ser entregue, na quantidade estabelecida. Também esta poderá resultar das circunstâncias que envolvem a obrigação. No silêncio do título, e na falta de indicação oriunda das outras, cabe ao devedor fazê-la.

Nos termos da lei civil (CC, art. 244), na hipótese de obrigação de dar coisa incerta, isto é, ge-nérica, determinável pelo gênero e pela quantidade, a escolha (concentração) deverá recair nos bens de média qualidade. Portanto, não pode recair sobre a coisa menos valiosa nem tampouco pode ser o executado compelido a entregar a coisa mais valiosa, de modo que o objeto obrigacio-nal deve recair dentro do gênero intermediário.

III. Coisa incerta x coisa fungívelA lei processual não se ocupa presentemente da polêmica acerca de eventual distinção entre

coisa incerta e coisa fungível. Apenas estabelece que, ao ser determinável pelo gênero e quan-tidade, há coisa incerta e, portanto, necessária sua individualização. Ou seja, ainda que a coisa seja fungível (o que poderia levar à conclusão de que não haveria que se falar em escolha), sendo necessária a determinação, estar-se-á diante do procedimento de entrega de coisa incerta. Muito comum na prática forense, tem-se o dever de entrega de sacas de produtos agrícolas. Embora se trate de bens fungíveis, há escolha a ser feita (ano da safra, por exemplo).

IV. Julgados – CPC/1973“[...] Na execução de obrigação de entregar coisa incerta, cabendo a escolha ao devedor, este

deverá ser citado para entregá-la individualizada [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 701.150/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 15/12/2005).

“[...] Recaindo a execução sobre coisas determinadas pelo gênero e quantidade, o procedi-mento a ser adotado deve ser aquele previsto no art. 629, CPC [...]” (TJMG, 13ª C. Cível, Ap. Cível nº 1.0035.09.164564-4/001, Rel. Des. Cláudia Maia, j. em 14/4/2011).

“[...] A execução de quantia certa contra devedor solvente visa, exclusivamente, ao cumpri-mento de obrigações pecuniárias. Constando do título executivo a obrigação do embargante a entrega de sacas de café, deveria a exequente ter eleito o rito previsto a partir do art. 629 do CPC, que trata da execução para entrega de coisa incerta. A escolha do rito errado acarreta a ina-dequação da via eleita e, consequentemente, a extinção da execução. Tratando-se de obrigação

Art. 811

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Letícia de Souza Baddauy

de entrega de coisa, somente é possível o ajuizamento da ação de execução por quantia certa, uma vez sendo impossível o cumprimento destas e após a conversão/apuração do valor devido” (TJMG, 11ª C. Cível, Ap. Cível nº 1.0144.07.020670-7/001, Rel. Des. Wanderley Paiva, j. em 11/3/2015).

“CÉDULA DE PRODUTO RURAL. Prescrição. Instituto que não confunde com decadência. Prescrição trienal não operada (art. 206, § 3º, inciso VIII, do CC). Preliminar de mérito rejeitada. EMBARGOS À EXECUÇÃO. Cédula de Produto Rural. Título extrajudicial criado pela Lei nº 8.929/94 com alterações da Lei nº 10.200/2001. Título líquido, certo e exigível. Execução para entrega de coisa incerta. Conversão para ação de execução para quantia certa. Bens objeto da transação firmada entre as partes que não restaram entregues e nem pago o valor em dinheiro. Possibilidade. Precedente do STJ. Hipótese de liquidação restrita ao caso de o título não previr o valor da coisa, ou se sua avaliação fosse impossível (art. 631 c.c. art. 627 § 1º do Código de Processo Civil). Desnecessidade de liquidação por não haver divergência quanto à forma de se apurar o valor da coisa (soja brasileira). Recurso improvido.

‘[...] a ação ajuizada está de conformidade com o disposto nos artigos 629 e seguintes do CPC, e art. 15, da Lei 8.929, de 22.08.94, que instituiu a Cédula de Produto Rural, que acentuou que a ação cabível para cobrança da Cédula de Produto Rural é a execução para entrega de coisa incer-ta [...]’” (TJSP, 14ª C. de Direito Privado, Apelação nº 0002836-95.2011.8.26.0539, Rel. Lígia Araújo Bisogni, j. em 16/7/2014).

Coisa incerta no Código Civil

“[...] Cuida-se de fato de obrigação indeterminável e, portanto, inexequível, pois sequer foi indicada a quantidade, requisito mínimo exigido para a constituição de obrigação de dar coisa in-certa a teor do art. 243 do Código Civil. Admite-se a obrigação de dar coisa incerta desde indicada pelo menos pelo gênero e quantidade [...]” (TJMG, 4ª C. Cível, Ap. Cível nº 1.0251.12.000822-1/003, Rel. Heloisa Combat, j. em 7/8/2014).

“[...] mas não se especificou na avença quais eram as frações do terreno que estavam sendo negociadas. Trata-se, pois, de objeto não determinado, mas determinável, como previsto no art. 243 do Código Civil: ‘A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade’. A principal característica dessa modalidade de obrigação reside no fato de o objeto ou conteúdo da prestação, indicado genericamente no começo da relação, vir a ser determinado por um ato de escolha, o qual compete ao devedor, se outra coisa não se estipulou. A escolha só competirá ao credor se o contrato assim dispuser. Sendo omisso nesse aspecto, como é no caso ora em análise, ela pertencerá ao devedor (art. 244 do Código Civil) [...]” (TJDF, 4ª C. Cível, Ap. Cível nº 20120310030168, Rel. Fernando Habibe, j. em 9/7/2014).

Art. 812 - Qualquer das partes poderá, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnar a escolha feita pela outra, e o juiz decidirá de plano ou, se necessário, ouvindo perito de sua nomeação.

I. Impugnação

Na hipótese de discordância pela parte contrária, será instaurado o incidente de individuali-zação, no bojo da própria execução. Nesta etapa o juiz decidirá a respeito da coisa a ser entre-

Art. 812

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Letícia de Souza Baddauy

gue, contando com auxílio de perito, caso necessário. Após a decisão, de natureza interlocutória (CPC, art. 203, § 1º), prosseguirá a execução.

O prazo, uniformizando-se com os demais do CPC/2015, é de 15 dias úteis, contados da juntada do mandado de citação para o executado, quando a individualização tiver sido feita na inicial. Enten-demos que a impugnação à escolha, quando feita pelo executado, suspende o prazo para a entrega.

Quando a escolha couber ao executado, o exequente deve ser intimado da entrega da coisa para que se inicie seu prazo, para aceitá-la ou impugnar a escolha.

Entendemos que a impugnação à escolha feita pelo credor também poderá ser feita pela via dos embargos à execução.

II. Julgado – CPC/1973

“[...] Inteligência do artigo 630, CPC. A perícia realizada que não foi impugnada no momento ade-quado, não merece reparo, salvo no caso de ser totalmente contrária às provas nos autos [...]” (TJMG, 15ª C. Cível, Apelação Cível nº 1.0028.03.003727-0/001, Rel. Des. Antônio Bispo, j. em 10/4/2014).

Art. 813 - Aplicar-se-ão à execução para entrega de coisa incerta, no que couber, as disposições da Seção I deste Capítulo.

O estado de indeterminação cessa com a escolha. A coisa, então, passa a ser determinada. Portanto, em tudo aquilo que for compatível, as regras referentes à execução para entrega de coisa certa apli-cam-se à execução para entrega de coisa incerta. O procedimento sub-rogatório de desapossamento (busca e apreensão ou imissão na posse), bem como o meio coercitivo (multa) são cabíveis.

I. Julgados

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. DE-CISÃO QUE DETERMINA A CITAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. CABIMENTO. COMINAÇÃO RESPALDADA NOS ARTIGOS 621, PARÁ-GRAFO ÚNICO, E 631, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJPR, 14ª C. Cível, AI nº 732661-4, Rel. Des. Guido Döbeli, j. em 27/4/2011).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA NA HIPÓTESE DE INADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO DA ENTREGA. POSSIBILIDADE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS DISPOSIÇÕES REFEREN-TES À EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA. APLICABILIDADE DO ART. 631, DO CPC, QUE PERMITE A ADOÇÃO DO ART. 621, PARÁGRAFO ÚNICO, DO MESMO DI-PLOMA LEGAL E AUTORIZA A MULTA DIÁRIA ESTABELECIDA. AGRAVO DESPROVI-DO” (TJPR, 13ª C. Cível, AI nº 737012-1, Rel. Angela Maria Machado Costa, j. em 20/7/2011).

“[...] É cabível a fixação de multa diária em razão do atraso no cumprimento da obrigação de entregar coisa incerta, com base no art. 621, parágrafo único c/c art. 631 do CPC. - A imposição de multa diária objetiva assegurar o efetivo cumprimento da determinação, devendo ser fixada em valor suficiente para compelir a parte à prática da ordem judicial, porém de forma razoável para não gerar enriquecimento sem causa [...]” (TJMG, 12ª C. Cível, AI nº 1.0071.08.040818-1/001, Rel. Des. Alvimar de Ávila, j. em 2/4/2014).

Art. 813

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Letícia de Souza Baddauy

“AGRAVO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO COM FUNDAMENTO NO CAPUT DO ART. 557 DO CPC. MULTA DIÁRIA.INCIDÊNCIA EM EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 621 E 631 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. De acordo com os artigos 621 e 631, do Código de Processo Civil, é possível a cominação de multa diária na execução para entrega de coisa incerta, desde que o juiz, primeiramente, determine a citação do executado para, dentro de dez (10) dias, satisfazer a obrigação. Agravo não provido” (TJPR, 15ª C. Cível, AgRg nº 545.312-7/01, Rel. Des. Jucimar Novochadlo, j. em 4/2/2009).

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTU-LO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. ENTREGA FUTURA DE SOJA. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. PROCEDIMENTO EQUIVOCADO. TÍTULO EXECUTIVO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. CONVER-SÃO AUTOMÁTICA DO FEITO. INADMISSIBILIDADE. REQUISITOS LEGAIS. AUSÊN-CIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. EXEGESE DO ART. 629 DO CPC. PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. HONO-RÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA VERBA ARBITRADA. 1. Execução para entrega de coisa incerta. Conversão. Na execução para entrega de coisa certa ou incerta, o fim específico é a restituição do bem que se encontra no patrimônio do devedor (ou de terceiro). Somente após deixar o devedor de promover a restituição ou depositar a coisa, objeto do contrato, admite-se a conversão para execução por quantia certa. A execução para entrega de coisa incerta, por ter pro-cedimento próprio, não admite transformação, já de início, para a execução por quantia certa, a não ser no momento processual do art. 627 do CPC, após frustrado o procedimento estabelecido nos arts. 629 a 631 do CPC. 2. [...] Recurso de apelação desprovido” (TJPR, 15ª C. Cível, ApCiv nº 906877-3, Rel. Jurandyr Souza Junior, j. em 18/7/2012).

“EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. Soja. Cédula de Crédito de Produto Rural. O executado (embargante) foi citado para a entrega do produto agrícola, todavia, quedou-se inerte. Procedeu-se a conversão da ação para execução de quantia certa, pelo valor estimado pelo exequente, sem chance de manifestação do devedor. Impossibilidade. Era de rigor a instauração do procedimento de liquidação (art. 627, § 2º). O valor da coisa será apurado por arbitramento (art. 627, § 1º) e o das perdas e danos pelo procedimento que se mostrar adequado ao caso. Sem essa liquidação, fica inviável a conversão automática da execução para entrega da coisa em execução por quantia certa, mormente pelo fato que a execução carecerá de pressuposto específico, a saber, a liquidez. (Resp 327650/MS RECURSO ESPECIAL 2001/0057043-8. DJ 06/10/2003 p. 273). Sentença anulada. RECURSO DO EMBARGANTE PROVIDO, E PREJUDICA DA EMBAR-GADA. [...] falta de manifestação do executado sobre o valor apontado pela exequente, não há como aceitar a conversão da execução de entrega de coisa, para execução de quantia certa, justa-mente pela falta de liquidez [...]’” (TJSP, 18ª Câmara de Direito Privado, Ap. Cível nº 9175420-90.2005.8.26.0000, Rel. Jurandir de Sousa Oliveira, j. em 13/4/2010).

Art. 814 - Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.

Art. 814

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Letícia de Souza Baddauy

Parágrafo único - Se o valor da multa estiver prevista no título e for excessivo, o juiz poderá reduzi-lo.

I. Coerção. Multa periódica

No despacho inicial, ao estabelecer o prazo para que o executado cumpra o fazer ou o não fazer (conforme art. 815), o juiz pode também adotar a multa como medida coercitiva tendente a dar maior efetividade ao processo, independentemente de requerimento da parte, à semelhança do que se encontra previsto para a execução da obrigação para entrega de coisa.

A periodicidade da multa levará em consideração a específica obrigação a ser cumprida em consonância com a própria finalidade da multa (vide comentário ao art. 806, item IV).

II. Alteração do valor da multa

A fim de que se atinja o objetivo da multa (coercitiva), o juiz está autorizado a alterar o valor previsto no título, visto que tanto valor aquém como além do necessário colocam em risco sua efetividade.

Caso haja valor para esta multa já previsto no título executivo, o juiz poderá reduzi-lo se o entender excessivo, de modo igual ao previsto para a obrigação de entrega de coisa. Embora a lei preveja apenas a possibilidade de redução, reiteramos nosso entendimento de ser cabível também a elevação do valor, dada a natureza processual desta técnica mandamental, seguindo o critério de sua idoneidade como mecanismo de pressão sobre o executado, cuidando-se para não haver abusividade.

Art. 814

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Flávio Luiz Yarshell

Art. 815 - Quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o executado será citado para satisfazê-la no prazo que o juiz lhe designar, se outro não estiver determinado no título executivo.

AutorFlávio Luiz Yarshell

I. Concorrência de vias processuais para o credor de obrigações de fazer (e não fazer)

Embora a leitura isolada do art. 815 possa dar a entender que o CPC/2015 teria conferido ao credor de obrigações de fazer (e não fazer) apenas uma via processual para a efetivação de seus direitos, a sua interpretação sistemática autoriza afirmar que conferiu, na realidade, três vias processuais para esse mister.

A primeira delas é a do processo de conhecimento, de que resultará a imposição judicial do dever de prestar (o que tradicionalmente se denomina condenação), com a formação de título executivo judicial e posterior cumprimento de sentença (arts. 513 e seguintes) – ressalvada a possibilidade de concessão de tutela antecipada (arts. 303 e seguintes); a segunda é a da ação monitória, que não apenas remanesceu no sistema, como ainda passou também a abranger essa modalidade obrigacional (art. 700, inciso III); a terceira é a da execução fundada em título extra-judicial, cuja disciplina é inaugurada pelo artigo ora comentado.

Com efeito, no novo Diploma a existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, com o objetivo de obter título judicial (art. 785). Vale dizer: o CPC/2015 superou a controvérsia que havia na vigência do CPC/1973 sobre haver interesse processual para demanda de conhecimento mesmo quando o credor já dispõe de título extrajudicial. A lei não explicitou, mas daí se extrai também a possibilidade de opção pela ação monitória: se o credor pode optar entre execução e cognição mediante condenação, parece coe-rente dizer que pode optar entre execução e monitória – que tem igualmente natureza de ativida-de cognitiva.

Assim, na premissa (complementar) de ser faculdade do credor a de optar entre processo de conhecimento condenatório e ação monitória (conforme entendimento formado à luz do CPC/1973), forçoso é concluir que o sistema oferece ao credor uma dessas três vias, apenas com as seguintes ressalvas: a) se o credor não dispuser de título executivo nem de prova escrita (sem eficácia de título) deverá obrigatoriamente se valer da demanda de conhecimento (embora com teórica possibilidade de antecipação de tutela); b) se o credor dispuser de prova escrita sem efi-cácia de título, não poderá – por razões evidentes – valer-se desde logo da execução, conquanto possa optar entre a demanda condenatória e a ação monitória.

Essa multiplicidade de vias processuais, conquanto até possa ser vista positivamente como forma de ampliação do acesso à tutela jurisdicional; e quiçá inspirada por um regime parcial-mente comum a todas essas formas de tutela; traz consigo, contudo e paradoxalmente, o risco de ensejar dúvidas e, portanto, de produzir resultado inverso ao desejado. É preciso, portanto, interpretá-las de forma coerente e harmoniosa.

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Flávio Luiz Yarshell Art. 815

II. Concorrência de vias processuais: tentativa de comparação

Se, embora com as ressalvas anteriores, é faculdade do credor a de optar por uma das três vias processuais anteriormente indicadas, deverá o autor considerar as vantagens ou desvantagens que cada qual possa oferecer – pensando sempre nos casos em que realmente haja tal opção. Sem caráter exaustivo, o exame que segue pretende examinar tais aspectos.

Às três formas de tutela são aplicáveis as regras constantes dos arts. 497 a 501, 536 e 537, que encerram, por assim dizer, normas gerais do sistema para a tutela de toda e qualquer obrigação ou dever de fazer (ou não fazer). Isso quer dizer o seguinte: a) o juiz deve dar primazia à tutela específica ou à obtenção de resultado prático equivalente; b) para a obtenção da tutela, o juiz poderá determinar medidas executivas indiretas ou “medidas de apoio” (§§ 1º, 2º e 3º do art. 536) – dentre os quais tem particular importância a multa diária; c) só ocorrerá conversão para obrigação pecuniária se assim requerer o credor ou se for impossível a obtenção da tutela espe-cífica ou do resultado prático equivalente (art. 499); d) indenização não se confunde com multa diária (art. 500).

Contudo, há diferenças entre cada uma dessas vias processuais.

Se o autor optar pela via cognitiva “ordinária” (lembrando que a ação monitória também é demanda de conhecimento), abrirá mão da possibilidade de o processo começar com a determi-nação imediata para que o autor faça ou deixe de fazer, possível tanto na execução quanto na monitória, embora de formas diversas (arts. 815 e 701). Assim ocorrerá, salvo se o autor puder obter antecipação da tutela provisória antecipada – cuja efetivação se submete ao regime do cum-primento de sentença (art. 519). Se não houver a antecipação, a sentença de procedência ensejará recurso de apelação com efeito suspensivo; mas, a senso contrário, se houver antecipação, con-firmada pela sentença, então o apelo não terá efeito suspensivo (CPC, art. 1.012, § 1º, inciso IV).

Se o autor optar pela monitória, deverá considerar que a eficácia do mandado para cumpri-mento da obrigação ficará suspensa pela oposição dos embargos (art. 702, § 4º). Mais do que isso, eventual sentença de rejeição dos embargos e de convolação do mandado monitório em título executivo judicial estará sujeita a recurso de apelação. Essa, à míngua de regra expressa no art. 1.012, terá efeito suspensivo. Finalmente, obtido o título judicial (via convolação do man-dado monitório), o regime legal será o do cumprimento de sentença – o que remete ao resultado obtido pela via cognitiva “ordinária” (condenatória).

Nos casos de cumprimento provisório de sentença (aplicável aos casos de condenação e de mandado monitório convolado em título executivo), aplica-se o disposto no art. 520, por força de regra expressa de seu § 5º. Isso quer dizer que a ordem para fazer ou não fazer pode ser cumprida provisoriamente, como se definitiva fosse. Contudo, se houver risco de grave dano ao executado, deverá ser exigida caução suficiente e idônea (inciso IV), sem prejuízo das demais regras cons-tantes do referido art. 520.

Mais ainda, nos casos de cumprimento de sentença, além da possibilidade reconhecida pelo art. 518, o demandado poderá apresentar impugnação, conforme art. 525. Essa, por regra, não terá efeito suspensivo, salvo se seus fundamentos forem relevantes, se houver risco de grave dano e se o juízo estiver garantido (§ 6º). Mas, mesmo assim, se o credor prestar caução idônea e suficiente, a prática dos atos executivos para satisfação do credor poderá prosseguir (§ 10).

Já se o credor dispuser de título extrajudicial e optar pela via executiva, o demandado poderá opor embargos à execução, que não exigem garantia do juízo (art. 914); permitem ampla cog-

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Flávio Luiz Yarshell Art. 816

nição, dado que podem veicular, dentre outras, “qualquer matéria que lhe seria [ao embargante] lícito alegar como defesa em processo de conhecimento” (art. 917, inciso VI); e, como regra, não terão efeito suspensivo (art. 919). Esse último poderá ser concedido quando “verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória” e desde que a execução esteja garantida caução suficiente (art. 919, § 1º). Embora a lei não tenha feito ressalva, interpretação sistemática au-toriza que o efeito suspensivo seja afastado, se o credor – agora ele – prestar caução, de forma análoga ao que dispõe o § 10 do art. 525, dado que a ratio da norma é a mesma.

Mas, mesmo que não exista essa possibilidade, se opostos embargos e esses forem julgados improcedentes, eventual recurso de apelação – que deverá ser recebido sem efeito suspensivo (art. 1.012, § 1º, inciso III) – não impedirá o prosseguimento da execução, de forma definitiva. É que o CPC/2015 não reeditou regra igual ou análoga à do art. 587 do CPC precedente.

Art. 816 - Se o executado não satisfizer a obrigação no prazo designado, é lícito ao exequente, nos próprios autos do processo, requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e danos, hipótese em que se converterá em indenização.Parágrafo único - O valor das perdas e danos será apurado em liquidação, seguindo-se a execução para cobrança de quantia certa.

I. Prazo para que o devedor realize a prestação

O artigo precedente determina que a realização voluntária da obrigação ocorra em prazo a ser fixado pelo juiz, se outro não houver no título executivo. Mas, toda execução tem por pressupos-to – além do título – o inadimplemento (art. 786). Portanto, quando o credor vem a juízo para promover a execução, o prazo previsto para adimplemento espontâneo já foi superado e não pode mais servir de parâmetro – não ao menos de forma pura e simples – para o juiz. Do contrário, o juiz estaria a simplesmente dobrar o prazo de que o devedor dispunha para adimplemento da obrigação.

Isso quer dizer que o prazo é sempre aquele fixado pelo juiz – exceto se, por alguma imprová-vel razão, as partes tivessem, para além do prazo previsto para o adimplemento, estabelecido um segundo prazo, para ser observado ao ensejo de ordem judicial. O lapso fixado pelo juiz deve ser proporcional e, para tanto, há que considerar o prazo – convencional ou legal – de que já dispu-sera o devedor para adimplemento espontâneo da obrigação.

II. Objeto do processo

Na execução não há cognição voltada à declaração do direito. Na concepção clássica, o pro-cesso de execução é composto de atos de invasão da esfera patrimonial do devedor para satis-fação do credor, mediante sub-rogação. Mas, a tutela do credor também pode ser perseguida mediante a imposição de medidas coercitivas, tendentes a pressionar o devedor a adimplir – se não de forma espontânea – de forma voluntária (execução indireta).

No caso das obrigações de fazer e não fazer, os meios executivos atuam mediante transforma-ção (enquanto nas obrigações de quantia isso se dá por expropriação e nas obrigações de dar isso ocorre por desapossamento). Ao resultado buscado pelo exequente, portanto, chega-se por uma

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Flávio Luiz Yarshell Art. 817

dessas formas: mediante sub-rogação ou mediante a imposição de mecanismos de coerção, que pressionem o devedor a adimplir.

A delimitação da obrigação deve constar do título executivo e é ônus do autor indicar como pretende ser satisfeito (art. 798, inciso II, a), observada a regra de menor onerosidade (art. 805) e com a ressalva de que a imposição dos meios executivos (diretos ou indiretos) pode ocorrer de ofício (art. 536, aplicável também à execução fundada em título extrajudicial).

Mas o objeto do processo pode também ser quantia certa. Isso pode ocorrer se o autor o reque-rer ou se a tutela específica (ou obtenção do resultado prático equivalente) se tornar impossível (art. 499). Não há necessidade de propositura de demanda condenatória ou de outra execução. Contudo, tratando-se de obrigação de pagar, será usualmente necessária prévia liquidação, para que se chegue ao valor em dinheiro correspondente ao inadimplemento. Excepcionalmente, po-derá ocorrer que o valor correspondente em dinheiro já esteja expresso no título; caso em que se poderá partir diretamente para a execução por quantia.

O sucedâneo há que se ater estritamente aos limites da obrigação constante do título executivo. Qualquer outro valor a que entenda fazer jus o credor deverá ser perseguido pela via cognitiva (condenatória).

Além disso, o credor de obrigação de fazer (ou não fazer) poderá se tornar credor de quantia, a ser cobrada nos mesmos autos. Isso ocorrerá quando (i) houver a imposição de multa diária (arts. 500 e 536, § 1º); (ii) houver imposição de multa pela litigância de má-fé (art. 81); (iii) fixação de verba honorária, haja ou não resistência à execução (art. 85). Nesses casos, salvo eventual exceção, não haverá necessidade de prévia liquidação, bastando que o credor apresente memória de cálculo.

Em qualquer caso, é preciso observar a regra de menor onerosidade (art. 805), desde que isso obviamente não prejudique a satisfação do credor. O processo de execução é instrumento de tutela do credor, no interesse de quem aquele é instaurado (art. 797); e de tutela do devedor, na medida em que garante que os meios executivos atuarão nos estritos limites do necessário para entrega do bem da vida ao credor.

Art. 817 - Se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado.Parágrafo único - O exequente adiantará as quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver aprovado.

I. Obrigações fungíveis: atuação de medidas executivas indiretas

O dispositivo trata das obrigações de fazer fungíveis, isto é, aquelas nas quais terceiros podem proporcionar o resultado no lugar do executado. Mas, essa forma de buscar a satisfação é onero-sa para o credor, porque ele tem o encargo de adiantar a quantia necessária para a atividade do terceiro; e, a rigor, é onerosa para o Estado, na medida em que essa solução, além de ser mais demorada, acabará por gerar um crédito por quantia certa que, depois de toda a atividade relativa à obrigação de fazer, ainda demandará execução por expropriação.

1278

Flávio Luiz Yarshell Art. 817

Além disso, a interferência de um terceiro – para realizar uma atividade originariamente a cargo do devedor – é potencialmente problemática. Basta ver a situação retratada pelo art. 819.

Por essas e por outras razões, antes de se cogitar da satisfação por terceiro, é preciso su-jeitar o demandado a medidas que possam compeli-lo a prestar voluntariamente (art. 536, § 1º). Essas medidas podem atuar de forma indireta sem envolver atividade de sub-rogação, ao menos em um primeiro momento. Tal é o que ocorre no caso da multa diária. Mas, também é possível que medidas sub-rogatórias acabem por proporcionar o resultado prático desejado pelo exequente. Isso ocorre, para ilustrar, quando se determina a apreensão do equipamento de que se vale o réu para fazer o que não deveria (poluir, por exemplo); ou quando se orde-na a interdição do local em que a atividade ilícita estaria a ocorrer. Nesses casos, os meios executivos não atuam diretamente sobre o bem da vida que é devido ao credor, mas sobre outros. Mais uma vez, indiretamente se chega ao resultado estabelecido pelo direito material em favor do exequente.

Enfim, a execução mediante a atividade de terceiro há de ser tida como subsidiária e só mesmo em último caso é que a ela se deve chegar.

II. Segue: crime de desobediência

Além das medidas previstas pelo § 1º do art. 536, o § 3º do mesmo artigo também estabelece que o descumprimento injustificado à ordem (para fazer ou não fazer) configurará (para além da litigância de má-fé) o crime de desobediência.

A opção do legislador processual civil, conquanto compreensível e até louvável (na medida em que busca estabelecer uma forma de tutela penal do processo civil), precisa ser interpretada à luz do entendimento da doutrina e da jurisprudência penal acerca dessa figura penal. É que, na esteira do que aí se preconiza, não há crime de desobediência se já existe sanção civil para a conduta. No caso das obrigações fungíveis, além das medidas coercitivas ou sub-rogatórias indiretas, existe a possibilidade de o resultado ser obtido a partir da atuação de terceiro. Portan-to, de crime de desobediência só se deve cogitar se nenhuma dessas sanções, no caso concreto, revelar-se efetiva.

Para deixar claro: não há previsão constitucional ou legal para prisão civil como medida coer-citiva tendente ao cumprimento de obrigações de fazer (ou não fazer). O que existe é a previsão de crime e, quando muito e desde que preenchidos os requisitos constitucionais e legais, poderá haver prisão por conta desse ilícito – não a prisão por fundamento civil.

III. Custo da atividade prestada pelo terceiro

Não há previsão legal de que haja prévia avaliação da atividade a ser prestada pelo terceiro e tampouco de que a escolha seja precedida de certame licitatório – exigências outrora vigentes no ordenamento brasileiro. Mas as partes têm a oportunidade de se pronunciar sobre o tema: o exequente, na perspectiva de que terá o ônus de adiantamento dos valores necessários para a obra do terceiro; o executado, na perspectiva de que, ao final, terá tais valores acrescidos a seu débito total. Além disso, é relevante saber outros dados do terceiro – sua idoneidade, capacidade técnica e outros – e da própria empreitada a realizar (especialmente o respectivo cronograma).

A atividade do terceiro há que se pautar por economia: o mais eficiente resultado com o menor custo possível. O que se busca é a satisfação do credor, da forma menos onerosa para o devedor (art. 805).

1279

Flávio Luiz Yarshell

Particularmente quanto ao custo, se houver objeção, a parte que a fizer terá o ônus de indicar concretamente de que forma o mesmo resultado poderia ser obtido com custo menor (ou, como dito anteriormente, por outra pessoa, ou em tempo menor, ou de forma mais eficiente). Compete-lhe fazer essa eventual impugnação no âmbito da execução, antes que a atuação do terceiro se inicie. Depois, no momento da execução por quantia que se seguir, a matéria terá restado preclusa.

IV. Atuação de terceiro para a atuação de medidas indiretas

Não se pode descartar que o recurso à atuação de terceiros ocorra também em relação às me-didas – coercitivas ou sub-rogatórias – que, sem diretamente proporcionar o resultado buscado pelo credor, sirvam para contribuir para o resultado prático equivalente (art. 536, § 1º). Certo que a imposição de multa e a busca e apreensão são providências ao alcance do juízo e do aparato de que dispõe. Contudo, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, o impedimento a atividade nociva, a interdição de locais – e outras de que se possa cogitar nesse caso – podem eventualmente ficar a cargo de terceiros, aplicando-se o dispositivo legal aqui comentado, quan-do menos por analogia.

Art. 818 - Realizada a prestação, o juiz ouvirá as partes no prazo de 10 (dez) dias e, não havendo impugnação, considerará satisfeita a obrigação.Parágrafo único - Caso haja impugnação, o juiz a decidirá.

I. Contraditório no decorrer dos trabalhos do terceiro

O dispositivo alude à oitiva das partes após a realização da atividade pelo terceiro. Contudo, o contraditório deve ser observado antes do início dos trabalhos e durante sua realização.

É preciso considerar que há obrigações de fazer complexas e, por vezes, de cumprimento dife-rido/contínuo. Embora se trate de processo de execução, em que a cognição é limitada e voltada ao escopo de satisfação do credor, tal complexidade e peculiaridade do direito material poderão recomendar (ou até impor) que a atividade do terceiro seja acompanhada de um perito e de assis-tentes técnicos. Isso permitirá que o juízo e as partes controlem o andamento dos trabalhos, de sorte a evitar potenciais problemas que possam decorrer do fato prestado pelo terceiro.

II. Encerramento da atividade do terceiro

Tanto que proporcionado o resultado correspondente à prestação (objeto da obrigação), a atividade do terceiro reputar-se-á encerrada. Mas para que isso se consume é preciso ouvir as partes.

Mais uma vez, é necessário considerar que eventuais obrigações (de fazer) são complexas e podem se desenrolar no tempo; o que é potencial fonte de problemas, relativamente à efetiva satisfação do credor. Nesse caso, é preciso levar em conta os contornos e limites da obrigação, tal qual ela consta do título executivo. Não se descarta, em tese, que a atividade do terceiro possa ser tida como encerrada e que, mais a frente, diante de novo inadimplemento, seja necessária nova atuação jurisdicional e, portanto, nova atividade do terceiro para satisfação da obrigação.

A impugnação de que fala a lei é conceito genérico e naturalmente não se confunde com a figura prevista pelo art. 525 – que é forma de defesa do demandado no cumprimento de sentença.

Art. 818

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Flávio Luiz Yarshell Art. 819

Ela ocorrerá de forma incidental no processo de execução, não obstante os limites à cognição que vigoram nesse âmbito. Ela poderá versar exclusivamente sobre pontos relativos à atividade do terceiro e, especialmente, o fato de estar ou não satisfeita a obrigação por conta dessa atividade.

Da decisão que apreciar essa impugnação caberá agravo de instrumento, se o juiz não puser fim ao processo (art. 1.015, parágrafo único); se o juiz – correta ou incorretamente – extinguir o processo (art. 922, inciso I), então o recurso cabível será o de apelação.

Art. 819 - Se o terceiro contratado não realizar a prestação no prazo ou se o fizer de modo incompleto ou defeituoso, poderá o exequente requerer ao juiz, no prazo de 15 (quinze) dias, que o autorize a concluí-la ou a repará-la à custa do contratante.Parágrafo único - Ouvido o contratante no prazo de 15 (quinze) dias, o juiz mandará avaliar o custo das despesas necessárias e o condenará a pagá-lo.

I. Posição processual do terceiro encarregado de realizar a prestação

A interferência de um terceiro, no contexto examinado, é potencialmente problemática: não bastasse a controvérsia estabelecida entre credor e devedor, a situação descrita pelo dispositivo é potencialmente geradora de novos problemas, cuja superveniência, pior ainda, põe em evidência que sequer a controvérsia que justificou a instauração do processo de execução foi superada. É que, se a prestação não foi realizada no prazo ou se o foi de modo incompleto ou defeituoso, isso quer dizer que o credor ainda não foi satisfeito e, a bem da verdade, nem o devedor se pode ainda reputar desonerado da obrigação.

Mais ainda: a interferência de um terceiro pode interferir no nexo de causalidade entre a situa-ção decorrente do inadimplemento, de um lado, e a conduta (comissiva ou omissiva) do devedor originário, de outro lado. Tanto isso é verdade que a lei, diante agora do inadimplemento do terceiro, fala que ele deverá ser condenado a pagar as despesas “necessárias”. Ou seja: o credor não apenas não resolve seu problema, como ainda passa a enfrentar outro. Portanto, a crise de adimplemento só aumenta... O resultado disso é nocivo para o Estado, dentre outras, porque tende a eternizar o processo, sem que a prestação jurisdicional tenha sido efetivamente entregue.

Sob a ótica do direito material, o terceiro que se disponha a realizar a atividade ficará subme-tido às regras civis que regulam a prestação de serviços. Não se afiguram aplicáveis as disposi-ções do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que o credor não pode ser tido como consumidor final do terceiro que, a bem da verdade, presta serviço no contexto de um processo jurisdicional.

Sob a ótica processual, o terceiro passa a ser protagonista do contraditório: ele deverá ser ouvido sobre impugnação das partes e procurará demonstrar que a empreitada a seu cargo foi adequada e completamente realizada, na medida em que tem autêntico interesse jurídico em as-sim proceder. E, a depender do que decida o juiz, ele terá inclusive interesse para recorrer – caso em que o pressuposto processual da capacidade postulatória exclusiva de advogado passará a vigorar para ele.

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Flávio Luiz Yarshell

II. Via processual adequada para apuração de danos causados pelo terceiro

A lei autoriza que o juiz condene o terceiro a pagar as despesas decorrentes da inexecução da obrigação que assumiu no processo. Sem outra referência, presume-se que isso deveria ocorrer nos autos do processo de execução, em que primitivamente litigavam credor e devedor. Mas, como reconheceu o Legislador, isso exige prévia e adequada cognição: é preciso “avaliar o custo das despesas necessárias”. Na verdade, é mais do que isso: é preciso dar espaço às partes para que debatam sobre os defeitos do serviço realizado e os prejuízos daí decorrentes.

Portanto, embora a competência – ditada por critério funcional – seja do juízo em que proces-sada a execução, afigura-se recomendável que, determinada a exclusão do terceiro (inclusive sua eventual substituição), o ressarcimento a que faça jus o credor originário – agora no confronto com o terceiro, que se tornou também seu devedor – seja reclamado em via própria. Trata-se de atividade tipicamente declaratória (em sentido amplo), a exigir cognição própria dessa forma de atividade jurisdicional. Isso permitirá que a execução retome seu curso, voltando ao que deve ser: prática de atos materiais para satisfação do credor.

Art. 820 - Se o exequente quiser executar ou mandar executar, sob sua direção e vigilância, as obras e os trabalhos necessários à realização da prestação, terá preferência, em igualdade de condições de oferta, em relação ao terceiro.Parágrafo único - O direito de preferência deverá ser exercido no prazo de 5 (cinco) dias, após aprovada a proposta do terceiro.

I. Obras a cargo do credor

Repetindo a regra vigente no CPC/1973, o diploma de 2015 abre a oportunidade para que o credor, em igualdade de condições com a proposta do terceiro, assuma a execução – aqui enten-dida em sentido genérico e não jurídico – do que for necessário para a realização da prestação. Com isso, ele se dispensa do adiantamento de que trata o parágrafo único do art. 634 e, ao mes-mo tempo, previne a ocorrência de controvérsia com terceiros, sobre a qualidade dos trabalhos e consecução do respectivo resultado. Contudo, essa opção não é imune a riscos.

Ao assumir a execução dos trabalhos, o credor atrai parcialmente para si os potenciais proble-mas a que o terceiro está exposto e que estão retratados no art. 819: se o credor – investido na posição do executor dos trabalhos – produzir algo incompleto ou defeituoso, ele próprio terá que arcar com os custos daí decorrentes.

Mas, pior do que isso, tal como ocorre no caso da interferência de um terceiro, aquela a car-go do credor pode também interferir com o nexo de causalidade entre a situação decorrente do inadimplemento, de um lado, e a conduta (ou omissão) do devedor originário, de outro lado. Isso quer dizer que, em dado momento, o devedor pode vir a alegar que sua obrigação inicial se extinguiu diante da má execução das obras pelo credor.

Como desdobramento dessa situação, ampliar-se-á o objeto da controvérsia. Embora não haja sentido em se condenar o credor pela má execução dos trabalhos, fato é que se tal imperfeição ocorrer poderá haver indesejáveis repercussões no processo, mais uma vez a torná-lo longo e ineficiente.

Art. 820

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Flávio Luiz Yarshell

II. Obra a cargo do credor realizada fora do processo

O credor de obrigação de fazer fungível, diante do inadimplemento, tem duas alternativas: ou exige do credor que realize a prestação ou se vale de terceiro, cuja atividade produza o mesmo resultado. Mas, ao abrir a possibilidade de o credor executar ou mandar executar, a lei faz lem-brar que, a rigor, o credor tem a opção de contratar terceiro antes e fora do processo; e tanto que, realizada a obra, pode o credor buscar o ressarcimento do que gastou.

Para ilustrar, nos corriqueiros casos de danos a veículo, não se demanda o causador para que promova os reparos, isto é, para lhe impor obrigação de fazer. Tais reparos são providenciados de forma extrajudicial, mediante a cautela de prévia coleta de três orçamentos junto a terceiros (oficinas idôneas); os reparos são executados e o credor vem cobrar o valor desembolsado (ou por desembolsar). Isso pode ocorrer também, embora com maior complexidade, em defeitos em bens imóveis entregues por construtoras.

Tal alternativa é realmente possível, mas essa opção – que a depender das circunstâncias pode ser a mais factível e pragmática – impede que se promova desde logo a execução; que, no caso, passaria a ser por quantia certa. Nesse caso, é preciso ajuizar demanda de conhecimento, obter a condenação ao ressarcimento e, então, partir-se para o cumprimento de sentença. Mas isso é possível, ainda que a obrigação de fazer conste de título executivo: primeiro, porque o objeto da demanda condenatória passa a ser dinheiro; segundo, porque a existência de título extrajudicial não impede a propositura de ação de conhecimento (art. 785).

Se essa for a opção do credor, certamente o devedor – quando cobrado – poderá discutir o cus-to do trabalho realizado pelo terceiro; em situação muito próxima do que ocorreria se o serviço tivesse sido executado perante o processo judicial. Mas, como foi dito, tal alternativa, a depender das circunstâncias, pode se afigurar como mais pragmática.

Art. 821 - Na obrigação de fazer, quando se convencionar que o executado a satisfaça pessoalmente, o exequente poderá requerer ao juiz que lhe assine prazo para cumpri-la.Parágrafo único - Havendo recusa ou mora do executado, sua obrigação pessoal será convertida em perdas e danos, caso em que se observará o procedimento de execução por quantia certa.

I. Obrigações infungíveis e meios executivos indiretos

A circunstância de a obrigação ser infungível não afasta a possibilidade da tutela específica. Primeiro, o conceito de infungibilidade, se não foi propriamente alterado, acabou por ser ao menos relativizado na medida em que a lei abriu espaço para a produção de “resultado prático equivalente”. Segundo, o obrigado está sujeito – até mais do que no caso de obrigações fungíveis – às medidas coercitivas, que atuam para estimulá-lo ao adimplemento.

Portanto, em boa medida, aplicam-se aqui as considerações feitas a propósito das obrigações fungíveis; às quais fica feita remissão.

Naturalmente, se a prestação depende da atividade do devedor, os meios de coerção devem ter limite e, inoperantes que sejam, abre-se espaço para sucedâneo em dinheiro.

Art. 821

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Flávio Luiz Yarshell

II. Consequências da mora

A lei estabelece que se houver recusa ou mora a obrigação será convertida em pecúnia. Mas, a mora não afasta a possibilidade da tutela específica. Aqui é preciso distinguir: uma coisa é a prática de atos materiais para proporcionar ao credor o resultado a que faz jus por vontade do di-reito material, relativamente ao fazer. Outra coisa são as consequências pecuniárias decorrentes da mora; consequências cuja extensão dependerá inclusive da forma e do momento pelo qual se possa superar a renitência do devedor. Quanto à mora, é preciso examinar quais as consequên-cias previstas pela lei ou pelo contrato. Em condições normais, bastará liquidar a obrigação (de quantia) e cobrá-la executivamente. Mas, não se descarta que a obrigação invocada pelo credor – como consequência da mora – não se revista de certeza e que demande eventual atividade decla-ratória (com a imposição da correspondente condenação).

III. Interesse processual para ajuizamento da execução por quantia

A lei parece sugerir que a instauração do processo de execução cujo objeto seja o fazer seria imprescindível; e que, somente a partir daí, seria possível se chegar ao sucedâneo pecuniário, a ensejar execução por quantia certa. Mas, se o credor se depara desde logo com o inadimplemento absoluto, não há sentido em determinar a citação do demandado para fazer o que não mais se afigura útil ou, eventualmente, sequer possível. Portanto, pode sim haver interesse processual para que, desde logo, seja buscado o sucedâneo. Se, para tanto, for necessário proceder à prévia liquidação, esse dado é relevante, mas não impede o pleito direto de quantia.

Art. 822 - Se o executado praticou ato a cuja abstenção estava obrigado por lei ou por contrato, o exequente requererá ao juiz que assine prazo ao executado para desfazê-lo.

I. Abstenção e fungibilidade

A obrigação de não fazer – a que a lei alude como dever de abstenção – poderia ser vista como tipicamente infungível e sequer ensejaria execução no sentido técnico e mais restrito da palavra: não seria possível atividade sub-rogatória, de tal sorte que ninguém poderia tomar o lugar de ou-trem para produção do resultado desejado pelo direito material. Nessa linha de raciocínio, talvez não houvesse sequer a tutela específica de obrigação de não fazer: realizado pelo devedor o que não se podia realizar, o resultado automaticamente ensejaria uma obrigação positiva, isto é, de desfazer o que fora indevidamente feito.

Essa visão é apenas parcialmente correta: com o advento das medidas indiretas – que atuam mediante coerção e sub-rogação – é possível impedir que o réu faça aquilo que deveria se abster de fazer. Para além da imposição da multa diária e da tutela penal ao descumprimento (via cri-me de desobediência), é possível obter por vias indiretas, mas com sub-rogação, que o devedor descumpra a obrigação. Para ilustrar, é possível apreender os veículos daquele que se recusa a lhes dotar do meio de segurança; como é possível apreender os instrumentos pelos quais se está na iminência de praticar ilícito – o que, por exemplo, pode ocorrer em matéria ambiental, apenas para dar um exemplo; como ainda é possível impedir a prática de certo ato mediante a interdição de determinado local.

Art. 822

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Flávio Luiz Yarshell

II. Abstenção e tutela preventiva

Na esteira das considerações precedentes, a execução das obrigações de não fazer precisa ser vista no contexto mais amplo da tutela dessa modalidade obrigacional. Remete-se o leitor aos comentários ao art. 815, supra.

Dessa forma, é preciso considerar que os deveres de abstenção comportam tutela preventi-va, isto é, aquela que atua antes do ilícito, de sorte a impedir sua ocorrência; e não apenas para sancionar ou reparar as consequências da violação. Se, de um lado, essa ideia conflita com a exigência de que a execução – além do título – pressupõe o inadimplemento, de outro lado, o sistema expressamente garante meio para “inibir a prática, reiteração ou a continuação de um ilícito”, sem que se exija a consumação do dano (art. 498, parágrafo único). Então, suposto não ser viável lançar mão da execução para impedir o fazer, isso poderá ser obtido mediante demanda condenatória, com antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto.

Art. 823 - Havendo recusa ou mora do executado, o exequente requererá ao juiz que mande desfazer o ato à custa daquele, que responderá por perdas e danos.Parágrafo único - Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos, caso em que, após a liquidação, se observará o procedimento de execução por quantia certa.

I. Consumação do ato (de que o obrigado deveria se abster)

Se, não obstante a tutela preventiva que o sistema proporciona ao credor, a violação ao dever de abstenção restou consumada e o resultado daí decorrente for uma realidade, é preciso desfazer esse estado de coisas. Nesse caso, realmente o não fazer se transmuda em um fazer e são aplicá-veis as regras legais correspondentes, acima comentadas.

Art. 823

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Evaristo Aragão Santos

Art. 824 - A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.

AutorEvaristo Aragão Santos

I. Objetivo

Por meio dessa modalidade de execução o credor postula ao Judiciário que atue no sentido de buscar a satisfação de seu direito de crédito, expresso numa determinada quantia em dinhei-ro e registrado num título executivo. Como o credor não pode, com suas próprias mãos, buscar junto ao devedor a satisfação do direito de crédito que afirma ter, pede ao Judiciário que atue no sentido de cumpri-la. Quando esse direito de crédito está expresso em quantia em dinheiro e representado num título executivo, o procedimento de que se valerá para tanto é o da execução forçada por quantia certa.

II. Expropriação de bens do devedor

Diante do descumprimento da obrigação, o Judiciário se sub-roga na pessoa do credor e, em seu lugar, ingressa no patrimônio do devedor, para ali buscar os bens necessários à satisfação daquele direito de crédito. O dinheiro tem preferência. Caso, porém, o devedor não tenha em seu patrimônio dinheiro disponível, o Judiciário nele buscará outro bem, móvel ou imóvel; corpó-reo ou incorpóreo. Nem todos os bens do devedor respondem à execução, mas apenas aqueles disponíveis (isto é, penhoráveis). Para tanto o Judiciário precisa “transformar” aquele bem em dinheiro, para entregá-lo ao credor, satisfazendo a dívida. Em algumas hipóteses, essa satisfação poderá ocorrer mediante a entrega ao credor do próprio bem penhorado (adjudicação).

III. Devedor solvente

Aquele cujo patrimônio disponível é suficiente para saldar a universalidade de suas dívidas. Não cabe ao credor perquirir, porém, antes de iniciar a execução, se o devedor é solvente ou não. Deve-se limitar a pedir a satisfação do crédito e que o Judiciário busque, no patrimônio do executado, bens suficientes para tanto. É possível, porém, que o devedor ou não possua bens ou não os tenha em volume suficiente para satisfazer a obrigação. Nesse caso, a execução poderá ser suspensa por até um ano para que bens penhoráveis sejam encontrados (art. 921, inciso III e § 1º). Passado esse prazo, o processo será arquivado (art. 921, § 2º). Essa insuficiência, porém, não gera, por si só e automaticamente, o reconhecimento formal da situação jurídica de insolvên-cia do devedor. Deve-se ficar atento, porém, para que, após o prazo de suspensão de um ano e o arquivamento dos autos por falta de localização de bens, passa a correr em favor do devedor a prescrição intercorrente (art. 921, § 4º).

IV. Devedor solidário

Desde que reconhecido como tal o título executivo (art. 779, inciso I), deve ser executado no mesmo processo. Do contrário, segundo o STJ, “o ajuizamento de ‘nova’ execução, com base no mesmo crédito, agora, contra o codevedor, redundará, na prática, na existência de duas execu-ções concomitantes para cobrar a mesma dívida, o que não se afigura lícito. Veja-se que, nessa

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Evaristo Aragão Santos

descabida hipótese, ter-se-ia duplicidade de penhora para satisfazer o mesmo débito, bem como de condenações às verbas sucumbenciais, o que, inequivocamente, onera, em demasia, o deve-dor, contrariando, por conseguinte, o artigo 620 do CPC” (3ª T., REsp nº 1167031/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 17/10/2011).

Art. 825 - A expropriação consiste em:I - adjudicação;II - alienação;III - apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens.

I. Significado da expropriaçãoÉ o ato por meio do qual o Estado-Juiz, após separar do patrimônio do devedor bens mediante

o ato de penhora, transfere a outra pessoa o próprio bem ou seus frutos, com o intuito de satisfa-zer o direito representado no título executivo.

II. Modalidades de expropriação na execução forçadaCaso a penhora não tenha recaído sobre dinheiro (e a penhora e transferência de dinheiro para

o credor não deixar de ser um ato expropriatório), o usual é o que os bens penhorados tenham de ser convertidos em moeda corrente para pagamento do credor. A venda dos bens pode ocorrer tanto por meio da iniciativa do credor (art. 879, inciso I), por leilão judicial (art. 879, inciso II) ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária (art. 880). Caso, po-rém, o próprio devedor tenha interesse em receber referido bem como pagamento, poderá, então, requerer sua adjudicação (art. 876).

III. Ordem preferencial entre essas modalidadesO dispositivo apresenta uma sequência de atos. Não, propriamente, uma ordem rígida. Apenas

se não requerida a adjudicação é que terão espaço as demais modalidades. Nada impede, todavia, que, após a frustração da alienação em hasta pública, o credor opte por adjudicar o bem penho-rado e, assim, alcance a satisfação de seu direito.

IV. Imposição de ofício de alguma das modalidades expropriatóriasO órgão judicial não pode impor ao credor que adjudique o bem penhorado, tampouco que

o aliene por iniciativa particular. O texto de lei é claro ao estabelecer que ambos dependem de requerimento expresso do credor (arts. 876 e 880). Caso não opte por nenhuma dessas modali-dades, aí o caminho natural será providenciar a venda do bem por leilão judicial (art. 881). Já no que se refere à penhora de frutos e rendimentos, esta pode ser determinada de ofício pelo órgão judicial, caso perceba ser esse o meio menos gravoso ao executado, mas sem prejuízo a eficiente satisfação do crédito (art. 867). A fórmula exige o equilíbrio entre os princípios da menor onero-sidade para o devedor e a máxima efetividade da execução para o credor.

Art. 826 - Antes de adjudicados ou alienados os bens, o executado pode, a todo tempo, remir a execução, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida, acrescida de juros, custas e honorários advocatícios.

Arts. 825 e 826

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Evaristo Aragão Santos

I. Remição da execução

Remir a execução significa, essencialmente, pagar a dívida. É ato pelo qual o executado pode ou pagar ou consignar em juízo o valor da dívida, devidamente acrescida dos encargos previstos no caput.

II. Termo finalDe acordo com o texto da regra, a remição pode acontecer “a todo o tempo”. Isso, porém, desde

que antes da adjudicação ou alienação dos bens penhorados. Portanto, esse é o limite. Vale dizer, o termo final para que o devedor exerça a remição. Por essa razão, “assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, aca-bada e irretratável, impossibilitando-se, destarte, a remição da dívida” (STJ, 6ª T., AgRg no REsp nº 844532/SP, Min. Jane Silva, DJ de 9/12/2008). Justamente por isso, eventual “pagamento da dívida após a assinatura do auto de arrematação não tem o condão de remir a execução” (STJ, 3ª T., AgRg no AG nº 1116932/RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJ de 14/2/2011).

III. Remição de bens penhoradosNão se confunde com as demais. Aqui se possibilita ao devedor impedir a alienação do bem,

ou oferecendo o valor da avaliação (no caso de adjudicação) ou o do maior lance oferecido (art. 877, § 3º). Deverá exercer essa faculdade no curto espaço entre a arrematação/pedido de adjudi-cação e a assinatura do respectivo auto (art. 902).

IV. Remissão de dívidaÉ modalidade de extinção da obrigação, prevista no art. 385 do Código Civil. Por meio dela o

credor renuncia ao seu direito de crédito. Tem reflexos diretos na esfera processual, porque dessa manifestação de vontade, eventual execução forçada já iniciada para cobrança da dívida não tem outro caminho senão a extinção.

Art. 827 - Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.§ 1º - No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.§ 2º - O valor dos honorários poderá ser elevado até vinte por cento, quando rejeitados os embargos à execução, podendo a majoração, caso não opostos os embargos, ocorrer ao final do procedimento executivo, levando-se em conta o trabalho realizado pelo advogado do exequente.

I. Honorários na fase inicial da execução

O dispositivo estabelece que os honorários de advogado devem ser fixados pelo juiz não mais por apreciação equitativa (como fixava o CPC/1973), mas no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor do crédito executado.

II. Prazo de três dias para pagamento – termo inicial

Caso efetue o pagamento integral no prazo de três dias, o valor dos honorários será reduzido à metade. Regra similar existia no CPC/1973. Diante da relevância econômica (redução da verba

Art. 827

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honorária pela metade), é importante fixar qual o termo inicial desse prazo. A regra geral é o dia da juntada aos autos do aviso de recebimento ou do mandado (art. 231, incisos I e II). Há, porém, no CPC/2015, regra sem correspondência com o regime anterior, tratando da comunicação dos atos que devam ser praticados diretamente pela parte ou não exijam a intermediação de represen-tante judicial. O pagamento, em nosso sentir, é um deles. Assim, citado pagar a dívida, o prazo de três dias para pagamento, previsto no art. 827, §1º, corre da data do recebimento do mandado pelo executado, e não da sua juntada aos autos, por força da regra do art. 231, § 3º.

III. Majoração dos honorários de advogado

A majoração da verba honorária é medida excepcional. Além disso, tem de estar baseada na constatação de elementos objetivos que justifiquem o aumento. Não basta a mera rejeição dos embargos. É indispensável considerar a intensidade, relevo, riscos e complexidade da atuação do advogado do exequente, a justificar a majoração da verba honorária.

Art. 828 - O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.§ 1º - No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.§ 2º - Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.§ 3º - O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.§ 4º - Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação.§ 5º - O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

I. A averbação da existência da execução

O credor tem a faculdade de averbar, em registros públicos, tanto a existência da execução quanto os atos de constrição realizados (art. 799, inciso IX). O objetivo é dar publicidade a res-peito da existência da demanda. O credor obtém certidão sobre a execução e a apresenta para averbação. Cabe-lhe a responsabilidade pelas custas desses atos, as quais integrarão as despesas processuais para posterior ressarcimento. Todo e qualquer registro público no qual esteja anotada a propriedade de bens do exequente pode receber essa averbação.

II. Momento a partir do qual se pode pedir a certidão

No CPC/1973, uma vez distribuída a inicial, a certidão para fins de averbação poderia ser obtida. Agora o texto prevê outro termo: a admissão da execução pelo juiz. Algo, portanto, necessariamente posterior à distribuição. Não basta, então, apenas a distribuição da inicial. É

Art. 828

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necessário que esta tenha sido admitida pelo órgão judicial. Por admissão deve-se entender o pronunciamento judicial que recebe a inicial, determinado seu processamento.

III. Importância dessa providênciaA averbação tem por objetivo indicar a terceiros que aquele determinado bem do devedor

poderá ser destinado à satisfação de crédito cobrado por meio de execução forçada. Dessa for-ma, previne-se a ocorrência de fraude de execução. Presume-se que eventual terceiro adquirente sabia da existência da execução e do risco de aquele bem vir a ser requisitado para satisfazê-la. No CPC/2015 essa providência se sobreleva em importância, justamente porque é requisito para caracterização da fraude de execução (art. 792, inciso II). Sem a averbação, essa presunção não existe. Caberá então ao credor, que eventualmente suscite a ocorrência da fraude, provar, por outros meios, que o adquirente sabia da existência da demanda.

IV. Limites para a averbaçãoO dispositivo não impõe limites. Em princípio, o credor poderá averbar a existência da execução

sobre todo o patrimônio do devedor sujeito a algum registro. O correto, porém, é que a realize ape-nas sobre a parcela do patrimônio suficiente para garantir a satisfação de seu crédito. A averbação visivelmente desproporcional deverá ser controlada pelo órgão judicial antes mesmo da penhora e poderá sujeitar o exequente a ressarcir os prejuízos a que essa sua conduta tenha dado causa.

V. Responsabilidade do exequenteA averbação da existência da execução sobre bens do devedor sujeitos a registro é medida que não

só gera constrangimentos, como também limita muito a disponibilidade desse patrimônio. Embora não impeça a alienação, na prática costuma inviabilizá-la. É comum que possíveis interessados sobre o bem percam esse interesse diante da anotação. Por isso, a averbação claramente desproporcional, com o objetivo mais de constranger o devedor do que de assegurar a satisfação do crédito, poderá ensejar pedido de indenização. Essa pretensão será processada em autos apartados, mas incidentais à execução. Nessa demanda deverão ser provados tanto a conduta danosa do credor quanto a efetiva ocorrência dos prejuízos (inclusive morais, se for o caso) suportados pelo devedor.

Art. 829 - O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação.§ 1º - Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado. § 2º - A penhora recairá sobre os bens indicados pelo exequente, salvo se outros forem indicados pelo executado e aceitos pelo juiz, mediante demonstração de que a constrição proposta lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente.

I. Dinâmica da fase inicial da execução forçada

Na execução por quantia certa lastreada em título extrajudicial, o devedor é citado para pagar a dívida no prazo de três dias. Essa é a obrigação principal que a regra lhe imputa ao ser cientifi-

Art. 829

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cado sobre a execução: pagar o débito, se assim o desejar. O prazo para esse pagamento é “conta-do da citação”. Embora o texto não seja claro, isso quer dizer que o prazo para pagamento flui a partir do momento em que o executado recebe a comunicação. É a leitura que se faz do caput, em conjunto com o art. 231, § 3º. Caso, porém, nos três dias assinalados pela lei, o executado não pa-gue a dívida e tampouco obtenha qualquer determinação sobrestando o andamento da execução (p. ex., por meio de exceção de pré-executividade), o oficial de justiça deverá proceder à penhora de tantos bens quanto bastem para o cumprimento da obrigação, assim como, logo em seguida e se possível, procederá à avaliação. Desses atos (penhora e avaliação), intimará o executado.

II. Atitudes do executado ao ser citadoEmbora a regra determine ao executado apenas o pagamento da dívida no prazo de três dias,

isso não significa que, nesse espaço de tempo, suas atitudes fiquem todas circunscritas a essa úni-ca possibilidade. Caso não pretenda pagar a dívida, ao ser citado o devedor pode por conta pró-pria indicar ao Juízo bens passíveis de penhora. Com isso, a um só tempo, não apenas alinha seu comportamento com a boa-fé processual que se espera dos litigantes, como, também, assegura o cumprimento da obrigação. Outra alternativa ao pagamento nos três dias seria já reagir contra a execução, por meio da exceção (ou, para alguns, da objeção) de pré-executividade.

III. Mandado de citação e determinação para que o devedor indique bens à penhora O dispositivo estabelece que a penhora recairá, preferencialmente, sobre os bens indicados

pelo próprio credor. Na falta dessa indicação com a inicial, porém, o legislador perdeu a opor-tunidade de também forçar o executado a comunicar ao juízo da execução seu patrimônio pe-nhorável. O princípio da boa-fé no âmbito processual para legitimar a exigência de que, citado, o devedor já apresente bens para assegurar o cumprimento da obrigação. Do contrário, tendo patrimônio livre, mas omitindo-o da execução, comete ato atentatório à dignidade da justiça. Assim e para lembrá-lo desse dever, mais do que aguardar passivamente os primeiros desdobra-mentos da execução, seria oportuno e produtivo que já no mandado de citação o órgão judicial cientificasse o devedor da obrigação de indicar no processo bens passíveis de penhora (art. 774, inciso V), sob pena de multa (art. 774, parágrafo único). Há espaço para isso no atual sistema processual. A postura do órgão judicial não precisa ser meramente reativa (como dá a entender a estrutura do dispositivo), mas, sim, mais proativa: já no mandando inicial o devedor pode ser também intimado a apresentar bens suficientes para assegurar o cumprimento da obrigação, sob pena de, não o fazendo, ter contra si caracterizada a prática de ato atentatório à dignidade da justiça.

Art. 830 - Se o oficial de justiça não encontrar o executado, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução.§ 1º - Nos 10 (dez) dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial de justiça procurará o executado 2 (duas) vezes em dias distintos e, havendo suspeita de ocultação, realizará a citação com hora certa, certificando pormenorizadamente o ocorrido.§ 2º - Incumbe ao exequente requerer a citação por edital, uma vez frustradas a pessoal e a com hora certa.§ 3º - Aperfeiçoada a citação e transcorrido o prazo de pagamento, o arresto converter-se-á em penhora, independentemente de termo.

Art. 830

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I. Arresto executivo (ou prévio)

Trata-se de ato que, na prática, prepara a penhora sobre o bem arrestado, caso o devedor não pague a dívida nos dias subsequentes. Por isso, alguns designam esse ato como pré-penhora ou arresto prévio. Para ser viável, exige a presença de dois requisitos: a não localização do devedor e a detecção de bens penhoráveis.

II. Localização do devedor

O dispositivo exige que o oficial de justiça procure o devedor por duas vezes, nos dez dias subse-quentes ao arresto. Deverá fazê-lo em todos os endereços conhecidos. Havendo mais de um local em que possa ser localizado, comparecerá em todos, certificando o horário e o resultado da diligência.

III. Citação por hora certa ou por edital

Apesar das diligências, o devedor pode não ser encontrado pelo oficial de justiça. Isso ou porque deliberadamente se oculta ou porque realmente está em local desconhecido. Confirmada a primeira hipótese, o oficial de justiça, então, realizará a citação por hora certa. Caso, porém, não haja a suspeita de ocultação (p. ex., o devedor é desconhecido nos endereços fornecidos ao oficial; os endereços estão desocupados, etc.), a citação, então, deverá ocorrer por edital. Esse re-querimento cabe ao credor. Uma vez aperfeiçoada a citação, o arresto se converterá em penhora.

IV. Arresto prévio on-line

O dispositivo menciona que o oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tan-tos bens quantos necessários para garantir a execução. Tem-se a impressão, então, que fará isso ao averiguar, p. ex., os bens que guarnecem a residência ou sede do devedor. Além dessa possi-bilidade (que parece ser a primeira a emergir do texto normativo), o arresto prévio pode ocorrer sobre qualquer bem do patrimônio do devedor. O STJ já admitiu no regime do CPC/1973 aquilo que designou por arresto prévio “on-line” (4ª T., REsp nº 1370867, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJ de 15/8/2013), providência essa que continua viável no CPC/2015.

Art. 831 - A penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios.

I. Penhora

É o ato executivo por meio do qual o juízo da execução individualiza, no patrimônio do deve-dor, a parcela sobre a qual efetivamente recairá a atividade executiva, com o objetivo de satisfa-zer o direito do credor. Caso recaia já sobre dinheiro, as fases seguintes, superada a necessidade de se oportunizar ao devedor o direito de defesa, poderão transferir ao credor o montante pe-nhorado. Tendo a penhora recaído sobre outro bem que não dinheiro, aí, então, outros atos serão necessários para, por meio da venda ou da transmissão desse bem ao credor, cumprir a obrigação registrada no título executivo.

Art. 832 - Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.

Arts. 831 e 832

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I. Distinção entre bens inalienáveis e impenhoráveisA regra geral é a de que o devedor responde pelas suas dívidas com todos os seus bens, salvo

restrições estabelecidas em lei (art. 789). Dentre essas, estão a inalienabilidade e a impenhorabi-lidade. Inalienável é o bem que nem mesmo o executado pode dele dispor. Nessa situação o bem se torna, também, impenhorável. Isso porque, se nem mesmo seu titular pode dele dispor, não há sentido em permitir-se que o Estado o faça por meio da execução forçada. A inalienabilidade do bem acarreta sua impenhorabilidade. Já a impenhorabilidade refere-se a bens do patrimônio do devedor que, embora sobre eles tenha livre disposição, o legislador entendeu adequado excluí-los do âmbito da responsabilidade patrimonial de seu titular.

II. Impenhorabilidade e previsão legalSomente a norma legal expressa instituiu a impenhorabilidade (p. ex, do bem de família; do

salário; do seguro de vida, etc.). Vigora, aqui, o princípio da tipicidade. Assim e não havendo previsão legal atribuindo a determinado bem o predicado da impenhorabilidade, admite-se sua expropriação para satisfazer o direito do credor.

III. Impenhorabilidade absoluta e relativaPelo regime do CPC, a impenhorabilidade admite graus. Serão absolutamente impenhoráveis

os bens que jamais admitirão constrição. Já a impenhorabilidade relativa, refere-se àqueles que, embora num primeiro momento não admitam penhora, preenchidos determinados requisitos ou formado específico contexto, voltam a ser passíveis de contrição.

IV. Impenhorabilidade e preclusãoAssim como no regime do CPC/1973, a impenhorabilidade absoluta é considerada questão de

ordem pública, motivo pelo qual pode tanto ser reconhecida de ofício pelo juiz quanto suscitada a qualquer tempo e grau de jurisdição pelo devedor (STJ, 2ª T., AgRg no AREsp nº 223196/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 24/10/2012). Já na penhora de bem relativamente impenhorável, o silêncio do devedor convalidará o ato.

Art. 833 - São impenhoráveis:I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

Art. 833

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VI - o seguro de vida;VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.§ 1º - A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.§ 2º - O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.§ 3º - Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.

I. Bens declarados inalienáveis por ato voluntário

A inalienabilidade pode também ser estabelecida por ato bilateral entre credor e devedor: ambos estipulam que determinado bem não será abrangido por eventual execução forçada do direito de crédito daí decorrente. Essa restrição não prevalece em relação aos terceiros estranhos ao pacto.

II. Bens garantidores de cédulas de crédito

Nas cédulas de crédito rural (art. 69 do CL nº 167/1967), industrial (art. 57 do DL nº 413/1969) e comercial (art. 5º da Lei nº 6.840/1980), a legislação prevê que os bens dados em garantia “não serão penhorados, arrestados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro em-penhador ou hipotecante, cumprindo ao emitente ou ao terceiro empenhador ou hipotecante de-nunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão”. O texto parece conferir a esses bens condição de impenhorabilidade absoluta. A jurisprudência do STJ, porém, a relativi-za: a) quando se tratar de dívida de natureza fiscal ou trabalhista; b) quando o valor do bem exce-da ao da dívida garantida; c) após a vigência do contrato de financiamento; d) para com dívidas

Art. 833

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do mesmo credor; e) quando houver a anuência do credor (3ª T., AgRg no AREsp nº 128211/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 15/8/2013; 3ª T., AgRg no AREsp nº 285586/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ de 3/5/2013).

III. Créditos oriundos da alienação de unidades imobiliárias

O dispositivo não é propriamente claro. Diz tornar impenhoráveis os créditos decorrentes da alienação de unidades imobiliárias, mas desde que a obra esteja em regime de incorporação e refe-ridos recursos vinculados à execução da obra. Na realidade, por “regime de incorporação” e com “recursos vinculados à execução da obra”, deve-se entender a existência da prévia constituição de um patrimônio de afetação por parte do incorporador. Tal afetação, diga-se de passagem, pode ou não vir a ser constituída (é uma faculdade do incorporador) e, para que exista, precisa ter sido previamente averbada no registro de imóveis (art. 31-B da Lei nº 4.561/1964). Só a constituição desse patrimônio, porém, não é o suficiente para tornar impenhorável a integralidade dos recursos auferidos com toda e qualquer venda de unidades imobiliárias. De acordo com as próprias regras que disciplinam o patrimônio de afetação, ficam sujeitos à sua proteção apenas os recursos destina-dos “para pagamento ou reembolso das despesas inerentes à incorporação” (art. 31-A, § 6º da Lei nº 4.561/1964) e, ainda assim, dele ficam excluídos, por expressa previsão legal, todos “os recursos financeiros que excederem a importância necessária à conclusão da obra” (art. 31-A, § 8º, da Lei nº 4.561/1964). Ou seja, isso quer dizer que não é todo e qualquer crédito decorrente da alienação de unidades imobiliárias “sob o regime de incorporação” que se torna automaticamente impenhorável. Primeiro é preciso que o incorporador tenha constituído o patrimônio de afetação, na forma da Lei nº 4.561/1964. Depois e mesmo aí, parece gozar de impenhorabilidade apenas aquela parcela do crédito indispensável ao pagamento ou reembolso das despesas inerentes à incorporação. Aquilo que porventura exceda esse limite (como, p. ex., eventuais lucros a serem embolsados pela incor-poradora com a alienação) não conta, em nosso sentir, com a proteção da impenhorabilidade.

IV. Impenhorabilidade da remuneração

A jurisprudência do STJ já vinha admitindo desde o CPC/1973 o caráter absoluto da impenho-rabilidade de “vencimentos, soldos e salários” (dentre outras verbas destinadas à remuneração do trabalho). Esse entendimento continua tendo lugar no CPC/2015, ressalvada a hipótese do art. 833, § 2º.

V. Honorários pertencentes à sociedade de advogados

“Preserva sua natureza de verba alimentar, especialmente, diante, agora, do art. 89, §§ 14 e 15. Por essa razão, também são considerados impenhoráveis” (STJ, 2ª T., REsp nº 1358331/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 26/2/2013).

VI. Honorários de advogado e limites de sua impenhorabilidade

Até a impenhorabilidade dos honorários de advogado é relativa, apesar de seu caráter ali-mentar. Esse era o entendimento do STJ à luz do CPC/1973 e que tem lugar também perante o CPC/2015, ainda mais diante do art. 833, § 2º. Isso quer dizer que se admite a penhora ao menos de parcela da verba, tal qual “sucede com crédito de natureza alimentar de elevada soma, que permite antever-se que o próprio titular da verba pecuniária destinará parte dela para o atendi-mento de gastos supérfluos, e não, exclusivamente, para o suporte de necessidades fundamen-tais” (4ª T., REsp nº 1356404/DF, Rel. Min. Raul Araújo, DJ de 23/8/2013). Também se admitiu a penhora da verba honorária, quando esta não comprometia a subsistência do executado e, além disso, sua penhora visava a “satisfação de crédito originado da ausência de repasse dos valores

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que os recorrentes receberam na condição de advogados do recorrido” (3ª T., REsp nº 1326394, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 18/3/2013).

VII. Bens de microempresa ou de pequeno empresárioA literalidade do texto do art. 833, inciso V, tal qual já o fazia seu antecessor (o art. 649, inciso

V, do CPC/1973), trata da proteção da pessoa física, enquanto profissional. Torna impenhoráveis os instrumentos (em sentido amplo) indispensáveis ao exercício de qualquer profissão (apenas as pessoas físicas exercem profissão). O art. 833, § 3º, agregou a essa proteção os equipamentos da “pessoa física” do produtor rural, bem como da “empresa individual” também no âmbito rural. Silenciou quanto às demais empresas de pequeno porte. Em relação à proteção dos instrumentos profissionais da pessoa física do produtor rural, esse dispositivo é evidentemente redundante: tanto o trabalhador rural quanto o urbano já estão alcançados pelo art. 833, inciso V. Não tão clara, porém, é a situação dos bens da microempresa ou do pequeno empresário (não apenas o rural). De acordo com a jurisprudência do STJ formada à luz do CPC/1973, também devem ser considerados impenhoráveis os bens indispensáveis à continuidade das atividades de microem-presa ou de empresa de pequeno porte (2ª T., AgRg no Resp nº 1136947/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 21/10/2009). Essa mesma orientação foi aplicada para a “firma individual, na qual os sócios trabalhem pessoalmente” (3ª T., REsp nº 891730/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 27/8/2007). Como o dispositivo aplicado nesses precedentes hoje aparece reproduzido no art. 833, inciso V, a orientação ali fixada continua válida perante o CPC/2015.

VIII. Imóvel sede do estabelecimento comercialO tema aparece agora tratado no art. 862 e seguintes. A jurisprudência consolidada do STJ

já admitia a penhora do imóvel do estabelecimento comercial (STJ, Súmula nº 451), embora tal providência fosse excepcional. Essa excepcionalidade prevalece no CPC/2015, em nosso sentir. Terá lugar, de acordo com precedente do STJ (fixado no julgamento de recurso repetitivo) apenas “quando inexistentes outros bens passíveis de penhora e desde que não seja servil à residência familiar” (Corte Especial, REsp nº 1114767/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 4/2/2010). Ver, tam-bém, art. 862 e ss.

IX. Pequena propriedade ruralDe acordo com precedente do STJ, “para se saber se o imóvel possui as características para

enquadramento na legislação protecionista é necessário ponderar as regras estabelecidas pela Lei nº 8629/93 que, em seu artigo 4º, estabelece que a pequena propriedade rural é aquela cuja área tenha entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais” (3ª T., REsp nº 1284708/PR, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 9/12/2011). Isso porque, na falta de expressa disposição legal definindo o que seja pequena propriedade rural, o STJ considera que o módulo fiscal “por contemplar o conceito de ‘propriedade familiar’ estabelecido pelo Estatuto da Terra como aquele suficiente à absorção de toda a força de trabalho do agricultor e de sua família, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, atende também ao preceito da impenhorabilidade da pequena pro-priedade rural” (4ª T., REsp nº 1018635/ES, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJU de 1º/2/2012). Além das dimensões físicas, para gozar de impenhorabilidade é necessário que a propriedade rural também seja “indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família (art. 4º, § 2º, da Lei nº 8.009/90)” (AgRg no REsp nº 1357278/AL, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ de 7/5/2013).

X. Pequena propriedade rural – perda da impenhorabilidadeA propriedade rural perde a proteção da impenhorabilidade quando não se revela indispensá-

vel à sobrevivência do agricultor e de sua família. Há precedente do STJ afastando essa proteção

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“quando os titulares do domínio sequer residem na Comarca nem o imóvel é trabalhado por sua família” (3ª T., REsp nº 469496/PR, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 1º/9/2003).

XI. Bem de família convencional – art. 1.711 do CC/2002Nosso sistema permite a constituição de bem de família, mediante ato dos cônjuges ou da en-

tidade familiar, manifestado em escritura ou testamento, além de anotado no Registro de Imóveis (arts. 1.771 e 1.714, CC/2002). Consistirá em “prédio residencial urbano ou rural, com suas per-tenças e acessórios” (art. 1.712 do CC/2002), embora seu valor não possa ultrapassar um terço do patrimônio líquido familiar existente ao tempo da instituição da proteção (art. 1.711, CC/2002). Esse bem ganha impenhorabilidade, salvo em relação a dívidas provenientes de tributos do pró-prio imóvel ou de despesas de condomínio (art. 1.715, CC/2002).

XII. Bem de família legal – Lei nº 8.009/1990A Lei nº 8.009/1990 estabelece que o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar é

impenhorável, na eventualidade de execução de dívida civil de qualquer natureza (art. 1º), salvo exceções ali também previstas (arts. 2º, 3º e 4º). Também estabelece que por residência, se deve entender o único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

XIII. Residência familiar – extensão do conceitoDa edição da lei para cá, o conceito de residência foi sendo paulatinamente ampliado. Embora

o texto mencione o casal e a entidade familiar, acepções que designam sempre um conjunto de duas ou mais pessoas, sua interpretação literal se revelou insuficiente. Pela literalidade do texto perderiam a proteção os imóveis no qual residisse uma só pessoa, como alguém solteiro, o côn-juge que permaneceu no imóvel após a separação ou, mesmo, o viúvo. Como essa situação se revela claramente incompatível com a proteção buscada pela lei, o STJ já sedimentou o enten-dimento de que o “conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas ou viúvas” (Súmula nº 364).

XIV. Residência familiar em construção ao tempo do vencimento da dívida“O vencimento da dívida exequenda durante a construção de imóvel sobre terreno de proprie-

dade da devedora não afasta a incidência da Lei 8.009/1990, de modo que o imóvel fica a salvo da penhora, por constituir bem de família” (STJ, 4ª T., REsp nº 1087727/GO, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 16/11/2009).

XV. Imóvel residencial alugado e de cuja renda depende a subsistência da família“É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde

que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família” (STJ, Súmula nº 486).

XVI. Vaga de garagem e bem de família“A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de

família para efeito de penhora” (STJ, Súmula nº 449).XVII. Residência do fiador no contrato de locaçãoA jurisprudência do STJ tem admitido a penhora, mesmo quando a fiança foi contratada antes

da vigência da Lei nº 8.254/1991, que alterou o art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990 (6ª T., AgRg nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp nº 771700/RJ, Rel. Min. Vasco Della Gius-tina, DJ de 26/3/2012). Também admitindo a penhora: STJ, 3ª T., AgRg no AREsp nº 160852/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, DJ de 28/8/2012.

Art. 833

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XVIII. Bem de família divisível – possibilidade de penhora

Admite-se o desmembramento do imóvel que serve de residência familiar, para viabilizar a penhora de parte dele. Esse desmembramento não pode acarretar a descaracterização do imóvel e, tampouco, gerar prejuízo para a área residencial. Isso ocorre com mais frequência, quando parte do imóvel serve de residência e outra parcela é destinada ao comércio. Há precedente do STJ, no qual se admitiu o desmembramento de imóvel cujo andar inferior era ocupado por esta-belecimento comercial e garagem, enquanto que a moradia ficava restrita ao andar superior (3ª T., REsp nº 968907/RS, Rel. Min. Nancy Andrigui, DJ de 1º/4/2009.

XIX. Nomeação a penhora do bem de família

O STJ tem posição consolidada no sentido de que a proteção legal ao bem de família “não pode ser afastada por renúncia, por tratar-se de princípio de ordem pública, que visa a garantia da enti-dade familiar” (3ª T., REsp nº 1115265/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ de 10/5/2012), motivo pelo qual “a indicação de bem de família à penhora não implica renúncia ao benefício garantido pela Lei nº 8.009/90” (4ª T., REsp nº 511023/PA, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 12/9/2005).

XX. Indicação a penhora de bem impenhorável. Princípio da boa-fé objetiva

Há precedentes do STJ, aplicáveis ao atual regime processual, no sentido de que o oferecimen-to a penhora de bem sabidamente impenhorável acarreta renúncia à proteção legal. Isso porque admitir-se o contrário seria chancelar a má-fé e a reserva mental do devedor que, num momento posterior, argui em seu benefício a impenhorabilidade do bem, tumultuando (e, muitas vezes, in-viabilizando) a execução. O STJ vê nessa situação a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), considerando tal atitude como “incompatível com a lealdade e boa-fé processual” (4ª T., REsp nº 1365418/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJ de 16/4/2013).

Art. 834 - Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis.

I. Penhora de usufruto e penhora dos frutos de bem do devedor

Apenas os frutos do imóvel são penhoráveis, e não o direito real de usufruto (3ª T., REsp nº 242031/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 29/3/2004). Por isso o STJ já considerou em fraude de execução o executado que, usufrutuário de diversos imóveis alugados, renuncia ao usufruto logo após a expedição de mandado de penhora dos rendimentos. O ato de renúncia foi conside-rado ineficaz até a satisfação do crédito exequendo (3ª T., EDcl no AgRg no Ag nº 1370942/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 4/2/2013).

II. Frutos e rendimentos destinados à satisfação de prestação alimentícia

O dispositivo não traz mais a ressalva, presente na legislação anterior (art. 650 do CPC/1973), no sentido de serem impenhoráveis os frutos de bem do devedor quando destinados à satisfação de pensão alimentícia. O desaparecimento dessa ressalva no atual art. 834, porém, não deve levar à conclusão de que a prestação alimentícia teria deixado de receber proteção diferenciada da legislação processual e por isso estaria em pé de igualdade com as demais obrigações. Havendo essa destinação prévia dos frutos de bem do devedor para satisfação de prestação de alimentos, esta prevalece sobre o interesse dos demais credores, inclusive por força do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Art. 834

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Art. 835 - A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;IV - veículos de via terrestre;V - bens imóveis;VI - bens móveis em geral;VII - semoventes;VIII - navios e aeronaves;IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;X - percentual do faturamento de empresa devedora;XI - pedras e metais preciosos;XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;XIII - outros direitos.§ 1º - É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.§ 2º - Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.§ 3º - Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora.

I. A ordem de preferência entre os bens penhoráveis

O texto do caput continua apontando ser relativa a ordem de preferência entre os bens pe-nhoráveis. Isso, porém, não quando o devedor tenha dinheiro disponível para constrição. Nesse caso, o art. 835, § 1º, não deixa dúvidas de que a penhora do numerário é prioritária. Apenas em relação aos demais bens (ou, de acordo com o dispositivo, nas demais hipóteses ali listadas) o órgão judicial poderá alterar a ordem prevista no dispositivo, sempre buscando equilibrar, no caso concreto, os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade para o devedor. Havendo equilíbrio entre esses dois aspectos, terá sido atingido o objetivo do legislador ao sugerir uma ordem preferencial de bens penhoráveis. Do contrário, poderá o credor buscar a substituição do bem e a penhora de outro, com mais liquidez, mas desde que não onere, desme-didamente, a situação do devedor.

II. Penhora de dinheiro. Superação da Súmula nº 417 do STJ

O texto do art. 835, § 1º, torna superada a orientação de referida súmula, de acordo com a qual, “na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter abso-luto”. Agora, havendo dinheiro disponível, este tem prioridade sobre os demais bens.

Art. 835

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III. Penhora de quotas de fundo de investimento

O art. 835, inciso I, menciona a possibilidade de se penhorar dinheiro depositado ou aplicado em instituição financeira. De acordo com precedente do STJ, isso “não equivale ao valor finan-ceiro correspondente às cotas de fundos de investimento”. Isso porque, continua o STJ, “ao se proceder à penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, a constrição processual atinge numerário certo e líquido, que fica bloqueado ou depositado, à disposição do juízo da execução fiscal. Por sua vez, o valor financeiro referente a cotas de fundo de investimento não é certo e pode não ser líquido, a depender de fatos futuros que não podem ser previstos pela parte exequente, ou pela executada ou pelo juízo da execução” (1ª T., REsp nº 1346362/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ de 7/12/2012).

IV. Menor onerosidade para o devedor. Necessidade de demonstração no caso concreto

É certo que a ordem prevista no art. 835, quando não exista dinheiro passível de penhora, deve ser temperada mediante o equilíbrio entre a vocação do processo executivo (satisfazer o direito do credor), mas se desenvolvendo pela via menos onerosa para o devedor. Essa menor onerosi-dade, porém, precisa ser efetivamente demonstrada, pelo executado, no caso concreto. Conforme precedente do STJ, “a tese da violação do princípio da menor onerosidade excessiva não pode ser defendida de modo genérico ou simplesmente retórico, cabendo à parte executada a compro-vação, inequívoca, dos prejuízos a serem efetivamente suportados, bem como da possibilidade, sem comprometimento dos objetivos do processo de execução, de satisfação da pretensão cre-ditória por outros meios” (2ª T., AgRg no REsp nº 1.103.760/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 19/05/2009).

V. Fiança bancária e seguro-garantia judicial substituindo penhora em dinheiro

No regime anterior era controvertida, inclusive no âmbito do STJ (3ª T., REsp nº 1168543/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ de 13/3/2013), a possibilidade de se substituir penhora em dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia. Agora, com o art. 835, § 2º, essa controvérsia está supe-rada. Ambos equiparam-se a dinheiro. Além disso e também diferentemente do que estabelecia o regime anterior, a redação do dispositivo não prescreve mais a mera possibilidade de substi-tuição (no CPC/1973, “a penhora pode ser substituída [...]”). Por isso e desde que preenchidos os requisitos previstos no dispositivo (não ser o valor inferior ao do débito e estar acrescido de trinta por cento) a substituição agora não pode ser recusada ou indeferida.

VI. Precatório judicial

Consolidou-se na jurisprudência que o precatório judicial equivale à penhora de crédito pre-vista tanto no art. 11, inciso VIII, da Lei de Execução Fiscal, quanto, agora, no art. 835, inciso XIII (outros direitos). Por essa razão e de acordo com o STJ, “é imprescindível a anuência do credor com a penhora do precatório judicial” (STJ, 2ª T., AgRg no AREsp nº 320646/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 28/5/2013).

Art. 836 - Não se levará a efeito a penhora quando ficar evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução. § 1º - Quando não encontrar bens penhoráveis, independentemente de determinação judicial expressa, o oficial de justiça descreverá na certidão

Art. 836

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os bens que guarnecem a residência ou o estabelecimento do executado, quando este for pessoa jurídica.§ 2º - Elaborada a lista, o executado ou seu representante legal será nomeado depositário provisório de tais bens até ulterior determinação do juiz.

I. Penhora de bem de baixo valor

A penhora deve recair sobre bem com expressão econômica suficiente para cobrir, pelo me-nos, parte do pagamento do crédito cobrado por meio da execução. Caso, porém, já de antemão (isto é, no momento da penhora), se perceba ser insuficiente seu valor até para cobrir as custas do processo, a penhora não se realizará (ou deverá ser levantada caso tenha sido efetivada).

II. Custas da execução

O dispositivo fala em custas da execução, enquanto o Código destinou às despesas do pro-cesso tratamento bastante detalhado (art. 82 e ss.). Por custas, deve-se entender os valores ne-cessários para instauração e desenvolvimento do processo até a satisfação do direito registrado no título executivo. Não ficam aí incluídos, portanto, os honorários de advogado cuja natureza é diversa e que na execução deverão ser satisfeitos apenas após o cumprimento integral do crédito postulado na execução.

III. Inventário de bens da residência ou estabelecimento do devedor

Independe de requerimento. Percebendo o oficial de justiça a ausência de bens penhoráveis, deverá, então, automaticamente, inventariar os bens que guarnecem a residência ou estabeleci-mento comercial do executado. Não lhe cabe, aqui, fazer juízo de valor a respeito da penhorabi-lidade ou não de determinado bem, tampouco de sua expressão econômica. Seu dever é elaborar a lista. Caberá ao credor, a partir dela, requerer ao juízo da execução a constrição de alguns ou de todos os bens ali elencados.

IV. Depositário provisório

A regra é que os bens móveis penhorados tenham sua guarda confiada ao depositário judicial (art. 840, inciso II) ou ao próprio exequente (art. 840, § 1º). Apenas excepcionalmente e com a anuência do próprio credor é que ficarão com o executado (art. 840, § 2º). Embora na hipótese tratada no art. 836, § 2º, ainda não tenha havido penhora (o oficial se limitou a elaborar uma lista de bens), o executado ali assume, ainda que provisoriamente, o encargo formal de guardá-los e conservá-los até ulterior definição do juízo.

Art. 836

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Art. 837 - Obedecidas as normas de segurança instituídas sob critérios uniformes pelo Conselho Nacional de Justiça, a penhora de dinheiro e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meio eletrônico.

AutoresJosé Antonio Fichtner e André Luís Monteiro

I. Penhora por meio eletrônico

A penhora é medida executiva que objetiva a individualização e afetação de determinado bem à atividade executiva, com vistas à satisfação do direito de crédito do credor. A evolução dos sistemas de informática trouxe para o processo judicial a possibilidade de realização da penhora por meio eletrônico, comumente designada de penhora on-line. Rigorosamente falando, a pe-nhora se materializa através de auto de penhora ou termo de penhora, juntado aos autos a partir de uma decisão judicial. O que se faz por meio eletrônico é a pesquisa de bens e, especialmente, a comunicação da penhora determinada judicialmente às instituições em que estão arquivados, anotados ou custodiados os bens penhorados. E esta comunicação feita por meio eletrônico não dispensa e nem substitui a lavratura de auto de penhora ou de termo de penhora.

II. Pesquisa, bloqueio e penhora

A ordem de penhora é expedida pelo magistrado e tal ato deflagra um procedimento de pes-quisa para apurar se o devedor possui numerário em alguma instituição financeira ou se possui a propriedade de algum veículo automotor registrado junto ao departamento estadual de trânsito. Encontrados estes bens, tornam-se eles desde já indisponíveis ao devedor, lavrando-se em se-guida termo de penhora ou auto de penhora para, de fato, formalizar o ato de constrição judicial.

III. Penhora de dinheiro, bens imóveis e outros bens móveis

A Lei nº 11.382/2006 já havia inaugurado no processo judicial brasileiro a possibilidade de utilização de meios eletrônicos para a comunicação de penhora não apenas de dinheiro, mas também de bens imóveis e outros bens móveis, o que foi mantido pelo CPC/2015. Em termos bastante estritos, a penhora de determinado numerário depositado em instituição bancária não é propriamente uma penhora do dinheiro, mas, sim, em razão da natureza fungível do bem dinheiro, uma penhora do direito de crédito que o devedor possui contra a instituição bancária.

IV. Conselho Nacional de Justiça

Criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), ao Conselho Nacio-nal de Justiça compete, dentre outras funções, nos termos do § 4º do art. 103-B da Constituição da República, “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumpri-mento dos deveres funcionais dos juízes”. Concretizando o comando constitucional, o CPC/2015 atribuiu ao Conselho Nacional de Justiça o papel de instituir normas de segurança para utilização destes meios eletrônicos. No CPC/1973 este papel cabia a cada um dos tribunais, o que, eviden-temente, criava o risco de regulamentações díspares entre estados e regiões do país, ocasionando insegurança jurídica. A alteração do CPC/2015 é extremamente positiva, pois unifica a compe-

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tência para tratar do assunto no Conselho Nacional de Justiça, de maneira que as normas a esse respeito sejam nacionalmente uniformes.

V. Bacenjud, Renajud e Infojud

Antes mesmo da promulgação do CPC/2015, o Conselho Nacional de Justiça já havia cria-do programas – e editado as normas correspondentes – a esse respeito, como, na área cível, o Bacenjud, o Renajud e o Infojud. É fundamental destacar que a criação destes mecanismos tornou possível a busca de bens do devedor em âmbito nacional, por meio de um mesmo mecanismo, reduzindo os custos do processo e tornando a execução mais efetiva. O Bacenjud é um sistema que interliga o Poder Judiciário ao Banco Central e às instituições financeiras, por meio do qual os juízes pesquisam as informações necessárias e comunicam às instituições bancárias a penhora de ativos financeiros de propriedade do devedor. O Renajud é um sistema que interliga o Poder Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), por meio do qual os juízes pesqui-sam informações e comunicam aos departamentos estaduais de trânsito as ordens de constrição de veículos de propriedade do devedor. O Infojud é um sistema que interliga o Poder Judiciário à Receita Federal, por meio do qual os juízes pesquisam as informações cadastrais e cópias de declarações de imposto de renda de partes do processo judicial.

VI. Outros atos executivos

Apesar de o texto legal se referir apenas à penhora, parece adequada a utilização dos meios eletrônicos para a prática de outros atos executivos, como, por exemplo, o arresto, notadamente por se qualificar como ato preparatório, preliminar e convolável na constrição definitiva.

Art. 838 - A penhora será realizada mediante auto ou termo, que conterá:I - a indicação do dia, do mês, do ano e do lugar em que foi feita;II - os nomes do exequente e do executado;III - a descrição dos bens penhorados, com as suas características;IV - a nomeação do depositário dos bens.

I. Auto de penhora x termo de penhora

O auto de penhora é elaborado pelo oficial de justiça quando a constrição judicial ocorre em diligência externa. O termo de penhora é redigido pelo escrivão, no bojo do próprio processo judicial, sem que a constrição tenha demandado diligência fora da sede do juízo.

II. Requisitos

Os requisitos do auto de penhora e do termo de penhora são (i) indicação do tempo e lugar da penhora, (ii) indicação das partes do processo, (iii) indicação dos bens penhorados e (iv) indica-ção do nome do depositário.

III. Importância do tempo da penhora

O auto de penhora e o termo de penhora, além de formalizarem a penhora, possuem uma especial relevância porque estabelecem, na hipótese de estabelecimento de concurso particular de credores, a preferência do credor em receber os resultados da excussão daquele determinado bem. Em outras palavras, possui preferência para excutir o bem e, assim, satisfazer o seu direito de crédito quem primeiramente penhorou aquele determinado bem (prior in tempore, potior in

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iure). Por essa razão é que o auto de penhora e o termo de penhora devem conter a indicação do dia, do mês e do ano em que realizada a constrição. A definição precisa do tempo em que ocorreu a penhora revela-se fundamental também para fins de identificar eventual fraude do devedor que aliena bem penhorado. Por estas duas razões, apesar da omissão legal, recomenda-se que o auto de penhora e o termo de penhora sejam detalhados com o horário em que ocorreu a constrição e não apenas com dia, mês e ano.

IV. Preferência: data de lavratura do auto de penhora ou do termo de penhora x data da averbação da penhora

É importante deixar claro que a precedência da data da averbação da penhora no registro imobiliário não constitui marco temporal definidor do direito de prelação entre credores no con-curso particular. Não há exigência de averbação imobiliária ou referência legal a tal anotação da penhora como condição para definição do direito de preferência, o qual dispensa essas formali-dades. Para estes fins, o que importa é o momento da lavratura do auto de penhora ou do termo de penhora. Quem primeiro lavrou a penhora possuirá preferência em excutir o bem.

V. Importância do lugar da penhora

A descrição correta do lugar em que foi realizada a penhora revela-se importante para fins de verificar se a diligência foi realizada dentro da circunscrição de competência territorial do juízo da execução, pois, caso contrário, a penhora deve se realizar por carta precatória.

VI. Depositário dos bens

Quando o oficial de justiça faz a nomeação do depositário dos bens, ele o faz como longa manus do magistrado, pois isso é atribuição exclusiva do juiz. O oficial de justiça ou o escrivão, ao elaborarem o auto de penhora e o termo de penhora, devem indicar precisamente a pessoa a quem tiver sido delegada a posse dos bens penhorados.

VII. Ausência destes requisitos e princípio da instrumentalidade das formas

A ausência de algum destes requisitos, em regra, é vício sanável, podendo ser corrigido a qual-quer tempo, caso o ato tenha atingido a sua finalidade. Evidentemente que para tanto é imperioso que do vício não tenha decorrido prejuízo às partes, pois se houver prejuízo, a invalidade deve ser reconhecida. A aplicação do princípio da instrumentalidade das formas encontra limite na existência de prejuízo causado às partes pela irregularidade cometida. A ausência de assinatura do oficial de justiça no auto de penhora não invalida o ato. Da mesma forma, a ausência de no-meação de depositário para o bem imóvel é irregularidade sanável.

VIII. Julgados

Diferenciando termo de penhora de auto de penhora

“Duas são as modalidades de documentação da penhora no Código de Processo Civil: termo de penhora lavrado pelo escrivão (art. 657, primeira parte) e auto de penhora, confeccionado pelo oficial de justiça (art. 664, segunda parte)” (STJ, 4ª T., REsp nº 259.272/GO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 11/10/2005, DJ de 7/11/2005).

Direito de preferência pela anterioridade da penhora

“Havendo pluralidade de credores com penhora sobre o mesmo imóvel, o direito de preferên-cia se estabelece pela anterioridade da penhora, conforme os arts. 612, 613, 711 e 712 do CPC, que expressamente referem à penhora como o ‘título de preferência’ do credor. A precedência

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da data da averbação da penhora no registro imobiliário, nos termos da regra do art. 659, § 4º, do CPC, tem relevância para efeito de dar publicidade ao ato de constrição, gerando presunção absoluta de conhecimento por terceiros, prevenindo fraudes, mas não constitui marco temporal definidor do direito de prelação entre credores” (STJ, 4ª T., REsp nº 1.209.807/MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 15/12/2011, DJ de 15/2/2012).

“No processo de execução, recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, terá prefe-rência no recebimento do numerário apurado com a sua arrematação, o credor que em primeiro lugar houver realizado a penhora, salvo se incidente outro título legal de preferência. Aplicação do brocardo prior tempore, potior iure. Quando incidente sobre bens imóveis, deve-se proceder a averbação da penhora no Registro de Imóveis a fim de dar publicidade à constrição realizada e gerar presunção absoluta de seu conhecimento em relação a terceiros. Tal providência não constitui requisito integrativo do ato de penhora e, portanto, não interfere na questão relativa à preferência temporal das penhoras realizadas que, para esse efeito, contam-se a partir da data da expedição do respectivo termo de penhora” (STJ, 3ª T., REsp nº 829.980/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 1º/6/2010, DJ de 18/6/2010).

Ausência dos requisitos do termo de penhora ou auto de penhora“Não há como se ter pela nulidade do auto de penhora, por não constar a assinatura do oficial

de justiça, quando restou assinado o seu verso e o auto de depósito. A uma, porque a finalidade foi alcançada. A duas, porque prejuízo algum sofreu o réu com a ausência da assinatura. A três, porque, nos termos do art. 664, CPC, efetuados a penhora e o depósito no mesmo dia, como no caso, lavra-se um só auto, restando suficiente uma assinatura para todas as diligências. A ins-trumentalidade do processo e o perfil deste no direito contemporâneo não permitem que meras irregularidades constituam empeço à satisfação da prestação jurisdicional” (STJ, 4ª T., REsp nº 175.546/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 5/8/1999, DJ de 13/9/1999).

“A ausência de nomeação de depositário no auto de penhora constitui mera irregularidade formal, incapaz de conduzir à nulidade do processo, por contrastar com o princípio da instru-mentalidade das formas” (STJ, 2ª Seção, EDcl no AgRg no CC nº 88.620/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 27/8/2008, DJ de 1º/9/2008).

Art. 839 - Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia.Parágrafo único - Havendo mais de uma penhora, serão lavrados autos individuais.

I. Penhora x depósitoEnquanto a penhora representa a afetação de determinado bem à execução, o depósito é ato

complementar à penhora que tem por função conservar o bem constrito. A concatenação da pe-nhora com o depósito serve para garantir a manutenção do bem penhorado até que sejam realiza-dos os atos definitivos de expropriação.

II. Um ou mais autos de penhora Em regra, cada penhora enseja a lavratura de um auto de penhora. Assim, quando a diligên-

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cia do oficial de justiça disser respeito a uma penhora, será lavrado apenas um auto de penhora. Quando a diligência do oficial de justiça disser respeito a duas ou mais penhoras, como no caso de devedores solidários ou bens localizados em lugares diferentes, serão lavrados dois ou mais autos de penhora. Excepcionalmente, mesmo diante de uma só penhora, lavrar-se-ão dois autos de penhora quando a diligência não se encerrar em apenas um único dia. Observe-se que quando se tratar de vários bens, mas no mesmo lugar, relacionados a um único devedor, lavrar-se-á ape-nas um auto de penhora, relacionando-se no documento todos esses bens. Trata-se, neste caso, de apenas uma penhora, não obstante haja pluralidade de bens constritos.

Art. 840 - Serão preferencialmente depositados:I - as quantias em dinheiro, os papéis de crédito e as pedras e os metais preciosos, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal ou em banco do qual o Estado ou o Distrito Federal possua mais da metade do capital social integralizado, ou, na falta desses estabelecimentos, em qualquer instituição de crédito designada pelo juiz;II - os móveis, os semoventes, os imóveis urbanos e os direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos, em poder do depositário judicial;III - os imóveis rurais, os direitos aquisitivos sobre imóveis rurais, as máquinas, os utensílios e os instrumentos necessários ou úteis à atividade agrícola, mediante caução idônea, em poder do executado.§ 1º - No caso do inciso II do caput, se não houver depositário judicial, os bens ficarão em poder do exequente.§ 2º - Os bens poderão ser depositados em poder do executado nos casos de difícil remoção ou quando anuir o exequente.§ 3º - As joias, as pedras e os objetos preciosos deverão ser depositados com registro do valor estimado de resgate.

I. Depositário de bens penhorados

A função do depositário é conservar os bens penhorados, evitando extravios e deteriorações, até a conclusão do processo executivo, agindo sempre em nome do juiz. Excepcionalmente, quando os bens penhorados exigirem contínua exploração econômica (v.g.: empresas comerciais, semoventes, plantações), o depositário assume também a tarefa de administrá-los. Neste caso, a função é também de gestão, e não mais de mera guarda.

II. Nomeação do depositário pelo juiz

O depositário é nomeado pelo juiz e não pelo oficial de justiça que realiza a penhora, pois trata-se de ato jurisdicional de competência exclusiva do juiz, a quem cabe avaliar a idoneidade do depositário. O oficial de justiça, durante a diligência, pode escolher quem fique com os bens penhorados, mas a nomeação – enquanto ato propriamente dito – só estará concretizada por de-cisão judicial.

III. Preferência e não exclusividade

Os bens penhorados devem ser preferencialmente depositados em poder das pessoas ou dos

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estabelecimentos previstos neste artigo, mas não se trata de uma lista exclusiva, pois razões li-gadas ao caso concreto podem justificar a nomeação de outros depositários. Isso significa, em outras palavras, que a nomeação pelo juiz de depositários não previstos neste dispositivo é ple-namente possível quando o caso o recomendar. É importante, todavia, neste caso, fundamentar o porquê de não se seguir a regra geral da nomeação do depositário de acordo com este dispositivo legal do CPC/2015.

IV. Recusa da nomeação pelo depositário

O encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado. Esse enten-dimento está fundamentado no princípio da legalidade, segundo o qual, na forma do inciso II do art. 5º da Constituição da República, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A mesma regra autoriza o depositário, desde que justificadamen-te, a renunciar à nomeação no curso do processo. A regra, contudo, não se aplica ao depositário judicial, que possui o dever funcional de aceitar o cargo quando determinado pelo juiz da causa, já que se trata de auxiliar do juiz com atribuições específicas para tanto.

V. Responsabilidade civil do depositário

As atribuições do depositário se traduzem na guarda e conservação de bens penhorados, res-pondendo esse auxiliar do juízo pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte.

VI. Impossibilidade de prisão civil do depositário infiel

O Supremo Tribunal Federal, com base na interpretação do § 3º do art. 5º da Constituição da República c.c. Convenção Americana de Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), editou a Súmula Vinculante nº 25, segundo a qual é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Em atenção a este entendimento, o CPC/2015, cor-retamente, não previu a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.

VII. Responsabilidade penal do depositário

Não obstante não possa mais ser preso civilmente, o depositário pode responder criminalmen-te por apropriação indébita, caso tome para si o bem penhorado sob sua guarda (CP, art. 168). Na hipótese de o depositário ser o próprio executado, pode configurar-se o tipo da fraude descrita no art. 179 do Código Penal.

VIII. Inconstitucionalidade da preferência dada aos bancos públicos?

Já se debatia na doutrina a eventual inconstitucionalidade da preferência legal dada aos bancos públicos (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e qualquer instituição bancária em que o Estado ou o Distrito Federal possua mais da metade do capital social integralizado) em detrimen-to dos bancos privados para fins de atuar como depositário, pois este dispositivo poderia violar o princípio da livre concorrência, inserto no inciso IV do art. 170 da Constituição da República. O CPC/2015 manteve esta preferência legal e a discussão doutrinária permanecerá viva até que o dispositivo seja submetido ao exame de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

IX. Juros e correção monetária em depósitos judiciais

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, após realizado o depó-sito judicial, a responsabilidade pela correção monetária e pelos juros é da instituição financeira onde o numerário foi depositado. Desta forma, efetuado o depósito judicial do valor da execução, cessa a responsabilidade do devedor sobre os encargos da quantia depositada, eis que tal respon-sabilidade passa a ser do banco depositário.

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X. Regra geral de terceiros como depositários

O CPC/2015 adota a regra geral segundo a qual o depositário dos bens penhorados não deve ser nem o exequente e nem o executado, mas sim um terceiro. Isso ocorre, primeiramente, em relação à penhora de quantias em dinheiro, em que o depositário deverá ser uma instituição bancária, preferencialmente pública. Também em relação aos móveis, semoventes, imóveis ur-banos e direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos, o CPC/2015 não atribui a função de depo-sitário ao exequente ou ao executado, mas prefere que ela recaia sobre um depositário judicial, que é um auxiliar da justiça, terceiro em relação às partes da demanda, ex vi dos arts. 159 a 161 do CPC/2015. Não é comum, entretanto, que motivadamente o executado faça as vezes do de-positário. Observe-se que há uma alteração sensível no caso de bens imóveis, pois o CPC/1973 atribuía a função de depositário ao executado e o CPC/2015 confia esta tarefa ao depositário judicial. Como os bens imóveis, em geral, não correm riscos de desvio – especialmente depois de averbada a penhora na matrícula do imóvel –, a solução do CPC/1973 de deixar a sua guar-da e conservação com o próprio executado parecia adequada, pois a atribuição deste mister a terceiros eleva o custo do processo e, ao fim e ao cabo, onera o executado desnecessariamente. O CPC/2015 não repetiu essa regra, preferindo que depositário judicial seja nomeado para a custódia de bens imóveis, mas ainda assim, como não se trata de regra absoluta, parece mais adequado permanecer nomeando o próprio executado como depositário de bens imóveis. No que diz respeito a joias, pedras preciosas e objetos preciosos, o CPC/2015 não informa a pre-ferência pelo depositário, mas, a contar pela regra geral, parece mais adequada a nomeação novamente de terceiros, especialmente instituições bancárias que possam guardar estes bens em segurança.

XI. Executado como depositário

O CPC/2015 prevê apenas dois casos em que o executado atuará como depositário dos bens penhorados, mas ambas estão sujeitas a condicionantes. Primeiramente, quando se tratar de pe-nhora de imóveis rurais, direitos aquisitivos sobre imóveis rurais, máquinas, utensílios e instru-mentos necessários ou úteis à atividade agrícola. A condicionante, neste caso, é que o executado preste caução idônea. Essa previsão é uma inovação do CPC/2015 em relação ao CPC/1973, cujo objetivo foi permitir a continuidade da atividade agrícola pelo executado. Neste caso, literalmen-te, o CPC/2015 não condiciona a nomeação à concordância do exequente. Ademais, o CPC/2015 também admite o executado como depositário quando se tratar de bens penhorados de difícil remoção ou quando anuir o exequente. Quando se tratar de bens de difícil remoção, o CPC/2015 não prevê a necessidade de concordância do exequente. Em todos os casos tratados neste dispo-sitivo, porém, o executado poderá ser o depositário dos bens penhorados, independentemente da natureza destes bens, bastando que para tanto o exequente anua com esta opção.

XII. Exequente como depositário

O CPC/2015 só prevê uma hipótese – e mesmo assim subsidiária – em que o exequente as-sume a função de depositário dos bens penhorados. Trata-se do caso de móveis, semoventes, imóveis urbanos e direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos quando não haja, na localidade, depositário judicial. Apenas nesta hipótese é que o CPC/2015 prefere que a tarefa de depositário fique a cargo do exequente. Não há obrigatoriedade, aqui, de o exequente prestar caução idônea, pois o CPC/2015 silencia a este respeito. Ainda nesta hipótese, se o juiz entende mais adequado para o caso concreto, poderá preferir a nomeação de um depositário particular, não obstante a omissão legal do CPC/2015 a respeito desta figura.

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XIII. Preferência não absoluta

Sob a égide do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido da possibilidade de permanência dos bens penhorados com o executado, quando a remoção pu-der lhe causar evidentes prejuízos, pois estas regras de preferência não são absolutas. Como foram poucas as mudanças a este respeito no CPC/2015, intui-se que esta jurisprudência não se alterará, permanecendo o entendimento de que a preferência legal para atribuição do en-cargo de depositário não é absoluta, podendo o juiz alterá-la a partir das circunstâncias espe-ciais do caso concreto, inclusive para nomear o próprio executado como depositário dos bens penhorados.

XIV. Penhora de bem fungível depositado sob a responsabilidade do executado

A jurisprudência vem se orientando no sentido de que a penhora de bens fungíveis se aperfei-çoa independentemente da tradição, sendo que, na hipótese de recair sobre produção agrícola, não deve impedir a respectiva comercialização, transferindo-se sempre à produção futura, que deverá ser apresentada no momento oportuno. A norma que estabelece a preferência na nomea-ção de depositários não é absoluta, devendo ser cotejada com as demais regras e princípios do processo de execução, notadamente, o da menor onerosidade. Assim, o executado poderá per-manecer na posse do bem penhorado, exercendo o encargo de depositário, quando a remoção do bem puder lhe causar evidentes prejuízos. Se o executado tem disponibilidade sobre, por exem-plo, um volume de açúcar arrestado, em razão da sua fungibilidade, podendo comercializá-lo, isso não o exime da obrigação de manter consigo quantidade suficiente para entregá-lo quando do momento de alienação judicial para satisfação do crédito.

XV. Julgados

Recusa do encargo pelo depositário

“O encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado” (Enunciado nº 319 da Súmula de Jurisprudência do STJ).

“A Súmula 319 do STJ dispõe que: ‘O encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado’, por isso que o mesmo tratamento deve ser conferido ao depositário que assume o encargo e, posteriormente, de forma justificada, pleiteia exonerar-se do munus posto não poder mais suportar referido ônus” (STJ, 1ª T., REsp. nº 1.120.403/SP, Rel. Min. Luiz Fux, unânime, j. em 3/12/2009, DJ de 2/2/2010).

Impossibilidade de prisão civil do depositário infiel

“É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” (Enunciado nº 25 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal).

Juros e correção monetária em depósitos judiciais

“O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo paga-mento da correção monetária relativa aos valores depositados” (Enunciado nº 179 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça).

IOF em depósitos judiciais

“Nos depósitos judiciais, não incide o Imposto sobre Operações Financeiras” (Enunciado nº 185 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça)

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Art. 841 - Formalizada a penhora por qualquer dos meios legais, dela será imediatamente intimado o executado.§ 1º - A intimação da penhora será feita ao advogado do executado ou à sociedade de advogados a que aquele pertença.§ 2º - Se não houver constituído advogado nos autos, o executado será intimado pessoalmente, de preferência por via postal.§ 3º - O disposto no § 1º não se aplica aos casos de penhora realizada na presença do executado, que se reputa intimado.§ 4º - Considera-se realizada a intimação a que se refere o § 2º quando o executado houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do art. 274.

I. Regra geral da intimação do executado pelo seu advogado

Reproduzindo o sistema do CPC/1973, este dispositivo consagra como regra geral a intimação do executado sobre a penhora realizada na pessoa de seu advogado ou da sociedade de advogados da qual faça parte o advogado que represente nos autos. Esta intimação na pessoa do advogado do executado será realizada por meio de publicação no Diário Oficial, constando o nome e núme-ro de registro profissional na Ordem dos Advogados do Brasil deste patrono.

II. Intimação pessoal do executado

Caso o executado não esteja representado nos autos, a sua intimação a respeito da penhora rea-lizada se dará pessoalmente, mas por meio da expedição de mandado de intimação por via postal com aviso de recebimento. O mandado de intimação será enviado ao endereço declarado nos autos, presumindo-se que o executado tenha recebido a intimação caso esteja residindo em outro local e não tenha comunicado o juízo deste fato. Esta previsão conspira em favor da lealdade processual, estabelecendo o dever de a parte manter o juiz atualizado a respeito de seu paradeiro.

Art. 842 - Recaindo a penhora sobre bem imóvel ou direito real sobre imóvel, será intimado também o cônjuge do executado, salvo se forem casados em regime de separação absoluta de bens.

I. Intimação do cônjuge

A doutrina debate se, numa execução movida apenas contra um dos cônjuges, a penhora sobre bem imóvel de casal cria um litisconsórcio necessário superveniente em relação ao outro cônju-ge, razão pela qual deve ele ser integrado à relação processual executiva não por meio de mera “intimação”, mas sim por meio de verdadeira “citação”. A ausência de intimação do cônjuge gera a nulidade de todos os atos processuais posteriores à penhora.

II. Regime de bens

Sob a égide do CPC/1973, havia dúvidas na doutrina em saber se o cônjuge deveria ser intima-do da penhora independentemente do regime de bens ou se este procedimento poderia ser dispen-sado no caso de o casal ser casado sob o regime da separação total de bens (convencional – CC,

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art. 1.687) e/ou sob o regime da separação obrigatória de bens (legal – CC, art. 1.641). O Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que a intimação do cônjuge do devedor é imprescindível quando a penhora incidir sobre bem imóvel, independentemente do regime de bens estabelecido no casamento. Havia, contudo, entendimentos divergentes, considerando a desnecessidade de intimação do cônjuge, casado sob o regime da separação absoluta (legal ou convencional), sobre a penhora que recaiu sobre imóvel do outro cônjuge, executado. O CPC/2015 afirma expressa-mente que a intimação do cônjuge somente é dispensada no caso de separação absoluta de bens. A expressão separação absoluta de bens, utilizada neste dispositivo pelo CPC/2015, é mencio-nada no Código Civil em apenas uma única oportunidade, especificamente no art. 1.647 do CC. Há dúvidas doutrinárias sobre o seu alcance. E isto porque a expressão separação absoluta de bens tanto pode se referir ao regime da separação total de bens quanto pode se referir ao regime da separação obrigatória de bens. Normalmente, a doutrina civilista identifica a expressão sepa-ração absoluta de bens como regime convencional da separação total de bens. De toda forma, melhor seria que o legislador do CPC/2015 tivesse tomado o cuidado de utilizar as expressões consagradas no Código Civil para se referir aos regimes de bens: “Comunhão parcial” (CC, arts. 1.658/1.666), “Comunhão universal” (CC, arts. 1.667/1.671), “Participação final nos aquestos” (CC, arts. 1.672/1.686), “Separação de bens” (CC, arts. 1.687/1.688) e Separação obrigatória de bens (CC, art. 1.641).

III. Companheiro

Parcela da doutrina entende que se exige a intimação do companheiro do executado nestes casos, caso a união estável esteja provada nos autos ou, ao menos, seja ou possa ser do conhe-cimento do exequente. A preocupação doutrinária faz sentido porque a união estável cria um regime de comunhão de bens entre os companheiros – em regra comunhão parcial, a partir da constituição da união estável, mas que as partes podem adotar a comunhão total. Não há, porém, jurisprudência consolidada a esse respeito. O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de decidir que, reconhecida a união estável por sentença transitada em julgado, é a companheira parte legítima para oferecer embargos de terceiro com o objetivo de excluir a sua meação da penhora incidente sobre imóvel adquirido em conjunto com o companheiro. Vale ressalvar, con-tudo, que esta interpretação nem sempre será de fácil aplicação na prática, pois bem se sabe que a constituição da união estável independente de declaração judicial ou mesmo de ata notarial. A união estável se forma na vida privada dos companheiros, sem obrigatoriedade de registros oficiais. Nestes casos, pode muito bem ocorrer de o exequente não requerer a intimação do companheiro do executado a respeito da penhora simplesmente porque desconhece a existência da união estável. Nestas hipóteses de existência de união estável sem registros oficiais, parece adequado que se privilegia a boa-fé do exequente, até porque, rigorosamente, trata-se de uma informação que deve ser prestada nos autos pelo executado, em respeito ao princípio da lealdade processual. Nesta linha, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de entender que não deve ser preservada a meação da companheira do devedor que agiu de má-fé, omitindo viver em união estável para oferecer bem do casal em hipoteca, sob pena de sacrifício da segurança jurídica e prejuízo do credor.

IV. Reação do cônjuge no caso de penhora de bem imóvel divisível: embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença x embargos de terceiro

Ocorrendo a penhora sobre bem imóvel divisível, o cônjuge possui legitimidade para oposi-ção de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, bem como embargos de terceiro. Por um lado, os embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença

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podem ser opostos para discutir a dívida ou a higidez do título executivo. Por outro lado, os embargos de terceiros podem ser opostos para defesa da meação. Neste sentido, é o Enunciado nº 134 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação. Tratando destas duas formas de defesa de patrimônio na execução, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de entender que a intimação do cônjuge enseja-lhe a via dos embargos à execução, nos quais poderá discutir a própria causa debendi e defender o patrimônio como um todo, na qualidade de litisconsorte passivo do(a) executado(a) e a via dos embargos de terceiro, com vista à defesa da meação a que entende fazer jus.

V. Reação do cônjuge no caso de penhora de bem imóvel indivisível: embargos à execu-ção ou impugnação ao cumprimento de sentença x embargos de terceiro

No caso de bem imóvel indivisível, não há interesse processual, em regra, para oposição de embargos de terceiro para defesa da meação pelo cônjuge, pois o art. 843 do CPC/2015 garante que o produto da alienação lhe será revertido à proporção da metade. Ainda assim, possui o côn-juge legitimidade para opor embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença para discutir a dívida ou a higidez do título executivo.

VI. JulgadosAusência de intimação do cônjuge“Restou assente na jurisprudência deste Superior Tribunal que, no caso de penhora de bens

imóveis, a ausência de intimação do cônjuge gera a nulidade do ato” (STJ, 5ª T., REsp nº 538.765/RS, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 18/3/2004, DJ de 10/5/2004).

Regime de bens“A intimação do cônjuge do devedor é imprescindível quando a penhora incidir sobre bem

imóvel, independentemente do regime de bens estabelecido no casamento” (STJ, 4ª T., REsp. nº 706.284/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 28/6/2005, DJ de 10/10/2005).

“Recaindo a penhora sobre bem imóvel, é imprescindível a intimação do cônjuge do devedor, independentemente do regime de bens” (STJ, 3ª T., REsp nº 753.453/RJ, Rel. Min. Castro Filho, j. em 24/4/2007, DJ de 14/5/2007).

Companheiro“Reconhecida a união estável por sentença transitada em julgado, é a companheira parte le-

gítima para oferecer embargos de terceiro com o objetivo de excluir a sua meação da penhora incidente sobre imóvel adquirido em conjunto com o companheiro” (STJ, 4ª T., REsp nº 93.355/PR, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 24/10/2000, DJ de 18/12/2000).

“Os efeitos patrimoniais da união estável são semelhantes aos do casamento em comunhão parcial de bens (art. 1.725 do novo Código Civil). Não deve ser preservada a meação da com-panheira do devedor que agiu de má-fé, omitindo viver em união estável para oferecer bem do casal em hipoteca, sob pena de sacrifício da segurança jurídica e prejuízo do credor” (STJ, 3ª T., REsp nº 952.141/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 28/6/2007, DJ de 1º/8/2007).

Reação do cônjuge no caso de penhora de bem imóvel“Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embar-

gos de terceiro para defesa de sua meação” (Enunciado nº 134 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça).

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“A intimação do cônjuge enseja-lhe a via dos embargos à execução, nos quais poderá discutir a própria causa debendi e defender o patrimônio como um todo, na qualidade de litisconsorte passivo do(a) executado(a) e a via dos embargos de terceiro, com vista à defesa da meação a que entende fazer jus. Não obstante, o cônjuge só será parte legítima para opor embargos de terceiro quando não tiver assumido juntamente com seu consorte a dívida executada, caso em que, figu-rando no polo passivo do processo de execução como corresponsável pelo débito, não se lhe é legítimo pretender eximir seu patrimônio como ‘terceiro’” (STJ, Corte, EREsp. nº 306.465/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 20/3/2013, DJ de 4/6/2013).

Art. 843 - Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.§ 1º - É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições.§ 2º - Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação.

I. Reserva do produto da alienação

O CPC/1973 já previa, no caso de alienação de bem indivisível, que o produto da venda seria revertido ao cônjuge do executado para garantir-lhe a meação. O CPC/2015 estendeu este bene-fício ao coproprietário.

II. Preferência na arrematação

Em linha com o que dispõe o art. 1.322 do CC em relação ao condômino, o CPC/2015 garante ao coproprietário e também ao cônjuge o direito de preferência na arrematação integral do bem penhorado. Trata-se de direito de preferência, que deve ser exercido nas condições do merca-do, razão pela qual este direito de preferência cede diante de uma proposta melhor de terceiro. Pode-se pensar na aplicação analógica do § 1º do art. 2.019 do CC de modo a tornar possível ao cônjuge ou coproprietário alheio à execução adjudicar para si o bem imóvel penhorado do qual detém a quota-parte, desde que o valor oferecido não seja inferior ao da avaliação.

III. Limite do valor da alienação

O CPC/2015 garante que o bem penhorado não será expropriado se o produto da arrema-tação não servir para garantir, ao menos, a quota-parte do coproprietário ou do cônjuge. Isso significa que o valor decorrente da alienação primeiramente é destinado ao coproprietário e ao cônjuge, tudo isso sempre considerando o valor previsto no laudo de avaliação. O valor restante após estas deduções é que será revertido ao exequente, para satisfazer o seu direito de crédito. Quando o valor do maior lance não superar sequer a quota-parte do coproprietário e do cônjuge, não se realizará a alienação. Trata-se do mínimo a permitir a alienação. Assim, se determinado bem imóvel de propriedade de executado casado é avaliado em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) e o maior lance não alcança sequer R$ 1.000.000,00 (um milhão de

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reais), a arrematação não poderá ser concretizada. Já se o maior lance atingir, por exemplo, R$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais), a arrematação poderá ser concluída, mas o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) será revertido ao cônjuge para preservar a sua meação e apenas os R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) restantes serão destinados à satisfação do direito de crédito do exequente.

Art. 844 - Para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao exequente providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial.

I. Averbação (e não registro) da penhora

A penhora – e o arresto – deve ser averbada na matrícula do bem imóvel ou no registro admi-nistrativo do bem móvel. A ausência de averbação não torna nula a penhora, mas apenas a torna, em regra, ineficaz perante terceiro. A penhora não averbada, porém, poderá ser eficaz perante ter-ceiros caso seja possível provar que o terceiro tinha ciência da constrição judicial, o que, todavia, na maioria dos casos, revela-se bastante complexo. A relevância de se demonstrar que o terceiro sabia da penhora – seja por meio da averbação (presunção absoluta) ou por qualquer outro modo – é que a jurisprudência privilegia o terceiro de boa-fé (presunção relativa), de modo que os atos da execução não prejudicarão o terceiro, que eventualmente tenha adquirido um bem penhorado.

II. Bens sujeitos à averbação da penhora

O CPC/2015 ampliou a possibilidade de averbação da penhora para outros bens, não apenas para os bens imóveis, como fazia o CPC/1973. Pode-se pensar, assim, na averbação da penhora de bens móveis, como veículos automotores, em que a penhora pode ser averbada no registro administra-tivo do automóvel perante os departamentos estaduais de trânsito. O Superior Tribunal de Justiça já vinha decidindo que apenas a inscrição da penhora no Detran torna absoluta a assertiva de que a constrição é conhecida por terceiros e invalida a alegação de boa-fé do adquirente da propriedade, para efeito de demonstração de que as partes contratantes agiram em consilium fraudis.

III. Averbação da penhora e fraude à execução

A averbação da penhora também possui reflexo direto na caracterização da fraude à execução. Conforme consagra o Enunciado nº 375 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

IV. Julgados

Averbação da penhora e terceiro de boa-fé

“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Enunciado nº 375 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça).

“Mesmo antes da alteração do artigo 659, § 4º, do CPC pela Lei nº 8.953/94, para que se pudesse ter como ineficaz a venda de imóvel, sob o argumento de fraude à execução, fazia-se

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necessário o registro da penhora ou a demonstração concreta de ciência do ato constritivo por parte do adquirente” (STJ, 3ª T., AgRg no Ag nº 1.121.725/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 14/6/2011, DJ de 22/6/2011).

“O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (Súmula nº 375/STJ). A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvên-cia, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC. Conforme previsto no § 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo” (STJ, Corte, REsp nº 956.943/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 20/8/2014, DJ de 1º/12/2014).

Art. 845 - Efetuar-se-á a penhora onde se encontrem os bens, ainda que sob a posse, a detenção ou a guarda de terceiros.§ 1º - A penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, e a penhora de veículos automotores, quando apresentada certidão que ateste a sua existência, serão realizadas por termo nos autos.§ 2º - Se o executado não tiver bens no foro do processo, não sendo possível a realização da penhora nos termos do § 1º, a execução será feita por carta, penhorando-se, avaliando-se e alienando-se os bens no foro da situação.

I. Lugar de realização da penhora

Esta disposição tem como premissa o princípio da territorialidade da jurisdição, segundo a qual os poderes de um juiz não vão além dos limites do foro em que exerce a jurisdição. Con-sequência direta disto é que o oficial de justiça – longa manus do juiz – não pode proceder à penhora de bens situados fora dos limites geográficos do juízo da execução, sob pena, em regra, de nulidade. Não obstante isso, o Superior Tribunal de Justiça, privilegiando o princípio da ins-trumentalidade das formas, tem entendido que, quando se tratar de foros contíguos, é possível a realização da penhora pelo oficial de justiça do juízo da execução no foro vizinho. Também em razão disso, prefere-se sempre que a penhora recaia sobre bens situados na circunscrição terri-torial de competência do juízo da execução (mesma comarca, na Justiça Estadual; mesmo seção judiciária, na Justiça Federal). Caso o executado não possua bens no foro do juízo da execução, dever-se-á efetuar a penhora em outras localidades, em regra, por meio da expedição de carta precatória, daí a expressão “execução por carta”.

II. Penhora de bens imóveis e de veículos automotores

O CPC/2015, objetivando reduzir as hipóteses de execução por carta, criou regra nova dis-pondo que não apenas bens imóveis como agora também veículos automotores, mesmo situados em foros diversos do foro da execução, podem ser penhorados pelo próprio juízo da execução, independentemente da expedição de carta precatória. A constrição se realiza, nestes casos, por

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simples elaboração de termo nos autos, desde que apresentada a certidão de ônus reais contendo a matrícula do imóvel ou a certidão do departamento estadual de trânsito dando provas da exis-tência e titularidade do automóvel.

III. Execução por carta

Caso o executado não possua bens no foro do juízo da execução e estes bens sejam coisa diversa de imóvel ou veículo automotor, inevitavelmente será necessária a expedição de carta precatória para o juízo em que estão situados os bens que se pretende penhorar, de modo que lá se procedam a penhora, a avaliação e a alienação.

IV. Defesa do executado e competência do juízo deprecante e do juízo deprecado na exe-cução por carta

Segundo o Enunciado nº 46 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na execução por carta, os embargos do devedor serão decididos no juízo deprecante, salvo se versarem unicamente vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens. A defesa na execução pode ser oferecida no juízo deprecante ou no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante, salvo se versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação, hipóteses em que a competência para julgá-los será do juízo deprecado.

V. Julgados

Lugar de realização da penhora

“De acordo com a moderna ciência processual, que coloca em evidência o princípio da ins-trumentalidade e o da ausência de nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief), antes de se anular todo o processo ou determinados atos, atrasando, muitas vezes em anos, a prestação juris-dicional, deve-se perquirir se a alegada nulidade causou efetivo prejuízo às partes. Na hipótese, embora o perito fosse de São Paulo, está consignado no acórdão que ele se dirigiu ao Município de Aguaí-SP para a realização da avaliação, estando, por conseguinte, em contato direto com todos os elementos necessários à apuração do valor do bem. Também foi franqueado às partes o pleno exercício do contraditório, possibilitando o atingimento da finalidade do ato, sem prejuízo às partes” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.276.128/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 17/9/2013, DJ de 23/9/2013).

Defesa do executado e competência do juízo deprecante e do juízo deprecado na execu-ção por carta

“Na execução por carta, os embargos do devedor serão decididos no juízo deprecante, salvo se versarem unicamente vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens” (Enun-ciado nº 46 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça).

Art. 846 - Se o executado fechar as portas da casa a fim de obstar a penhora dos bens, o oficial de justiça comunicará o fato ao juiz, solicitando-lhe ordem de arrombamento.§ 1º - Deferido o pedido, 2 (dois) oficiais de justiça cumprirão o mandado, arrombando cômodos e móveis em que se presuma estarem os bens, e lavrarão de tudo auto circunstanciado, que será assinado por 2 (duas) testemunhas presentes à diligência.

Art. 846

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§ 2º - Sempre que necessário, o juiz requisitará força policial, a fim de auxiliar os oficiais de justiça na penhora dos bens.§ 3º - Os oficiais de justiça lavrarão em duplicata o auto da ocorrência, entregando uma via ao escrivão ou ao chefe de secretaria, para ser juntada aos autos, e a outra à autoridade policial a quem couber a apuração criminal dos eventuais delitos de desobediência ou de resistência.§ 4º - Do auto da ocorrência constará o rol de testemunhas, com a respectiva qualificação.

I. Fechar as portas

O CPC/2015, tal como já fazia o CPC/1973, permite que se conceda ordem de arrombamento, caso o executado feche as portas de sua residência com o objetivo de impedir a penhora. A ex-pressão “fechar as portas da casa” é exemplificativa, pois toda e qualquer forma induvidosa de impedir a penhora de bens guardados em determinado local autoriza a concessão da ordem de arrombamento. Assim, configura-se esta hipótese se o executado, por exemplo, obstrui a entrada em propriedade rural, esconde as chaves de veículo automotor, se recusa a fornecer a senha do cofre em que guarda seus pertences, etc. Da mesma forma, a ordem de arrombamento não se dirige apenas e tão somente à casa do executado, mas a qualquer local em que estejam abrigados os bens sujeitos à execução.

II. Garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio

O inciso XI do art. 5º da Constituição da República afirma que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judi-cial”. Como se observa, o próprio dispositivo constitucional ressalva a hipótese de violação do domicílio em razão do cumprimento de ordem judicial, inclusive em processo judicial cível. A única condicionante é que a diligência de arrombamento se dê durante o dia, razão pela qual a diligência pode se realizar entre 6 h e 18 h. Atendida esta condicionante, a lei autoriza o arrom-bamento do domicílio do executado para, em cumprimento a ordem judicial cível, proceder à penhora de bens. Impõe-se, ademais, mandado específico de arrombamento, não servindo para tanto o simples mandado de penhora e avaliação.

III. Força policial

Havendo necessidade, o oficial de justiça pode requisitar força policial para o ingresso no domicílio do executado. Os oficiais de justiça – a lei exige, neste caso, dois – deverão lavrar auto circunstanciado, em duas vias, que deverá ser assinado por duas testemunhas presentes na diligência. Em seguida, uma via do auto será juntada ao processo de execução e a outra remetida à autoridade policial para apuração de eventual crime de resistência, na forma do art. 329 do Código Penal.

Art. 846

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Art. 847 - O executado pode, no prazo de 10 (dez) dias contado da intimação da penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que comprove que lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente.§ 1º - O juiz só autorizará a substituição se o executado:I - comprovar as respectivas matrículas e os registros por certidão do correspondente ofício, quanto aos bens imóveis;II - descrever os bens móveis, com todas as suas propriedades e características, bem como o estado deles e o lugar onde se encontram;III - descrever os semoventes, com indicação de espécie, de número, de marca ou sinal e do local onde se encontram;IV - identificar os créditos, indicando quem seja o devedor, qual a origem da dívida, o título que a representa e a data do vencimento; eV - atribuir, em qualquer caso, valor aos bens indicados à penhora, além de especificar os ônus e os encargos a que estejam sujeitos.§ 2º - Requerida a substituição do bem penhorado, o executado deve indicar onde se encontram os bens sujeitos à execução, exibir a prova de sua propriedade e a certidão negativa ou positiva de ônus, bem como abster-se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora.§ 3º - O executado somente poderá oferecer bem imóvel em substituição caso o requeira com a expressa anuência do cônjuge, salvo se o regime for o de separação absoluta de bens.§ 4º - O juiz intimará o exequente para manifestar-se sobre o requerimento de substituição do bem penhorado.

AutorBruno Garcia Redondo

I. Modificação da penhora por iniciativa exclusiva do executado

O CPC/2015, art. 847, corresponde à conjugação de regras que constavam do CPC/1973, arts. 656, § 3º, e 668, com inovações nos parágrafos finais. O dispositivo em comento trata das hipó-teses em que a modificação da penhora pode ser requerida por iniciativa exclusiva do executado, caso em que o pedido deve ser formulado no prazo de 10 (dez) dias contado da intimação da penhora.

II. Pressupostos/requisitos para o pedido de modificação

Para o pedido de modificação da penhora, deve o executado atender a um número significativo de pressupostos/requisitos, previstos no CPC/2015, art. 847, caput e §§ 1º a 3º. O caput traz, de início, três pressupostos: prazo de 10 dias, menor onerosidade para o executado e inexistência de

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prejuízo ao exequente. O § 1º elenca requisitos que variam conforme a natureza do bem que será oferecido em substituição (v.g. certidão do ofício comprovando matrícula e registro do imóvel; descrição dos bens móveis com todas as suas propriedades, características, seus estados de con-servação e os locais onde se encontram, etc.). Por seu turno, o § 2º traz um requisito comum a qualquer espécie de bem, devendo o executado indicar onde se encontram todos os seus demais bens sujeitos à execução, exibir a prova de sua propriedade e a certidão negativa ou positiva de ônus, bem como abster-se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora. Finalmente, o § 3º traz mais um pressuposto quando se tratar de oferta de bem imóvel, caso em que o executado deverá comprovar a expressa anuência de seu cônjuge, salvo se o regime for o de separação absoluta de bens.

III. Considerações sobre o prazo de dez diasDoutrina e jurisprudência consideravam, majoritariamente, como não preclusivo o prazo de 10

(dez) dias referido no CPC/1973, art. 668, para que o executado requeresse a substituição dos bens penhorados. Esse é o entendimento que deve prevalecer relativamente ao prazo de 10 (dez) dias referido no CPC/2015, art. 847, podendo o executado formular o requerimento de substituição da penhora a qualquer tempo, mesmo após o prazo de 10 dias contados de sua intimação sobre a pe-nhora, desde que o pedido seja anterior à expropriação dos bens e/ou à extinção da execução.

IV. Contraditório ao exequenteO CPC/2015, art. 847, § 4º, garante o contraditório ao exequente, exigindo que o juiz o intime

para manifestar-se sobre o requerimento de substituição do bem penhorado. Esse dispositivo não prevê para contraditório. Apesar da aparente omissão legal, o prazo para manifestação do exequente é o de 3 (três) dias, prazo expressamente previsto no CPC/2015, art. 853, parágrafo único, aplicável, de modo geral, a todos os incidentes de modificação da penhora previstos no CPC/2015, arts. 847 a 853.

V. JulgadosPrazo de 10 dias não é preclusivo“[...] I- A jurisprudência do STJ assentou entendimento no sentido de que é faculdade do de-

vedor a substituição do bem penhorado por dinheiro, contanto que o faça antes da arrematação, ou da adjudicação. Inteligência do art. 668 do CPC [1973]. [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 12.805/CE, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. em 22/10/1991, DJ de 2/12/1991, p. 17.533).

Art. 848 - As partes poderão requerer a substituição da penhora se:I - ela não obedecer à ordem legal;II - ela não incidir sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o pagamento;III - havendo bens no foro da execução, outros tiverem sido penhorados;IV - havendo bens livres, ela tiver recaído sobre bens já penhorados ou objeto de gravame;V - ela incidir sobre bens de baixa liquidez;VI - fracassar a tentativa de alienação judicial do bem; ouVII - o executado não indicar o valor dos bens ou omitir qualquer das indicações previstas em lei.

Art. 848

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Parágrafo único - A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou por seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

I. Modificação da penhora por iniciativa de qualquer das partesO CPC/2015, art. 848, corresponde ao CPC/1973, art. 656, sem inovações relevantes. O dis-

positivo traz as hipóteses em que qualquer das partes pode requerer a substituição dos bens penhorados. Note-se que, ao contrário do CPC/2015, art. 847, esse dispositivo não estabelece prazo para a formulação do pedido de modificação, sendo forçoso concluir que podem as partes requerer a substituição da penhora a qualquer tempo, desde que antes da concretização da expro-priação do bem originalmente penhorado e/ou da extinção da execução.

II. Hipóteses de cabimento do pedido de modificaçãoA modificação aqui referida deve-se, basicamente, a algum defeito na penhora originária, ou

à frustração prática da medida (penhora e/ou tentativa de expropriação do bem). Assim é que cabe o pedido de substituição quando a penhora for defeituosa, incidindo sobre bem a princípio descabido, situação essa descrita nos incisos I a IV: não obedecer à ordem legal (CPC/2015, art. 835); não incidir sobre os bens designados em lei, contrato (v.g., bem hipotecado) ou ato judicial para o pagamento; havendo bens no foro da execução, outros tiverem sido penhorados; ou ha-vendo bens livres, ela tiver recaído sobre bens já penhorados ou objeto de gravame (v.g., arresto ou hipoteca). Também cabe o pedido de substituição da penhora com base nos incisos V ou VI, que trazem situações de frustração (efetiva ou provável) da expropriação: quando a penhora in-cidir sobre bens de baixa liquidez ou quando fracassar a tentativa de alienação judicial do bem. Finalmente, o inciso VII permite a alteração da penhora como forma de sanção ao executado por infração aos seus deveres de informar o valor dos bens e de apresentar qualquer das demais indicações previstas em lei.

III. Penhora de dinheiro passa a ser mais do que preferencial, tornando-se absolutaA penhora de dinheiro sempre foi prioritária, já que esse bem sempre veio, em todos os Códi-

gos de Processo Civil federais brasileiros (CPC/1939, art. 930, inciso I; CPC/1973, art. 655, in-ciso I; CPC/2015, art. 835, inciso I), em primeiro lugar na lista preferencial de bens penhoráveis. Com o novel Diploma, a penhora de dinheiro passou a ser mais do que meramente preferencial, tornando-se inteiramente absoluta, tal como expressamente previsto no CPC/2015, art. 835, in-ciso I e § 1º, dispositivos que claramente deixam, sem efeito, a Súmula nº 417 do STJ.

IV. Substituição da penhora de qualquer bem por fiança bancária ou seguro garantia judicial

Havendo dinheiro, não cabe a penhora de qualquer outro bem. Excepcionalmente, admite-se a substituição do dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de 30% (trinta por cento), conforme a regra do CPC/2015, art. 835, § 2º. Somente quando não for localizado dinheiro e inexistir fiança ou se-guro garantia judicial é que deve se buscar a penhora dos bens dos demais incisos do CPC/2015, art. 835. Caso seja constrito um desses demais bens, torna-se possível a aplicação da regra do CPC/2015, art. 848, parágrafo único: pode o executado requerer a substituição da penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da ini-cial, acrescido de 30% (trinta por cento).

Art. 848

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V. Considerações sobre a exigência de acréscimo de 30% (trinta por cento) para fiança ou seguro

A nosso ver, viola a proporcionalidade (sendo, assim, inconstitucional) a exigência de acrés-cimo de 30% (trinta por cento) caso se trate de fiança bancária ou de seguro garantia judicial, constante do CPC/2015, arts. 835, § 2º, e 848, parágrafo único. Não há razão para que todos os demais bens (v.g., veículo, algum bem móvel ou um imóvel) de valor equivalente ao da execução sirvam para penhora, mas que a fiança bancária e o seguro garantia judicial sejam considerados como “menos idôneos” do que todos os demais bens, servindo para a constrição judicial somente se acrescidos de 30%.

VI. Julgados

Substituição cabível somente se houver, ao mesmo tempo, vantagem para o executado e ausência de prejuízo ao exequente

“[...] 1. - A preterição da ordem estabelecida no artigo 655 do Código de Processo Civil só pode ser admitida quando comprovada não somente a manifesta vantagem para o executado, mas também a ausência de prejuízo para o exequente. [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.168.543/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 5/3/2013, DJe de 13/3/2013).

Inexistência de direito subjetivo de substituição da penhora de dinheiro por fiança bancária

“1. Não é adequada a pretendida substituição da penhora de dinheiro por fiança bancária, pois implicaria retrocesso ao feito executivo, visto que a penhora de dinheiro é mais conveniente à célere satisfação da execução. 2. Outrossim, ‘A despeito da nova redação do art. 656, § 2º, do Código de Processo Civil, a substituição da garantia em dinheiro por outro bem ou carta de fian-ça somente deve ser admitida em hipóteses excepcionais e desde que não ocasione prejuízo ao exequente, sem que isso enseje afronta ao princípio da menor onerosidade da execução para o de-vedor’ (REsp 1.090.864/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 10/5/2011, DJe 1º/7/2011)” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 610.844/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16/12/2014, DJe de 19/12/2014).

Art. 849 - Sempre que ocorrer a substituição dos bens inicialmente penhorados, será lavrado novo termo.

I. Lavratura de novo termo de penhora

O CPC/2015, art. 849, exige que seja lavrado novo termo de penhora sempre que ocorrer a substituição dos bens inicialmente penhorados. Trata-se de regra não apenas lógica – havendo atualização da penhora, sua documentação deve ser igualmente atualizada – quanto, principal-mente, jurídica: a penhora se concretiza, no plano processual, com a lavratura de auto ou termo de penhora. Somente a partir desse momento é que existe penhora e, assim, começam a se pro-duzir os efeitos materiais e processuais da penhora (v.g., direito de preferência). Para que esses efeitos possam se produzir em relação aos novos bens penhorados, é essencial a correta docu-mentação da novel constrição.

Art. 849

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Art. 850 - Será admitida a redução ou a ampliação da penhora, bem como sua transferência para outros bens, se, no curso do processo, o valor de mercado dos bens penhorados sofrer alteração significativa.

I. Redução, ampliação ou transferência da penhora, em caso de alteração significativa do valor do bem constrito

O CPC/2015, art. 850, corresponde ao CPC/1973, art. 685, com significativas alterações redacionais. Enquanto o anterior dispositivo referia-se somente à redução e à ampliação da penhora, o novo artigo mantém a possibilidade de redução e ampliação, como passa a permitir, ainda, a transferência da penhora para outros bens, ainda que, a rigor, o valor do bem constrito estivesse compatível com o do crédito atualizado. Em suma, qualquer das partes pode requerer – bem como pode o juiz suscitar a questão ex officio, levando-a para contraditório pelas partes (CPC/2015, art. 10) – a redução, a ampliação ou a transferência da penhora para outros bens se, no curso do processo, o valor de mercado dos bens constritos sofrer alteração significati-va. O novo dispositivo tampouco estabelece prazo para a ampliação ou redução da penhora, levando à conclusão no sentido de que a transferência da penhora pode operar-se a qualquer tempo, desde que antes da concretização da expropriação do bem originalmente penhorado ou da extinção da execução.

Art. 851 - Não se procede à segunda penhora, salvo se:I - a primeira for anulada;II - executados os bens, o produto da alienação não bastar para o pagamento do exequente;III - o exequente desistir da primeira penhora, por serem litigiosos os bens ou por estarem submetidos a constrição judicial.

I. Excepcionalidade da segunda penhora

O CPC/2015, art. 851, corresponde ao CPC/1973, art. 667, com alterações redacionais insig-nificantes. Realizada a primeira penhora, a regra geral é a de que a constrição se mantenha e os bens constritos sejam expropriados. Somente de forma excepcional é que se permite a modifica-ção dos bens penhorados (CPC/2015, arts. 847 a 850). Ao lado da possibilidade de modificação da penhora, cabe a realização de segunda penhora somente se presentes os estritos pressupostos dos incisos do CPC/2015, art. 851: se a primeira penhora for anulada; se, executados os bens, o produto da alienação não bastar para o pagamento do exequente; ou se o exequente desistir da primeira penhora, por serem litigiosos os bens ou por estarem submetidos a constrição judicial.

Art. 852 - O juiz determinará a alienação antecipada dos bens penhorados quando:I - se tratar de veículos automotores, de pedras e metais preciosos e de outros bens móveis sujeitos à depreciação ou à deterioração;II - houver manifesta vantagem.

Arts. 850, 851 e 852

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I. Alienação antecipada dos bens penhorados

O CPC/2015, art. 852, corresponde ao CPC/1973, art. 670, com alteração redacional irrele-vante no inciso I. O novel diploma mantém erro topológico cometido pelo anterior Código, uma vez que faria mais sentido que a regulamentação da alienação antecipada dos bens penhorados viesse prevista na Seção que regula a expropriação de bens (CPC/2015, arts. 876 e ss.), em vez de vir deslocada dentre as regras referentes ao procedimento da penhora.

II. Excepcionalidade da alienação antecipada dos bens penhorados

A alienação antecipada dos bens penhorados é medida que deve ser adotada em caráter excepcional, uma vez que expropria os bens do executado antes do tempo originalmente adequado.

III. Legitimidade (iniciativa) para requerimento de alienação antecipada

O CPC/2015, art. 852, é omisso sobre a legitimidade para o requerimento de alienação an-tecipada. Como a lei não traz qualquer restrição no que tange à iniciativa, deve-se admitir que tanto o executado quanto o exequente possam requerer, ao juízo, a alienação antecipada do bem penhorado. Também deve ser admitida a iniciativa ex officio do juiz nesse sentido, conjugando-a com o imperativo do CPC/2015, art. 10, que exige que o juiz submeta, ao contraditório pelas partes, todo ponto que ele vier a levantar de ofício.

IV. Pressupostos alternativos de cabimento da alienação antecipada

O CPC/2015, art. 852, apresenta os pressupostos alternativos de cabimento da expropriação antecipada, todos eles destinados a evitar que o executado sofra prejuízo com a perda de valor dos bens constritos, caso a expropriação viesse a ser realizada em momento posterior (ainda que o originalmente adequado). A medida, ainda que excepcional, acaba sendo economicamente be-néfica ao executado, desde que presente algum de seus pressupostos: quando se tratar de veículos automotores, de pedras e metais preciosos e de outros bens móveis sujeitos à depreciação ou à deterioração; ou se houver manifesta vantagem. Caso não esteja presente qualquer das situações descritas nos incisos, não há cabimento para a alienação antecipada do bem penhorado.

V. Ônus da comprovação da presença dos pressupostos

Segundo a regra geral do ônus da prova de qualquer alegação – o ônus compete a quem ale-ga – cabe à parte que requerer a alienação antecipada o ônus de comprovar a presença de seus pressupostos de cabimento.

VI. Contraditório sobre o pedido de alienação antecipada

Importante conjugar, ainda, o CPC/2015, art. 852, com o CPC/2015, art. 853, que traz a obri-gatoriedade de contraditório às demais partes, no prazo de 3 (três) dias, no caso de alienação antecipada de bem penhorado.

VII. Julgados

Ônus da prova sobre o preenchimento dos pressupostos

“1. É ônus processual do requerente da alienação antecipada do art. 670 do CPC [1973] com-provar a presença dos requisitos para sua implementação. [...]” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 345.266/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 19/8/2004, DJe de 4/9/2014).

Art. 852

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Art. 853 - Quando uma das partes requerer alguma das medidas previstas nesta Subseção, o juiz ouvirá sempre a outra, no prazo de 3 (três) dias, antes de decidir.Parágrafo único - O juiz decidirá de plano qualquer questão suscitada.

I. Contraditório sobre a modificação (lato sensu) da penhora e a alienação de bem pe-nhorado

O CPC/2015, art. 853, corresponde à conjugação de regras que vinham no CPC/1973, arts. 657 e 670, parágrafo único. O referido dispositivo trata do contraditório à outra parte sempre que houver qualquer pedido de modificação (lato sensu) da penhora, seja a que título for (alteração, substituição, ampliação, redução, segunda penhora, etc.), bem como no caso de pedido de aliena-ção antecipada de bem penhorado. Em qualquer dessas hipóteses, elencadas nos arts. 847 a 852, devem os demais sujeitos processuais ser ouvidos no prazo de 3 (três) dias, prazo esse que pode, excepcionalmente, ser ampliado pelo juiz (CPC/2015, art. 139, inciso VI). Importante observar que o parágrafo único diz que cabe ao juiz decidir, de plano, qualquer questão suscitada. Não se deve interpretar a expressão de plano como uma exigência de decisão inaudita altera parte. O CPC/2015, art. 10, é claro e taxativo no sentido da necessidade absoluta de contraditório, in-clusive quando se tratar de ponto que o juiz possa conhecer ex officio. Assim, qualquer questão deve ser decidida pelo juiz, o mais rapidamente possível (de plano), sendo essencial, porém, a observância do contraditório (CPC/2015, arts. 7º, 9º e 10 c.c. art. 853, parágrafo único).

Art. 854 - Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.§ 1º - No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo.§ 2º - Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este será intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente.§ 3º - Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que:I - as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;II - ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.§ 4º - Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e quatro) horas.

Arts. 853 e 854

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§ 5º - Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, conver-ter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira de-positária que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução.§ 6º - Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz determinará, imediatamente, por sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, a notificação da instituição financeira para que, em até 24 (vinte e quatro) horas, cancele a indisponibilidade.§ 7º - As transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu cancela-mento e de determinação de penhora previstas neste artigo far-se-ão por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional.§ 8º - A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, quando assim determinar o juiz.§ 9º - Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema bancário, que tornem indisponíveis ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.

I. Bloqueio e penhora de dinheiro por meio eletrônico (penhora on-line)

O CPC/2015, art. 854, corresponde ao CPC/1973, art. 655-A, com inovações. A penhora on-line veio a ser positivada, no anterior Código, no art. 655-A, inserido pela Lei nº 11.382/2006. O novel Diploma atualizou as disposições relativas ao procedimento de penhora de dinheiro por meio eletrônico.

II. Preferência pela utilização de sistema eletrônico

O CPC/2015, art. 854, § 7º, estabelece que as transmissões das ordens de indisponibilidade, de cancelamento e de determinação de penhora de dinheiro (depositado ou aplicado) sejam rea-lizadas por meio de sistema eletrônico, gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional.

III. Procedimento inicial do bloqueio on-line de dinheiro

O caput do CPC/2015, art. 854, determina que, no momento adequado para a realização da penhora, deve o juiz, sem dar prévio contraditório ao exequente (para evitar a frustração da efe-tividade da tentativa de bloqueio), acessar o sistema eletrônico e determinar, às instituições fi-nanceiras, o bloqueio (indisponibilidade) de ativos financeiros existentes em nome do executado,

Art. 854

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até o limite máximo do valor atualizado do crédito em execução. O § 1º do referido dispositivo exige que o juiz, ex officio, analise o extrato de resposta e, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, determine o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, devendo a instituição finan-ceira efetuar o desbloqueio do excesso em igual prazo. Já de acordo com o § 2º, uma vez atendida essa providência inicial, deve o executado ser intimado (na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente) sobre a indisponibilidade de ativos. Ainda que o § 2º determine a intimação somente do executado, é evidente que o exequente também deve ser comunicado sobre o resul-tado da tentativa de bloqueio on-line. A intimação, portanto, deve dirigir-se tanto ao exequente quanto ao executado, e não apenas a este.

IV. Defesa do executado em cinco dias contra o resultado do bloqueio on-line

O CPC/2015, art. 854, § 3º, consagra o prazo – preclusivo – de 5 (cinco) dias para contra-ditório, pelo executado, a respeito do bloqueio de seus ativos financeiros em depósito ou apli-cação bancária. Nesse prazo, cabe ao executado, em defesa contra a indisponibilidade, alegar e comprovar as matérias indicadas nos 2 (dois) incisos do referido dispositivo: (i) que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis (v.g., CPC/2015, art. 833, incisos IV, IX, X e XI); ou (ii) que ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.

V. Contraditório pelo exequente em cinco dias, a despeito do silêncio da lei

O CPC/2015, art. 854, §§ 3º e 4º, não prevê, expressamente, o contraditório pelo exequente a respeito das alegações defensivas do executado sobre o resultado do bloqueio on-line. A despeito do silêncio legal nesta parte relativa à penhora on-line, sabe-se que o contraditório é garantia constitucional (CRFB/1988, art. 5º, inciso LV) e veio, mais do que nunca, fortalecido no novel Diploma (v.g., CPC/2015, arts. 7º e 9º). Por essa razão, caso o executado apresente manifestação a respeito do resultado do bloqueio on-line (CPC/2015, art. 854, § 3º), deve o juiz, antes de proferir a decisão do CPC/2015, art. 854, § 4º, intimar o exequente para contraditório em 5 (cinco) dias.

VI. Cancelamento de indisponibilidade irregular ou excessiva

Alegada, pelo executado, a irregularidade (v.g., verba impenhorável) ou o excesso do bloqueio on-line, e intimado o exequente para contraditório, deve o juiz, à luz do CPC/2015, art. 854, § 4º, determinar o imediato cancelamento da indisponibilidade irregular ou excessiva, providên-cia essa que deve ser cumprida, pela instituição financeira, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

VII. Conversão do bloqueio on-line em penhora

O CPC/2015, art. 854, § 5º, dispõe que, não apresentada ou rejeitada eventual manifestação do executado, a indisponibilidade deve ser imediatamente convertida em penhora, sem necessidade de lavratura de termo. Essa conversão formal do bloqueio em penhora, ainda que sem lavratura de termo, é essencial para que ocorra, propriamente, a constituição da penhora, que é ato processual que gera efeitos materiais e processuais relevantes (v.g., direito de preferência para recebimento, caracterização de fraude em caso de transferência indevida de bem penhorado, etc.).

VIII. Transferência do montante penhorado para conta judicial vinculada à execução

O mesmo CPC/2015, art. 854, § 5º, exige que o juiz da execução determine, também de ime-diato, à instituição financeira depositária, que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução. Essa transferência para conta judicial vinculada ao processo tem relevância tanto prática (v.g., a conta judicial permite rendimentos, gerando automática correção monetária do valor ali depositado, evitando a inde-

Art. 854

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vida desvalorização histórica do montante bloqueado) quanto jurídica (essa operação gera uma substituição de depositário e, assim, a transferência de responsabilidade pelo depósito, até então da instituição financeira originalmente depositária, para a instituição que tem a função de admi-nistrar os depósitos judiciais vinculados a processos).

IX. Pagamento da dívida por outro meio e cancelamento imediato da penhora e da indis-ponibilidade

O CPC/2015, art. 854, § 6º, determina que, realizado o pagamento da dívida por outro meio, deve o juiz determinar, imediatamente, pelo próprio sistema eletrônico, a notificação da institui-ção financeira para que, em até 24 (vinte e quatro) horas, cancele a indisponibilidade. A despeito do silêncio do dispositivo, devem ser realizadas outras providências além da mera ordem de cancelamento da indisponibilidade. Se o montante já tiver sido transferido para conta judicial (CPC/2015, art. 854, § 5º), deve ser determinado seu retorno imediato à conta bancária do exe-cutado ou autorizado o levantamento da importância pelo executado. Além disso, caso a indis-ponibilidade tenha sido convertida em penhora (CPC/2015, art. 854, § 5º), deve ser formalmente cancelada a penhora.

X. Responsabilidade civil da instituição financeira pelos prejuízos indevidamente causa-dos ao executado

O CPC/2015, art. 854, § 8º, consagra a responsabilidade civil da instituição financeira pelos prejuízos indevidamente causados ao executado, resultantes da indisponibilidade de ativos finan-ceiros realizada de forma equivocada ou irregular. Em suma, a instituição financeira responde pelos prejuízos resultantes do descumprimento de seus deveres previstos no CPC/2015, art. 854, tais como, v.g., o dever de, em 24 (vinte e quatro) horas contadas da comunicação do juízo, can-celar a indisponibilidade irregular ou excessiva (CPC/2015, art. 854, §§ 1º, 4º e 6º) ou de, no mesmo prazo, transferir o valor bloqueado para conta judicial vinculada ao processo (CPC/2015, art. 854, § 5º). É objetiva (independentemente da existência de culpa ou de dolo), e não subjeti-va, a responsabilidade da instituição financeira pelo descumprimento de seus deveres previstos neste dispositivo. Nesses casos, cabe ao executado comprovar, apenas, os demais elementos da responsabilidade civil (nexo de causalidade e dano).

XI. Penhora on-line de ativos financeiros apenas do órgão partidário responsável

O CPC/2015, art. 854, § 9º, traz regra destinada a evitar confusão entre pessoas jurídicas dife-rentes e, por consequência, uma indevida constrição patrimonial de quem, a princípio, não tenha a responsabilidade patrimonial. De acordo com o dispositivo, quando se tratar de execução con-tra partido político, a ordem de bloqueio eletrônico, transmitida pelo juiz à instituição financeira, deve buscar a indisponibilidade de ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada, ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual caiba, com exclusividade, a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.

Art. 854

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Ana Carolina Aguiar Beneti

Art. 855 - Quando recair em crédito do executado, enquanto não ocorrer a hipótese prevista no art. 856, considerar-se-á feita a penhora pela intimação: I - ao terceiro devedor para que não pague ao executado, seu credor.II - ao executado, credor do terceiro, para que não pratique ato de disposição do crédito.

AutoraAna Carolina Aguiar Beneti

I. Mesma sistemática

O artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 671, com a alteração de nomenclatura de “de-vedor” para “executado”. Dessa forma, a penhora de créditos do executado mantém a mesma sistemática já prevista na legislação anterior.

Foram introduzidas pequenas alterações na redação do dispositivo visando adequar nomencla-tura (ex.: “credor do terceiro” para “executado”).

II. A penhora de créditos – Modalidade especial de penhora

Trata-se de modalidade especial de penhora, estabelecida para determinados casos tendo em vista as peculiaridades do tipo de bens e direitos penhoráveis. Nesse caso, o dispositivo se faz importante em razão do envolvimento de terceiro estranho à execução.

O entendimento dominante sobre a possibilidade de penhora de crédito de terceiros (debitor debitoris) é o de que a penhora exige a presença de dois requisitos, sendo eles: (i) o valor econô-mico e (ii) a possibilidade de cessão, mas esses requisitos, situados no âmbito do direito material, não vieram a ser especificamente disciplinados pelo CPC/2015.

O artigo regulamenta a forma de penhora de créditos do executado. O dispositivo aplica-se a todos os tipos de crédito, ainda que não vencidos, desde que não ocorram as hipóteses previstas no CPC/2015, art. 856, ou seja, de penhora de crédito “representado por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos”. Nessas hipóteses, a penhora é efetivada me-diante a apreensão e depósito do documento representativo do crédito.

III. Efetivação da penhora

A penhora de créditos perfaz-se (i) com a intimação do terceiro devedor do executado (debitor debitoris) para que não realize o pagamento ao executado (CPC/2015, art. 855, inciso I), e (ii) com a intimação do executado para que não pratique atos de disposição do crédito (CPC/2015, art. 855, inciso II). Quando a penhora é feita em crédito do executado junto a terceiro, só após a intimação deste se considera feita a penhora (RT 557/129).

Com a intimação prevista no inciso I, o terceiro torna-se o depositário judicial da quantia devida e objeto de execução. Ainda: praticando atos de disposição do crédito após a intimação prevista no inciso II, haverá a configuração de fraude à execução.

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Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 856

A lei é silente sobre o assunto, mas a doutrina entende que o termo inicial da eficácia da penhora tem início com a intimação do terceiro, prevista no CPC/2015, art. 855, inciso II, uma vez que só assim fica o terceiro proibido de cumprir sua obrigação para com o executado na execução.

A individualização do crédito é feita por meio de dados gerais e essenciais, que permitam a sua identificação, por exemplo, a indicação do montante, qualificação do debitor debitoris, men-ção ao objeto do crédito e data de vencimento.

A dupla intimação é, entretanto, considerada temporária até que o terceiro devedor do execu-tado deposite o valor em juízo, momento em que se lavrará auto de penhora, na forma estabele-cida no CPC/2015, art. 856, § 2º (“O terceiro só se exonerará da obrigação depositando em juízo a importância da dívida”), aplicável ao CPC/2015, art. 855, de forma subsidiária.

O terceiro tem a via dos embargos de terceiro para se opor à penhora do crédito.

Art. 856 - A penhora de crédito representado por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos far-se-á pela apreensão do documento, esteja ou não este em poder do executado.§ 1º - Se o título não for apreendido, mas o terceiro confessar a dívida, será este tido como depositário da importância.§ 2º - O terceiro só se exonerará da obrigação depositando em juízo a importância da dívida.§ 3º - Se o terceiro negar o débito em conluio com o executado, a quitação que este lhe der caracterizará fraude à execução.§ 4º - A requerimento do exequente, o juiz determinará o comparecimento, em audiência especialmente designada, do executado e do terceiro, a fim de lhes tomar os depoimentos.

I. Mesma sistemáticaO artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 672, com a alteração de nomenclatura de

“devedor” para “executado”. II. A penhora de créditos representados por títulosTrata-se, tal qual o CPC/2015, art. 855, de modalidade especial de penhora, estabelecida para

determinados casos tendo em vista as peculiaridades do tipo de bens e direitos penhoráveis. Mas o dispositivo possui especial importância em razão do atingimento de terceiro estranho

à execução e é, ainda, mais específico pois trata de penhora representada por título de crédito (“letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos”).

III. Efetivação da penhoraNesses casos tratados pelo CPC/2015, art. 856, a efetivação da penhora perfaz-se preferen-

cialmente com a efetiva apreensão do título, estando ele ou não em poder do executado, confor-me tratado no caput do referido artigo.

Na forma estabelecida no § 1º, no caso de não apreensão do título, mas de confissão de dívida por parte do terceiro, este será considerado, para todos os fins, o depositário da importância

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Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 857

representada pelo título, sendo que ele somente se exonerará da obrigação realizando o depósito, em juízo, da quantia (§ 2º).

No caso de silêncio por parte do terceiro com relação à existência da dívida, prevalece o en-tendimento de que se trata de confissão tácita, presumindo-se a existência do crédito por parte do terceiro.

O § 3º estabelece a hipótese e a consequência para a tentativa de fraude, com a negativa do débito por parte do terceiro devedor, em conluio com o executado. Nesses casos, a quitação que o terceiro eventualmente conceder ao executado caracterizará fraude à execução e é ineficaz perante exequente.

Nesse ponto e em sendo considerado ineficaz o pagamento, o terceiro será obrigado a pagar novamente, preservado seu direito de regresso (CPC/2015, arts. 855 e 856, § 3º, e CC, art. 312).

De acordo com o § 4º, do CPC/2015, art. 856, nos casos de penhora de créditos fundada em títulos, pode o exequente requerer que o juiz determine o comparecimento do executado e do terceiro para, em audiência especialmente designada, tomar depoimentos a fim de esclarecer e definir a situação do crédito, em verdadeiro incidente cognitivo no âmbito da execução (CC, art. 212, inciso III). Outros meios de prova, que não a prova oral, são também admitidos para a demonstração da existência do crédito no caso de suspeita de fraude ou qualquer hipótese de negativa do crédito por parte do terceiro.

O terceiro tem a via dos embargos de terceiro para se opor à penhora do crédito.

Art. 857 - Feita a penhora em direito e ação do executado, e não tendo ele oferecido embargos ou sendo estes rejeitados, o exequente ficará sub-rogado nos direitos do executado até a concorrência de seu crédito.§ 1º - O exequente pode preferir, em vez da sub-rogação, a alienação judicial do direito penhorado, caso em que declarará sua vontade no prazo de 10 (dez) dias contado da realização da penhora.§ 2º - A sub-rogação não impede o sub-rogado, se não receber o crédito do executado, de prosseguir na execução, nos mesmos autos, penhorando outros bens.

I. Mesma sistemática

O artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 673, com a alteração de nomenclatura de “de-vedor” para “executado”. A penhora em direito e ação, portanto, mantém a mesma sistemática já prevista na legislação anterior.

II. Penhora em direito e ação

No caso de penhora em direito e ação do executado e no caso de ele ter oferecido embargos, ou tendo sido eles rejeitados, o exequente sub-roga-se nos direitos do executado até a concorrência do crédito objeto de execução (CC, arts. 346 a 351).

Em havendo a sub-rogação, o exequente poderá promover as medidas judiciais necessárias para o recebimento do crédito, no lugar do executado.

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Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 858

Entretanto, o exequente, com base no CPC/2015, art. 857, § 1º, pode optar pela alienação ju-dicial do direito penhorado, devendo declarar sua vontade no prazo de 10 dias, contado da reali-zação da penhora. Havendo a opção por parte do exequente pela alienação, passa-se à avaliação, adequando-se a penhora, e os demais ritos, para a alienação judicial.

A opção de alienar o direito de crédito é do exequente, “inexistindo interesse do devedor em contestar referida escolha, pois eventual prejuízo na apuração do crédito atingirá somente o direito material do credor, não interferindo na esfera de direitos do devedor” (STJ, 2ª T., REsp nº 1.153.126-AgRg, Rel. Min. Castro Meira, j. em 6/5/2010, DJ de 17/5/2010).

De qualquer forma, é garantido ao exequente, caso não consiga apurar o suficiente para sal-dar seu crédito por meio de sub-rogação, a continuação da execução nos mesmos autos com a penhora de outros bens do executado (caso de sub-rogação insuficiente), na forma estabelecida no CPC/2015, art. 857, § 2º. Isso demonstra o caráter pro solvendo da transferência do crédito ao exequente.

Resta claro, também, que a sub-rogação tratada no dispositivo tem seu limite no valor do crédito executado, sendo que o exequente deve prestar contas de tudo o que recebeu do terceiro devedor.

Ainda, recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo crédito, o titular da primeira penhora tem preferência sobre a sub-rogação.

É possível a penhora de quotas sociais do executado, mas há, nesse caso, a necessidade de avaliação, praça e arrematação, não sendo autorizada a sub-rogação do credor dos direitos na sociedade.

Art. 858 - Quando a penhora recair sobre dívidas de dinheiro a juros, de direito a rendas ou de prestações periódicas, o exequente poderá levantar os juros, os rendimentos ou as prestações à medida que forem sendo depositados, abatendo-se do crédito as importâncias recebidas, conforme as regras de imputação do pagamento.

I. Mesma sistemática

O artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 675, com a alteração de nomenclatura de “de-vedor” para “executado”.

II. Penhora sobre dívidas de dinheiro a juros, de direito a rendas ou de prestações perió-dicas

Trata-se de permissão para que a penhora recaia sobre créditos vincendos exigíveis em pres-tações ou sujeitos a juros periódicos. Nesses casos, o terceiro devedor (debitor debitoris) fica obrigado ao depósito em juízo dos valores (juros, rendas ou prestações) à medida que vencerem e nas datas de vencimento. Esse tipo de penhora é interessante para o exequente, uma vez que são parcelas já em dinheiro.

A penhora consuma-se com as intimações previstas no CPC/2015, art. 855, determinando-se ao terceiro devedor a não realização do pagamento dos valores ao executado.

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Ana Carolina Aguiar Beneti Arts. 859 e 860

Os valores depositados poderão ser levantados pelo exequente periodicamente, com o aba-timento parcelado do crédito objeto de execução (CPC/2015, art. 520, inciso IV, quando for o caso, e CC, arts. 352 e 355).

Cabe agravo de instrumento da decisão que defere o levantamento.A jurisprudência, entretanto, veda a penhora indiscriminada e, em se tratando de valores que

podem afetar o capital de giro da empresa, estabelece cautelas (CPC/2015, arts. 862 e 866). Nes-se sentido, a orientação é a de que “há de se atentar para certos requisitos, tais como a nomeação de administrador e o limite da penhora em percentual que permita à empresa a continuidade de suas atividades” (STJ, 4ª T., AgRg no REsp nº 1.184.025/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 10/5/2011, DJe de 19/5/2011).

Art. 859 - Recaindo a penhora sobre direito a prestação ou a restituição de coisa determinada, o executado será intimado para, no vencimento, depositá-la, correndo sobre ela a execução.

I. Mesma sistemáticaO artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 676, com a alteração de nomenclatura de “de-

vedor” para “executado” e uma revisão de texto, mantendo-se, portanto, a mesma sistemática da legislação anterior.

II. Penhora sobre direito a prestação ou a restituição de coisa determinadaO objeto da penhora, nesse caso, é coisa corpórea e determinada. Nesse sentido, entende-se

que a coisa deve ser identificada por seus sinais característicos e que a discriminem e individua-lizem diante de outras coisas semelhantes ou do mesmo tipo.

A penhora sobre direito a prestação ou a restituição de coisa certa faz-se por meio de inti-mação do executado para depositar o objeto da prestação ou coisa restituída quando venha ele a recebê-las. O dispositivo trata da entrega na data do vencimento, mas essa entrega pode ser fisicamente impossível naquele momento. Além disso, a intimação para a entrega deve ser feita ao detentor da coisa, ou seja, o debitor debitoris, terceiro devedor que se libera da obrigação mediante o depósito da coisa em juízo.

O prazo para embargos começa a correr a partir da intimação da penhora e nunca da entrega da coisa (CPC/2015, arts. 915 e 231).

Após o cumprimento da determinação, a execução deve ter andamento com a lavratura do auto de penhora da coisa e, em seguida, os demais atos tendentes à expropriação, com a futura satisfação do exequente.

Art. 860 - Quando o direito estiver sendo pleiteado em juízo, a penhora que recair sobre ele será averbada, com destaque, nos autos pertinentes ao direito e na ação correspondente à penhora, a fim de que esta seja efetivada nos bens que forem adjudicados ou que vierem a caber ao executado.

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Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 861

I. Mesma sistemáticaO artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 674, com a alteração de nomenclatura de “de-

vedor” para “executado”, uma revisão de texto que facilita a compreensão da abrangência do artigo e a eliminação da expressão “no rosto dos autos” utilizada pela praxe forense. A penhora sobre direito que estiver sendo pleiteado em juízo, de qualquer forma, mantém a mesma sistemá-tica já prevista na legislação anterior.

II. Penhora sobre direito pleiteado em juízo Trata-se de caso de penhora sobre direito pleiteado em outra ação em curso proposta pelo exe-

cutado contra terceiro (ou quota de herança em inventário ou partilha) (STJ, REsp º 2709, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 2/10/1990, DJU de 19/11/1990).

O objeto da penhora é, nesse caso, o direito litigioso (incerto e demarcado temporariamente pela litispendência), não sendo o direito material e nem a ação processual.

A sub-rogação (bens que forem adjudicados ou vierem a caber ao executado) ocorre no trân-sito em julgado da sentença da ação de mérito, na qual foi realizada a penhora.

Nesse caso, a penhora deve ser averbada, com destaque, nos autos relacionados ao direito pleiteado e, também, nos autos da execução atinentes à penhora. Assim, a penhora será efetivada nos bens que forem adjudicados ou que vierem a caber ao executado.

A penhora é efetivada, normalmente, por oficial de justiça que intima o escrivão ou o chefe da secretaria do ofício, pelo qual tem andamento o caso, para a exibição dos autos do processo e a lavratura do auto de penhora. Não há necessidade de interferência do juízo da outra ação para a efetivação da penhora. Com o trâmite eletrônico do processo, o procedimento deve passar a ser feito de forma eletrônica, por meio de certidão nos autos e com o devido destaque.

A penhora nos autos relacionados ao direito constitui a denominada “penhora no rosto dos autos”, expressão essa que foi eliminada do artigo, mas que deve continuar a ser utilizada dado o seu amplo e conhecido uso na praxe forense. Os efeitos da penhora começam a fluir com a aver-bação do ato “no rosto dos autos”, ou na expressão “com destaque nos autos”.

Após a penhora, ao exequente são possíveis três caminhos: a) o aguardo do final da deman-da, com vistas à sub-rogação real e expropriação sobre possíveis bens; b) alienação do direi-to litigioso (CPC/2015, art. 857) ou c) sub-rogação também tratada no CPC/2015, art. 857 (e CPC/2015, art. 109, CPC/1973, art. 42), com substituição do executado no polo que ocupar na relação processual. Tais opções somente se mostrarão possíveis inexistindo embargos ou sendo eles julgados improcedentes.

Art. 861 - Penhoradas as quotas ou as ações de sócio em sociedade simples ou empresária, o juiz assinará prazo razoável, não superior a 3 (três) meses, para que a sociedade:I - apresente balanço especial, na forma da lei;II - ofereça as quotas ou as ações aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual;III - não havendo interesse dos sócios na aquisição das ações, proceda à liquidação das quotas ou das ações, depositando em juízo o valor apurado, em dinheiro.

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Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 861

§ 1º - Para evitar a liquidação das quotas ou das ações, a sociedade poderá adquiri-las sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria.§ 2º - O disposto no caput e no § 1º não se aplica à sociedade anônima de capital aberto, cujas ações serão adjudicadas ao exequente ou alienadas em bolsa de valores, conforme o caso.§ 3º - Para os fins da liquidação de que trata o inciso III do caput, o juiz poderá, a requerimento do exequente ou da sociedade, nomear administrador, que deverá submeter à aprovação judicial a forma de liquidação.§ 4º - O prazo previsto no caput poderá ser ampliado pelo juiz, se o pagamento das quotas ou das ações liquidadas:I - superar o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação; ouII - colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária.§ 5º - Caso não haja interesse dos demais sócios no exercício de direito de preferência, não ocorra a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade e a liquidação do inciso III do caput seja excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas ou das ações.

I. Sem correspondência no CPC/1973

Trata-se de novo dispositivo no CPC/2015. Não há, efetivamente, correspondência no CPC/1973 para o processamento da penhora de quotas ou das ações de sócio em sociedade sim-ples ou empresária.

II. Da penhora das quotas ou das ações de sociedades personificadas

A possibilidade de penhora de ações de sociedades empresárias já estava presente no CPC/1973, art. 655 (atual CPC/2015, art. 835), quando estabelecia a ordem de preferência da penhora. A ex-pressa menção à penhora de ações e quotas de sociedades empresárias foi incluída por meio das reformas ocorridas em 2006. O CPC/2015, art. 861, encontra-se em consonância com o CC, art. 1.026, que determina a possibilidade de o credor particular de sócio fazer recair a execução sobre o que lhe couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação (CC/2015, art. 1.026).

O CPC/2015, art. 861, inova, entretanto, quando traz as regras procedimentais específicas para a efetivação desse tipo de penhora. O procedimento busca claramente prestigiar a affectio societatis, garantindo o direito de preferência dos sócios na alienação das quotas, além do prin-cípio da preservação da empresa.

De acordo com o caput do artigo, após realizada a penhora das quotas ou das ações de sócio em sociedade simples ou empresária, o juiz determinará prazo razoável, mas não superior a 3 (três) meses para que a sociedade, na figura de seu representante legal: (i) apresente balanço

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Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 861

especial, na forma da lei (CPC/2015, art. 861, inciso I); (ii) ofereça as quotas ou as ações aos demais sócios, observando-se o direito de preferência (CPC/2015, art. 861, inciso II); e (iii) em não havendo interesse dos sócios, proceda à liquidação das quotas ou das ações. Após a venda, o valor dela decorrente deverá ser depositado em dinheiro (CPC/2015, art. 861, inciso III).

O § 1º do CPC/2015, art. 861, permite que a própria sociedade venha a adquirir as quotas ou ações, com a manutenção em tesouraria e sem a necessidade de diminuição do capital social. O intuito do dispositivo é, com isso, a proteção da empresa e a manutenção da affectio societatis. Nesse sentido:

“É possível a penhora de cotas de sociedade limitada, porquanto prevalece o princípio de ordem pública segundo o qual o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens presentes e fu-turos, não sendo, por isso mesmo, de se acolher a oponibilidade da affectio societatis. É que, ainda que o estatuto social proíba ou restrinja a entrada de sócios estranhos ao ajuste originário, é de se facultar à sociedade (pessoa jurídica) remir a execução ou o bem, ou ainda, assegurar a ela e aos demais sócios o direito de preferência na aquisição a tanto por tanto” (STJ, 6ª T., RT nº 781/197).

O mesmo não se aplica às sociedades anônimas de capital aberto, nas quais não se cogita da affectio societatis e, portanto, não há impedimento a ações que sejam penhoradas e adjudicadas ao exequente ou alienadas em bolsa de valores, tal qual dispõe o CPC/2015, art. 861, § 2º.

Nos casos em que não há interesse dos sócios na aquisição das ações, procede-se à liquidação das quotas ou das ações na forma do CPC/2015, art. 861, caput, inciso III. Nesses casos, o juiz poderá, conforme estabelece o CPC/2015, art. 861, § 3º, a requerimento do exequente ou da sociedade, nomear administrador, que ficará responsável por submeter a forma de liquidação à aprovação judicial. A ele podem ser aplicadas, de forma analógica, as regras vigentes para o admi-nistrador judicial nos casos de falência e recuperação judicial (Lei de Falências, arts. 21 a 34).

O artigo também estabelece, em evidente hipótese de flexibilização procedimental, a possi-bilidade de ampliação do prazo de três meses para que a sociedade realize os atos indicados no caput, no caso de o pagamento das quotas ou das ações liquidadas: (i) superar o valor do saldo de lucros e reservas, exceto a legal, sem diminuição do capital social ou por doação; ou (ii) colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária.

Para a flexibilização do prazo, o juiz deve ter em consideração, além do princípio da funda-mentação das decisões: (i) a efetividade do processo; (ii) as garantias processuais, como a ampla defesa e o contraditório; e (iii) a preservação da empresa e a affectio societatis.

Por fim, o § 5º do artigo determina a possibilidade de o juiz determinar o leilão judicial das quotas ou ações para aquelas hipóteses em que nenhuma das outras formas de expropriação com menor impacto na companhia. Assim, se não houver interesse dos demais sócios no exercício de direito de preferência, não ocorrer a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade e a liqui-dação do inciso III do caput for excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz terá a opção de determinar o leilão judicial.

A medida facultada por meio do CPC/2015, art. 861, § 5º, deve, entretanto, ser vista como a última solução uma vez que terceiros, estranhos à sociedade, teriam a possibilidade de fazer par-te dela por meio da aquisição de quotas em leilão. A providência, entretanto, enseja críticas tendo em vista as dificuldades de inclusão de sócios em sociedades nas quais o objeto social depende dos atributos dos sócios ou nos casos de vedação contratual à admissão de novo sócio em razão da oposição dos demais.

A sociedade poderá se opor à penhora por meio de embargos de terceiro.

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Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 862

Art. 862 - Quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifícios em construção, o juiz nomeará administrador-depositário, determinando-lhe que apresente em 10 (dez) dias o plano de administração.§ 1º - Ouvidas as partes, o juiz decidirá. § 2º - É lícito às partes ajustar a forma de administração e escolher o depositário, hipótese em que o juiz homologará por despacho a indicação.§ 3º - Em relação aos edifícios em construção sob regime de incorporação imobiliária, a penhora somente poderá recair sobre as unidades imobiliárias ainda não comercializadas pelo incorporador.§ 4º - Sendo necessário afastar o incorporador da administração da incorporação, será ela exercida pela comissão de representantes dos adquirentes ou, se se tratar de construção financiada, por empresa ou profissional indicado pela instituição fornecedora dos recursos para a obra, devendo ser ouvida, neste último caso, a comissão de representantes dos adquirentes.

I. Mesma sistemática e adições

O artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 677, §§ 1º e 2º, com a alteração de nomenclatura de “devedor” para “executado” e “depositário” para “administrador-depositário”, mantendo-se, portanto, a mesma sistemática já prevista na legislação anterior.

O CPC/2015 dispõe especificamente sobre o procedimento da penhora de edifícios em cons-trução, inexistente no CPC/1973 e, agora, introduzida nos §§ 3º e 4º.

II. Da Penhora de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola

O conceito de estabelecimento comercial é previsto no CC, art. 1.142. O dispositivo busca evitar que a empresa ou o estabelecimento tenha suas atividades suspensas ou corra o risco de deixar de produzir.

Apesar de a penhora de estabelecimento comercial, prevista no CPC/2015, art. 862, vir antes da penhora de faturamento (CPC/2015, art. 866) no CPC/2015, entende-se que a penhora de estabelecimento comercial deve ser medida extrema tomada após frustração dos demais tipos, tendo em vista seu caráter mais drástico. Nesse sentido, o CPC/2015, art. 835 (equivalente ao CPC/1973, art. 655), que estabelece a ordem de preferência das penhoras, indica que a penhora de percentual de faturamento de empresa deve ser precedida da penhora de “outros direitos” (CPC/2015, art. 835, incisos X e XIII), sendo que nestes está incluída a penhora de estabeleci-mento comercial tratada no artigo ora comentado.

O CPC/2015, art. 862, prevê a nomeação de um administrador-depositário nos casos em que a penhora venha a recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifícios em construção. A nomeação deve recair em pessoa estranha aos quadros sociais da devedora (Lex-JTA 169/274). Também, de acordo com o caput, o juiz fará a nomeação, determinando que seja apresentado um plano de administração no prazo de 10 (dez) dias, contado da nomeação. Esse prazo é considerado dilatório, podendo ser alterado (ampliado ou reduzido) pelo juiz ou por convenção das partes.

1336

Ana Carolina Aguiar Beneti Art. 863

De acordo com o § 2º, as partes podem acordar sobre a forma de administração e escolher o depositário, hipótese em que o juiz homologará por despacho a indicação. Dessa decisão homo-logatória não cabe recurso, tendo em vista a evidente falta de interesse processual das partes.

Ao administrador-depositário, são aplicadas as regras do depositário, mas a ele podem ser aplicadas, de forma analógica e no que couber, também, as regras vigentes para o administrador judicial nos casos de falência e recuperação judicial (Lei de Falências, arts. 21 a 34).

Os bens que integram o estabelecimento são considerados de forma ampla, abrangendo todos os bens que fazem parte da atividade-fim da empresa, entre outros, o imóvel, os signos e nomes empresariais, a clientela, o direito à locação comercial, direitos de propriedade industrial, depó-sitos bancários, estoques, mobiliário, equipamentos etc. A penhora deve alcançar todo o ativo do estabelecimento, incluindo o direito de arrendamento do local onde o estabelecimento funciona e o direito ao trespasse (alienação).

III. Penhora de semoventes ou plantações

A penhora desses bens deve seguir as regras da penhora de empresa e de estabelecimento co-mercial, com a nomeação do administrador-depositário na forma prevista no caput do dispositivo.

IV. Penhora de edifícios em construção

A penhora de edifícios em construção, que já vinha prevista no CPC/1973, art. 677, possui, agora, disposições específicas estabelecidas no CPC/2015, art. 862, §§ 3º e 4º, que se somam à exigência de nomeação do administrador-depositário.

Assim, de acordo com o § 3º, a penhora fica limitada às unidades imobiliárias ainda não comer-cializadas pelo incorporador, uma vez que, evidentemente, as demais encontram-se vinculadas ao patrimônio de terceiros que as adquiriram. A propósito, veja-se as Súmulas nº 84 e nº 308 do STJ.

O § 4º prevê a possibilidade de afastamento do incorporador da administração da incorpora-ção, devendo ela passar a ser exercida por comissão de representantes dos adquirentes ou, se se tratar de construção financiada, por empresa ou profissional indicado pela instituição fornecedo-ra dos recursos. Em ocorrendo essa hipótese, a comissão de representantes dos adquirentes deve ser ouvida (função consultiva).

Importante lembrar que o numerário decorrente da alienação de unidades imobiliárias sob regime de incorporação, afetado à execução da obra, é inalienável, de acordo com o CPC/2015, art. 833, inciso XII.

Art. 863 - A penhora de empresa que funcione mediante concessão ou autorização far-se-á, conforme o valor do crédito, sobre a renda, sobre determinados bens ou sobre todo o patrimônio, e o juiz nomeará como depositário, de preferência, um de seus diretores.§ 1º - Quando a penhora recair sobre a renda ou sobre determinados bens, o administrador-depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pagamento, observando-se, quanto ao mais, o disposto em relação ao regime de penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel e imóvel.

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Ana Carolina Aguiar Beneti

§ 2º - Recaindo a penhora sobre todo o patrimônio, prosseguirá a execução em seus ulteriores termos, ouvindo-se, antes da arrematação ou da adjudicação, o ente público que houver outorgado a concessão.

I. Mesma sistemáticaO artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 678, com a alteração de nomenclatura e des-

membramento do parágrafo único em dois parágrafos. Mantém-se, assim a sistemática da penho-ra de empresa que funcione mediante concessão ou autorização.

II. A penhora de empresa que funcione mediante concessão ou autorizaçãoA penhora de empresa que exerça serviço público, mediante concessão ou autorização, pode

recair sobre a renda, determinados bens ou todo o patrimônio, e deve ser feita conforme o valor do crédito. Nesses casos o juiz deve nomear um dos diretores da empresa, como administrador-depositário.

A ideia central do dispositivo é garantir a execução sem prejudicar o serviço público prestado pela empresa e prever uma execução mediante graus, priorizando a penhora sobre a renda, de-pois, sobre determinados bens (os bens penhoráveis), e, como última alternativa, a penhora sobre todo o patrimônio.

III. Penhora sobre renda ou sobre determinados bensDe acordo com o CPC/2015, art. 863, § 1º (da mesma forma que ocorria no CPC/1973, art.

678), na penhora que recaia sobre renda ou determinados bens da empresa, o administrador-depositário deverá apresentar, para homologação do juiz, a forma de administração e o esquema de pagamento. Além disso, a penhora deve observar o regime de penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel e imóvel, na forma do CPC/2015, arts. 867 e 869.

IV. Penhora sobre todo o patrimônio De acordo como CPC/2015, art. 863, § 2º (da mesma forma que ocorria no CPC/1973, art.

678), no caso de penhora sobre todo o patrimônio da empresa, a execução deverá prosseguir “em seus ulteriores termos”.

Antes da arrematação ou da adjudicação, o ente público que tiver autorizado a concessão de-verá ser ouvido. O objetivo é permitir que o ente público tenha chances de intervir, procurando evitar a descontinuidade do serviço público.

Apesar de o § 2º disciplinar a necessidade de oitiva da Administração Pública no caso de penhora de todo o patrimônio da empresa, a legislação especial sobre concessões exige a ma-nifestação do poder público no caso de penhora de bens reversíveis e imóveis de empresas que funcionem mediante concessão ou autorização. Assim, prevalece o entendimento de que sempre deve haver a manifestação da Administração Pública nos casos de penhora.

Tendo em vista o fato de que os bens da empresa objeto da concessão e que têm vínculo com a prestação dos serviços públicos revertem-se para a Administração Pública ao final da concessão (encampação), a Administração Pública tem o direito de impedir a alienação judicial do acervo penhorado da empresa concessionária (Lei nº 8.987/1995, arts. 35, 36 e 37). Importante ressaltar que, no caso de os bens da concessionária virem a ser absorvidos por parte da Administração Pública, esta terá de responder pelas obrigações que os oneram, até os limites estabelecidos no acervo incorporado ao patrimônio público.

Art. 863

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V. Julgados

“A jurisprudência do STJ se orientou no sentido de que são penhoráveis os bens das con-cessionárias, desde que a constrição judicial não comprometa a execução do serviço público” (STJ, 1ª T., AgReg no AREsp nº 439.718/AL, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 11/3/2014, DJe de 19/3/2014). No mesmo sentido: “As empresas concessionárias de serviço público não têm patrimônio afetado e pode o mesmo sofrer penhora” (STJ, 2ª T., REsp nº 241.683/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 6/4/2000).

Art. 864 - A penhora de navio ou de aeronave não obsta que continuem navegando ou operando até a alienação, mas o juiz, ao conceder a autorização para tanto, não permitirá que saiam do porto ou do aeroporto antes que o executado faça o seguro usual contra riscos.

I. Mesma sistemática

O artigo traz o mesmo texto do CPC/1973, art. 679, com a alteração de nomenclatura de “devedor” para “executado”. A penhora de navio ou aeronave, portanto, mantém a mesma sistemática já prevista na legislação anterior.

II. Penhora de navio ou de aeronave

De acordo com o dispositivo, a penhora de navio ou de aeronave autoriza a continuidade de operação do bem até a alienação judicial, desde que o executado comprove a contratação de seguro.

A penhora de aeronave deve ser registrada no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), conforme determinação do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA, arts. 74, inciso II, c, e 155).

Novamente nesses casos, o depositário deverá, preferencialmente, ser um dos diretores da empresa executada.

Ocorrendo sinistro, a indenização do seguro pode servir tanto para a recuperação do bem quanto para a eventual sub-rogação no objeto da penhora.

Art. 865 - A penhora de que trata esta Subseção somente será determinada se não houver outro meio eficaz para a efetivação do crédito.

I. Sem correspondência no CPC/1973

Trata-se de novo dispositivo no CPC/2015. Não há, portanto, artigo correspondente no CPC/1973.

II. Objeto do artigo

O dispositivo trata das penhoras da Subseção VIII, ou seja, penhoras estabelecidas no CPC/2015, arts. 862 a 864 – penhoras que recaírem sobre empresas ou outros estabelecimentos, semoventes, plantações, edifícios, empresas concessionárias de serviços públicos, navios e aero-

Arts. 864 e 865

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naves. Nesses casos, a penhora somente será determinada se não houver outro meio eficaz para a efetivação do crédito. O CPC/2015, art. 865, indica, portanto, o caráter subsidiário das penhoras autorizadas por meio da Subseção VIII.

Importante notar que o caráter subsidiário também é aplicável à penhora de percentual de fa-turamento da empresa (CPC/2015, art. 866), posterior ao dispositivo ora comentado, e tais bens e direitos não estão nos últimos lugares da lista de preferências do CPC/2015, art. 835 (CPC/1973, art. 655), o que faz com que cause confusão quanto a real preferência das penhoras estabelecidas pelo CPC/2015.

Art. 864 e 865

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Marcelo Vieira von Adamek

Art. 866 - Se o executado não tiver outros bens penhoráveis ou se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado, o juiz poderá ordenar a penhora de percentual de faturamento de empresa.§ 1º - O juiz fixará percentual que propicie a satisfação do crédito exequendo em tempo razoável, mas que não torne inviável o exercício da atividade empresarial.§ 2º - O juiz nomeará administrador-depositário, o qual submeterá à aprovação judicial a forma de sua atuação e prestará contas mensalmente, entregando em juízo as quantias recebidas, com os respectivos balancetes mensais, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.§ 3º - Na penhora de percentual de faturamento de empresa, observar-se-á, no que couber, o disposto quanto ao regime de penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel e imóvel.

AutorMarcelo Vieira von Adamek

I. Empresa e a penhora de seu faturamento: precisões conceituais

Em sua literalidade, a lei regula a “penhora de percentual de faturamento de empresa”. Empre-sa é vocábulo polissêmico: não possui um conceito jurídico unitário, na exata medida em que é difusamente utilizado pelo legislador com diferentes acepções (ora designando o empresário, ora o estabelecimento, ora a própria atividade). O CPC/2015 não adota a palavra em um só sentido (vide arts. 45, 69, 246, 529, 825, 833, 862 e 866). Diz-se, por isso mesmo, que a empresa possui na legislação diferentes sentidos, ou perfis: (i) perfil subjetivo: quando é empregada como sinô-nimo de empresário, sujeito de direitos; (ii) perfil objetivo ou patrimonial: quando se refere ao estabelecimento, objeto de direitos; (iii) perfil funcional: a palavra é utilizada, em sentido estrito, para designar a atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado; e, mais amiúde no direito italiano, ainda (iv) perfil corporativo (ou institucio-nal): nos casos em que empresa é vista como uma instituição. De outro lado, faturamento designa o incremento patrimonial resultante do exercício das atividades empresariais; a soma de todas as receitas da vendas de produtos ou da prestação de serviços em um dado período. No caso, embo-ra o legislador tenha se referido ao faturamento de empresa, como sinônimo de empresário, não deve a expressão ser interpretada de forma restritiva e, por isso, abrange inclusive o faturamento resultante do exercício de atividades econômicas, por empresários ou não, e pouco importando, também, a forma jurídica adotada pelo devedor. Por isso, é viável a penhora de percentual de faturamento decorrente do exercício de atividades econômicas por não empresários – como por exemplo: auditores independentes, sociedades de advogados, engenheiros ou médicos (CC, art. 966, parágrafo único); cooperativas (CC, art. 982, parágrafo único; vide: STJ, REsp nº 783.227-SP, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, v.u., j. em 24/4/2007, DJe de 27/11/2008); e exercentes de atividade rural que tenham optado por não se inscrever na Junta Comercial (CC, art. 971).

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Indo além, e dando às receitas em geral tratamento análogo ao faturamento e reconhecendo que naquelas se encontram direitos de crédito passíveis de constrição, a jurisprudência tem permitido a aplicação desta mesma medida para associações, fundações e coletividades não personificadas, como condomínios edilícios (STJ, 3ª T., REsp nº 829.583-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. em 3/09/2009, DJe de 30/9/2009).

II. Excepcionalidade da medida

Em razão dos efeitos que a penhora do faturamento pode trazer para a exploração da ativida-de econômica exercida pelo devedor, o legislador a restringiu e condicionou a estritas balizas, dando-lhe, pois, caráter excepcional (CPC, art. 835, inciso X): apenas legitimar-se-á a medida constritiva “se o executado não tiver outros bens penhoráveis ou, se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado”. É evidente aqui a preocupação com a preservação da empresa (atividade) – e, por extensão e indiretamente, com os interesses daqueles que a circundam (trabalhadores, colaboradores, consumidores e sócios) – na medida em que se criou uma espécie de benefício de ordem. Essa mesma preocupação, aliás, está presente em outros preceitos legais, como os que tratam da penhora de estabelecimento (CPC, art. 865; e LEF, art. 11, § 1°) ou de bens que, transformados em dinheiro, podem indiretamente comprome-ter a exploração da atividade (CC, arts. 1.026 e 1.031). Ainda assim, é preciso ter presente que o interesse a ser primordialmente satisfeito é o do credor, a cujo benefício se desenvolve o processo nesta etapa (valendo aqui lembrar a conhecida passagem da Exposição de Motivos do CPC/1973 do Prof. Alfredo Buzaid, segundo a qual na execução “há desigualdade entre o exequente e o exe-cutado”, pois “o exequente tem posição de preeminência; o executado, estado de sujeição”). Por isso, sob a genérica invocação de valores de alta projeção social ou do elástico princípio da menor onerosidade (CPC, art. 805), não é possível, fática e concretamente, frustrar a satisfação dos in-teresses do credor: “a tese da violação do princípio da menor onerosidade excessiva não pode ser defendida de modo genérico ou simplesmente retórico, cabendo à parte executada a comprova-ção, inequívoca, dos prejuízos a serem efetivamente suportados, bem como da possibilidade, sem comprometimento dos objetivos do processo de execução, de satisfação da pretensão creditória por outros meios” (STJ, 2ª T., REsp nº 1.103.760-CE-AgRg, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. em 19/5/2009, DJe de 19/5/2009, RP 179/254). Até porque, com a penhora do faturamento, o devedor empresário não fica impedido, se assim entender necessário, de vir a juízo requerer a sua recuperação judicial, em busca do equacionamento coletivo de suas dívidas (LRF, art. 47), notadamente porque no Direito brasileiro é só sua – e não dos credores – a legitimidade para dar início ao processo concursal (LRF, art. 48). Ainda assim, os tribunais têm sido bastante cautelosos ao deferir a medida: “As Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal têm admitido a penhora sobre o faturamento da empresa, desde que, cumulativamente: a) o devedor não possua bens ou, se os tiver, sejam estes de difícil execução ou insuficientes a saldar o crédito demandado; b) haja indicação de administrador e esquema de pagamento (CPC-1973, arts. 678 e 719) e c) o percentual fixado sobre o faturamento não torne inviável o exercício da atividade empresarial” (STJ, 3ª T., REsp nº 782-901, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 27/5/2008, DJU de 20/6/2008). No mesmo sentido, vide também: RSTJ 56/338, 109/107, RT 801/155, 808/312 e 839/202.

III. Objeto da penhora

O objeto da penhora é, em sua literalidade, o faturamento. No entanto, trata-se de uma forma elíptica de designar o conjunto de créditos, constituídos e a constituir, presentes e futuros, atuais e expectativos, decorrentes do exercício da atividade econômica pelo devedor. Ao deferir a pe-nhora sobre o faturamento, deverá o juiz estipular o percentual razoável destinado a satisfazer o

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credor, em tempo razoável, e sem com isso, ao mesmo tempo, sacrificar em demasia a atividade empresarial. Embora a jurisprudência formada à luz do CPC/1973 tenha consagrado percentuais de praxe, quer-nos parecer que, em obséquio às balizas trazidas pelo artigo em comento, será sempre necessário considerar as particularidades do caso concreto e, em especial, o segmento em que o devedor atua e, portanto, a atividade que efetivamente exerce: em setores nos quais a margem de lucro é reduzida, o percentual aplicável a uma mesma grandeza de faturamento de-verá ser comparativamente inferior àquele aplicado a quem opera em segmento com margens de lucros maiores. Em qualquer caso, o percentual de faturamento fixado pelo juiz não é imutável e, por isso mesmo, nada impede que, ouvido o administrador, possa revê-lo a qualquer tempo, inexistindo aqui preclusão pro judicato. A jurisprudência tem fixado percentuais os mais diver-sos, oscilando de: (i) 30% do faturamento mensal (STJ, REsp nº 287.603; RT 692/88, 695/107, 813/293 e 874/235); (ii) até 20% do faturamento líquido (STJ, MC nº 2.753); (iii) 15% da receita bruta (STJ, REsp nº 782.901); (iv) 6% do faturamento bruto (STJ, MC nº 14.919); e (v) 5% do faturamento (STJ, REsp nº 515.208) – e assim por diante.

IV. Administrador judicial

O administrador judicial é auxiliar da Justiça (CPC, arts. 149 e 159), sujeito assim a todas as responsabilidades próprias do cargo que exerce. Ele não é um simples depositário, pois a sua missão não é apenas de guarda e conservação de bem constrito, mas, pelo contrário, implica rea-lizar atos próprios de administração, recebendo e segregando valores, em relação aos quais deve posteriormente prestar contas ao juiz da causa. Trata-se de encargo que não pode ser impingido a quem não o queira exercer. No regime anterior, entendeu-se certa feita que o administrador deveria ser pessoa estranha ao devedor, o qual assim não poderia ser investido cumulativamente na função (JUTACivSP-Lex 169/274); no regime atual, apesar de prevista a aplicação subsidiária à penhora de faturamento de regras próprias da penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel ou imóvel (CPC, arts. 866, § 3º, e 869), não nos parece que devedor e administrador devam ou possam ser a mesma pessoa, à vista das atribuições próprias que sobre este recaem (CPC, art. 866, § 2º).

V. Procedimento

Presentes os pressupostos legitimadores, o juiz deferirá a penhora do faturamento, fixando o percentual, e nomeará administrador-depositário que, depois de assumir o encargo mediante a as-sinatura de termo, deverá submeter à aprovação judicial a forma de sua atuação. Lógica e crono-logicamente, a designação de administrador pressupõe a realização da penhora, pois aquela não existe sem esta. Por isso, formalizada a constrição, o administrador-depositário deverá assumir formalmente o encargo e, no desempenho do mister, mensalmente prestar contas, entregando em juízo as quantidades recebidas, com os respectivos balancetes mensais, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.

VI. Regência supletiva

Na penhora de percentual de faturamento de empresa, observar-se-á, no que couber, o disposto quanto ao regime de penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel e imóvel (CPC, arts. 867 e ss.).

VII. Julgados

Penhora de faturamento: medida viável, desde que presentes os pressupostos

“Agravo regimental no agravo de instrumento – Execução – Título extrajudicial – Penhora de faturamento da empresa – Possibilidade, desde que presentes os requisitos – Ausência in casu –

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Afastamento da penhora – Recurso improvido” (STJ, 3ª T., Ag nº 1.175.578-MG-AgRg, Rel. Min. Massami Uyeda, v.u., j. em 4/2/2010, DJe de 12/2/2010).

“AGRAVO REGIMENTAL - PENHORA DO FATURAMENTO MENSAL - LEGALIDADE - ARTS. 620, 677 E 678 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - DECISÃO AGRAVADA MAN-TIDA - IMPROVIMENTO. I. É admitida a penhora de faturamento mensal da empresa, desde que cumpridas as regras dos artigos 620, 677 e 678 do Código de Processo Civil. II. A agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido” (STJ, 3ª T., Ag nº 663.717-RJ-AgRg, Rel. Min. Sidnei Beneti, v.u., j. em 16/9/2008, DJe de 8/10/2008).

Penhora de faturamento: pressupostos legitimadores da medida excepcional

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE FATURAMENTO. MEDI-DA EXCEPCIONAL. PRESENÇA DE REQUISITOS AUTORIZATIVOS. 1. Questões de fato, como a que conclui pela difícil alienação de bem da executada em hasta pública, não podem ser revistas em sede de recurso especial. Óbice imposto pela Súmula 7/STJ. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que a penhora sobre o faturamento da em-presa, em execução fiscal, é providência excepcional e só pode ser admitida quando presentes os seguintes requisitos: (a) não localização de bens passíveis de penhora e suficientes à garantia da execução ou, se localizados, de difícil alienação; (b) nomeação de administrador (art. 677 e seguintes do CPC); e (c) não comprometimento da atividade empresarial. Precedentes desta Corte. Agravo regimental improvido” (STJ, 2ª T., REsp nº 1.213.661-RS-AgRg-EDcl, Rel. Min. Humberto Martins, v.u., j. em 1º/3/2011, DJe de 15/3/2011).

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. EXCEPCIONALIDADE. VERIFICAÇÃO DE BENS APTOS A GARANTIR A EXECUÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. “Em observância ao consagrado princípio favor debitoris (art. 620 do CPC), tem-se admitido apenas excepcional-mente a penhora sobre o faturamento, desde que presentes, no caso, requisitos específicos que justifiquem a medida, quais sejam, (a) inexistência de bens passíveis de constrições, suficientes a garantir a execução, ou, caso existentes, sejam de difícil alienação; (b) nomeação de administra-dor (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a apresentação da forma de administra-ção e do esquema de pagamento; (c) fixação de percentual que não inviabilize o próprio funcio-namento da empresa. Precedentes: AGA 593006/PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 30/5/2005; REsp 723038 / SP, 2ª T., Min. Castro Meira, DJ de 20/6/2005’ (REsp nº 803.435/RJ, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, in DJ 18/12/2006). 2. ‘In casu, depreende-se da literalidade do acórdão recorrido que a penhora de faturamento teve tratamento equivalente a de dinheiro. Assim, não tendo o Tribunal a quo se utilizado das condições firmadas pela jurispru-dência desta Corte para, somente em casos excepcionais, quando preenchidos cumulativamente os requisitos, deferir penhora sobre o faturamento da empresa, impõe-se o retorno dos autos para que a penhora sobre o faturamento obedeça aos requisitos fixados pela jurisprudência deste Tri-bunal Superior’ (REsp nº 1.086.514/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, in DJe 23/11/2009). 3. Agravo regimental improvido” (STJ, 1ª T., REsp nº 1.170.166-RJ-AgRg, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, v.u., j. em 5/10/2010, DJe de 1º/12/2010).

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. MEDIDA EXCEPCIONAL. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NOS ARTS. 677 E 678 DO CPC. REEXAME DE MATÉRIA

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FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a penhora de faturamento não equivale à de dinheiro, mas à cons-trição da própria empresa, porquanto influi na administração de parte dos seus recursos, e, ante o princípio da menor onerosidade (art. 620 do CPC), só pode ser deferida em caráter excepcional, quando preenchidas, cumulativamente, as seguintes condições: (a) inexistência de bens passíveis de constrições, suficientes a garantir a execução, ou, caso existentes, sejam tais bens de difícil alienação; (b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC) ao qual incumbirá a apresentação da forma de administração e do esquema de pagamento; (c) fixação de percentual que não inviabilize o próprio funcionamento da empresa. Precedentes. 2. A respeito do tema em discussão (possibilidade de penhora sobre o faturamento), o acórdão recorrido consignou que não houve comprovação, pela Exequente, de que não foram encontrados outros bens, livres e desembaraçados para a constrição, não se caracterizando a situação excepcional a justificar a determinação da incidência de penhora sobre o faturamento da executada. 3. Na esteira dos pre-cedentes desta Corte, reexaminar o entendimento ora transcrito, conforme busca a ora agravante demanda o revolvimento de matéria fático-probatória dos autos, inadmissível em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Decisão agravada que se mantém por seus próprios fun-damentos. 5. Agravo regimental não provido” (STJ, 1ª T., Ag nº 1.161.283-SP-AgRg, Rel. Min. Benedito Gonçalves, v.u., j. em 24/11/2009, DJe de 1º/12/2009).

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544 E 545 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PE-NHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. PRESSUPOSTOS. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. 1. A penhora de faturamento não é equivalente à penhora de dinheiro e reclama requisitos específicos. 2. É que a jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de que ‘a penhora sobre faturamento da empresa não é sinônimo de penhora sobre dinheiro, razão por que o STJ tem entendido que referida a constrição exige sejam tomadas cautelas específicas discriminadas em lei. Isto porque o artigo 620 do CPC consagra favor debitoris e tem aplicação quando, dentre dois ou mais atos executivos a serem praticados em desfavor do executado, o juiz deve sempre optar pelo ato menos gravoso ao devedor. É admissível proceder-se à penhora sobre faturamento da empresa, desde que: a) comprovada a inexistência de outros bens passíveis de ga-rantir a execução ou sejam os indicados de difícil alienação; b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput do CPC), ao qual incumbirá a apresentação das formas de administração e pa-gamento; c) fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa’ (AgRg no REsp 768.946/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª T., julgado em 2/8/2007, DJ de 23/8/2007 p. 211) 3. In casu, não foram atendidos pela Corte a quo os requisitos necessários, sendo certo que o desatendimento de quaisquer deles é suficiente para invalidar a ordem de penhora sobre o faturamento. 4. Interposto o recurso por força da alínea c é passível de acolhimento diante da similitude fática, necessariamente aferível, o que torna incompatível nesses casos a aplicação da Súmula 7 do STJ. 5. Agravo regimental provido para dar provimento ao agravo de instrumento, determinando a subida do recurso especial” (STJ, 1ª T., Ag nº 1.032.631-RJ-AgRg, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, m.v., j. em 4/11/2008, DJe de 2/3/2009).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. ARGUMENTOS IN-SUFICIENTES PARA ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. PENHORA SOBRE FATURA-MENTO DA EMPRESA. POSSIBILIDADE. REDUÇÃO DO PERCENTUAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. 2. É possível a penhora de faturamento da empresa, desde que em percentual

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que não inviabilize a atividade da empresa. Precedentes. 3. A modificação do percentual fixado no acórdão recorrido requer reavaliação do conjunto fático-probatório depositado nos autos, o que é vedado na via especial, conforme verbete sumular 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega seguimento” (STJ, 6ª T., REsp nº 976.925-SP-AgRg, Rel. Min. Vasco Della Giustina, v.u., j. em 20/10/2011, DJe de 9/11/2011).

Penhora de faturamento: encargo de administrador judicial não pode ser imposto“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. NOME-AÇÃO DE ADMINISTRADOR. REPRESENTANTE LEGAL. ENCARGO FACULTATIVO. 1. A falta de prequestionamento da matéria federal impede o conhecimento do recurso especial (Sú-mulas 282 e 356 do STF). 2. Na penhora de faturamento, em relação ao administrador judicial, aplica-se o entendimento firmado na Súmula 319 do STJ, segundo o qual ‘o encargo de deposi-tário de bens penhorados pode ser expressamente recusado’. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido” (STJ, 1ª T., REsp nº 689.432-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, v.u., j. em 4/12/2007, DJ de 19/12/2007).

“HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. EXECUTIVO FISCAL. PENHORA DE FATURAMEN-TO DE EMPRESA. ADMINISTRADOR. DEPOSITÁRIO INFIEL. NOMEAÇÃO COMPUL-SÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Admitida em caráter de excepcionalidade, a penhora sobre o faturamento deve observar as formalidades dos artigos 677 e 678, parágrafo único, do Código de Processo Civil, de sorte a assegurar que a medida não acarrete solução de continuidade nos serviços desenvolvidos pela empresa executada. 2. Somente com a assinatura do auto de penhora é que se aperfeiçoa o depósito judicial, não podendo o representante legal da empresa executada ser coagido a assumir o encargo de depositário, sob pena de violação de direito fundamental previsto no art. 5º, inciso II, da Constituição da República. 3. Ordem de habeas corpus concedida” (STJ, 2ª T., HC nº 26.351-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, v.u., j. em 26/8/2003, DJ de 20/6/2007).

Penhora de faturamento: necessária apresentação de plano de pagamento“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. PENHORA DE FATURAMENTO. PLANO DE PAGA-

MENTO. DEPOSITÁRIO-ADMINISTRADOR. INADIMPLÊNCIA NA APRESENTAÇÃO. PRISÃO. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA. A denominada ‘penhora sobre faturamento’ de empresa somente torna-se eficaz após apresentação do plano de pagamento, pelo depositário-administrador. Antes de tal plano é impossível estabelecer o valor a ser gravado com penhora (CPC, arts. 677 e 678). A omissão do depositário-administrador em apresentar o plano justifica destituição sumária – jamais sua prisão” (STJ, 3ª T., RHC nº 22.166-RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, v.u., j. em 13/11/2007, DJ de 28/11/2007).

“PENHORA DE FATURAMENTO – REQUISITOS – INVIABILIDADE NO CASO. A nossa jurisprudência se assentou no entendimento – e não é recente – de que a penhora sobre fatura-mento da empresa é quase que uma declaração de insolvência. Embora lícita só é viável depois da nomeação de um administrador dessa empresa e quando esse administrador apresenta um plano de pagamentos” (STJ, 3ª T., REsp nº 431.638-SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, v.u., j. em 2/10/2007, DJ de 29/10/2007).

Penhora de faturamento: percentuais“Execução. Penhora de faturamento. Administrador. O faturamento da receita bruta diária no

quantitativo de 20% inviabiliza o funcionamento da empresa; admitida em situações excepcionais e em valores razoáveis, a medida deve ser precedida de instauração do regime de administração.

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Art. 678, par. único, do CPC. Recurso conhecido e provido” (STJ, 4ª T., REsp nº 252.739-GO, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v.u., j. em 19/10/2000, DJ de 18/12/2000).

Penhora de faturamento não é simples penhora de dinheiro

“Processo civil. Execução fiscal. Penhora em dinheiro. A penhora em dinheiro supõe a dis-ponibilidade deste, não se confundindo com a penhora de faturamento que exige nomeação de administrador na forma do art. 719, CPC. Agravo regimental improvido” (STJ, 2ª T., Ag nº 123.365-SP-AgRg, Rel. Min. Ari Pargendler, v.u., j. em 12/12/1996, DJ de 3/2/1997, p. 711).

Art. 867 - O juiz pode ordenar a penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel ou imóvel quando a considerar mais eficiente para o recebimento do crédito e menos gravosa ao executado.

I. Objeto da penhoraA medida corresponde àquilo que equivocadamente no Código anterior era designado de “usu-

fruto de empresa” (entendido aqui o termo como sinônimo de estabelecimento): a situação jurídi-ca do credor não era em nada assemelhada a de um usufrutuário, aproximando-se, muito mais, à de um credor anticrético, cujas regras eram então subsidiariamente aplicáveis, de modo que bem andou o legislador em eliminar aquela equivocada designação. Mas, bem vistas as coisas, agora incorreu em outra imprecisão, ao designá-la de “penhora de frutos e rendimentos”, porquanto, mais do que simples penhora (que tem por objeto garantir o juízo), é ela modo de satisfação di-reta do credor – estando arrolada dentre as medidas expropriatórias (CPC, art. 825, inciso III), das quais se distingue porque a satisfação do crédito não é imediata, mas gradativa. Seja como for, frutos e rendimentos de bens corpóreos (ou coisas), móveis ou imóveis, em princípio e des-de que não se verifique situação de impenhorabilidade, podem ser livremente constritos e disso nunca ninguém duvidou. Compreende-se na medida não só a penhora de frutos e rendimentos presentes, mas, sobretudo, os futuros, expectativos ou meramente eventuais; além disso, embora se tenha feito alusão a coisas que, em sentido estrito, são somente os bens corpóreos, não há boa razão para afastar o cabimento da medida também em relação a frutos e rendimentos de bens in-corpóreos. Podem assim ser penhorados alugueres, rendas temporárias, lucros, juros, dividendos, royalties, direitos de participação, gratificações, bônus e assim por diante.

II. Eficiência e menor onerosidadeAo deferir a penhora, deve o juiz sopesar, de um lado, se se trata de uma forma eficiente para

o recebimento do crédito e, de outro, se é menos gravosa ao executado (CPC, art. 805). “Menos gravosa”; não “a menos gravosa”. De toda forma, trata-se de preocupação que remonta às ori-gens do instituto (Lei de 20 de junho de 1774, § 24). Em caso de penhora de bem de valor muito superior ao crédito do exequente, poderá eventualmente se afigurar mais vantajoso para todos que, ao invés de proceder à alienação judicial, o juiz conceda a penhora de frutos e rendimentos do bem. Da mesma forma, para créditos de menor monta, a penhora em questão poderá não se justificar, pelos custos envolvidos em sua implementação.

III. Concordância do devedor No regime atual, a penhora de frutos e rendimentos deixa de ser providência expropriatória

condicionada à manifestação do devedor.

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IV. Julgado

“Execução – Usufruto de empresa. Cabe ao juiz da execução decidir sobre a viabilidade de conceder ao credor o usufruto de empresa, como forma de satisfazer seu direito” (STJ, 2ª Seção, CC nº 1.483-RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, v.u., j. em 27/2/1991, DJ de 25/3/1991).

Art. 868 - Ordenada a penhora de frutos e rendimentos, o juiz nomeará administrador-depositário, que será investido de todos os poderes que concernem à administração do bem e à fruição de seus frutos e utilidades, perdendo o executado o direito de gozo do bem, até que o exequente seja pago do principal, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios.§ 1º - A medida terá eficácia em relação a terceiros a partir da publicação da decisão que a conceda ou de sua averbação no ofício imobiliário, em caso de imóveis.§ 2º - O exequente providenciará a averbação no ofício imobiliário me-diante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independente-mente de mandado judicial.

I. ProcedimentoOrdenada a penhora de frutos e rendimentos, o juiz nomeará administrador-depositário, que

será investido de todos os poderes que concernem à administração do bem e à fruição de seus frutos e utilidades.

II. Restrições ao poder do devedorA penhora produz efeitos materiais: com o deferimento da medida, o devedor sofre restrições em

sua posição jurídica e perde o direito de gozo do bem, perda do poder de fruição, até que o credor seja integralmente satisfeito, com o pagamento do principal, juros e correção monetária, e todas as demais despesas do processo, incluindo custas judiciais e honorários advocatícios. Então, e só então, a constrição será levantada. A medida tem, pois, natureza temporária e caráter pro solvendo.

III. Oponibilidade a terceiros Para que a medida se torne oponível a terceiros e tenha eficácia erga omnes, o legislador pre-

viu duas distintas medidas de publicidade, conforme se trate de coisa móvel ou imóvel: (i) para as coisas móveis, basta a publicação da decisão concessiva (equivocadamente designada na lei anterior de “sentença”), mas para tanto não é necessária a veiculação de edital específico, bastan-do a publicação da decisão no Diário Oficial; e (ii) para as coisas imóveis, torna-se necessária a averbação junto à matrícula do bem no cartório de Registro de Imóveis – sendo que, para tanto, o exequente apresentará, diretamente e independentemente de mandado judicial, certidão judicial completa ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis em que o bem estiver registrado, para que se efetive a averbação (rectius: registro) junto à matrícula do bem.

Art. 869 - O juiz poderá nomear administrador-depositário o exequente ou o executado, ouvida a parte contrária, e, não havendo acordo, nomeará profissional qualificado para o desempenho da função.

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§ 1º - O administrador submeterá à aprovação judicial a forma de administração e a de prestar contas periodicamente.§ 2º - Havendo discordância entre as partes ou entre essas e o administrador, o juiz decidirá a melhor forma de administração do bem.§ 3º - Se o imóvel estiver arrendado, o inquilino pagará o aluguel diretamente ao exequente, salvo se houver administrador.§ 4º - O exequente ou o administrador poderá celebrar locação do móvel ou do imóvel, ouvido o executado.§ 5º - As quantias recebidas pelo administrador serão entregues ao exequente, a fim de serem imputadas ao pagamento da dívida.§ 6º - O exequente dará ao executado, por termo nos autos, quitação das quantias recebidas.

I. Administrador-depositário: escolha e designação

A lei processual permite que, ouvida a parte contrária e por esta não sendo suscitada obje-ção, o juiz possa nomear administrador-depositário o exequente ou executado. A lei processual assegurou o direito de oposição (dedutível da expressão “não havendo acordo” interpretada a contrario sensu) e não previu necessidade de fundamentação por parte de quem a levanta, nem a possibilidade de o juiz analisá-la em seu mérito. Assim, não havendo acordo, consenso, entendi-mento entre as partes, o juiz nomeará terceira pessoa, profissional qualificado de sua confiança, para o desempenho da função.

II. Sujeição ao controle judicial

O administrador-depositário deverá submeter à aprovação judicial a forma de administra-ção; além disso, ao longo do período de gestão, havendo discordância entre as partes ou entre essas e o administrador, o juiz decidirá a melhor forma de administração do bem. Outrossim, deverá o administrador-depositário prestar contas periodicamente e entregar ao exequente as quantias recebidas, a fim de que as mesmas sejam imputadas em pagamento da dívida; ou seja, a entrega dar-se-á diretamente ao exequente. Mas nada impede que o plano de administração aprovado preveja – ou que o juiz determine – o depósito das quantias em juízo, para ulterior levantamento.

III. Locação

Se o imóvel estiver arrendado, o inquilino pagará o aluguel diretamente ao exequente, salvo se houver administrador. Mas, além disso, a lei permite, tal como já o fazia a anterior (CPC/1973, art. 724), que o exequente ou o administrador possa, ouvido o executado, celebrar a locação (nova ou renovação da anterior) do bem móvel ou imóvel. Resta a dúvida: em nome de quem será o contrato celebrado? A resposta só pode ser: em nome do executado, legalmente representado pelo exequente ou administrador. Mas, como o devedor estará assim vinculado ao contrato e aos seus efeitos, os quais podem se projetar para além do prazo necessário ao pagamento do credor e abranger, por exemplo, a constituição de situações jurídicas de locações protegidas (LI, art. 53) ou passíveis de renovação compulsória (LI, art. 51), bem andou o legislador ao assegurar a sua oitiva, muito embora esta não seja de per si vinculante: ao juiz caberá decidir, à vista do que for objetado.

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IV. Quitação?

De forma absolutamente ilógica, o legislador contemplou a regra segundo a qual o exequente dará ao executado, por termo nos autos, quitação das quantias recebidas (CC, arts. 319 e ss.). Trata-se de providência anódina, autêntica superfetação. Que fará o juiz se o credor porventura espontaneamente não a outorgar? Ora, o pagamento estará sendo feito no bojo do processo judi-cial e o acertamento também deve se processar diretamente por autoridade do juiz. Por isso, a re-cusa do credor em outorgar quitação ao executado até poderá sujeitar aquele às sanções próprias do descumprimento de deveres processuais, mas nada impede que o juiz, suprindo-a e, afinal de contas, fazendo valer a sua autoridade, declare satisfeita e extinta a dívida.

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Art. 870 - A avaliação será feita pelo oficial de justiça.Parágrafo único - Se forem necessários conhecimentos especializados e o valor da execução o comportar, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega do laudo.

AutoraDebora Inês Kram Baumöhl Zatz

I. Regra: avaliação pelo oficial de justiça (manutenção da regra geral atual)

O CPC/2015 manteve a disciplina prevista no CPC/1973, art. 680, de que a avaliação do bem penhorado deve ser feita, em regra, pelo oficial de justiça. O caput do art. 870, no entanto, adota redação mais simplificada, eliminando a redundante menção à aceitação do valor estimado pelo executado como uma das causas para a dispensa da avaliação (o que já era previsto no CPC/1973, art. 684, inciso I), mantendo, porém, esta hipótese de dispensa de avaliação no art. 870, inciso I, como será visto adiante.

II. Exceção à regra: avaliação por avaliador especializado

O parágrafo único, por sua vez, prevê mais claramente a possibilidade de o juiz nomear avaliador, estabelecendo, para tanto, dois requisitos cumulativos:

(i) se forem necessários conhecimentos especializados (repetição do que já era previsto no CPC/1973, art. 680, caput). Na realidade, a jurisprudência já aceitava tranquilamente a ideia de que, havendo fundada impugnação sobre a avaliação realizada pelo oficial de justiça, poderia o magistrado determinar a realização de nova avaliação por avaliador mais especializado (STJ, 3ª T., MC nº 15976/PR, Rel. Min. Nancy Andrigui, j. em 3/9/2009, DJe de 9/10/2009 (www.stj.jus.br); TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2220809-08.2014.8.26.0000, Rel. Des. Cesar Ciampolini, j. em 12/5/2015 e TJSP, 4ª Câmara de Direito Público, AI nº 0278636-16.2011.8.26.000, Rel. Des. Ferreira Rodrigues, j. em 2/2/2015 (www.tjsp.jus.br) e;

(ii) se o valor da execução comportar. A introdução desse requisito, que constitui novidade, é benéfica porque aclara a ideia óbvia – antes apenas implícita – de que deve ser considerada a relação “custo-benefício” na realização desta avaliação mais especializada (cujo ponto de partida deve ser, evidentemente, o valor do próprio crédito). Em outras palavras, não seria razoável que o custo de avaliação especializada suplantasse o valor do próprio crédito exequendo. Daí por que, inclusive, outros meios mais simplificados de avaliação podem e devem ser considerados pelo magistrado, como visto a seguir.

III. Perícia, prova técnica de menor complexidade, pareceres técnicos

Sendo nomeado o avaliador, terá ele prazo não superior a dez dias para entrega do laudo. Configura-se, nessa hipótese, situação típica de prova pericial, aplicando-se, pois, no que couber, as disposições legais atinentes a esse meio de prova (CPC/2015, art. 464). Evidentemente, no entanto – e até mesmo em razão dos valores envolvidos –, caberá ao magistrado adaptar a aplicação dessas regras à avaliação, sob pena de complicar-se demasiadamente o procedimento

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avaliatório (que, por sua natureza, deve ser o mais simples possível). Por isso, crê-se que, na maior parte dos casos, seria o caso de aplicar os §§ 3º e 4º do art. 464, considerando-se a avalia-ção como “prova técnica de menor complexidade”. Outra alternativa que poderá ser adotada pelo magistrado, sempre levando-se em conta o valor envolvido na execução e a relação “custo-benefício” anteriormente referida, seria, por exemplo, a aplicação do art. 472 do CPC/2015 mediante a in-timação das partes para apresentação de pareceres técnicos, dispensando-se a perícia. Ou seja, de um modo geral, a intenção do dispositivo é a de propiciar meios alternativos para a avaliação do bem penhorado nas hipóteses em que não for o caso de fazê-la por meio do oficial de justiça, preservando-se, sempre, o contraditório entre as partes (CPC 2015, art. 872, § 2º, comentado a seguir).

Art. 871 - Não se procederá à avaliação quando:I - uma das partes aceitar a estimativa feita pela outra;II - se tratar de títulos ou de mercadorias que tenham cotação em bolsa, comprovada por certidão ou publicação no órgão oficial;III - se tratar de títulos da dívida pública, de ações de sociedades e de títulos de crédito negociáveis em bolsa, cujo valor será o da cotação oficial do dia, comprovada por certidão ou publicação no órgão oficial;IV - se tratar de veículos automotores ou de outros bens cujo preço médio de mercado possa ser conhecido por meio de pesquisas realizadas por órgãos oficiais ou de anúncios de venda divulgados em meios de comunicação, caso em que caberá a quem fizer a nomeação o encargo de comprovar a cotação de mercado.Parágrafo único - Ocorrendo a hipótese do inciso I deste artigo, a avaliação poderá ser realizada quando houver fundada dúvida do juiz quanto ao real valor do bem.

I. Hipóteses de dispensa de avaliação

No inciso I estabelece-se a possibilidade de dispensa da avaliação quando uma das partes acei-tar a estimativa de valor feita pela outra, adotando-se a antiga disposição prevista no CPC/1973, art. 684, inciso I, porém de forma mais abrangente. Deveras, no CPC/1973, previa-se essa mes-ma possibilidade de dispensa da avaliação quando o exequente concordasse com eventual esti-mativa do executado por ocasião de eventual pedido e substituição de penhora (CPC/1973, art. 688, parágrafo único, inciso V). A jurisprudência aceitava também em outras situações, como, por exemplo, na indicação de bens à penhora e na hipótese de avaliação já realizada em outros autos, com a qual concordara o executado (TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, AI nº 0089895-55.2012.8.26.0000, Rel. Des. Castro Figliolia, j. em 24/10/2012, www.tjsp.jus.br). Enfim, em todas as hipóteses de estimativa feita pelo executado, havendo concordância expressa ou tácita do exequente (silenciando após ter sido intimado dela), já eram consideradas, na maior parte dos casos, como suficientes à dispensa da avaliação. Na realidade, mesmo diante de ausência de pre-visão legal, havia casos em que a concordância do executado com a estimativa apresentada pelo exequente gerava a dispensa de avaliação (TJSP, 7ª Câmara do Quarto Grupo (Extinto 2º TAC),

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AI n º 0003687-83.2003.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Rigolin, j. em 1º/7/2003, www.tjsp.jus.br), mas o detalhamento legal expresso dessa possibilidade é salutar porque pode evitar discussões desnecessárias. Outro ponto de remarque, que será retomado a seguir, diz respeito ao fato de que, mesmo na hipótese de concordância entre as partes, havendo dúvida para o juiz, poderá ele determinar a realização de avaliação, tal como passou a prever expressamente o CPC/2015, art. 871, parágrafo único (comentário correspondente infra).

O CPC/2015, art. 870, inciso II, repete ipsis litteris o CPC/1973, art. 684, inciso II, estipulan-do que não haverá avaliação quando o bem penhorado se tratar de títulos ou de mercadorias que tenham cotação em bolsa, cabendo ao nomeante comprovar a cotação por meio de certidão ou publicação no órgão oficial.

E o inciso III, por sua vez, repete ipsis litteris o CPC/1973, art. 682, ao estipular que não haverá avaliação quando o bem penhorado se tratar de títulos da dívida pública, de ações de so-ciedades e de títulos de crédito negociáveis em bolsa, cujo valor [de avaliação] será o da cotação oficial do dia, comprovada por certidão ou publicação no órgão oficial; sendo mais bem alocado, em termos topográficos, em relação ao dispositivo anterior.

O inciso IV, traduz maior novidade em relação às hipóteses legais de dispensa de avaliação e felizmente acolhe no texto legal uma realidade que já vinha ocorrendo nos foros. Estipula-se, ali, que não deverá haver avaliação em caso de bens cujos valores de mercado sejam facilmente apu-ráveis mediante mera consulta a órgãos oficiais ou de anúncios de venda divulgados em meios de comunicação (nominando expressamente a situação mais corriqueira dos veículos automotores, mas não restringindo a hipótese a eles), cabendo, também nesse caso, à parte que nomeou o bem, o encargo de fazer a comprovação da cotação de mercado.

Novamente, cumpre dizer que é salutar a expressa disposição legal porque havia casos em que, mesmo a despeito de notável divergência entre a avaliação judicial e as cotações daquelas fontes, os tribunais mantinham aquela em detrimento destas, justamente em razão de ausência de expressa disposição legal que os autorizasse expressamente a agir de modo diferente.

II. Procedimento

Na hipótese do CPC/2015, art. 871, inciso IV, uma vez comprovada pela parte que indicou o bem a sua cotação, por meio de documentos idôneos, deverá ser intimada a parte contrária para sobre ela manifestar-se, sendo que a ausência de impugnação implicará dispensa da avaliação (art. 871, inciso I). Caso a parte contrária, no entanto, de modo fundamentado, venha a impugnar a cotação inicialmente estimada, o juiz decidirá – podendo, nessa hipótese, inclusive, requisitar informações a órgãos oficiais ou mesmo determinar a realização da avaliação (CPC 2015, art. 871, parágrafo único).

III. Avaliação determinada judicialmente mesmo em caso de concordância entre as partes: parágrafo único

O parágrafo único inova ao permitir expressamente que o juiz determine a realização da avaliação mesmo na hipótese de as partes terem concordado entre si (inciso I), desde que haja “fundada dúvida do juiz quanto ao real valor do bem”. Na prática forense, isso já ocorria, além de essa possibilidade decorrer, como parece óbvio, dos poderes instrutórios e executórios con-feridos ao magistrado (CPC/1973, arts. 131, 461, 461-A, por exemplo). De todo modo, considera-se salutar a adoção expressa dessa possibilidade, até porque o intuito do dispositivo parece ser tam-bém o de evitar fraude, simulação ou prejuízo a terceiros.

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IV. Rol não taxativo

Entende-se não ser taxativo o rol das hipóteses previstas no dispositivo em questão, pois há outras situações em que poderá ser dispensada a avaliação. Relembre-se, por exemplo, a hipótese de penhora de bem hipotecado cujo valor tenha sido previamente estipulado pelas partes e cons-tado em escritura (CC/2002, art. 1.484). Vale ressaltar, no entanto, que mesmo nessas situações, havendo mudança substancial no mercado imobiliário, há de ser permitida a avaliação no âmbito do processo executivo. Quando o bem penhorado tratar-se de dinheiro, por óbvio, tampouco ha-verá necessidade de avaliação.

Art. 872 - A avaliação realizada pelo oficial de justiça constará de vistoria e de laudo anexados ao auto de penhora ou, em caso de perícia realizada por avaliador, de laudo apresentado no prazo fixado pelo juiz, devendo-se, em qualquer hipótese, especificar:I - os bens, com as suas características, e o estado em que se encontram;II - o valor dos bens.§ 1º - Quando o imóvel for suscetível de cômoda divisão, a avaliação, tendo em conta o crédito reclamado, será realizada em partes, sugerindo-se, com a apresentação de memorial descritivo, os possíveis desmembramentos para alienação.§ 2º - Realizada a avaliação e, sendo o caso, apresentada a proposta de desmembramento, as partes serão ouvidas no prazo de 5 (cinco) dias.

I. Requisitos mínimos do laudo de avaliação

O caput do dispositivo dedica-se a estipular os requisitos mínimos necessários ao laudo de avaliação, repetindo, nesse tópico, o que dispunha o CPC/1973 em seu art. 681, incisos I e II: (i) a especificação dos bens, com suas características, e o estado em que se encontram e (ii) o valor dos bens. No caso de a avaliação ser realizada por oficial de justiça, esse laudo simplificado de-verá vir anexo ao auto de penhora. E, no caso de ser realizado por avaliador nomeado pelo juiz, o laudo deverá ser entregue no prazo fixado judicialmente (art. 870, parágrafo único), nunca superior a dez dias.

II. Memorial descritivo de sugestão de desmembramento de bem imóvel

O § 1º cuida da hipótese de o bem avaliado ser imóvel suscetível de divisão, determinando que a avaliação, nesses casos, leve em consideração esta peculiaridade e impondo a apresentação de memorial descritivo que sugira possíveis desmembramentos, tudo com vistas a facilitar eventual alienação do bem e satisfação do crédito exequendo. O CPC/1973 faz menção a esse “memorial” apenas ao regulamentar a ação de divisão (CPC/1973, arts. 968 c.c. 959), sendo que o CPC/2015 incorpora agora esse elemento no procedimento de avaliação do bem penhorado.

Como é sabido, sobejam, na prática forense, as hipóteses em que o valor do bem penhorado excede em muito o valor do próprio crédito, de modo que a viabilização do seu desmembramento e subsequente alienação parcial (partes ideais) é, em muitos casos, a única saída para a satisfação do crédito exequendo.

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Debora Inês Kram Baumöhl Zatz Art. 873

Ainda que não haja consenso quanto a sugestão de desmembramento, se o magistrado veri-ficar que não haverá sensível diminuição do seu valor de mercado ou qualquer tipo de prejuízo para o seu uso, poderá determinar o desmembramento coercitivo, a exemplo do que já ocorria na ação de divisão (CPC/1973, arts. 968 c.c. 958 e 959; CPC/2015, arts. 589 c.c. 581 e 582).

III. Prazo para oitiva das partes: necessário contraditório

O § 2º passa a prever expressamente a necessidade de intimação das partes acerca da avaliação do bem penhorado, num louvável esforço de concretização do princípio do contraditório. Apesar disso, talvez pela redação confusa, talvez pela localização topográfica, há entendimento de que essa oitiva no prazo de cinco dias estipulada pelo § 2º deveria ocorrer apenas na hipótese de ser apresentada alguma proposta de desmembramento do bem, o que não parece ser a interpretação mais adequada. Na verdade, a oitiva sobre a avaliação do bem em cinco dias prevista no disposi-tivo deve ocorrer em qualquer hipótese, havendo ou não proposta de desmembramento.

Art. 873 - É admitida nova avaliação quando:I - qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador;II - se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem;III - o juiz tiver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem na primeira avaliação.Parágrafo único - Aplica-se o art. 480 à nova avaliação prevista no inciso III do caput deste artigo.

I. Hipóteses que permitem nova avaliaçãoTrata o dispositivo das hipóteses em que é permitida a realização de nova avaliação, reprodu-

zindo, em seus incisos I, II e III, exatamente as mesmas disposições contidas no CPC/1973, art. 683, incisos I, II e III, quais sejam:

(i) quando qualquer das partes arguir fundamentadamente erro na avaliação ou dolo do avaliador. A locução erro, aqui, deve ser entendida no sentido de equívoco, como, por exemplo, sensível disparidade entre o valor de mercado do bem e aquele atribuído pelo avaliador. Não se trata, pois, das hipóteses de erro que implicam anulabilidade do negócio jurídico, nos termos do quanto estipu-lado no CC/2002, art. 138 e ss. Era nesse sentido, já, a jurisprudência antiga do STJ: 3ª T., REsp nº 59525/RO, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 26/11/1996, DJ de 3/2/1997.

Dolo, por sua vez, envolve a ideia de atitude deliberada que tenha sido adotada pelo avaliador para influenciar o resultado da avaliação em detrimento de uma das partes (e, por isso mesmo, estende-se também ao oficial de justiça);

(ii) quando se verificar sensível majoração ou diminuição do valor do bem após a avaliação. Há entendimento jurisprudencial consolidado, inclusive, no sentido de que caso tenha decorrido largo espaço de tempo entre a avaliação e a hasta pública é recomendável que se proceda à rea-valiação do bem penhorado (STJ, 3ª T., REsp nº 1269474/SP, Rel. Min. Nancy Andrigui, j. em 6/12/2011, DJe de 13/12/2011, www.stj.jus.br) e;

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Debora Inês Kram Baumöhl Zatz Art. 874

(iii) quando o juiz tiver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem na primeira avaliação. A hipótese, aqui, é distinta daquela prevista no CPC/2015, art. 871, parágrafo único, que prevê a possibilidade de o juiz determinar que haja avaliação do bem (no caso, a primeira) caso tenha dúvidas a respeito do seu valor a despeito de haver concordância entre as partes.

O dispositivo traz quase imperceptível alteração de conteúdo, uma vez que o CPC/1973, art. 683, inciso III, fazia remissão expressa ao art. 668, parágrafo único, inciso V, que, por sua vez, tratava da avaliação feita pelo executado. Assim, a novel disposição (CPC/2015, art. 878, inciso III) é mais ampla porque permite a realização de segunda avaliação quando houver dúvida do juiz acerca do valor da primeira avaliação independentemente de quem a tenha feito (exequente ou executado).

II. Incidência das regras da “segunda perícia” (parágrafo único)

Caso seja determinada a realização da segunda avaliação, dispõe o parágrafo único que serão aplicáveis a ela as regras da “segunda perícia” (CPC/2015, art. 480, § 3º), de modo que caberá ao juiz expor fundamentadamente as razões pelas quais determina a realização de segunda ava-liação, desafiando, tal decisão, o recurso de agravo de instrumento, nos termos do CPC/2015, art. 1.015, parágrafo único.

Convém ressaltar, outrossim, que a segunda avaliação (assim como a segunda perícia) não invalida nem substitui a primeira, devendo ambas ser livremente apreciadas pelo magistrado, a quem caberá, de modo fundamentado, optar por uma ou outra (CPC/2015, art. 480, § 3º).

Art. 874 - Após a avaliação, o juiz poderá, a requerimento do interessado e ouvida a parte contrária, mandar:I - reduzir a penhora aos bens suficientes ou transferi-la para outros, se o valor dos bens penhorados for consideravelmente superior ao crédito do exequente e dos acessórios;II - ampliar a penhora ou transferi-la para outros bens mais valiosos, se o valor dos bens penhorados for inferior ao crédito do exequente.

I. “Ajuste” da penhora ao valor do crédito exequendo

O dispositivo reproduz quase que literalmente o que prevê o CPC/1973 no caput do art. 685, estipulando que, após a avaliação, o magistrado poderá reduzir ou ampliar a penhora, ou mesmo transferi-la para outros bens, como consequência de uma razoável ponderação entre o valor do crédito e o valor do bem penhorado. Em outras palavras, trata-se apenas de adaptar a penhora ao valor executado.

A alteração, quase imperceptível à primeira vista, diz respeito à exclusão da expressão bens “que bastem à execução” na eventual transferência de penhora. Isso porque, nessa fase proces-sual, seria ainda difícil apurar todas as custas processuais, incluindo a fixação de honorários, bem como o valor real pelo qual o bem penhorado será, eventualmente, alienado. Por isso, a manutenção da expressão “consideravelmente” inferior (ou superior), crê-se, é suficiente para transmitir a ideia de que a redução/ampliação/transferência da penhora estaria autorizada em casos de notável diferença entre o valor avaliado e o valor do crédito.

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Debora Inês Kram Baumöhl Zatz Arts. 875 e 876

II. A requerimento do interessado/atuação de ofício pelo magistradoTanto no CPC/1973 quanto no CPC/2015, a previsão é de que o ajuste de penhora ocorra a

requerimento do interessado e sempre após a oitiva da parte contrária. Seria possível, contudo, que o magistrado assim procedesse de ofício, caso verificasse considerável disparidade entre o valor do crédito e o valor da avaliação – apoiado em seus poderes executórios e visando alcançar uma execução equilibrada; e sempre tendo em conta, evidentemente, o princípio da menor one-rosidade possível ao executado.

Art. 875 - Realizadas a penhora e a avaliação, o juiz dará início aos atos de expropriação do bem.

Não há modificações, determinando-se mais claramente que, cumpridas as providências de avaliação, o juiz dará início à fase de expropriação do bem penhorado.

Art. 876 - É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados.§ 1º - Requerida a adjudicação, o executado será intimado do pedido:I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos;II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos;III - por meio eletrônico, quando, sendo o caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos.§ 2º - Considera-se realizada a intimação quando o executado houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no art. 274, parágrafo único.§ 3º - Se o executado, citado por edital, não tiver procurador constituído nos autos, é dispensável a intimação prevista no § 1º.§ 4º - Se o valor do crédito for:I - inferior ao dos bens, o requerente da adjudicação depositará de imediato a diferença, que ficará à disposição do executado;II - superior ao dos bens, a execução prosseguirá pelo saldo remanescente.§ 5º - Idêntico direito pode ser exercido por aqueles indicados no art. 889, incisos II a VIII, pelos credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem, pelo cônjuge, pelo companheiro, pelos descendentes ou pelos ascendentes do executado.§ 6º - Se houver mais de um pretendente, proceder-se-á a licitação entre eles, tendo preferência, em caso de igualdade de oferta, o cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente, nessa ordem.§ 7º - No caso de penhora de quota social ou de ação de sociedade anônima fechada realizada em favor de exequente alheio à sociedade, esta será intimada, ficando responsável por informar aos sócios a ocorrência da penhora, assegurando-se a estes a preferência.

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Debora Inês Kram Baumöhl Zatz Art. 876

I. Adjudicação: meio expropriatório preferencial

A adjudicação consiste na transferência coativa do bem penhorado para o patrimônio do exe-quente, de modo que o seu pagamento dar-se-á por meio do recebimento desse bem ao invés do valor pecuniário correspondente ao seu crédito.

Desde a edição da Lei nº 11.382/2006, a adjudicação passou a ser o meio expropriatório pre-ferencial adotado pelo legislador. Tal como disciplinada, tanto no CPC/1973 como no CPC/2015, consiste ela, portanto, na primeira alternativa a ser adotada na tentativa de satisfação do crédito exequendo, numa clara adoção legislativa segundo a qual deve-se evitar a alienação do bem pe-nhorado (seja por iniciativa particular ou por leilão, conforme CPC/2015, art. 879 e ss.). É claro que, para que isso ocorra, no entanto, deverá haver manifestação de vontade do exequente ou dos demais legitimados a requerer a adjudicação, sem o que passar-se-á para o meio expropriatório consistente na alienação dos bens penhorados (CPC/2015, art. 879/903).

Na realidade, essa opção do legislador, tendo se iniciado com a edição da Lei nº 11.232/2006, foi não só mantida mas reforçada no CPC/2015, no qual buscou-se, visivelmente, aperfeiçoar os dispositivos atinentes a esse meio expropriatório, prestigiando-o, tanto quanto possível, na visível esperança de que ele possa de fato contribuir para elevar o número de casos em que haja efetiva satisfação do crédito exequendo (ainda que não pelo recebimento em pecúnia), dificul-dade que, como se sabe, na maior parte dos casos esbarra na simples ausência de patrimônio do devedor.

A adjudicação pode se dar tanto no caso de o bem penhorado ser móvel ou imóvel, tal como deflui claro do caput do art. 876, que reproduziu literalmente o quanto disposto no CPC/1973, art. 685-A, caput, no sentido de que é lícito ao exequente adjudicar “os bens penhorados”, sem qualquer ressalva.

Antes da edição da Lei nº 11.232/2006, havia certa discussão doutrinária a respeito do tema. Isso porque a Seção II (“Do Pagamento ao Credor”) do CPC/1973 contava então com a subseção III, cujo título era “Da Adjudicação de Imóvel”, o que levava parte da doutrina à equivocada conclusão de que apenas os bens imóveis poderiam ser adjudicados. A Lei nº 11.232/2006 corri-giu essa distorção – que já à época era detectável, mediante o simples exame do que dispunha o CPC/1973, art. 708, inciso II – ao revogar textualmente a referida subseção e os artigos que ela encerrava (CPC/1973, arts. 714, 715).

II. Adjudicação pelo exequente: preço não inferior ao da avaliação e momento para requerer: caput e § 4º

O CPC/2015, art. 876, caput, prevê a possibilidade de adjudicação do bem penhorado pelo exequente (e pelos demais legitimados previstos no § 5º), que, para tanto, deve oferecer preço “não inferior ao da avaliação”, tal como já previa o CPC/1973, art. 685-A, caput. Se, por alguma das razões constantes do art. 871, não tenha ocorrido avaliação no processo, o critério deverá ser, de todo modo, o valor fixado/homologado pelo juiz.

A previsão de que a adjudicação não se dê por preço inferior ao valor da avaliação, já existente no CPC/1973 (art. 685-A, caput), tutela, por razões evidentes, os interesses do devedor. Desse modo, o § 4º do artigo ora comentado reproduz os termos do que já dispunha o CPC/1973 (art. 685-A, § 1º), no sentido de que, sendo o valor do crédito inferior ao valor do bem penhorado, deverá o adjudicante depositar imediatamente a diferença, que ficará à disposição do juízo da execução para posterior levantamento pelo executado (CPC/2015, art. 907) – ou pelos demais

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Debora Inês Kram Baumöhl Zatz Art. 876

credores, se for o caso (CPC/2015, art. 908, § 1º). Por outro lado, sendo o crédito superior ao valor do bem adjudicado, “a execução prosseguirá pelo saldo remanescente” (CPC/2015, art. 876, § 4º, inciso II), cabendo ao credor, se possível, realizar segunda penhora. A extinção da execução em razão da adjudicação somente dar-se-á, pois, na remota – porém possível – hipótese de o valor do bem adjudicado coincidir com o crédito exequendo. Vale registrar, outrossim, que, em se tratando de execução hipotecária, a adjudicação deverá abranger o valor do saldo devedor, tal como estipula o art. 7º da Lei nº 5.741/1971 (STJ, 2ª T., REsp nº 605456/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 1º/9/2005, DJ de 19/9/2005, www.stj.jus.br).

Embora o CPC/2015 não tenha sido muito claro quanto ao momento para requerer-se a ad-judicação, uma interpretação sistemática dos dispositivos em comento permite concluir que tal requerimento é possível desde a conclusão da fase de avaliação do bem penhorado até que se dê início aos procedimentos relativos à alienação (que, nos termos do art. 880, dar-se-á por requeri-mento do próprio exequente). Contudo, importante remarcar que o CPC/2015 trouxe importante inovação ao permitir a reabertura da possibilidade de requerer-se a adjudicação caso restem frus-tradas as tentativas de alienação, nos termos do que dispõe o art. 878.

Há entendimento doutrinário, ainda sob a vigência do CPC/1973, de que a adjudicação, sendo meio expropriatório preferencial, poderia ocorrer a qualquer momento. Não parece ser essa, con-tudo, a intenção do legislador, especialmente o do CPC/2015, que, ao estipular a possibilidade expressa de “reabertura” de possibilidade de requerer-se a adjudicação (art. 878), corrobora com o entendimento de que, iniciados os procedimentos para a alienação, vedada estaria a adjudicação.

III. Formas de intimação do executado sobre o requerimento de adjudicação: §§ 1º, 2º e 3º

A exigência expressa de intimação legal do executado para manifestar-se sobre o pedido de adjudicação formulado pelo exequente (ou dos demais legitimados arrolados no § 5º), bem como o cuidadoso detalhamento das possíveis formas de intimação, consistem em importantes novida-des do CPC/2015 em relação à disciplina da matéria constante do CPC/1973, art. 685-A.

Tal inovação representa benefício considerável em prol do devedor, porque, embora a necessi-dade de intimação do executado pudesse ser sistematicamente intuída na vigência do CPC/1973, tanto a doutrina quanto a jurisprudência hesitavam em admiti-lo, exatamente em razão da ausên-cia de previsão legal expressa.

Assim, após o requerimento de adjudicação e antes de sua efetivação, deverá o executado necessariamente dele ser intimado – inclusive de todos os elementos a ele atinentes, tais como valor oferecido e depósito de eventual saldo pelo adjudicante, por exemplo – podendo manifes-tar-se no prazo de cinco dias (CPC/2015, art. 877, a seguir comentado).

Nos termos do § 1º, a intimação do executado deverá ocorrer: (i) pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos (inciso I); (ii) pessoalmente, por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos (inciso II); presumindo-se válida a intimação, nessas hipóteses, quando o executado houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo (§ 2º), nos termos do art. 214 e; (iii) por meio eletrônico, quando o executado se tratar de empresa pública ou privada cadastrada nos sistemas de processo em autos eletrônicos para efeito de recebimento de citações e intimações (CPC/2015, art. 246, § 1º) e não tiver procurador constituído nos autos.

Na hipótese de o executado ter sido citado por edital, dispensa-se a sua intimação, tal como previsto no § 3º do dispositivo em comento.

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IV. Detalhamento e ampliação do rol dos legitimados a requererem a adjudicação do bem penhorado: § 5º

O § 5º reproduz o quanto estipulado no CPC/1973, art. 685-A, § 2º, ampliando, no entanto, o rol de legitimados mediante maior detalhamento dos credores que detêm direito real de garantia ou algum tipo de preferência (fazendo referência, pois, aos incisos II a VIII do art. 889) e incluin-do expressamente o companheiro no rol de legitimados.

Assim, pode-se dividir, basicamente, em três categorias de legitimados a requererem a ad-judicação do bem penhorado (além do próprio exequente), a seguir separadamente analisadas:

(i) credores com direito real de garantia ou algum tipo de preferência, expressamente indi-cados nos incisos II a VIII do art. 889 (para o qual o CPC/2015, em seu § 5º, remete expressa-mente). São eles: (a) o coproprietário de bem indivisível do qual tenha sido penhorada fração ideal; (b) o titular de usufruto, uso, habitação, enfiteuse, direito de superfície, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre bem gravado com tais direitos reais; (c) o proprietário do terreno submetido ao regime de direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre tais direitos reais; (d) o credor pignoratício, hipote-cário, anticrético, fiduciário ou com penhora anteriormente averbada, quando a penhora recair sobre bens com tais gravames, caso não seja o credor, de qualquer modo, parte na execução; (e) o promitente comprador, quando a penhora recair sobre bem em relação ao qual haja promessa de compra e venda registrada; (f) o promitente vendedor, quando a penhora recair sobre direito aquisitivo derivado de promessa de compra e venda registrada e; (g) a União, o Estado e o Mu-nicípio, no caso de alienação de bem tombado.

A expressa menção a esses credores mostra-se bastante compatível com o sistema preconizado pelo CPC/2015, que passou a prever tratamento mais sistemático aos credores com direitos de garantias reais em caso de penhora desses bens ou direitos. Confira-se, nesse sentido, que o art. 799 dispõe que tais credores deverão ser intimados da penhora que eventualmente recaia sobre os direitos ou bens sobre os quais detenham algum direito ou garantia real (CPC/2015, art. 799). Por outro lado, o próprio art. 889, em seu caput, estipula que esses mesmos terceiros legitima-dos a requerer a adjudicação deverão necessariamente ser “cientificados da alienação judicial, com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência”, disposição essa que, evidentemente, aplica-se também na hipótese de adjudicação, embora o CPC/2015 não tenha disposto expressamente a respeito.

(ii) credores concorrentes (quirografários) que já tenham penhorado o mesmo bem em outras execuções também têm legitimidade para postular a adjudicação – exigência a que os credores de garantia real não estão sujeitos, como visto anteriormente. Lembre-se, nesse sentido, que o CPC/2015, art. 842, prevê que “recaindo a penhora sobre bem imóvel ou direito real sobre imóvel, será intimado também o cônjuge do executado, salvo se forem casados em regime de separação absoluta de bens”.

(iii) cônjuge, companheiro, descendentes ou ascendentes do executado. A novidade, aqui, fica por conta da inclusão expressa do companheiro no rol de legitimados a requerer a adjudicação, embora a jurisprudência e doutrina já o admitissem. Araken de Assis, comentando a alteração introduzida pelo CPC/1973, 685-A, § 2º (equivalente, pois, ao dispositivo ora comentado), chega a equiparar textualmente a ordem de preferência nele estipulada com uma simplificada forma de “resgate de bens” (remição), afirmando ainda que a remição do imóvel hipotecado, tal como

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prevista no CC, art. 1.482, não discrepa em nada da legitimidade aqui estabelecida para a adju-dicação do bem.

De qualquer modo, vale dizer que aplicam-se aos terceiros legitimados à adjudicação do bem penhorado exatamente as mesmas exigências quanto ao preço a ser ofertado (nunca inferior ao valor da avaliação); bem como quanto ao momento para requerer a adjudicação (ver comentários supra).

Já no que diz respeito à regra do § 4º, alguma adaptação deverá haver na sua aplicação quando se tratar de adjudicação realizada não pelo exequente, mas sim pelos legitimados do § 5º. Isso porque, nessas hipóteses, a adjudicação equivalerá a uma espécie peculiar de aliena-ção, já que terá por objetivo exatamente trazer ao processo dinheiro (pecúnia) para satisfazer o crédito exequendo (e, por isso mesmo, é denominada por Cândido Dinamarco de “adjudicação liquidativa”).

V. Concurso de pretendentes à adjudicação e a ordem legal de preferência para o seu exercício: § 6º

Na hipótese de serem vários os pretendentes à adjudicação, determina o § 6º (preservando a regra do CPC/1973, art. 685-A, § 3º) a realização de uma licitação simplificada, adotando-se como critério inicial o maior preço (e, nesse caso, o exequente concorrerá em igualdade de con-dições com os demais interessados). Em caso de igualdade de ofertas, a preferência será dada ao cônjuge ou ao companheiro e, subsequentemente, ao descendente e ao ascendente.

De acordo com a redação do dispositivo, portanto, parece claro que a intenção do legislador foi exatamente a de manter a preferência dos familiares em qualquer hipótese de concurso de pretendentes à adjudicação, ou seja, independentemente da classificação entre os legitimados, havendo concurso, é de se aplicar a ordem de preferência do § 7º, privilegiando-se, desse modo, a possibilidade de o bem permanecer no âmbito familiar do executado. Há, no entanto, entendi-mento doutrinário no sentido de que a primazia do direito à adjudicação caberia, primeiramente, aos credores com garantia real, sendo eles secundados pelos familiares e, em último caso, seria dada a preferência aos chamados credores quirografários (respeitando-se, nessa hipótese, a ante-rioridade da penhora e a categoria de seus créditos).

Havendo licitação entre os possíveis pretendentes à adjudicação, decidirá o magistrado por meio de decisão interlocutória passível de ser desafiada por agravo de instrumento, nos termos do CPC/2015, art. 1.015, parágrafo único.

VI. Adjudicação de penhora de cota social ou ação e a intimação da sociedade: § 7º

O § 7º reproduz, com melhora redacional significativa (mas ainda passível de críticas, como será visto), a disposição do CPC/1973, art. 685-A, § 4º. Dedica-se a regulamentar a hipótese de adjudicação de cota social ou de ação de sociedade anônima fechada, estipulando que, quando esta adjudicação se der por pessoa estranha à sociedade, deverá ela necessariamente ser intimada para que os sócios sejam cientificados da intenção da adjudicação, cabendo a eles exercer, even-tualmente, preferência na aquisição.

Portanto, embora tenha havido melhoras redacionais em relação ao CPC/1973, ainda assim o dispositivo em comento, tal como redigido, pode levar a equívocos: a intimação da sociedade so-bre a penhora propriamente dita (e subsequente cientificação que ela deverá fazer aos sócios) já deverá ter ocorrido antes do requerimento de adjudicação, por força do que dispõem os arts. 799, inciso VII, e 876, § 7º. O § 7º do art. 876 regulamenta, pois, nova intimação que deverá ocorrer

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em caso de requerimento de adjudicação, deixando, nessa hipótese, indene de dúvidas que haverá direito de preferência dos sócios na aquisição das cotas (ou ações).

No ponto, vale referir o entendimento doutrinário de que há prevalência da preferência para adjudicação conferida aos sócios (da sociedade cujas cotas ou ações foram penhoradas) em de-trimento dos demais legitimados do § 5º, inclusive dos familiares do executado.

Art. 877 - Transcorrido o prazo de 5 (cinco) dias, contado da última intimação, e decididas eventuais questões, o juiz ordenará a lavratura do auto de adjudicação.§ 1º - Considera-se perfeita e acabada a adjudicação com a lavratura e a assinatura do auto pelo juiz, pelo adjudicatário, pelo escrivão ou chefe de secretaria, e, se estiver presente, pelo executado, expedindo-se:I - a carta de adjudicação e o mandado de imissão na posse, quando se tratar de bem imóvel;II - a ordem de entrega ao adjudicatário, quando se tratar de bem móvel.§ 2º - A carta de adjudicação conterá a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula e aos seus registros, a cópia do auto de adjudicação e a prova de quitação do imposto de transmissão.§ 3º - No caso de penhora de bem hipotecado, o executado poderá remi-lo até a assinatura do auto de adjudicação, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido.§ 4º - Na hipótese de falência ou de insolvência do devedor hipotecário, o direito de remição previsto no § 3º será deferido à massa ou aos credores em concurso, não podendo o exequente recusar o preço da avaliação do imóvel.

I. Prazo para manifestações sobre eventuais requerimentos de adjudicação e momento para deferimento da adjudicação: caput

Nos termos do caput do artigo ora comentado – e tal como já havia sido dito anteriormente –, o CPC/2015 inova ao detalhar o procedimento para a adjudicação do bem penhorado, não só no que diz respeito à necessidade expressa de intimação do executado (e demais interessados) quanto a eventual requerimento de adjudicação como, também, ao estabelecer um prazo de cinco dias para que manifestem-se a respeito desse requerimento, estabelecendo verdadeiro incidente (o CPC/1973, art. 685-A, § 5º, estipulava apenas que “decididas eventuais questões, o juiz mandará lavrar o auto de adjudicação”).

Assim, a decisão acerca do(s) requerimento(s) de adjudicação deverá ser proferida decorrido o prazo de cinco dias após serem ultimadas as intimações e resolvidas eventuais questões. Trata-se, pois, de decisão interlocutória, que resolve um incidente, desafiando agravo de instrumento, nos termos do CPC/2015, art. 1.015, parágrafo único; cujo objeto deverá ser, evidentemente, a presença (ou ausência) dos requisitos necessários ao deferimento da adjudicação.

Vale frisar que o fato de o dispositivo dispor expressamente que o prazo para manifestação tem início após a “última intimação” justifica-se não só em razão da possível existência de mais

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de um executado, mas, sobretudo, porque deverão ser intimados também todos os entes arrolados no art. 889, tal como comentado no item IV ao art. 877 supra.

Deferida a adjudicação, será imediatamente ordenada a lavratura do auto de adjudicação.

II. Carta de adjudicação e Mandado de Imissão na Posse: caput, §§ 1º e 2º

O caput do dispositivo e o § 2º estipulam os requisitos e elementos necessários à carta de adjudicação no caso de tratar-se de imóvel o bem adjudicado (CPC/2015, art. 877, inciso II); devendo, tal documento, conter “a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula e aos seus registros, a cópia do auto de adjudicação e a prova de quitação do imposto de transmissão” (reprodução quase que literal do que dispunha o CPC/1973, art. 685-B, parágrafo único). Inova o CPC/2015 ao estipular expressamente a necessidade de expedição de Mandado de Imissão na posse do imóvel, exigência inexistente no CPC/1973 (mas que, na prática, acabava sendo so-licitada pelos adjudicantes, conforme se vê de STJ, 4ª T., REsp nº 509262/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. em 14/10/2003, DJ de 24/11/2003, www.stj.jus.br).

Em se tratando de adjudicação de bem móvel, será entregue ordem de entrega ao adjudica-tário, a qual, contudo, deverá conter os mesmos requisitos estabelecidos no caput (CPC/2015, art. 877, inciso II). A diferença já era prevista no CPC/1973, art. 685-B, caput, que, no entanto, denominava o documento de “mandado de entrega” no caso de bem móvel. Deveras, levando-se em consideração o próprio direito material, plenamente justificável a relativa diferença de trata-mento entre as situações, uma vez que a transferência de propriedade de bem imóvel depende do respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis (CC, art. 1.227), ao passo que a transfe-rência de propriedade de bem móvel dá-se pela mera tradição (CC, art. 1.226).

Por fim, ainda nos termos do que dispõe o caput, importante destacar que a lavratura da carta de adjudicação (ou da ordem de entrega) torna perfeita e acabada a adjudicação, que somente poderá ser contestada pelo executado por meio de ação própria (CPC/2015, arts. 903, § 4º c.c. 966, § 4º), uma vez que o CPC/2015 extinguiu a possibilidade de oposição de embargos à adju-dicação (CPC/1973, art. 746).

III. Possibilidade de remição do bem hipotecado, inclusive na hipótese de falência: §§ 3º e 4º

Na hipótese de o bem penhorado estar hipotecado, o dispositivo em comento prevê a possibili-dade de o executado remir o bem (resgatá-lo), desde que: (i) ofereça preço igual ao da avaliação ou ao do maior lance (na hipótese de ter havido licitação entre os legitimados à adjudicação) e; (ii) o faça até a assinatura do auto de adjudicação. Trata-se de inovação do CPC/2015, uma vez que o CPC/1973 nada dispunha a respeito dessa possibilidade. Mas é importante notar, no caso, que a remição, tal como prevista, pressupõe ter havido prévio requerimento (e deferimento) de adjudicação do bem.

Na verdade, a possibilidade de remição do bem hipotecado está em perfeita consonância com o direito material, que dispõe que “realizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipoteca-do, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado” (CC, art. 1.482).

Há manifestação doutrinária no sentido de que a inovação estaria consonante apenas com a primeira parte do dispositivo legal anteriormente referido (CC, art. 1.482), uma vez que pelo

Art. 877

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CPC/2015 somente o executado poderia remir o bem, reservando-se ao cônjuge/companheiro, descendente ou ascendente, o direito de preferência na sua adjudicação – havendo, inclusive, entendimento doutrinário de que essa preferência conferida aos familiares para a adjudicação do bem penhorado (CPC/1973, art. 685-A, § 2º) consistiria, na prática, numa “remição camuflada”.

Por fim, ainda em se tratando de bem penhorado hipotecado, em caso de falência do devedor hipotecário, nos termos do § 4º, fará jus ao direito de remição do bem a massa ou os credores falimentares (em concurso); e, nessa hipótese, não será lícito ao exequente opor-se ao preço da avaliação do imóvel. Esta inovação é compatível com o que dispõe a lei material no CC, art. 1.483, segundo o qual “no caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remição defere-se à massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação do imóvel”.

Art. 878 - Frustradas as tentativas de alienação do bem, será reaberta oportunidade para requerimento de adjudicação, caso em que também se poderá pleitear a realização de nova avaliação.

I. Reabertura da possibilidade de adjudicação na hipótese de restarem frustradas as tentativas de alienação

Como já comentado alhures, o dispositivo em comento traz importante inovação ao permitir a reabertura da possibilidade de requerer-se a adjudicação caso restem frustradas as tentativas de alienação.

Ao estipular a possibilidade expressa de “reabertura” de oportunidade de requerer-se a adjudi-cação, o novel dispositivo corrobora, contrario sensu, o entendimento de que, iniciados os pro-cedimentos para a alienação, vedada estaria a adjudicação, e reforça a ideia de que o CPC/2015 segue privilegiando a adjudicação como meio expropriatório preferencial.

Art. 878

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André Vasconcelos Roque

Art. 879 - A alienação far-se-á:I - por iniciativa particular;II - em leilão judicial eletrônico ou presencial.

AutorAndré Vasconcelos Roque

I. Modalidades de alienação forçada

A alienação forçada é ato executivo complexo, que envolve alguns atos preparatórios e outros de documentação (além da alienação propriamente dita), mediante a qual bens penhorados são convertidos em dinheiro, para que este seja entregue ao exequente. Somente com a entrega do di-nheiro ao exequente – não com a alienação – é que ocorre efetivamente a satisfação da execução. O dispositivo em tela relaciona as modalidades de alienação forçada no processo de execução, quais sejam por iniciativa particular (CPC, art. 880) e em leilão judicial eletrônico ou presencial (CPC, arts. 881 a 903). Resta mantida a regra de que a alienação por iniciativa particular prefere ao leilão, valendo destacar, todavia, que foi abolida a distinção entre praça e leilão do CPC/1973.

II. Meio de execução por sub-rogação

A alienação forçada se realiza por sub-rogação, ou seja, independentemente da vontade ou participação do executado. É frequente, inclusive, que ocorra apesar da reiterada oposição do executado. Não há como se cogitar, portanto, de um contrato de compra de venda, nem mesmo mediante representação legal do executado pelo órgão jurisdicional, que venderia seus bens. O Poder Judiciário não é mandatário do executado, o que afasta a disciplina de figuras típicas do direito privado para esse ato executivo. Em vez disso, valendo-se dos poderes inerentes à ati-vidade jurisdicional, o Poder Judiciário incursiona no patrimônio do executado para promover expropriação forçada, transformando os bens penhorados em dinheiro.

Art. 880 - Não efetivada a adjudicação, o exequente poderá requerer a alienação por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público credenciado perante o órgão judiciário.§ 1º - O juiz fixará o prazo em que a alienação deve ser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo, as condições de pagamento, as garantias e, se for o caso, a comissão de corretagem.§ 2º - A alienação será formalizada por termo nos autos, com a assinatura do juiz, do exequente, do adquirente e, se estiver presente, do executado, expedindo-se:I - a carta de alienação e o mandado de imissão na posse, quando se tratar de bem imóvel;II - a ordem de entrega ao adquirente, quando se tratar de bem móvel.§ 3º - Os tribunais poderão editar disposições complementares sobre o

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procedimento da alienação prevista neste artigo, admitindo, quando for o caso, o concurso de meios eletrônicos, e dispor sobre o credenciamento dos corretores e leiloeiros públicos, os quais deverão estar em exercício profissional por não menos que 3 (três) anos.§ 4º - Nas localidades em que não houver corretor ou leiloeiro público credenciado nos termos do § 3º, a indicação será de livre escolha do exequente.

I. Alienação por iniciativa particular: hipóteses

A modalidade em tela, que prefere à alienação pública, caracteriza-se pela alienação do bem do executado por iniciativa do próprio exequente ou de corretor ou leiloeiro público devidamente credenciado. Para que tal ocorra, é necessário que estejam preenchidos dois requisitos: (i) não ter havido adjudicação (CPC, arts. 876 a 878), qualquer que seja o motivo e (ii) requerimento do exequente para que se providencie a alienação por iniciativa particular, que não poderá, portanto, ser realizada contra a vontade das partes. Embora o juiz possa até sugerir, de ofício, a realização da alienação por iniciativa particular, quando verificar que se trata do meio menos gravoso (CPC, art. 805), deverá ouvir as partes antes de determinar tal providência. As partes não podem ser obrigadas a seguir por esse caminho se preferirem se utilizar do leilão judicial que, embora mais moroso e complexo, oferece maiores garantias.

Nada impede que o executado requeira a realização da alienação por iniciativa particular, até mesmo em razão da paridade de armas no processo, desde que esse seja o meio menos gravoso (CPC, art. 805). No entanto, será indispensável a anuência do exequente para que se realize por sua própria iniciativa. Caso contrário, a alienação somente poderá ser efetivada por iniciativa de corretor ou leiloeiro, observada a exigência de prévio cadastramento no órgão judicial compe-tente, ou, ainda, por iniciativa do próprio executado. De todo modo, independentemente de quem requeira a alienação por iniciativa particular (exequente ou executado), deverá a parte contrária ser ouvida, em respeito ao contraditório.

É possível que ocorra a alienação por iniciativa particular, ainda, após leilão judicial frustra-do. Isso porque, embora o leilão seja a modalidade que se siga à alienação por iniciativa particu-lar (CPC, art. 879), pode acontecer de, num primeiro momento, o exequente preferir o leilão que, por qualquer motivo, acaba não tendo êxito.

II. Credenciamento do corretor ou leiloeiro

O corretor ou o leiloeiro público responsável pela alienação por iniciativa particular deve estar previamente cadastrado perante o órgão judiciário, exigindo-se o exercício profissional pelo tempo mínimo de três anos. Os corretores e leiloeiros cadastrados devem ter seus nomes divulgados pelo tribunal, com dados para contato, registros nos órgãos de classe competentes e indicação das especialidades, a fim de que possa ser escolhido o profissional mais adequado para atuar na alienação do bem. Somente nas localidades em que não houver profissional cadastrado é que sua indicação será de livre escolha do exequente (CPC, art. 880, § 4º), que poderá se valer, por exemplo, de profissional que atue em localidade distinta. Mesmo neste caso, todavia, o juiz exercerá o controle sobre a indicação do exequente, podendo recusar o profissional, por exemplo, em caso de falta de idoneidade ou capacitação.

Art. 880

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III. Parâmetros para a alienação por iniciativa particular

A alienação por iniciativa particular deve atender a algumas condições, a serem fixadas pre-viamente pelo juiz. A mais importante delas é o preço mínimo. Não há exigência de que o preço mínimo para a alienação por iniciativa particular corresponda à avaliação do bem penhorado, embora esse seja um dado fundamental para que o juiz estabeleça os parâmetros da alienação. De todo modo, fora situações excepcionais, que exigem fundamentação explícita e analítica, não deve o juiz estabelecer um preço mínimo inferior ao critério legal de cinquenta por cento do valor da avaliação do bem a ser alienado (CPC, art. 891, parágrafo único). Nada impede, evidentemente, que seja fixado preço mínimo superior. Se for o caso, nova avaliação deve ser realizada, especialmente nas hipóteses de majoração ou diminuição do valor de mercado do bem a ser alienado (CPC, art. 873, inciso II).

Além disso, o juiz deve fixar o prazo para ser efetivada a alienação, a forma de publicidade, as condições de pagamento, as garantias e, se for o caso (ou seja, desde que realizada por inicia-tiva de corretor ou leiloeiro), a comissão de corretagem, cujos parâmetros devem observar, no que for possível, a comissão do leiloeiro no leilão judicial (CPC, art. 884, parágrafo único). Tais condições podem ser alteradas pelo juiz no curso do procedimento da alienação por iniciativa particular, inclusive mediante requerimento de qualquer das partes ou do corretor ou leiloeiro indicados, submetendo-se tal questão à prévia oitiva das partes, em respeito ao contraditório. Todas essas providências visam a conferir transparência à alienação por iniciativa particular e a garantir a maior efetividade possível da alienação forçada, da forma menos onerosa ao executado (CPC, art. 805).

IV. Formalização e registro

A alienação, uma vez realizada, deverá ser formalizada por termo nos autos, com assinatura do juiz, do exequente, do adquirente e, se possível, do executado, cuja oposição ou ausência não pode obstar o ato executivo. A lavratura do termo consiste em formalidade necessária para a documentação do ato, conferindo-lhe validade e eficácia processual. Após a assinatura do ter-mo, considera-se perfeita e acabada a alienação por iniciativa particular, por aplicação analógica de dispositivo similar relativo à adjudicação (CPC, art. 887). Tratando-se de bem imóvel, serão expedidos a carta de alienação – para registro no ofício de imóveis competente, que deverá ser instruída com cópia do termo de alienação e a prova de quitação do imposto de transmissão – e o mandado de imissão do adquirente na posse do bem. Se o bem alienado for móvel, será expedida simplesmente a ordem de entrega do bem ao adquirente, embora essa possa ocasionalmente ser utilizada também para registro, como no caso de veículos automotores, desde que acompanhada do termo de alienação respectivo.

V. Regulamentação

O dispositivo autoriza que os tribunais detalhem o procedimento da alienação por iniciativa particular, observando as particularidades locais, com vistas a otimizar sua realização e discipli-nar a utilização de meios eletrônicos. Não se trata, porém, de norma com eficácia contida, cujos efeitos dependam de regulamentação. A regulamentação regional serve unicamente para aperfei-çoar o instituto, que produz todos os seus efeitos por força de lei federal, independentemente da iniciativa do tribunal.

VI. Aplicação subsidiária das normas relativas ao leilão judicial

As normas relativas ao leilão judicial aplicam-se subsidiariamente à alienação por iniciativa

Art. 880

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particular. Assim, até a lavratura e assinatura do termo de alienação, poderá o executado remir a execução (CPC, art. 826). Após este momento, a alienação considera-se perfeita e acabada. A realização da alienação por iniciativa particular deve ser comunicada aos sujeitos pertinentes, in-clusive a terceiros que tenham algum direito sobre o bem penhorado (CPC, art. 889). Da mesma forma, as hipóteses de resolução, invalidação ou ineficácia da alienação por iniciativa particular observarão o disposto no CPC, art. 903, que se refere ao leilão judicial.

Art. 881 - A alienação far-se-á em leilão judicial se não efetivada a adjudicação ou a alienação por iniciativa particular.§ 1º - O leilão do bem penhorado será realizado por leiloeiro público.§ 2º - Ressalvados os casos de alienação a cargo de corretores de bolsa de valores, todos os demais bens serão alienados em leilão público.

I. Leilão judicial

Caso não tenha sido requerida a adjudicação, nem realizada a alienação por iniciativa particu-lar (seja porque não houve requerimento para que ocorresse ou porque se frustrou), deve-se pas-sar à alienação do bem penhorado por meio de leilão judicial. Restou abolida, todavia, a vetusta distinção entre praça (bens imóveis) e leilão (bens móveis) do CPC/1973. Em regra, o leilão será realizado por leiloeiro público, ressalvados os casos de alienação de títulos da dívida pública, ações de sociedades e demais títulos negociáveis na bolsa de valores, que serão realizados por corretores especializados.

Art. 882 - Não sendo possível a sua realização por meio eletrônico, o leilão será presencial.§ 1º - A alienação judicial por meio eletrônico será realizada, observando-se as garantias processuais das partes, de acordo com regulamentação específica do Conselho Nacional de Justiça.§ 2º - A alienação judicial por meio eletrônico deverá atender aos requisitos de ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital.§ 3º - O leilão presencial será realizado no local designado pelo juiz.

I. Preferência do leilão por meio eletrônico

O leilão deverá ser realizado preferencialmente por meio eletrônico. O leilão judicial deve se adequar às modernas ferramentas de comunicação para atrair o maior número possível de interes-sados. Atualmente, deve-se contar com a rede mundial de computadores para a realização do leilão, possibilitando que pessoas dele participem a distância, algo importante em um país de dimensões continentais e também nas grandes cidades, com todas as suas dificuldades de deslocamento.

O dispositivo em tela, contudo, se mostra bastante lacônico, estipulando apenas que devem ser observadas as garantias processuais das partes – nem poderia ser diferente – e a regulamentação

Arts. 881 e 882

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específica a ser editada pelo Conselho Nacional de Justiça, que deverá suplantar as que já exis-tam sobre a matéria nos tribunais inferiores.

Tal escolha do CPC provavelmente se deve ao fato de que as inovações tecnológicas na área da informática são constantes e muito mais velozes que o processo legislativo. Como requisitos legais, previu-se somente a necessidade de ser assegurada ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas sobre certificação digital. Dessa maneira, as regras sobre leilão eletrônico deverão ser lidas em conjunto com a normativa específica sobre a certificação digital e sobre a prática eletrônica dos atos processuais (CPC, arts. 193 a 199).

II. Leilão presencial

Não sendo possível a realização do leilão eletrônico – seja porque ainda não implantados os equipamentos necessários, seja por ser inviável o atendimento aos requisitos legais ou aos pre-vistos na regulamentação do Conselho Nacional de Justiça –, deve o leilão se efetivar na moda-lidade presencial. Nesse caso, o leilão deverá ser realizado no local designado pelo juiz.

Ao contrário do CPC/1973, não mais se privilegia o átrio do fórum como local para o leilão presencial (CPC/1973, art. 686, § 2º), podendo ser realizado em qualquer outro espaço no fórum ou mesmo fora dele, inclusive no lugar onde estão os bens (CPC, art. 884, inciso II). Ao deter-minar o lugar para o leilão presencial, deverá o juiz proporcionar maior facilidade de acesso aos interessados e a redução das despesas processuais, de modo a assegurar a maior efetividade possível da execução, da forma menos onerosa ao executado (CPC, art. 805).

Art. 883 - Caberá ao juiz a designação do leiloeiro público, que poderá ser indicado pelo exequente.

I. Indicação do leiloeiro

O leiloeiro deverá, em todo caso, ser designado pelo juiz. O exequente poderá indicar um profissional, cuja nomeação estará, de qualquer modo, submetida ao controle do juiz, que poderá preferir outro leiloeiro, por considerá-lo mais idôneo ou capacitado. O exequente tem o direito apenas à indicação do leiloeiro, mas não à sua efetiva nomeação pelo juiz: “Infere-se do art. 706 do CPC (o leiloeiro público será indicado pelo exequente) ser juridicamente possível a indicação de leiloeiro público pelo exequente, o que significa dizer que o credor tem o direito de indicar, mas não de ver nomeado o leiloeiro indicado, porquanto inexiste obrigação de homologação pelo juiz” (STJ, 2ª T., REsp nº 1.354.974/MG, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 5/3/2013, DJe de 14/3/2013).

Da mesma forma, embora o dispositivo não preveja, poderá o executado sugerir outro profis-sional para atuar como leiloeiro, em decorrência da paridade de armas no processo (CPC, art. 7º). Seja como for, a inércia das partes não impede que o juiz, de ofício, nomeie o leiloeiro, tendo em vista que a este competem os poderes de direção do processo. Confira-se: “No caso concreto, não há falar em nulidade, pois, em razão da inércia do exequente em indicar leiloeiro oficial, efetuou-se a nomeação pelo juízo, de modo que ‘houve a escolha de pessoa com credibilidade, considerada apta para a realização dos atos necessários e que desempenhou sua tarefa sem ofen-der qualquer interesse das partes’” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1.434.880/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 18/6/2014, DJe de 6/8/2014).

Art. 883

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Art. 884 - Incumbe ao leiloeiro público:I - publicar o edital, anunciando a alienação;II - realizar o leilão onde se encontrem os bens ou no lugar designado pelo juiz;III - expor aos pretendentes os bens ou as amostras das mercadorias;IV - receber e depositar, dentro de 1 (um) dia, à ordem do juiz, o produto da alienação;V - prestar contas nos 2 (dois) dias subsequentes ao depósito.Parágrafo único - O leiloeiro tem o direito de receber do arrematante a comissão estabelecida em lei ou arbitrada pelo juiz.

I. Deveres do leiloeiro

O leiloeiro é um auxiliar da justiça que atua na alienação forçada de bens do executado pela modalidade do leilão judicial, exercendo munus público, razão pela qual seus atos se revestem da presunção de legitimidade e veracidade. O dispositivo em análise impõe os seguintes deveres ao leiloeiro: (i) providenciar a publicação do edital, para anunciar a realização do leilão (CPC, art. 886); (ii) realizar o leilão onde se encontrem os bens ou no local designado pelo juiz (CPC, art. 882, § 3º); (iii) expor aos pretendentes os bens ou amostras das mercadorias a serem leiloadas; (iv) receber o produto da alienação e depositá-lo à disposição do juízo, no prazo de um dia; (v) pres-tar contas das despesas que teve, as quais deverão ser ressarcidas, sem prejuízo do pagamento da comissão, no prazo de dois dias, contados do depósito.

Se, por acaso, o leiloeiro não cumpre seu dever de depositar o produto da alienação em juízo, o arrematante não pode ser prejudicado: “é da responsabilidade do leiloeiro ‘receber e depositar, dentro de vinte e quatro (24) horas, à ordem do juízo, o produto da alienação’, de modo que, se este não cumpre com seu mister, não pode tal fato ser computado em prejuízo do arrematante, comprometendo a validade da arrematação” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.308.878/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 4/12/2012, DJe de 19/12/2012).

II. Comissão do leiloeiro

Em contrapartida à sua atuação no leilão, o leiloeiro faz jus a uma remuneração a ser recebida do arrematante, que consiste na sua comissão. De acordo com o Decreto nº 21.981/1932, a comissão de-vida ao leiloeiro será de cinco por cento sobre quaisquer bens arrematados (Decreto nº 21.981/1932, art. 24, parágrafo único). No entanto, segundo o Superior Tribunal de Justiça, em entendimento que deve ser preservado no CPC/2015, “I - A expressão ‘obrigatoriamente’, inserta no § único do art. 24 do Decreto-lei nº 21.981/32, revela que a intenção da norma foi estabelecer um valor mínimo, ou seja, pelo menos cinco por cento sobre o bem arrematado. II - Não há limitação quanto ao percentu-al máximo a ser pago ao leiloeiro a título de comissão” (STJ, 5ª T., REsp nº 680.140/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 2/2/2006, DJ de 6/3/2006). Assim, o montante de cinco por cento sobre o valor da arrematação corresponde apenas à comissão mínima do leiloeiro, podendo o juiz arbitrá-la em valor superior, que deverá, de todo modo, constar previamente do edital do leilão (CPC, art. 886, inciso II).

Caso tornada sem efeito a arrematação, o leiloeiro não fará jus à comissão, podendo apenas ser ressarcido das despesas que comprovadamente realizou com anúncios, guarda e conservação dos bens que lhe foram entregues para venda (Decreto nº 21.981/1932, art. 40), de acordo com a prestação de contas que vier a apresentar (CPC, art. 884, inciso V).

Art. 884

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Art. 885 - O juiz da execução estabelecerá o preço mínimo, as condições de pagamento e as garantias que poderão ser prestadas pelo arrematante.

I. Parâmetros para o leilão judicial

Deve o juiz estabelecer os parâmetros necessários para a realização do leilão, que compreen-dem o preço mínimo, as condições de pagamento e as garantias que poderão ser prestadas pelo arrematante. Quanto ao preço mínimo, fora situações excepcionais, que exigem fundamentação explícita e analítica, não deve o juiz estabelecê-lo em valor inferior ao critério legal de cinquenta por cento do valor da avaliação (CPC, art. 891, parágrafo único). De todo modo, a ausência de seu arbitramento pelo juiz não ensejará nulidade do leilão, até mesmo em razão do parâmetro estabelecido pelo CPC/2015 para o preço vil, como apontado pelo Enunciado nº 193 do FPPC: “Não justifica o adiamento do leilão, nem é causa de nulidade da arrematação, a falta de fixação, pelo juiz, do preço mínimo para a arrematação”. As condições de pagamento e as garantias a serem prestadas pelo arrematante deverão observar o CPC, arts. 892 a 895. Além disso, deve o juiz arbitrar a comissão devida pelo futuro arrematante ao leiloeiro, que deverá constar do edital do leilão (CPC, art. 886, inciso II). Caso não haja esse arbitramento explícito pelo magistrado, entende-se que a comissão corresponderá ao mínimo legal, de cinco por cento sobre o valor da arrematação (Decreto nº 21.981/1932, art. 24, parágrafo único).

Art. 886 - O leilão será precedido de publicação de edital, que conterá:I - a descrição do bem penhorado, com suas características, e, tratando-se de imóvel, sua situação e suas divisas, com remissão à matrícula e aos registros;II - o valor pelo qual o bem foi avaliado, o preço mínimo pelo qual poderá ser alienado, as condições de pagamento e, se for o caso, a comissão do leiloeiro designado;III - o lugar onde estiverem os móveis, os veículos e os semoventes e, tratando-se de créditos ou direitos, a identificação dos autos do processo em que foram penhorados;IV - o sítio, na rede mundial de computadores, e o período em que se realizará o leilão, salvo se este se der de modo presencial, hipótese em que serão indicados o local, o dia e a hora de sua realização;V - a indicação de local, dia e hora de segundo leilão presencial, para a hipótese de não haver interessado no primeiro;VI - menção da existência de ônus, recurso ou processo pendente sobre os bens a serem leiloados.Parágrafo único - No caso de títulos da dívida pública e de títulos negociados em bolsa, constará do edital o valor da última cotação.

I. Edital do leilão

Para que o leilão judicial alcance sua finalidade, qual seja converter os bens penhorados do executado em dinheiro mediante sua alienação forçada, é importante que o maior número de

Arts. 885 e 886

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pessoas possível seja informado de sua realização. A fim de que o leilão atinja a maior publi-cidade e transparência possível, com potencial para atrair o máximo de eventuais interessados, considerou o legislador ser conveniente a publicação de edital, que deve contemplar, no mínimo, as informações relacionadas no dispositivo em análise. Além das informações indicadas em lei, deve o edital conter quaisquer outros dados que sejam considerados relevantes sobre o bem a ser leiloado e as condições para a arrematação.

II. Informações necessárias no edital

Entre as informações mínimas exigidas no edital, encontra-se a descrição do bem penhorado, com suas características e, tratando-se de imóvel, sua situação e divisas, com remissão à matrí-cula e aos registros nela constantes. Estes dados são de evidente importância para eventuais inte-ressados, que devem avaliar previamente as características do bem a ser leiloado e sua situação registral, a fim de que possam decidir se irão oferecer algum lance e, em caso positivo, qual será o seu valor.

Exige-se, ainda, que conste do edital o valor da avaliação, bem como o preço mínimo pelo qual poderá ser alienado o bem leiloado e as condições de pagamento, fixados previamente pelo juiz (CPC, art. 885). Deve constar, ainda, a comissão do leiloeiro designado. Com exceção do valor da avaliação, entretanto, a omissão de tais informações no edital não acarreta prejuízo nem enseja a nulidade do leilão. Não tendo o juiz fixado preço mínimo para a arrematação, aplica-se a regra legal segundo a qual se considera vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação (CPC, art. 891, parágrafo único). Nessa direção, estabelece o Enunciado nº 193 do FPPC: “Não justifica o adiamento do leilão, nem é causa de nulidade da arrematação, a falta de fixação, pelo juiz, do preço mínimo para a arrematação”. Se não consta do edital nenhuma condição específica de pagamento, este deverá ser realizado de imediato pelo arrematante, por depósito judicial ou por meio eletrônico (CPC, art. 892). Finalmente, se não há informação no edital acerca da co-missão do leiloeiro, entende-se que esta será devida no mínimo legal, correspondente a cinco por cento sobre o valor da arrematação (Decreto nº 21.981/1932, art. 24, parágrafo único).

Deve o edital também especificar o local onde estiverem os móveis, os veículos e os semo-ventes e, tratando-se de créditos ou direitos, a identificação dos autos do processo em que foram penhorados. A importância dessa informação reside no fato de que eventuais interessados no bem devem ter a oportunidade de examiná-lo previamente ao leilão. No caso de penhora de créditos ou de direitos, os interessados devem ter a possibilidade de examinar os autos em que foi deter-minada a constrição, anteriormente à realização do leilão.

O edital necessita, ainda, indicar a página, na rede mundial de computadores, em que será rea-lizado o leilão eletrônico ou o local indicado pelo juiz, tratando-se de leilão presencial (CPC, art. 882). Neste último caso, deverá ser indicado também o local para o segundo leilão presencial, na hipótese da ausência de interessados no primeiro.

Outra exigência, da maior importância, é que conste no edital a existência de ônus, recurso ou processo pendente sobre os bens a serem leiloados. Ônus consistem em eventuais gravames so-bre o bem que afetem a sua fruição ou disposição (hipoteca, penhor, anticrese, alienação fiduciá-ria) ou mesmo em outras penhoras sobre ele. Recursos podem existir nos casos de cumprimento provisório de sentença, ainda que, em regra, demandem a prestação de caução pelo exequente (CPC, art. 520, inciso IV). Processos pendentes podem se relacionar não somente a eventuais ações reivindicatórias ou possessórias sobre o bem a ser leiloado, como também a ação rescisó-ria que tenha por objeto o título executivo judicial que ampara o cumprimento de sentença. Tais

Art. 886

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informações podem impactar de forma decisiva na situação jurídica de eventuais interessados na aquisição do bem e, por isso mesmo, sua omissão no edital pode ensejar ineficácia da arremata-ção (CPC, arts. 804 e 903, § 1º, inciso II) ou a simples desistência do arrematante (CPC, art. 903, § 5º, inciso I).

O parágrafo único do dispositivo em análise prevê que, tratando-se de títulos da dívida pública e de títulos negociados em bolsa, constará do edital o valor da última cotação. Sua finalidade consiste em servir como parâmetro não apenas para fins de definição do preço vil – uma vez que tais bens não necessitam ser submetidos à avaliação (CPC, art. 871, incisos II e III) –, mas para eventuais interessados em oferecer lance. Em que pese a literalidade do dispositivo, tratando-se de informação de fácil obtenção, a cotação constante do edital deve ser atualizada no próprio dia do leilão.

III. Omissão e demonstração de prejuízo

Havendo omissão das informações mínimas exigidas pelo dispositivo em análise, não se deve decretar de imediato a nulidade do leilão. É preciso que se verifique se houve algum prejuízo, seja para as partes – por não terem sido atraídos interessados em número suficiente para o leilão –, seja principalmente para o arrematante, a quem o edital se dirige. Nesse sentido: “De regra, pois, eventu-al nulidade relacionada à omissão do edital aproveita apenas ao arrematante e depende da demonstração da existência de prejuízo, sendo incabível tal alegação pelo devedor que não foi prejudicado” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.316.970/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 28/5/2013, DJe de 7/6/2013).

Art. 887 - O leiloeiro público designado adotará providências para a ampla divulgação da alienação.§ 1º - A publicação do edital deverá ocorrer pelo menos 5 (cinco) dias antes da data marcada para o leilão.§ 2º - O edital será publicado na rede mundial de computadores, em sítio designado pelo juízo da execução, e conterá descrição detalhada e, sempre que possível, ilustrada dos bens, informando expressamente se o leilão se realizará de forma eletrônica ou presencial.§ 3º - Não sendo possível a publicação na rede mundial de computadores ou considerando o juiz, em atenção às condições da sede do juízo, que esse modo de divulgação é insuficiente ou inadequado, o edital será afixado em local de costume e publicado, em resumo, pelo menos uma vez em jornal de ampla circulação local.§ 4º - Atendendo ao valor dos bens e às condições da sede do juízo, o juiz poderá alterar a forma e a frequência da publicidade na imprensa, mandar publicar o edital em local de ampla circulação de pessoas e divulgar avisos em emissora de rádio ou televisão local, bem como em sítios distintos do indicado no § 2º.§ 5º - Os editais de leilão de imóveis e de veículos automotores serão publicados pela imprensa ou por outros meios de divulgação, preferencialmente na seção ou no local reservados à publicidade dos respectivos negócios.

Art. 887

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§ 6º - O juiz poderá determinar a reunião de publicações em listas referentes a mais de uma execução.

I. Publicidade do leilão

Para que o leilão judicial alcance sua finalidade, é conveniente que o maior número de pessoas possível seja informado de sua realização. Diante dessa constatação, o legislador abandonou o antiquado sistema de divulgação do CPC/1973 – afixação do edital no fórum e publicação em jornal de circulação local, que limitava a publicidade do leilão e favorecia que sempre as mesmas pessoas dele tomassem conhecimento e oferecessem lances – e promoveu renovada disciplina na matéria.

II. Obrigação do leiloeiro

Incumbe ao leiloeiro tomar todas as providências necessárias para a publicação do edital, sendo este o primeiro dos deveres a ele conferido (CPC, art. 884, inciso I).

III. Prazo para a publicação

O edital deve ser publicado no prazo mínimo de cinco dias antes da realização do leilão. Tratando-se de prazo processual, ou seja, intervalo de tempo estabelecido para a prática de um ato processual, sua contagem deve ser realizada apenas nos dias úteis (CPC, art. 219).

IV. Preferência pela publicação por meio eletrônico

A publicação do edital deve ocorrer, sempre que possível, em página própria indicada pelo juízo da execução, na rede mundial de computadores. Essa nova forma de divulgação, que toma o lugar da vetusta afixação do edital no fórum e da publicação em jornal de ampla circulação local, foi priorizada pelo legislador por se considerar que poderia atingir a um número muito maior de interessados, além de ser menos onerosa para as partes que os custos de um anúncio no jornal. Não basta, porém, que a publicação se limite às informações mínimas do edital exigidas por lei (CPC, art. 886): é necessário constar a descrição detalhada e, sempre que possível, ilustrada dos bens, informando-se expressamente se o leilão será realizado por via eletrônica ou presencial (CPC, art. 882). Tal evidencia que a publicação do edital por meio eletrônico ocorrerá mesmo nos casos de leilão presencial.

V. Alternativas para a publicação do edital

Em caráter de exceção, tendo em vista as condições da sede do juízo, pode ser que se verifique que a publicação por meio eletrônico não seja a melhor forma de divulgação do leilão, como nos casos de comarcas distantes, com precário acesso à rede mundial de computadores. Outra hipó-tese em que a publicação por meio eletrônico pode não ser a mais adequada se refere aos casos em que, por qualquer motivo, os eventuais interessados nos bens a serem leiloados não acessem – ou raramente acessem – a rede mundial de computadores. Nestas hipóteses, fica restabelecido o sistema de divulgação do CPC/1973: afixação do edital “no local de costume” e publicação, pelo menos uma vez, em jornal de ampla circulação local. O local em que o edital será afixado não deve se limitar ao fórum: em vez disso, devem ser priorizados lugares de amplo acesso público, como praças ou igrejas.

Em qualquer caso, mesmo nas hipóteses de divulgação pela rede mundial de computadores, deve o juiz – se assim considerar adequado – determinar outras formas de publicação. O dis-positivo em análise (CPC, art. 887, § 4º) estabelece um rol exemplificativo: alterar a forma e a

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frequência da publicidade na imprensa, mandar publicar o edital em local de ampla circulação de pessoas (como praças ou igrejas), divulgar avisos em emissora de rádio ou televisão local, bem como em páginas distintas daquela própria do tribunal (como a página do leiloeiro, por exem-plo). É importante que o juiz promova o devido balanceamento entre a efetividade do leilão e as despesas ocasionadas por formas adicionais de divulgação, com vistas à menor onerosidade possível (CPC, art. 805).

VI. Leilão de imóveis e veículos automotores

Em relação especificamente aos imóveis e veículos automotores, considerou-se que a forma mais eficiente de divulgação consistiria na publicação pela imprensa ou por outros meios de divulgação, preferencialmente na seção ou no local reservados à publicidade dos respectivos negócios, ou seja, nos classificados de imóveis e veículos ou, ainda, em páginas da rede mundial de computadores destinadas à compra e venda desses bens. Como o objetivo do legislador é ob-ter a maior divulgação possível para a realização do leilão, esta forma de publicidade não afasta a regra geral de disponibilização do edital na página designada pelo juízo da execução, na rede mundial de computadores: são formas de publicidade cumulativas.

VII. Reunião de publicações

Por questão de economia processual e redução de custos, permite-se que as publicações sejam reunidas em listas, referentes a mais de uma execução.

Art. 888 - Não se realizando o leilão por qualquer motivo, o juiz mandará publicar a transferência, observando-se o disposto no art. 887.Parágrafo único - O escrivão, o chefe de secretaria ou o leiloeiro que culposamente der causa à transferência responde pelas despesas da nova publicação, podendo o juiz aplicar-lhe a pena de suspensão por 5 (cinco) dias a 3 (três) meses, em procedimento administrativo regular.

I. Redesignação de leilão não iniciado

Qualquer que seja o motivo, se o leilão não puder se realizar na data indicada, sua transferên-cia para nova data deverá ser divulgada com a mesma cautela e formalidade que a divulgação do edital anterior (CPC, art. 887). Não há mais previsão da exigência, contemplada no CPC/1973, de que o adiamento ocorra por “motivo justo”. A hipótese em tela diz respeito à transferência do leilão ainda não iniciado, não do prosseguimento do leilão em outro dia, regulado pelo CPC, art. 900.

II. Responsabilização do escrivão, do chefe de secretaria ou do leiloeiro

Caso o escrivão, o chefe de secretaria ou o leiloeiro culposamente deem causa ao adiamento do leilão, responderão pelas despesas para a nova publicação do edital. Além disso, verificada a sua culpa, deverá o juiz determinar a instauração de procedimento administrativo para apuração de sua responsabilidade, assegurado o direito de defesa, que poderá culminar na pena de suspen-são de seus ofícios por cinco dias até três meses. Caso o exequente entenda que sofreu prejuízos, por exemplo, em razão da perda de proposta relevante para o leilão, poderá também pedir inde-nização contra o responsável em ação própria para este fim.

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III. Responsabilização do executado

Se quem deu causa à transferência do leilão foi o executado, não se aplica o dispositivo em análise. Aplicam-se, entretanto, as penas cominadas ao litigante de má-fé, caso em que o execu-tado será condenado a pagar multa, superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar o exequente pelos prejuízos que este sofreu e a arcar com os ho-norários advocatícios e com todas as despesas que o exequente efetuou, inclusive as relativas à nova publicação do edital. O valor da indenização, neste caso, será fixado de plano pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos (CPC, arts. 81, caput e § 3º, e 777).

Art. 889 - Serão cientificados da alienação judicial, com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência:I - o executado, por meio de seu advogado ou, se não tiver procurador constituído nos autos, por carta registrada, mandado, edital ou outro meio idôneo;II - o coproprietário de bem indivisível do qual tenha sido penhorada fração ideal;III - o titular de usufruto, uso, habitação, enfiteuse, direito de superfície, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre bem gravado com tais direitos reais;IV - o proprietário do terreno submetido ao regime de direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre tais direitos reais;V - o credor pignoratício, hipotecário, anticrético, fiduciário ou com penhora anteriormente averbada, quando a penhora recair sobre bens com tais gravames, caso não seja o credor, de qualquer modo, parte na execução;VI - o promitente comprador, quando a penhora recair sobre bem em relação ao qual haja promessa de compra e venda registrada;VII - o promitente vendedor, quando a penhora recair sobre direito aquisitivo derivado de promessa de compra e venda registrada;VIII - a União, o Estado e o Município, no caso de alienação de bem tombado.Parágrafo único - Se o executado for revel e não tiver advogado constituído, não constando dos autos seu endereço atual ou, ainda, não sendo ele encontrado no endereço constante do processo, a intimação considerar-se-á feita por meio do próprio edital de leilão.

I. Intimação do leilão

Embora o dispositivo em tela refira-se genericamente a cientificação, trata-se de verdadeira intimação da realização do leilão. Sempre que a comunicação dos atos processuais não se rea-

Art. 889

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lize por citação, será o caso de intimação (CPC, art. 269), que será efetivada, sempre que possível, por meio eletrônico (CPC, art. 270), providência especialmente útil nos casos em que qualquer dos sujeitos relacionados na regra em análise já tenha advogado constituído nos autos ou nas hipóteses em que estiverem previamente cadastrados no portal eletrônico do tribunal, aptos a receberem intimações por meio eletrônico. É perfeitamente possível, ainda, que o advogado do exequente ou mesmo o leiloeiro promova a intimação do advogado dos sujeitos relacionados neste dispositivo por meio do correio, juntando aos autos, a seguir, cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento (CPC, art. 269, § 1º).

II. Prazo para intimação

A intimação deve ocorrer no prazo mínimo de cinco dias antes da data do leilão. Tratando-se de prazo processual, ou seja, intervalo de tempo estabelecido para a prática de um ato processual, sua contagem deve ser realizada apenas nos dias úteis (CPC, art. 219).

III. Intimação do executado

O executado deve ser intimado por meio de seu advogado constituído nos autos ou, caso não o possua, por carta registrada, mandado, edital ou outro “meio idôneo”, ou seja, aquele que com alguma segurança permita inferir que a informação chegou ao conhecimento do executado. Para o Superior Tribunal de Justiça, “a intimação ‘via telefone’ não se enquadra no conceito legal de ‘meio idôneo’, sendo, por isso, írrita e de nenhum efeito” (STJ, 3ª T., AgRg nos EDcl no REsp nº 1.427.316/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 5/8/2014, DJe de 2/9/2014).

A intimação do executado é necessária porque a alienação judicial consiste em ato de expro-priação forçada sobre bem de sua titularidade. Além disso, o executado tem o direito de remir a execução até o aperfeiçoamento da arrematação (CPC, art. 826). Por isso mesmo, existindo vários executados, basta que seja intimado aquele cujo bem será leiloado.

A ausência de intimação do executado enseja nulidade do leilão (CPC, art. 903, § 1º, inciso I), a não ser que seja demonstrado que ele, de alguma forma, já tinha conhecimento da data do leilão, como no caso em que peticionou nos autos buscando adiar sua realização. Nesse sentido: “A intimação pessoal do executado, para a hasta pública, nos termos do art. 687, § 5º, do CPC [de 1973], é desnecessária quando demonstrado ter ele inequívoco conhecimento da data da has-ta pública ao requerer, por intermédio do seu Advogado nos autos, o adiamento da praça, como ocorrido no caso” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.423.308/PE, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 20/2/2014, DJe de 25/2/2014).

Não se pode, todavia, condicionar o prosseguimento da execução à localização do executado. Por isso, dispõe o parágrafo único do dispositivo em análise que se o executado for revel e não tiver advogado constituído, não constando dos autos seu endereço atual ou, ainda, não sendo ele encontrado no endereço informado, a intimação será feita pela simples publicação do edital de leilão (CPC, art. 887). Mesmo nos casos em que o executado não seja revel, se por algum motivo ele não mais possui advogado constituído ao tempo da realização do leilão e não é localizado para ser comunicado por carta registrada ou mandado, deve ser determinada a sua intimação com hora certa ou por edital (CPC, art. 275, § 2º), nada impedindo que, por economia processual, neste último caso, a intimação do executado e a divulgação da realização do leilão sejam conso-lidadas em um só edital.

IV. Intimação dos terceiros que tenham algum direito sobre o bem

Além do executado, devem ser intimados quaisquer terceiros que titularizem direitos sobre o

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bem penhorado. Não basta que esses terceiros tenham sido intimados após a realização da penho-ra (CPC, art. 799), exigindo-se outra intimação anteriormente ao leilão.

O coproprietário de bem indivisível do qual tenha sido penhorada fração ideal deve ser inti-mado para que exerça o direito de preferência (CPC, art. 843, § 1º). A intimação não é exigida, contudo, tratando-se de bem que já se encontra dividido ou divisível.

Os demais sujeitos relacionados nos incisos III a VII devem ser intimados do leilão para que possam contrapor seu direito ao exequente, especialmente nos casos em que se tratar de credor com preferência ou privilégio superior. Observe-se que a relação de terceiros a serem intimados é significativamente mais ampla que a do CPC/1973.

A União, o Estado e o Município também devem ser intimados, caso o leilão recaia sobre bem tombado, para que exerçam o direito de preferência na arrematação (CPC, art. 892, § 3º). O assunto estava regulado no art. 22 do Decreto-Lei nº 25/1937, que vedava a expedição dos editais de praça antes da comunicação aos entes públicos. Com a revogação desse dispositivo (CPC, art. 1.072, in-ciso I), nada impede a publicação dos editais relativos a leilão de bem tombado, mas deverá ocorrer a intimação da União, do Estado e do Município com pelo menos cinco dias de antecedência.

V. Consequências em caso de não realização das intimações

Caso não realizada a intimação do executado, deverá ser invalidada a intimação (CPC, art. 903, § 1º, inciso I). Confira-se: “Dessa forma, malgrado considerada perfeita, acabada e irretratá-vel com a assinatura do auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo porteiro ou leiloei-ro, a arrematação, in casu, deverá ser desfeita, uma vez que presente vício de nulidade insanável: a ausência de cientificação do devedor” (STJ, 2ª T., AgRg nos EDcl no AREsp nº 479.566/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 16/9/2014, DJe de 10/10/2014). O mesmo raciocínio se aplica ao coproprietário de bem indivisível e à União, ao Estado e ao Município, no caso de alienação de bem tombado.

Quanto aos demais sujeitos relacionados nos incisos III a VII, caso não intimados, é possível que busquem obstar a realização do ato de expropriação mediante embargos de terceiro (CPC, art. 674, § 2º, inciso IV). Nada obstante, se já realizada, a arrematação será válida, mas ineficaz quanto ao terceiro não intimado, que poderá contrapor seu direito contra o exequente e o próprio arrematante, se este tinha conhecimento do gravame (CPC, arts. 804 e 903, § 1º, inciso II). Por outro lado, caso o arrematante não tenha tomado conhecimento do gravame, que, por qualquer motivo, não foi referido no edital do leilão, poderá simplesmente desistir da arrematação (CPC, art. 903, § 5º, inciso I).

Art. 890 - Pode oferecer lance quem estiver na livre administração de seus bens, com exceção:I - dos tutores, dos curadores, dos testamenteiros, dos administradores ou dos liquidantes, quanto aos bens confiados à sua guarda e à sua responsabilidade;II - dos mandatários, quanto aos bens de cuja administração ou alienação estejam encarregados;III - do juiz, do membro do Ministério Público e da Defensoria Pública, do escrivão, do chefe de secretaria e dos demais servidores e auxiliares da

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justiça, em relação aos bens e direitos objeto de alienação na localidade onde servirem ou a que se estender a sua autoridade;IV - dos servidores públicos em geral, quanto aos bens ou aos direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;V - dos leiloeiros e seus prepostos, quanto aos bens de cuja venda estejam encarregados;VI - dos advogados de qualquer das partes.

I. Legitimidade para participar do leilão: regra geral

Podem participar do leilão todos os que se encontrem na livre administração de seus bens, o que pressupõe a plena capacidade civil (CC, art. 5º). Desse modo, não podem oferecer lance os absoluta ou relativamente incapazes (CC, arts. 3º e 4º), nem o insolvente ou o falido, que per-deram a livre administração de seus bens (CPC/1973, art. 752, e Lei nº 11.101/2005, art. 103).

II. Impedidos de oferecer lance

Os incisos referem-se a pessoas que, embora estejam na livre administração de seus bens, não podem oferecer lance por se situarem em posição na qual poderiam usufruir de vantagem indevi-da com eventual arrematação, colocando-se em situação de conflito de interesses. A arrematação por esses sujeitos será considerada nula (CC, art. 497).

Os tutores, os curadores, os testamenteiros, os administradores, os liquidantes e os mandatá-rios atuam no interesse de outrem, o que pressupõe que busquem assegurar que o bem confiado à sua guarda seja alienado pelo melhor preço possível. Se pudessem oferecer lance, buscariam adquirir o bem pelo menor preço, configurando-se conflito de interesses.

O juiz, o membro do Ministério Público e da Defensoria Pública, o escrivão, o chefe de se-cretaria e os demais servidores e auxiliares da justiça não podem participar do leilão devido ao risco de comprometimento de sua imparcialidade e de manipulação do resultado da alienação judicial. Por tal razão, o impedimento apenas ocorre se o sujeito estiver diretamente vinculado ao juízo em que se realizar o leilão. Nesse sentido: “Da análise sistemática da legislação adjetiva e material, extrai-se que o impedimento à aquisição de bens em hasta pública atinge quaisquer serventuários da justiça que se encontrarem lotados no local em que for realizada a arrematação.Tais restrições objetivam resguardar a ética e a moralidade públicas, impedindo as pessoas que se encontrem vinculadas ao juízo possam tirar vantagens nas compras e vendas realizadas sob sua autoridade e fiscalização” (STJ, 2ª T., REsp nº 774.161/SC, Rel. Min. Castro Meira, j. em 6/12/2005, DJ de 19/12/2005).

Em relação aos servidores públicos em geral, o impedimento se caracteriza apenas em relação aos bens e direitos da pessoa jurídica a que se vinculam ou que estejam sob sua administração direta ou indireta. A razão dessa específica vedação está no receio de que esses agentes privile-giem seu interesse pessoal na arrematação, em detrimento da sua atuação como servidor público.

Os leiloeiros e seus prepostos também não podem oferecer lance, não apenas porque se trata de auxiliar da justiça, mas porque tais sujeitos seriam os que mais facilmente poderiam manipu-lar o resultado do leilão, colocando em dúvida sua idoneidade, já que essa modalidade de aliena-ção forçada se realiza sob o seu comando.

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Finalmente, os advogados das partes também não podem oferecer lance, a fim de que se as-segure a independência no exercício de sua profissão. Além das informações privilegiadas a que pode ter acesso, o advogado seria colocado em situação de conflito de interesses, por exemplo, caso pudesse arrematar o bem de seu cliente, hipótese em que, naturalmente, buscaria o menor preço possível.

III. Possibilidade de arrematação pelo exequente

Ao contrário de seu advogado, o exequente não está impedido de oferecer lance, havendo re-ferência expressa na legislação a tal possibilidade (CPC, art. 892, § 1º). Obviamente, as demais restrições lhe são igualmente aplicáveis, como, por exemplo, em relação à proibição da arrema-tação por preço vil (CPC, art. 891).

Art. 891 - Não será aceito lance que ofereça preço vil.Parágrafo único - Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.

I. Preço vil

A finalidade da alienação forçada consiste em converter os bens penhorados do executado em dinheiro, que será entregue ao exequente para a satisfação de seu crédito. Entretanto, este objetivo não pode ser perseguido a qualquer custo, até mesmo em razão do princípio da menor onerosidade para o executado (CPC, art. 805). A arrematação deve ser realizada a preço justo, não se justificando a espoliação do patrimônio do executado. Para tal, deve ser confrontado o lance com o valor de mercado do bem penhorado, evitando prejuízo desproporcional ao executado.

Ao tempo do CPC/1973, preço vil consistia em conceito jurídico indeterminado, cuja verifica-ção se realizava de forma casuística pelos tribunais. O dispositivo em análise mantém certa flexi-bilidade, dispondo que o preço vil será aquele inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital (CPC, arts. 885 e 886, inciso II). Não há como ser diferente, à vista das específicas características de cada bem, do local em que se encontre e do seu valor de mercado. Entretanto, de forma vantajosa, agora há uma regra subsidiária segundo a qual, não tendo sido fixado preço mínimo pelo juiz, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação, critério este que já vinha sendo adotado em alguns precedentes. Confira-se: “O Superior Tribu-nal de Justiça firmou o entendimento de que se caracteriza preço vil quando a arrematação não alcançar, ao menos, a metade do valor da avaliação” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1.308.619/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 15/5/2012, DJe de 21/5/2012). O valor da avaliação deve ser atualizado para a data do leilão e, em caso de necessidade, poderá ser determinada nova ava-liação (CPC, art. 873, inciso II), especialmente se houver majoração ou diminuição no valor de mercado do bem.

O juiz não está obrigado a fixar como preço mínimo o valor correspondente à metade da ava-liação. Não há restrição a que seja arbitrado valor superior. Mesmo um preço inferior pode ser fixado, desde que, neste caso, seja apresentada fundamentação expressa e analítica, como, por

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exemplo, a reduzida liquidez do bem penhorado ou o pequeno número de eventuais interessados. Nessa direção: “Dada a inexistência de critérios objetivos na conceituação do preço vil, repudia-do pelo nosso direito para que não haja locupletamento do arrematante à causa do devedor, certo é que o mesmo fica na dependência, para a sua caracterização, de circunstâncias do caso concre-to, no qual peculiaridades podem permitir uma venda até mesmo inferior à metade do valor em que foram avaliados os bens” (STJ, 4ª T., REsp nº 166.789/SP, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, j. em 23/6/1998, DJ de 21/9/1998).

II. Bens não sujeitos à avaliação

No caso de bens não sujeitos à avaliação, deverá ser considerado como parâmetro para a de-finição do preço vil, em seu lugar, a estimativa do valor feita por uma das partes e aceita pela outra (CPC, art. 871, inciso I) ou a cotação do título, da mercadoria ou das ações em bolsa (CPC, art. 871, inciso II) ou, finalmente, a cotação de mercado, tratando-se de veículos automotores ou outros bens cujo preço médio de mercado possa ser conhecido por meio de pesquisas realizadas por órgãos oficiais ou de anúncios de venda (CPC, art. 871, inciso III).

III. Nulidade da arrematação por preço vil

Caso realizada a arrematação por preço vil, ou seja, por valor inferior ao preço mínimo estabe-lecido pelo juiz ou, na sua falta, a cinquenta por cento do valor da avaliação do bem penhorado, esta será considerada nula (CPC, art. 903, § 1º, inciso I), sanção esta que poderá ser decretada inclusive após expedida a carta de arrematação ou a ordem de entrega do bem leiloado, mediante ação autônoma própria, na qual o arrematante figurará como litisconsorte necessário (CPC, art. 903, § 4º).

Art. 892 - Salvo pronunciamento judicial em sentido diverso, o pagamento deverá ser realizado de imediato pelo arrematante, por depósito judicial ou por meio eletrônico.§ 1º - Se o exequente arrematar os bens e for o único credor, não estará obrigado a exibir o preço, mas, se o valor dos bens exceder ao seu crédito, depositará, dentro de 3 (três) dias, a diferença, sob pena de tornar-se sem efeito a arrematação, e, nesse caso, realizar-se-á novo leilão, à custa do exequente.§ 2º - Se houver mais de um pretendente, proceder-se-á entre eles à licitação, e, no caso de igualdade de oferta, terá preferência o cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente do executado, nessa ordem.§ 3º - No caso de leilão de bem tombado, a União, os Estados e os Municípios terão, nessa ordem, o direito de preferência na arrematação, em igualdade de oferta.

I. Pagamento pelo arrematante

A regra geral é que o pagamento do bem pelo arrematante seja feito à vista, ressalvadas con-dições de pagamento diversas estabelecidas pelo juiz (CPC, art. 885) ou proposta de pagamento parcelado chancelada pelo juiz (CPC, art. 895). Criticável é a previsão de que, em regra, o pa-

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André Vasconcelos Roque

gamento seja feito de imediato, na medida em que dificulta sua realização pelo arrematante, que deverá prontamente efetuá-lo. No CPC/1973, o prazo para o pagamento, ainda que à vista, era de quinze dias (CPC/1973, art. 690), o que não foi mantido no dispositivo em análise. Recomen-dável, assim, que o juiz se atente para tal dificuldade, estabelecendo, anteriormente ao leilão, prazos mais dilatados para pagamento pelo arrematante.

Embora o dispositivo se refira apenas ao pagamento por depósito judicial ou por meio ele-trônico, nada impede que o valor seja entregue pelo arrematante ao leiloeiro, que deverá então providenciar o depósito, no prazo de um dia, à disposição do juízo da execução (CPC, art. 884, inciso IV).

II. Arrematação pelo exequente

O exequente pode participar do leilão, em igualdade de condições com os demais participan-tes. A vantagem da arrematação, em relação à adjudicação (CPC, art. 876), está no fato de pos-sibilitar a aquisição do bem penhorado pelo exequente por preço inferior ao valor da avaliação, desde que não seja vil (CPC, art. 891).

Caso o arrematante dos bens seja o exequente, este não estará obrigado a exibir o preço – ou seja, a efetuar o pagamento – desde que o seu crédito corresponda ou seja superior ao valor dos bens arrematados. Se o credor estiver promovendo várias execuções nas quais tenha sido penho-rado o mesmo bem, estará dispensado de exibir o preço se a soma de seus créditos atingir ou ultrapassar o valor da arrematação, desde que o montante devido nessas execuções seja incon-troverso. Nesse sentido: “Execuções diversas – não embargadas – todas garantidas pelo mesmo bem; o credor pode, em face do caráter incontroverso de todos os débitos, aproveitar os créditos respectivos no lanço oferecido por ocasião da praça realizada nos autos de uma das execuções” (STJ, 3ª T., REsp nº 507.513/TO, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 15/2/2007, DJ de 14/5/2007).

Há, ainda, uma segunda condição para que o exequente arrematante esteja dispensado de exibir o preço: ele deve ser o único credor ou, pelo menos, deve inexistir credor preferencial com penhora sobre o mesmo bem. Caso contrário, independentemente de seu crédito atingir ou superar o valor da arrematação, deverá ser efetuado o pagamento integral – imediatamente, salvo determinação do juiz em contrário – para que esse montante se submeta ao concurso singular de credores, com a entrega do dinheiro, em primeiro lugar, aos credores com preferência ou privi-légio (CPC, art. 908).

Caso o crédito do exequente, por outro lado, seja inferior ao valor da arrematação e não exis-tam outros credores preferenciais com penhora sobre o mesmo bem, o exequente deverá depo-sitar apenas a diferença, no prazo de três dias, sob pena de tornar-se sem efeito a arrematação. Esse é um prazo processual, que deve ser computado apenas nos dias úteis (CPC, art. 219). Uma vez tornada sem efeito a arrematação pela ausência do depósito da diferença pelo exequente, procede-se a novo leilão, cujas despesas deverão por este ser arcadas.

III. Licitação e preferências

Se houver mais de um pretendente no leilão, procede-se à licitação entre eles, com o objeti-vo de alcançar o maior preço possível. Caso as ofertas sejam de mesmo valor, terá preferência na arrematação o cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente, nessa ordem. Visa o legislador a, sempre que possível, manter o bem pelo menos na esfera familiar do executado, mi-tigando os efeitos da expropriação forçada. Além disso, tratando-se de bem tombado, a União, os Estados e os Municípios terão, nessa ordem, o direito de preferência na arrematação. Concorren-

Art. 892

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André Vasconcelos Roque

do mais de um Estado ou Município, a preferência se opera em favor do ente que tiver realizado o ato de tombamento.

Outras hipóteses de preferência estão previstas no CPC/2015 e devem ser igualmente consi-deradas, no caso de ofertas de idêntico valor. Nesse sentido, por exemplo, a oferta global prefere às ofertas isoladas de apenas alguns bens leiloados (CPC, art. 893); o coproprietário tem direito de preferência se o bem leiloado for indivisível (CPC, art. 843, § 1º); os sócios têm direito de preferência no caso de arrematação de quota social ou de ação de sociedade anônima fechada realizada em favor de terceiro alheio à sociedade (CPC, art. 876, § 7º, aplicável por analogia) e a proposta de pagamento à vista prefere às de pagamento parcelado (CPC, art. 895, § 7º).

Art. 892

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Frederico Fontoura da Silva Cais

Art. 893 - Se o leilão for de diversos bens e houver mais de um lançador, terá preferência aquele que se propuser a arrematá-los todos, em conjunto, oferecendo, para os bens que não tiverem lance, preço igual ao da avaliação e, para os demais, preço igual ao do maior lance que, na tentativa de arrematação individualizada, tenha sido oferecido para eles.

AutorFrederico Fontoura da Silva Cais

I. Preferência a arrematação globalO art. 893 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe sobre o critério de preferência para

aquisição global de bens quando o leilão envolver vários bens e houver mais de um lançador, reproduzindo com pequenas alterações na redação o art. 691 do CPC/1973. Num leilão desse tipo terá prioridade na aquisição dos bens aquele que se propuser a adquirir todos eles conjuntamente, oferecendo, para tanto, preço igual ao da avaliação pelos que não tiverem lance e, para os de-mais, preço igual ao do maior lance oferecido para aquisição individualizada de cada um deles.

Merece registro o fato de o CPC/2015 não mais fazer distinção entre leilão (bens móveis) e praça (bens imóveis), utilizando o termo “leilão” para ambos.

Não sendo a hipótese do art. 893 tão comum, é natural que sofra pequenas variações procedi-mentais em cada juízo.

Na prática, a hipótese se opera da seguinte forma: ao iniciar o pregão, o juiz ou o leiloeiro anunciam que serão leiloados vários bens do mesmo devedor e questionam se há licitantes in-teressados na arrematação global dos bens e, outrossim, se há licitantes interessados na arre-matação de bens particulares. Havendo licitante interessado na arrematação global, este terá preferência. Se, contudo, além dele houver interessados na arrematação de bem particular, o leiloeiro iniciará a hasta para a venda do bem particular. Finda esta, se o produto for suficiente para o pagamento do credor, bem como para a satisfação das despesas da execução, o leilão será suspenso, por força do disposto no art. 899 do CPC. Caso contrário, o licitante que manifestou interesse na aquisição conjunta dos bens levados a leilão deverá apresentar lance com preço igual ao da avaliação para os bens que não tiverem lance e preço igual ao do maior lance para aqueles leiloados individualmente.

Segundo entendimento consagrado na doutrina, a proposta de arrematação global dos bens pode ser feita até o encerramento da hasta pública, e nunca antes que se verifique, em relação a cada um dos bens, se existe outro pretendente e quanto oferece.

Em tese o disposto no art. 893 é cabível tanto para leilões presenciais como para os eletrônicos judiciais. Todavia, é difícil conceber como a hipótese descrita poderia ocorrer num leilão eletrônico.

Art. 894 - Quando o imóvel admitir cômoda divisão, o juiz, a requerimento do executado, ordenará a alienação judicial de parte dele, desde que suficiente para o pagamento do exequente e para a satisfação das despesas da execução.

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Frederico Fontoura da Silva Cais Art. 895

§ 1º - Não havendo lançador, far-se-á a alienação do imóvel em sua integridade. § 2º - A alienação por partes deverá ser requerida a tempo de permitir a avaliação das glebas destacadas e sua inclusão no edital, e, nesse caso, caberá ao executado instruir o requerimento com planta e memorial descritivo subscritos por profissional habilitado.

I. Alienação de bem imóvel divisível

A regra estampada no caput do art. 894 reproduz a prevista no art. 702, caput, do CPC/1973, tendo sido levemente aprimorada para incluir, de modo expresso, nova condição para a permis-são judicial de venda do imóvel em partes: que a venda do imóvel dividido permita a arrecada-ção de numerário bastante para fazer frente não apenas do crédito executado, mas também das despesas da execução.

Segundo disposto no caput do art. 894, comportando o imóvel penhorado divisão, o juiz, a requerimento do executado, determinará que sua alienação seja realizada em partes, contanto que uma delas ou a soma delas seja suficiente para pagar o credor e, outrossim, a satisfação das despesas da execução. O objetivo da norma é minimizar os danos do executado sem prejudicar o direito do exequente à satisfação de seu crédito. Efetivamente, ela consubstancia o princípio da menor onerosidade para o devedor, constante do art. 805 do CPC (art. 620 do CPC/1973) em sede de expropriação imobiliária.

A inovação, no tocante ao CPC/1973, vem expressa no § 2º, que prescreve a necessidade de o executado requerer tempestivamente a alienação por partes do bem imóvel, instruindo o reque-rimento com documentos hábeis a viabilizar a avaliação de cada uma das partes e sua inclusão no edital de leilão.

Art. 895 - O interessado em adquirir o bem penhorado em prestações poderá apresentar, por escrito: I - até o início do primeiro leilão, proposta de aquisição do bem por valor não inferior ao da avaliação; II - até o início do segundo leilão, proposta de aquisição do bem por valor que não seja considerado vil. § 1º - A proposta conterá, em qualquer hipótese, oferta de pagamento de pelo menos vinte e cinco por cento do valor do lance à vista e o restante parcelado em até 30 (trinta) meses, garantido por caução idônea, quando se tratar de móveis, e por hipoteca do próprio bem, quando se tratar de imóveis. § 2º - As propostas para aquisição em prestações indicarão o prazo, a modalidade, o indexador de correção monetária e as condições de pagamento do saldo. § 3º - VETADO.

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Frederico Fontoura da Silva Cais Art. 895

§ 4º - No caso de atraso no pagamento de qualquer das prestações, incidirá multa de dez por cento sobre a soma da parcela inadimplida com as parcelas vincendas. § 5º - O inadimplemento autoriza o exequente a pedir a resolução da arrematação ou promover, em face do arrematante, a execução do valor devido, devendo ambos os pedidos ser formulados nos autos da execução em que se deu a arrematação. § 6º - A apresentação da proposta prevista neste artigo não suspende o leilão. § 7º - A proposta de pagamento do lance à vista sempre prevalecerá sobre as propostas de pagamento parcelado. § 8º - Havendo mais de uma proposta de pagamento parcelado: I - em diferentes condições, o juiz decidirá pela mais vantajosa, assim compreendida, sempre, a de maior valor; II - em iguais condições, o juiz decidirá pela formulada em primeiro lugar. § 9º - No caso de arrematação a prazo, os pagamentos feitos pelo arrematante pertencerão ao exequente até o limite de seu crédito, e os subsequentes, ao executado.

I. Pagamento parcelado

O art. 895 do CPC/2015 disciplina a aquisição do bem penhorado de forma parcelada em leilões presenciais.

Cabe lembrar que o leilão será sempre eletrônico, somente sendo presencial quando não for possível ou não for viável sua realização pelo meio virtual (art. 882).

Embora, em tese, até seja possível criar mecanismos para instituir o parcelamento nos leilões eletrônicos, a leitura da norma permite inferir que ela restringe essa possibilidade aos leilões presenciais.

Pela nova sistemática qualquer tipo de bem, seja móvel ou imóvel, pode ser adquirido em prestações, o que representa uma novidade em relação à anterior que restringia tal forma de aqui-sição aos bens imóveis (art. 690, § 1º, do CPC/1973).

Como a regra é a de que o valor da arrematação seja pago de imediato (art. 892), à vista, o pagamento dessa forma terá sempre preferência em relação ao pagamento parcelado, por melhor que sejam suas condições (§ 7º). A intenção do legislador foi instituir um critério que permitisse ao exequente receber seu crédito de modo mais seguro e rápido e ao mesmo tempo acelerar a extinção da execução, desafogando o Judiciário.

O interessado terá até o início do primeiro leilão para apresentar proposta de aquisição do bem por valor igual ou superior ao da avaliação ou até o início do segundo leilão para apresen-tar proposta por valor que não seja vil – leia-se preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital e, quando não fixado, por preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação (parágrafo único do art. 891 do CPC).

Importa registrar que a hipótese prevista no caput do art. 895 não implica a suspensão do lei-lão por força do disposto no § 6º.

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Frederico Fontoura da Silva Cais Art. 896

II. Condições da proposta

Os parágrafos do art. 895 disciplinam as condições que a proposta deverá conter (§ 1º), as garantias (§ 1º), o prazo, a modalidade, o indexador de correção monetária, as condições do pa-gamento do saldo (§§ 2º e 3º), a penalidade em decorrência da mora no pagamento de parcela inadimplida (§ 4º) e as opções que o exequente tem na hipótese de inadimplemento (§ 5º). Além disso, disciplinam os critérios de desempate quando há mais de uma proposta de pagamento (§§ 7º e 8º).

No tocante às condições da proposta propriamente ditas, as inovações trazidas pelo CPC/2015 são o estabelecimento de um percentual mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) do lance que deverá ser pago à vista e de um prazo máximo de 30 (trinta) meses para término do parcelamen-to – o CPC/1973 impunha a oferta de pelo menos 30% (trinta por cento) à vista e não estipulava prazo máximo para o parcelamento.

Por fim, o § 9º repete a regra – de conteúdo óbvio, mas salutar – prevista no § 4º do art. 690 do CPC/1973 de que os pagamentos parcelados realizados pelo arrematante que sobejarem o crédito do exequente pertencerão ao executado.

Art. 896 - Quando o imóvel de incapaz não alcançar em leilão pelo menos oitenta por cento do valor da avaliação, o juiz o confiará à guarda e à administração de depositário idôneo, adiando a alienação por prazo não superior a 1 (um) ano. § 1º - Se, durante o adiamento, algum pretendente assegurar, mediante caução idônea, o preço da avaliação, o juiz ordenará a alienação em leilão. § 2º - Se o pretendente à arrematação se arrepender, o juiz impor-lhe-á multa de vinte por cento sobre o valor da avaliação, em benefício do incapaz, valendo a decisão como título executivo. § 3º - Sem prejuízo do disposto nos §§ 1º e 2º, o juiz poderá autorizar a locação do imóvel no prazo do adiamento. § 4º - Findo o prazo do adiamento, o imóvel será submetido a novo leilão.

I. Imóvel de incapaz

O art. 896 regula o leilão de bem imóvel de executado incapaz. Regra idêntica era prevista no art. 701 do CPC/1973, tendo sido reproduzida pelo CPC/2015 com leves alterações redacionais.

Tutelando a norma interesse de pessoa sem a capacidade de gerir a própria vida e os próprios bens, ela impede a alienação judicial de bens de raiz em condição desvantajosa, qual seja arrema-tação do bem penhorado por montante inferior a 80% (oitenta por cento) do valor da avaliação.

II. Suspensão do leilão

Se não alcançar o montante mínimo previsto no caput, o leilão será suspenso pelo prazo fixado pelo juiz, que não poderá ser superior a 1 (um) ano. Findo o prazo de adiamento, o imóvel será submetido a novo leilão, dessa vez em condições normais, isto é, comportando alienação pelo maior lance.

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Frederico Fontoura da Silva Cais Art. 897

Segundo disposto no § 1º, o bem poderá ser alienado mesmo durante o prazo de adiamento na hipótese de algum pretendente apresentar proposta de aquisição pelo preço de sua avaliação, oferecendo, para tanto, caução idônea. Caso, entretanto, referido pretendente se arrependa – o que é permitido até a assinatura do auto (art. 903) –, ser-lhe-á aplicada multa de 20% (vinte por cento) sobre o valor da avaliação, que reverterá em benefício do incapaz.

III. ArrependimentoComo o arrependimento do pretendente, em princípio, não ocasiona prejuízo algum ao inca-

paz, mas, por outro lado, implica atividade jurisdicional desnecessária, mais justo seria que a multa revertesse para o Tesouro.

IV. Administração do imóvelDurante o prazo do adiamento o imóvel será administrado por depositário idôneo, que poderá

ser colocado à locação até antes do seu término, mediante autorização expressa do juiz (§ 3º).A leitura conjunta dos dispositivos do Código anterior, em especial dos arts. 677, caput (atual

art. 862), e 701, § 3º (atual § 3º do art. 896), nos leva a crer que o depositário do bem do incapaz tem a incumbência de tornar o bem frutífero, elaborando plano razoável de administração para ele, dentro do prazo de adiamento, e sugerindo formas de exploração direta ou indireta. Todavia, não nos parece ser o caso, uma vez que o juiz apenas faculta – e não impõe – a locação do bem.

Art. 897 - Se o arrematante ou seu fiador não pagar o preço no prazo estabelecido, o juiz impor-lhe-á, em favor do exequente, a perda da caução, voltando os bens a novo leilão, do qual não serão admitidos a participar o arrematante e o fiador remissos.

I. Inadimplemento do arrematante

Referido dispositivo trata das consequências do inadimplemento de parcela nas hipóteses em que o pagamento do lance não é realizado à vista.

O legislador repetiu no art. 897 a regra prevista no art. 695 do CPC/1973, sem, contudo, observar que o contexto em que referido artigo estava inserto no Código anterior não tem mais lugar no atual. Efetivamente, não foi levado em consideração que a caução referida no art. 695 do CPC/1973 era a do art. 690 daquele Código que não encontra paralelo no atual. A propósito, nem na sistemática anterior a perda da caução se mostrava razoável.

A única caução prevista no CPC/2015 para pagamento de lance que não é realizado à vista é a do § 1º do art. 895, mas sua perda em favor do exequente concomitantemente com o retorno do bem a novo leilão representa penalidade excessiva e descabida. Por tal razão, entendemos que a “caução” referida no artigo, na realidade, corresponde ao montante de 25% (vinte e cinco por cento) pagos à vista para fim de apresentação de oferta parcelada (§ 1º, art. 895).

De acordo com a sistemática atual, deixando o arrematante ou seu fiador de pagar a parcela no prazo estabelecido (hipótese do § 4º do art. 895), incidirá multa de 10% (dez por cento) sobre a soma dela com as demais parcelas vincendas. Caso um deles deixe de pagar a parcela acrescida da multa, ao exequente será facultado executar o saldo em face do arrematante (§ 5º do art. 895) ou pedir a resolução da arrematação (art. 903, § 1º, inciso III).

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Frederico Fontoura da Silva Cais Arts. 898 e 899

Tratando o bem leiloado de imóvel, não haverá dificuldades, pois a garantia do parcelamen-to é a hipoteca do próprio bem, de modo que a remissão do arrematante implicará o retorno do imóvel ao leilão. Em outras palavras, não haverá “perda da caução” propriamente dita, apenas do percentual pago à vista.

A interpretação literal do art. 897 poderia trazer dificuldade na hipótese de o bem leiloado ser móvel e o arrematante ofertar outro bem a título de “caução idônea”. Representando essa garan-tia valor igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento) do bem levado a leilão – já que a garantia terá que ser integral e 25% terá que ser pago à vista –, não é razoável que haja perda dela em favor do exequente e ainda novo leilão do bem do executado porquanto, se houver a perda da caução, o exequente já terá seu crédito satisfeito com o bem dado em garantia e, por conse-guinte, a designação de novo leilão para venda judicial do bem do executado representará uma punição muito severa para o arrematante remisso e ao mesmo tempo um enriquecimento ilícito para o exequente, que, pela letra da lei, receberá, além da caução, o montante que for arrecadado no novo leilão.

Destarte, a “caução” referida no art. 897 deve ser interpretada como um sinal (arras), equi-valendo ao montante de 25% (vinte e cinco por cento) do total do lance pago à vista para fim de apresentação de oferta parcelada (§ 1º, art. 895).

Art. 898 - O fiador do arrematante que pagar o valor do lance e a multa poderá requerer que a arrematação lhe seja transferida.

I. Possibilidade assegurada ao fiador

O art. 898 reproduz sem nenhuma alteração a regra do art. 696 do CPC/1973. Nele é prevista a possibilidade de o fiador do arrematante, tendo que pagar o lance, substituir o afiançado no negócio jurídico e ficar com o bem arrematado para si.

Tradicionalmente, o fiador que paga a dívida do devedor se sub-roga nos direitos do credor. Na hipótese do artigo em referência, entretanto, é conferida uma possibilidade diferente ao fia-dor: em vez de ficar na posição de credor e poder cobrar o afiançado, o fiador pode requerer a transferência do bem arrematado e ficar na posição dele (arrematante) – tudo isso sem necessida-de de concordância de quem quer que seja.

Convém registrar que, tratando-se de uma faculdade outorgada ao fiador, ele, se desejar, po-derá optar pela sub-rogação clássica, deixando o bem arrematado para o arrematante (afiançado) para posteriormente exigir dele seu crédito.

Sendo disposição de caráter excepcional, o art. 898 se aplica tão somente ao fiador, jamais ao terceiro, interessado ou não, que paga a dívida do arrematante.

Art. 899 - Será suspensa a arrematação logo que o produto da alienação dos bens for suficiente para o pagamento do credor e para a satisfação das despesas da execução.

1389

Frederico Fontoura da Silva Cais Arts. 900 e 901

I. Suspensão da arrematação

A disposição deste artigo é idêntica à do parágrafo único do art. 692 do CPC/1973. Poder-se-ia criticar a utilização da terminologia (“será suspensa”), pois transmite a ideia de que o leilão será paralisado temporariamente para ser retomado em seguida, quando, na realidade, ele deverá ser finalizado.

Segundo prescreve o art. 899, o leilão deverá ser encerrado no momento em que a soma dos bens alienados atingir patamar suficiente para satisfazer o crédito do exequente e as despesas da execução.

É, contudo, possível que, num primeiro momento, o produto da arrematação mostre-se sufi-ciente para saldar todos os créditos, mas no momento da liquidação constate-se a ocorrência de equívoco na soma dos bens ou na atualização das despesas da execução. Nesses casos novo leilão deverá ser designado.

Importa registrar que o encerramento do leilão, em qualquer hipótese, não implicará a libera-ção imediata dos demais bens penhorados levados à hasta, o que só acontecerá com a extinção da execução.

Art. 900 - O leilão prosseguirá no dia útil imediato, à mesma hora em que teve início, independentemente de novo edital, se for ultrapassado o horário de expediente forense.

I. Prosseguimento do leilão

O art. 900 do CPC/2015 regula a hipótese de prosseguimento do leilão quando ele se estende além do horário de expediente forense.

A regra anterior, que determinava a suspensão do leilão com o advento da noite (art. 689 do CPC/1973), já estava de longa data antiquada, carecendo completamente de sentido.

Deve o art. 900 ser lido harmonicamente com o art. 212, § 1º, do CPC e, outrossim, com o princípio da eficiência e da economia processual. Assim, será lícito ao juiz determinar o pros-seguimento do leilão em período posterior ao término do expediente dos serviços judiciários sempre que o adiamento puder prejudicar seu curso ou causar grave dano.

Art. 901 - A arrematação constará de auto que será lavrado de imediato e poderá abranger bens penhorados em mais de uma execução, nele mencionadas as condições nas quais foi alienado o bem.§ 1º - A ordem de entrega do bem móvel ou a carta de arrematação do bem imóvel, com o respectivo mandado de imissão na posse, será expedida depois de efetuado o depósito ou prestadas as garantias pelo arrematante, bem como realizado o pagamento da comissão do leiloeiro e das demais despesas da execução.§ 2º - A carta de arrematação conterá a descrição do imóvel, com remissão

1390

Frederico Fontoura da Silva Cais

à sua matrícula ou individuação e aos seus registros, a cópia do auto de arrematação e a prova de pagamento do imposto de transmissão, além da indicação da existência de eventual ônus real ou gravame.

I. Lavratura do auto de arremataçãoNos leilões presenciais a arrematação é realizada oralmente; já nos eletrônicos, é realizada por

meio de transmissão de dados. Uma vez aceito o lance, será lavrado o auto de imediato, mas a ar-rematação só será considerada perfeita, acabada e irretratável, tornando impossível a remição da dívida pelo executado (art. 826) depois que o juiz, o arrematante e o leiloeiro o assinarem (art. 903).

O art. 901 inova ao instituir a possibilidade de ser lavrado um único auto para bens arremata-dos em mais de uma execução, nele mencionadas as condições de alienação do bem.

II. Condições para a transmissão do bemSegundo disposto no § 1º, o documento que autoriza a transmissão do bem móvel (ordem de

entrega) ou imóvel (carta de arrematação) – que, se necessário, pode vir acompanhada de man-dado de imissão na posse – será expedido depois de efetuado o depósito ou prestadas as garan-tias pelo arrematante, bem como realizado o pagamento da comissão do leiloeiro e das demais despesas da execução.

Independentemente do fato de o pagamento do lance ser realizado à vista ou a prazo, a posse e propriedade do bem arrematado serão transmitidas de imediato ao arrematante. Cabe lembrar que, sendo a aquisição em prestações (art. 895, § 1º), deverá ser precedida da apresentação de caução ou realização de hipoteca. Caso o pagamento do lance seja efetuado pelo fiador, este poderá requerer que o bem arrematado – já em nome do arrematante – lhe seja transferido (art. 898), devendo o juiz, nesse caso, expedir os competentes mandados e ordens para recuperação do bem. Não sendo efetuado o pagamento do preço no prazo estipulado, o bem poderá voltar a leilão mesmo já pertencendo ao arrematante (art. 897).

III. Conteúdo da carta de arremataçãoO § 2º do art. 891 trata do conteúdo da carta de arrematação de bem imóvel, reproduzindo e

aprimorando o conteúdo do art. 703 do CPC/1973.

Art. 902 - No caso de leilão de bem hipotecado, o executado poderá remi-lo até a assinatura do auto de arrematação, oferecendo preço igual ao do maior lance oferecido.Parágrafo único - No caso de falência ou insolvência do devedor hipotecário, o direito de remição previsto no caput defere-se à massa ou aos credores em concurso, não podendo o exequente recusar o preço da avaliação do imóvel.

I. Leilão de bem hipotecado

O art. 826 do Código de Processo Civil de 2015, equivalente ao art. 651 do CPC/1973, asse-gura ao executado o direito de remir (solver) a dívida a qualquer tempo antes da adjudicação ou da alienação – leia-se, arrematação – do bem penhorado.

Art. 902

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Frederico Fontoura da Silva Cais

Segundo se infere da leitura do referido artigo (826), o executado pode pleitear a extinção da execução e consequentemente a liberação dos bens penhorados até antes da assinatura do auto de arrematação pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro; depois dessa, a arrematação será considerada perfeita e acabada impossibilitando a remição da dívida.

Consoante se verifica do art. 902, caput, este mantém a regra do art. 826, mas com algumas diferenças. Enquanto o art. 826 concede ao executado a faculdade de salvar os bens levados a leilão mediante o pagamento da importância atualizada da dívida, acrescida de juros, custas e honorários advocatícios, o art. 902 concede ao executado a faculdade de salvar seu bem imóvel hipotecado, mediante a oferta de preço igual ao do maior lance oferecido.

Em outras palavras, mercê do disposto no art. 902, o executado que desejar permanecer com a propriedade do seu bem imóvel hipotecado não tem que saldar a integralidade da dívida exigida na execução com todos os acréscimos legais (como na hipótese do art. 826), bastando-lhe cobrir o lance mais alto.

Contudo, na hipótese de o lance mais alto ser superior ao valor integral da dívida atualizada, com juros, custas e honorários advocatícios, então, obviamente aplicar-se-á o art. 826, não tendo o executado que pagar um valor a mais para salvar seu bem.

II. Falência ou insolvência do devedor hipotecário

A teor do disposto no parágrafo único do art. 902, no caso de falência ou insolvência do deve-dor hipotecário, é assegurado à massa ou aos credores em concurso o direito de remição, sendo defeso ao exequente recusar o preço da avaliação do imóvel.

Extrai-se do texto da norma em referência que o legislador pretendeu conferir proteção adi-cional ao executado proprietário de imóvel.

Art. 903 - Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.§ 1º - Ressalvadas outras situações previstas neste Código, a arrematação poderá, no entanto, ser:I - invalidada, quando realizada por preço vil ou com outro vício;II - considerada ineficaz, se não observado o disposto no art. 804;III - resolvida, se não for pago o preço ou se não for prestada a caução.§ 2º - O juiz decidirá acerca das situações referidas no § 1º, se for provocado em até 10 (dez) dias após o aperfeiçoamento da arrematação.§ 3º - Passado o prazo previsto no § 2º sem que tenha havido alegação de qualquer das situações previstas no § 1º, será expedida a carta de arrematação e, conforme o caso, a ordem de entrega ou mandado de imissão na posse.

Art. 903

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§ 4º - Após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário.§ 5º - O arrematante poderá desistir da arrematação, sendo-lhe imediatamente devolvido o depósito que tiver feito:I - se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não mencionado no edital;II - se, antes de expedida a carta de arrematação ou a ordem de entrega, o executado alegar alguma das situações previstas no § 1º;III - uma vez citado para responder a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, desde que apresente a desistência no prazo de que dispõe para responder a essa ação.§ 6º - Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do bem.

I. Assinatura do auto de arrematação

O art. 903 estabelece o momento em que a arrematação é tida como finalizada e imodificável, qual seja o seguinte à assinatura do auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro. Referido dispositivo aperfeiçoa o regime relativo às hipóteses em que a arrematação deve ser invalidada, considerada ineficaz ou resolvida. Além disso, trata do meio como deve ser realizada a impugna-ção da arrematação (§§ 2º e 3º), das hipóteses em que o arrematante pode desistir da arrematação (§ 5º) e de outras contingências (§ 6º).

Efetivamente, o art. 903 absorve e aprimora o conteúdo de dois artigos do Código de Processo Civil de 1973 ao mesmo tempo: o 694 e o 746.

II. Vícios da arrematação

O § 1º do art. 903 especifica de maneira clara as hipóteses de invalidade (quando realizada por preço vil ou outro vício), ineficácia (se não intimados os credores pignoratícios, hipotecário e anticrético) e resolução da arrematação (não pagamento do preço ou não prestação da caução).

Uma das grandes novidades introduzidas por este dispositivo legal é a criação de um meio mais simples e rápido de impugnação à arrematação: ela deve ser feita por simples petição nos autos em até 10 (dez) dias do aperfeiçoamento da arrematação (§ 2º); depois desse prazo, só poderá ser realizada por meio de ação autônoma, na qual o arrematante deverá figurar como litisconsorte necessário (§ 4º). Com isso acabam os embargos à arrematação previstos no art. 746 do CPC/1973.

Extrai-se dos §§ 2º e 3º do art. 903 do CPC que a assinatura do auto de arrematação pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro não é imediata, devendo ocorrer somente depois de decorridos pelo menos 10 (dez) dias da arrematação, porque nesse prazo poderá ser pedida a sua anulação, declaração de ineficácia ou resolução.

Art. 903

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Frederico Fontoura da Silva Cais

III. Hipóteses em que pode ocorrer a desistência da arrematação

O § 5º enumera as situações em que o arrematante poderá desistir da arrematação. São elas: (I) se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não mencionado no edital; (II) se o executado alegar alguma das situações previstas no § 1º, antes de expedida a carta de arrematação ou da ordem de entrega do bem; (III) se ele for citado como litisconsorte em ação autônoma objetivando a invalidação da arrematação. Nesta hipótese, ele deverá formular o pedido de desistência no prazo de resposta da ação. Embora a norma não especifique nos autos de qual processo o pedido de desistência deverá ser apresentado (se nos autos da execução ou nos autos da ação autônoma de invalidação da arrematação), o mais razoável é que seja nessa última, até porque os autos da execução podem já ter sido arquivados. Registre-se que a desistência na hipótese de citação em ação autônoma é difícil de conceber, pois em tese deixa o arrematante em situação bastante vulnerável: ao mesmo tempo que fica sem o bem arrematado não tem garantia de receber de volta o dinheiro pago para arrematá-lo.

IV. Criação de incidente infundado

Dispõe o § 6º do art. 903 que será considerado ato atentatório à dignidade da justiça a cria-ção de incidente infundado visando ensejar a desistência da arrematação, impondo a quem o criar multa de até 20% (vinte por cento) do valor atualizado do bem em favor do exequente, sem prejuízo de eventual responsabilidade por perdas e danos. Conquanto não seja fácil demonstrar que o alegado vício na arrematação seja infundado e tenha o objetivo de ensejar a desistência da arrematação, a iniciativa do legislador foi louvável.

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Fabio Peixinho Gomes Corrêa

Art. 904 - A satisfação do crédito exequendo far-se-á:I - pela entrega do dinheiro;II - pela adjudicação dos bens penhorados.

AutorFabio Peixinho Gomes Corrêa

I. Momento satisfativo da execução

O CPC/2015 deixou de denominar a fase satisfativa do processo de execução como “do pa-gamento ao credor” (CPC/1973), optando por substituir tal expressão por “da satisfação do cré-dito”. Dessa forma, buscou-se evitar a equiparação desses atos de expropriação forçada com os meios de solução da dívida característicos do direito material. Isso porque o propósito desse dispositivo legal é indicar os meios que põem termo à lide executiva, independentemente das for-mas de pagamento ao credor que pressupõem espontaneidade e voluntariedade. Esse momento satisfativo do exequente envolve ato imperativo de um agente estatal encarregado do exercício da jurisdição, mas não implica o exame do mérito do processo executivo, e sim a realização de atividades preparatórias do provimento satisfativo final, as quais compõem a fase instrutória do processo executivo.

II. Objeto da prestação e bem apreendido

Há diferentes caminhos que podem levar ao ponto culminante do processo de execução por quantia certa contra devedor solvente que é a satisfação do crédito contemplado no título. Para atingir tal ponto, é preciso ter êxito nas etapas anteriores, cujo início dá-se com a penhora de dinheiro ou bens. A constrição que recair em dinheiro, por iniciativa do exequente ou do execu-tado, tem a vantagem de não gerar divergência entre o bem apreendido e o objeto da prestação, desde que efetuado o depósito “no valor do débito, já acrescido de correção monetária, juros de mora e quaisquer outros encargos estipulados judicialmente” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp nº 1161329/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 15/12/2011, v.u., DJe de 8/2/2012). A seu turno, a constrição que recair sobre bens permitirá a satisfação da prestação por dois meios alternativos, quais sejam a adjudicação de tais bens pelo exequente ou sua alienação pública ou por iniciativa particular.

III. Duas ou uma expropriação

Uma vez penhorado o bem móvel ou imóvel, a fase instrutória passará pelo depósito, avalia-ção e hasta pública, para chegar à alienação do bem penhorado, recolhimento do produto e sua derradeira entrega. Esse caminho leva a duas expropriações, sendo a primeira consistente na expropriação forçada por meio da venda do bem penhorado e a segunda mediante a entrega do dinheiro ao exequente. Por mais que seja o caminho mais frequentado no expediente forense, o CPC/2015 manteve a orientação de que a adjudicação é modalidade expropriatória preferencial (art. 825), por dispensar a segunda expropriação. Nesse caso, o exequente recebe os bens desa-propriados em adjudicação, cabendo-lhe apenas depositar o excedente, se houver, para que seja entregue ao executado (STJ, 4ª T., REsp nº 522820/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 22/10/2013, v.u., DJe de 5/3/2014).

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IV. Dinheiro oriundo do usufruto judicial

O CPC/2015 excluiu o usufruto de bem móvel ou imóvel do rol das hipóteses de satisfação do crédito, por se tratar de instituto que visa entregar dinheiro ao exequente e, portanto, já estar abrangido por essa modalidade de satisfação do crédito (inciso I). Com efeito, a fruição dos bens em regime de usufruto judicial continua sendo viável no regime do CPC/2015, mas passou a ser intitulada “penhora de frutos e rendimentos” (art. 867), inserindo-se dentre as demais hipóteses de expropriação de bens do executado. Apesar disso, a manutenção de regras voltadas ao cumpri-mento da obrigação indica que continua válida a distinção entre esse usufruto judicial de empresa e a penhora de empresa (CPC, art. 862). Sendo assim, as partes podem instituir consensualmente essa modalidade de usufruto, assumindo a feição de negócio processual (CPC, art. 190) que colocará fim à execução ante a satisfação do crédito, hipótese na qual tal convenção deverá ser levada à homologação pelo juiz.

V. Usufruto judicial e satisfação do crédito

A satisfação do crédito por meio da “penhora de frutos e rendimentos” dependerá da entrega das quantias recebidas pelo administrador-depositário ao exequente, “a fim de serem imputadas no pagamento da dívida” (CPC, art. 869, § 5º). Essa imputação de pagamento deve ser entendi-da, entretanto, como mecanismo impróprio de satisfação do crédito, pois se trata de modalidade pro solvendo de extinção da dívida, que assegura a continuação da execução pelo crédito rema-nescente. Além disso, a previsão de que o exequente dará ao executado quitação das quantias recebidas, por termo nos autos (CPC, art. 869, § 6º), deve ser interpretada sistematicamente com as disposições atinentes a concurso de credores. Nesse contexto, a necessidade de se respeitar as preferências e benefícios de outros credores que não figuram na execução inviabiliza a “penhora de frutos e rendimentos” em favor apenas do exequente.

Art. 905 - O juiz autorizará que o exequente levante, até a satisfação integral de seu crédito, o dinheiro depositado para segurar o juízo ou o produto dos bens alienados, bem como do faturamento de empresa ou de outros frutos e rendimentos de coisas ou empresas penhoradas, quando:I - a execução for movida só a benefício do exequente singular, a quem, por força da penhora, cabe o direito de preferência sobre os bens penhorados e alienados;II - não houver sobre os bens alienados outros privilégios ou preferências instituídos anteriormente à penhora.Parágrafo único - Durante o plantão judiciário, veda-se a concessão de pedidos de levantamento de importância em dinheiro ou valores ou de liberação de bens apreendidos.

I. Da penhora à satisfação

O levantamento do dinheiro pelo exequente observará procedimento adequado à modalidade de penhora que tiver sido realizada nos autos, as quais podem envolver “dinheiro depositado”, “bens alienados”, “penhora de faturamento”, “penhora de frutos” e “penhora de empresa”. Esses diferentes mecanismos de constrição proporcionam a entrega em dinheiro, mas até chegar a esse

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ponto o exequente percorrerá fases com duração e complexidade variadas. Ao final, a entrega do dinheiro dependerá da análise dos créditos que afetem os bens alienados.

II. Exequente singular

No inciso I do art. 905 está prevista a satisfação de um único crédito de titularidade do exe-quente singular. Nessa hipótese, o bem penhorado foi avaliado e alienado, sem a necessidade de observar qualquer direito de preferência que pudesse afetar a posição do exequente singular. Sendo assim, o exequente singular será o único beneficiário do produto da alienação do bem penhorado. Vale esclarecer que o exequente singular não precisa aguardar o depósito de todo o valor para requerer o levantamento, podendo realizar levantamentos parciais e promover novas penhoras.

III. Concurso de exequentes ou de créditos

No inciso II do art. 905 encontram-se estabelecidos os parâmetros para autorizar o levan-tamento do valor nos casos em que a) houver mais de um exequente ou b) pesar sobre o bem alienado outro privilégio ou preferência. Se o bem tiver sido gravado por direitos reais, dado em garantia de outra dívida ou estiver sujeito a algum tipo de preferência, a realização da penhora implicará a intimação do respectivo credor, que também deverá ser comunicado em caso de alienação. Em todo caso, o levantamento do dinheiro não poderá ser realizado sem o exame da prioridade temporal das penhoras ou dos privilégios e preferências, por meio do concurso singu-lar de credores (CPC, art. 908).

IV. Execução provisória

Admite-se o levantamento do dinheiro antes que a execução tramite em caráter definitivo, des-de que o exequente preste caução idônea “nas situações que possam resultar grave dano de difícil reparação ao executado, nos termos do inciso III do art. 475-O do Código de Processo Civil” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 473059/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Galotti, j. em 16/10/2014, v.u., DJe de 28/10/2014). Caso se trate de crédito alimentar e de situação de urgência, tal caução po-derá ser dispensada (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 270028/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16/4/2013, v.u., DJe 23/4/2013).

V. Verba honorária advocatícia

Em se tratando de honorários advocatícios, a identificação do titular do crédito se dá por meio da procuração, na forma do art. 15, § 3º, da Lei nº 8.906/1994. Se a sociedade de advogados não constar da referida procuração, o levantamento do depósito relativo aos honorários advocatícios deverá ser realizado pelos advogados que nela constarem. Em caráter alternativo, o Superior Tribunal de Justiça admite a viabilidade de cessão desse crédito para a sociedade de advogados (1ª T., REsp nº 1.013.458/SC, Rel. Min. Luiz Fux, , j. em 9/12/2008, v.u., DJe de 18/2/2009).

VI. Plantão judiciário

No parágrafo único do art. 905, o CPC/2015 acolheu o entendimento firmado pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução nº 71/2009, no sentido de que fica vedado o levan-tamento de dinheiro ou liberação de bens durante o plantão judiciário em primeira e segunda instâncias (art. 1º, § 3º). Cuida-se de medida que visa racionalizar a prestação jurisdicional nesse período, evitando distorções no desempenho das competências dos órgãos judiciais, as quais ocorriam em regime de plantão sob a justificativa da urgência, com grave risco de lesões irreparáveis.

Art. 905

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Art. 906 - Ao receber o mandado de levantamento, o exequente dará ao executado, por termo nos autos, quitação da quantia paga.Parágrafo único - A expedição de mandado de levantamento poderá ser substituída pela transferência eletrônica do valor depositado em conta vinculada ao juízo para outra indicada pelo exequente.

I. Retirada do mandado de levantamento Para entregar o dinheiro depositado ao exequente (CPC, art. 905), o CPC/2015 prevê a expe-

dição de mandado de levantamento, que poderá ser retirado pelo credor, pessoalmente, ou por seu advogado, desde que este comprove ter poderes para dar e receber quitação (CPC, art. 105). “Tratando-se de honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, o alvará de levantamento deve ser expedido em nome do advogado, titular do direito, a quem, no caso, além disso, foram outorgados poderes para receber e dar quitação” (STJ, 4ª T., REsp nº 531.276-DF, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 10/2/2004, v.u., DJ de 3/5/2004). Por ocasião da retirada do referido mandado, caberá à parte ou a seu advogado firmar termo de quitação da quantia paga nos autos, o qual será lavrado por escrivão ou chefe da secretaria (CPC, art. 152 e 209). Desde a introdução do processo eletrônico pela Lei nº 11.419/2006, tal termo pode ser produzido, transmitido, arma-zenado e assinado por meio eletrônico (CPC, arts. 193 e 209, § 1º).

II. Consequências do levantamento Se o valor levantado ou recebido não for suficiente para satisfação do crédito, a quitação deverá

ser parcial, ficando resguardado o direito de o exequente prosseguir com a execução pelo que sobejar. Consequentemente, tal levantamento parcial não enseja a prolação das sentenças previstas nos arts. 924, inciso II, e 925. Nas execuções contra a Fazenda Pública, “o ente público exonera-se de sua obri-gação ao fazer o depósito do precatório requisitório (art. 100, § 6º, da Constituição Federal). Assim, não sendo de sua competência a determinação de pagamento ao credor, não pode a Fazenda executada responder por eventual ilícito ocorrido por ocasião do levantamento da quantia” (STJ, 1ª T., REsp nº 1.365.319/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 19/3/2013, v.u., DJe 25/3/2013).

III. Transferência bancária eletrônica A expedição do mandado de levantamento poderá ser dispensada caso o exequente opte por

receber o valor depositado diretamente em sua conta bancária. Tal transferência pode ter como destino tanto conta em instituição financeira regida pelas leis brasileiras quanto conta em ban-co estrangeiro. Neste último caso, a transferência poderá envolver o fechamento de contrato de câmbio e seu respectivo registro perante o Banco Central do Brasil. Como a remessa desses recursos ao exterior terá por origem conta bancária situada no território brasileiro, este será con-siderado o “local de cumprimento da obrigação” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.080.406-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 23/9/2008, v.u., DJe de 10/12/2008), de forma que as questões relaciona-das a tal transferência eletrônica estarão sob jurisdição brasileira. O CPC/2015 não esclarece se essa transferência eletrônica também se aplicaria no caso de fiança bancária ou seguro garantia judicial, mas a necessidade de firmar o termo de quitação inviabiliza tal alternativa, de tal sorte que, uma vez rejeitados os embargos à execução, o banco fiador ou a seguradora serão intimados a recolherem em juízo o montante correspondente à garantia prestada.

IV. Segregação dos honorários advocatícios

Nos termos do art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994, “se o advogado fizer juntar aos autos o

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seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou”. Cuida-se de evidente proteção ao direito autônomo do patrono que visa prevenir futura cobrança judicial, por meio da separação do mon-tante dos honorários contratados. A apresentação do contrato de honorários nos autos representa marco temporal para assegurar a segregação do crédito devido ao advogado, a partir de quando o mandado de levantamento em favor da parte só deve permitir o saque do valor que lhe cabe. Nos casos de pagamentos devidos pela Fazenda Pública nos moldes do art. 100 da Constituição Federal, “é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é impossível a dedução dos honorários advocatícios da quantia a ser recebida pelo constituinte se o contrato não foi juntado antes da expedição do precatório” (STJ, 5ª T., AgRg no AI nº 971.074-RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 24/4/2008, v.u., DJe de 23/6/2008).

Art. 907 - Pago ao exequente o principal, os juros, as custas e os honorários, a importância que sobrar será restituída ao executado.

I. Suficiência do valor levantado

No momento satisfativo do exequente, há três possíveis situações que podem se descortinar: i) o crédito não se encontra integralmente satisfeito, de forma que o credor buscará uma nova penhora; ii) o valor entregue ao exequente corresponde ao principal devidamente corrigido, aos juros, às custas e aos honorários, não havendo qualquer excedente; e iii) a quantia depositada em juízo ou apurada após a alienação dos bens penhorados supera o valor do crédito, razão pela qual a importância que sobejar poderá ser levantada pelo executado. Nessa última hipótese, a apuração da suficiência da quantia para satisfação do crédito é do interesse do exequente e do executado.

II. Crédito exequendo e consectários

O ponto de partida dessa apuração é a dívida retratada no título executivo. No demonstrativo de cálculo que acompanhar a petição inicial (CPC, art. 798, inciso I, b), o exequente indicará (art. 798, parágrafo único): I – o índice de correção monetária adotado; II – a taxa de juros aplicada; III – os termos inicial e final de incidência do índice de correção monetária e dos juros utilizados; IV – periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso; e V – a especificação do desconto obrigatório realizado. O executado poderá alegar excesso de execução (CPC, art. 917, § 2º), mas terá que indicar o valor que entende correto mediante a exibição de demonstrativo de cálculo (CPC, art. 917, § 3º).

III. Custas processuais

Apesar de não estarem expressamente mencionadas na relação dos itens do demonstrativo de cálculo, as custas processuais adiantadas pelo exequente também devem ser referidas na petição inicial. Se novas custas processuais forem suportadas pelo exequente após a propositura da pe-tição inicial, estas também deverão ser computadas para fins de apurar o crédito a ser satisfeito pelo executado. Dentre tais custas processuais estão as taxas judiciárias, as diligências de oficial de justiça, os honorários do perito avaliador e a publicação dos editais de hasta pública. No en-tanto, a menção genérica a custas processuais em título executivo judicial não assegura que todas

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essas verbas estarão contidas no crédito exequendo. Na verdade, o Superior Tribunal de Justiça entende que os honorários periciais não estarão abrangidos pela sentença exequenda se esta não lhes fizer expressa referência (2ª T., REsp nº 1.039.604-MG, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 4/11/2008, v.u., DJe de 12/12/2008).

IV. Honorários na execução

O exequente também fará jus aos honorários advocatícios devidos pela execução, bem como à verba honorária devida pela rejeição de eventual impugnação ou embargos à execução. Na execução, o juiz fixará, provisoriamente, os honorários advocatícios em dez por cento (CPC, art. 827), o qual poderá ser reduzido à metade se houver o pagamento integral pelo executado no prazo de três dias (§ 1º) ou poderá ser majorado até vinte por cento quando não opostos ou rejeitados os embargos à execução (§ 2º). Nesse ponto, deve ficar claro que a fixação definitiva dos honorários advocatícios levará em conta o trabalho efetivamente realizado pelo advogado do exequente. Assim, a falta de pagamento imediato, por si só, não é motivo para a majoração dos honorários advocatícios (STJ, 2ª T., REsp nº 1.297.844-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, , j. em 6/3/2012, v.u., DJe de 12/4/2012).

V. Entrega do excedente ao executado

Uma vez somados todos esses valores, o montante depositado em juízo deverá ser entregue ao exequente até o valor total, sendo que eventual excedente pertencerá ao executado. O levan-tamento desse excedente pelo executado também seguirá o procedimento previsto no art. 906 do CPC, com exceção da lavratura do termo de quitação. Por se tratar de numerário de titulari-dade do executado, tais recursos financeiros depositados em juízo são passíveis de penhora nos moldes do art. 860 do CPC, caso outros credores não tenham se manifestado antes de o crédito exequendo ser satisfeito.

Art. 908 - Havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências.§ 1º - No caso de adjudicação ou alienação, os créditos que recaem sobre o bem, inclusive os de natureza propter rem, sub-rogam-se sobre o respectivo preço, observada a ordem de preferência.§ 2º - Não havendo título legal à preferência, o dinheiro será distribuído entre os concorrentes, observando-se a anterioridade de cada penhora.

I. Ordem das preferências entre os credores

Se um mesmo bem tiver sido penhorado por mais de um credor em mais de uma execução (CPC, art. 797, parágrafo único) ou se sobre o bem penhorado pesar algum direito real de garan-tia (CPC, art. 905, inciso II), será instaurado concurso singular de credores com o propósito de definir a ordem das respectivas preferências a ser respeitada na entrega do dinheiro. Essa ordem deve coordenar dois tipos de preferência: de um lado, o privilégio tem fundamento no direito ma-terial, independentemente de penhora; e, de outro, aplica-se o princípio prior tempore potior jure (CPC, art. 797, caput), segundo o qual o exequente que obtiver a primeira penhora desfrutará de privilégio em relação às penhoras ulteriores. Caso existam os dois tipos de preferência antes

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mencionados, o título legal de preferência prevalece em relação à regra da primeira penhora. O exame dessas preferências ocorrerá no âmbito desse incidente na fase de pagamento dentro da execução, no qual o juiz realiza cognição sumária e superficial.

II. Execução em curso e penhora

Para participar do concurso singular, em princípio, os credores deverão ter movido suas res-pectivas execuções e ter penhorado o bem cuja alienação resultou no numerário depositado. No entanto, essa exigência de execução em curso para legitimar o credor a participar de tal incidente é controversa em relação aos credores com garantia de direito real, vale dizer, hipotecários ou pignoratícios. Embora exista opinião jurisprudencial condicionando a participação do credor hi-potecário no aludido concurso singular à prévia propositura de execução e penhora (STJ, 4ª T., REsp nº 32.881/SP, Rel. Min. César Ásfor Rocha, j. em 2/12/1997, v.u., DJ de 27/4/1998), prevalece o entendimento jurisprudencial no sentido de que “o credor hipotecário, embora não tenha propos-to ação de execução, pode exercer sua preferência nos autos de execução ajuizada por terceiro, uma vez que não é possível sobrepor uma preferência de direito processual a uma de direito material” (STJ, 3ª T., AgRg nos EDcl no REsp nº 775723-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 20/5/2010, v.u., DJe de 9/6/2010).

III. Créditos trabalhistas e tributários

Em se tratando de créditos tributários e trabalhistas, a relevância social de sua solvência os exclui do concurso de credores (CTN, art. 186), por terem preferência no recebimento do produ-to da alienação. Ocorre que o crédito trabalhista implica a propositura da respectiva execução, sem a qual o executado não tem condições de exercer seu direito à ampla defesa. Essa situação paradoxal entre a suficiência do título legal de preferência e a necessidade de prévia execução foi resolvida pelo Superior Tribunal de Justiça da seguinte forma: “garante-se o direito de preferên-cia do credor [trabalhista] apenas reservando-lhe o produto da penhora, ou parte deste, levada a efeito em execução de terceiros, condicionando o seu levantamento a execução futura aparelha-da pelo próprio credor” (STJ, 4ª T., REsp nº 280.871-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 5/2/2009, v.u., DJe de 23/3/2009).

IV. Produto da alienação do bem penhorado

Enquanto se processa o concurso singular de credores, a alienação do bem penhorado poderá prosseguir até o depósito do dinheiro. Nesse ponto, é importante destacar que o adquirente do bem penhorado deverá exibir o preço, ainda que seja o exequente (CPC, art. 892, § 1º), de modo que tais recursos ficarão depositados em juízo até o juiz dirimir o concurso singular de credores. O credor vitorioso no concurso singular se sub-rogará no preço até o limite de seu crédito, mas deverá ressarcir as custas da praça suportadas pelo exequente, caso este sucumba no referido incidente, sob pena de se caracterizar enriquecimento sem causa.

V. Anterioridade da constrição

Se não pesar sobre o bem direito real de garantia, o produto de sua alienação será dividido en-tre os credores quirografários levando em conta a primariedade da penhora, independentemente do seu registro (STJ, 4ª T., REsp nº 1.209.807-MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 15/12/2011, v.u., DJe de 15/2/2012). Além da penhora, o arresto previsto no art. 830 também confere preferência no âmbito do concurso singular de credores, pois é mera antecipação de ato executivo (STJ, 4ª T., AgRg no REsp nº 902.536-RS, Rel. Min. Isabel Gallotti, j. em 27/3/2012, v.u., DJ de 11/4/2012).

Art. 908

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Fabio Peixinho Gomes Corrêa

VI. Manutenção da competência

A rigor, o exequente não ostenta qualquer privilégio só por ter movido a execução, mas a ins-tauração de tal concurso não implica modificação da competência, ainda que o titular do crédito seja a União Federal, suas empresas públicas ou entidades autárquicas, conforme determina o enunciado nº 270 da súmula de jurisprudência do STJ: “o protesto pela preferência do crédito, apresentado por ente federal em execução que tramita na Justiça Estadual, não desloca a compe-tência para a Justiça Federal”.

Art. 909 - Os exequentes formularão as suas pretensões, que versarão unicamente sobre o direito de preferência e a anterioridade da penhora e, apresentadas as razões, o juiz decidirá.

I. Instauração do incidente concursal

Compete ao juiz o exame dos privilégios e preferências entre os credores que participam do concurso singular previsto no art. 908 do CPC. A despeito de o dispositivo legal mencionar ape-nas os “exequentes”, sua incidência estende-se também para os credores de direitos reais de ga-rantia que ainda não tenham movido execução, mas já tenham manifestado sua preferência. Isso porque esse concurso singular não se instaura de ofício, cabendo sempre aos credores apresentar suas petições nos autos da execução em que ocorreu a alienação forçada, deduzindo o direito de preferência ou a anterioridade da penhora. A bem do princípio do contraditório (CPC, arts. 7º e 10), os credores terão oportunidade para se manifestarem sobre as pretensões de preferência dos demais concorrentes.

II. Objeto do incidente concursal

Caso surjam questões de alta indagação, o juiz tanto poderá remeter os interessados para as vias ordinárias ou dirimir tais questões no âmbito do próprio incidente, com a produção das provas que se mostrarem necessárias (STJ, 3ª T., REsp nº 976.522-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 2/2/10, v.u., DJe de 25/2/10). Ao final desse procedimento, o juiz apreciará a gradação dos créditos garantidos pelo mesmo bem, a fim de determinar a preferência e ante-rioridade da penhora, conforme o caso. Se a existência do crédito e seu valor forem objeto de divergência no âmbito de sua respectiva execução, o juiz prosseguirá com a alienação do bem penhorado e reservará a quantia correspondente ao referido crédito até a solução da referida divergência.

III. Competência para julgar o incidente concursal

O incidente de concurso singular de credores será instaurado em apenas uma das execuções. “Em princípio, havendo, em juízos diferentes, mais de uma penhora contra o mesmo devedor, o concurso efetuar-se-á naquele em que se houver feito a primeira. Essa regra, porém, comporta exceções. Sua aplicabilidade se restringe às hipóteses de competência relativa, que se modifi-cam pela conexão. Tramitando as diversas execuções em Justiças diversas, haverá manifesta incompatibilidade funcional entre os respectivos juízos, inerente à competência absoluta, inviabili-zando a reunião de processos” (STJ, 3ª T., REsp nº 976.522-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 2/2/2010, v.u., DJe de 25/2/2010).

Art. 909

1402

Fabio Peixinho Gomes Corrêa

IV. Decisão sobre o incidente concursal

A decisão sobre este incidente na execução constitui decisão interlocutória, que poderá ser reformada por meio de recurso de agravo de instrumento (CPC, art. 1.050, parágrafo único). Os interessados no concurso singular poderão celebrar consensualmente negócio jurídico processual (CPC, art. 190), com o fito de definir a ordem de preferência, atribuindo ao contador a função de preparar o plano de pagamento, que orientará os respectivos levantamentos. Uma vez efetuados os levantamentos para satisfação de todos os interessados, será proferida sentença de extinção da execução. Se o valor não for suficiente para a satisfação de todos os credores que acudiram ao concurso, aos credores insatisfeitos restará a retomada do curso de suas execuções, almejando a penhora de novos bens.

Art. 887

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Leonardo Carneiro da Cunha

Art. 910 - Na execução fundada em título extrajudicial, a Fazenda Pública será citada para opor embargos em 30 (trinta) dias.§ 1º - Não opostos embargos ou transitada em julgado a decisão que os rejeitar, expedir-se-á precatório ou requisição de pequeno valor em favor do exequente, observando-se o disposto no art. 100 da Constituição Federal.§ 2º - Nos embargos, a Fazenda Pública poderá alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento.§ 3º - Aplica-se a este Capítulo, no que couber, o disposto nos artigos 534 e 535.

AutorLeonardo Carneiro da Cunha

I. Dispositivos correspondentes no CPC/1973“Art. 730 - Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora

para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal com-petente; II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.”

“Art. 731 - Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o sequestro da quantia necessária para satisfazer o débito.”

II. Previsão constitucional Art. 100, CF.III. Execução contra a Fazenda Pública A execução contra a Fazenda Pública pode fundar-se em título judicial ou em título extraju-

dicial. Quando o título for judicial, há cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública (arts. 534 e 535). Sendo extrajudicial, propõe-se a execução disciplinada no art. 910. Tanto numa como noutra, é necessário observar o regime de precatórios ou de requisição de pequeno valor (RPV), previsto no art. 100 da Constituição Federal.

IV. Execução fundada em título extrajudicial Já houve muita discussão sobre o cabimento de execução fundada em título extrajudicial contra

a Fazenda Pública. Tal discussão está superada. Não há mais dúvida quanto ao cabimento.V. Súmula nº 279 do STJ “É cabível execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública.”VI. Procedimento Quando a Fazenda Pública é executada, não se aplicam as regras de penhora e expropriação

de bens, eis que os bens públicos são impenhoráveis e inalienáveis. A execução contra a Fazenda

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Leonardo Carneiro da Cunha Art. 910

Pública contém normas próprias. A citação não a convoca para pagar ou expor-se à penhora. A Fazenda Pública é citada para, em trinta dias, opor embargos. Não opostos os embargos ou tran-sitada em julgado a decisão que os inadmitir ou rejeitar, deverá ser expedido precatório ou RPV, seguindo-se com a observância das normas contidas no art. 100 da CF/1988.

VII. Súmula nº 144 do STJ

“Os créditos de natureza alimentícia gozam de preferência, desvinculados os precatórios da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa.”

VIII. Súmula nº 655 do STF

“A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza.”

IX. Efeito suspensivo dos embargos à execução

Opostos embargos pela Fazenda Pública, a execução suspende-se. Os embargos da Fazenda contêm efeito suspensivo automático. Nos termos do § 1º do art. 919, “o juiz poderá, a requeri-mento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela antecipada, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes”. Tal dispositivo não se aplica à execução proposta contra a Fa-zenda Pública, pelos seguintes motivos: (a) o efeito suspensivo depende de penhora, depósito ou caução. A Fazenda Pública não se sujeita a penhora, depósito nem caução, não precisando garantir o juízo; (b) a expedição de precatório ou RPV depende do prévio trânsito em julgado (CF/1988, art. 100, §§ 3º e 5º), de sorte que somente pode ser determinado o pagamento, se não houver mais qualquer discussão quanto ao valor executado. Por essa razão, os embargos opostos pela Fazenda Pública devem ser recebidos no efeito suspensivo. Não é por outra razão, aliás, que o § 1º do art. 910 estabelece que somente será expedido, ou precatório ou a RPV, se não forem opostos os embargos ou se já houver trânsito em julgado da decisão que os rejeitar. Enquanto não houver trânsito em julgado da decisão, não se expede precatório nem RPV. O dispositivo alinha-se ao § 5º do art. 100 da CF/1988, que exige trânsito em julgado. Logo, os embargos têm efeito suspensivo.

X. Embargos parciais

Quando os embargos forem parciais, a execução, nos termos do § 3º do art. 919, prosseguirá quanto à parte não embargada. Tal regra aplica-se aos embargos opostos pela Fazenda Pública. Nesse caso, a execução deve prosseguir relativamente ao valor equivalente à parte incontrover-sa, expedindo-se, quanto a essa parte, o precatório. Em tal situação, não está havendo o fracio-namento vedado no § 8º do art. 100 da CF/1988, pois não se trata de intenção do exequente de repartir o valor para receber uma parte por RPV e outra por precatório.

XI. Valor da causa nos embargos à execução opostos pela Fazenda Pública

Os embargos assumem forma de ação de conhecimento, devendo ser deduzidos por petição inicial que atenda aos seus requisitos, entre os quais desponta o valor da causa. O valor da causa nos embargos à execução não deve coincidir, necessariamente, com o valor da execução ou do crédito cobrado. O valor da causa deve corresponder ao proveito econômico a ser auferido. Se os embargos voltam-se contra a totalidade do crédito, uma vez acolhidos, o proveito econômico consiste em deixar de pagar tudo o que está sendo cobrado. Nesse caso, o valor da causa será o

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Leonardo Carneiro da Cunha Art. 910

mesmo da execução. Caso seja alegado, nos embargos, excesso de execução, o valor da causa deve corresponder à diferença entre o que está sendo exigido e o que foi reconhecido pelo embar-gante. Nesse sentido: STJ, 4ª T., REsp nº 1.001.725/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 11/3/2008, DJ de 5/5/2008. No mesmo sentido: STJ, 1ª T., REsp nº 584.983/PE, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 11/5/2004, DJ de 31/5/2004, p. 218.

XII. Rejeição liminar dos embargos

Os embargos opostos pela Fazenda Pública podem ser rejeitados liminarmente nas hipóteses previstas no art. 918, bem como na hipótese prevista no § 3º do art. 917. Em outras palavras, serão rejeitados liminarmente os embargos quando intempestivos, nos casos de inépcia e de improcedên-cia liminar, quando manifestamente infundados ou protelatórios, ou quando for alegado excesso de execução, sem que seja apontado o valor correto ou demonstrado em que consiste o excesso (não desincumbimento do ônus de opor a exceptio declinatoria quanti) – art. 917, § 4º, inciso I.

XIII. Decisão que rejeita os embargos

O ato do juiz que rejeita liminarmente os embargos, indeferindo, desde logo, a petição inicial, é uma sentença. Logo, é cabível a apelação prevista no art. 331, sendo conferido ao juiz o poder de retratar-se.

XIV. Conteúdo dos embargos

Sendo a execução fundada em título extrajudicial, não há limitação cognitiva. A Fazenda Pública pode alegar toda e qualquer matéria. É nos embargos que a Fazenda Pública pode, in-clusive, alegar incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução, nos termos do art. 917, inciso V. A arguição de impedimento e de suspeição deve observar o disposto nos arts. 146 e 148.

XV. Alegação de excesso de execução (exceptio declinatoria quanti)

O STJ, ao julgar o REsp nº 1.387.248/SC, submetido ao regime dos recursos repetitivos, con-firmou ser indispensável apontar o valor que o executado entende correto, quando alegar excesso de execução. Em tal julgamento, a Fazenda Nacional, atuando como amicus curiae, defendeu que a regra não se aplica à Fazenda Pública, suscitando a questão a ser examinada pelo STJ. Ao enfrentar a questão, o STJ concluiu que a exceptio declinatoria quanti não se aplica à Fazenda Pública. Tal entendimento do STJ, manifestado sob a égide do CPC/1973, não prevalece mais diante do CPC/2015. É que o § 3º do art. 910 determina a aplicação do disposto nos arts. 534 e 535. E, no § 2º do art. 535, está expresso que “Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição”. Ainda que assim não fosse, o STJ, na verdade, acolheu alegação da Fazenda Nacional, segundo a qual “os credores de títulos executivos judiciais em desfavor da Fazenda Nacional promovem o cumpri-mento do julgado, indicando o valor que entendem devido, com base em documentos impres-cindíveis à feitura dos cálculos que sequer constam dos autos”. O que se percebe é que o STJ generalizou uma situação particular. Quando a Fazenda Pública embargar alegando excesso de execução, deve, sim, indicar o valor que entende correto. A regra é geral, não havendo qualquer particularidade que a afaste da execução contra a Fazenda Pública. Afastá-la é desconsiderar os deveres de cooperação que devem ser cumpridos no processo, além de permitir dilações indevi-das na execução contra a Fazenda Pública, o que não se revela adequado. A regra tem aplicação nos casos em que o valor da execução foi liquidado em fase própria ou, unilateralmente, pelo credor, se isso for possível por simples cálculos aritméticos. Em regra, a Fazenda Pública deve

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Leonardo Carneiro da Cunha Art. 910

submeter-se ao ônus da declinação do valor. Nos casos, entretanto, em que se exige a dilação probatória para a verificação dos valores, a Fazenda Pública pode ter a certeza de que o valor é despropositado, mas não pode afirmar de pronto quanto deve, exatamente porque é necessária a produção de provas em audiência, como as provas pericial e testemunhal. Nesses casos (e não em todos os casos), não incide a exigência de a Fazenda Pública demonstrar o valor devido ou em que consistiria o excesso. Não há, nessas situações (e não em todas as situações), o ônus de demonstrar o valor que deveria ser executado. É que, rigorosamente, tais casos não constituem hipóteses de excesso de execução, revelando-se como situações de iliquidez da obrigação, afas-tando-se, portanto, o ônus da alegação, por parte do executado, do valor correto. Ao executado caberá, isto sim, apontar a iliquidez da obrigação, indicando a necessidade de uma liquidação por artigos ou por arbitramento.

XVI. Procedimento dos embargos

Recebidos os embargos pela Fazenda Pública, a execução fica suspensa, devendo o juiz deter-minar a intimação do embargado para se manifestar no prazo de quinze dias (art. 920, inciso I). Em seguida, o juiz julgará imediatamente o pedido ou designará audiência (art. 920, inciso II). Encerrada a instrução, o juiz proferirá sentença (art. 920, inciso III).

XVII. Inadmissão ou rejeição dos embargos: ausência de remessa necessária

Inadmitidos ou rejeitados os embargos opostos pela Fazenda Pública, a sentença não está su-jeita à remessa necessária. Segundo entendimento do STJ, “[...] a sentença que rejeita ou julga improcedentes os embargos à execução opostos pela Fazenda Pública não está sujeita ao reexame necessário” (STJ, 2ª T., REsp nº 1.107.662/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 23/11/2010, DJe de 2/12/2010). No mesmo sentido: STJ, 1ª T., AgRg no REsp nº 1.253.018/BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 2/4/2013, DJe de 16/4/2013).

XVIII. Inadmissão ou rejeição dos embargos: apelação

Segundo o art. 1.012, § 1º, inciso III, a apelação interposta contra a sentença que extinga sem resolução do mérito ou rejeite os embargos não tem efeito suspensivo. Só que a expedição de precatório ou de RPV depende do prévio trânsito em julgado (CF/1988, art. 100, §§ 3º e 5º), de modo que somente pode ser determinado o pagamento se não houver qualquer discussão quanto ao valor executado. Por causa disso, a apelação contra sentença que extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos à execução contra a Fazenda Pública, mercê das re-feridas exigências constitucionais, há de ser recebida no duplo efeito. Vale dizer que o art. 1.012, § 1º, inciso III, não se aplica a execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública.

XIX. Honorários de advogado na execução fundada em título extrajudicial contra a Fa-zenda Pública

De acordo com o art. 1º-D da Lei nº 9.494/1997, “Não serão devidos honorários advocatí-cios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas”. O Plenário do STF, ao julgar o RE nº 420.816/PR, considerou constitucional tal dispositivo, conferindo-lhe, porém, interpretação conforme a CF/1988 para reduzir seu campo de incidência, de modo a excluir “os casos de pa-gamento de obrigações definidos em lei como de pequeno valor”. Quer dizer que, nas execuções que tenham a Fazenda Pública como executada e que acarretem a expedição de precatório, não haverá condenação em honorários sucumbenciais, caso não haja oposição de embargos do exe-cutado. Tal regra aplica-se apenas ao cumprimento da sentença contra a Fazenda Pública, não incidindo na execução fundada em título extrajudicial. Aliás, o § 7º do art. 85 do CPC refere-se

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Leonardo Carneiro da Cunha Art. 910

apenas ao cumprimento da sentença, não mencionando a execução fundada em título extrajudi-cial. Assim está redigido o § 7º do art. 85: “Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”. Ainda que seja caso de precatório, haverá honorários na execução fundada em título extrajudicial que não seja embargada. Quando há um título executivo extrajudicial que imponha ao Poder Público o pagamento de quantia certa, já há previsão orçamentária e rubrica específica para pagamento. Em outras palavras, ao firmar o contrato ou subscrever o documento que se en-caixa na previsão contida no art. 784 do CPC, a Fazenda Pública já assumiu a dívida. Se não paga no prazo ajustado, está a dar causa ao ajuizamento da execução. Em razão da causalidade, haverá honorários na execução fundada em título extrajudicial, ainda que não embargada e mesmo que seja necessária a expedição do precatório. Não se aplica, portanto, o disposto no art. 1º-D da Lei nº 9.494/1997 nas execuções fundadas em título extrajudicial que não sejam embargadas.

1. Enunciado nº 240 do Fórum Permanente de Processualistas Civis

“São devidos honorários nas execuções fundadas em título executivo extrajudicial contra a Fazenda Pública, a serem arbitrados na forma do § 3º do art. 85.”

2. Súmula nº 345 do STJ

“São devidos os honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas.”

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Fernanda Tartuce

Art. 911 - Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo.Parágrafo único - Aplicam-se, no que couber, os §§ 2º a 7º do art. 528.

AutoraFernanda Tartuce

I. Efetividade à obrigação alimentar reconhecida em título executivo extrajudicial

O Código de Processo Civil de 2015 aperfeiçoa o sistema executivo da obrigação alimentar ao alinhar-se à orientação que reconhece plena efetividade ao resultado da atuação extrajudicial das partes.

O parágrafo único do art. 911 reconhece que, havendo inadimplemento do dever de prestar alimentos reconhecido em título executivo extrajudicial, será aplicável o regime que permite a cominação de prisão ao executado. A previsão é salutar, já que muitos divórcios são realizados e reconhecidos em escrituras públicas e a efetividade de seu teor – incluindo a previsão de pensão alimentícia – precisa ser amplamente reconhecida no sistema jurídico.

O Superior Tribunal de Justiça, em tempos pretéritos, relutou em admitir a possibilidade de prisão por obrigação alimentar prevista em título executivo extrajudicial que restava inadimplida (cf. STJ, 3ª T., HC nº 22401/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 20/8/2002). Ainda é possível encontrar tal visão restritiva em algumas decisões segundo as quais apenas o inadimplemento de obrigações alimentares previstas em títulos executivos judiciais viabiliza a pena de prisão (cf. TJRS, 7ª Câmara Cível, AI nº 380206-64.2013.8.21.7000, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos, j. em 19/9/2013; TJDF, 5ª Turma Cível, AC nº 0001795-06.2013.8.07.0005, Rel. Des. Angelo Passareli, j. em 17/9/2014).

Este entendimento, porém, não tinha como prevalecer: o rito executivo especial pode ser aplicado ao inadimplemento de obrigação alimentar reconhecida em quaisquer títulos executi-vos. A execução de alimentos engendrada no sistema jurídico brasileiro, como autêntica tutela diferenciada, visa propiciar maior efetividade à proteção de um direito considerado especial pelo ordenamento.

O posicionamento pela impossibilidade de execução sob pena de prisão no caso de alimentos fixados em escritura distancia o intérprete da verdadeira missão do processo e de seu caráter protetor; ademais, é contraditório disponibilizar às partes uma valiosa opção para valorizar o consenso e retirar do credor a possibilidade de exigir a pensão alimentícia com significativas presteza e eficiência.

Quando a Constituição Federal menciona a possibilidade de prisão em virtude do inadimple-mento voluntário e inescusável da obrigação alimentar, não faz distinção quanto ao instrumento de reconhecimento do crédito; revela-se crucial, portanto, considerar o conteúdo (obrigação ali-

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Fernanda Tartuce Art. 911

mentar inadimplida voluntária e inescusavelmente) e não o continente (título executivo de índole judicial ou extrajudicial).

Por fim, vale lembrar que a Lei de Alimentos traz, no art. 19, a expressa contemplação do acordo como possível objeto de execução sob pena de prisão. A previsão legal menciona as exe-cuções de sentença e de acordo para não haver dúvida de que em ambas é possível a adoção de todas as medidas necessárias à sua efetivação (dentre as quais se inclui a pena de prisão). Assim, não é necessário fazer esforço interpretativo para considerar a escritura como apta a ensejar a execução sob pena de prisão; não só a Lei de Alimentos expressamente autoriza a execução de acordos sob pena de encarceramento, como também a Constituição Federal concebeu a obriga-ção alimentar como objeto de máxima proteção.

Seguindo essa interpretação, pode-se admitir a execução sob pena de prisão também dos ali-mentos fixados em outros títulos, como o acordo referendado pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público.

Felizmente o quadro restritivo vem sendo alterado e há cada vez mais decisões reconhecendo a necessidade de conferir máxima coercibilidade aos instrumentos em que esteja prevista a obri-gação alimentar, rompendo-se a ideia de “monopólio de decisão judicial” para tanto.

O Superior Tribunal de Justiça, em tempos mais recentes, adotou esta solução quando chamado a decidir se o acordo referendado pela Defensoria Pública sem a intervenção do Poder Judiciário per-mitiria a execução de alimentos com o possível decreto prisional do obrigado alimentar inadimplente.

Em precedente do STJ sobre o sistema do CPC/1973 considerou-se que a redação do art. 733 (que disciplina a execução de alimentos por prisão civil) não fazia referência ao título executivo extrajudicial porque, quando tal Código entrou em vigência, a única forma de constituir obriga-ção de alimentos era por título executivo judicial; apenas depois, na busca de meios alternativos para resolver conflitos, foram introduzidas no ordenamento alterações que permitiram a fixação de alimentos em acordos extrajudiciais, dispensando a homologação judicial. Também se afir-mou ser indevido dar interpretação literal ao art. 733 do CPC ante os dispositivos que tratam da possibilidade de prisão civil do alimentante e acordo extrajudicial; finalmente,

“[...] destacou-se que a obrigação constitucional de alimentar e a urgência de quem necessita de alimentos não poderiam mudar com a espécie do título executivo (se judicial ou extrajudicial). Os efeitos serão sempre nefastos à dignidade daquele que necessita de alimentos, seja ele fixado em acordo extrajudicial ou título judicial. Ademais, na hipótese de dívida de natureza alimentar, a própria CF/1988 excepciona a regra de proibição da prisão civil por dívida, entendendo que o bem jurídico tutelado com a coerção pessoal sobrepõe-se ao direito de liberdade do alimentante inadimplente” (3ª T., REsp nº 1.117.639/MG, Rel. Min. Massami Uyeda, j. em 20/5/2010).

Esse entendimento tem se consolidado a partir de sua repetição em diversos precedentes (cf. STJ, 4ª T., HC nº 212934/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 1º/12/2011; TJCE, 5ª Câmara Cível, AI nº 0621853- 86.2014.8.06.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Mendes Forte, DJ de 11/3/2015; TJMG, AI nº 1.0701.14.032795-1/001, Rel. Des. Darcio Lopardi Mendes, j. em 26/3/2015).

II. Similitude de regimes executivos relativos a obrigações alimentares

O CPC/2015 engendra seus dispositivos de forma a abolir definitivamente a distinção entre alimentos provenientes de títulos judiciais ou extrajudiciais, prevendo que na execução fundada em título executivo extrajudicial que reconheça obrigação alimentar aplicam-se, no que couber, as regras típicas da execução de alimentos.

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Fernanda Tartuce Art. 911

Na nova sistemática processual os indevidos óbices perdem espaço, já que o parágrafo único do art. 911 do CPC/2015 promove a apropriada equiparação entre os alimentos fixados no âmbito judicial e na seara extrajudicial.

Assim, todo o regramento clássico da execução de alimentos (identificada pela incidência do art. 733 do CPC/1973) poderá ser aplicado para a observância das obrigações alimentícias reco-nhecidas em títulos executivos extrajudiciais.

III. Julgados

Entendimento restritivo em relação à prisão

“Habeas corpus. Título executivo extrajudicial. Escritura pública. Alimentos. Art. 733 do Código de Processo Civil. 1. O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interes-sados, sem a intervenção do Poder Judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à execução de ‘sentença ou decisão que fixa os alimentos provisionais’. 2. Habeas corpus concedido” (3ª T., HC nº 22401/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 20/8/2002).

“O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do poder judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à execução de sentença ou de decisão, que fixa os ali-mentos provisionais. (STJ. HC 22401/SP)” (TJMT, AI nº 48302/2014, Capital, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. em 23/7/2014, DJMT de 28/7/2014, p. 75).

“Como a execução acena para a existência do título executivo extrajudicial e diz que os ali-mentos não foram satisfeitos, cabível o curso do processo na forma preconizada pelo art. 732 do CPC, devendo ser emendada a inicial” (7ª Câmara Cível, AI nº 380206-64.2013.8.21.7000, Tramandaí; Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 19/9/2013, DJERS de 26/9/2013).

“O acordo celebrado perante o juizado de conciliação, conquanto figure como título execu-tivo extrajudicial, é inapto a embasar a ação de execução de alimentos fundada no rito previsto no art. 733 do Código de Processo Civil, haja vista que este se restringe às execuções de sentença ou decisão judicial” (TJMG, 8ª Câmara Cível, AGIN nº 0654717-27.2010.8.13.0000/São João Del-Rei, Rel. Des. Vieira de Brito, j. em 7/7/2011, DJEMG de 26/10/2011).

“O termo de acordo referendado diante do Ministério Público é título apto a embasar a exe-cução de alimentos, que deve, contudo, se processar por rito diverso daquele previsto no artigo 733 do CPC, uma vez que apenas os alimentos devidos por força de título judicial autorizam a prisão civil do alimentante” (TJGO, AI nº 134279-48.2010.8.09.0000/Mozarlândia, Rel. Des. Hélio Mauricio de Amorim, DJGO de 24/11/2010, p. 309).

Títulos executivos extrajudiciais e possibilidade de prisão

“[...] Os alimentos fixados em acordos extrajudiciais, referendados pelo Ministério Público, cons-tituem títulos executivos hábeis a embasar a ação de execução de alimentos pelo rito do art. 733 do Código de Processo Civil. Agravo conhecido e provido” (TJDF, 1ª Turma Cível, Rec nº 2011.00. 2.025116-2, Ac. 564.607, Rel. Des. Silva Lemos, DJDFTE de 15/2/2012, p. 53).

“[...] Em resumo, o acordo referendado pelo defensor público tem força de título executivo extrajudicial e pode ser executado pelo procedimento previsto no artigo 733, parágrafo 1.º, do CPC, independente de homologação judicial (ver STJ, REsp 1117639/MG)” (TJMG, 7ª Câmara

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Fernanda Tartuce Art. 912

Cível, APCV nº 1806333-70.2004.8.13.0702/Uberlândia, Rel. Des. Wander Paulo Marotta Moreira, j. em 11/10/2011, DJEMG de 16/12/2011).

“[...] A expressão ‘acordo’ contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: RESP 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, jul-gado em 20/5/2010, DJe 21/2/2011. (STJ, RESP 1285254/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, d.j. 4/12/2012)” (TJCE, 5ª Câmara Cível, AI nº 0621853. 86.2014.8.06.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Mendes Forte, DJCE de 11/3/2015, p. 33).

“[...] O acordo transacionado perante a Defensoria Pública, devidamente assinado pelas par-tes, é título executivo extrajudicial, líquido, certo e exigível, podendo, pois, ser executado judi-cialmente. É possível tal execução pelo rito previsto no art. 733 do CPC, tendo em vista interpre-tação voltada à maior efetividade das normas constitucionais de proteção do direito fundamental do alimentando” (TJMG, AI nº 1.0701.14.032795-1/001, Rel. Des. Darcio Lopardi Mendes, j. em 26/3/2015, DJEMG de 31/3/2015).

Art. 912 - Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento de pessoal da importância da prestação alimentícia.§ 1º - Ao despachar a inicial, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício.§ 2º - O ofício conterá os nomes e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do exequente e do executado, a importância a ser descontada mensalmente, a conta na qual deve ser feito o depósito e, se for o caso, o tempo de sua duração.

I. Semelhança com regramento do CPC/1973

Enquanto o art. 911 do CPC/2015 tem leve correspondência com o art. 733 do CPC/1973, o art. 912 do novo Codex apresenta forte similaridade com o art. 734 do Código de 1973; tanto a semelhança como a diferença entre os dispositivos podem ser mais bem percebidas pelo confronto das previsões:

CPC/1973, art. 734 CP/2015, art. 912

Quando o devedor for funcionário público, mi-litar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimentícia.

Quando o executado for funcionário público, mi-litar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento de pessoal da importância da pres-tação alimentícia.

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Fernanda Tartuce Art. 912

A forma imperativa que reconhecia ser dever do juiz promover a ordem de desconto no ofí-cio foi alterada para constar que tal medida deve decorrer de iniciativa do exequente, que deve requerê-lo expressamente.

II. Escolha pelo exequente e necessidade de requerimento

A mudança é coerente com a valorização da autonomia privada, diretriz que orienta o CPC/2015 de modo significativo. Como cabe à parte decidir qual a melhor estratégia para a gestão de seu conflito, entendendo ser pertinente o desconto, ela o requererá à autoridade judicial; se, contudo, entender que deve investir tempo e recursos em outras iniciativas que lhe pareçam mais produti-vas, não fará o requerimento de desconto.

Embora já houvesse decisões reconhecendo que a decisão sobre a via executiva pertence ao credor (cf. STJ, 3ª T., HC nº 128.229/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, j. em 23/4/2009), é impor-tante haver o reforço de tal entendimento pela regra processual.

Assim, o entendimento de que o desconto em folha é a medida preferencial do ordenamento jurídico não mais prevalecerá. Vale destacar, aliás, que o CPC/2015 revoga o art. 16 da Lei de Alimentos, previsão que estabelecia que na execução de sentença ou acordo seria observado o art. 734, e seu parágrafo único, do CPC/1973, e costumava ser citada em decisões que afirma-vam a preferência do ordenamento pelo desconto (cf. TJGO, 3ª Câmara Cível, AI nº 0344638-34.2014.8.09.0000, Rel. Des. Walter Carlos Lemes, DJGO de 28/1/2015).

De todo modo, deverá ser recorrente a formulação de requerimento dos exequentes para haver desconto em folha, já que tal medida costuma ser vista como prática, eficiente e segura.

III. Reforço da efetividade pela previsão de crime de desobediência

O CPC/2015 também aperfeiçoa a sistemática do abatimento em folha das parcelas alimentí-cias, destacando o art. 912, § 1º, que no ofício à autoridade, à empresa ou ao empregador constará a determinação para o desconto sob pena de crime de desobediência.

A previsão, inovadora, busca reforçar o incentivo à observância da ordem judicial e consta também no art. 529, § 1º, do CPC/2015 (é interessante que o leitor consulte os comentários referentes a tal dispositivo).

No regime do CPC/1973 infelizmente era comum ter notícia da existência de casos em que o empregador (por fatores desconhecidos, sendo um deles possivelmente a solidariedade ao em-pregado) deixava de registrar o recebimento do ofício judicial e de lhe dar operacionalidade. Eis excerto de decisão sobre o tema:

“o imbróglio teve início após ter sido certificado que o empregador não deu retorno acerca do cumprimento da determinação de desconto em folha, de forma que caberia ao juízo renovar o pedido de informação ou, até mesmo, dar efetividade à advertência feita no despacho da folha 117, de que a falta de informação solicitada poderia caracterizar crime de desobediência, ou, até mesmo, determinar o cumprimento da decisão extintiva, com arquivamento e baixa do processo. Nesta última hipótese, caso não tenha sido implementado o desconto em folha – o que, aliás, não se sabe, em face da falta de informação do empregador do alimentante e deste próprio –, dispõe a credora da pensão de ação de execução de alimentos. Certo é que o feito não poderia ter sido extinto, como o foi, pois já assim se encontrava! Desta forma, medida outra não resta senão des-constituir a decisão atacada, para que a julgadora se manifeste acerca da renovação ou não do

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Fernanda Tartuce

pedido de informações ao empregador ou dê efetividade à advertência feita no despacho da folha 117 ou, ainda alternativamente, determine o arquivamento e baixa do processo (sem extinção, pois extinto já se encontra), independente de novas informações” (TJRS, 8ª Câmara Cível, AC nº 347681-29.2013.8.21.7000, Cruz Alta, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 28/11/2013, DJERS de 5/12/2013).

A situação lembrava a advertência de Marcio Thomaz Bastos; ao mencionar, ainda em 2004, a necessidade de “passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos”, apontava que a execução permanecia o “calcanhar de Aquiles” do processo e nada era mais difícil, “com frequência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito” (cf. Subchefia de Assuntos Parlamentares, EM nº 120/MJ. Dis-ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/MJ/2004/120.htm>. Acesso em: 11 jul. 2015.

As previsões do CPC/2015 cumprem seu papel de aprimorar o sistema executivo, buscando contribuir para que haja um melhor resultado nas execuções de alimentos embasadas no desconto em folha.

IV. Julgados

Desconto em folha como medida preferencial e/ou mais adequada

“[...] os artigos 16 da Lei nº 5.478/1968 e 734 do Código de Processo Civil preveem, preferen-cialmente, o desconto em folha para satisfação do crédito alimentar” (TJGO, 3ª Câmara Cível, AI nº 0344638-34.2014.8.09.0000, Anápolis, Rel. Des. Walter Carlos Lemes, DJGO de 28/1/2015, p. 246).

“Atende aos princípios da economia processual, pela praticidade do desconto diretamente junto à fonte pagadora e o da segurança jurídica Percentual que se mostra adequado” (TJSP, 5ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2112029-71.2014.8.26.0000, Ac. 7744131, Matão, Rel. Des. Moreira Viegas, j. em 6/8/2014, DJESP de 21/8/2014).

“O desconto em folha da pensão alimentícia é a melhor forma de assegurar o pagamento pontual do encargo alimentar, evitando mais litígios entre alimentante e alimentado” (TJRS, 7ª Câmara Cível, AI nº 0033872-74.2015.8.21.7000, Santa Cruz do Sul, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 27/3/2015, DJERS de 2/4/2015).

“A forma de pensionamento determinada no juízo de origem prestigia os interesses do me-nor, uma vez que garante o pagamento mensal e contínuo dos alimentos determinados, afastan-do a possibilidade de atraso da obrigação, em perfeita sintonia com o disposto no art. 734, do CPC” (TJMG, AGIN nº 1.0024.13.209971-4/001, Rel. Des. Edilson Olímpio Fernandes, j. em 11/2/2014, DJEMG de 25/2/2014).

Art. 913 - Não requerida a execução nos termos deste Capítulo, observar--se-á o disposto no art. 824 e seguintes, com a ressalva de que, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.

Art. 913

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Fernanda Tartuce Art. 913

I. Similaridade com outros dispositivos

O dispositivo guarda parcial correspondência com o art. 732 do CPC/1973 e forte similaridade com o art. 528, § 8º, do CPC/2015, como se pode perceber pelo comparativo a seguir:

II. Opção do exequente pelo rito executivo que dispõe exclusivamente de expropriação de bens

Coerente com a premissa de que a decisão sobre o rito executivo pertence ao titular do direi-to, a regra prevê que o exequente pode optar pela execução sob pena de expropriação de bens, abrindo mão do rito executivo que possibilita a prisão.

A previsão é importante porque no regime do CPC/1973 alguns magistrados convertiam de ofício o regime executivo, sendo necessário então que os executados recorressem para que os tribunais competentes reformassem tal tipo de decisão.

III. Possibilidade de levantamento mensal das prestaçõesNo mais, a previsão final sobre a possibilidade de levantamento mensal das prestações de-

monstra a preocupação do legislador com a subsistência do exequente – que já existia, aliás, no art. 732, parágrafo único, do CPC/1973.

Vale destacar que a possibilidade de que o exequente realize levantamentos mensais esvazia, em certa medida, o efeito suspensivo porventura atribuível à defesa do executado; a opção legis-lativa, contudo, é acertada por atender ao desiderato de garantir a subsistência do alimentando.

IV. Julgados“I. Cabe ao credor, na abertura da execução de alimentos, optar entre requerer a citação com

cominação de prisão (art. 733), ou apenas de penhora (art. 732). II. A execução de alimentos foi proposta pelo rito do art. 732 do CPC (execução por quantia certa). Não pode o magistrado convertê-lo de ofício para o rito mais gravoso do art. 733 do CPC” (TJMA, 5ª Câmara Cível, Rec nº 0008352-40.2013.8.10.0000, Ac. 156606/2014, Rel. Des. Raimundo José Barros de Sousa, j. em 17/11/2014, DJEMA de 21/11/2014).

“[...] ao credor é facultada a opção de conversão da execução ajuizada pelo rito do art. 733 do CPC para o rito do art. 732 do CPC. O que se objetiva é o célere adimplemento do débito alimentar, não sendo prioridade a prisão do executado” (TJRS, 7ª Câmara Cível, AI nº 18795-30.2012.8.21.7000, Sapucaia do Sul, Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, j. em 30/5/2012, DJERS de 11/6/2012).

CPC/1973, art. 732 CPC/2015, art. 913 CPC/2015, art. 528, § 8º

A execução de sentença, que condena ao pagamento de prestação alimentícia, far-se-á conforme o dis-posto no capítulo IV deste título.

Não requerida a execução nos termos deste Capítulo, obser-var-se-á o disposto no art. 824 e seguintes, com a ressalva de que, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efei-to suspensivo aos embargos à execução não obsta a que o exequente levante mensalmen-te a importância da prestação.

O exequente pode optar por pro-mover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exe-quente levante mensalmente a im-portância da prestação.

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Antonio Adonias Aguiar Bastos

Art. 914 - O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.§ 1º - Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.§ 2º - Na execução por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante, salvo se versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens efetuadas no juízo deprecado.

AutorAntonio Adonias Aguiar Bastos

I. Cabimento

Os embargos à execução consistem no meio típico de defesa do executado na execução fun-dada em título extrajudicial.

II. Natureza jurídica

Trata-se de ação de conhecimento, incidental, de cognição ampla e de natureza constitutiva negativa ou declaratória, conforme a matéria alegada pelo executado, veiculada em processo autônomo.

Incidental porque pressupõe a pendência da execução. Se, antes da execução, o devedor ajui-zar ação versando sobre matéria que poderia ser alegada em eventuais embargos, tratar-se-á de defesa heterotópica. Ela consistirá em ação autônoma que observará o rito comum, não obser-vando as particularidades dos embargos, a exemplo do procedimento especialmente delineado para a oposição do executado e da inexistência de efeito suspensivo em relação à apelação inter-posta contra a sentença dos embargos.

Permite um juízo cognitivo amplo, pois pode versar sobre qualquer matéria que seria lícito ao executado deduzir como defesa em processo de conhecimento, nos termos do art. 917, inciso VI.

Parte da doutrina entende tratar-se de ação constitutiva negativa, que visa à desconstituição da relação jurídica certa e líquida constante no título.

Alinhamo-nos à outra corrente doutrinária, que afirma que a ação pode ter natureza meramen-te declaratória ou constitutiva, dependendo da matéria e do pedido apresentados pelo embargan-te. Seria meramente declaratória ao versar sobre a inexistência da relação obrigacional que o título aparenta documentar, como no caso de alegação do pagamento. Seria constitutiva negativa ao atacar o título, afirmando, por exemplo, ter havido vício de consentimento na emissão de um cheque. Nesta hipótese, a relação jurídica existirá até que a sentença dos embargos retire a vali-dade do documento.

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Além disso, cuida-se de ação veiculada em processo próprio, não tramitando no bojo do pro-cesso executivo, dada a incompatibilidade procedimental e as suas distintas finalidades. Enquan-to o rito da execução é composto por atos voltados para a expropriação, o dos embargos volta-se para a cognição sobre a regularidade do título, a verificação da existência do direito ali estampa-do e/ou a regularidade dos atos executivos.

III. Legitimidade ativa

O executado possui legitimidade ativa para propor os embargos. O executado é aquele em face de quem o exequente moveu o feito satisfativo, não importando seja ele o devedor (sujeito passivo do liame jurídico-material) ou não. Pode-se ilustrar com a execução equivocadamente proposta contra quem não é devedor, isto é, contra o sujeito que não participou da relação de direito material. Nesta situação, existe ilegitimidade passiva do executado para o processo satis-fativo, mas haverá legitimação ativa para os embargos, inclusive para defender-se com base no argumento da ilegitimidade passiva para a execução.

Havendo litisconsórcio passivo na execução, qualquer dos executados poderá propor a ação de embargos, e, via de regra, a defesa de um deles será autônoma e independente em relação à do(s) outro(s). Também é possível que dois ou mais executados proponham apenas uma ação de oposição, formando um litisconsórcio ativo e voluntário nos embargos, desde que configurada pelo menos uma das hipóteses do art. 113 do CPC/2015.

Caso o executado tenha sido fictamente citado (por edital ou por hora certa) e permaneça “revel”, deve o magistrado designar curador especial, para defender os interesses do executado. Mantém-se aplicável o Enunciado nº 196 da Súmula do STJ: “Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos” (Corte Especial, j. em 1º/10/1997, DJ de 9/10/1997, p. 50.799). Destacamos que a expressão “revel” contida no enunciado foi empregada de maneira inadequa-da, afinal não acontece a revelia na execução fundada em título extrajudicial, já que o executado não é citado para defender-se, mas para adimplir a obrigação constante no título. Ademais, a legitimidade não é do curador especial, mas do próprio executado. Não se trata de hipótese de legitimidade extraordinária do curador especial. Ele tem o poder de praticar atos em prol do executado-curatelado, representando-o, mas não o substituindo processualmente.

O responsável patrimonial tem legitimidade para propor os embargos à execução. O estudo da responsabilidade patrimonial permite identificar quem são os sujeitos cujo patrimônio poderá ser afetado pela atividade judicial satisfativa (arts. 789 a 796 do CPC/2015). Na análise da legitimi-dade, busca-se identificar quem deve ocupar o polo passivo da relação jurídico-processual (art. 779 do CPC/2015). É possível, por exemplo, que o cônjuge ou o companheiro possua responsa-bilidade patrimonial (art. 790, inciso IV, do CPC/2015) e que não seja passivamente legitimado para figurar como executado no processo satisfativo. Respondendo pela dívida contraída pelo outro consorte com os seus bens próprios, reservados ou de sua meação, ele poderá mover os em-bargos à execução com o intento de desconstituir o título, impugnar certo ato executivo ou obter a declaração de que ocorreu certo fato extintivo ou modificativo da obrigação, ou que impeça a sua exigibilidade. Se o sujeito que tem responsabilidade patrimonial quiser apenas questionar o ato constritivo ou expropriatório, visando à sua desconstituição, poderá valer-se dos embargos de terceiro (arts. 674 a 681 do CPC/2015), meio pelo qual não estará autorizado a impugnar o título ou opor um dos fatos jurídicos que afetam a relação obrigacional. Também poderá manejar tal via processual aquele que não é parte na execução e que não tem responsabilidade patrimonial,

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buscando somente desconstituir o ato constritivo que recaiu indevidamente sobre o seu patrimô-nio. Ele não tem legitimidade para os embargos do executado, não lhe tocando interesse para debater sobre a obrigação ou o título. Foi neste sentido que o STJ firmou seu entendimento sobre o assunto (4ª T., REsp nº 252854/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 29/6/2000, DJ de 11/9/2000, p. 258).

IV. Legitimidade passiva

No polo passivo dos embargos deverá figurar o exequente. Distinguindo-se, mais uma vez, a figura processual da do direito material, não deve haver confusão entre o exequente e o credor. É possível que o sujeito que tenha movido o processo satisfativo não tenha legitimidade para tanto, até mesmo por não ser o credor. Neste caso, o executado deverá opor os embargos em face dele, demonstrando a sua ilegitimidade para figurar como exequente.

Se houver litisconsórcio ativo na execução, qualquer dos exequentes ou todos eles poderão figurar no polo passivo dos embargos. É possível que o executado queira se insurgir quanto ao pedido ou quanto à legitimidade de apenas um deles, e não contra os dos demais.

V. Função da penhora, do depósito e da caução

O dispositivo estabelece expressamente que prévia garantia do juízo não consiste num re-quisito para a propositura nem para o desenvolvimento válido dos embargos. A interpretação conjunta do caput do art. 914 com o § 1º do art. 919 do CPC/2015 evidencia que a garantia é um dos requisitos para a atribuição do efeito suspensivo aos embargos, e não para o seu pro-cessamento. Trata-se de medida de aceleração do procedimento executivo, afinal o executado tem o ônus de apresentar a sua defesa após ter sido citado, adiantando a alegação e a apreciação de matérias que não dependem da prévia invasão patrimonial, a exemplo da inexequibilidade do título, da inexigibilidade da obrigação ou da incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução.

A garantia do juízo também impede a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes ou provoca o seu cancelamento, caso já tenha sido efetuado o registro (§§ 3º e 4º do art. 780).

VI. Competência

O § 1º do art. 914 trata de três aspectos distintos: (a) da competência para o processamento e para o julgamento dos embargos à execução; (b) da autuação; e (c) da instrução da petição inicial.

A primeira parte do dispositivo afirma que os embargos serão distribuídos por dependência em relação à execução. Trata-se de regra de competência. O juízo que processa a execução terá a atribuição de examinar e julgar os embargos do executado.

Cuida-se de competência funcional, sendo, pois, absoluta, aplicando-se todo o regramento pertinente à espécie. Assim, não acontecerá a modificação ou a prorrogação da competência e o próprio Judiciário poderá/deverá examinar a questão de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição.

O legislador excepcionou, contudo, as situações em que a execução se desenvolve por carta precatória. Quando os embargos versarem exclusivamente sobre vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens efetuadas no juízo deprecado, a regra de competência será aque-la prevista pelo § 2º do art. 914 do CPC/2015, que comentaremos mais adiante.

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VII. Autuação

O § 1º do art. 914 do CPC/2015 estabelece que os embargos devem ser “autuados em aparta-do”, evidenciando que a defesa do executado se processa em autos próprios, e não nos da execu-ção, o que contribui para a distinção entre os atos de cada processo (evitando a eventual confusão entre os atos da execução e os da defesa, caso todos fossem praticados nos mesmos fólios) e para o prosseguimento da atividade satisfativa, mesmo que propostos e pendentes os embargos, já que, via de regra, eles não possuem efeito suspensivo (caput do art. 919 do CPC/2015). Assim, mesmo iniciada e pendente a defesa do executado, o processo satisfativo continuará tramitando, rumo ao cumprimento da obrigação constante no título.

O legislador determinou apenas a autuação “em apartado”, não estabelecendo que os embar-gos sejam autuados “em apenso”. Trata-se de coisas distintas. Autuar “em apartado” significa formar novos fólios, próprios para a defesa do executado, como acabamos de explicar. “Apensar” significa anexar.

Assim, não é necessário apensar os autos dos embargos aos da execução. Associada tal regra à de não se atribuir efeito suspensivo à defesa do executado e à de se instruir a petição inicial dos embargos com as peças relevantes do feito executivo, essa medida reforça a concepção de que o processamento de uma demanda não deve retardar o da outra.

Essa regra convive perfeitamente com a da competência, já vista anteriormente. Embora a defesa do executado deva ser distribuída para o mesmo juízo em que se processa a execução, os autos não precisarão estar necessariamente anexados uns aos outros.

A independência entre os autos de cada processo ganha realce na fase recursal. É possível que a decisão dos embargos não provoque a extinção da execução (se eles forem julgados im-procedentes, por exemplo). Uma vez interposta apelação contra a sentença proferida na defesa do executado, os seus autos deverão ser remetidos ao tribunal. De outro lado, a execução conti-nuará tramitando, o que deve acontecer perante o juízo originário. A determinação de autuação em apartado, mas não em apenso, permite que os fólios dos embargos não estejam anexados aos da execução, eliminando qualquer questionamento acerca da possibilidade de permanência dos autos da execução no juízo de origem, que dará seguimento aos atos satisfativos, ao passo que os dos embargos serão remetidos ao tribunal, para processamento e julgamento do recurso ali interposto.

VIII. Instrução da petição inicial dos embargos à execução

A última parte do § 1º do art. 914 do CPC/2015 estabelece que a petição inicial dos embargos à execução deve ser instruída com cópias das peças do processo de execução que sejam relevantes para o julgamento da pretensão apresentada pelo embargante, que poderão ser declaradas autên-ticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

Embora o dispositivo só se refira à instrução com cópias de tais peças, é possível juntar outros documentos, sendo relevante distinguir uma situação da outra.

IX. Instrução com cópias das peças processuais relevantes da execução

A instrução da petição inicial dos embargos com cópias das peças processuais relevantes da execução possibilita a permanência dos autos do processo satisfativo no juízo de 1º grau enquan-to os da defesa do executado serão remetidos para o tribunal, caso venha a ser interposta apelação contra a sentença dos embargos que não extinga a execução.

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Antonio Adonias Aguiar Bastos Art. 914

Entre as diversas matérias que podem ser alegadas nos embargos, o executado pode impugnar atos praticados na execução (v.g., incorreção da penhora ou avaliação errônea), o título executivo ou a planilha que instrui a petição inicial do processo satisfativo. Nestas situações, o seu julga-mento exigirá o exame do auto de penhora e avaliação, do título, da planilha de cálculos, etc.

Julgados os embargos e interposta a apelação, o pedido de reexame da sentença também de-mandará uma nova apreciação de tais documentos.

O § 1º do art. 914 do CPC/2015 possibilita enviar apenas os fólios dos embargos ao tribunal, já que a sua petição inicial fora instruída com as cópias das peças processuais relevantes da execução. Desta maneira, os autos da execução permanecerão no juízo de 1º grau, permitindo a retomada ou a continuidade dos atos de cumprimento forçado da obrigação constante no título, conforme os embargos tenham, ou não, sido recebidos com efeito suspensivo (art. 919).

Além disso, a juntada de tais documentos é relevante apenas para o processo físico, não sendo aplicável para o processo eletrônico. Neste caso, os autos da execução poderão ser consultados pelos magistrados de 1º e de 2º grau a qualquer tempo, em qualquer etapa dos embargos.

X. Momento preclusivo para o requerimento de juntada das peças processuais relevantes da execução

Considerando que os embargos são distribuídos por dependência em relação à execução, não é indispensável a sua juntada na 1ª instância. Tramitando os dois processos perante o mesmo juízo, o magistrado pode proceder à análise dos documentos nos autos da própria execução, não havendo qualquer prejuízo ao processamento de qualquer dos dois feitos.

Assim, a utilidade de tais documentos só surgirá para a apreciação da apelação interposta contra a sentença dos embargos.

De outro lado, o § 1º do art. 938 do CPC/2015 permite a correção, durante o processamento do recurso, de vício sanável, devendo o relator determinar a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau, intimadas as partes. Uma vez cumprida a di-ligência, o tribunal prosseguirá no julgamento do recurso, sempre que possível. O § 2º estabelece que, reconhecida a necessidade de produção de prova, o julgamento do recurso seja convertido em diligência, a ser realizada no tribunal ou em instância inferior, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução. Por fim, o § 3º afirma que as providências indicadas nos §§ 1º e 2º po-derão ser determinadas pelo órgão competente para julgamento do recurso, quando não tiverem sido determinadas pelo relator.

É possível que, durante o processamento da apelação, o tribunal constate a ausência das peças processuais relevantes da execução. Cuida-se de vício sanável, cuja correção pode acontecer em tal fase. Nesta situação, o relator ou o órgão colegiado devem determinar a intimação do execu-tado para que ele providencie a juntada de tais documentos, sob pena de preclusão.

Em homenagem à instrumentalidade das formas (art. 277 do CPC/2015), a petição inicial dos embargos não deve ser indeferida de plano por ausência das cópias de tais documentos, já que não há qualquer prejuízo para o processamento e para o julgamento dos embargos nem da execu-ção em tal etapa. Só haverá preclusão quando o juízo de 2º grau intimar o executado para acostar tais documentos e ele não cumprir a diligência no prazo assinado pelo tribunal.

XI. Definição das peças processuais relevantes

O legislador não indicou taxativamente quais são as peças processuais relevantes da execução que devem instruir a inicial dos embargos. Nem poderia, pois essa análise depende da matéria

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Antonio Adonias Aguiar Bastos

apresentada pelo executado no caso concreto. Se ele afirma, por exemplo, que existe prescrição do cheque ou que a assinatura ali aposta não é sua, será necessário juntar cópia do título. Se ale-gar que a penhora, na execução de crédito com garantia real, recaiu sobre coisa diversa daquela dada em hipoteca, penhor ou anticrese, violando a preferência prevista no § 3º do art. 835 do CPC/2015, deverá juntar a cópia do documento que instituiu a garantia (que pode ser o próprio título executivo, no caso do contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia, nos termos do art. 784, inciso V) e o auto de penhora, permitindo que o juiz co-teje os dois documentos para averiguar se a constrição incidiu, ou não, sobre o mesmo bem que foi dado em garantia.

Não havendo uma indicação expressa na lei sobre quais são as peças consideradas relevantes e por se tratar de vício sanável, o embargante deve ser intimado para complementar a documenta-ção por ele juntada, caso o magistrado entenda que não estão presentes todas as peças necessárias para o exame da questão apresentada nos embargos. Além disso, cumpre ao magistrado indicar precisamente quais são as peças que ele entende faltantes. Trata-se de aplicação dos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da cooperação.

XII. Responsabilidade do advogado pela declaração de autenticidade das peças

A parte final do § 1º afirma que as peças relevantes da execução que instruem a petição inicial dos embargos “poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabili-dade pessoal”.

Primeiramente, não há a obrigatoriedade de o advogado realizar tal declaração. As cópias po-derão ser autenticadas pelos servidores do próprio órgão jurisdicional ou de cartório extrajudicial que possua competência para fazer tal conferência.

Se o advogado optar por declarar a autenticidade, a responsabilidade ficará limitada apenas pela conferência da cópia com a peça processual que existe nos autos da execução, e não por ser autêntico o documento que se encontra nos fólios executivos. Assim, se ele declara que a cópia do título executivo que instrui a inicial dos embargos é autêntica, ele está se referindo à sua iden-tidade em relação à via do título que instrui a inicial da execução, o que não significa que este documento seja efetivamente autêntico. Caso tenha sido falsificado, não poderá o advogado ser responsabilizado se não concorreu para a sua adulteração.

A responsabilidade do advogado tanto pode se dar na esfera civil como na penal e na admi-nistrativa.

XIII. Instrução com outros documentos

Além das peças processuais relevantes da execução, o executado também possui o ônus de instruir a petição inicial dos embargos com os documentos que fazem prova de suas alegações que não estão relacionadas aos atos executivos.

Assim, se ele alegar, por exemplo, o pagamento, a compensação ou a celebração de novação, haverá de juntar os documentos que visam a demonstrar a respectiva ocorrência.

XIV. Foro para a apresentação dos embargos

O § 2º do art. 914 do CPC/2015 confirma o entendimento sedimentado pelo STJ no Enunciado nº 46 da sua súmula.

O dispositivo trata de duas regras aplicáveis à execução por carta: (a) a do foro onde podem ser propostos os embargos; e (b) a da competência para o seu processamento e o seu julgamento.

Art. 914

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Antonio Adonias Aguiar Bastos

A execução por carta encontra-se prevista no § 2º do art. 845 do CPC/2015, que estabelece que a penhora, a avaliação e a alienação do bem serão efetuadas, pelo juízo deprecado, no local da situação da coisa, se o executado não tiver bens no foro da causa e a penhora não puder ser realizada pela apresentação de certidão da matrícula do imóvel ou de certidão que ateste a exis-tência de veículo automotor, conforme ela recaia sobre um ou outro bem.

XV. Embargos sobre vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens

Caso a penhora, a avaliação e a alienação recaiam sobre bens localizados em foro diverso da-quele onde tramita a execução, por deprecação, os embargos poderão ser oferecidos tanto perante o juízo deprecante quanto perante o deprecado.

Essa regra independe da matéria sobre a qual verse a defesa do executado. Não importa se a apresentação dos embargos se deu, ou não, perante o juízo competente para os seus proces-samento e julgamento. Caso os embargos sejam propostos perante o juízo incompetente, ele providenciará a remessa, ao órgão competente. Trata-se de medida de proteção ao embargante, concedendo-lhe maior facilidade de acesso à via judicial.

Além disso, o dispositivo não impõe ao embargante o ônus de indicar o juízo competente. Cabe aos juízos deprecante e deprecado a verificação da competência no caso concreto.

XVI. Foro para o processamento e o julgamento dos embargos

Já a competência para o processamento e o julgamento dos embargos à execução por carta depende da matéria alegada na defesa do executado. A atribuição será do deprecante, salvo se os embargos versarem unicamente sobre os atos de penhora, avaliação ou alienação praticados pelo deprecado, hipótese em que a competência será deste juízo.

Se a matéria dos embargos desbordar destes últimos atos, caberá ao deprecante examinar os aspectos que dizem respeito às relações processual e material, ao cerne da execução, às exceções ou ao título executivo.

Não é demais ressaltar que a competência só será do deprecado se os embargos versarem exclusivamente sobre aquele tema (STJ, 2ª Seção, CC nº 62.973/SP, Rel. Min. Castro Filho, j. em 11/4/2007, DJ de 3/5/2007, p. 216; 2ª Seção, CC nº 1.567/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 27/2/1991, DJ de 25/3/1991, p. 3.206) e se o vício do ato lhe for intrínseco, não envolvendo qualquer outra matéria, como acontece quando a constrição recai sobre bem impenhorável (STJ, 2ª Seção, CC nº 6.504/GO, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, j. em 15/12/1993, DJ de 21/2/1994, p. 2.086).

Se o vício for extrínseco, a competência será do deprecante. É o que acontece, por exemplo, quando há nulidade da penhora por ter sido preterido o credor com direito de preferência sobre o bem constrito (STJ, 2ª Seção, CC nº 35.346/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 11/9/2002, DJ de 28/10/2002, p. 215); ou quando há nulidade da arrematação por ter sido ela realizada após a homologação da transação celebrada entre as partes (STJ, 2ª Seção, CC nº 967/PR, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. em 26/9/1990, DJ de 29/10/1990, p. 12.119).

Art. 915 - Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contado, conforme o caso, na forma do art. 231.§ 1º - Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada do respectivo comprovante

Art. 915

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da citação, salvo no caso de cônjuges ou de companheiros, quando será contado a partir da juntada do último.§ 2º - Nas execuções por carta, o prazo para embargos será contado:I - da juntada, na carta, da certificação da citação, quando versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens;II - da juntada, nos autos de origem, do comunicado de que trata o § 4º deste artigo ou, não havendo este, da juntada da carta devidamente cumprida, quando versarem sobre questões diversas da prevista no inciso I deste parágrafo.§ 3º - Em relação ao prazo para oferecimento dos embargos à execução, não se aplica o disposto no art. 229.§ 4º - Nos atos de comunicação por carta precatória, rogatória ou de ordem, a realização da citação será imediatamente informada, por meio eletrônico, pelo juiz deprecado ao juiz deprecante.

I. Prazo para a propositura dos embargos

O prazo para apresentação dos embargos será de 15 dias, contados da juntada aos autos do aviso de recebimento, se a citação for realizada pelo correio (art. 231, inciso I, do CPC/2015); do mandado cumprido, se efetuada pelo oficial de justiça, inclusive com hora certa (arts. 231, inciso II e § 4º, e 830, § 2º, do CPC/2015); da ocorrência da citação, se ela for efetivada pelo escrivão ou pelo chefe de secretaria (art. 231, inciso III, do CPC/2015); do dia útil seguinte ao fim da di-lação assinada pelo juiz, caso ocorra por edital (arts. 231, inciso IV, e 830, § 2º, do CPC/2015); do dia útil seguinte à consulta do seu teor ou ao término do prazo para que a consulta se dê, se efetuada eletronicamente (art. 231, inciso V, do CPC/2015).

II. Comparecimento espontâneo do executado

O executado também pode comparecer espontaneamente, suprindo a falta ou a nulidade da citação, fluindo, a partir daí, o prazo para a apresentação dos embargos à execução, na forma do art. 239, § 1º, do CPC/2015.

III. Propositura dos embargos antes da citação

Se o executado apresentar os embargos antes de ser citado, eles devem ser admitidos e pro-cessados, desaparecendo, no entanto, o benefício de redução pela metade dos honorários fixados inicialmente pelo juiz em 10% (art. 827, § 1º, do CPC/2015), bem como a possibilidade de re-querer o parcelamento de que trata o art. 916 do CPC/2015.

IV. Contagem individual do prazo para a propositura dos embargos

A contagem do prazo para o ajuizamento dos embargos será individual em relação a cada executado, mesmo que haja litisconsórcio passivo na execução. Distingue-se do sistema de de-fesa do réu utilizado no processo de conhecimento, em que o prazo para todos os demandados começa a fluir da data da comprovação da citação do último deles, na forma do § 1º do art. 231 do CPC/2015.

Art. 915

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V. Contagem do prazo quando os executados são cônjuges ou companheiros entre si

A exceção se dá quando os executados forem cônjuges ou companheiros entre si, caso em que o prazo para embargar será conjunto, contado a partir da juntada do último comprovante de citação.

VI. Prazo para a propositura dos embargos na execução por carta

O § 2º do art. 915 do CPC/2015 trata do termo a quo do prazo para o oferecimento dos em-bargos à execução por carta, que pode ser precatória, rogatória ou de ordem, como, aliás, consta expressamente no § 4º do mesmo artigo de lei, ao qual se refere o inciso II do § 2º.

O inciso I do § 2º do art. 915 do CPC/2015 trata da situação em que a competência para pro-cessar e julgar os embargos é do deprecado, por versarem eles unicamente sobre vícios ou defei-tos intrínsecos da penhora, avaliação ou alienação dos bens, conforme já vimos nos comentários ao § 2º do art. 914 do CPC/2015. Nesta hipótese, a defesa do executado poderá ser oferecida tanto perante este juízo como perante o deprecante, e os 15 dias serão contados da juntada, na carta, da certificação da citação.

Se a competência para apreciar os embargos for do deprecante, o prazo para o oferecimento dos embargos será contado da juntada, nos autos de origem, da informação prestada pelo depre-cado ao deprecante acerca da realização da citação, o que deverá acontecer imediatamente e por meios eletrônicos, na forma do § 4º. Em regra, não será necessário aguardar a devolução da carta precatória ao juízo deprecante e a sua juntada aos autos do processo executivo. Isso só acontece-rá se não houver o comunicado aqui referido.

O CPC/2015 trouxe de volta duas formas distintas de identificar o início do prazo para a apre-sentação dos embargos à execução, conforme o seu objeto, na forma assentada pela jurisprudên-cia (3ª T., REsp nº 299.440/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 13/8/2001, DJ de 8/10/2001, p. 214). Esta diferenciação havia sido eliminada pelo § 2º do art. 738 do CPC/1973, que definiu um só critério para estabelecer o dies a quo: o da juntada da informação, feita pelo deprecado ao deprecante, de que a citação foi realizada.

VII. Prazo simples

O prazo para oferecer os embargos será sempre de 15 dias, mesmo que haja litisconsórcio passivo na execução e que os executados estejam representados por procuradores distintos. O § 3º do art. 915 do CPC/2015 é expresso ao afastar a incidência do art. 229, que estabelece ser em dobro o prazo para todas as manifestações, na ação de conhecimento, dos litisconsortes re-presentados por diferentes procuradores, de distintos escritórios de advocacia, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.

Esta regra se aplica, inclusive, quando os executados são cônjuges ou companheiros entre si.

Art. 916 - No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.

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§ 1º - O exequente será intimado para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput, e o juiz decidirá o requerimento em 5 (cinco) dias.§ 2º - Enquanto não apreciado o requerimento, o executado terá de depositar as parcelas vincendas, facultado ao exequente seu levantamento.§ 3º - Deferida a proposta, o exequente levantará a quantia depositada, e serão suspensos os atos executivos.§ 4º - Indeferida a proposta, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito, que será convertido em penhora.§ 5º - O não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente:I - o vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato reinício dos atos executivos;II - a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas.§ 6º - A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor embargos.§ 7º - O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.

I. Parcelamento do crédito exequendo

O art. 916 do CPC/2015 permite que, no prazo para a propositura dos embargos, o devedor, em vez de defender-se, reconheça o crédito pleiteado pelo exequente, e, comprovando o depósito de 30% do valor em execução, mais custas e honorários advocatícios, requeira o pagamento do saldo restante em até seis parcelas mensais, que serão corrigidas monetariamente, além de serem acrescidas de juros de 1% ao mês.

Embora o dispositivo esteja situado dentro do título referente aos embargos à execução, ele não trata da defesa do executado. Cuida de um favor legal que visa a incentivar o executado a pagar, em vez de resistir à execução.

A medida também é vantajosa para o exequente, que terá reconhecido o crédito e poderá le-vantar imediatamente a quantia depositada. Além disso, os seis meses para o recebimento das parcelas consistem num lapso de tempo mais curto do que aquele que, ante a realidade, seria necessário para levar a cabo os atos executivos até a satisfação forçada da obrigação.

O parcelamento consiste num direito potestativo do executado, cujo exercício exige que ele reconheça o crédito postulado pelo exequente e que deposite uma parcela da dívida, mais custas e honorários advocatícios. Ao torná-lo incontroverso, o executado estará impedido de opor em-bargos sobre o mérito da execução e sobre os atos processuais já praticados. Todos esses atos são de vantagem para o autor e de ônus para o réu. A contrapartida dada ao executado é exatamente o parcelamento. Se ele não tiver a segurança de que terá êxito neste intento, não arriscará as pro-vidências anteriores, tornando a medida legislativa inócua e sem aplicação prática.

II. Requisitos para o deferimento do parcelamento

A aplicação do comando exige quatro requisitos: (i) que o devedor reconheça o crédito do exequente; (ii) que comprove o depósito de 30% do valor executado, incluindo as custas e os

Art. 916

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honorários advocatícios; (iii) que requeira o parcelamento; e (iv) que pratique todos esses atos no prazo que teria para opor os embargos.

Quanto ao primeiro requisito, cuida-se de ato de reconhecimento jurídico do pedido satis-fativo. É necessário que o réu se pronuncie expressa e inequivocamente no sentido de admitir que a obrigação existe e é devida. O reconhecimento não se confunde com a confissão (voltada exclusivamente para os fatos) nem com a inércia. O silêncio do executado durante o prazo para a propositura dos embargos não ensejará o direito ao parcelamento.

O depósito é realizado a título de início de pagamento ou de garantia do juízo, não estando sujeito à devolução. Se a proposta de parcelamento for deferida, a quantia será levantada pelo exequente, observadas as regras do art. 905 do CPC/2015, inclusive no que diz respeito à forma-lização da quitação parcial, nos autos, como estabelece o art. 906 do CPC/2015. Se for indeferi-da, a quantia será convertida em penhora, nos termos do § 4º do art. 916 do CPC/2015.

O terceiro requisito é a formalização do requerimento de parcelamento. Sem ele, o depósito poderá surtir os efeitos de garantia parcial do juízo, caso o executado oponha os embargos. Caso não se defenda, o depósito parcial surtirá os efeitos de pagamento parcial, avançando o processo para a prática dos demais atos executivos.

Sendo o parcelamento um direito potestativo do executado, o requerimento não precisa ser motivado.

O último requisito é o prazo para a prática de tais atos, que é o mesmo para a apresentação dos embargos. Assim, o executado terá os mesmos 15 dias estipulados pelo art. 915 do CPC/2015 para depositar o sinal, reconhecer a obrigação e requerer o parcelamento.

A mesma regra da autonomia do prazo para a apresentação da defesa do executado (art. 915, § 1º) aplica-se para a postulação do parcelamento.

Sob outra perspectiva, se o executado embargar antes de findos os 15 dias, ocorrerá a preclu-são consumativa, não lhe sendo mais lícito obter o favor legal previsto pelo art. 916.

Findo o prazo, seja por ter acontecido a preclusão temporal ou a consumativa, o executado não poderá mais beneficiar-se do parcelamento de que trata o dispositivo legal. Contudo, nada impede que as partes cheguem a um parcelamento por meio de uma posterior transação.

III. Intimação do exequente

O § 1º do art. 916 do CPC/2015 estabelece que o exequente será intimado para manifestar-se sobre o requerimento de parcelamento. Ao fazê-lo, o legislador fulminou questão que se mos-trava controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência acerca da necessidade, ou não, de prévia oitiva do credor antes da concessão do parcelamento.

Respeitam-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa.

IV. Manifestação do exequente

A manifestação do exequente poderá versar exclusivamente sobre o preenchimento dos pres-supostos necessários para o deferimento do parcelamento.

Sendo o parcelamento um direito potestativo do executado, a manifestação do exequente é vinculada, cabendo-lhe demonstrar, objetivamente, que não foi observado um ou mais dos pres-supostos estabelecidos pelo caput do art. 916. Não deverá tratar de aspectos ligados à conveniência e à oportunidade, como, por exemplo, a pequena monta econômica do débito em face do grande porte econômico do executado.

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V. Prazo para manifestação do exequente

Ao deixar de especificar um prazo para a manifestação do exequente acerca do requerimento formulado pelo executado, deve-se aplicar o prazo de cinco dias, a que alude o § 3º do art. 218 do CPC/2015.

Cuida-se de prazo próprio, sujeito à preclusão temporal. Ultrapassado o lapso de tempo sem a manifestação expressa do exequente em sentido contrário, presume-se a sua aceitação em relação ao requerimento.

A presunção decorrente da omissão do autor do processo satisfativo é relativa, podendo o juiz indeferir o requerimento de ofício, caso constate que algum dos requisitos exigidos pelo caput não foi preenchido.

VI. Decisão sobre o requerimento de parcelamento

Preenchidos os requisitos que autorizam o parcelamento, o juiz deve deferi-lo, não possuindo discricionariedade em face da pretensão de parcelamento formulada pelo executado.

O parcelamento está alinhado ao princípio da menor onerosidade, positivado pelo art. 805 do CPC/2015, pelo qual o juiz mandará que a execução se faça pelo modo menos gravoso para o executado, quando, por vários meios, puder o exequente promovê-la.

O prazo de cinco dias para que o juiz decida é impróprio, não estando sujeito à preclusão temporal, como se infere da interpretação sistemática dos §§ 1º e 2º, que comentaremos mais a frente.

VII. Recurso cabível contra a decisão que defere ou indefere o requerimento do parce-lamento

A decisão é impugnável por agravo de instrumento, conforme preceitua o parágrafo único do art. 1.015.

VIII. Depósito das parcelas vincendas enquanto o requerimento não for apreciado pelo juiz

O dispositivo comentado determina que o executado deposite as prestações vincendas, inde-pendentemente da análise do magistrado acerca do requerimento de parcelamento. Além disso, ele autoriza o levantamento da respectiva quantia pelo exequente.

A sua inserção contribui para a efetividade da prestação jurisdicional. Durante a vigência da legislação anterior, o executado atendia aos requisitos estabelecidos pelo caput e aguardava a decisão do magistrado acerca do seu requerimento para, só depois do deferimento, depositar as parcelas vincendas. Ocorre que, muitas vezes, a intimação do exequente para apresentar mani-festação e a apreciação judicial demoravam a acontecer, retardando o depósito das prestações vincendas. Por consequência, atrasava-se também o recebimento das parcelas vincendas pelo exequente.

Além disso, a interpretação conjunta dos §§ 1º e 2º evidencia ser impróprio o prazo de cinco dias para que o magistrado aprecie o requerimento de parcelamento. Mesmo depois de esgota-do tal lapso temporal e mesmo que o executado venha realizando os depósitos equivalentes às parcelas vincendas, o juiz poderá/deverá examinar o requerimento, seja para deferi-lo ou para indeferi-lo. Se o referido prazo estivesse sujeito à preclusão temporal, o magistrado estaria im-pedido de indeferir o requerimento após o transcurso in albis dos cinco dias.

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IX. Deferimento da proposta

O § 3º afirma que, deferida a proposta pelo juiz, o exequente estará autorizado a levantar a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos.

O valor pode corresponder apenas aos 30% iniciais ou também às parcelas subsequentes, conforme o requerimento formulado pelo réu venha a ser analisado pelo juiz antes ou depois do vencimento das prestações ulteriores.

Além disso, o legislador determinou que sejam suspensos os atos executivos. Cuida-se de um benefício para o executado, buscando incentivá-lo a optar pelo parcelamento.

Isso, contudo, não implica a invalidação nem a ineficácia dos atos invasivos já praticados. Assim, se já foi realizada a penhora, ela deverá ser mantida válida e eficaz, enquanto pendente o integral adimplemento da obrigação. Caso haja a completa satisfação do direito do exequen-te, a constrição será desconstituída. Caso haja o inadimplemento de qualquer das parcelas ou o indeferimento da proposta, o processo executivo seguirá adiante a partir dos atos já praticados.

X. Indeferimento da proposta

Se a proposta for indeferida, o magistrado dará seguimento aos atos satisfativos, mantendo o depósito, que será convertido em penhora, nos termos do § 4º do art. 916. Se o depósito não for suficiente para a total garantia do juízo, deve-se proceder à complementação da penhora.

XI. Inadimplemento do devedor

Na legislação revogada, o legislador impunha três consequências para o inadimplemento de qualquer das parcelas: (a) o vencimento das subsequentes, com o prosseguimento do processo e o início dos atos executivos; (b) a incidência de multa de 10% sobre o valor das prestações não pagas; e (c) a vedação à oposição dos embargos.

O CPC/2015 diferencia as sanções decorrentes do inadimplemento da proibição da apresen-tação dos embargos.

XII. Sanções decorrentes do inadimplemento do parcelamento

O § 5º afirma que o não pagamento de qualquer das prestações implicará o vencimento das subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos. Além disso, impõe ao executado multa de 10% sobre o valor das prestações não pagas. Essas são as duas consequências provocadas pelo inadimplemento de qualquer das parcelas.

Neste contexto, a execução prosseguirá a partir do último ato invasivo que fora praticado. Assim, se já tiver sido realizada a penhora, o processo seguirá seu curso daí por diante.

XIII. Renúncia ao direito de opor embargos

O § 6º estabelece que a opção pelo parcelamento implica a renúncia ao direito de opor em-bargos. Deve-se notar que este parágrafo não guarda relação com o anterior. Desta maneira, a renúncia ao direito de resistir à execução não consiste numa consequência do inadimplemento de qualquer das parcelas, mas, sim, da opção feita pelo executado.

Nos termos do caput do art. 916, o parcelamento pressupõe que o réu reconheça o crédito do exequente. Daí sucede uma preclusão lógica, afinal o reconhecimento é incompatível com a resistência à execução. Não poderia o acionado, de um lado, afirmar expressamente que a obri-gação existe e é devida, pleiteando o parcelamento, e, de outro lado, insurgir-se contra o mesmo

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crédito. Caso o executado adotasse tal comportamento, ele se revelaria contraditório, configu-rando um venire contra factum proprium. O dispositivo tutela a boa-fé objetiva e a confiança.

No entanto, a renúncia é parcial, e não total. Ao optar pelo parcelamento, o executado não poderá mais se insurgir contra o título, contra a obrigação nem contra os atos processuais que foram praticados antes do requerimento. Não poderá alegar a inépcia da petição inicial da exe-cução, por exemplo. Contudo, ser-lhe-á possível opor-se contra os atos executivos posteriores ao oferecimento da proposta, como a penhora incorreta ou a avaliação errônea.

XIV. Vedação ao parcelamento no cumprimento de sentença

O § 7º fulmina a controvérsia que existia na doutrina e na jurisprudência sobre a aplicação do favor legal ao cumprimento de sentença, vedando-o expressamente.

De um lado, é inócuo/impossível que o executado reconheça o crédito do exequente no cum-primento de sentença, pois a obrigação já se encontra certificada por título judicial, constituído com a observância do devido processo legal, oportunizando-se o amplo debate e os recursos para revisão/invalidação da decisão exequenda.

Também não há vantagem para o exequente, que já teve que suportar o ônus do tempo decor-rente do processamento da demanda de conhecimento, ao passo que uma das justificativas do parcelamento é exatamente a abreviação da atividade jurisdicional.

Além disso, todo o regramento do cumprimento de sentença é composto por mecanismos voltados a compelir o executado a cumprir a obrigação (a exemplo da multa do § 1º do art. 523), relevando-se incompatível com o benefício previsto pelo art. 916.

Art. 917 - Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:I - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;II - penhora incorreta ou avaliação errônea;III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa;V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;VI - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.§ 1º - A incorreção da penhora ou da avaliação poderá ser impugnada por simples petição, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato.§ 2º - Há excesso de execução quando:I - o exequente pleiteia quantia superior à do título;II - ela recai sobre coisa diversa daquela declarada no título;III - ela se processa de modo diferente do que foi determinado no título;IV - o exequente, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento da prestação do executado;V - o exequente não prova que a condição se realizou.§ 3º - Quando alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à do título, o embargante declarará na petição inicial o

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valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado de seu cálculo. § 4º - Não apontado o valor correto ou não apresentado o demonstrativo, os embargos à execução:I - serão liminarmente rejeitados, sem resolução de mérito, se o excesso de execução for o seu único fundamento;II - serão processados, se houver outro fundamento, mas o juiz não examinará a alegação de excesso de execução. § 5º - Nos embargos de retenção por benfeitorias, o exequente poderá requerer a compensação de seu valor com o dos frutos ou dos danos considerados devidos pelo executado, cumprindo ao juiz, para a apuração dos respectivos valores, nomear perito, observando-se, então, o art. 464.§ 6º - O exequente poderá a qualquer tempo ser imitido na posse da coisa, prestando caução ou depositando o valor devido pelas benfeitorias ou resultante da compensação.§ 7º - A arguição de impedimento e suspeição observará o disposto nos arts. 146 e 148.

I. Conteúdo dos embargos à execução

A matéria que o embargante poderá alegar em sua defesa encontra-se disposta no art. 917 do CPC/2015.

II. Inexequibilidade do título e inexigibilidade da obrigação

O inciso I afirma que o embargante pode alegar a inexequibilidade do título ou a inexigibili-dade da obrigação. Cuida-se de matéria processual.

Ao alegar a inexequibilidade do título, o executado impugna a regularidade da execução, que pode decorrer, por exemplo, de o documento acostado à petição inicial não estar no rol dos títulos extrajudiciais (v.g. seguro-garantia prestado por ocasião da licitação – STJ, 1ª T., REsp nº 476.450/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 18/11/2003, DJ de 19/12/2003, p. 329); não preencher um dos requisitos formais exigidos pela lei; ou de já ter ocorrido a sua prescrição. Também pode se opor contra o conteúdo do título, alegando que ele não estampa obrigação certa e líquida (v.g. contrato particular pelo devedor e por duas testemunhas que não contenha cláusula estipu-lando obrigação com tais características).

Ao alegar a inexigibilidade da obrigação, o executado também se defende em relação ao aspecto material do título, afirmando mais especificamente que a obrigação ainda não atingiu o termo, que não foi implementada a obrigação ou que ela já está prescrita – a sua prescrição não se confunde com a do título.

O inciso I trata dos vícios intrínsecos do título. Ao basear sua defesa em tais argumentos, o executado impugna um dos requisitos de formação e desenvolvimento válido do processo exe-cutivo, demonstrando que o exequente simplesmente não tem direito à atividade jurisdicional satisfativa com base naquele documento. Isso, no entanto, não o impedirá de ajuizar ação de conhecimento, a fim de obter a indispensável certificação, a partir da qual poderá, então, pleitear o cumprimento da sentença, observando o regramento que lhe é próprio.

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Não se trata de impugnação a vício extrínseco do título. O executado não busca a sua descons-tituição, o que ocorreria se ele alegasse, por exemplo, ter havido vício de consentimento na sua formação.

Por dizer respeito à regularidade da via executiva, cuida-se de questão de ordem pública, po-dendo o juiz apreciar essa matéria de ofício, em qualquer fase do processo e grau de jurisdição.

III. Penhora incorreta ou avaliação errôneaO inciso II também trata de matéria processual, não se relacionando com o direito material.O embargante pode se irresignar em relação ao ato constritivo, por ter recaído sobre bem

impenhorável, por ter incidido sobre bem diverso daquele dado em garantia em uma execução hipotecária (art. 835, § 3º).

Pode também insurgir-se contra a avaliação, sendo seu o ônus de indicar precisamente o equí-voco, assim como o valor que considera devido.

O § 1º do art. 917 permite que a matéria constante no inciso II também seja veiculada por simples petição, no prazo de 15 dias, contados da ciência do ato. Essa disposição tem aplicação, sobretudo, quando a penhora e/ou a avaliação acontecem supervenientemente ao oferecimento dos embargos. Como o prazo para a apresentação da defesa do executado é de 15 dias a contar da juntada do comprovante de citação aos autos (art. 915), como o ajuizamento e o desenvolvimento dos embargos não pressupõem a prévia garantia do juízo (caput do art. 914), é possível que os embargos sejam apresentados antes da realização da penhora. Considerando, ainda, que não lhes será atribuído efeito suspensivo senão depois de realizada a constrição (art. 919), a sua proposi-tura não impede o prosseguimento da execução, para que sejam efetivados os atos de constrição e de mensuração econômica do(s) bem(ns) constrito(s). Nessa situação, a impugnação à penhora e à avaliação poderá ser realizada por simples petição nos autos da execução. Essa solução, que já vinha sendo preconizada por uma parte da doutrina na vigência do CPC/1973, pode trazer consigo algumas dificuldades. Em certos casos, a alegação do executado exige o desdobramento da atividade cognitiva (com a produção, a manifestação e a valoração de provas, por exemplo). Como o rito da execução não comporta a ampliação da cognição, o processamento da petição no próprio iter satisfativo pode se revelar inadequado.

IV. Excesso de execuçãoO inciso III estatui que o embargante pode alegar o excesso de execução como fundamento

dos embargos. Ele deve ser interpretado em conjunto com os §§ 2º e 3º.

O § 2º define as situações em que ocorre o excesso de execução.

No nosso modo de ver, apenas as disposições constantes nos incisos I e II do § 2º tratam pro-priamente do excesso, cuja matriz consiste na disparidade entre o objeto da execução e o objeto da obrigação constante no título. Em outras palavras, aquilo que o exequente postula no processo sa-tisfativo não coincide, qualitativa ou quantitativamente, com a prestação estampada no documento.

Assim, há excesso quando:

a) O exequente pleiteia quantia superior à do título. Trata-se do excesso na obrigação de pagar quantia. Considerando que o quantum debeatur consiste num direito disponível, o silêncio do executado sobre o valor postulado na execução implica a sua aceitação. Se o executado entender que o valor pleiteado pelo exequente é superior ao que consta no título, caber-lhe-á impugná-lo expressamente.

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Ao apresentar essa alegação, o embargante terá o ônus de declarar, na petição inicial dos em-bargos, o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado de seu cálculo. Caso assim não proceda, a defesa do executado será liminarmente rejeitada, com extinção do processo sem resolução de mérito, se esse for o seu único fundamento. Se ela versar sobre outras matérias, o juiz lhe dará seguimento, mas não examinará essa alegação. É o que determina o § 4º.

Cuida-se de disposição bastante útil ao andamento do processo, vedando a defesa genérica. Não basta que o embargante alegue o excesso, pura e simplesmente. É necessário tornar incon-troversa uma parcela da demanda, permitindo que os atos satisfativos sejam praticados em re-lação a ela. Permite-se a pacificação fracionada da demanda, atendendo ao preceito da duração razoável do processo, previsto pelo art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/1988.

É importante observar que, ao extinguir os embargos sem resolução do mérito ou, ao menos, deixar de conhecer a alegação de excesso de execução, não ocorrerá a formação da coisa julgada material sobre essa matéria, o que autoriza o executado a ajuizar ação autônoma com base no mesmo fundamento.

b) Quando recai sobre coisa diversa daquela declarada no título. Aqui, temos o excesso na execução de entregar coisa diversa de dinheiro. A disparidade pode se referir tanto à qualidade como à quantidade das coisas devidas nessa espécie de obrigação. Na primeira hipótese, a proce-dência dos embargos provocará a invalidação dos atos invasivos. Na segunda, a constatação do excesso conduzirá à redução do objeto da execução.

Embora os §§ 3º e 4º se refiram somente ao excesso de execução nas obrigações de pagar quantia, parece-nos que os dispositivos sejam aplicáveis à obrigação de entregar coisa distinta de dinheiro. Não bastaria ao embargante defender-se de maneira genérica. Teria ele o ônus de indicar qual seria a coisa e/ou a quantidade devida, sob pena de não apreciação dos embargos ou dessa alegação, conforme seja esse o único ou um dos fundamentos da sua defesa.

O inciso III do § 2º diz haver excesso de execução quando ela se processa de modo diferen-te do que foi determinado no título. Como explicamos anteriormente, essa hipótese não versa propriamente sobre um excesso de execução. Ela cuida da inadequação do rito escolhido pelo exequente para o processamento do processo satisfativo, o que levará à sua extinção sem o cum-primento forçado da obrigação.

Por sua vez, o inciso IV afirma existir excesso quando o exequente, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento da prestação do executado; e o inciso V, quando o exequente não prova que a condição se realizou. Em realidade, os dois dispositivos cuidam da falta de prova da exigibilidade da obrigação. Em ambos os casos, o vício pode ser sanado, abrindo-se a oportunidade para o exequente acostar o documento que comprove que ele adimpliu a prestação que lhe cabia ou que a condição se realizou.

V. Cumulação indevida de execuções

O inciso III ainda afirma que o embargante pode alegar a cumulação indevida de execuções.

O art. 780 exige que sejam preenchidos os seguintes requisitos para a cumulação: mesmo executado, juízo com competência absoluta e idêntico procedimento para as diversas execuções, que podem estar fundadas em títulos diferentes.

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A inobservância de qualquer deles implicará a cumulação indevida. Trata-se de requisito para o regular desenvolvimento do processo, consistindo em matéria de ordem pública, que poderá ser controlada ex officio.

O acolhimento da alegação do embargante não provoca a extinção do processo executivo. Caso a cumulação seja indevida por ter sido formulada em face de diferentes executados, dever-se-á assinar prazo para que o exequente opte contra qual deles pretende dar seguimento ao feito satisfativo. O outro executado será excluído do processo. Caso o juízo seja absolutamente in-competente para um dos pedidos cumulados, somente ele será extinto, levando-se a execução adiante em relação ao outro. De maneira semelhante, se a questão estiver relacionada à adequa-ção procedimental, manter-se-á o processo satisfativo em relação ao pedido que pode ser proces-sado naquele rito, extinguindo-se o outro. Em todas essas situações, o exequente poderá propor um novo processo satisfativo contra o executado que fora excluído e/ou sobre o pedido que fora extinto no feito anterior.

VI. Retenção por benfeitorias necessárias ou úteis nos casos de execução para entrega de coisa certa

O inciso IV deve ser interpretado à luz do direito material (a exemplo dos arts. 571, 578 e 681, entre outros tantos do Código Civil), que estabelece as hipóteses de retenção do bem em decorrência da realização de benfeitorias necessárias ou úteis.

Caberá ao embargante especificar quais foram as benfeitorias por ele realizadas e o valor que deve lhe ser ressarcido pelo exequente, sob pena de tal argumento não ser apreciado ou de os embargos serem rejeitados liminarmente, caso repousem exclusivamente sobre este fundamento.

Não poderá o exequente ser imitido na posse da coisa perseguida enquanto não pagar ao em-bargante o valor a que este tem direito em decorrência das benfeitorias necessárias ou úteis que realizou e que lhe conferem o poder de retenção.

O § 5º permite que, na apuração do saldo, o exequente requeira a compensação de seu valor com o dos frutos ou dos danos considerados devidos pelo executado, caso em que o juiz nomeará perito, observando-se o procedimento para a produção da prova pericial (art. 464 e seguintes).

O parágrafo subsequente afirma que, a qualquer tempo, o exequente poderá ser imitido na posse da coisa, prestando caução ou depositando o valor devido pelas benfeitorias ou resultante da compensação.

VII. Incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução

O inciso V do art. 917 pôs fim ao questionamento que existia durante a vigência do CPC/1973. Na legislação anterior, a matéria vinha prevista tanto no art. 741, inciso VII, como no art. 742. O primeiro dispositivo afirmava que a alegação de incompetência do juízo da execução, bem como de suspeição ou de impedimento do juiz, deveria ser veiculada nos embargos. Já o artigo subsequente estabelecia que tais matérias haveriam de ser apresentadas por meio de exceção, juntamente com os embargos (e não neles mesmos).

O CPC/2015 deixa claro que a arguição da incompetência, seja ela absoluta ou relativa, deve dar-se nos próprios embargos.

VIII. Impedimento e suspeição

Já o § 7º não deixa dúvidas de que o impedimento e a suspeição devem ser objeto de petição

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específica dirigida ao juiz da causa, a fim de que ele mesmo se declare impedido ou suspeito ou de que se forme o incidente previsto nos arts. 146 e 148 do CPC/2015, que será julgado pelo tribunal, caso ele entenda ser imparcial. Assim, essas matérias não serão objeto dos embargos à execução.

Em observância ao princípio da instrumentalidade das formas (art. 277), nada obsta o apro-veitamento da alegação do impedimento ou da suspeição formulada nos embargos, se esse for o único fundamento da defesa do executado.

IX. Qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conheci-mento

Sendo o título extrajudicial, nem ele nem a obrigação passaram pelo crivo do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal perante o Judiciário, anteriormente à propositura da execução, como acontece com os títulos judiciais. O acertamento deu-se em outra seara, seja ela negocial ou administrativa. Pode o executado insurgir-se contra o título, buscando sua desconsti-tuição, ou contra a obrigação, demonstrando ter havido fato que a extinguisse ou modificasse, ou ainda que impedisse a sua exigibilidade. Os fatos alegados podem ser anteriores ou posteriores à formação do título. Os embargos também podem versar sobre matéria processual, a exemplo da litispendência ou da ilegitimidade. Cuida-se de defesa bastante ampla e situada na esfera da disponibilidade do interesse do embargante.

O dispositivo também é útil para evidenciar que os embargos consistem numa ação cujo juízo cognitivo é amplo e que o rol do art. 915 é meramente exemplificativo.

Art. 918 - O juiz rejeitará liminarmente os embargos:I - quando intempestivos;II - nos casos de indeferimento da petição inicial e de improcedência liminar do pedido;III - manifestamente protelatórios.Parágrafo único - Considera-se conduta atentatória à dignidade da justiça o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios.

O art. 918 do CPC/2015 prevê as hipóteses de rejeição liminar dos embargos, em que eles deverão ser extintos antes da convocação do embargado para se manifestar.

I. Rejeição liminar dos embargos por intempestividade

O inciso I determina que o juiz negue seguimento aos embargos oferecidos depois do prazo de 15 dias, fixado pelo art. 915.

Embora parte da doutrina entenda tratar-se de prazo preclusivo, alinhamo-nos à corrente que explica tratar-se de prazo para que o executado possa valer-se do meio adequado de defesa pelo qual pretende obter a tutela jurisdicional, usufruindo das particularidades dos embargos à execução, a exemplo do rito diferenciado, dos requisitos específicos para a obtenção do efeito suspensivo e da inexistência de efeito suspensivo da apelação. Além disso, a preclusão consiste num fenômeno endoprocessual. Considerando que os embargos consistem num processo autô-nomo, o direito de opô-los não poderia ser atingido pela preclusão ocorrida na execução, já que seus efeitos ficariam restritos ao processo satisfativo. Ultrapassado o prazo previsto pelo art. 913,

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nada impedirá que ele utilize outros meios, ou seja, a defesa heterotópica (como, por exemplo, a propositura de uma “ação declaratória da inexistência da obrigação”, que não possuirá as espe-cificidades dos embargos). Apenas não será mais adequado pleitear a tutela jurisdicional através dos embargos. Na jurisprudência: STJ, 3ª T., REsp nº 135355/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 4/4/2000, DJ de 19/6/2000, p. 140.

Tampouco podemos olvidar que as nulidades absolutas podem ser apreciadas de ofício em qualquer fase do processo e em qualquer grau de jurisdição, não estando sujeitas à preclusão temporal. Elas podem ser alegadas por simples petição pela parte ou em ação anulatória. Se faltar pressuposto de existência do ato, pode ser adequada a querela nulitatis insanabilis, que não tem prazo para propositura, por se tratar de ação meramente declaratória.

Assim, se a petição inicial dos embargos for oferecida depois dos 15 dias fixados pela lei, ela deve ser examinada pelo juiz. Se versar sobre matéria de ordem pública, ela deverá ser recebida como defesa do executado, no seu rito próprio. Se versar sobre a inexistência de ato processual ou sobre a relação jurídica-material, o magistrado deve recebê-la como ação autônoma de conhe-cimento, sem as particularidades que caracterizam os embargos (STJ, 4ª T., REsp nº 94.811/MG, Rel. Min. César Asfor Rocha, ac. 29/10/1998, DJU de 1º/2/1999, p. 197).

II. Indeferimento da petição inicial

O inciso II do art. 918 CPC/2015 alargou a hipótese de rejeição liminar dos embargos, que antes se restringia à inépcia da inicial, para abranger todos os casos de indeferimento da peça vestibular e os de improcedência liminar do pedido.

De acordo com o art. 330 do CPC/2015, a petição inicial será indeferida quando for inepta; quando a parte for manifestamente ilegítima; quando o autor carecer de interesse processual; quando, ao postular em causa própria, o advogado deixar de declarar o endereço, seu número de inscrição na OAB e o nome da sociedade de advogados da qual participa, para o recebimento de intimações (art. 106); e quando a petição inicial não preencher os requisitos dos arts. 319 e 320 ou apresentar defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito (art. 321).

De acordo com o § 1º do art. 330, a inépcia restará configurada quando faltar pedido ou causa de pedir na petição inicial; quando o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; quando a conclusão não decorrer logicamente da narração dos fatos; e quando contiver pedidos incompatíveis entre si.

Se o advogado não fornecer as informações exigidas pelo art. 106, o juiz ordenará que ele supra a omissão, no prazo de cinco dias. Só depois disso, a petição inicial poderá ser indeferida (§ 1º do art. 106).

Caso não sejam atendidos os requisitos dos arts. 319 e 320 ou existam defeitos e irregulari-dades capazes de dificultar o julgamento de mérito, o juiz deverá conceder prazo de 15 dias para que o embargante a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

Todas essas hipóteses levam à extinção dos embargos sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso I. Sobre essa decisão não recai a imutabilidade da coisa julgada material. Daí ser ainda possível ao executado propor ação autônoma de conhecimento (defesa heterotópica).

III. Improcedência liminar do pedido

Os embargos serão julgados liminarmente improcedentes quando dispensarem a fase instru-tória e se o pedido contrariar enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior

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Tribunal de Justiça; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolu-ção de demandas repetitivas ou de assunção de competência; enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local; se for, de logo, verificada a prescrição ou a decadência do direito do exequente, seguindo-se o disposto no art. 332.

Aqui, haverá resolução do mérito, incidindo os efeitos da coisa julgada material.

IV. Embargos manifestamente protelatórios

Consideram-se manifestamente protelatórios os embargos evidentemente desprovidos de fun-damentos plausíveis, o que acontece quando não apresentam uma tese minimamente viável.

A aplicação do dispositivo deve ser realizada de maneira criteriosa, sob pena de ofender o contraditório e a ampla defesa, garantias inafastáveis, por resguardarem o caráter democrático do processo. Neste passo, a rejeição liminar só deve ser aplicada quando o caráter protelatório dos embargos for “manifesto”, ou seja, quando o magistrado tem a certeza de que o embargante jamais poderá alcançar a vitória, o que pode ocorrer, por exemplo, quando o embargante alega matéria sobre a qual já há decisão transitada em julgado.

Visando a coibir conduta de evidente má-fé processual, o parágrafo único do art. 918 consi-dera a apresentação dos embargos manifestamente protelatórios como uma conduta atentatória à dignidade da justiça, atraindo a incidência do parágrafo único do art. 774, que determina a aplicação de multa em montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível na própria execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material.

A multa só poderá ser aplicada se ficar caracterizado o evidente intento protelatório dos em-bargos. Ela não incidirá se eles forem processados e rejeitados, afinal o direito de defender-se na execução corresponde à garantia do contraditório e da ampla defesa, tutelada em nível constitu-cional pelo ordenamento jurídico. Só se pode punir o abuso, o nítido propósito de embaraçar e protelar a execução, e não o uso regular do direito de defesa.

Parece-nos, ademais, que, ao rejeitar liminarmente os embargos por serem manifestamente protelatórios, o juiz apreciará o mérito da defesa do executado, rejeitando o pedido sem a prévia ouvida do embargado. Para considerá-los nitidamente protelatórios, o magistrado precisa exami-nar o seu conteúdo – a sua causa de pedir e o seu pedido –, concluindo não haver a mínima pos-sibilidade de o executado sagrar-se vitorioso. Trata-se de uma hipótese de improcedência prima facie específica da oposição à execução.

Cuida-se de decisão que se tornará imutável pela coisa julgada material.

Art. 919 - Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.§ 1º - O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.§ 2º - Cessando as circunstâncias que a motivaram, a decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

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§ 3º - Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, esta prosseguirá quanto à parte restante.§ 4º - A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante.§ 5º - A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de substituição, de reforço ou redução da penhora e de avaliação dos bens.

I. Efeito suspensivo dos embargos à execução

Os embargos à execução não serão recebidos com efeito suspensivo. Mesmo com a sua pro-positura e durante o seu processamento, a execução deve seguir o seu curso, com a prática dos atos de constrição, expropriação e satisfação. Essa é a regra geral. Trata-se de medida que visa a partilhar o ônus do tempo do processo entre as partes, observando a garantia da duração razoável do processo, prevista pelo art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/1988.

No entanto, é possível obter o sobrestamento do processo satisfativo, desde que preenchidos os requisitos previstos pelo § 1º do art. 919: (a) requerimento da parte; (b) observância dos re-quisitos para a concessão da tutela provisória; e (c) garantia do juízo.

O dispositivo deixa claro que o efeito suspensivo depende de requerimento da parte. O juiz não pode concedê-lo de ofício, até porque ele visa à proteção do interesse de uma das partes, e não da prestação jurisdicional. O sobrestamento é proveitoso ao embargante e desvantajoso ao exequente. Sustados os atos de invasão, ele terá que suportar o ônus do tempo do processo.

Quanto aos requisitos para a concessão da tutela provisória, eles podem variar conforme ela esteja fundada na urgência ou na evidência (art. 294).

A tutela de urgência será concedida quando restar evidenciada (i) a probabilidade do direito e (ii) o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300.

Já a tutela de evidência independe da demonstração de perigo e deverá ser concedida quando for verificada pelo menos uma das seguintes situações: (i) ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu; (ii) as alegações de fato puderem ser comprovadas exclusivamente por documento e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (iii) tratar-se de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; (iv) a petição inicial for instruída com prova docu-mental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável (art. 311).

Sob o aspecto aqui comentado, a contraposição do § 1º do art. 919 do CPC/2015 com o seu correspondente na legislação anterior demonstra que as hipóteses de suspensão do feito execu-tivo foram ampliadas. Antes se exigia fundamento relevante e risco de grave dano de difícil ou incerta reparação. Hoje, permite-se o sobrestamento mesmo sem o referido perigo, nas hipóteses da tutela provisória de evidência.

Também deve haver garantia do juízo. A necessidade de penhora, depósito ou caução para que seja suspensa a execução integra-se com perfeição ao sistema. Ela permite que, ao resguar-dar o interesse do executado com o sobrestamento do processo satisfativo, a esfera jurídica do

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exequente não fique desamparada. A exigência da garantia do juízo atende às duas partes: o exe-quente, pela penhora; o executado, pela suspensão.

Mas o legislador exige que a garantia do juízo seja suficiente. A interpretação literal leva à conclu-são de que a penhora, o depósito ou a caução devem corresponder ao valor em execução. Enquanto não for atingido tal limite, não seria possível conceder o efeito suspensivo. Ainda na vigência do CPC/1973, que trazia disposição semelhante, parte da doutrina entendia que a exigência de suficiên-cia da garantia do juízo merecia interpretação consentânea com as forças patrimoniais do executado. Em algumas situações, ele não dispõe de bens ou meios para garantir completamente a dívida, mas consegue demonstrar a evidência do seu direito ou a urgência da tutela requerida nos embargos.

Além disso, não se pode perder de vista que a garantia do juízo acontece apenas nas execuções que têm por objeto o pagamento de certa quantia contra devedor solvente ou a entrega de coisa diversa de dinheiro, não se aplicando naquelas que visam ao adimplemento de obrigação de fazer ou não fazer. Não havendo tal ato nessa espécie de execução, também não se pode exigir esse requisito para o seu sobrestamento.

Uma vez preenchidos os requisitos indicados no § 1º, o juiz deve deter a marcha da execução. Cuida-se de ato vinculado, não havendo margem para discricionariedade judicial.

O recurso cabível contra essa decisão é o agravo de instrumento, nos termos do parágrafo único do art. 1.015.

Por depender de apreciação judicial no caso concreto, o critério para a atribuição do efeito suspensivo é ope iudicis, e não ope legis.

Por fim, é importante destacar que a suspensão é do processo executivo, e não da eficácia dos atos invasivos já praticados. Eles conservarão sua eficácia, mesmo que seja sobrestado o feito satisfativo. Assim, o bem penhorado deverá permanecer constrito ao longo do processamento dos embargos.

II. Revogação ou modificação da decisão que atribui efeito suspensivoNão há preclusão consumativa para o juiz em relação à atribuição do efeito suspensivo aos

embargos. Ele poderá modificar ou revogar a decisão anterior, fazendo-o de maneira fundamen-tada. Também deve haver iniciativa do embargado, a quem cabe demonstrar que cessaram as circunstâncias que provocaram o sobrestamento da marcha da execução. O Código manteve a isonomia entre as partes, exigindo o requerimento tanto para a suspensão como para que o feito executivo volte a tramitar se tiver sido sobrestado.

O recurso cabível contra essa decisão é o agravo de instrumento, a teor do parágrafo único do art. 1.015.

III. Abrangência objetiva dos embargos e do seu efeito suspensivo

Mesmo sendo atribuído efeito suspensivo, ele só deve atingir a parte da execução em relação à qual forem preenchidos os requisitos previstos no § 1º. Assim, não recairá necessariamente sobre todo o objeto da atividade satisfativa, até porque o sobrestamento consiste numa exceção, e não na regra geral. O efeito suspensivo deve ser modulado, não sacrificando indevidamente o exequente.

IV. Amplitude subjetiva dos embargos e do seu efeito suspensivoMantendo a tradição da autonomia da defesa de cada executado, o § 4º afirma que a concessão

de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá, necessa-riamente, a execução em relação aos que não a embargaram, exceto se o fundamento for comum aos demais executados.

Art. 919

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Antonio Adonias Aguiar Bastos

O comando deve ser interpretado ampliativamente, alcançando outras duas situações.Em primeiro lugar, ele deve ser aplicado aos demais executados que também embargaram, e

não somente aos que deixaram de fazê-lo (que é a hipótese expressamente prevista pelo § 4º). É possível que todos os executados tenham embargado, mas que o fundamento que levou ao so-brestamento do feito satisfativo diga respeito apenas a um deles. A execução deverá prosseguir em relação aos demais, mesmo tendo eles a embargado. Se, de outro modo, o fundamento for comum a todos ou a alguns deles, a suspensão deverá lhes beneficiar.

Em segundo lugar, o dispositivo também tem incidência sobre o proveito da decisão dos em-bargos em relação aos demais executados. Caso o fundamento invocado pelo embargante abranja todos ou alguns dos outros executados, aproveitar-lhes-á a defesa proposta por apenas um deles. Tome-se o exemplo da prescrição do título executivo que estampe uma obrigação solidária. De-clarada a sua prescrição, ele perderá a sua eficácia em relação a todos os executados.

Mas é necessário dissociar a eficácia da decisão dos embargos da atribuição do efeito sus-pensivo. Elas devem ser analisadas isoladamente. Eventualmente, a defesa pode resguardar o interesse de mais de um executado, inclusive daquele que não se defendeu, o que não significa que deverá haver a suspensão em relação a todos eles.

V. Efeito suspensivo e atos de constrição e de avaliaçãoCom redação muito melhor do que a da legislação anterior, o § 5º esclarece que o efeito sus-

pensivo atribuído aos embargos impede que a execução avance para as etapas de expropriação e de satisfação, mas não obsta a prática de atos próprios da fase constritiva. Mesmo sobrestado o feito satisfativo, poderão ser praticados os atos que visam a manter a regularidade da penhora, podendo-se proceder à substituição do bem constrito (art. 848), o reforço ou a redução da cons-trição (art. 872), além da avaliação e da sua repetição (art. 873).

Art. 920 - Recebidos os embargos:I - o exequente será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias;II - a seguir, o juiz julgará imediatamente o pedido ou designará audiência;III - encerrada a instrução, o juiz proferirá sentença.

I. Procedimento dos embargos

Oferecidos os embargos, por meio da protocolização da sua petição inicial, que deverá estar instruída com cópias das peças processuais relevantes da execução, eles deverão ser distribuídos por dependência e autuados em apartado, na forma do § 1º do art. 914.

Não sendo hipótese de rejeição liminar, o juiz deverá receber os embargos, citando-se o exe-quente na pessoa do seu advogado (que já fora constituído para a propositura da execução), para manifestar-se em 15 dias.

A manifestação terá caráter de contestação, incidindo todo o regramento pertinente a tal espé-cie de resposta do réu.

O embargado não poderá reconvir, por já formulado o seu pedido no feito executivo. Apenas no caso de embargos de retenção por benfeitorias, no entanto, o art. 917, § 5º, admite que ele formule pedido de compensação do valor pedido pelo embargante em relação às benfeitorias

Art. 920

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Antonio Adonias Aguiar Bastos

necessárias ou úteis com o dos danos que o embargado entender que experimentou, fazendo-o na própria impugnação aos embargos. Cuida-se realmente de pedido formulado pelo exequente-embargado e não de mera resistência ao pedido formulado pelo executado nos embargos, já que o inciso II do parágrafo único do art. 810 o autoriza a cobrar o saldo apurado em seu favor nos mesmos autos. Fosse somente defesa, o legislador autorizaria apenas o abatimento do valor, mas não a sua cobrança.

Não contestados os embargos, ocorrerá a revelia do embargado. A incidência do seu efeito material (presunção iuris tantum da verdade dos fatos alegados pelo embargante – art. 344, o que pode desincumbi-lo do ônus da prova) é assunto controvertido. Há quem entenda incidir a presunção relativa da verdade dos fatos invocados pelo embargante, como acontece em qualquer processo de conhecimento. De outro lado, há quem afirme não incidir tal efeito, já que, contra o embargante, existe a certificação contida no título executivo. Também neste sentido: STJ, 4ª T., REsp nº 23177/PR, Rel. Min. Fontes de Alencar, j. em 23/3/1993, DJ de 3/5/1993, p. 7.800). Alinhamo-nos a este posicionamento, entendendo que, se existe alguma presunção na execução e nos embargos, ela diz respeito à existência da obrigação em virtude da eficácia executiva do título, e não às alegações do embargante. Desta forma, se o embargante alega ter adimplido a obrigação e o embargado não contesta os embargos, o juiz não poderá presumir que o pagamen-to tenha ocorrido. Ainda assim, caberá ao embargante provar que adimpliu, incumbindo-lhe o encargo probatório. O mesmo ocorrerá se o executado alega ter ocorrido transação ou novação. Tocar-lhe-á o onus probandi, mesmo que o exequente não se insurja contra a alegação lançada na peça vestibular dos embargos.

De outro lado, o embargado poderá alegar o impedimento ou a suspeição do juiz que processa a causa, observando o que determinam os arts. 146 e 148 do CPC/2015. Caber-lhe-á apresentar petição específica, dirigida ao magistrado. Se ele mesmo não se declarar impedido ou suspeito, desenvolver-se-á o respectivo incidente, que será julgado pelo tribunal.

Em seguida, o juiz verificará se é necessária a produção de prova. Caso não seja, julgará ime-diatamente o pedido. Se for necessária a dilação probatória, deverá determiná-la, inclusive com a designação de audiência de instrução.

Nos embargos, o ônus da prova distribui-se da mesma maneira que ocorre em relação a qual-quer processo de conhecimento.

A concessão do efeito suspensivo, bem como a modificação e/ou a revogação da respectiva decisão, poderá acontecer ao longo do processamento dos embargos na 1ª instância, tão logo tenham sido preenchidos os respectivos requisitos ou tenham cessado as circunstâncias que leva-ram ao sobrestamento da execução.

Finda a fase instrutória, o juiz deverá sentenciar os embargos. O recurso cabível contra essa decisão é a apelação (art. 1.009), que será recebida sem efeito suspensivo, se os embargos forem extintos sem resolução do mérito ou se forem julgados improcedentes (art. 1.012, § 1º, inciso III).

O acolhimento do pedido do embargante não desfaz a arrematação do bem, caso ela já tenha acontecido, exceto se a decisão for proferida antes mesmo de aperfeiçoado o ato expropriatório, o que ocorre com a assinatura do auto de arrematação (caput do art. 903). Todavia, é capaz de retirar os efeitos da adjudicação quando ela é realizada pelo exequente, por não haver interesse de terceiros de boa-fé.

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Sidnei Amendoeira Jr.

Art. 921 - Suspende-se a execução:I - nas hipóteses dos arts. 313 e 315, no que couber;II - no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução;III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;IV - se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em 15 (quinze) dias, não requerer a adjudicação nem indicar outros bens penhoráveis;V - quando concedido o parcelamento de que trata o art. 916.§ 1º - Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.§ 3º - Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.§ 4º - Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.§ 5º - O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo.

AutorSidnei Amendoeira Jr.

I. Suspensão da execuçãoA suspensão corresponde a fato objetivo que impede o prosseguimento do processo, seja ele

em qualquer de suas fases ou em processo autônomo de execução.

Nos termos do novo art. 921 (similar, em parte ao menos, ao art. 791 do CPC/1973), suspende-se o processo de execução em diversas oportunidades. Entendemos que estas hipóteses não são taxativas, mas meramente exemplificativas. Assim, por exemplo, também se suspende a execu-ção quando a partir da oposição de embargos o juiz determina a suspensão das medidas expro-priativas sobre o bem litigioso nos termos do art. 687, CPC/2015.

1. Hipóteses de suspensão1.1. Arts. 313 e 315 do CPC/2015A primeira delas se dá nas hipóteses previstas nos arts. 313 e 315 do CPC/2015 (o CPC/1973

referia-se apenas aos incisos I e II do art. 265). Assim, o rol do CPC/2015 é muito mais amplo e adequado que o anterior, seguindo tendência da jurisprudência, naquilo que for aplicável. Os arts. 313 e 315 preveem as seguintes hipóteses de suspensão do processo:

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Sidnei Amendoeira Jr. Art. 921

(i) Morte ou perda da capacidade processual das partes, de seus representantes legal ou procurador (art. 313, inciso I)

No caso de morte das partes terá início o processo de habilitação dos interessados (que seguirá os termos do art. 689, CPC/2015) a fim de que se dê a sucessão do falecido (§ 1º do art. 313). Não iniciado o processo de habilitação, o juiz suspenderá o feito e determinará a intimação: (i) do espólio do autor (no caso do exequente), de quem for seu sucessor ou seus herdeiros diretos (se já realizada da partilha) para que manifestem seu interesse na sucessão processual e promo-vam sua habilitação, no prazo que o juiz lhes consignar, sob pena de extinção do feito (art. 313, § 2º, alínea a); ou (ii) em caso de falecimento do réu (no caso do executado), será intimado o exequente para que este promova a citação do espólio do executado, de quem for seu sucessor ou seus herdeiros diretos (se já realizada da partilha), em prazo que vier a fixar, de no mínimo dois e no máximo seis meses (art. 313, § 2º, alínea b). Note-se que aqui o exequente será intimado para citar o sucessor do executado, já que foi este quem faleceu. No caso anterior, os sucessores do exequente falecido é que serão intimados para que iniciem processo de habilitação.

No caso de morte do procurador de qualquer uma das partes, o juiz determinará a intimação da parte cujo procurador faleceu para que esta constitua novo mandatário em 15 dias. Se o procurador que tiver falecido for o do autor (no caso do exequente) e novo procurador não for constituído, o processo será extinto após o prazo legal. Se, porém, quem tiver falecido for o procurador do exe-cutado, este restará revel (art. 313, § 3º). Na execução, como em princípio não haverá julgamento de mérito, a questão restringe-se ao fato de que os prazos fluirão da data da publicação contra o revel sem patrono nos autos e deve ser entendida como tal, lembrando, porém, que pode intervir a qualquer momento ou fase, recebendo os autos no estado em que estiverem (art. 346, caput e parágrafo único do CPC/2015).

(ii) Por convenção das partes (art. 313, inciso II).

Sempre se entendeu que essa convenção das partes encontraria uma exceção no que diz res-peito a prazos peremptórios que justamente por terem tal natureza não podem ser suspensos pela parte.

O prazo de suspensão do processo neste caso não poderá ser superior a seis meses (art. 313, § 4º, parte final).

No entanto, o art. 922, CPC/2015 (equivalente ao art. 792 do CPC/1973) prevê que o juiz declarará suspensa a execução durante o prazo que o exequente conceder ao executado para que este cumpra voluntariamente a execução, retomando-se o curso do processo de execução se, findo o prazo em questão, o crédito não tiver sido satisfeito. Com isso, entendemos, afasta-se a regra do art. 313, § 4º, CPC/2015, na execução.

(iii) Arguido impedimento ou suspensão do juiz (art. 313, inciso III)

A suspensão e o impedimento do juiz vêm previstos nos arts. 145 e 144 do CPC/2015, respec-tivamente.

Nos termos do art. 146, a parte terá prazo de 15 dias, a contar do conhecimento do fato, para alegar o impedimento ou a suspeição. Se reconhecer o impedimento ou a suspeição, o juiz or-denará imediatamente a remessa dos autos a seu substituto legal, caso contrário, determinará a autuação em apartado da petição, ordenando a remessa do incidente ao tribunal, já com suas razões. Cabe ao relator dizer os efeitos do incidente no processo de conhecimento. Na execução, porém, fica expresso que arguido o impedimento e suspeição do juiz, suspende-se a execução.

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Sidnei Amendoeira Jr. Art. 921

(iv) Admitido incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 313, inciso IV)

Neste caso, determina o art. 982, inciso I, CPC/2015, que sejam suspensos os processos indi-viduais e coletivos que tramitem.

Segundo pensamos, somente os processos de conhecimento devem ser suspensos; jamais os processos executivos, uma vez que aqui não se estará julgando mérito e a ideia do incidente é justamente uniformizar o julgado relativo a causas repetitivas. Na execução nada se está a julgar pelo mérito, mas a praticar atos executivos.

(v) Por motivo de força maior (art. 313, inciso VI), ou seja, diante de um fato ou ocorrência que seja imprevisível ou de difícil previsão e que gera efeitos e consequências inevitáveis (art. 393, CC).

(vi) Prejudicialidade externa (art. 313, incisos V e VII; art. 315)

Quatro são as hipóteses em que se faz necessário suspender o processo em função de prejudi-cialidade externa, ou seja, questão que deve ser julgada antes, previamente à questão principal que é objeto do processo e a condiciona, trata-se de uma precedência que é temporal, mas por uma questão de lógica. São elas:

a) Quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo em curso;

b) Quando a sentença de mérito depender da verificação de determinado fato ou produção de prova requisitada a outro juízo;

c) Se o conhecimento do mérito depender da verificação quanto à existência de fato delituoso para que se possa aguardar a manifestação da Justiça criminal (haverá três meses para propositu-ra da ação penal ou um ano para seu julgamento sob pena de que o juiz civil deva decidir);

d) Quando se tiver que discutir questão decorrente de acidentes e fatos da navegação que são da competência do Tribunal Marítimo.

Em princípio, como dito, no processo de execução não se discute o mérito, de modo que estas hipóteses, salvo uso excepcional de objeção ou exceção de pré-executividade, não se aplicariam ao processo de execução.

1.2. Recebimento dos embargos do devedor com efeito suspensivo

A segunda hipótese em que se dá a suspensão da execução se verifica quando forem recebidos os embargos do devedor, no todo ou em parte, com efeito suspensivo.

Opostos embargos, e em não sendo rejeitados liminarmente, ou seja, se forem recebidos em regra, sem efeito suspensivo (art. 919). No entanto, nos termos do art. 919, § 1º, poderá o juiz, a requerimento do executado/embargante suspender o andamento da ação executiva, desde que estejam presentes: (i) os mesmos requisitos legais para a concessão da tutela provisória (tanto de urgência quanto de evidência, tudo nos termos dos arts. 300 e 311, CPC/2015); e (ii) execução já garantida por penhora, caução ou depósito suficientes.

O alcance da suspensividade dos embargos, no entanto, irá variar conforme variará a matéria alegada pelo embargante ou o alcance que lhe der o juiz. Assim, se os embargos forem parciais, somente com relação à parte efetivamente impugnada da execução restará essa suspensa (art. 919, § 3º).

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Sidnei Amendoeira Jr. Art. 921

Ademais, se a matéria disser respeito aos demais executados, também com relação a eles es-tará suspensa a execução, do contrário (ou seja, se a matéria alegada não aproveitar aos demais) prosseguirá a execução contra os que não embargaram, restando suspensa a execução apenas com relação ao embargante (art. 919, § 4º).

Cessando os motivos que levaram à concessão do efeito suspensivo aos embargos, pode ser este revisto (revogado ou modificado), a requerimento da parte, em decisão motivada (art. 919, § 2º). Por fim, deve restar claro que a suspensão não obsta a penhora e a avaliação de bens, mas apenas os atos expropriativos (art. 919, § 5º).

Mas não somente os embargos à execução! Movendo o devedor ação autônoma de conheci-mento e ali obtendo por meio de antecipação de tutela (tutela provisória de urgência nos termos do CPC/2015) a suspensão da execução, isso também será de rigor. Confira-se neste sentido: “2. Destarte, constatando o Tribunal a quo a presença dos requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC, tendo em vista os indícios da prática de agiotagem e a ocorrência de simulação e fraude, cujas com-provações exigem investigação probatória ampla a justificar a suspensão da execução, e o evidente perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, diante da possibilidade de alienação de bens que já foram penhorados (e-fls. 924-925), mostra-se impossível a reforma da decisão sem detida análise dos fatos e provas dos autos, providência inviável, ante o enunciado da Súmula 7 do STJ, como dito. 3. Agravo regimental provido.” (4ª T., AgRg no REsp nº 1378890/MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16/6/2015, DJe de 13/8/2015).

1.3. Ausência de bens penhoráveis

A terceira hipótese pode ocorrer quando ausentes bens penhoráveis do executado.

Vale lembrar que devem ser penhorados tantos bens do executado quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, custas e honorários (art. 831). Não havendo bens suficientes, poderá ser suspensa a execução.

A suspensão dar-se-á até o pedido do exequente de retorno dos autos através da indicação de bens passíveis de penhora.

Aliás, o caso é de suspensão e não extinção justamente por isso, ou seja, a fim de permitir ao exequente buscar bens penhoráveis do executado. Neste sentido: “1. A decisão recorrida está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, se o devedor não possui bens penhoráveis, aplica-se o disposto no art. 791, III, do Código de Processo Civil, o qual determina a suspensão da execução, e não a sua extinção. Tal norma visa a resguardar o direito do credor, conferindo-lhe prazo razoável para obtenção de elementos suficientes ao segui-mento do processo, evitando-se, assim, que o devedor inadimplente se beneficie, locupletando-se em detrimento do credor. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (4ª T., AgRg no AREsp nº 481.724/DF, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 23/6/2015, DJe de 3/8/2015).

Muito se discutiu – sob a égide do CPC/1973 – a questão da prescrição intercorrente em fun-ção do pedido de suspensão por parte do exequente em função da ausência de bens do executado.

A prescrição intercorrente está prevista no parágrafo único do art. 202 do Código Civil, onde se lê que: “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”.

Para uns, porém, não haveria que se falar em prescrição intercorrente na ação executiva na hipótese de suspensão por ausência de bens – a suspensão seria, neste caso, sine die. Esta era,

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Sidnei Amendoeira Jr. Art. 921

inclusive, a posição do E. STJ (3ª T., AgRg no REsp nº 1463664/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 23/10/2014, DJe de 30/10/2014). Para outros, o prazo deveria ser de seis me-ses, por analogia ao art. 265, § 3º, do CPC, e, por fim, para outros, o prazo deveria ser de um ano por analogia aos arts. 265, § 4º, do CPC, art. 174 do CTN e art. 40, § 2º, da Lei nº 6.830/1980.

Uma primeira novidade então, do CPC/2015 quanto ao tema da suspensão da execução, diz respeito ao disposto nos §§ 1º ao 5º do art. 921 ora comentado e que tratam justamente da pres-crição intercorrente e que seguem a linha oriunda das execuções fiscais e da Súmula nº 314, STJ (“Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”).

Assim, constando-se a ausência de bens do executado, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de até um ano. Durante este período de um ano, suspende-se a prescrição (§ 1º) – antes, porém, diferentemente do que se exige agora, nossos Tribunais admitiam a prescrição intercor-rente até sem a prévia e expressa suspensão do feito e apenas diante da inércia do exequente (30ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0037645-14.2000.8.26.0114, Rel. Orlando Pistoresi, Campinas, j. em 16/4/2014).

Decorrido este prazo, não sendo localizado o executado ou bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos (§ 2º). Ademais, não havendo manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente (§ 4º) podendo o juiz extinguir o feito, até de ofício, desde que após ter ouvido as partes previamente pelo prazo de 15 dias (§ 5º). Como se percebe desnecessária a intimação prévia do exequente para dar andamento ao feito antes do início da contagem do prazo prescricional, basta seu silêncio após o prazo de um ano contado da suspen-são do feito.

A jurisprudência, sob a égide do CPC/1973, titubeava entre exigir (4ª T., AgRg no AREsp nº 131.359/GO, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 20/11/2014, DJe de 26/11/2014) ou não (TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0002292-87.2004.8.26.0625, Rel. Vanderci Álvares, Taubaté, j. em 15/5/2014) a intimação prévia do exequente.

Para muitos, não andou bem o CPC/2015 nesse tocante porque parece ser um fardo muito pesado para o exequente, após se frustrar com a ausência de bens do executado, ver seu direito de executá-lo extinto por prescrição intercorrente sem ter dado causa a isso e até diante da pos-sibilidade de se ver nesta situação por conta do emprego pelo executado de meios fraudulentos.

Uma última observação, a contagem deverá observar os termos da Súmula nº 150 do STF, que prevê que: “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”, ou seja, deve-se verificar o prazo prescricional para a demanda e, em seguida, aplicá-lo após o período de um ano de suspensão do feito na execução.

Outras duas novidades do CPC/2015 correspondem justamente às duas novas hipóteses que foram incluídas no tratamento da suspensão da execução, quais sejam:

1.4. Inocorrência de expropriação por falta de licitantes ou de interesse do exequente

Nos termos do novo inciso IV, se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em 15 (quinze) dias, não requerer a adjudicação e nem tampouco indicar outros bens penhoráveis, então, deve o juiz suspender a execução. Ora, em nosso sentir, também aqui seria o caso de aplicar-se a prescrição intercorrente nos termos dos citados §§ 1º a 5º do art. 921.

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Sidnei Amendoeira Jr. Art. 922

1.5. Concessão de parcelamento do art. 916

E, por fim, nos termos do novo inciso V, também deve ser suspensa a execução quando conce-dido o parcelamento de que trata o art. 916, ou seja, no prazo para embargar a execução, poderá o executado, após reconhecer o crédito do exequente, requerer o parcelamento, devendo pagar 30% no ato e o saldo em mais seis parcelas mensais, acrescidas de juros de 1% ao mês e correção monetária. A execução restará suspensa desde o depósito, durante a análise pelo magistrado e após deferida, até o pagamento integral ou eventual inadimplemento pelo executado.

1.6. Suspensão da execução e recuperação judicial

Apesar de não guardar relação direta com o CPC/2015, valem ser mencionadas duas ques-tões que afetam diretamente a execução por consequência da recuperação judicial da empresa devedora.

A primeira diz respeito à suspensão por 180 dias das execuções ajuizadas contra a recuperanda e seus sócios solidários (art. 6º, § 4º).

A segunda diz respeito à impossibilidade de suspensão e/ou extinção da execução direcionada aos coobrigados da recuperanda, geralmente seus sócios, na qualidade de fiadores e avalistas por novação, mesmo após a aprovação do plano de recuperação. O entendimento majoritário de nossos tribunais é que as garantias devem ser mantidas de forma autônoma, já a novação civil seria diversa da novação oriunda da Lei nº 11.101/2005. Enquanto a primeira extingue as garan-tias (art. 364, CC), a Lei de recuperação mantém as garantias (art. 59 da LF). Neste sentido: “3. Tratando-se de dívida da empresa em recuperação direcionada a coobrigado, não há suspensão da execução em decorrência da aprovação do plano de recuperação judicial. Precedentes.

4. Agravo regimental a que se nega provimento” (4ª T., AgRg no AREsp nº 190.790/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 6/8/2015, DJe de 13/8/2015).

Art. 922 - Convindo as partes, o juiz declarará suspensa a execução durante o prazo concedido pelo exequente para que o executado cumpra voluntariamente a obrigação.Parágrafo único - Findo o prazo sem cumprimento da obrigação, o processo retomará o seu curso.

I. Suspensão por moratória

A regra estabelece que, em sendo concedida moratória pelo exequente, ou seja, prazo para pagamento da dívida pelo executado, então, o processo executivo restará suspenso neste período.

Essa suspensão convencional, sem interesse de novar, não está limitada aos seis meses previstos no art. 313, § 4º, podendo ser pelo período justo e necessário ao cumprimento da obrigação nos termos avençados. Neste sentido, a jurisprudência do STJ (por todos vide o AgRg no EDcl no Ag nº 744.297/SP).

Decorrido, porém, o prazo concedido, se o pagamento não tiver sido integral, então, o processo de execução voltará a correr. Se, porém, tiver sido cumprido integralmente, o processo será extinto.

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Sidnei Amendoeira Jr. Arts. 923 e 924

Art. 923 - Suspensa a execução, não serão praticados atos processuais, podendo o juiz, entretanto, salvo no caso de arguição de impedimento ou de suspeição, ordenar providências urgentes.

I. Impossibilidade de se praticarem atos durante a suspensão

Encerra o CPC/2015 este tema estabelecendo que, enquanto perdurar a suspensão da execu-ção, nos termos do art. 923, CPC/2015 (equivalente ao art. 793 do CPC/1973), é defeso às partes a prática de qualquer ato processual.

No entanto, é de se admitir a prática de atos urgentes, de modo que o juiz poderá ordenar tu-telas urgentes (por exemplo: busca e apreensão de bens, arrematação de bens perecíveis, reforço de penhora, venda antecipada de bens, etc.).

A única hipótese em que nem mesmo as tutelas urgentes podem ser concedidas será no caso de ter sido arguido o impedimento ou a suspeição do juiz da execução.

Os atos praticados durante a suspensão são ineficazes produzindo efeitos apenas após a reto-mada do processo executivo.

Art. 924 - Extingue-se a execução quando:I - a petição inicial for indeferida;II - a obrigação for satisfeita;III - o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida;IV - o exequente renunciar ao crédito;V - ocorrer a prescrição intercorrente.

I. Extinção da execução

1. Hipóteses de extinção

O art. 924 (equivalente ao art. 794 do CPC/1973) determina que o processo de execução deve ser extinto quando:

(i) A petição inicial da execução for indeferida. Cumpre ao exequente observar o disposto nos arts. 798-800, CPC/2015, acerca da petição inicial da execução. Não estando esta em termos, deverá o juiz mandar emendá-la (art. 801) em 15 dias. Sendo o vício insanável ou não sendo emendada, aí sim será caso de extinção;

(ii) A obrigação for satisfeita, o que irá variar conforme o tipo de obrigação (se de pagar com a transferência do dinheiro ou com a adjudicação de bens; se de fazer ou não fazer pelo cumpri-mento da obrigação; e se de entrega de coisa pela efetiva transferência do bem);

(iii) O executado obtiver, por qualquer outro meio que não a satisfação, a extinção total da dívida (como, por exemplo, transação/autocomposição, novação, remissão, etc.);

(iv) O exequente renunciar ao seu crédito – de forma expressa, e não tácita; e

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Sidnei Amendoeira Jr.

(v) Ocorrer a prescrição intercorrente (nos termos do art. 921 anteriormente comentado).

O rol é exemplificativo apenas, de modo que se aplica aqui o disposto no art. 485 (que trata da extinção do processo sem resolução de mérito) por conta do permissivo do art. 771.

Art. 925 - A extinção só produz efeito quando declarada por sentença.

I. Extinção por sentença

A extinção em questão somente produzirá efeitos quando for declarada por sentença. Daí a pergunta, essa sentença é definitiva ou terminativa? Há ou não julgamento do mérito na execução?

Ora, em princípio e como dito, há cognição na execução, mas não para a análise do mérito, que é relegado para os embargos do devedor, de modo que todas as sentenças do processo de execução seriam meramente terminativas, ou seja, diferentemente do que ocorre com os processos de conhecimento, cuja finalidade é a certeza, nos processo de execução ela é o pressuposto – parte-se da certeza rumo à satisfação do credor.

No entanto, há quem defenda que, na verdade, a sentença no processo executivo fundada nos artigos em questão extingue não só a relação jurídica de direito processual, como ainda a de direito material, declarando a satisfação do crédito exequendo, havendo que se falar, portanto, em mérito (que é a satisfação do credor), manifestação sobre o direito material das partes e coisa julgada material.

Esta também a posição do STJ: “1. A extinção da execução por força do pagamento perfaz-se por sentença de mérito rescindível ou anulável conforme a hipótese, maxime porque o erro mencio-nado no art. 463 do CPC tem como destinatário o juiz e não a parte. 2. In casu, a própria Fazenda requereu por ‘suposto’ erro a extinção da execução pelo pagamento, contradizendo-se, a poste-riori, sob a alegação de equívoco de sua parte, pleiteando a aplicação do art. 463 do CPC” (1ª T., REsp nº 1073390/PB, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 2/3/2010, DJe de 16/3/2010).

Para outros, o mais adequado seria falar em extinção do processo de execução com ou sem a satisfação do credor. Mas isso não quer dizer que haveria manifestação sobre o direito material das partes. A sentença seria meramente declaratória no sentido que a execução forçada acabou porque o crédito, conforme o que consta no título, foi satisfeito. Assim, essas sentenças seriam meramente terminativas porque poriam fim apenas à relação jurídica processual, só haveria, é claro, coisa julgada formal.

Opinião intermediária é a daqueles que entendem que, se não houver embargos à execução, a sentença nada dirá a respeito da relação material entre as partes, mas somente em relação à pró-pria relação jurídica processual, ou seja, simplesmente se declara extinto o processo de execução. Já no caso de extinção do processo com fundamento nos incisos do art. 924 do CPC haveria sim julgamento de mérito e trânsito em julgado material, uma vez que se estaria tratando da própria relação jurídica de direito material. No entanto, lembram que o CPC deixou de fora da relação do art. 794 que é, portanto, exemplificativa, situações importantes como o julgamento total dos em-bargos, sendo que aí haveria, naturalmente, sentença de mérito, fazendo coisa julgada material e sujeitando-se à ação rescisória, tal como acontece no julgamento dos embargos à execução.

Art. 925

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Sidnei Amendoeira Jr.

Entendemos que, na execução, todas as sentenças são terminativas, com ou sem satisfação do credor, transitando em julgado apenas formalmente. Ainda, porém, que se entenda que a satisfa-ção do credor é o mérito da execução e que, portanto, existam sentenças definitivas, nem assim, há como se imaginar o trânsito em julgado material, já que não há nenhuma declaração formu-lada, além da de extinção do feito, que precise ter seus efeitos prolongados no tempo – aliás a letra da lei é clara ao afirmar que “extingue-se a execução”, e não a relação jurídica material a ela subjacente. Essa orientação permite, por exemplo, que o devedor possa ajuizar posteriormente ação de repetição do indébito visando recuperar aquilo que pagou indevidamente ou até propor nova execução para receber resíduos do crédito remanescentes.

Problema sério, no entanto, serão aquelas sentenças proferidas na própria execução ao tratar de objeções de pré-executividade e que fujam um pouco à noção inicial do instituto. Assim, por exemplo, se a sentença em questão reconhecer o pagamento, a decadência, a prescrição ou a novação, a transação, ou seja, a inexistência total ou parcial do crédito, estará havendo efetivo julgamento de mérito, estar-se-á decidindo a própria relação de crédito entre credor e devedor. Nesta hipótese, o magistrado está a proferir sentença de mérito que admitirá trânsito em julgado material e eventual coisa julgada.

Art. 925

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Luis Eduardo Simardi Fernandes

Art. 926 - Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.§ 1º - Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.§ 2º - Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

AutorLuis Eduardo Simardi Fernandes

I. Uniformização de jurisprudênciaPercebe-se nitidamente no CPC/2015 a preocupação do legislador em valorizar a jurisprudên-

cia dos tribunais, para que elas sirvam de paradigma para os juízes de grau inferior. Isso somente será possível se a jurisprudência dos tribunais for estável, íntegra e coerente.

Pode-se apontar nessa valorização uma aproximação do nosso sistema com a tradição do common law, em que os precedentes servem de fundamento para as decisões futuras, ao mostrar como as leis devem ser aplicadas na solução de casos concretos.

Mesmo para os que entendem exagerado enxergar nisso uma aproximação com a tradição referida, inegável a valorização da jurisprudência no CPC/2015. Pretende o novo diploma, portanto, que de-cisões tidas por paradigmáticas norteiem outros julgadores no momento de proferirem suas decisões.

Muito já se disse a respeito das dificuldades provocadas pela instabilidade jurisprudencial, que prejudica a previsibilidade das decisões e faz com que, muitas vezes, questões idênticas aca-bem sendo decididas de forma diferente, gerando a sensação de injustiça naquele jurisdicionado que não obteve o resultado favorável.

Trata-se de problema que ocorre inclusive no âmbito do STJ, não sendo incomum que turmas diferentes apliquem a Lei Federal de formas diferentes, ou que até mesmo uma turma acabe por contrariar suas próprias decisões, mesmo aquelas recentemente proferidas.

Tal situação se torna especialmente grave quando se lembra que a Constituição Federal, ao criar o STJ, para dividir competência com o STF, fixou dentre suas relevantes funções a de uni-formizar a interpretação das Leis Federais infraconstitucionais em todo o território nacional, demonstrando aos diversos tribunais brasileiros e juízes de primeiro grau como essas leis devem ser corretamente aplicadas.

Ora, se internamente muitas vezes existe controvérsia a respeito da correta aplicação dessas leis, como poderá o STJ firmar o entendimento correto que se deve dar a elas? Como poderão os demais tribunais acompanhar a jurisprudência do STJ se este ora decide em um sentido, ora decide em outro? Essa situação gerou crítica ofertada por um Ministro do próprio STJ, que em voto-vista bastante comentado, a seguir referido, comparou a jurisprudência do STJ com um “ba-nana boat”, boia inflável puxada por uma lancha que faz movimentos bruscos, tentando derrubar as pessoas nele sentadas. Disse então o Ministro que o STJ não podia dar guinadas bruscas na sua jurisprudência, sob pena de derrubar o jurisdicionado.

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Luis Eduardo Simardi Fernandes Art. 926

Todavia, não se pode dizer que se trate de situação que ocorra apenas no âmbito do STJ, mas ao contrário, também comum nos tribunais inferiores, desorientando muitas vezes os juízes que pretendem seguir sua jurisprudência. Estes últimos acabam tendo dificuldade em identificar qual é essa jurisprudência, por força das decisões conflitantes que os tribunais proferem.

Dessa forma, se a intenção do novo diploma é a de que os juízes apliquem a jurisprudência dos tribunais, como estabelece o CPC, art. 927, imprescindível que a conheçam. Para tanto, ne-cessário que seja, no mínimo, estável.

É certo, pois, que esse sistema em que as decisões anteriores têm a função de nortear as decisões futuras não se coaduna bem com a instabilidade jurisprudencial. O sucesso desse sistema depende da adaptação dos tribunais, que deve se dedicar com mais atenção à formação dos seus precedentes. Se a proposta é a de valorizar os precedentes, o primeiro a valorizá-los deve ser o próprio tribunal.

Tamanha importância o CPC dá aos precedentes que, caso não se observe em um julgamento o enunciado de súmula vinculante ou de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência, o desrespeito é fundamento para a apresentação de reclamação pela parte interessada, como prevê o CPC, art. 988, adiante analisado.

Respeitando-se a jurisprudência dos tribunais, valoriza-se a segurança jurídica, a previsibilidade das decisões, a celeridade do julgamento e o princípio da isonomia, para que os jurisdicionados em situações iguais recebam tratamentos iguais, chegando ao mesmo resultado. Até porque os juízes e os diversos Tribunais fazem parte de um mesmo Poder, justificando essa uniformização. Foram esses os fatores que moveram o legislador a seguir por esse caminho no CPC/2015.

A igualdade de tratamento, aqui manifestada no sentido de que os jurisdicionados em igual posição jurídica recebam o mesmo tratamento pelo Poder Judiciário, encontra suporte na CF, art. 5º, no seu caput e no inciso I.

A previsibilidade e a segurança jurídica, de seu turno, podem até mesmo contribuir para a re-dução das ações propostas, uma vez que antes do ajuizamento o interessado conseguirá avaliar, com mais precisão, a viabilidade da demanda e as chances de êxito. E pode até mesmo reduzir a quantidade de recursos interpostos, ante a facilidade de se perceber em certos casos que a medida está fadada ao fracasso. Hoje, a incerteza acaba sendo geradora de esperança e decepção, incen-tivadoras da litigiosidade e da recorribilidade.

Uma vez que os juízes inferiores tenham posicionamentos dos tribunais para seguirem, o tra-balho intelectual do julgador é especialmente voltado a avaliar a existência de identidade entre o caso em julgamento e o pretérito. Ou apontar diferenças entre eles, justificando a inobservância do procedente. Isso pode agilizar os julgamentos, em momento em que a preocupação é grande com os efeitos nocivos da demora no processo, a ponto de a garantia à razoável duração do pro-cesso ter sido inserida na CF, art. 5º, inciso LXXVIII, pela EC nº 45/2004.

Não se pode dizer, todavia, que a adoção da Teoria dos Precedentes retire do juiz sua atividade argumentativa ou interpretativa. Mas sofrerá uma mudança de foco, cabendo ao julgador em-pregar esforços na análise da aplicabilidade de determinado precedente ao caso sob julgamento.

II. Edição das súmulasAntes de mais nada, convém deixar claro que o enunciado de súmula nada mais é do que

aquilo que habitualmente denominamos apenas de “Súmula”. Pois bem, também determina o dispositivo ora analisado que os tribunais editem enunciado de súmulas correspondentes à sua jurisprudência dominante, por ser forma eficiente de firmar e dar conhecimento da sua posição aos demais juízes e operadores do direito, e por que não também dizer aos jurisdicionados. Deixa

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Luis Eduardo Simardi Fernandes Art. 927

o diploma, contudo, de fixar as regras para a edição desses enunciados, entendendo que tal pro-vidência deva caber aos regimentos dos tribunais.

Ainda, convém assinalar que essa padronização de decisões não pode se confundir com o engessamento da jurisprudência, impeditiva da sua evolução, tendo em vista a possibilidade de superação dos precedentes ou da distinção, expressamente previstas e adiante referidas.

III. Circunstâncias fáticas dos precedentesImportante recomendação consta do CPC, art. 927, § 2º, de que os tribunais, ao editarem os

enunciados de súmulas, devem se ater às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua edição.

Percebe-se aqui clara preocupação de evitar que um enunciado seja aplicado como fundamento de decisão que verse sobre matéria fática completamente diferente, como às vezes hoje ocorre. O enun-ciado que bem pode servir para determinada matéria fática pode ser inadequado para julgamento de matéria diferente, e sua aplicação nessa hipótese será inadequada e pode ser fonte de injustiças.

Daí a preocupação do dispositivo legal em impedir a edição das súmulas genéricas, aquelas que deixam de lado os aspectos fáticos enfrentados na decisão e podem se encaixar em diversos outros casos, ainda que sem coincidência com os fatos geradores do enunciado.

IV. Julgados“Nós somos os condutores, e eu – Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros

não respeitam – sinto-me triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele voo trágico em que o piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica: ele virava para a esquerda, dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles de repente descobriram que estavam perdidos: O avião com o Superior Tribunal de Justiça está extremamente perdido. Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter sido feita assim.

Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme boia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da boia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus.O jogo só termina quando todos os passageiros da boia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados” (STJ, AgRg no Recurso Especial, nº 382.736-SC, voto-vista do Min. Humberto Gomes de Barros).

Art. 927 - Os juízes e os tribunais observarão:I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;II - os enunciados de súmula vinculante;III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

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Luis Eduardo Simardi Fernandes Art. 927

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.§ 1º - Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.§ 2º - A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.§ 3º - Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.§ 4º - A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.§ 5º - Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

I. Identidade de casos e fundamentação da decisão

O CPC/2015, art. 927, determina aos juízes e tribunais que observem (assim redigido, de for-ma impositiva) as decisões e súmulas relacionadas nos cinco incisos do art. 927.

Esse caráter de imposição também é sentido quando o art. 988 do CPC prevê o uso da recla-mação pela parte interessada ou pelo Ministério Público, quando esses precedentes dos tribunais deixarem de ser observados.

De se notar que os referidos incisos relacionam como paradigmas diversas decisões dos tribu-nais superiores, mas também expressam a necessidade de o juiz observar a orientação do plenário ou do órgão especial do tribunal ao qual estiver vinculado.

Também estabelece o dispositivo legal, agora no § 1º, que os juízes e os tribunais, quando julgarem com base nos precedentes, deverão observar o quanto disposto no CPC, art. 10, e CPC, art. 489, § 1º. Portanto, ao se referir ao art. 10, nota-se que a primeira preocupação é com a vedação das “decisões-surpresas”, aquelas proferidas pelo juiz sem dar previamente às partes a oportunidade de se manifestarem sobre aquele tema, no sentido de tentar influenciar a formação do convencimento do juízo. Trata-se de evidente valorização do contraditório, a impedir que até mesmo as matérias apreciáveis de ofício sejam decididas sem dar às partes a possibilidade de sobre elas se manifestarem.

Dessa forma, garante-se às partes, em necessário respeito à garantia constitucional do contra-ditório, a oportunidade de demonstrarem as particularidades ou semelhanças dos casos, autoriza-doras da aplicação ou não do precedente invocado.

O CPC, art. 489, § 1º, por seu turno, estabelece regras para que as decisões judiciais sejam efetivamente fundamentadas, dando cumprimento à CF, art. 93, inciso IX. Com esse propósito,

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Luis Eduardo Simardi Fernandes Art. 927

deixa claro serem insuficientes para preenchimento da exigência da fundamentação a mera indi-cação, reprodução ou paráfrase de ato normativo, ou o emprego de conceitos jurídicos indeter-minados sem explicação quanto ao motivo de sua incidência no caso.

Mas o que aqui especialmente nos interessam são os incisos que afirmam que não será consi-derada fundamentada a decisão (V) que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula sem demonstrar a identidade de casos entre aquele que gerou o precedente e o que agora está sendo julgado, ou (VI) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento.

Isso significa, portanto, que tanto a aplicação do precedente, súmula ou jurisprudência, quanto a não aplicação deles para casos aparentemente semelhantes, deve sempre vir acompanhada da imprescindível fundamentação, não se contentando o novo diploma com uma decisão padrão e despida de maiores justificativas.

Deixando de aplicar o precedente, o juiz deve explicar por que o entende inadequado ao caso que está julgando, demonstrando a distinção dos casos (distinguishing), mostrando que a hipóte-se fática em julgamento difere daquela que gerou o precedente. Ou, diante de eventual superação do precedente, o julgador deve fundamentadamente demonstrar que o mesmo está superado e não deve ser aplicado. São as chamadas técnicas de superação do precedente (overruling) ou diferenciação fática (distinguishing), que permitem a evolução da jurisprudência, que não fica indefinidamente estática.

II. Alteração da tese jurídica

Os §§ 2º ao 5º preocupam-se em prever e regular a forma de superação da jurisprudência do-minante ou do precedente. É o que se costuma denominar de overruling.

A opção pela valorização da jurisprudência ou dos precedentes, caminho que adota o nos-so CPC, não produz o engessamento da jurisprudência, impeditivo da sua evolução. Quando existem mecanismos para superação ou modificação dos precedentes, tal efeito indesejável não ocorre. Daí a importância de a superação do precedente estar expressamente prevista no texto ora comentado.

Pois bem, se o precedente mostra-se incompatível com uma nova realidade, não pode ele subsistir e continuar a pautar as decisões. O mesmo ocorre quando o precedente for fruto de uma decisão equivocadamente proferida, sendo certo que a superação do precedente é necessária para correção do erro, evitando que se repita em outras demandas.

Justamente por reconhecer a relevância dos efeitos da alteração de uma tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos, o CPC/2015 prevê a possibili-dade de tal providência ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades, que tenham algo para contribuir com a discussão a respeito da tese em análise. Tem-se, nessas hipóteses, verdadeira possibilidade de atuação do amicus curiae, figura expressa-mente consagrada no CPC/2015 e tratada como modalidade de intervenção de terceiro.

Ocorrendo a alteração da jurisprudência dominante do STF e dos Tribunais Superiores, ou da-quela formada no julgamento de casos repetitivos, o Código autoriza a modulação dos efeitos dessa alteração, se isso for do interesse social ou tiver como propósito garantir a segurança jurídica.

Nesse sentido, dever-se-á apreciar a conveniência de a superação do precedente produzir efei-tos retroativos ou prospectivos, opção que deverá levar em conta os valores acima referidos, quais sejam interesse social e segurança jurídica.

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Luis Eduardo Simardi Fernandes

Ora, como já se afirmou, a valorização dos precedentes e da jurisprudência dominante tem, den-tre seus benefícios, a previsibilidade das decisões e a segurança jurídica, uma vez que o jurisdicio-nado terá condições de saber qual é o entendimento jurisprudencial a respeito de determinado tema.

Dessa forma, caso haja uma superação do precedente, e essa superação produza efeitos re-troativos, o jurisdicionado pode ser prejudicado por ter acreditado em um precedente que não mais prevalece. Para evitar tal indesejável situação, possível estabelecer-se que a superação do precedente não produza efeito retroativo, ou seja, somente alcance os atos praticados após essa mudança de entendimento.

III. Fundamentação da decisãoSeguindo sua proposta de valorizar o dever de fundamentação das decisões judiciais, do que

o CPC/2015, art. 489, § 1º, é incontestável exemplo, exige-se também que a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou tese aplicada em julgamento de casos re-petitivos seja feita de forma fundamentada.

Ora, se o CPC/2015, art. 489, § 1º, exige efetiva fundamentação nas decisões judiciais, e se a fundamentação é objeto inclusive de previsão constitucional (CF, art. 93, inciso IX), quanto às decisões aqui comentadas a solução não poderia ser outra.

Aliás, no caso dessas decisões modificativas, mais relevante ainda se torna a fundamentação, para que a comunidade jurídica e os jurisdicionados possam conhecer o que motivou a mudança de entendimento, e avaliar se os argumentos trazidos pelos interessados foram apreciados pelo órgão julgador ou se este agiu arbitrariamente.

Levando em conta que essa decisão terá ampla repercussão, podendo atingir uma vasta quanti-dade de demandas futuras, com mais razão deve se exigir a profunda e cuidadosa fundamentação da decisão. Através dela, o órgão julgador dá satisfação à comunidade jurídica quanto à mudança de entendimento.

IV. Publicidade dos precedentesDentre as vantagens decorrentes da adoção do sistema de precedentes, aponta-se com desta-

que a previsibilidade das decisões e a segurança jurídica. Isso porque fica mais fácil aos opera-dores do direito e aos jurisdicionados preverem como os seus casos serão decididos, podendo pautar sua conduta por essa previsão.

Todavia, esses efeitos somente serão alcançados se os precedentes receberem ampla divulga-ção. Afinal, de que adianta valorizar os precedentes se, por outro lado, deles não é dado conheci-mento à comunidade jurídica?

Por isso, para que os precedentes sejam de conhecimento geral, o CPC/2015, art. 927, § 5º, determina que os tribunais deem publicidade aos mesmos, organizando-os por questão jurídica decidida e promovendo sua divulgação via internet.

Art. 928 - Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:I - incidente de resolução de demandas repetitivas;II - recursos especial e extraordinário repetitivos.Parágrafo único - O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

Art. 928

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Luis Eduardo Simardi Fernandes Art. 928

I. Julgamento de casos repetitivos

Dentro dessa preocupação de racionalização de julgamentos e valorização das decisões para-digmáticas, que servirão de modelo para decisões futuras, entendeu por bem o legislador, no pre-sente dispositivo legal, definir o que se deve entender por “julgamento de casos repetitivos”. E com esse propósito, afirmou que devem ser assim entendidas as decisões proferidas no incidente de resolução de demandas repetitivas e aquelas proferidas nos julgamentos de recursos especial e extraordinário repetitivos.

Também esclareceu que não apenas as questões de direito material podem ser objeto de jul-gamento de casos repetitivos, mas também podem envolver o julgamento de questão de direito processual. Com isso, afasta-se qualquer dúvida a respeito da possibilidade de as discussões de cunho processual serem enquadradas na técnica de julgamento de casos repetitivos.

II. Incidente de resolução de demandas repetitivas

Dentre as novidades mais relevantes do novo diploma, encontra-se o denominado “incidente de resolução de demandas repetitivas”, regulado no art. 976 do CPC/2015 e que, portanto, será adiante comentado com mais profundidade.

Por ora, basta mencionar que se trata de instituto a ser observado quando ocorrer efetiva re-petição de processos que apresentem controvérsia sobre a mesma questão de direito e, simulta-neamente, risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. São estes dois últimos, portanto, os principais valores que se busca preservar, a segurança jurídica e a isonomia, que deve garantir às partes iguais o mesmo tratamento pelo Poder Judiciário.

Com esse propósito de dar tratamento isonômico aos jurisdicionados, a admissão do incidente deve provocar a suspensão de outros processos pendentes, como regulado no art. 982 adiante. E justamente em razão da repercussão da decisão proferida nesse incidente sobre outras demandas, admite-se a participação de amici curiae, uma vez que a tese jurídica produzida no julgamento do incidente será aplicada em todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito, que tramitem na área de jurisdição do tribunal que realizou o julgamento, e também em casos futuros que venham a tramitar no território de competência desse tribunal e versem sobre idêntica questão de direito.

III. Julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos

Havendo multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idên-tica questão de direito, receberão eles o tratamento especificado no art. 1.036 do CPC, em que se estabelece o julgamento de um recurso-piloto, sendo certo que a decisão proferida incidirá sobre os demais recursos sobre idêntica questão de direito. Uma vez escolhidos dois ou mais recursos representativos da controvérsia pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, serão eles remetidos ao STF ou ao STJ, conforme o caso, com a determinação de suspensão de todos os processos pendentes sobre idêntica questão de direito. Por conta da ampla repercussão que terá a decisão proferida, atingindo os demais recursos sobre idêntica controvérsia, admite-se a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. Tem-se aqui outra técnica de obtenção de decisão-paradigma, como será mais adiante abordado.

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Augusto Tavares Rosa Marcacini

Art. 929 - Os autos serão registrados no protocolo do tribunal no dia de sua entrada, cabendo à secretaria ordená-los, com imediata distribuição.Parágrafo único - A critério do tribunal, os serviços de protocolo poderão ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau.

AutorAugusto Tavares Rosa Marcacini

I. Destinatário da norma

Trata-se de norma voltada para orientar os serviços de secretaria do Tribunal, a determinar a rea-lização dos competentes registros e conferências formais, além de documentar o momento de entra-da do processo. Com o avanço da informatização judicial, tais registros de movimentação de autos haverão de ser produzidos automaticamente. A nova norma contém poucas novidades em relação ao texto do CPC/1973, pois apenas ordena que os feitos entrados nos tribunais sejam distribuídos imediatamente, prática que já vinha sendo observada por força da EC nº 45, que inseriu orientação nesse sentido no inciso XV do art. 93 da CF. Assim, desde quando entrado no tribunal, todo pro-cesso deverá ter um relator designado por sorteio, ou por prevenção anterior, quando for o caso.

II. Protocolo integrado

A integração do protocolo de primeiro e segundo graus é um aspecto importante para o aces-so à justiça, especialmente do jurisdicionado que se encontra distante das sedes dos tribunais. Havendo tal integração, o ato pode ser tempestivamente praticado pela parte com a apresentação da petição no protocolo de primeiro grau mais próximo. Teria sido mais adequado, do ponto de vista do acesso à justiça, que a regra do parágrafo único deixasse de ser apenas uma faculdade conferida aos tribunais, mesmo porque, caso não existisse tal regra legal, essa providência de criar protocolos integrados em primeiro grau por meio de determinação administrativa já não lhes seria proibida, não dependendo, portanto, dessa autorização contida no parágrafo único. De todo modo, com o avanço da informatização e a possibilidade cada vez mais ampla de peticiona-mento remoto pela internet, a norma desse parágrafo há de se tornar cada vez menos relevante.

Art. 930 - Far-se-á a distribuição de acordo com o regimento interno do tribunal, observando-se a alternatividade, o sorteio eletrônico e a publicidade.Parágrafo único - O primeiro recurso protocolado no tribunal tornará prevento o relator para eventual recurso subsequente interposto no mesmo processo ou em processo conexo.

I. Aleatoriedade do sorteio e o juiz natural

Poucas modificações são observadas também nesse dispositivo. A distribuição, seja em pri-meiro grau, seja perante os tribunais, deve ser resultado de sorteio aleatório, a fim de se evitar

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Augusto Tavares Rosa Marcacini Art. 930

que qualquer dos sujeitos processuais – partes, advogados, juízes e funcionários – possa deter-minar a escolha do julgador. O juiz natural de uma causa é aquele a quem ela foi atribuída, como resultado da aplicação das normas gerais e abstratas que definem a competência dos órgãos ju-diciais. Esgotada a aplicação dessas regras, havendo mais de um órgão igualmente competente, a escolha final deve ser feita mediante sorteio aleatório. Mas do mesmo modo como ocorre em primeiro grau, não se faz distribuição por sorteio nos casos de prevenção do relator (v. art. 930, parágrafo único).

II. Publicidade da distribuição

Assim como todos os demais atos do processo, a distribuição deve ser pública. O princípio da publicidade, que rege não apenas o processo judicial, pois é uma característica inerente ao exer-cício do poder por parte do Estado, tem por finalidade permitir um controle social sobre quem exerce tal poder, como garantia de maior lisura no agir. A transparência é uma importante arma contra o abuso de poder, a corrupção e outros desvios incompatíveis com o correto exercício das funções públicas. No que toca à distribuição, é desejável que também seja feita sob a vigilância da sociedade, tanto que assim o determinou o CPC/1973, no art. 548, e a regra é mantida no CPC/2015. Ao tempo em que tal sorteio era feito manualmente, usando-se bolas retiradas alea-toriamente de um engradado em forma de globo, era facultada a presença do público, embora a frequência de espectadores a tais sessões não era evento dos mais disputados. Anote-se que o art. 289, que deve ser aplicado a todas as distribuições, dispõe que “a distribuição poderá ser fisca-lizada pela parte, por seu procurador, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública”, regra semelhante à encontrada no art. 256 do CPC/1973.

III. Sorteio eletrônico, publicidade e aleatoriedade

O CPC/2015 prevê que o sorteio possa ser feito por meio eletrônico, tanto em primeiro grau (art. 285) como nos tribunais, como previsto neste artigo. Já tem sido assim há algum tempo, des-de que as Cortes providenciaram o desenvolvimento de sistemas informáticos que executam tais funções, dispensando-se o sorteio manual. O novo texto legal, portanto, apenas reconhece uma prática que já vem sendo efetuada há algumas poucas décadas. Não se pode deixar de considerar, entretanto, que o sorteio eletrônico, ao menos do modo como vem sendo feito, retirou qualquer possibilidade de publicidade ou escrutínio público de seus resultados. Não há como o público ob-servar o que sucede nas entranhas de um sistema informático, nem como ou com quais critérios o sorteio está sendo processado pela máquina. Como o CPC/2015, felizmente, ao introduzir no ordenamento escrito essa novidade tecnológica aplicada à distribuição, manteve a exigência de publicidade – que, aliás, é garantia constitucional aplicável a todos os atos do processo –, pode-se argumentar que houve intenção do legislador de fazer valer ambos os preceitos. Será neces-sário, então, dar maior clareza sobre os métodos utilizados pelos programas de computador que produzem o sorteio. O problema é que computadores não geram números verdadeiramente alea-tórios. As funções randômicas proporcionadas por sistemas informáticos geram apenas números pseudoaleatórios, isto é, números calculados a partir de funções matemáticas específicas e de um número original – tecnicamente conhecido por seed, ou semente – a partir do qual o computador produz uma sequência previamente imprevisível de números pseudoaleatórios. Mas, se a mesma semente é utilizada, a sequência gerada será sempre idêntica, pois é resultado de operações mate-máticas exatas e determinadas. Destarte, é necessário que seja desenvolvida alguma forma de dar transparência a esses sorteios eletrônicos, que também demonstre a aleatoriedade na escolha das sementes, de modo que o público em geral possa conferir a lisura das distribuições. A princípio,

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essa é uma tarefa que parece possível, se alguns métodos e formalidades fossem seguidos e di-vulgado o algorítimo usado na operação, juntamente com as sementes que iniciaram os cômputos de cada sorteio.

IV. Alternatividade da distribuição

A distribuição também deve seguir o critério de alternatividade, isto é, balancear adequada-mente o volume de feitos atribuídos a cada magistrado, dentre aqueles de mesma competência.

V. Prevenção do relator

A regra contida no parágrafo não tem correspondência no CPC/1973. As disposições sobre prevenção, nos tribunais, são normalmente objeto de previsão nos regimentos internos. A nor-matização legislativa é importante, a fim de estabelecer certo padrão de uniformidade, mas esta regra não é suficiente para resolver todas as dificuldades que podem ocorrer nos tribunais acerca da definição da competência por prevenção. Há casos em que o relator, removendo-se do órgão fracionário, passa a integrar outro que não é competente para a matéria; ou quando são criadas, posteriormente, turmas especializadas, isso costuma gerar discussões sobre a prevalência ou não da prevenção. Para solução desses casos, deve-se aplicar o disposto no regimento dos tribunais, ou, por analogia, as demais disposições e princípios que regem a competência. No texto em aná-lise, escolheu-se como momento definidor da prevenção o do protocolo da causa no tribunal (v. art. 929). Aquele a quem for distribuída a primeira causa entrada no tribunal, considerando-se a data de seu protocolo, ficará prevento para os demais recursos interpostos no mesmo processo ou para as ações conexas (v. art. 55) e seus recursos.

Art. 931 - Distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta) dias, depois de elaborar o voto, restituí-los-á, com relatório, à secretaria.

I. Prazo para o relator

Além da distribuição imediata prevista no art. 547, este artigo determina prazo de 30 dias para que o relator restitua os autos à secretaria, após elaborar o seu voto. Tratando-se, porém, de prazo impróprio, como impróprios são todos os prazos atribuídos ao órgão judicial, não há qualquer consequência processual para o seu descumprimento. O não cumprimento de prazo impróprio apenas acarreta para o infrator a sujeição a sanções disciplinares, exceto se o atraso for justificá-vel. Em verdade, não será a lei que terá o condão de resolver o problema de excesso de serviço que acomete, em geral, os órgãos judiciais do país, em todos os graus de jurisdição. O texto ainda se apega ao uso de autos em papel. Autos eletrônicos ficam simplesmente disponíveis para acesso, o que ocorre ao mesmo tempo para todos, de qualquer lugar; não são, pois “restituídos”, como também não “vão” à conclusão.

II. Voto

A nova norma determina que o relator já tenha preparado o voto, dentro do prazo de 30 dias que lhe é concedido, e não apenas aposto seu “visto”, com exposição dos pontos controvertidos sobre que versar o recurso, como dispunham o art. 549 e seu parágrafo único, do CPC/1973.

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III. Fim da revisão

O art. 551 do CPC/1973 estabelecia que, em apelação, embargos infringentes ou ação resci-sória, após passados pelo relator, os autos seriam conclusos ao revisor, que também teria vista direta dos autos e neles lançaria seu “visto”, após o quê seguir-se-ia a designação de data para julgamento. O CPC/2015 não repete a regra e aboliu a função de revisor, o que, em nome de uma celeridade tentada a qualquer custo, contribui para esvaziar cada vez mais a importância e o sig-nificado do julgamento colegiado que se pratica perante os tribunais. Em todas as causas, então, os demais julgadores se basearão, a priori, somente na exposição da causa feita pelo relator, pois nenhum deles teve acesso direto aos autos. Poderão ter vista se a solicitarem, caso não se sintam habilitados, na sessão, a proferir voto. Tal regra sobrevaloriza a atuação dos defensores em se-gundo grau, tornando cada vez mais necessária, para bom patrocínio da causa, a apresentação de memoriais aos demais membros do órgão colegiado, ou a sustentação oral em sessão.

Art. 932 - Incumbe ao relator:I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes;II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;IV - negar provimento a recurso que for contrário a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;VII - determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.

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Augusto Tavares Rosa Marcacini Art. 932

Parágrafo único - Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

I. Competência funcional do relator

O art. 932 do CPC/2015 define a competência funcional do relator, relacionando atos que possam ser por ele praticados isoladamente, sem a necessidade de submeter a questão ao órgão colegiado. O CPC/2015 rege o tema de modo mais abrangente do que no sistema processual anterior, dispondo sobre detalhes antes previstos apenas nos regimentos internos dos tribunais. Segundo o inciso I, compete ao relator exercer os poderes ordinatórios de condução dos feitos que tramitam nos tribunais, cabendo-lhe, por ato monocrático, também homologar as soluções autocompositivas. O inciso II estabelece que ao relator é atribuída a competência para decidir pedidos de tutela provisória não apenas de recursos, como já se observava, mas também para as ações de competência originária dos tribunais. Essa norma se sobrepõe a regras regimentais que atribuam como competência da presidência ou vice-presidência dos tribunais a tarefa de examinar pedidos de liminares, como, por exemplo, em mandados de segurança de competência originária dos tribunais. Entretanto, o pedido de suspensão de liminar em mandado de segurança, como regra especial que é, expressamente prevista no art. 15 da Lei nº 12.016/2009, continua a ser ato de competência da presidência dos tribunais. É também atribuição do relator apreciar a admissibilidade dos recursos, segundo dispõe o inciso III. O CPC/2015 eliminou o juízo prévio de admissibilidade pelo órgão a quo, tanto em apelações (v. art. 1.010, § 3º) como nos recursos ordinário (v. art. 1.028, § 3º), especial e extraordinário (v. art. 1.030, parágrafo único), de modo que a admissão de recursos passa a ser realizada unicamente pelo tribunal ad quem. A compe-tência do relator para o exame da admissibilidade, todavia, não pode suprimir a competência do órgão colegiado, que, se divergir do relator, poderá decidir pelo não conhecimento do recurso por ocasião do julgamento. E das decisões monocráticas do relator que indeferem o recurso, cabe agravo interno (art. 1.021). Segundo os incisos IV e V, também cabe ao relator proferir julga-mento de mérito, tanto para dar como para negar provimento aos recursos. A expressa referência a “recursos”, nos dois incisos, exclui sua aplicação às causas de competência originária dos tri-bunais, cujo julgamento de mérito somente poderá ser proferido pelo órgão colegiado. O novo incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando apresentado perante os tribunais, será apreciado monocraticamente pelo relator, de acordo com o disposto no inciso VI. Cabe-lhe, ainda, determinar a intimação do Ministério Público, nas causas de sua intervenção obrigatória como fiscal da ordem jurídica (art. 178), ou praticar outros atos definidos no regimento dos tribu-nais, segundo dispõem os derradeiros incisos VII e VIII, respectivamente. Conforme teor desse último inciso, nota-se que o rol de atribuições do relator não é exaustivo, cabendo ao regimento interno conferir-lhe competência para a prática de outros atos não previstos neste dispositivo.

II. Juízo de admissibilidade e possibilidade de correção de requisitos formais

Prestigiando a função jurisdicional estatal e a solução do mérito das questões postas em juízo, que é sua finalidade primordial, o parágrafo único deste artigo estabelece que, antes de inadmi-tir o recurso, o recorrente deve ser ouvido no prazo de cinco dias, dando-lhe a oportunidade de corrigir eventual vício formal, inclusive no tocante às peças que instruem agravo de instrumento. A regra deve pôr fim às armadilhas criadas pela chamada “jurisprudência defensiva”, que, com

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Augusto Tavares Rosa Marcacini

crescente imaginação, vem criando ao longo dos anos os mais inusitados requisitos de admis-sibilidade para obstar o conhecimento de recursos, desde a exigência de peças em agravo que não eram expressamente previstas em lei, ou a alegação de ilegibilidade de timbres e carimbos apostos com tinta clara pelos próprios órgãos judiciais de grau inferior, ou outras surpresas seme-lhantes, cada vez mais inesperadas, que transformaram o juízo de admissibilidade nos tribunais em uma espécie de gincana, ou corrida de obstáculos, que pouca semelhança guardava com a função judicial de dizer o Direito.

Art. 933 - Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.§ 1º - Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente.§ 2º - Se a constatação se der em vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as providências previstas no caput e, em seguida, solicitará a inclusão do feito em pauta para prosseguimento do julgamento, com submissão integral da nova questão aos julgadores.

I. Contraditório sobre questões apreciáveis de ofício

O CPC/2015 tem como característica marcante a valorização do princípio do contraditório, vedando que haja decisão sobre questão que não tenha sido suficientemente debatida, ou sobre a qual não tenha sido ao menos dada a oportunidade para que fosse objeto de manifestação das partes. Neste dispositivo, que não tem correspondência no CPC/1973, essa oportunidade de es-tabelecer o contraditório adequado é assegurada em grau de recurso. Não apenas as questões que tenham sido observadas pelo relator, mas também as que só surgirem durante a sessão perante o órgão colegiado deverão se submeter ao procedimento previsto neste artigo.

II. Questões sujeitas a este procedimento

A aplicação deste dispositivo é ampla, não se distinguindo entre questões de mérito ou ques-tões processuais, de modo que ambos os casos são atingidos pela norma. Assim, questões re-lativas à incompetência absoluta, à admissibilidade para a ação, ou versando sobre prescrição ou decadência, entre outras, se já não foram objeto de debate no processo, somente poderão ser apreciadas e decididas nos tribunais após a oitiva das partes. Em caso de não observância do procedimento aqui previsto, o acórdão será marcado por nulidade. Não há previsão expressa quanto a eventual recurso cabível em tal situação, mas, tratando-se de uma forma de omissão, recomenda-se a interposição de embargos de declaração, em que a parte já aproveitaria para se manifestar sobre o ponto novo. De decisões do relator que não observem o disposto neste artigo, caberá agravo interno; do acórdão de segundo grau que cometeu o mesmo descuido, admite-se interposição de recurso especial por violação de lei federal.

Art. 933

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Augusto Tavares Rosa Marcacini Arts. 934 e 935

Art. 934 - Em seguida, os autos serão apresentados ao presidente, que designará dia para julgamento, ordenando, em todas as hipóteses previstas neste Livro, a publicação da pauta no órgão oficial.

I. Inclusão do processo na pauta de julgamento

Norma que meramente aponta um trâmite formal para a colocação do processo em julgamen-to, encontrava-se prevista no art. 552 do CPC/1973. Compete ao presidente do órgão fracionário mandar organizar a pauta de toda a sessão, nela incluindo os feitos já passados pelos demais juízes e prontos para julgamento. A publicação da pauta deverá obedecer à forma e aos prazos previstos no art. 935.

II. Consequências da não publicação

As partes devem ter ciência de todos os atos do processo, razão pela qual, em caso de não publicação tempestiva da pauta, ou de não inclusão do feito nessa publicação, ou ainda caso a publicação contenha vícios, o julgamento não poderá ser realizado na sessão designada, cabendo ao presidente, ao relator ou aos demais juízes do colegiado apontar de ofício o vício eventual-mente constatado. Se, no entanto, o julgamento foi realizado, apesar dos defeitos anteriormente apontados, o acórdão deve ser considerado nulo.

Art. 935 - Entre a data de publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos, o prazo de 5 (cinco) dias, incluindo-se em nova pauta os processos que não tenham sido julgados, salvo aqueles cujo julgamento tiver sido expressamente adiado para a primeira sessão seguinte.§ 1º - Às partes será permitida vista dos autos em cartório após a publicação da pauta de julgamento.§ 2º - Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento.

I. Antecedência para inclusão na pauta

A publicação da pauta de julgamento deve ser feita com certa antecedência, pois as partes têm o direito de fazer sustentação oral, e isso exige que o advogado tenha tempo hábil para preparar-se ou para organizar sua agenda. Ou, de modo geral, ainda que não deseje apresentar sustentação oral, as partes têm o direito de presenciar a sessão de julgamento, o que pode se mostrar ainda mais importante diante das novas disposições contidas no art. 942, a seguir comentado.

O CPC/1973 previa prazo bastante exíguo, de apenas 48 horas antes do julgamento, para que a pauta fosse publicada, conforme § 2º do seu art. 552, mas autorizava o pedido de adiamento por uma sessão, pelo advogado que desejasse fazer sustentação oral, segundo a regra do art. 565. Pelo novo regime, essa prerrogativa de postular tal adiamento foi extinta, sendo, porém, compensada praticamente com a dilatação do prazo para cinco dias anteriores à sessão, que, contados em dias úteis, corresponderá praticamente ao intervalo entre sessões, normalmente realizadas em dia fixo

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da semana; ou mais, havendo feriados nesse interregno. De todo modo, com a informatização e a consequente maior eficiência das cortes na gestão de seus trâmites internos, tem sido observado que tais intimações já vêm sendo feitas com intervalo bem maior do que o disposto neste novo artigo. A consequência de não publicação da pauta com pelo menos cinco dias de antecedência autorizará a qualquer das partes exigir o seu adiamento.

II. Disponibilidade do processo para vista

O § 1º inova ao assegurar que os autos estejam disponíveis em cartório, para consulta pelas partes, durante o intervalo entre a publicação da pauta e o julgamento. A consequência do des-cumprimento, do mesmo modo, há de ser a redesignação da sessão a pedido das partes. Com o avanço da informatização processual, porém, tal regra deixará de ter utilidade, eis que autos digitais estão sempre e permanentemente disponíveis para consulta por comunicação remota.

Art. 936 - Ressalvadas as preferências legais e regimentais, os recursos, a remessa necessária e os processos de competência originária serão julgados na seguinte ordem:I - aqueles nos quais houver sustentação oral, observada a ordem dos requerimentos;II - os requerimentos de preferência apresentados até o início da sessão de julgamento;III - aqueles cujo julgamento tenha iniciado em sessão anterior; eIV - os demais casos.

I. Ordem de julgamentos durante a sessão

O CPC/1973 não previa uma enumeração consolidada, como esta, para estabelecer a ordem em que os feitos serão apreciados em cada sessão de julgamento perante os tribunais. As prefe-rências, ali, embora semelhantes às previstas no novel art. 936, estavam espalhadas pelas dis-posições dos arts. 559, parágrafo único, 562 e 565, que, respectivamente, determinavam que o agravo deve ter precedência ao apelo interposto na mesma causa, que o recurso iniciado noutra sessão terá preferência em relação aos demais feitos, ou que, havendo solicitação para susten-tação oral, o feito seria julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. A nova norma consolida essas situações, ordenando-as: primeiramente, serão julgadas as causas em que foi requerida a sustentação oral e, havendo mais de um pedido, será respeitada a ordem em que foram apresentados, passando-se, a seguir, aos pedidos de preferência – normalmente solicitados por patronos ou partes presentes à sessão, que desejem assistir ao julgamento –, mesmo sem o requerimento de sustentação oral. Depois desses, apenas, é que serão julgados os casos iniciados em sessão anterior. Por último, os demais casos são decididos, observando-se a ordem cronoló-gica do art. 12.

II. Outras preferências legais

À semelhança do previsto no art. 565 do CPC/1973, a ordem prevista neste artigo, as susten-tações orais e os pedidos de preferência são antecedidos de preferências legais e regimentais, como, por exemplo, os casos de urgência, entre outras.

Art. 936

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Art. 937 - Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021:I - no recurso de apelação;II - no recurso ordinário;III - no recurso especial;IV - no recurso extraordinário;V - nos embargos de divergência;VI - na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;VII - VETADO;VIII - no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;IX - em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.§ 1º - A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o disposto no art. 984, no que couber.§ 2º - O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais.§ 3º - Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga.§ 4º - É permitido ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão.

I. Feitos que admitem sustentação oral

Nos incisos do art. 973, optou o legislador por enumerar as causas que admitem sustentação oral. No CPC/1973, o art. 554 definia o cabimento da sustentação oral por exclusão, quando o re-curso não fosse de agravo nem de embargos de declaração. Como se observa da nova disposição, continua vedada a sustentação em embargos de declaração, mas passou-se a admiti-la em alguns agravos, quando interpostos contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência (arts. 300 a 310) ou da evidência (art. 311). Lembrou o legislador de também incluir no rol as causas de competência originária dos tribunais, a ação rescisória, o mandado de segu-rança e a reclamação. No § 3º ainda temos mais uma situação de cabimento da sustentação oral, que bem poderia ter sido relacionada entre os incisos do caput: o agravo interno contra decisão do relator que extinga as ações de competência originária previstas no inciso VI. O rol não é

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exaustivo, admitindo-se que o regimento dos tribunais autorize a sustentação oral também em outras causas, não expressamente relacionadas neste artigo. Uma notável omissão é a do agravo contra sentença parcial de mérito (art. 356, § 5º); não parece haver motivo razoável para não admitir sustentação oral nesse caso, apenas porque o julgamento de mérito recaiu sobre somente um ou alguns dos pedidos formulados. Tendo havido julgamento de mérito, o direito da parte em sustentar seu recurso, ou sua resposta a ele, deve ser o mais amplo possível. Ou, ainda, se se ad-mite a sustentação em agravos contra decisões provisórias, como previsto no inciso VIII, parece inconcebível que não se admita tal atuação da parte quando a decisão atacada no agravo pode se tornar definitiva e coberta pela coisa julgada material.

II. Sustentação oral em incidente de demandas repetitivas

A sustentação oral no incidente de demandas repetitivas é objeto de regras próprias, fixadas no art. 984, inciso II, ao qual remete o § 1º aqui comentado. Autor e réu do processo originário e o Ministério Público terão prazo de 30 minutos para cada um. É facultada, também, pelo prazo total de 30 minutos, a fala dos demais interessados, que, neste caso, deverão inscrever-se com dois dias de antecedência.

III. Pedido de sustentação oral

O § 2º deste artigo contém disposição correlata à do art. 565 do CPC/1973. O pedido de sus-tentação oral pode ser apresentado até o início da sessão, em cuja pauta o feito foi relacionado. No entanto, diversamente do texto anterior, que autorizava o patrono a pedir o adiamento por uma sessão, o CPC/2015 não prevê tal possibilidade, de modo que o pedido é feito para que a sustentação se dê na própria sessão.

IV. Uso de videoconferência

O uso das tecnologias de transmissão de som e imagem já foram objeto de muitas críticas nos meios jurídicos, e de decisões contrárias das cortes superiores, pois alguns tribunais começaram a utilizá-las em momentos no mínimo controvertidos: em processos criminais para o interroga-tório de réus presos. Muito se questionou, desde então, acerca do porquê de não se empregar a tecnologia para incrementar o acesso à justiça e não para dificultá-lo, como se considerou ocor-rer, naqueles casos, com o direito de defesa do acusado penal. O CPC/2015, então, teve a feliz iniciativa de assegurar o direito à realização de sustentação oral perante os tribunais por meio dessas novas tecnologias de transmissão de som e imagem a distância. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, disposições legais como essa do § 4º, tendentes a aumentar o acesso à justiça, deveriam ter sido prioritárias nos projetos de informatização do Poder Judiciário, pois implantam concretamente o tratamento isonômico a todos os jurisdicionados e seus patronos, dando-lhes iguais meios de atuação, não importando em que lugar do país estejam domiciliados. Note-se, pelo texto, que não se dá opção aos tribunais de oferecer ou não esse canal de acesso: é norma imperativa! Destarte, cabe aos tribunais, durante o período de um ano da vacatio legis do CPC/2015, providenciar a instalação da infraestrutura necessária para que as sessões de jul-gamento realizadas sob sua vigência já permitam essa nova forma de comunicação. O direito ao uso de videoconferência é conferido apenas aos advogados cujo domicílio profissional seja situado em comarca distinta da sede do tribunal. A prerrogativa não se estendeu a advogados da mesma localidade em que se situa o tribunal, e que porventura desejassem realizar a sustentação a partir de seu próprio escritório. O único requisito legal exigido pelo texto é a apresentação do requerimento até o dia anterior da sessão. É de se considerar, porém, que esse prazo fixado pelo legislador talvez possa causar problemas práticos, eis que, sendo possível peticionar eletronica-

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mente até o último minuto do dia (art. 213), e sendo a sessão iniciada pela manhã do dia seguinte, é possível que o tribunal e seus funcionários não tenham tempo hábil para providenciar os equi-pamentos, instalações ou configurações necessários à conexão do solicitante, ao menos enquanto tais meios tecnológicos não fiquem constantemente instalados e disponibilizados nas salas de julgamento. Com o avanço da tecnologia, a comunicação será mais facilmente implementada por meio da própria internet, conectando-se o computador do advogado a outro computador localiza-do na sala de julgamento dos tribunais, ou mesmo aos computadores utilizados individualmente pelos magistrados, durante a sessão, e não por custosos aparelhos e canais de videoconferência, que eventualmente precisem ser deslocados para o local.

Art. 938 - A questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo caso seja incompatível com a decisão.§ 1º - Constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes.§ 2º - Cumprida a diligência de que trata o § 1º, o relator, sempre que possível, prosseguirá no julgamento do recurso.§ 3º - Reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução.§ 4º - Quando não determinadas pelo relator, as providências indicadas nos §§ 1º e 3º poderão ser determinadas pelo órgão competente para julgamento do recurso.

I. Apreciação de questões preliminaresO caput desse artigo traz regra bastante óbvia, que era também expressamente prevista no

CPC/1973, em seu art. 560: as questões preliminares devem ser decididas antes do mérito, e este não será conhecido se isso for incompatível com a decisão dada àquelas questões. Questão preliminar é aquela de cuja decisão depende o julgamento de uma questão que logicamente lhe sucede; a depender do julgamento que lhe é dado, uma outra questão seguinte nem será aprecia-da. Também pode ser assim considerada a decisão de questão que implique alguma consequência a ser observada na apreciação das questões seguintes, caso em que pode haver compatibilidade entre o acolhimento da preliminar e o julgamento do mérito, seja quanto à ordem em que os pontos seguintes devam ser apreciados, ou sobre eventual impedimento ou suspeição de membro do colegiado. Não se deve confundir a preliminar de recurso com as preliminares que se ante-põem ao julgamento de mérito da causa. Por vezes, são estas últimas o mérito do recurso, como ocorre quando a parte recorre de sentença terminativa, ou quando postula, por meio do recurso, o reconhecimento de algum motivo para extinção do processo sem julgamento de mérito que foi rejeitado pelo órgão inferior. Questão preliminar, em grau recursal, é a que impede o julgamento de mérito do recurso, ou que importe alguma alteração no modo de julgá-lo.

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II. Vícios sanáveis

O CPC/1973, no parágrafo único do art. 560, já estabelecia que, diante da existência de vícios sanáveis, estes poderiam ser corrigidos perante o próprio tribunal ou, se necessário, perante o órgão de primeiro grau, ao qual os autos seriam restituídos para que os atos fossem ali pratica-dos. O CPC/2015, em vários de seus dispositivos, contém nítidas e induvidosas determinações voltadas a prestigiar o julgamento de mérito, tanto das ações como dos recursos. Assim, os §§ 1º a 4º reforçam e ampliam a extensão dos dizeres do texto anterior, indicando que, o quanto possí-vel, o mérito deve ser julgado. Identificados vícios sanáveis, pelo relator ou durante a sessão de julgamento, devem ser tomadas as providências previstas neste artigo. Deve-se providenciar o suprimento de vícios sanáveis, tanto os que tenham sido arguidos pelas partes como aqueles que possam ser decretados de ofício; se o tribunal entender que para proceder ao julgamento há ne-cessidade de colher prova que não tenha sido ainda produzida, o julgamento deverá ser suspenso, para que tal prova seja produzida.

Art. 939 - Se a preliminar for rejeitada ou se a apreciação do mérito for com ela compatível, seguir-se-ão a discussão e o julgamento da matéria principal, sobre a qual deverão se pronunciar os juízes vencidos na preliminar.

I. Independência entre as questões preliminares e o mérito

O art. 939 repete a regra do art. 561 do CPC/1973. Assim, o juiz vencido que acolhia a preli-minar rejeitada, para, por exemplo, não conhecer o recurso, ou para acolher eventual nulidade, não está impedido de proferir julgamento do mérito, que se descola dessas questões prelimina-res. Embora tenha votado pelo não conhecimento do recurso, sendo esse, porém, conhecido pelo voto da maioria, cabe ao magistrado decidir o mérito pelos seus próprios fundamentos, podendo firmar seu entendimento no sentido de que o recorrente tenha razão.

Art. 940 - O relator ou outro juiz que não se considerar habilitado a proferir imediatamente seu voto poderá solicitar vista pelo prazo máximo de 10 (dez) dias, após o qual o recurso será reincluído em pauta para julgamento na sessão seguinte à data da devolução.§ 1º - Se os autos não forem devolvidos tempestivamente ou se não for solicitada pelo juiz prorrogação de prazo de no máximo mais 10 (dez) dias, o presidente do órgão fracionário os requisitará para julgamento do recurso na sessão ordinária subsequente, com publicação da pauta em que for incluído.§ 2º - Quando requisitar os autos na forma do § 1º, se aquele que fez o pedido de vista ainda não se sentir habilitado a votar, o presidente convocará substituto para proferir voto, na forma estabelecida no regimento interno do tribunal.

Arts. 939 e 940

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I. Pedidos de vistaO presente artigo rege os pedidos de vista feitos pelos juízes que compõem o órgão colegiado,

matéria que se encontrava nos §§ 2º e 3º do art. 555 do CPC/1973 e que foi ligeiramente remode-lada. É de se esperar que o fim das revisões possa levar a maior número de pedidos de vista, eis que, a partir da vigência do CPC/2015, os recursos todos serão diretamente examinados, antes da sessão, somente pelo juiz relator. Do mesmo modo como previsto no diploma anterior, tem o magistrado o prazo de dez dias, prorrogáveis a seu pedido por mais dez dias, para que tenha vis-ta dos autos. Diversamente do que constava do CPC/1973, a continuidade do julgamento exige nova inclusão do processo em pauta, que haverá de ser publicada na forma e no prazo previstos no art. 935, a fim de evitar surpresas à parte, que, por vezes, não tem meios de saber se e quando o processo foi devolvido pelo magistrado que solicitou a vista.

II. Não restituição no prazoDo mesmo modo previsto no CPC/1973, retidos os autos para além do prazo concedido ao ma-

gistrado, caberá ao presidente do órgão fracionário requisitá-los e incluí-los na próxima sessão, determinando a publicação da pauta. O § 2º, no entanto, cria uma inovação de constitucionali-dade duvidosa. Voltado para o festejado propósito de dar celeridade aos feitos, esse dispositivo permite a convocação de juiz substituto para o caso de o magistrado que pediu vista, e não res-tituiu os autos a tempo, ainda não se sentir mesmo assim habilitado a decidir a causa. Restaurou-se, a prevalecer tal regra, a opção de o julgador pronunciar um non liquet, tal como se dava no vetusto processo romano, em suas primeiras fases, quando ainda esboçava características de índole privada. Não autorizam, os sistemas modernos, que o magistrado deixe de julgar a causa sob qualquer pretexto. Ademais, a convocação de um substituto atenta contra o preceito do juiz natural, vez que a causa deixa de ser apreciada e decidida pelo juiz definido segundo os critérios gerais e abstratos que determinam a distribuição de competências entre os órgãos jurisdicionais, substituindo-se um magistrado competente por outro que é incluído ad hoc. Mesmo do ponto de vista da celeridade, é discutível se tal mecanismo propiciará mais rápida solução do feito. Ex-cetuadas as excepcionalíssimas situações de desleixo do magistrado, é de se supor que o atraso e a dificuldade em julgar a causa decorram da sua maior complexidade. Neste caso, não é de se esperar que o substituto convocado também peça uma nova vista?

Art. 941 - Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.§ 1º - O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído.§ 2º - No julgamento de apelação ou de agravo de instrumento, a decisão será tomada, no órgão colegiado, pelo voto de 3 (três) juízes.§ 3º - O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

I. Definição do colégio e redação do acórdão

Este artigo e seus parágrafos regulam quatro questões distintas, que bem poderiam ter sido

Art. 941

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dispostas em artigos independentes. Duas dessas regras, as do caput e do § 2º, tratam de temas de pouca complexidade, que vinham expressos nos arts. 556 e 555 do CPC/1973. Apelações e agra-vos serão julgados pelo voto de três juízes. Não havendo disposição legal para os demais feitos julgados pelos tribunais, caberá ao regimento interno fixar os órgãos competentes para apreciá-los e decidi-los. A redação do acórdão fica a cargo do relator, a menos que este seja vencido, caso em que a tarefa incumbirá ao juiz prolator do primeiro voto vencedor, segundo a ordem de juízes do órgão fracionário.

II. Alteração de voto durante o julgamento

Uma das razões para que o julgamento colegiado se dê em sessão é permitir que a prática da oralidade e eventual troca de opiniões entre os julgadores proporcione um maior aprofundamento das questões que são objeto de decisão. Mais do que a repetida afirmação de que os magistrados do tribunal seriam mais experientes, ou que teriam maior conhecimento jurídico do que os do grau inferior, os principais fatores de legitimação da superioridade jurídica de seu julgamento são outros. De um lado, a prévia existência de um julgamento, bem fundamentado, e que foi ob-jeto das críticas apresentadas pelas partes em recurso e contrarrazões, faz com que o julgamento do recurso se dê em outras condições, pois a causa se encontra mais debatida, mais esmiuçada e, portanto, menos sujeita a erros; de outro lado, o colégio e a discussão que pode se estabelecer também entre os magistrados são certamente um importante mecanismo que colabora para o aprimoramento da decisão. Portanto, é natural que, como resultado dos votos apresentados em sessão, magistrados que anteriormente votaram possam se convencer do melhor direito esboçado na declaração de voto de algum juiz que lhes seguiu. Assim, até que o resultado final seja pro-clamado pelo presidente do órgão julgador, os julgadores podem rever sua decisão. Decretado o resultado, esgota-se a competência funcional do órgão para decidir o mérito do recurso ou da causa de competência originária, bem como quaisquer outras questões antecedentes, ressalvado o disposto no art. 494.

III. Obrigatoriedade da declaração de voto vencido

O CPC/1973 não previa expressamente quando o voto vencido deveria ser declarado, não havendo em seu texto norma correspondente à do § 3º deste artigo. Era necessária a declaração de voto vencido apenas em causas que admitissem embargos infringentes, eis que tal modalida-de recursal tinha fundamento e limites estabelecidos pela decisão minoritária. Pela nova regra, todos os votos vencidos, em quaisquer recursos, deverão ser declarados, pois, como mencionado no texto legal, o voto vencido poderá servir para demonstração do prequestionamento. Assim, ainda que a decisão majoritária não faça referência às questões federal ou constitucional, sua exposição no voto vencido servirá para preencher esse requisito de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário.

Art. 942 - Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.§ 1º - Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na

Art. 942

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mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.§ 2º - Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.§ 3º - A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.§ 4º - Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;II - da remessa necessária;III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

I. Extinção dos embargos infringentes

O recurso de embargos infringentes foi extinto no CPC/2015. Sua incidência já havia sido restringida com a vigência da Lei nº 10.352/2001, e não foram poucas as críticas que se levanta-vam contra a sua existência. De certo modo, se a preocupação era com a celeridade, tais críticas eram exageradas, pois a incidência estatística desse recurso, há décadas, tem sido baixíssima em comparação com as outras classes de feitos que tramitam nos tribunais. E se, conforme comen-tário apresentado ao art. 941, um dos principais fatores de legitimação do julgamento dado em recursos é a formação do colegiado e a possibilidade de confronto de posições entre os juízes, a permitir melhor depuração de erros, a existência de uma divergência entre grupo tão reduzido, porém qualificado, de julgadores (apenas três, conforme art. 555 do CPC/1973, ou 941, § 2º, do CPC/2015) haveria de ser objeto de preocupação para aqueles que esperam não apenas um julga-mento rápido, mas também um julgamento justo, em que a possibilidade de cometer erros tenha sido o mais possível eliminada. A extinção do recurso, porém, foi substituída por mecanismo que deverá preencher sua finalidade, mas que não tem natureza recursal, encontrando-se inteiramente previsto neste único artigo.

II. Procedimento a adotar em caso de divergência

Segundo estabelecido neste artigo, havendo divergência entre os magistrados inicialmente competentes para a apreciação da causa ou do recurso, o julgamento simplesmente prosseguirá, com a adição de novos juízes ao colégio, independentemente de outra manifestação da parte ven-cida. Assim, não se trata de recurso, pois não há provocação da parte. É apenas um procedimento aplicável ao julgamento colegiado, de modo que, ocorrida a divergência, nos casos previstos nes-te artigo, não há a proclamação final do resultado (como referida no art. 941, § 1º), acrescendo-se ao colegiado os novos juízes e prosseguindo-se no julgamento. Haverá, entretanto, uma cisão dos trabalhos, ainda que os juízes acrescidos componham a turma julgadora e estejam presentes

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à sessão, na forma do § 1º, pois, após proferidos os votos e constatada a divergência, as partes e eventuais terceiros, bem como – embora não mencionado no texto – o representante do Ministé-rio Público, nas causas em que ocorre sua intervenção, poderão sustentar oralmente perante os novos julgadores. Evidentemente, se os juízes a integrar o colégio houverem de ser colhidos de outro órgão fracionário, ou, se integrantes do mesmo, não estiverem presentes à sessão, o julga-mento continuará em outra sessão, aplicando-se por analogia as disposições do art. 940, a exigir inclusão do feito na futura pauta, observando-se também o prazo do art. 935, para que as partes tenham ciência prévia de sua designação.

III. Situações de cabimento

O prosseguimento do julgamento, diante da divergência, ocorrerá em um rol de situações ligeiramente mais amplo do que aquele em que se admitiam embargos infringentes, segundo o texto mais recente do art. 530 do CPC/1973. Todas as apelações cujo julgamento não for unâ-nime seguirão o rito definido neste artigo, trazendo parcialmente de volta a situação de amplo cabimento dos embargos infringentes do regime anterior ao da Lei nº 10.352/2001. Assim, in-dependentemente de ser dado provimento ou não ao recurso, ou de tratar-se de julgamento de mérito ou não, havendo divergência em qualquer apelação, será adotada a técnica descrita neste art. 942. O § 3º estende a aplicação da regra também às ações rescisórias, seguindo a tradição de cabimento dos embargos infringentes, mas neste caso limitou-se às hipóteses de rescisão da sentença, como consta do art. 530 do CPC/1973, na redação dada pela Lei nº 10.352/2001. Incluiu-se também, por força do inciso II do § 3º, o agravo de instrumento, quando houver refor-ma da decisão que julgar parcialmente o mérito. O CPC/2015 introduziu no sistema processual a figura das sentenças parciais de mérito proferidas em julgamento antecipado (art. 356), contra as quais desafia recurso de agravo de instrumento (art. 356, § 5º). Portanto, o mérito desses agravos de instrumento versa sobre o mérito da causa, razão que levou o legislador a incluir tal situação entre as que seguem a técnica de prosseguimento do julgamento prevista neste art. 942. Se qualquer apelação está sujeita aos ditames deste dispositivo, não é coerente o texto do inciso II do § 3º, ao incluir no rol somente o agravo que tenha sido provido para reformar o ato deci-sório atacado. São criadas, desse modo, distinções puramente casuísticas. Se todos os pedidos forem julgados antecipadamente, da sentença total e final caberá apelação, que se submete ao procedimento deste artigo em caso de julgamento não unânime em qualquer sentido; se apenas um dos pedidos é julgado antecipadamente, por sentença parcial, ao agravo interposto só haverá extensão do julgamento dado por maioria apenas se o recurso for provido. Não há razões lógicas para explicar tal distinção.

IV. Divergência parcial

A divergência entre os magistrados pode ser apenas parcial, caso em que alguns dos pedidos recursais sejam acolhidos por votação unânime, e outros, apenas, foram julgados por maioria. Não há distinção entre as situações para a aplicação desta técnica de julgamento. Até o advento da Lei nº 10.352/2001, havendo julgamento em parte unânime, em parte por maioria, o prazo para apresentar os recursos especial e extraordinário contra aquela, e embargos infringentes con-tra esta, era o mesmo. Assim, não interpostos recursos contra a parte unânime, esta transitava em julgado. Com a vigência da referida lei, alterou-se o art. 498 do CPC/1973, de modo que a in-terposição de embargos infringentes contra a parte não unânime do acórdão passou a sobrestar o prazo para os recursos especial e extraordinário contra os capítulos unânimes do julgado. Não há, no CPC/2015, referência expressa a essa situação. Entretanto, se o julgamento não foi considera-

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do encerrado, nem mesmo o acórdão dessa votação intermediária deve ser lavrado, não havendo, pois, como recorrer dos pontos decididos por votação unânime. Haverá um único acórdão, final, contendo a decisão unânime e a decisão não unânime cujo julgamento teve seguimento perante o colégio ampliado de juízes.

V. Sustentação oral direcionada aos magistrados incluídos

O CPC/2015 tem como característica marcante ser uma lei bastante zelosa para com o princí-pio do contraditório e, assim, não descuidou de expressamente conferir às partes a oportunidade de sustentar oralmente suas razões perante os novos juízes acrescidos ao colegiado por força da divergência. Neste caso, poderá o defensor apontar os acertos e equívocos dos votos contrários até então apresentados, contribuindo para aclarar ainda mais a causa aos novos integrantes. Não diz o texto se essa sustentação deve ser concedida apenas àqueles que já se inscreveram anterior-mente e a apresentaram ao início do julgamento. Como ao intérprete não cabe fazer distinções que o legislador não fez, o melhor entendimento há de ser no sentido de permitir ao patrono pre-sente à sessão solicitar no ato a realização da sustentação oral, tão logo constatada a divergência e anunciado o prosseguimento do julgamento na mesma sessão. Não se pode desprezar que, embora não tenha a priori desejado fazer sustentação oral, a parte dispôs previamente da oportu-nidade de levar memoriais aos magistrados, nos dias que antecederam o julgamento, e por certo só os entregou aos que julgariam a causa segundo a formação original. Além disso, nenhum dos juízes acrescidos teve sequer acesso aos autos; em comparação com os embargos infringentes, que este mecanismo se propõe a substituir, novo relator e revisor seriam designados e poderiam examinar diretamente as minúcias da causa ou da divergência. Assim, em homenagem ao direito de ser adequadamente ouvido por um juiz, como previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, o litigante deve ter o direito de dirigir sua palavra aos novos julgadores incluídos no colegiado, mesmo que houvesse dispensado a sustentação diante dos magistrados originalmente competentes para a ação ou o recurso. Evidentemente, se por qualquer motivo o julgamento não puder prosseguir na mesma sessão, a parte poderá requerer a sustentação oral para a sessão a ser designada, na forma do art. 937 e seus parágrafos, não se descartando a possibilidade de requerer sua comunicação remota com o tribunal, na hipótese e na forma definidas no § 4º do mesmo art. 937.

VI. Competência

Como diz o caput, os julgadores iniciais continuam competentes para o julgamento conti-nuado, a eles se somando outros juízes em quantidade suficiente para possibilitar a inversão do julgamento. No caso de apelação, ou do agravo mencionado no inciso II do § 3º, ao qual a regra do caput também parece aplicável, tais recursos são decididos por três magistrados (art. 941, § 2º), de modo que o único resultado divergente possível é o de haver dois votos vencedores e um voto vencido. Assim, basta incorporar outros dois julgadores da mesma turma ou câmara. O § 2º diz que os primeiros julgadores poderão modificar o seu voto, o que é coerente com o disposto no art. 941, § 1º, pois, afinal, se o julgamento “terá prosseguimento”, como diz a lei, isso indica que ele ainda não se encerrou. No regime dos embargos infringentes, também havia nova votação, em que os prolatores do acórdão embargado poderiam julgar de modo diverso do voto antes emitido. No caso das ações rescisórias, porém, o inciso I do § 3º remete ao regimento interno a definição do órgão competente para dar “prosseguimento” ao julgamento, estabelecendo apenas que seja um órgão de maior composição, isto é, que conte com um maior número de juízes. Neste

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caso, parece evidente que ocorrerá um novo julgamento, e não um mero prosseguimento do an-terior, eis que nem se tem por certo que os primeiros prolatores da decisão divergente estarão na composição do órgão maior.

VII. Considerações finaisTeria sido mais simples manter os embargos infringentes como estavam, em vez de se criar

esse inusitado procedimento, que, como toda novidade, poderá dar margem ao aparecimento de controvérsias práticas ainda não previsíveis, não se compreendendo quais problemas concretos o legislador pretendeu resolver com essa modificação.

Art. 943 - Os votos, os acórdãos e os demais atos processuais podem ser registrados em documento eletrônico inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser impressos para juntada aos autos do processo quando este não for eletrônico.§ 1º - Todo acórdão conterá ementa.§ 2º - Lavrado o acórdão, sua ementa será publicada no órgão oficial no prazo de 10 (dez) dias.

I. Disposições meramente formais sobre o acórdão e sua publicaçãoO art. 943 e seus dois parágrafos reúnem disposições meramente formais constantes, res-

pectivamente, dos arts. 556, parágrafo único, 563 e 564 do CPC/1973. No caput, mantém-se a autorização para que o acórdão seja originalmente lavrado em meio eletrônico, utilizando-se assinaturas digitais. Se os autos são também digitais, nessa mesma forma o julgado será juntado. Mas, se o processo ainda é documentado por autos físicos, uma impressão do documento original deverá ser providenciada para proporcionar sua juntada a eles. Continua a obrigatoriedade de redação de uma ementa oficial, a ser publicada no órgão oficial dentro de dez dias. Anote-se que, com a crescente informatização do Poder Judiciário, é de se esperar que acórdãos, ou quaisquer outros atos judiciais, sejam publicados no diário eletrônico no dia imediato ao de sua assinatura. O uso do computador não admite tempo morto.

II. Documento eletrônico “inviolável”Não existe documento eletrônico “inviolável”, expressão infeliz que a Lei nº 11.419/2006

introduziu em dois dispositivos do CPC/1973, o art. 169, § 2º, e o art. 556, parágrafo único. E dali as regras foram transcritas para os textos correspondentes no CPC/2015, que são o art. 209, § 1º, e o ora comentado art. 943, caput. Nenhum arquivo digital que esteja legível e acessível, como deve ser o caso de atos processuais, tem essa qualidade. A possibilidade de alteração desses arquivos é inerente à sua natureza. Nem a assinatura digital torna um arquivo informático “invio-lável”: apenas permite que seja detectada a alteração, caso ela ocorra.

Art. 944 - Não publicado o acórdão no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da sessão de julgamento, as notas taquigráficas o substituirão, para todos os fins legais, independentemente de revisão.Parágrafo único - No caso do caput, o presidente do tribunal lavrará, de imediato, as conclusões e a ementa e mandará publicar o acórdão.

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I. Substituição do acórdão pela publicação das notas taquigráficas

Com o objetivo de imprimir celeridade aos feitos, e combater o tempo morto que eventual-mente se segue entre o julgamento proferido em sessão e a redação final do acórdão e sua publi-cação, o CPC/2015 introduziu esta nova disposição, inexistente no CPC/1973. O Código atribui à presidência dos tribunais a função de providenciar a publicação dos julgados após decorridos 30 dias da realização da sessão, se o relator original ou designado não der o acórdão à luz. Caberia à presidência, neste caso, redigir conclusões e ementa, e publicá-las juntamente com as notas taquigráficas registradas na sessão. Ao que parece, contudo, nem todas as cortes registram suas sessões por taquigrafia, ou outro meio qualquer, mais moderno, como gravação em áudio e ví-deo. De todo modo, a versão escrita desses registros, a ser providenciada por algum funcionário, precisará ser conferida, e soa estranho que não o seja pelo magistrado que pronunciou os tais dizeres, ou ao menos pelo relator designado que os presenciou.

II. Congestionamento transferido para a presidência?

Leis não aceleram o processo. Podem atrasá-lo, se cheias de equívocos, redações contraditó-rias ou formalidades inúteis; daí, a posterior retirada de tais entraves pode ilusoriamente fazer crer que leis acelerem o processo. Quando a causa da morosidade evidentemente não é o excesso de formalismo legal, como parece ser o caso do tempo morto que este art. 944 tenta combater, as soluções legislativas tendentes a combatê-la deixam severas dúvidas sobre sua eficácia. À parte situações de força maior, como um problema de saúde que acometa o magistrado encarregado de elaborar o voto, fato eventual cuja solução mais simples seria a designação de um substituto para suprir suas funções, o atraso na redação do acórdão aparentemente tem apenas duas causas. A primeira é o excesso de serviço que aflige nossas cortes. Sob outro ângulo, excesso de ser-viço é consequência de trabalhadores em número insuficiente para executá-lo. Se isso estiver a acontecer com os relatores, porque o número de processos cujos votos devem ser elaborados é incompatível com uma carga normal de trabalho, é de se indagar como a presidência, que cen-tralizará a feitura de todos esses acórdãos abandonados, conseguirá fazê-lo mais rapidamente. Se a solução é publicar a transcrição da sessão, não seria mais eficiente e seguro que o próprio relator o fizesse? A outra causa de atraso, se não for o caso da primeira, é a falta de vontade, mas para combater tal fator de morosidade seria mais oportuno que a lei designasse competências à corregedoria, e não à presidência.

Art. 945 - A critério do órgão julgador, o julgamento dos recursos e dos processos de competência originária que não admitem sustentação oral poderá realizar-se por meio eletrônico.§ 1º - O relator cientificará as partes, pelo Diário da Justiça, de que o julgamento se fará por meio eletrônico.§ 2º - Qualquer das partes poderá, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar memoriais ou discordância do julgamento por meio eletrônico.§ 3º - A discordância não necessita de motivação, sendo apta a determinar o julgamento em sessão presencial.§ 4º - Caso surja alguma divergência entre os integrantes do órgão julgador durante o julgamento eletrônico, este ficará imediatamente suspenso, devendo a causa ser apreciada em sessão presencial.

Art. 945

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I. Julgamento por meio eletrônico

Nos últimos anos, por resoluções ou disposições regimentais, tribunais do país instituíram o julgamento por comunicação eletrônica entre os membros do colegiado, impropriamente cha-mado de julgamento “virtual”, caso em que a apresentação dos votos em sessão é dispensada. O art. 945 traz essa experiência para o texto legal, adotando contornos semelhantes ao que as cortes vinham praticando, isto é, as partes são intimadas a, no prazo de cinco dias, apresentar sua discordância com o julgamento eletrônico, que, mero ato de vontade, já se mostra bastante para impedi-lo. Se não se opuser ao julgamento eletrônico, é-lhe facultado apresentar memoriais.

II. Oralidade

É triste, de certo modo, ver a supressão da oralidade nesse momento processual. Mas a rea-lidade massificante e o volume de processos que adentram nossos tribunais já há muito tempo tornaram as sessões de julgamento uma formalidade meramente procedimental. Verdade seja dita, o princípio da oralidade, embora tão decantado, tornou-se custoso. A oralidade produz eco-nomia processual apenas em um cenário em que órgãos judiciais tenham tempo livre e de sobra para reunir-se com as partes e advogados e, assim, comunicarem-se todos de viva voz. Em um contexto como esse, cada vez mais distante de nossa realidade, algumas poucas horas diante do magistrado substituem semanas ou meses de manifestações apresentadas por escrito, em prazos subsequentes. Quando o tempo do magistrado é escasso, a relação entre oralidade e economia processual se inverte. Entretanto, a oralidade não é voltada apenas em prol da economia ou da ce-leridade; em certos atos do processo, é fator a propiciar ganhos qualitativos em favor do melhor julgamento e da maior proximidade com a verdade. Essa é a expectativa que se tem da oralidade nesse momento: que a exposição oral dos votos pelos magistrados reunidos em sessão os induza à reflexão e ao aprimoramento do julgamento. A realidade dos julgamentos dos tribunais mostra, todavia, que o tempo disponível para o debate oral em sessão é praticamente nenhum, diante das dezenas, ou centenas, de feitos a julgar num só dia.

III. Meios eletrônicos

A utilização da informática aplicada ao processo já lhe trouxe visíveis ganhos, e certamente muitos mais ainda virão. A tecnologia, porém, não é a solução para todos os males, nem é algo que por si só será capaz de resolver problemas de eficiência e celeridade dos órgãos judiciais. O uso dos meios eletrônicos, mesmo quando desejável, precisa ser regulado de modo mais preciso pela lei, e certamente há nessa direção um campo fértil a estimular algumas experiências novas e a imaginação dos estudiosos. A princípio, não há por que descartar a substituição do julgamento oral pela via eletrônica, como meio de agilizar os julgamentos, especialmente se não há oposição de nenhuma das partes; ademais, certamente é possível regrar os contornos dessa novidade de modo a substituir por outros meios essas importantes finalidades da oralidade praticada na sessão de julgamento, isto é, proporcionar um efetivo debate entre os membros do órgão colegiado. O artigo em comento, no entanto, usa várias vezes a expressão “julgamento (por meio) eletrônico”, mas não há qualquer baliza, mínima que seja, a estabelecer como esse julgamento terá curso, que chances de debate haverá entre os magistrados, nem assegura transparência de todo o pro-cedimento às partes ou à sociedade, objetivo que também se pretendia alcançar com as sessões públicas dos tribunais. Uma desejável evolução do modelo seria prever um procedimento de jul-gamento por canais eletrônicos, de modo que este se realizasse no ambiente informático durante certo prazo, dentro do qual se pudesse observar a exposição pública de um possível debate entre os magistrados, eventualmente prevendo algum mecanismo que permitisse também às partes dialogar com os julgadores, o que certamente contribuiria para o aprimoramento da derradeira

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decisão, e não apenas, como se tem feito, uma troca quase secreta de votos culminando com a publicação do resultado final. Tivessem as partes a possibilidade de também utilizar esses canais eletrônicos escritos, é de se supor que o número de pedidos de sustentação oral em sessão tam-bém diminuísse.

IV. Causas que admitem o julgamento eletrônico

O CPC/2015 mostra-se mais restritivo ao julgamento eletrônico do que a prática de alguns tribunais, autorizada em resoluções ou normas regimentais. Segundo o caput deste artigo, so-mente os feitos que não admitem sustentação oral comportariam julgamento eletrônico, ficando portanto excluídas todas as hipóteses elencadas nos incisos do art. 937. Se as partes não desejam sustentar oralmente suas razões, nem discordam da dispensa do julgamento em sessão, não se veem motivos para o legislador vedar a realização do julgamento eletrônico em todos os julga-mentos, mesmo nos casos previstos no art. 937. A limitação merece ser revista pelo legislador, pois praticamente esvazia o âmbito de aplicação do julgamento eletrônico, restrita que foi, pelo CPC/2015, a alguns poucos feitos.

Art. 946 - O agravo de instrumento será julgado antes da apelação interposta no mesmo processo.Parágrafo único - Se ambos os recursos de que trata o caput houverem de ser julgados na mesma sessão, terá precedência o agravo de instrumento.

I. Agravo e apelação apresentados no mesmo processo

Finalizando este capítulo, este último artigo repete disposição contida no art. 559 do CPC/1973. Pendentes de julgamento agravo e apelação tirados do mesmo processo, aquele deve ser decidi-do em primeiro lugar. E o motivo é simples: a decisão objeto do agravo antecede, cronológica e logicamente, o que foi decidido na sentença; eventualmente, o julgamento do agravo pode tornar prejudicada a apelação, caso seu provimento acarrete decretação de nulidade de atos subsequen-tes e da própria sentença apelada. Havendo diversos agravos, todos eles devem ser decididos antes do apelo.

II. Consequências da não observância dessa regra

Se, inadvertidamente, a apelação for julgada antes do agravo, isso será motivo de nulidade do acórdão, que, todavia, só poderá ser objeto de arguição em recurso especial por violação deste mesmo dispositivo federal.

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Art. 947 - É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.§ 1º - Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária, ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.§ 2º - O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.§ 3º - O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.§ 4º - Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.

AutorRicardo Alexandre da Silva

I. Questão jurídica relevante, grave repercussão social e não repetição

Caracterizando-se questão juridicamente relevante, com intensa repercussão social, que não seja objeto de múltiplos processos, poderá o relator, de ofício ou a requerimento da parte, do Mi-nistério Público ou da Defensoria Pública, propor a assunção de competência ao órgão colegiado indicado no regimento. Essa proposta do relator deverá ser votada pelo órgão fracionário e será objeto de deliberação também no colegiado superior. A assunção de competência poderá ocor-rer em recursos, remessa necessária ou em processos de competência originária do tribunal. O CPC/2015 emprega conceitos abertos, de modo que em cada caso concreto deverá ser analisada a presença de questão juridicamente relevante dotada de grave repercussão social. O dispositivo também menciona a não repetição em múltiplos processos como requisito para a aplicação da assunção de competência. Desse modo, se a questão estiver repetida em múltiplos processos, impõe-se a deflagração do incidente de resolução de demandas repetitivas, disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC/2015, ou a submissão da questão ao regime de recursos repetitivos, previsto nos arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015. Vê-se que o caput do art. 947 traz importante inovação ao assinalar o cabimento do incidente também na remessa necessária e nos processos de competên-cia originária do tribunal, hipóteses não contempladas no art. 555, § 1º, do CPC/1973.

II. Legitimidade para suscitar o incidente

É digno de nota que sob o CPC/1973 apenas ao relator incumbia suscitar o incidente. Assim, outra importante inovação consiste na possibilidade de o incidente de assunção de competência

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ser provocado pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública. Também pode ser instaurado de ofício pelo relator ou por outro julgador do recurso, da remessa necessária ou da ação de competência originária do tribunal. Na hipótese de instauração de ofício do inci-dente, deverão ser intimadas as partes, em conformidade com o art. 10 do CPC/2015. O uso da expressão “poderá o relator propor” no art. 555, § 1º, do CPC/1973, levou o E. STJ a decidir que a instauração do incidente seria mera faculdade do relator. Saliente-se que o art. 947, caput, do CPC/2015, está redigido de forma diferente, razão pela qual se pode concluir que, presentes os requisitos nele elencados – relevância da questão jurídica, grave impacto social e inocorrência de repetição em múltiplos processos – o incidente deverá ser instaurado pelo relator caso nenhum dos outros legitimados o tenha suscitado. No novo sistema é expressa a atribuição de legitimi-dade às partes, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Também é bastante evidente que o CPC/2015 propõe a adoção de um sistema precedentalista, o que fica claro nos arts. 926 e 927. Considerando a valorização dos precedentes no CPC/2015, crê-se que a assunção de competên-cia tenha deixado de ser mera faculdade do relator, transformando-se em importante mecanismo para a tutela da igualdade perante o Direito. Assim, presentes seus requisitos, deverá ser susci-tada pelo relator caso os outros legitimados tenham se omitido, a fim de que seja dirimida ou prevenida a divergência entre diferentes órgãos fracionários do tribunal.

III. Órgão colegiado indicado pelo regimento

No Regimento Interno do E. TJPR a assunção de competência é prevista no art. 331, §§ 1º e 2º, cabendo o julgamento do incidente à Seção Civil. No Regimento Interno do E. TJSP, conforme estabelecem os arts. 32, inciso II, e 184, inciso III, alínea a, a competência para julgamento do incidente é atribuída às Turmas Especiais.

IV. Interesse público

O incidente de assunção de competência se notabiliza pelo fato de que os órgãos indicados no regimento interno julgarão o próprio recurso, a remessa necessária ou a ação de competência originária, desde que constatem a existência de interesse público. O CPC/2015 lança mão de outro conceito indeterminado. Evidentemente caberá ao órgão colegiado examinar a existência de interesse público no caso concreto, sem a qual o feito – recurso, remessa necessária ou ação de competência originária – deve ser devolvido ao órgão fracionário em que o incidente fora suscitado.

V. Vinculação à decisão

O art. 947, § 3º, do CPC/2015 é inequívoco ao assentar a vinculação dos juízes e dos outros órgãos fracionários do tribunal ao acórdão proferido no incidente de assunção de competência. Esse posicionamento é reiterado no art. 927, inciso III, segundo o qual os juízes e os tribunais observarão os acórdãos proferidos em incidente de assunção de competência. Existe expressa ressalva à possibilidade de revisão de tese. Trata-se de indicação desnecessária, pois em um sistema precedentalista obviamente será possível a revisão de posicionamento quando houver evolução na economia, na sociedade ou na concepção jurídica sobre determinado tema. Do mes-mo modo, caso o processo posterior apresente relevante distinção em relação ao anterior, em que fora deflagrado o incidente, o acórdão proferido na assunção de competência não o vinculará.

VI. Finalidade

Nos termos do art. 947, § 4º, do CPC/2015, a finalidade do incidente de assunção de com-petência é assegurar a igualdade de tratamento perante o Direito, por meio da prevenção de

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divergência entre os órgãos fracionários do tribunal ou a uniformização de entendimento. Isso significa que o incidente poderá ser suscitado mesmo nas hipóteses em que não exista divergên-cia jurisprudencial. Nesse caso, a fim de evitar que órgãos fracionários divirjam sobre questão jurídica relevante e de grande impacto social, o CPC/2015 prevê a possibilidade de instauração do incidente de assunção de competência. Note-se que o incidente propicia o julgamento do pró-prio recurso, da remessa necessária ou da ação de competência originária pelo órgão colegiado regimentalmente indicado. Não haverá somente fixação de tese jurídica, mas julgamento do feito em que o incidente foi instaurado.

VII. JulgadosAssunção de competência como faculdade do relator no CPC/1973“[...] III - O art. 555, § 1º, do Código de Processo Civil confere ao relator a possibilidade de

propor o julgamento do recurso pelo órgão colegiado que o regimento indicar, quando o reco-mendar o interesse público. Trata-se de faculdade do relator, não de imposição legal para que assim proceda. O dispositivo, aliás, versa sobre julgamento por turma ou câmara, nada dispondo acerca da obrigatoriedade de julgamento do recurso pelo órgão especial do Tribunal. IV - Recurso especial parcialmente provido” (STJ, 1ª T., REsp nº 723.890/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, j. em 15/8/2006, DJU de 25/9/2006, p. 235).

Órgão fracionário, divergência jurisprudencial e instauração do incidente de assunção“Apelação. Mandado de Segurança. Servidor público municipal. Analista em Planejamento,

Orçamento e Finanças Públicas. Pretensão ao recebimento de Prêmio de Incentivo à Qualidade (PIQ). Denegação da ordem. Inconformismo. Evidente divergência entre as Câmaras deste E. Tribunal acerca da questão posta em debate. Solidificada dissonância de entendimento residente na interpretação da esfera de incidência do art. 28, I, da Lei Complementar Estadual nº 1.122/10, qual seja, se alcançaria ou não os Analistas em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas. Assunção de competência que se mostra apta a pacificar a questão e, assim, evitar injustiças e tratamento anti-isonômico entre servidores que detêm o mesmo cargo. Interesse público presente também na busca por segurança jurídica e diminuição da litigiosidade entre as partes. Inteligên-cia do art. 555, § 1º, do CPC e do art. 32, II, do Regimento Interno. Proposta de julgamento do recurso pela Turma Especial da Seção de Direito Público deste E. Tribunal, em assunção de com-petência” (TJSP, 13ª C. Dir. Público, Ap. Cív. nº 0001882-81.2013.8.26.0053, Rel. Des. Souza Meirelles, j. em 13/5/2015, registro 14/5/2015).

Art. 948 - Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.

I. Controle de constitucionalidade de lei ou de ato normativo

O controle de constitucionalidade pode ser classificado como difuso ou concentrado, conforme seja atribuído a todos os juízes ou limitado a um órgão ou conjunto de órgãos. Também pode ser clas-sificado como abstrato ou concreto, conforme ocorra mediante a propositura de demanda na qual a constitucionalidade seja o objeto do processo ou em que seja questão prejudicial ao exame do mérito

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da demanda, impondo-se sua resolução incidentalmente. Convivem no ordenamento jurídico brasilei-ro tanto o controle de constitucionalidade abstrato, realizado pelo Supremo Tribunal Federal no julga-mento de ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental, quanto o controle concreto, realizado por todos os juízes em processos nos quais a questão da constitucionalidade integre a causa de pedir, sendo prejudicial em relação ao exame do mérito. O controle abstrato é atribuído ao Supremo Tribunal Federal no art. 102, inciso I, alínea a e § 1º da Constituição, dispositivos que se referem, respectivamente, às ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade e à arguição de descumprimen-to de preceito fundamental. A ação direta de inconstitucionalidade e a declaratória de constitucionali-dade são disciplinadas na Lei nº 9.868/1999. Por sua vez, a arguição de descumprimento de preceito fundamental tem seu procedimento regulado na Lei nº 9.882/1999, em cujo art. 1º, § 1º, inciso I, é prevista a arguição incidental, por meio da qual se realiza controle concreto de constitucionalidade. Também convivem no direito brasileiro o controle difuso, atribuído a todos os juízes, e o concentrado, realizado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão produzida no âmbito de controle concentrado tem eficácia erga omnes, ao passo que a decisão sobre a constitucionalidade prolatada no âmbito do controle difuso vincula somente as partes. Para a doutrina majoritária, só haverá eficácia erga omnes de decisão proferida incidentalmente pelo STF se o Senado suspender os efeitos da lei ou do ato normativo, nos termos do art. 52, inciso X da Constituição.

II. Controle difuso de constitucionalidadeNos arts. 948 e seguintes o CPC/2015 disciplina a arguição incidental de inconstitucionali-

dade perante órgãos fracionários dos tribunais, de que são exemplos as câmaras dos tribunais estaduais e as turmas dos tribunais regionais federais. Suscitada incidentalmente a inconstitu-cionalidade de lei ou ato normativo, deve o relator do recurso, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeter o tema à apreciação do órgão fracionário, que detém competência apenas para admitir ou rejeitar o incidente, não podendo se pronunciar sobre a constitucionalidade. Com efeito, o art. 97 da Constituição estabelece que a inconstitucionalidade só poderá ser decretada pela maioria absoluta do plenário do tribunal ou de seu órgão especial. Trata-se da regra da re-serva de plenário, também denominada full bench. Por maioria absoluta se entende a maioria dos integrantes do plenário ou do órgão especial, não a maioria dos presentes.

III. JulgadosInterpretação de dispositivo infraconstitucional pelo órgão fracionário e desnecessidade

de observância da reserva de plenário“[...] 2. A interpretação extensiva da norma infraconstitucional efetuada pelos órgãos fracio-

nários que compõem o Superior Tribunal de Justiça não se confunde com a declaração de incons-titucionalidade, que requer rito próprio, nos termos do art. 97 da CF. [...] 4. Agravo regimental não provido” (STJ, 1ª T., AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp nº 1.022.092/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 3/6/2014, DJe de 11/6/2014).

Inobservância da reserva de plenário e nulidade da decisão do órgão fracionário“[...] 3. O princípio da reserva de plenário de que trata os arts. 480 a 482 do CPC e 97 da

CF/88 somente é excetuado quando o Plenário ou Órgão Especial do Tribunal de origem ou o Supremo Tribunal Federal tenham declarado a inconstitucionalidade da norma impugnada. 4. Não aplicação da exceção do princípio da reserva de plenário quando a declaração de inconstitu-cionalidade ocorre em relação a lei diversa da objeto do litígio, ainda que disponha de matéria semelhante. Respeito aos princípios da constitucionalidade das leis e da segurança jurídica.

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5. O desrespeito ao princípio da reserva de plenário implica nulidade absoluta, por ofensa aos arts. 480 e 481 do CPC e 97 da Constituição Federal (Precedentes: AgRg no Ag 847155/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 7/2/2008; REsp 792600/MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 5/11/2007; REsp 745970/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 6/8/2007; REsp 619.860/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17/5/2007; REsp 89297/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 7/2/2000). Recursos especiais providos em parte” (STJ, 2ª T., REsp nº 727.208/RR, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 17/3/2009, DJe de 16/4/2009).

Cabimento da arguição de inconstitucionalidade suscitada pelo Ministério Público

“[...] 1. Questão de Ordem arguida pelo Ministério Público Federal, em preliminar, quanto à inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação da Lei 9.528/97, acolhida pela Turma. 2. Julgamento suspenso para, após as providências de praxe, encaminhamento dos autos à Corte Especial a fim de processar e julgar o incidente” (STJ, 3ª Seção, EREsp nº 727.716/CE, Rel. Min. Celso Limongi, j. em 10/2/2010, DJe de 14/4/2010).

Art. 949 - Se a arguição for:I - rejeitada, prosseguirá o julgamento;II - acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver.Parágrafo único - Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

I. Reserva de plenário

Nos termos do art. 97 da Constituição, não cabe aos órgãos fracionários decretar a inconsti-tucionalidade de lei ou de ato normativo. Essa competência recai sobre o plenário do tribunal ou, nos tribunais que o tiverem, sobre o órgão especial, previsto no art. 93, inciso XI, da Cons-tituição. A decretação de inconstitucionalidade exige a maioria absoluta do plenário ou do órgão especial e não poderá ser proferida por órgãos fracionários isolada ou conjuntamente. Reitere-se que por maioria absoluta se compreende a maioria do número de integrantes do plenário ou do órgão especial, não a maioria dos julgadores presentes.

II. Legitimidade para a arguição

O incidente de arguição de inconstitucionalidade pode ser suscitado pelas partes, pelo Ministério Público ou por um dos julgadores. O órgão fracionário deliberará sobre a pertinência da arguição na forma de seu regimento interno. Decorre de interpretação sistemática a necessidade de deliberação pelo órgão fracionário, sendo vedada a rejeição ou acolhimento da arguição apenas pelo relator. O cabimento do incidente deve ser examinado somente pelos julgadores votantes no recurso em que a arguição foi suscitada, a não ser que haja disposição regimental em sentido contrário.

III. Suspensão do processo

Suscitada a arguição de inconstitucionalidade perante o órgão fracionário, será suspenso o julgamento do processo.

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IV. Rejeição da arguição de inconstitucionalidadeA rejeição a que alude o art. 949, inciso I, do CPC/2015, refere-se ao incidente de arguição,

não à inconstitucionalidade. Assim, se o órgão fracionário, após a oitiva do Ministério Público e das partes, considerar a questão constitucional irrelevante para o julgamento do mérito, rejeitará a arguição e prosseguirá no julgamento do processo. A rejeição da arguição deverá ser manifes-tada pela maioria dos componentes do órgão fracionário. O sistema processual não prevê o cabi-mento de recurso contra a decisão que rejeita o incidente de arguição de inconstitucionalidade.

V. Acolhimento da arguição de inconstitucionalidadeSe o órgão fracionário acolher a arguição, deverá remetê-la ao plenário do tribunal ou ao

órgão especial, se houver. Conforme assenta o art. 93, inciso XI, da Constituição, poderá ser constituído órgão especial nos tribunais com mais de vinte e cinco julgadores, o qual será cons-tituído pelo mínimo de onze e pelo máximo de vinte e cinco membros, cabendo-lhe o exercício de atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno. O sistema processual não prevê o cabimento de recurso contra a decisão que admite a arguição de inconstitucionalidade.

VI. Prévia manifestação sobre a questão de constitucionalidadeSe o plenário do tribunal ou seu órgão especial ou se o plenário do Supremo Tribunal Fede-

ral já tiverem se manifestado sobre a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, os órgãos fracionários não deverão submetê-la novamente ao plenário ou ao órgão especial do respectivo tribunal. Ocorre que o art. 949, parágrafo único, do CPC/2015, estabelece a vincula-ção do órgão fracionário à decisão anteriormente proferida pelo plenário ou órgão especial do respectivo tribunal ou pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Atente-se que a dispensa de submissão à regra da reserva de plenário só será possível se tiver ocorrido declaração sobre a constitucionalidade da mesma lei ou ato normativo. A anterior decretação de inconstituciona-lidade de leis similares editadas por outros entes, não autoriza a exceção à regra da reserva de plenário. Suponha-se que a lei orgânica de determinado município preveja o repasse de receitas em favor de uma instituição de ensino superior gerida por uma fundação municipal. Imagine-se que seja decretada a inconstitucionalidade do dispositivo da lei orgânica com fundamento no art. 165 da Constituição Federal, ao argumento de que cabe exclusivamente ao executivo municipal dispor sobre suas receitas e despesas. Considerado esse cenário, tem-se que a inconstituciona-lidade do dispositivo da lei orgânica de um determinado município não autoriza a dispensa da reserva de plenário para o exame de constitucionalidade de lei orgânica de outro município que preveja o repasse de verbas para o financiamento de determinada instituição de ensino superior. A submissão da questão ao plenário ou ao órgão especial poderá levar a entendimento diverso ao que fora adotado no exame de constitucionalidade da lei do primeiro município. O respeito à reserva de plenário é fundamental para que seja resguardada eventual modificação na concepção do tribunal sobre a constitucionalidade da questão.

VII. Declaração prévia de inconstitucionalidade e novo fundamento

A doutrina assinala a possibilidade de submissão da arguição de inconstitucionalidade ao pleno ou ao órgão especial quando a constitucionalidade for tratada sob fundamento não apre-ciado na decisão anterior proferida pelo plenário do STF, ou pelo plenário ou órgão especial do respectivo tribunal. Esse entendimento está correto e preserva o caráter dinâmico do controle de constitucionalidade. Um novo fundamento pode ensejar a prolatação de decisão diferente sobre o tema. Ademais, os valores subjacentes à concepção do tribunal sobre a constitucionalidade de

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determinada lei podem se alterar com o passar do tempo, o que legitima a realização de novo exame sobre a constitucionalidade. Não se pode admitir que posições rígidas engessem o con-trole de constitucionalidade difuso, impondo-se novo exame sobre a constitucionalidade do ato normativo quando houver elementos que diferenciem a arguição atual da que fora anteriormente suscitada.

VIII. Afastamento da incidência de lei ou de ato normativo e reserva de plenário

Nos termos da Súmula Vinculante nº 10, do Supremo Tribunal Federal, deverá ser observada a reserva de plenário mesmo que o órgão fracionário não decrete a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, mas se limite a afastar sua incidência no todo ou em parte. É nítido, portanto, que o órgão fracionário não poderá nem mesmo afastar a incidência de determinada lei ou ato normativo se considerar presente a inconstitucionalidade. Nada poderá fazer além de submeter a arguição de inconstitucionalidade ao plenário do tribunal ou, se houver, ao órgão especial.

IX. Julgados

Rejeição da arguição de inconstitucionalidade pelo órgão colegiado e retorno do proces-so ao órgão fracionário

“[...] 2. Declarada a constitucionalidade da norma impugnada pelo órgão especial do tribunal, seu órgão fracionário deve retomar o julgamento, aplicando o direito à espécie. [...]. 4. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido” (STJ, 2ª T., REsp nº 970.215/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 2/6/2009, DJe de 19/6/2009).

Acolhimento da arguição e retorno dos autos ao órgão fracionário para julgamento do processo

“[...] 3. Apenas a título de esclarecimento, cumpre salientar que o acórdão ora embargado, ao asseverar que os autos retornaram ao órgão fracionário para julgar ‘questões remanescentes’, apenas relatou o trâmite processual seguido pelo Tribunal de origem, que, inclusive, decorre da própria sistemática do art. 481 do CPC, segundo a qual, acolhida a arguição de inconstituciona-lidade, o julgamento do recurso pela turma julgadora fica sobrestado até que o Pleno aprecie a prejudicial de inconstitucionalidade, e, após, os autos são devolvidos ao órgão fracionário para apreciação do caso concreto, aplicando a tese firmada pelo Pleno. 4. Na hipótese, após decla-rada a inconstitucionalidade do referido artigo da Lei 10.865/04, cumpria ao órgão fracionário, diante da existência de cumulação de pedidos, apreciar o caso concreto, para decidir se acolhia o pedido principal, no qual o recorrente postulou o aproveitamento de créditos de PIS e de CO-FINS decorrentes de todos os bens que compõem o ativo imobilizado até 30.4.2004, ou o pedido secundário, referente ao creditamento apenas daqueles bens adquiridos ‘entre a vigência da não cumulatividade e 30/4/2004’, tendo a Segunda Turma do Tribunal Regional decidido pelo aco-lhimento daquele pedido subsidiário de aproveitamento dos créditos relativos aos bens adqui-ridos a partir da vigência da não cumulatividade. 5. Embargos de declaração rejeitados” (STJ, 2ª T., EDcl no REsp nº 1.238.360/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 7/6/2011, DJe de 14/6/2011).

Casos similares e necessidade de observância da reserva de plenário

“[...] 1. Os arts. 480 a 482 do CPC devem ser interpretados na forma da Súmula Vinculante 10/STF, segundo a qual ‘viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte’. 2. Na hipótese, não

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podia o órgão fracionário declarar a inconstitucionalidade do Decreto Estadual 2.460/89, sem observar as regras contidas nos arts. 480 a 482 do CPC, ou seja, sem suscitar o incidente de de-claração de inconstitucionalidade. 3. Cumpre esclarecer que, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC, ‘os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão’. Conforme se verifica, a regra exceptiva exige o prévio pronunciamento sobre a questão pelo plenário (ou órgão especial) do respectivo tribunal ou pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, de modo que a existência de precedentes em casos similares – que levaram em consideração a legislação de outros entes federativos –, por si só, não é suficiente para afastar a cláusula de reserva de plenário. 4. Recurso especial provido” (STJ, 2ª T., REsp nº 1.076.299/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 19/10/2010, DJe de 27/10/2010).

X. Súmulas

Súmula Vinculante nº 10 do STF: “Viola a cláusula da reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão do órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucio-nalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

Súmula nº 513 do STF: “A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extra-ordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmara, Grupo ou Turmas) que completa o julgamento do feito”.

Art. 950 - Remetida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.§ 1º - As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento interno do tribunal.§ 2º - A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da Constituição Federal poderá manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto da apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o direito de apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos.§ 3º - Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

I. Julgamento da arguição de inconstitucionalidade

Será remetida cópia do acórdão do órgão fracionário que admitiu o processamento da argui-ção de inconstitucionalidade para cada um dos componentes do plenário ou do órgão especial do tribunal. O plenário ou o órgão especial só poderão se manifestar sobre a questão concernente à constitucionalidade de lei ou ato normativo, sendo-lhes vedado analisar qualquer outra questão atinente ao processo.

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II. Manifestação da pessoa jurídica de direito público que editou a lei ou ato normativo

A pessoa jurídica que tiver editado o ato normativo poderá ser ouvida, se assim o requerer, nos termos do regimento interno do tribunal. O objetivo é permitir a mais ampla discussão sobre a constitucionalidade do ato normativo. No Regimento Interno do E. TJSP a arguição de inconsti-tucionalidade é disciplinada nos arts. 190 e 191. Por sua vez, no Regimento Interno do E. TJPR o tema é tratado nos arts. 270 a 272. Não há regra específica, nos referidos regimentos internos, sobre a manifestação das pessoas jurídicas que tiverem editado o ato cuja constitucionalidade é examinada. Ocorre que o CPC/2015, lei federal, obviamente se sobrepõe aos regimentos inter-nos. Considerando que o código possibilita a oitiva, evidentemente a falta de regra específica nos regimentos não pode ensejar a inadmissibilidade de oitiva do ente público. Requerida a ma-nifestação pelo ente público que editou a lei, deverá o tribunal abrir vistas para a manifestação, a fim de que o ente público indique as razões que o levaram a considerar constitucional o ato normativo impugnado.

III. Manifestação dos legitimados à propositura de ações diretas de inconstitucionalida-de e declaratória de constitucionalidade

No art. 950, § 2º, admite-se a manifestação no incidente de arguição de inconstitucionalidade de todas as pessoas legitimadas à propositura de ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, arroladas no art. 103 da Constituição. O objetivo é permitir a mais ampla discussão sobre o tema. Evidentemente a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo desperta amplo interesse social, razão pela qual o código permite que sejam ouvidos os legitimados à propositura de ações de controle concentrado. Quanto mais amplo for o debate sobre o tema, melhor terá sido o exercício do controle de constitucionalidade.

IV. Representatividade adequada e manifestação de terceiros

Desde que exerçam representação adequada de determinado setor da sociedade, poderão ser ouvidos órgãos ou entidades não elencados no art. 103 da Constituição. Basta imaginar determi-nada associação constituída para a proteção do interesse ambiental na arguição de determinada lei que discipline a proteção ao meio ambiente. Embora não conste no rol do art. 103 e não seja parte na causa, referida associação poderá ser ouvida se representar adequadamente os interesses que se dispôs a defender. Nos termos do art. 950, § 3º, do CPC/2015, a decisão que admitir a ma-nifestação de entidade que represente adequadamente determinados interesses será irrecorrível. Também não será recorrível a decisão que rejeitar o pedido de manifestação de terceiro que se considere representante adequado de determinada categoria.

V. Vinculação do órgão fracionário à decisão do plenário ou do órgão especial

A decisão sobre a constitucionalidade proferida pelo órgão especial ou pelo plenário vincu-lará o órgão fracionário. Após o julgamento do incidente de arguição caberá ao órgão fracioná-rio prosseguir o julgamento do processo, suspenso a partir do momento em que a arguição foi suscitada.

VI. Julgados

Vinculação do órgão fracionário à decisão do órgão especial

“Reexame Necessário. Mandado de Segurança. Concessão em 1º Grau. Autuação Administra-tiva por Venda Ambulante de Botijões de Gás (GLP). Lei Municipal n. 824/2006 de Piraquara. Matéria de Fundo Constitucional. Arguição de Constitucionalidade. Inconstitucionalidade De-

Art. 950

1486

Ricardo Alexandre da Silva

clarada pelo Órgão Especial. Reserva de Plenário respeitada. Vinculação deste Órgão Fracioná-rio à Decisão do incidente. Sentença Concessiva da Segurança Confirmada em Sede de Reexame Necessário. Entendeu o Órgão Especial deste TJPR que, por violação do estatuído nos artigos 22, IV, e 238 da Constituição, o Município de Piraquara, ao editar a Lei nº 824 de 11 de maio de 2006, invadiu competência privativa da União, sendo referido diploma eivado de inconstitucio-nalidade formal. Julgada agora a questão constitucional pelo órgão competente desta Corte, não resta outra solução senão confirmar, em sede de reexame necessário, a sentença que concedeu a segurança, pois a autuação e imposição de multa administrativa à impetrante se deu com base naquela lei viciada, praticando assim a autoridade coatora ato abusivo e ilegal, que merece ser afastado nesta via mandamental, reconhecendo-se o direito líquido e certo do impetrante em exercer sua atividade comercial de revendedora de GLP autorizada pela Agência Nacional do Petróleo” (TJPR, 5ª C. Cível, Reexame Necessário nº 976.042-1, Rel. Des. Rogério Ribas, j. em 5/5/2015, DJe de 25/5/2015).

Art. 950

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Ana Cândida Menezes Marcato

Art. 951 - O conflito de competência pode ser suscitado por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou pelo juiz. Parágrafo único - O Ministério Público somente será ouvido nos conflitos de competência relativos aos processos previstos no art. 178, mas terá qualidade de parte nos conflitos que suscitar.

AutoraAna Cândida Menezes Marcato

I. Esclarecimentos iniciais

O CPC/2015 alterou a topologia das normas que tratam do conflito de competência, discipli-nando esse incidente em seu Livro III (Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais), e não mais junto às regras de fixação de competência, como no CPC/1973, deixando claro que os dispositivos legais sob exame têm aplicação nos incidentes relacionados a conflitos instaurados entre órgãos de primeiro ou de segundo graus, devendo o vocábulo “juiz”, utilizado por seu art. 951, ser entendido como autoridade investida de poder jurisdicional, qual-quer que seja a sua posição hierárquica.

Quanto à caracterização do conflito, tem-se decidido que “a mera potencialidade ou risco de que sejam proferidas decisões conflitantes é suficiente para caracterizar o conflito de compe-tência, consoante interpretação extensiva conferida por esta Corte ao disposto no artigo 115 do Código de Processo Civil” (STJ, 2ª Seção, AgRg no CC nº 112.956/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 2/5/2012 – grifo nosso).

Acerca das características e da forma de configuração do conflito de competência, vide art. 66 do CPC/2015.

II. Legitimidade para suscitar o conflito

O conflito, positivo ou negativo, pode ser suscitado de ofício pelo juiz, ou, ainda, pelas partes ou pelo Ministério Público.

Sendo suscitado pelo juiz, a causa determinante do conflito será a incompetência absoluta, pois a arguição da relativa depende de iniciativa da parte, não podendo, em regra, ser declarada de ofício, nos termos da Súmula nº 33 do Superior Tribunal de Justiça. A exceção está, no entanto, na possibilidade de o juiz suscitar conflito de competência baseado em causa de incompetência relativa, fundada na abusividade de cláusula de eleição de foro (CPC/2015, art. 63, §§ 3º e 4º).

Sendo suscitado pelo tribunal – e a despeito da existência de posicionamento contrário –, o suscitante poderá ser tanto um órgão colegiado quanto monocrático. Eis o exemplo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo art. 200 do Regimento Interno permite que o conflito também possa ser suscitado pelo presidente da Seção ou por órgão fracionário:

“Conflito Negativo de Competência Interna. Desembargador aposentado. Prevenção para re-cursos subsequentes que é do sucessor da cadeira. Eventual substituição, no período de vacância da cadeira, que não gera prevenção. Conflito dirimido em desfavor do eminente desembargador

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Ana Cândida Menezes Marcato Art. 952

suscitante, a quem cabe a relatoria do novo recurso. Conflito Procedente” (TJSP, Turma Espe-cial – Privado 1, CC nº 0031934-54.2015.8.26.0000, Rel. Des. José Joaquim dos Santos, DJe de 19/6/2015 – grifo nosso).

“Conflito de competência. Recurso redistribuído por motivo de prevenção. [...]. Possibilidade de reconhecimento de prevenção do relator que conheceu do primeiro incidente processual rela-tivo a uma das ações reunidas. Aplicabilidade, no caso, do art. 226, caput, do Regimento Interno (atual art. 102, caput), por derivarem as ações originárias do mesmo contrato ou relação jurídica. Conflito procedente, firmada a competência do Relator suscitante” (TJSP, Órgão Especial, CC nº 0229243-93.2009.8.26.0000, Rel. Des. José Santana, DJ de 5/4/2010 – grifo nosso).

Quanto ao terceiro, em regra, não tem legitimidade para suscitar o conflito de competência, pois “[...] sem a qualificação de parte nas ações referenciadas, falta-lhe legitimação ativa para suscitar o conflito (art. 116, CPC)” (STJ, 1ª Seção, CC nº 26.967/PE, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 11/3/2002).

Denota-se a exceção a essa regra na existência de interesse jurídico do terceiro que o sujeite à eficácia da sentença (como acontece, por exemplo, com o assistente):

“[...] I – ‘Pode suscitar conflito de competência quem quer que esteja sujeito à eficácia da sen-tença, que qualquer dos juízes, no conflito positivo de competência, possa proferir. Neste caso, a apreciação da legitimidade para arguição depende mais da existência de interesse jurídico do requerente que propriamente de sua qualidade como parte’(CC 32.461/GO, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ 24/6/02), não havendo que se falar, portanto, em ilegitimidade da empresa que teve a falência decretada para suscitar o presente Conflito, a pretexto de que apenas o síndico da massa falida poderia fazê-lo. [...]” (STJ, 2ª Seção, AgRg no CC nº 112390/PA, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 10/11/2010).

III. Ministério Público

Nos termos do caput do artigo sob exame, o Ministério Público poderá suscitar o conflito de competência na qualidade de parte. No entanto, agindo na qualidade de fiscal da ordem jurídica (parágrafo único), o CPC/2015 traz inovação referente à obrigatoriedade de sua oitiva apenas nos conflitos relativos aos processos previstos pelo art. 178. Em outras palavras, o Ministério Público somente será obrigatoriamente ouvido nos conflitos de competência, na qualidade de custos legis, quando se tratar de causas que envolvam interesse público ou social, interesses de incapaz ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana (e nos demais casos previstos expressamente na lei ou na CF).

Art. 952 - Não pode suscitar conflito a parte que, no processo, arguiu incompetência relativa.Parágrafo único - O conflito de competência não obsta, porém, a que a parte que não o arguiu suscite a incompetência.

I. Ilegitimidade para suscitar o conflito de competência

Tendo a parte ré – única legitimada a alegar incompetência relativa, pois o autor é a parte

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Ana Cândida Menezes Marcato Art. 952

que deu causa ao vício – já se manifestado sobre a matéria atinente à competência, arguindo a incompetência relativa em preliminar de contestação (CPC, art. 337, inciso II), não mais possui interesse processual em suscitar conflito de competência. Isto porque sua iniciativa em suscitar o conflito representaria repetição inaceitável do ato processual já esgotado por meio da alegação de incompetência relativa; em outras palavras, arguida a incompetência relativa na contestação, ocorre preclusão consumativa da faculdade de o próprio réu suscitar questões relacionadas à competência. Nesse sentido:

“Conflito positivo de competência. Suscitante que ofereceu exceção de incompetência. Con-flito não conhecido.

1.- Segundo dispõe o artigo 117 do Código de Processo Civil, ‘não pode suscitar conflito a parte que, no processo, ofereceu exceção de incompetência.’ Precedentes.

2.- Agravo Regimental provido, para não conhecer do Conflito de Competência” (STJ, 2ª Seção, AgRg nos EDcl no CC nº 106934/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 4/11/2011).

Por outro lado, mesmo se já arguida a incompetência em preliminar de contestação, pode ser suscitado conflito com base em outro fundamento, pois a precedente alegação de incompetência não obsta o conhecimento de conflito resultante de causa absolutamente distinta daquela em que se fundou a arguição anterior. Portanto, não se pode interpretar a regra processual contida no art. 952 do CPC/2015 de modo a gerar uma situação de impasse, subtraindo da parte meios de insur-gir-se contra uma situação que repute injusta, eis que o direito processual deve, à luz do princí-pio da instrumentalidade, e sempre que possível, estar a serviço do direito material (argumentos extraídos do voto da Ministra Nancy Andrighi ao relatar o CC nº 111.230-DF, 2ª Seção, DJe de 3/4/2014).

II. Possibilidade de alegação de incompetência relativa

Já estando em processamento o conflito de competência suscitado pelo autor, pelo Ministério Público ou pelo juiz, de ofício, o réu poderá arguir a incompetência relativa, em preliminar de contestação, sem qualquer empecilho:

“Processo civil. Embargos de declaração em agravo em conflito de competência. Inexistência de prorrogação de competência ou de sentença com trânsito em julgado. Suscitação a tempo. Exceção de incompetência apresentada por pessoa diversa da suscitante. Inaplicabilidade do disposto no art. 117 do CPC.

[...] - Inaplicável, na espécie, o disposto no art. 117 do CPC, pois a exceção de incompetência foi apresentada por outra pessoa. [...]” (STJ, 2ª Seção, EDcl no AgRg no CC nº 39340/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 10/5/2004).

Por fim, o art. 955 do CPC/2105 prevê a possibilidade de o conflito positivo de competência ensejar o sobrestamento do processo – determinado pelo relator, de ofício, ou a requerimento das partes –, impedindo-se a prática de qualquer ato. Por isso, é importante salientar que o disposto no parágrafo único do art. 952 ora comentado somente terá aplicação caso esse sobrestamento não tenha sido determinado. Já estando sobrestado o feito, em virtude de conflito de competência suscitado antes do prazo para apresentação da defesa, o réu deverá aguardar o julgamento do incidente, oportunidade em que poderá apresentar a sua contestação e, se for o caso, arguir em sede preliminar a incompetência relativa, com base em fundamento diferente.

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Ana Cândida Menezes Marcato Art. 953

Art. 953 - O conflito será suscitado ao tribunal: I - pelo juiz, por ofício; II - pela parte e pelo Ministério Público, por petição. Parágrafo único - O ofício e a petição serão instruídos com os documentos necessários à prova do conflito.

I. Competência para apreciar o conflito de competência

Nos termos do caput do art. 953, o conflito de competência será suscitado ao tribunal compe-tente para conhecê-lo, dependendo de sua relação funcional com os órgãos jurisdicionais envol-vidos no incidente.

A Constituição Federal norteia o estabelecimento dessa competência, apontando algumas das hipóteses (arts. 102, inciso I, o, 105, inciso I, d, 108, inciso I, e 114, inciso V) e explicitando onde encontrar as demais (arts. 121 e 125, § 1º). Eis o rol de possibilidades:

1. Tribunais de Justiça Estaduais

Competentes para conhecer conflitos de competência havidos entre juízes de direito estaduais, de primeira instância, e aqueles ocorridos entre integrantes do próprio tribunal (art. 125, § 1º, CF).

No caso específico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, a Câmara Especial é competente para julgar os conflitos de competência entre juízes de primeira instância, devendo a petição ser endereçada ao presidente da Câmara Especial, que é o vice-presidente do tribunal (cf. arts. 33, inciso II, e 200 do regimento interno do TJSP). Por outro lado, o Órgão Especial é o competente para conhecer dos conflitos de competência entre os órgãos do tribunal pertinentes a seções diversas (cf. arts. 8º e 13, inciso I, e, do regimento interno);

2. Tribunais Regionais Federais

Competentes para apreciar os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao tribunal (CF, art. 108, inciso I, e); entre os membros do próprio tribunal; entre juiz federal e juiz estadual investido de jurisdição federal (Súmula nº 3/STJ); e entre juizado especial federal e ju-ízo federal da mesma seção judiciária (Súmula nº 428/STJ);

3. Tribunais Regionais do Trabalho

Competentes para apreciar os conflitos de competência entre juízes trabalhistas vinculados aos tribunais regionais, ainda que distintos (CF, art. 114, inciso V, e Súmula nº 236/STJ); entre os membros do próprio tribunal;

4. Superior Tribunal de Justiça

Competente para processar e julgar os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, inciso I, o, da CF; entre tribunal e juízes a ele não vinculados; entre juízes vinculados a tribunais diversos; e entre seus próprios membros (CF, art. 105, inciso I, d);

5. Supremo Tribunal Federal

Competente para apreciar os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais; entre os tribunais superiores; e entre os tribunais superiores e qualquer outro tribunal (CF, art. 102, inciso I, o).

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Ana Cândida Menezes Marcato Art. 953

II. Trâmite procedimental

O conflito de competência será suscitado por ofício, caso seja de iniciativa do juiz e endere-çado à autoridade competente para o seu processamento, observado, para tanto, o disposto no respectivo regimento interno.

Suscitado pelas partes ou pelo Ministério Público, o conflito será formalizado por meio de petição, igualmente endereçada ao tribunal competente e à autoridade processante também indi-cada no regimento interno.

Tanto o ofício quanto a petição devem ser fundamentados, contendo as razões do convenci-mento do suscitante do conflito, além dos documentos comprobatórios necessários. Vale lembrar que, sendo o conflito suscitado pelas partes, é necessária a juntada da procuração do advogado do suscitante; não apresentada, deverá ser franqueada à parte a chance de suprir o vício, nos termos do art. 76 do CPC/2015, sob pena de interpretação analógica aos termos da Súmula nº 115/STJ:

“[...] Falimentar. Instrução. CPC, art. 118. Não essencialidade dos instrumentos procurató-rios. Recurso. Procuração. Peça obrigatória. Súmula n. 115/STJ. Juntada tardia. Descabimento. Improvimento.

I. As procurações outorgadas pelos litigantes não são necessárias à prova do conflito, que pode ter solução independente da interferência das partes. Porém, a partir do momento em que elas intervêm nos autos, devem fazê-lo regularmente representadas, ante o óbice inscrito na Súmula n. 115/STJ.

II. Descabe a juntada posterior de peça imprescindível ao conhecimento de recurso já inter-posto (STJ, 2ª Seção, EDcl no AgRg no CC nº 33346/GO, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 26/8/2002).

III. Prova do conflito

O ofício ou a petição apresentados para formalizar o conflito de competência devem vir instruí-dos com os documentos necessários à comprovação da existência de juízes em conflito, e, ainda, de elementos que possam demonstrar qual deles é, em princípio, o competente para processar e julgar a causa.

A ausência de apresentação dos documentos necessários tem por consequência o não conheci-mento do conflito suscitado:

“Processual civil. Conflito de competência. Agravo regimental. Má-formação do conflito. Ausência de peças obrigatórias. Art. 118 do CPC. Agravo não provido.

1. De acordo com o art. 118 do Código de Processo Civil o conflito de competência poderá ser suscitado pela parte, por petição, que deverá ser instruída com documentos necessários à prova do conflito, não só para a comprovação da existência de juízos em conflito, mas a fim de possi-bilitar decidir a qual deles incumbe o processamento e julgamento da causa.

2. Ausentes tais peças, como no caso dos autos, o não conhecimento do conflito é medida que se impõe, notadamente quando nem mesmo na petição do agravo regimental foram trazidos os documentos necessários ao exame do alegado conflito. [...]” (STJ, 2ª Seção, AgRg no CC nº 139046/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe de 6/4/2015 – grifo nosso).

“Agravo Regimental em Conflito de Competência - Instrução Deficiente - Ausência de Peças Indispensáveis à Compreensão da Controvérsia - Não Conhecimento - Precedentes da Segunda Seção do STJ.

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Ana Cândida Menezes Marcato

1. Aberto prazo para sanar a deficiência da instrução do feito, mormente quanto à necessidade de juntada da decisão judicial de decretação de falência e de outras peças indispensáveis à com-preensão da controvérisa, o desatendimento pela suscitante implica na impossibilidade de se conhecer do conflito de competência, consoante orientação firmada no âmbito da Segunda Seção do STJ. Precedentes. [...]” (STJ, 2ª Seção, AgRg no CC nº 126039, Rel. Min. Marco Buzzi, DJE de 15/12/2014).

“Conflito Negativo de Competência. Alegação de inocorrência de prevenção em razão do concurso de credores na desapropriação com as execuções por sub-rogação e ações regressivas. Falta de prova do alegado. Descumprimento do parágrafo único do art. 118, do Código de Pro-cesso Civil. Conflito não conhecido” (TJSP, Turma Especial de Direito Público, CC nº 0118092-20.2012.8.26.0000, Rel. Des. Moreira de Carvalho, DJe de 7/1/2013).

Art. 954 - Após a distribuição, o relator determinará a oitiva dos juízes em conflito ou, se um deles for suscitante, apenas do suscitado. Parágrafo único - No prazo designado pelo relator, incumbirá ao juiz ou aos juízes prestar as informações.

I. Oitiva dos juízes em conflito

Cumpridas as fases de instauração e distribuição do conflito de competência – com o registro e encaminhamento do feito ao relator competente (vide comentários ao art. 953) –, tem início a fase de oitiva dos conflitantes. Tendo sido suscitado pela parte ou pelo Ministério Público, ambas as autoridades judiciárias envolvidas no conflito deverão ser ouvidas, a fim de que justifiquem suas respectivas posições:

“[...] 2. A matéria debatida, relativa à validade, ou não, de cláusula de eleição de foro, exige uma análise mais cuidadosa, sendo pertinente a manifestação dos Juízos apontados em confli-to, os quais poderão prestar esclarecimento necessário e relevante ao julgamento. Embora os precedentes mencionados pela requerente, aparentemente, guardem semelhança com a hipótese destes autos, há necessidade de apreciar detidamente os elementos juntados aos autos e as de-mais peças e informações que serão trazidas pelos Juízes em conflito, nos termos do que dispõe o art. 119 do Código de Processo Civil.

3. Agravo regimental desprovido” (STJ, 2ª Seção, AgRg no CC nº 35998/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 21/10/2002 – grifo nosso).

Por outro lado, caso o conflito de competência tenha sido suscitado pelo juiz, fica dispensada a sua oitiva – ouvindo-se apenas a parte suscitada –, pois seus argumentos sobre o incidente já foram expostos no ofício dirigido ao tribunal, sendo inócua a sua repetição.

A depender do caso concreto, e estando o incidente bem instruído desde o início, pode-se afastar a necessidade de oitiva dos conflitantes:

“[...] 7. A audiência dos juízos em conflito não constitui providência obrigatória estando os autos devidamente instruídos (Edcl/CC 403-BA, Rel. Min. Torreão Braz, DJ 13/12/93, apud Código de Processo Civil Anotado, 7ª edição, 2003, Saraiva, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira). [...]” (STJ, 1ª Seção, CC nº 41444/AM, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16/2/2004).

Art. 954

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Ana Cândida Menezes Marcato Art. 955

Por fim, embora a redação do artigo não traga explicitamente essa possibilidade, uma in-terpretação sistêmica do novo diploma processual permite concluir pela viabilidade de oitiva também das partes, e não apenas dos juízes conflitantes. De fato, decorre da análise do capítulo relacionado às normas fundamentais a necessária observância dos princípios da cooperação e do contraditório, evitando-se a chamada “decisão surpresa” (CPC/2015, arts. 6º, 9º e 10).

Portanto, sendo necessário, as partes podem ser ouvidas durante a tramitação do incidente do conflito de competência, pois a decisão final as afetará diretamente (sejam ambas as partes, quando o conflito não é suscitado por elas; seja apenas a parte que não o suscitou).

II. Prazo

As informações serão prestadas no prazo estipulado pelo relator, levando em conta a complexi-dade do caso e fluirá em dias úteis (CPC/2015, arts. 218, § 1º, e 219). Não sendo estipulado prazo específico, deverão ser prestadas no prazo geral de 5 (cinco) dias úteis (arts. 218, § 3º, e 219).

Art. 955 - O relator poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, determinar, quando o conflito for positivo, o sobrestamento do processo e, nesse caso, bem como no de conflito negativo, designará um dos juízes para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes. Parágrafo único - O relator poderá julgar de plano o conflito de competência quando sua decisão se fundar em: I - súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; II - tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

I. Esclarecimentos iniciais

O artigo em questão faz menção tanto ao conflito positivo de competência (quando dois ou mais órgão jurisdicionais afirmam a sua competência) quanto ao conflito negativo (quando dois ou mais órgãos jurisdicionais se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a competên-cia), ambos conceituados pelo art. 66 do CPC/2015.

Ressalte-se que o art. 955 traz duas alterações pontuais em seu parágrafo único: i) a primeira diz respeito à substituição da expressão “jurisprudência dominante”, pelas súmulas dos Tribu-nais Superiores ou do próprio tribunal e pelas teses firmadas em casos repetitivos e incidentes de assunção de competência; ii) a segunda é a supressão da menção ao cabimento do agravo, pois essa hipótese já se encontra disciplinada no regramento geral de agravo interno, cabível em face de decisões do relator (CPC/2015, art. 1.021).

II. Sobrestamento do processo

Embora conste do artigo sob exame que o relator “poderá” determinar o sobrestamento do processo, sua correta leitura impõe o reconhecimento de que se trata de um dever, não de um poder. Isto porque, suscitado o conflito, os autos do processo permanecem no grau de origem, daí o sobrestamento de seu curso ser medida obstativa da prática de atos processuais por órgão

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Ana Cândida Menezes Marcato

jurisdicional que pode ser, ao final, reconhecido como incompetente; assim, a providência de sobrestamento evita a prática de atos inúteis e a tomada de decisões que, futuramente, possam vir a ser declaradas nulas.

Esse sobrestamento poderá ser necessário apenas nos casos de conflito positivo de competên-cia, pois nos negativos a tramitação do processo já estará automaticamente suspensa, visto que nenhum dos juízes envolvidos reconhece sua competência para o processamento da causa – e, consequentemente, para a prática de qualquer ato processual. Mas, é evidente, os atos já prati-cados antes do sobrestamento continuam a surtir efeito até que o conflito seja julgado, sejam cassados por via recursal ou por qualquer outro meio adequado de impugnação, ou, ainda, até que sejam reapreciados pelo juiz designado pelo relator para conhecer das medidas de urgência.

Em outras palavras: uma medida liminar concedida anteriormente ao sobrestamento, por exemplo, permanece válida (i) até que o conflito de competência seja julgado – não cabendo ao relator a sua reapreciação –, (ii) até que seja eventualmente cassada pelo acórdão que julga re-curso de agravo de instrumento anteriormente interposto ou, ainda, (iii) até que seja reapreciada pelo órgão jurisdicional escolhido pelo relator, dentre os conflitantes, para conhecer de eventuais medidas de urgência (caso seja necessária essa designação – vide comentários ao item III).

III. Resolução de medidas urgentes

Estando o feito sobrestado, e tratando-se de conflito positivo ou negativo de competência, o relator pode designar um dos juízes envolvidos no conflito, em caráter provisório, para conhecer de medidas urgentes. Ou seja: suspensa a tramitação do processo e a prática de quaisquer atos decisórios pelos conflitantes – e existindo circunstância fática ou processual superveniente que demande concessão de uma medida urgente –, o relator escolherá um deles para adotar as medi-das urgentes em caráter de provisoriedade.

Esse dispositivo visa evitar que potenciais situações causadoras de danos graves ou de difícil reparação permaneçam sem apreciação durante o sobrestamento; contudo, aplica-se apenas em casos de real urgência:

“Dissolução de sociedade. Conflito de competência negativo. Sobrestamento do feito. Pedido de realização de auditoria. Medida que não é urgente. Recurso improvido. A determinação de realização da auditoria não é medida urgente e de tal modo não era passível de apreciação pelo juiz, tendo em vista que não há notícia de que a postergação da realização da prova possa acar-retar prejuízos à empresa” (TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Agravo Regimental nº 062697-77.2011.8.26.0000, Rel. Des. Jesus Lofrano, DJe de 8/6/2011).

Designado o juiz com competência provisória, e concedida eventual medida urgente, esta terá sua validade resguardada até o julgamento do conflito, oportunidade em que poderá ser revista ou convalidada pela autoridade ao final declarada como competente.

IV. Possibilidade de julgamento de plano do conflito por decisão monocrática do relator

Presentes as condições enunciadas pelo parágrafo único do art. 955, o relator poderá, em de-cisão monocrática, decidir de plano o conflito de competência.

Essas condições para o julgamento de plano vinham enunciadas pelo CPC/1973 sob a rubrica de “jurisprudência dominante do tribunal”, passando o CPC/2015 a enunciá-las como “súmulas dos tribunais superiores ou dos próprios tribunais” ou “teses firmadas em julgamentos de casos repetitivos ou incidentes de assunção de competência” (vide, ainda, CPC/2015, art. 927).

Art. 955

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Ana Cândida Menezes Marcato

Independentemente da rubrica, o espírito do legislador era o de fixar circunstâncias em que o julgamento do conflito de competência pudesse ocorrer sem a necessidade da obtenção de outros elementos de convicção, pois fundado em orientação jurisprudencial já sedimentada. Então, em última análise, tanto as súmulas quanto os julgamentos repetitivos e de incidentes de assunção de competência também se consubstanciam em meios pelos quais se firma e se unifica o entendi-mento de determinado tribunal acerca de tema específico.

Presentes os requisitos, o relator poderá decidir o conflito de competência de plano, por deci-são monocrática:

“Agravo regimental no conflito negativo de competência. Violação do princípio da colegia-lidade. Inexistência. [...] 1. Nos termos do disposto no art. 120 do Código de Processo Civil c/c o art. 3º do Código de Processo Penal, é possível o julgamento do conflito de competência por decisão monocrática com base no entendimento jurisprudencial dominante desta Corte, sendo certo, outrossim, que a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito dos Tribunais Superiores tem o condão de preservar o princípio da colegialidade. [...]” (STJ, 3ª Seção, AgRg no CC nº 133334, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 17/11/2014).

“Processo civil. Agravo regimental no conflito de competência. Possibilidade de resolução da controvérsia por decisão monocrática. Art. 120, parágrafo único, do CPC. [...] 1. Constatada a existência de jurisprudência dominante do Tribunal, nada obsta – e até se recomenda – que o relator decida, de plano, o conflito de competência. Aplicação do art. 120, parágrafo único, do CPC. [...]” (STJ, 2ª Seção, AgRg no CC nº 120642/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 18/11/2014 – grifo nosso).

“Agravo regimental no conflito de competência. Ofensa ao princípio da colegialidade. Sumu-lado. Inexistência. [...]

1. Não há ofensa ao princípio da colegialidade se a questão suscitada é decidida com lastro na jurisprudência dominante do tribunal, inclusive sumulada, conforme autoriza o art. 120, pa-rágrafo único, do Código de Processo Civil c/c o art. 3º do Código de Processo Penal” (STJ, 3ª Seção, AgRg no CC nº 110372/AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJE de 16/10/2014 – grifo nosso).

Por fim, decidido o conflito de competência por meio de decisão monocrática, esta desafiará a interposição, ao órgão colegiado e em 15 dias úteis, do agravo interno disciplinado no regra-mento geral do recurso cabível em face de decisões de relatores (CPC/2015, arts. 219, 1.003, § 5º, e 1.021).

Art. 956 - Decorrido o prazo designado pelo relator, será ouvido o Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, ainda que as informações não tenham sido prestadas, e, em seguida, o conflito irá a julgamento.

I. Esclarecimentos iniciais

Cumpre salientar que esse artigo estaria topologicamente melhor posicionado se viesse logo em seguida ao art. 954, que trata da oitiva dos órgãos jurisdicionais conflitantes; isto porque sua atual localização gera dúvidas sobre se a expressão “decorrido o prazo designado pelo relator”

Art. 956

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diz respeito ao prazo de manifestação concedido no art. 954 ou ao prazo de sobrestamento pos-sibilitado pelo art. 955.

Assim, imperativo esclarecer que a fluência do prazo a que se refere o presente artigo é da-quele de manifestação dos órgãos jurisdicionais conflitantes ou também das partes (para os que assim entendem possível – vide comentários ao art. 954).

II. Oitiva do Ministério Público: nulidade e prazo

Decorrido o prazo para manifestação das autoridades judiciárias em conflito e/ou das partes – ou dispensadas as informações, quando o caso (vide comentários ao art. 954) –, o Ministério Público será ouvido na condição de fiscal da ordem jurídica, mesmo que as informações previstas no art. 954 não tenham sido prestadas.

Assim, tratando-se de causas que envolvam interesse público ou social, interesses de incapaz ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana – além das demais hipóteses previstas em lei e na CF –, é obrigatória a intimação do Ministério Público para que se manifeste no incidente, sob pena de nulidade, conforme expressamente disposto no art. 279 do CPC/2015.

O prazo assinalado de 5 (cinco) dias é impróprio, sua inobservância não trazendo consequências de ordem processual – acarretando, no entanto, eventuais consequências de ordem administrativa cabíveis, a serem apuradas pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria; ausente a manifesta-ção do parquet no prazo, o conflito de competência será remetido a julgamento.

Em outras palavras, cuidando-se de quaisquer das hipóteses de oitiva obrigatória do Ministé-rio Público como fiscal da ordem jurídica, a ausência de sua intimação para que exerça essa fun-ção acarreta nulidade da decisão a ser proferida no incidente; se, intimado a manifestar-se, não o fizer no prazo impróprio de 5 (cinco) dias, os autos do conflito de competência serão remetidos a julgamento sem essa manifestação (CPC, art. 180, § 1º).

III. Sustentação oral em julgamento de conflito de competência

Decorrido o prazo conferido pelo relator e acostada aos autos a manifestação do Ministério Público, o conflito de competência vai a julgamento. Surge, então, a dúvida sobre a viabilidade, ou não, de sustentação oral nesse julgamento.

O Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994) previa, em seu art. 7º, inciso IX, a possibilidade de sustentação oral dos advogados, em qualquer recurso ou processo, mesmo após o voto do relator; contudo, em julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional esse artigo, sob os argumentos de que a presença de advogado pode ser dispensada em certos atos judiciais e de que a possibilidade de sustentação oral, após o voto do relator, fere o devido processo legal (Pleno, ADI nº 1127, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 11/6/2010).

Assim, não é o Estatuto da OAB que define a possibilidade, ou não, de sustentação oral em determinados casos específicos, mas, sim, os regimentos internos dos tribunais (aplicando-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil), valendo como exemplos as seguintes normas regimentais:

1. Supremo Tribunal Federal

Em tese, é permitida a sustentação oral no julgamento de conflito de competência, uma vez que essa hipótese não consta das vedações do § 2º do art. 131 do Regimento Interno;

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2. Superior Tribunal de Justiça

Em tese, igualmente é permitida a sustentação oral no julgamento de conflito de competência, pois não vedada expressamente pelo art. 159 do Regimento Interno. Contudo, na prática, essa iniciativa pode ser dificultada pelo fato de o julgamento do conflito de competência independer de pauta e de intimação das partes (cf. art. 91, inciso I, regimento interno do STJ), circunstância que, aliás, não dá causa a nulidade:

“Conflito de competência. Embargos de declaração. Desnecessidade de intimação. Julgamen-to em mesa. [...] 1. A ausência de intimação dos interessados para o julgamento do feito não gera nulidade, pois é o conflito de competência apresentado em mesa para o julgamento, nos termos do art. 91, I, do RI desta Corte [...]” (SJT, 3ª Seção, EDcl no CC nº 132126/MA, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 10/4/2015).

3. Tribunal de Justiça de São Paulo

O tribunal paulista, por sua vez, expressamente veda a possibilidade de sustentação oral no julgamento de conflito de competência, nos termos do art. 465, inciso V, de seu Regimento In-terno;

4. Tribunal de Justiça do Paraná

O tribunal paranaense igualmente veda a possibilidade de sustentação oral no julgamento de conflito de competência, nos termos do art. 226, § 1º, de seu Regimento Interno.

Art. 957 - Ao decidir o conflito, o tribunal declarará qual o juízo competente, pronunciando-se também sobre a validade dos atos do juízo incompetente. Parágrafo único - Os autos do processo em que se manifestou o conflito serão remetidos ao juiz declarado competente.

I. Declaração do juízo competente e remessa dos autos

Andou bem o caput do artigo ao mencionar claramente a expressão “juízo”, como sinônimo de órgão jurisdicional, em vez de apenas juiz; assim, o disposto no parágrafo único, que, infeliz-mente, não corrigiu esse equívoco, deve ser lido igualmente como “juízo” competente onde atua autoridade judiciária.

Julgando o conflito de competência, o tribunal proferirá decisão de cunho declaratório, visto que apenas declara qual o juízo competente, não contendo a decisão qualquer comando que possa modificar outras situações jurídicas.

Justamente por isso, nesse julgamento é vedado ao tribunal decidir sobre qualquer outra ma-téria estranha à competência, pois a sua própria cognição, nessa oportunidade específica, está limitada às questões cujos contornos foram traçados pelo conflito de competência suscitado:

“Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no conflito de competência. [...]. Limites de cognição do conflito de competência. [...] 3. Em sede de conflito de competência, no qual a única pretensão possível é a definição do juízo competente para proces-

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sar e julgar determinada lide, não é pertinente deliberar-se sobre matérias transbordantes desse tema” (STJ, 2ª Seção, EDcl nos EDcl no AgRg no CC nº 105345/DF, Rel. Min. Raul Araújo, 1º/7/2011 – grifo nosso).

Nada obsta, no entanto, que ao julgar o conflito de competência o tribunal declare a competên-cia de um terceiro órgão jurisdicional, diferente dos conflitantes, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ao afirmar que “pode declarar a competência de outro juízo ou tribunal que não o suscitante e o suscitado” (2ª Seção, CC nº 33935/AC, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 5/5/2003 – grifo nosso).

Ademais, proferida a decisão, o órgão jurisdicional declarado incompetente submete-se a ela, não mais podendo suscitar novo conflito: “Uma vez decidido o conflito de competência, ‘functus offício est’, devendo o juízo inferior submeter-se à decisão do juízo competente para a solução do incidente processual. A lei processual não prevê o conflito do conflito nem autoriza o juízo competente por força da solução do incidente reavivar a matéria através de sui generis recurso. Aplicação do Art. 122 do CPC” (STJ, 1ª Seção, CC nº 34777/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 9/9/2002 – grifo nosso).

Por fim, nos termos do parágrafo único, julgado o conflito e declarado qual o juízo competen-te, os autos do processo serão a ele remetidos. Estando os autos com o juízo declarado compe-tente, com ele permanecerão; estando com o juízo declarado incompetente, esse será comunicado sobre a decisão e deverá remeter os autos àquele competente.

II. Validade dos atos do juízo incompetente

Os atos proferidos pelo juízo incompetente serão, em regra, conservados até que seja proferi-da outra decisão pelo juízo competente, se o caso (CPC/2015, art. 64, § 4º).

Esse comando atende aos corolários da instrumentalidade das formas, do aproveitamento dos atos processuais na ausência de prejuízo e da duração razoável do processo (CPC, arts. 4º e 283, parágrafo único, e CF, art. 5º, inciso LXXVIII). Justamente por isso, a citação válida, ainda quan-do ordenada por juízo incompetente, interrompe a prescrição e obsta a decadência (CPC/2015, art. 240, §§ 1º e 4º).

A contrario sensu, sendo o caso e reconhecendo-se a potencialidade prejudicial de atos pro-cessuais praticados pelo juízo incompetente, o tribunal poderá identificá-los e anulá-los ao deci-dir o conflito de competência, observado o disposto no art. 282 do CPC/2015:

“Conflito negativo de competência. [...] 4. Aplicação ao caso, de forma excepcional, do dis-posto no art. 122 do CPC. 6. Conflito conhecido para declarar a competência do juízo estadual (suscitado), cassando-se a decisão que deferiu o pedido de denunciação da lide.

[...] 4. Considerando que não houve recurso contra a decisão que deferiu o pedido de denun-ciação da lide, bem como a necessidade de se solucionar o presente conflito a fim de possibilitar o prosseguimento da ação de arbitramento de honorários, deve ser aplicada a solução prevista no art. 122 do CPC, que permite ao Tribunal, no julgamento de conflito de competência, pro-nunciar-se acerca da ‘validade dos atos do juiz incompetente’. [...] 6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual (suscitado), anulando-se a decisão que deferiu a denunciação da lide, nos termos do art. 122 do CPC” (STJ, 2ª Seção, CC nº 135710/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 6/4/2015 – grifo nosso).

“Processo civil. Conflito de competência. Justiça estadual e justiça federal. [...]

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3. Tendo em vista que a ação já foi julgada pelo juízo incompetente, a solução mais consen-tânea com os princípios da celeridade e da economia processual consiste em anular os atos praticados pelo juízo estadual, remetendo-se os autos ao juízo competente.

4. Conflito conhecido para declarar a competência da Justiça Federal” (STJ, 2ª Seção, CC nº 122253/AL, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 1º/10/2013 – grifo nosso).

“Previdenciário. Conflito negativo de competência. [...] Anulação de ato decisório proferido pelo juízo da justiça estadual. Art. 122 do CPC.

[...] 4. Faz-se necessário anular a sentença proferida pelo Juízo da Vara de Acidentes do Tra-balho de Santos (fls. 123-125) e restabelecer a sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Santos (fls. 59-64), até nova apreciação dessa pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o que se apresenta perfeitamente possível em sede de conflito de competência dirigido a esta Corte Superior por força do artigo 122 do CPC. Nesse sentido, confiram-se: CC 107252/SC, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 10/5/2010; e CC 40.154/SC, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, 3ª Seção, DJ 1º/10/2007. 5. Conflito conhecido para declarar a competência da Justiça Federal” (STJ, 1ª Seção, CC nº 120799/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2/8/2013 – grifo nosso).

III. Recorribilidade

A decisão que julga o conflito de competência desafiará a oposição de embargos de declaração e, presentes os requisitos de admissibilidade específicos, a interposição de recurso especial e extraordinário (CPC/2015, arts. 219, 1.003, § 5º, 1.023 e 1.029 e ss.).

Eis exemplos de conflitos de competência que chegaram à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, por meio de recursos especiais:

“Administrativo. Processo civil. Improbidade. Competência. Local do dano. [...] 1. Cuida-se de Recurso Especial interposto contra Acórdão da Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que conheceu do conflito de competência suscitado nos autos de Ação de Improbi-dade Administrativa, pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Sorocaba/SP em face do Juízo da 3ª Vara Federal de Bauru/SP, para declarar competente o Juízo suscitado, sob o fundamento de que, no caso dos autos, o local em que ocorridos os danos à Administração Pública fora o Município de Bauru, onde consumados os atos ímprobos praticados, em favor de pessoas físicas e empre-sas privadas, por empregados e dirigentes da Diretoria Regional dos Correios de Bauru. [...] 6. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio esta-belecido na Súmula 83/STJ. [...]” (2ª Turma, AgRg no Resp nº 1447388/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 20/3/2015).

“Processual civil. Conflito de competência negativo. Execução Individual de sentença proferi-da no julgamento de ação coletiva. Foro do domicílio do consumidor. Inexistência de prevenção do juízo que examinou o mérito da ação coletiva. [...]

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que a execução individual de sentença condenatória proferida no julgamento de ação coletiva não segue a re-gra geral dos arts. 475-A e 575, II, do Código de Processo Civil, pois inexiste interesse apto a justificar a prevenção do Juízo que examinou o mérito da ação coletiva para o processamento e julgamento das execuções individuais desse título judicial. Desse modo, o ajuizamento da exe-cução individual derivada de decisão proferida no julgamento de ação coletiva tem como foro o

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domicílio do exequente, em conformidade com os artigos 98, § 2º, I, 101, I, do Código de Defesa do Consumidor.

2. Não se conhece do Recurso Especial quanto a matéria (arts. 600, II, e 17, II, do CPC), que não foi especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestiona-mento. Incide, por analogia, a Súmula 282/STF. 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido” (2ª Turma, Resp nº 1495354/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 6/4/2015).

Art. 958 - No conflito que envolva órgãos fracionários dos tribunais, desembargadores e juízes em exercício no tribunal, observar-se-á o que dispuser o regimento interno do tribunal.

I. Esclarecimentos iniciais

Os artigos anteriores destacaram as hipóteses de conflito externo de competência – basica-mente, entre juízes e tribunais ou tribunais diversos – e a sua forma de processamento. Já este artigo cuida do processamento de conflitos internos de competência, relacionados aos órgãos fracionários e aos membros integrantes dos próprios tribunais.

A única inovação do CPC/2015, nesse particular, refere-se à terminologia, substituindo-se os termos “turmas, seções, câmaras e Conselho Superior da Magistratura”, pela expressão “órgãos fracionários”.

II. Conflito interno de competência

Tratando-se de conflito interno de competência, observar-se-á o procedimento previsto nos respectivos regimentos internos, elaborados à luz das leis de organização judiciária de cada Estado (CF, art. 125, § 1º).

A despeito disso, aplicam-se de forma subsidiária as normas do Código de Processo Civil, razão pela qual muitos dos regimentos internos até mesmo reproduzem determinados artigos de observância obrigatória do diploma processual, valendo, como exemplos, o que dispõem os Regimentos Internos do STF (arts. 163/168), do STJ (arts. 193/198), do TJSP (arts. 200/204 e 222/228) e do TJPR (arts. 318/321).

A fim de facilitar a compreensão da possibilidade de conflito interno de competência, exem-plifica-se o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, que em seu art. 13, inciso I, e, disciplina a competência de seu Órgão Especial para apreciar conflitos de competência entre órgãos do tribunal pertencentes a seções diversas, como ocorreu nesses casos:

“Conflito de Competência. [...] Demanda que não versa contrato bancário ou de ‘alienação fiduciária’ entre partes, mas declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes – Ação fundada na responsabilidade civil extracontratual – Competência da Subseção de Direito Privado I (1ª a 10ª Câmaras), nos termos do art. 5º, ‘I.29’, da Resolução 623/2013 – Resolução 693/2015, que alterou essa disposição, mas ressalvou não se aplicar aos processos ‘já distribuídos’, à sua aplicação – Conflito julgado procedente, declarada competente a Câmara suscitante (5ª Câmara de Direito Privado)” (TJSP, Grupo Especial da Seção de Direito Privado, CC nº 0035545-15. 2015.8.26.0000, Rel. Des. João Carlos Saletti, DJE de 26/6/2015).

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“Conflito de Competência – [...] Seguro prestamista que é apenas acessório do contrato bancá-rio cujas cláusulas e consequências (cálculo de juros capitalizados e tributo) se busca discutir – Matéria que se insere dentre as de competência preferencial da Seção de Direito Privado II (art. 5º, II.11, da Resolução nº 623/2013 desta Egrégia Corte) – Conflito julgado procedente, para afirmar competente a Câmara suscitada (38ª Câmara de Direito Privado)” (TJSP, Grupo Especial da Seção de Direito Privado, CC nº 0017618-36.2015.8.26.0000, Rel. Des. João Carlos Saletti, DJE de 22/5/2015).

Art. 959 - O regimento interno do tribunal regulará o processo e o julgamento do conflito de atribuições entre autoridade judiciária e autoridade administrativa.

I. Conceituação de conflito de atribuições

Existindo conflito entre autoridade judiciária e autoridade administrativa no campo das atri-buições, estaremos diante de um conflito de atribuições, e não de conflito de competência.

O conflito de atribuições pressupõe, no entanto, que a autoridade judiciária esteja praticando atos de cunho administrativo, já que não há que se falar em conflito de atribuições quando a au-toridade judiciária está no exercício de função jurisdicional:

“Agravo regimental no conflito de atribuições. Hipótese que não se subsume ao preceito cons-titucional. Autoridades integrantes de um mesmo poder. Não provimento.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual: ‘O conflito de atri-buições ocorre quando autoridades de dois Poderes diferentes, no desempenho de atividades administrativas, se julgam competentes para a edição de ato administrativo análogo’ (AgRg no CAt 150/SP, Relator Ministro José Delgado, DJ 31.5.04).

2. Na mesma linha de entendimento, asseverou a mencionada Corte Superior de Justiça que: ‘[...] o conflito de atribuições entre autoridades administrativa e judiciária somente surge quan-do ambas atribuem-se competência para o conhecimento e solução de matéria puramente admi-nistrativa. Quando, como no caso concreto, a autoridade judiciária, no exercício pleno de sua função jurisdicional, aprecia e decide uma ação popular ou outra qualquer, não pode haver con-flito de atribuições com a autoridade administrativa’. (CAt n.º 90/DF, Relator Ministro Garcia Vieira, DJ 29.5.00) 3. No caso específico dos autos, o conflito de atribuições não se revela idô-neo, porquanto, para além de estarmos diante de duas autoridades integrantes do mesmo Poder, uma delas encontra-se no exercício de genuína função jurisdicional. [...]” (STJ, 3ª Seção, AgRg no CAt nº 224/CE, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 24/9/2009 – grifo nosso).

“Penal e processo penal. Conflito de atribuições. Estatuto do desarmamento. Autoridade judi-ciária e autoridade militar. Determinação do local de entrega de armas apreendidas em proces-sos judiciais findos. Atribuição da autoridade judiciária.

1. É atribuição do Juízo de Direito a designação da unidade do Exército onde serão entregues as armas e munições apreendidas em processos judiciais findos para serem destruídas.

2. Cabe ao Comando do Exército, in casu, apenas a atribuição de determinar em quais unidades da Organização Militar serão as armas e munições levadas à destruição.

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3. Conheço do conflito de atribuições para declarar competente o Juízo de Direito da Vara Crime da Comarca de São Gabriel/BA, ora suscitante” (STJ, 3ª Seção, CAt nº 191/BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 19/3/2010 – grifo nosso).

II. Trâmite procedimental

Para a resolução dessa modalidade de conflito deverão ser observadas as normas constantes dos respectivos regimentos internos dos tribunais, os quais, como já salientado, são elaborados à luz das leis de organização judiciária de cada Estado (CF, art. 125, § 1º). Nesse sentido, pode-se exemplificar com os dispositivos dos regimentos internos do STF (arts. 163/168), do STJ (arts. 193/198), do TJSP (arts. 200/204 e 222/228) e do TJPR (arts. 318/321), que tratam do conflito de atribuições nos mesmos artigos tocantes ao conflito de competência.

Assim, compete ao Superior Tribunal de Justiça apreciar os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro, entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas do Distrito Federal, ou entre as deste e da União (CF, art. 105, inciso I, g).

Já a competência para apreciar os demais conflitos não albergados nesse rol – entre autorida-des administrativas e judiciais do mesmo Estado ou entre autoridades judiciais e administrativas pertencentes ao Município – é fixada nos regimentos internos dos tribunais estaduais (CF, art. 125).

III. Conflito de atribuições entre membros do Ministério Público

Da mesma forma, o conflito de atribuições entre os membros do Ministério Público representa categoria distinta do conflito de competência.

As Leis Orgânicas do Ministério Público Estadual (Lei nº 8.625/1993) e do Ministério Público da União (LC nº 75/1993) estipulam as competências para dirimir os conflitos de atribuições entre seus membros:

- Os conflitos de atribuições entre os membros do Ministério Público Estadual serão dirimidos pelo Procurador Geral de Justiça do Estado, que designará qual dos membros deverá oficiar no caso específico (LOMP, art. 10, inciso X);

- Os conflitos de atribuições entre integrantes de diferentes ramos do Ministério Público da União e, em grau recursal, entre os órgãos do Ministério Público Federal, serão dirimidos pelo procurador-geral da República, na qualidade de chefe do MPU (LOMPU, arts. 26, inciso VII, e 49, inciso VIII);

- Já os conflitos de atribuições originários entre os órgãos do Ministério Público Federal serão dirimidos pelas Câmaras de Coordenação e Revisão do MPU (LOMPU, art. 62, inciso VII);

- Finalmente, no tocante aos conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público Federal e Estadual, houve grande divergência, durante anos, sobre a competência para a sua apreciação: se do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

O STJ vinha reiterando seu entendimento no sentido de que a “competência para julgar conflito de atribuição entre Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal recai sobre o Supre-mo Tribunal Federal” (3ª Seção, CAt nº 237/PA, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 16/12/2010).

O STF, por sua vez, inicialmente não reconhecia sua competência para a apreciação dos con-flitos de atribuições entre esses órgãos, sob o argumento central de que “A competência originá-

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ria do Supremo Tribunal Federal, a que alude a letra f do inciso I do artigo 102 da Constituição, restringe-se aos conflitos de atribuições entre entes federados que possam, potencialmente, com-prometer a harmonia do pacto federativo. Exegese restritiva do preceito ditada pela jurispru-dência da Corte. Ausência, no caso concreto, de divergência capaz de promover o desequilíbrio do sistema federal. 3. Presença de virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual perante os quais funcionam os órgãos do Parquet em dissensão. Interpretação analógica do arti-go 105, I, ‘d’, da Carta da República, para fixar a competência do Superior Tribunal de Justiça a fim de que julgue a controvérsia” (Tribunal Pleno, Pet. nº 1503/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14/11/2002 – grifo nosso).

Alterou seu posicionamento, no entanto, durante o julgamento da Pet. nº 3528, entendendo que “compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual” (Tribunal Pleno, Pet. nº 3528/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 3/3/2006 – grifo nosso), orientação que vem sendo mantida:

“[...] Conflito negativo de atribuições. Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual. [...] 1. A ação de improbidade administrativa que se volta contra dirigente de sociedade de eco-nomia mista da qual a União é acionista majoritária não acarreta, por si só, a presunção de vio-lação de interesse, econômico ou jurídico, da União. 2. In casu, não se vislumbra, a priori, inte-resse jurídico direto da União apto a fixar a competência da justiça federal, e por conseguinte, a atribuição do Parquet Federal. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, 1ª T., ACO nº 2438 AgR/ES, Rel. Min Luiz Fux, DJe de 9/3/2015).

“[...] Conflito positivo de atribuições. Ministério Público Federal e Ministério Público Esta-dual. Atuação perante cortes superiores. Legitimidade do parquet estadual para atuar como par-te, de forma autônoma, resguardada a atuação do MPF como custos legis. [...] Conflito resolvido para assentar a atribuição do ministério estadual do Rio Grande do Norte para atuar no caso sub examine. [...] 1. Os Ministérios Públicos estaduais não estão vinculados nem subordinados, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhes confere ampla possibilidade de atuação autônoma nos processos em que forem par-tes, inclusive perante os Tribunais Superiores. 2. In casu, o Ministério Público do Rio Grande do Norte possui legitimidade para o ajuizamento de ação rescisória perante o Superior Tribu-nal de Justiça que tem por objeto decisão daquela Corte em processo no qual o parquet estadual era parte. [...]” (STF, 1ª T., ACO nº 2351 AgR/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 4/3/2015).

Por fim, vale ressaltar que não configura conflito de atribuições a providência estabelecida pelo art. 28 do Código de Processo Penal, ao prever que requerimento do órgão do Parquet para arquivamento de inquérito policial, não aceito pelo juiz, seja encaminhado ao procurador-geral para oferecimento de denúncia:

“[...] 1. São institutos diversos, o conflito de atribuições entre membros do Ministério Público e a providência do artigo 28 do Código de Processo Penal. Pelo conflito de atribuições, dentre dois ou mais representantes do Parquet, um deles é escolhido para tomar prosseguir no feito, ao passo em que, pelo artigo 28 do Código de Processo Penal, o Procurador-Geral reavalia a posi-ção ministerial de arquivamento, e, discordando, per se, denuncia, ou designa representante da instituição para fazê-lo. [...]” (STJ, 6ª T., HC nº 198633/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 28/11/2013).

“Conflito de atribuições. MPF e juiz federal. [...] Manifestação do MPF pela definição da conduta como furto mediante fraude e declinação da competência para o local onde mantida a

Art. 959

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Ana Cândida Menezes Marcato

conta-corrente. Interpretação diversa do juízo federal, que entende tratar-se de estelionato. Ine-xistência de conflito de atribuições. Arquivamento indireto. Aplicação analógica do art. 28 do CPP. Precedentes da 3ª Seção desta corte. Parecer do MPF pelo não conhecimento do conflito. Conflito de atribuição não conhecido.

[...] 2. Inexiste conflito de atribuição quando o membro do Ministério Público opina pela declinação de competência e o Juízo não acata o pronunciamento; destarte, não oferecida a denúncia, em razão da incompetência do juízo, opera-se o denominado arquivamento indireto, competindo ao Juiz aplicar analogicamente o art. 28 do CPP, remetendo os autos à 2ª. Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Precedentes do STJ. [...] 4. Conflito de atribuição não conhecido” (STJ, 3ª Seção, CAt nº 222/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 16/5/2011).

Art. 959

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté

Art. 960 - A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado.§ 1º - A decisão interlocutória estrangeira poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória.§ 2º - A homologação obedecerá ao que dispuserem os tratados em vigor no Brasil e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.§ 3º - A homologação de decisão arbitral estrangeira obedecerá ao disposto em tratado e em lei, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições deste Capítulo.

AutorasVera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté

I. Do direito anteriorCPC/1973, art. 483, parágrafo único - “A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal”.

II. Da nova organização das regras pertinentes à homologação e concessão de exequaturO CPC/2015 optou por disciplinar dentro de um novo livro, que trata dos processos nos tribu-

nais e dos meios de impugnação das decisões judiciais (Livro III), o processo de homologação da decisão estrangeira e da concessão do exequatur à carta rogatória. Tal opção teve por objetivo imprimir organicidade às regras do processo civil brasileiro e dar maior coesão ao sistema.

III. Da ação de homologação De acordo com o caput do art. 960 do CPC/2015, salvo disposição especial prevista em tra-

tado, a homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação. Note-se que citado dispositivo, mostrando certa tendência à modernização do sistema, permite que os tratados isentem provimentos estrangeiros do processo de homologação.

A ação de homologação tem por fim tornar a decisão estrangeira oficial em território nacional, passando a produzir efeitos em nossa jurisdição. O ato de homologação chancela a internalização dos efeitos da decisão estrangeira. A ação de homologação se processa em juízo de delibação, não sendo admitida a revisão do mérito da decisão homologanda (nesse sentido, vide: STJ, SEC 6.365, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 6/2/2013). O processo de homologação faz instaurar uma situação de contenciosidade limitada (nesse sentido, vide: STF, SEC nº 4738, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 24/11/1994, e STJ, SEC nº 4572, Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 1º/8/2013).

Até 2004, a competência para processar e julgar, originariamente, a ação de homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias era do Supremo Tribunal Federal (STF). Contudo, a cooperação internacional ganhou novos contornos com a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, que transferiu para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a referida competência.

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté Art. 960

Transferida a competência do STF para o STJ, a Presidência desse Tribunal baixou a Resolu-ção nº 22, de 31 de dezembro de 2004, que resolveu que se observasse, em caráter excepcional, o Regimento Interno do STF a respeito da matéria (arts. 215 a 229), até que fossem aprovadas disposições regimentais próprias. Posteriormente, o STJ editou a Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005, que repetiu as normas do capítulo derrogado do Regimento Interno do Supremo, com algumas modificações e acréscimos. E, em 17 de dezembro de 2014, o STJ editou a Emenda Regimental nº 18, revogando a Resolução nº 9/2005 e alterando o seu Regimento Interno quanto ao processo de homologação de sentenças estrangeiras. Nesse cenário, desde então, o procedi-mento de homologação de uma sentença estrangeira segue o disposto nos arts. 216-A a 216-X do Regimento Interno do STJ (RISTJ), que foram introduzidos por referida Emenda Regimental nº 18/2014.

Dentro desse contexto, o § 2º do art. 960 do CPC/2015 ora comentado estabelece expressa-mente que a homologação de decisão estrangeira obedecerá ao que dispuserem os tratados em vigor no Brasil e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Já com relação à homologação das decisões arbitrais estrangeiras, em harmonia com o dispos-to no art. 34, caput, da Lei nº 9.307/1996 (“Lei Brasileira de Arbitragem” ou “LBA”), o § 3º do art. 960 do CPC/2015 estabelece que se observará ao disposto em tratado e em lei, aplicando-se subsidiariamente as disposições do CPC. Diante de tais dispositivos, verifica-se que o regime geral de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil é o da Convenção sobre Re-conhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de Nova Iorque de 1958 (“CNI”), internalizada no ordenamento jurídico nacional com a promulgação do Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002.

A Convenção de Nova Iorque foi criada para assegurar a efetividade das sentenças arbitrais nos Estados signatários, mediante o compromisso expresso de reconhecer e dar execução a tais sentenças, respeitadas as regras processuais que se aplicam no território do país de reconheci-mento. A regra geral consagrada pela Convenção de Nova Iorque está prevista em seu art. III, que estabelece que cada Estado signatário reconhecerá as sentenças como obrigatórias e as executará “em conformidade com as regras de procedimento do território no qual a sentença é invocada”. Desse modo, a CNI remete a disciplina do processo homologatório a ser realizado no Brasil, de acordo com o seu sistema processual.

Nesse passo, as normas constantes do Regimento Interno do STJ, introduzidas pela Emenda Regimental nº 18/2014, também regem o procedimento homologatório das decisões arbitrais estrangeiras, com as adaptações previstas pela própria Convenção e pela Lei Brasileira de Arbi-tragem, aplicando-se subsidiariamente as disposições do Código de Processo Civil.

IV. Do procedimento homologatório

De acordo com o previsto no art. 216-C do RISTJ, a homologação da decisão estrangeira deverá ser requerida pela parte interessada, que deve formular seu pedido por meio de petição inicial dota-da dos requisitos indicados na lei processual, bem como os previstos no art. 216-D do RISTJ. Estão legitimadas para propor a ação homologatória todas as partes em relação às quais a decisão homo-loganda possa surtir efeitos, ou seja, as partes originárias do processo estrangeiro, seus herdeiros e sucessores, assim como terceiros que possam ser juridicamente atingidos pela decisão.

A petição deverá ser endereçada ao Ministro Presidente do STJ e protocolada na Coordena-doria de Processos Originários, e deverá vir instruída com o original ou cópia autenticada da

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté Art. 960

decisão homologanda, e outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira competente, quando for o caso. No que diz respeito às sentenças arbitrais estrangeiras, esses documentos indispensáveis à propositura da ação também estão definidos no art. IV da Convenção de Nova Iorque e art. 37 da Lei Brasileira de Arbitragem.

Por se tratar de processo de competência originária do STJ, não há necessidade de se pagar porte de remessa e retorno dos autos, mas há necessidade de pagar custas judiciais, sendo que o valor das referidas custas para o processo de homologação consta da Tabela “A”, do Anexo I, da Resolução nº 3, de 5 de fevereiro de 2015. O valor das referidas custas é corrigido anualmente.

Ausentes os requisitos da petição inicial, o requerente será intimado para que a emende ou complete, sob pena de arquivamento do processo (art. 216-E do RISTJ).

Deferida a petição inicial, a parte interessada será citada para, no prazo de 15 dias, contestar o pedido de homologação da decisão estrangeira, que, de acordo com o art. 216-H do RISTJ, só poderá versar sobre a inteligência da decisão alienígena e a observância dos requisitos indicados nos arts. 216-C, 216-D e 216-F do mesmo RISTJ.

Cabe destacar que, no que diz respeito às sentenças arbitrais estrangeiras, além dos requisitos indicados nos arts. 216-C, 216-D e 216-F do Regimento Interno do STJ, a contestação poderá versar sobre os temas enumerados no art. V da CNI e arts. 38 e 39 da LBA. Só é lícito ao jul-gador conhecer as questões que possam impedir a homologação da sentença arbitral vinculadas às circunstâncias taxativas previstas nas referidas normas jurídicas, nada mais. A “inteligência da decisão”, prevista no parágrafo único do art. 216-H do Regimento não se aplica às decisões arbitrais, uma vez que a restrição das questões invocáveis ao pedido de homologação resulta da determinação expressa do art. 38, caput, da LBA e art. V da CNI.

Havendo contestação à homologação de decisão estrangeira, o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial, cabendo ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo (art. 216-K do RISTJ). Nas hipóteses em que já houver jurisprudência consolidada da Corte Especial a respeito do tema, o relator poderá decidir monocraticamente.

Se o requerido for revel ou incapaz, será lhe dado curador especial, pessoalmente notificado (art. 216-I do RISTJ). Após a contestação serão admitidas réplica e tréplica em 5 (cinco) dias (art. 216-J do RISTJ). O art. 216-L do RISTJ estabelece que o Ministério Público terá vista dos autos, pelo prazo de 10 dias, podendo impugnar a homologação.

Das decisões do Presidente ou do relator caberá agravo (art. 216-M do RISTJ). Contra tal decisão caberão embargos de declaração a fim de suprir eventuais omissões, obscuridades ou contradições.

Cabe esclarecer, por fim, que no âmbito do Mercosul, conforme o disposto no Protocolo de Las Leñas, a homologação de sentença estrangeira se submete a um procedimento especial e pode ser realizada pela via simplificada da carta rogatória.

V. Da execução da decisão interlocutória estrangeira

A decisão interlocutória estrangeira, por sua vez, poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória. Os requisitos da carta rogatória estão previstos no CPC/2015, art. 260. De acordo com o CPC/2015, art. 36, o procedimento da carta rogatória perante o STJ é de jurisdição con-tenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal. A defesa se restringirá

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté Art. 961

à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil e é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira.

Art. 961 - A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.§ 1º - É passível de homologação a decisão judicial definitiva, bem como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional.§ 2º - A decisão estrangeira poderá ser homologada parcialmente.§ 3º - A autoridade judiciária brasileira poderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira.§ 4º - Haverá homologação de decisão estrangeira para fins de execução fiscal quando prevista em tratado ou em promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira.§ 5º - A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.§ 6º - Na hipótese do § 5º, competirá a qualquer juiz examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental, quando essa questão for suscitada em processo de sua competência.

I. Do direito anteriorCPC/1973, art. 483 - “A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil

senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal”. II. Da necessidade de homologação da decisão estrangeiraO caput do art. 961 do CPC/2015 quase que reproduziu inteiramente o caput do art. 483 do

CPC/1973. Com isso, constata-se que a intenção do legislador foi a de manter a obrigatoriedade do procedimento homologatório para que uma decisão estrangeira tenha eficácia no Brasil, até daquelas com conteúdo meramente declaratório.

Contudo, houve uma ampliação quanto ao seu objeto, pois o caput do art. 483 revogado fazia menção à sentença estrangeira, enquanto o caput do art. 961 é mais abrangente ao mencionar decisão estrangeira da qual se pretenda dar eficácia no Brasil. Assim, sentenças proferidas por autoridades administrativas ou religiosas são sujeitas a homologação, caso tenham sido emitidas por autoridades competentes no país estrangeiro para a prática do ato. Portanto, se o ato, pelo direito brasileiro, apresentar os mesmos resultados de uma sentença, será equiparado a decisão judicial. Veja que o § 1º do art. 216-A do RISTJ já autorizava a homologação de provimento não judicial que, pela lei brasileira, tivesse natureza de sentença.

III. Das decisões passíveis de homologação

No § 1º do art. 961 do CPC/2015, o legislador dispõe ser passível de homologação a decisão judicial definitiva, assim como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza juris-

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté Art. 962

dicional. Desse modo, o que importa é que a decisão tenha sido proferida por órgão jurisdicional (ou órgão administrativo com função judicante), com caráter definitivo, ou seja, dela não caben-do mais recurso.

IV. Da possibilidade de homologação parcialO § 2º do art. 963 do CPC/2015, por sua vez, na linha do que já autorizava o § 2º, do art. 216-A

do RISTJ, estabelece a possibilidade de homologação parcial de sentença estrangeira, sendo essa alternativa confirmada por diversos julgados do STJ. E aqui podem ocorrer duas situações: o STJ pode homologar somente em parte um provimento estrangeiro, como pode o autor requerer que a homologação seja concedida apenas parcialmente.

V. Da possibilidade de concessão de tutelas de urgência e dos atos de execução provisóriaO CPC/2015, em seu art. 961, § 3º, reproduzindo o art. 216-G do RISTJ, permite a concessão

de tutela de urgência nos processos de homologação de decisão estrangeira. As denominadas tutelas de urgência adotadas pelo ordenamento processual brasileiro constituem instrumentos práticos que visam, em princípio, proporcionar maior celeridade no trâmite do processo e esta-bilidade jurídica, evitando-se, assim, causar perdas irreparáveis ao autor, enquanto se aguarda a discussão acerca do direito à homologação. A novidade é que o § 3º ampliou o que já autorizava o referido art. 216-G do RISTJ, para permitir também a realização de atos de execução provisória. Tanto em relação à concessão de pedidos de urgência quanto à realização de atos de execução provisória, a parte deverá atentar às disposições nacionais acerca de tais matérias.

VI. Da homologação de decisão estrangeira para fins de execução fiscalO § 4º do art. 961 do CPC/2015 também trouxe outra inovação, ao passar a aceitar a homo-

logação de decisões estrangeiras de execução fiscal, desde que haja tratado neste sentido ou promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira. Trata-se de regra de direito inter-nacional e a intenção é impedir que o devedor do fisco estrangeiro não seja cobrado no Brasil.

VII. Da dispensa de homologação de sentença estrangeira de divórcio consensualDentre as novidades, o art. 961, § 5º, estabelece a dispensa de homologação de sentença es-

trangeira de divórcio consensual. A inserção desse parágrafo deve-se ao fato de que o direito brasileiro, desde o advento da Lei nº 11.441/2007, que incluiu o art. 1.124-A no CPC/1973, per-mite o divórcio consensual independentemente de decisão judicial. Assim, nada mais natural que o legislador, atento a essas mudanças, também dispense a homologação do divórcio consensual estrangeiro não jurisdicional. No entanto, de acordo com o § 6º desse mesmo artigo, é permitido ao Poder Judiciário brasileiro examinar a validade da decisão em caráter principal ou incidental, quando qualquer das partes resolver suscitá-la.

Art. 962 - É passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência.§ 1º - A execução no Brasil de decisão interlocutória estrangeira concessiva de medida de urgência dar-se-á por carta rogatória.§ 2º - A medida de urgência concedida sem audiência do réu poderá ser executada, desde que garantido o contraditório em momento posterior.§ 3º - O juízo sobre a urgência da medida compete exclusivamente à autoridade jurisdicional prolatora da decisão estrangeira.

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté Art. 963

§ 4º - Quando dispensada a homologação para que a sentença estrangeira produza efeitos no Brasil, a decisão concessiva de medida de urgência dependerá, para produzir efeitos, de ter sua validade expressamente reconhecida pelo juiz competente para dar-lhe cumprimento, dispensada a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

I. Do direito anterior

Sem correspondente no CPC/1973.

II. Da execução de decisão estrangeira concessiva de medida de urgência

No caput do art. 962, tal como no § 1º do art. 961 do CPC/2015, uma vez mais, o legislador inovou ao preferir a utilização do termo decisão estrangeira em vez de sentença estrangeira, bem como afastou a antiga disposição de que somente as sentenças estrangeiras transitadas em julgado eram homologáveis. Isto porque a doutrina admitia a possibilidade de execução de sen-tenças cautelares, mas não a execução de medidas interlocutórias. Portanto, agora é passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência e, nos termos do § 1º deste mesmo artigo, a mesma ocorrerá mediante carta rogatória.

O § 2º do art. 962, por sua vez, trata da regra de que poderão ser homologadas as medidas de urgência, mesmo que proferidas sem a audiência do réu (sendo garantido posteriormente o contraditório). Tal norma tem como objetivo permitir a medida de urgência inaudita altera pars.

Segundo o § 3º do art. 962, o juízo de valor sobre a urgência destas medidas compete exclusi-vamente à autoridade jurisdicional prolatora da decisão estrangeira, não cabendo ao STJ, portanto, fazer essa aferição. Assim, quem irá analisar se há ou não os requisitos autorizadores para a con-cessão de medida de urgência (fumus boni iuris e periculum in mora) é o juízo estrangeiro, não podendo, pois, o juízo brasileiro reapreciar a existência de direito provável e da urgência alegada.

Por último, quando a sentença estrangeira for dispensada de homologação para produzir efei-tos no Brasil (§ 4º do art. 962), a medida de urgência que tenha sido concedida estará sujeita à apreciação do juiz competente para o cumprimento do provimento.

Art. 963 - Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão:I - ser proferida por autoridade competente;II - ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia;III - ser eficaz no país em que foi proferida;IV - não ofender a coisa julgada brasileira;V - estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;VI - não conter manifesta ofensa à ordem pública.Parágrafo único - Para a concessão do exequatur às cartas rogatórias, observar-se-ão os pressupostos previstos no caput deste artigo e no art. 962, § 2º.

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté Art. 963

I. Do direito anterior

Sem correspondente no CPC/1973.

II. Dos requisitos indispensáveis à homologação da decisão

O art. 963 do CPC/2015 estabelece os requisitos indispensáveis à homologação da decisão, em linha com o disposto no art. 216-D do RISTJ.

1. Da necessidade de a decisão ter sido proferida por autoridade competente

O primeiro requisito é que a decisão tenha sido proferida por autoridade competente. Trata-se de exame de competência geral ou internacional, segundo os parâmetros dos arts. 21 a 23 do CPC/2015 (arts. 88 e 89 do CPC/1973). A autoridade competente para fins de homologação é aferida de acordo com as normas internas que fixam a jurisdição nacional. O STJ deverá verificar se a decisão que se pretende homologar está entre as que a autoridade judiciária brasileira tenha competência concorrente em relação a outras jurisdições.

2. Da necessidade de citação regular

O segundo requisito é a citação regular. A citação é o ato pelo qual a parte requerida é chama-da para se defender, em garantia ao devido processo legal. O contraditório é princípio fundamen-tal do processo, razão pela qual a citação é requisito essencial para que o ato estrangeiro possa ter validade no Brasil. Se a parte requerida estiver domiciliada no Brasil, deverá ser citada por carta rogatória (nesse sentido, vide: STJ, SEC nº 8.720, Min. Rel. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 19/3/2014). Mas se a parte requerida estiver domiciliada em território estrangeiro, a citação deverá ser realizada de acordo com a legislação local (nesse sentido, vide: STJ, SEC nº 3.897, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. em 15/6/2011).

No que diz respeito às sentenças arbitrais estrangeiras, o parágrafo único do art. 39 da Lei Brasileira de Arbitragem permite a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Diante disso, em ações de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, a alegação de violação à ordem pública por ausência de citação por carta rogatória já foi devidamente afastada pelo STJ em diversas ocasiões, admitindo-se a citação postal, desde que haja prova inequívoca do recebimento, e confirmando que a citação por outra via que não a carta rogatória não ofen-de a ordem pública. Nesse sentido, confira-se: SEC nº 6.760, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ de 22/5/2013, SEC nº 3.660, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 25/6/2009, SEC nº 6.365, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 28/2/2013, SEC nº 8.847, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 28/11/2013 e SEC nº 10.658, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 16/10/2014.

A revelia do réu não impede a homologação da decisão estrangeira.

3. Da necessidade de a decisão ser eficaz no país em que foi proferida

O terceiro requisito é que a decisão seja eficaz no país em que foi proferida. Com relação a tal requisito, verifica-se que o legislador não faz referência ao trânsito em julgado e se utiliza de um conceito diverso de estabilidade, da decisão eficaz, que é aquela que desde logo está apta a produzir efeitos.

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté

4. Da necessidade de a decisão a ser homologada não ofender a coisa julgada brasileira

O quarto requisito é que a decisão homologanda não ofenda a coisa julgada brasileira. De acordo com o disposto no art. 24 do CPC/2015 (art. 90 do CPC/1973), a propositura de ação fora do território nacional não impede o juiz brasileiro de conhecer da mesma causa, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. O parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que a pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para pro-duzir efeitos no Brasil. Sendo assim, a existência de ação em curso no Brasil não impedirá a ho-mologação de decisão estrangeira. Entretanto, se no processo brasileiro tiver se formado a coisa julgada, prevalecerá a decisão nacional, impedindo-se a homologação da decisão estrangeira.

5. Da necessidade de tradução oficial

O quinto requisito é que a decisão esteja acompanhada de tradução oficial, salvo dispensa pre-vista em tratado. Na medida em que não se pode exigir que o magistrado tenha conhecimento de todos os idiomas, a decisão deve vir acompanhada da sua respectiva tradução. Exige-se, contudo, que a tradução seja “oficial”, ou seja, deverá ser feita no Brasil, por tradutor público e juramentado. Essa burocrática exigência se prende ao fato de que o tradutor público juramentado brasileiro tem fé pública em todo o território nacional (nesse sentido, confira-se: STF, SE nº 5.835-3, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 27/4/1999, e STJ, SEC nº 2.052, Rel. Min. Castro Meira, j. em 19/12/2007).

6. Da necessidade de a decisão não ofender a ordem pública

E o sexto requisito é que a decisão não contenha manifesta ofensa à ordem pública. No Direito Interno, a ordem pública funciona como limitadora da vontade das partes. Já no Direito Inter-nacional Privado, a ordem pública impede a aplicação de leis estrangeiras, o reconhecimento de atos realizados no exterior e a execução de sentenças estrangeiras. A ordem pública é o princípio mais importante do Direito Internacional Privado.

A ordem pública funciona como verdadeiro filtro para a eficácia das decisões estrangeiras. A ordem pública varia no tempo e no espaço e consubstancia valores filosóficos, sociais, políticos, éticos, morais e econômicos, essenciais à convivência de uma nação, extraídos do momento so-ciopolítico vivido por seus cidadãos e que caracteriza o estado de legalidade corrente.

Por seu caráter extremamente subjetivo e casuístico, a ordem pública é frequentemente utili-zada como um veículo para meras frustrações da parte que se opõe à homologação de decisões estrangeiras, dando margem a toda espécie de alegação infundada.

A ordem pública não pode ser usada abusivamente pela parte que resiste ao cumprimento de suas obrigações e se insurge infundadamente contra a homologação de uma decisão estrangeira. Deve-se recorrer à ordem pública com muita parcimônia, apenas quando de fato forem violados princípios fundamentais da sociedade. Deve-se, também, recusar a homologação da decisão es-trangeira apenas em casos excepcionais, sob pena de se ferirem os princípios fundamentais da cooperação jurídica internacional.

Analisados brevemente os requisitos necessários à homologação, vale destacar que, de acordo com o art. 216-E do RISTJ, se a petição inicial não preencher os requisitos exigidos ou apresen-tar defeitos ou irregularidades que dificultem o julgamento do mérito, o Presidente assinará prazo razoável para que o requerente a emende ou complete. Se, após a intimação, o requerente ou o seu procurador não promover, no prazo assinalado, ato ou diligência que lhe for determinada no curso do processo, será este arquivado pelo Presidente.

Art. 963

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté

Vale comentar que o art. 216-F do RISTJ estabelece que não será homologada a sentença es-trangeira que ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública. Trata-se de novidade a inclusão da dignidade da pessoa humana, que consiste em um dos princí-pios sobre os quais se funda a nossa Constituição (art. 1º, inciso III, da CF).

A jurisprudência brasileira tem construído uma série de garantias à pessoa humana, sendo assim, apesar de a noção de dignidade da pessoa humana integrar a ordem pública brasileira, parece que a sua inclusão como fundamento à não homologação de sentença estrangeira deve ser compreendida no atual contexto de afirmação histórica de direitos fundamentais no Brasil. Deve-se ter cuidado, contudo, para que a inclusão de novo fundamento de recusa à homologação não dê ensejo a decisões equivocadas.

Art. 964 - Não será homologada a decisão estrangeira na hipótese de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira.Parágrafo único - O dispositivo também se aplica à concessão do exequatur à carta rogatória.

I. Do direito anteriorSem correspondente no CPC/1973.II. Da competência exclusiva da autoridade brasileiraDe acordo com o disposto no art. 964 do CPC/2015, não será homologada a decisão estrangei-

ra e não será concedido o exequatur às cartas rogatórias nas hipóteses de competência exclusiva da autoridade brasileira.

Conforme estabelecido no art. 23 do CPC/2015, que tem redação semelhante ao art. 89 do CPC/1973 e manteve basicamente a mesma exclusividade, compete à autoridade judiciária bra-sileira, com exclusão de qualquer outra, “I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacio-nalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional; III - em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional”.

III. Da recusa à homologação nos casos de competência exclusiva da autoridade brasileiraTendo sido estabelecida a competência exclusiva da autoridade brasileira, nada mais natural

do que se estabelecer que não será homologada a decisão estrangeira e não será concedido o exequatur às carta rogatórias nesses casos, tal como ocorreu no julgamento abaixo citado:

“[...] Nos termos do art. 89, incisos I e II, do Código de Processo Civil, a competência para ‘conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil’ e ‘proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do ter-ritório nacional’ é exclusiva da Justiça brasileira, com exclusão de qualquer outra. Diante disso, nega-se o exequatur a pedido rogatório de inscrição de adjudicação de bem imóvel situado em território brasileiro. Agravo regimental a que se nega provimento. [...]” (STJ, AgRg nos EDcl na CR nº 2894/MX, Min. Rel. Barros Monteiro, j. em 13/3/2008).

Art. 964

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Vera Cecilia Monteiro de Barros e Paula de Magalhães Chisté

Art. 965 - O cumprimento de decisão estrangeira far-se-á perante o juízo federal competente, a requerimento da parte, conforme as normas estabelecidas para o cumprimento de decisão nacional.Parágrafo único - O pedido de execução deverá ser instruído com cópia autenticada da decisão homologatória ou do exequatur, conforme o caso.

I. Do direito anterior

CPC/1973, art. 484 - “A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da ho-mologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza”.

II. Da competência do juízo federal

Como visto na análise do art. 960, § 2º, do CPC/2015, o STJ tem a competência para pro-ceder à homologação de decisão estrangeira e para a concessão do exequatur; contudo, para o cumprimento da decisão, a competência é da Justiça Federal, tal como preconizado no art. 109, inciso X, da CF. O juízo federal de primeiro grau, para o cumprimento da decisão, deverá atentar às normas estabelecidas para o cumprimento de decisão nacional. Considerando esse aspecto, o credor/exequente poderá optar por ingressar no juízo federal do atual domicílio do executado, no juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou no juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou não fazer. O devedor/executado, por sua vez, poderá apresen-tar impugnação alegando a incompetência em qualquer de suas modalidades, a teor do art. 525, § 1º, inciso VI, do CPC/2015.

III. Do procedimento

De acordo com o parágrafo único do artigo ora comentado, o cumprimento da sentença deverá ser instruído com cópia autenticada da decisão homologatória ou do exequatur. Nesse aspecto, o legislador quis simplificar, pois tanto pelo CPC/1973, art. 484, quanto pelo Regimento Interno do STJ, art. 216-N, era necessária a extração de carta de sentença para que fosse possível ingressar com o pedido de execução.

Art. 965

1515

Thiago Marinho Nunes

Art. 966 - A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;IV - ofender a coisa julgada;V - violar manifestamente norma jurídica;VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.§ 1º - Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.§ 2º - Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova propositura da demanda; ouII - admissibilidade do recurso correspondente.§ 3º - A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.§ 4º - Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

AutorThiago Marinho Nunes

I. O que está sujeito à ação rescisória?

O CPC/2015, art. 966, corresponde ao CPC/1973, art. 485, o qual estabelece as hipóteses de cabimento da ação rescisória. Antes de discutir acerca das hipóteses de cabimento contidas nos incisos do CPC/2015, art. 966, é preciso delinear objetivamente o que se pretende com a ação

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Thiago Marinho Nunes Art. 966

rescisória. O grande propósito da ação rescisória é a desconstituição da coisa julgada material. Foca-se apenas e tão somente o mérito da decisão definitiva, de modo a expurgar daquela decisão os vícios nela contidos. Digno de se notar que, à diferença do CPC/1973, a ação rescisória agora se presta a rescindir não apenas a sentença, mas a decisão de mérito. Isso implica dizer que a partir de agora as decisões interlocutórias revestidas de aspectos substantivos e materialmente transitadas em julgado podem ser objeto de rescisão (nesse sentido, ver o Enunciado nº 336 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Cabe ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito”). Trata-se de mudança importantíssima na legislação processual civil brasileira, pois consolida posicionamento da doutrina e jurisprudência brasileiras no sentido de que as decisões interlocutórias estão sujeitas à rescisão uma vez que elas podem conter julgamento acerca do mérito e, dessa forma, estarem aptas a projetar efeitos substanciais para fora do processo.

II. Hipótese de cabimento da ação rescisória

Os incisos do CPC/2015, art. 966, dispõem acerca das hipóteses de cabimento da ação resci-sória. Comparando-se com o CPC/1973, art. 485, foram excluídas das novas regras a rescisão quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência e transação que dê fundamento à sentença. A supressão de tais hipóteses gerou, por consequência, a criação do § 4º do CPC/2015, art. 966, disciplinando que os atos de disposição de direitos praticados pelas partes ou por outros participantes do processo, assim como outros atos homologatórios praticados no curso da exe-cução, estão sujeitos a processo anulatório. Por outro lado, o CPC/2015 ampliou as hipóteses de rescisão aos casos que envolvem coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida e simulação entre partes com objetivo de fraudar a lei.

Restaram mantidas no CPC/2015 as demais hipóteses de cabimento da ação rescisória como nos casos de decisão concedida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (inci-so I), decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente (inciso II), decisão re-sultante de dolo e/ou colusão (inciso III), decisão que ofende a coisa julgada (inciso IV), decisão que viola manifestamente a norma jurídica (inciso V), decisão que for fundada em prova falsa (inciso VI), decisão fundada em ausência de prova fundamental de que não se pôde fazer uso no momento apropriado (inciso VII) e decisão fundada em erro de fato (inciso VIII).

Dentre os novos incisos acima listados e relativos ao CPC/2015, art. 966, merece destaque o inciso V – “violar manifestamente norma jurídica”. Na redação anterior (inciso V do CPC/1973, art. 485), era rescindível a sentença que violasse disposição literal de lei. A nova redação, tal como se encontra, é defeituosa, pois, de um lado procura ampliar o leque de possibilidades para a propositura da ação rescisória (trocando o termo lei por norma jurídica), mas ao mesmo tempo restringe o cabimento da ação rescisória com o advérbio manifestamente. O texto anterior já se mostrava suficiente para caracterizar o caráter excepcional da medida e fora robustecido com a edição da Súmula nº 343 do STF, segundo a qual “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda tiver se baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Dado o imenso grau de subjetivismo imposto pelo legislador com a inserção do termo manifestamente, caberá aguardar a posição dos tribunais acerca da interpre-tação de cada caso, de modo a se entender o que poderia ser uma manifesta violação à norma jurídica.

Destaque-se ainda o inciso VII do CPC/2015, art. 966, que introduz o termo prova nova, en-quanto que no CPC/1973 falava-se em documento novo. A modificação aqui trazida pelo legisla-dor é salutar na medida em que imprime maior amplitude ao âmbito de incidência da rescisória

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Thiago Marinho Nunes Art. 967

para os casos de obtenção de prova pós-trânsito em julgado da decisão sujeita a rescisão. A prova nova continua a ser aquela cuja existência a parte ignorava ou não podia fazer uso, capaz de lhe gerar julgamento favorável. O termo prova nova é adequado por constituir o elemento forte a ensejar a alteração do conjunto fático-probatório gerador da decisão rescindenda.

Finalmente, destaque-se a possibilidade criada pelo § 3º do CPC/2015, art. 966, de a ação rescisória ser parcial, i.e., ter como objeto apenas um dos capítulos da decisão rescindenda.

Por fim, oportuno salientar que, a despeito da nova redação do CPC/2015, art. 966, permane-cem hígidas as Súmulas nº 343 e nº 514 do STF a respeito da matéria, com uma observação tão somente em relação ao termo decisão de mérito transitada em julgado, que agora é o que preva-lece em vez de sentença de mérito, como era lançado no código anterior.

Art. 967 - Têm legitimidade para propor a ação rescisória:I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular;II - o terceiro juridicamente interessado;III - o Ministério Público:a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção;b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei;c) em outros casos em que se imponha sua atuação;IV - aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção.Parágrafo único - Nas hipóteses do art. 178, o Ministério Público será intimado para intervir como fiscal da ordem jurídica quando não for parte.

I. Legitimidade para propor ação rescisória

A nova disposição acerca da legitimidade para propositura da ação rescisória, tal como en-campada no CPC/2015, art. 967, apenas aumenta o leque de atuação do Ministério Público. O inciso III da aludida disposição reconhece a legitimidade do Ministério Público quando o fun-damento da ação rescisória for a simulação ou colusão das partes para fins de fraudar a lei, mas também para evidenciar que sua legitimidade se dá “em outros casos em que se imponha sua atuação” (alínea c).

Além disso, o CPC/2015, art. 967, em seu inciso IV, determina que é também parte legítima para propor ação rescisória “aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção”. Diante de redação expressa, presume-se que o objetivo do legislador foi o de dar a chance ao eventual litisconsorte ativo necessário, outrora preterido, de poder ajuizar demanda de rescisão. A título de exemplo prático, o Enunciado nº 339 do Fórum Permanente de Proces-sualistas Civis dispõe o seguinte: “O CADE e a CVM, caso não tenham sido intimados, quando obrigatório, para participar do processo (art. 118, Lei nº 12.529/2011; art. 31, Lei nº 6.385/1976), têm legitimidade para propor ação rescisória contra a decisão ali proferida, nos termos do inciso IV do art. 967”. A redação do inciso IV do art. 967 não deve ser confundida com a do terceiro

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Thiago Marinho Nunes Art. 968

interessado, parte legítima conforme o inciso II do mesmo artigo. À diferença do exemplo citado anteriormente, o terceiro juridicamente interessado é aquele que foi atingido e prejudicado pela eficácia reflexa da decisão rescindenda.

Art. 968 - A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 319, devendo o autor:I - cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento do processo;II - depositar a importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.§ 1º - Não se aplica o disposto no inciso II à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às suas respectivas autarquias e fundações de direito público, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça.§ 2º - O depósito previsto no inciso II do caput deste artigo não será superior a 1.000 (mil) salários mínimos.§ 3º - Além dos casos previstos no art. 330, a petição inicial será indeferida quando não efetuado o depósito exigido pelo inciso II do caput deste artigo.§ 4º - Aplica-se à ação rescisória o disposto no art. 332.§ 5º - Reconhecida a incompetência do tribunal para julgar a ação rescisória, o autor será intimado para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto da ação rescisória, quando a decisão apontada como rescindenda:I - não tiver apreciado o mérito e não se enquadrar na situação prevista no § 2º do art. 966;II - tiver sido substituída por decisão posterior.§ 6º - Na hipótese do § 5º, após a emenda da petição inicial, será permitido ao réu complementar os fundamentos de defesa, e, em seguida, os autos serão remetidos ao tribunal competente.

I. Requisitos da petição inicial

A redação do CPC/2015, art. 968, reproduz a totalidade do CPC/1973, art. 488, e ainda faz acréscimos meramente complementares e formais. Além da manutenção dos requisitos essen-ciais da petição inicial da ação rescisória (cumulação do pedido de rescisão e de novo julgamento da causa e juntada do depósito prévio de 5% sobre o valor da causa), a nova regra se ocupa com as exigências formais da petição inicial da ação rescisória e dos casos em que ela pode ser inde-ferida ou emendada.

Entre as novas mudanças, há destaque para o limite de valor do depósito prévio, agora com o teto de 1.000 (mil) salários mínimos (§ 2º do art. 968). E além da isenção do depósito para a

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Thiago Marinho Nunes Art. 969

União, o Estado, o Município, o Ministério Público e a Defensoria Pública, a nova regra acres-ce que estão igualmente dispensados do depósito as correspondentes autarquias e fundações de direito público, assim como os beneficiários da justiça gratuita. Em relação a esse ponto, a regra merece críticas severas, uma vez que inexiste razão plausível para que o ente estatal esteja imune à realização do depósito prévio. Ora, o objetivo primordial do depósito prévio é o de garantir a seriedade da ação rescisória que está sendo proposta, e a garantia de seriedade só vale quando aplicada para todos. Da forma como se encontra a regra do art. 968, § 1º, viola-se o princípio constitucional da igualdade das partes (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Nada obs-tante a opinião aqui colocada, há de ser citada a Súmula nº 175 do STJ, segundo a qual “Descabe o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pelo INSS”.

Ademais, o depósito prévio deixa de ser rotulado como “multa”, como era previsto no CPC/1973, art. 488, inciso II, e agora é classificado como um valor que apenas se converte em multa em caso de inadmissibilidade ou improcedência da ação. Importante salientar a natureza do depósito prévio, de caráter eminentemente repressivo e não indenizatório, criado tão somente para evitar o abuso no exercício da ação rescisória (nesse sentido v. STJ, 1ª T., REsp nº 943.796/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 1º/12/2009).

As demais regras, que constam dos §§ 3º a 6º, tratam de aspectos formais acerca da petição inicial da ação rescisória, que será indeferida, além dos casos previstos no CPC/2015, art. 330 (casos de inépcia, ilegitimidade da parte, carência da ação, entre outras causas), se o depósito prévio de 5% do valor da causa não for juntado com a petição inicial. Nada obstante o silêncio do legislador a respeito, é possível a aplicação do CPC/2015, art. 321 (emenda da petição inicial) às regras da ação rescisória, sob pena de se criar gravíssima injustiça à parte (nesse sentido, aliás, já se posicionou o Enunciado nº 284 do Fórum Permanente de Processualistas Civis). A forma de emenda da petição inicial da ação rescisória está apenas expressamente prevista em caso de reconhecimento imediato da incompetência do tribunal para julgar a ação rescisória (§§ 5º e 6º do art. 968).

Finalmente, merece destaque a regra prevista no § 4º do CPC/2015, art. 968, segundo a qual se aplicam à ação rescisória as regras do CPC/2015, art. 332, acerca da improcedência liminar do pedido. Ou seja, será liminarmente rejeitada a ação rescisória, cujo pedido contrariar, inter alia: “I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça”; “II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos”; “III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência”; e “IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”.

Art. 969 - A propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória.

I. Cumprimento da decisão rescindenda

A redação do CPC/2015, art. 969, conserva, em sua plenitude, a regra que outrora estava es-tampada no CPC/1973, art. 489. A adequação da nova redação se dá em razão do termo decisão, que substitui sentença de mérito e se adéqua às hipóteses de concessão de tutela provisória no

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Thiago Marinho Nunes Arts. 970 e 971

CPC/2015, que poderá ser de urgência ou de evidência, a depender das peculiaridades do caso (nesse sentido é o teor do Enunciado nº 80 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).

A regra primordial é a de que a propositura da ação rescisória não impede de qualquer modo o cumprimento da decisão rescindenda. Todavia, em casos excepcionais e devidamente fundamen-tados, o cumprimento da decisão rescindenda poderá ser obstado se o autor da ação demonstrar a presença dos requisitos legais (fumus boni iuris e periculum in mora) a ensejar a concessão do efeito suspensivo. Em caso de concessão da tutela provisória, o Juízo que processa a execução da decisão objeto da ação rescisória deverá ser oficiado para suspensão do curso da execução da decisão rescindenda. A regra prevista no CPC/2015, art. 969, está em linha com a nupérrima jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (nesse sentido v. STJ, 1ª Seção, AgRg na AR nº 4.636/PI, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 8/2/2012; ver ainda STJ, 2ª T., REsp nº 1193256/ES, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 22/6/2010).

Art. 970 - O relator ordenará a citação do réu, designando-lhe prazo nunca inferior a 15 (quinze) dias nem superior a 30 (trinta) dias para, querendo, apresentar resposta, ao fim do qual, com ou sem contestação, observar-se-á, no que couber, o procedimento comum.

I. Resposta à ação rescisória A redação do CPC/2015, art. 970, conserva integralmente a regra que era prevista no CPC/1973,

art. 491: o prazo para oferecimento da resposta ou contestação à ação rescisória varia de no mínimo 15 a no máximo 30 dias, conforme a complexidade do caso a ser aferida pelo relator da ação.

Uma vez citada, a parte requerida na ação rescisória poderá apresentar, além de contestação, reconvenção (CPC/2015, art. 343). Deixando de contestar a ação rescisória, indaga-se se os efeitos da revelia poderiam ser operar. Entende-se que não. Toda e qualquer omissão do réu em relação à ação rescisória proposta não reputará verdadeiras as alegações fáticas postas na inicial da rescisó-ria em razão da simples inafastabilidade da autoridade da coisa julgada material. Nesse sentido, o enunciado do julgado do STJ na AR nº 4.309-SP: “Inaplicável os efeitos da revelia, previstos no art. 319 do Código de Processo Civil, uma vez que esses não alcançam a demanda rescisória, pois a coisa julgada envolve direito indisponível, o que impede a presunção de veracidade dos fatos ale-gados pela parte autora” (STJ, 3ª Seção, AR nº 4.309-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 11/4/2012).

À diferença do CPC/1973, os prazos, sejam para resposta, oferecimento de exceção e reconven-ção, deverão atender à nova regra do CPC/2015, art. 219, caput, segundo a qual “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. Além disso, citação do réu na ação rescisória é para o oferecimento de contestação apenas, e não para compare-cimento em audiência de conciliação ou de mediação (CPC/2015, art. 250, inciso IV).

Com a apresentação da contestação/reconvenção, observam-se as regras do procedimento comum ordinário, com a possibilidade inclusive do julgamento antecipado da lide (CPC/2015, arts. 355 e 356).

Art. 971 - Na ação rescisória, devolvidos os autos pelo relator, a secretaria do tribunal expedirá cópias do relatório e as distribuirá entre os juízes

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Thiago Marinho Nunes Art. 972

que compuserem o órgão competente para o julgamento.Parágrafo único - A escolha de relator recairá, sempre que possível, em juiz que não haja participado do julgamento rescindendo.

I. Competência para julgamento da ação rescisória

A nova regra contida no CPC/2015, art. 971, reproduz parcialmente o que dispunha o CPC/1973, art. 553, excetuando-se tão somente a figura dos embargos infringentes, agora abolida na nova sistemática processual. Devolvidos os autos pelo relator, a secretaria do tribunal deverá expedir cópias do relatório e as distribuirá entre os juízes que compuserem o órgão competente para o julgamento.

Cumpre notar, ademais, que o parágrafo único dita a regra segundo a qual a escolha do relator deve recair, quando possível, em juiz que não tenha participado do julgamento objeto da rescisó-ria. Tal regra deverá ser incorporada pelos Regimentos Internos dos Tribunais dos Estados e é de crucial importância para se evitar nulidades no julgamento da ação rescisória.

Finalmente, é importante consignar que a nova regra prevista no CPC/2015, art. 971, apesar de encorajar pela possibilidade apenas de que o relator da ação não tenha participado do julga-mento da decisão rescindenda, não impede que os demais juízes que participaram do julgamento da decisão rescindenda participem do julgamento da ação rescisória. Nesse sentido, a Súmula nº 252 do STF: “Na ação rescisória, não estão impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo”.

Art. 972 - Se os fatos alegados pelas partes dependerem de prova, o relator poderá delegar a competência ao órgão que proferiu a decisão rescindenda, fixando prazo de 1 (um) a 3 (três) meses para a devolução dos autos.

I. Fase instrutória da ação rescisória

O CPC/2015, art. 972, diz respeito à fase instrutória da ação rescisória, a qual, se for o caso, poderá se realizar com a possibilidade de delegação de competência ao juízo prolator da decisão rescindenda. Trata-se de uma faculdade do relator a remessa dos autos ao Juízo de Primeiro Grau para a produção da prova. Cumpre notar que, segundo o Enunciado nº 340 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “Observadas as regras de distribuição, o relator pode delegar a colheita de provas para juízo distinto do que proferiu a decisão rescindenda”. Ou seja, a prova deve ser colhida conforme as neces-sidades do caso concreto, o que se adéqua ao propósito da busca pela verdade material.

No que tange à sua operacionalidade, a regra conserva idêntica premissa em relação ao seu correspondente anterior (CPC/1973, art. 492). Delegada a competência ao Juízo prolator da de-cisão rescindenda para colheita da prova, este possui prazo que varia de 1 (um) a 3 (três) meses para devolução dos autos ao relator da ação rescisória. No CPC/1973, art. 492, o prazo mínimo para a colheita da prova era de 45 (quarenta e cinco) dias e agora diminuiu para 30 (trinta) dias no CPC/2015. O prazo concedido pelo legislador é bastante exíguo e gera o indesejável risco de

1522

Thiago Marinho Nunes

tornar a prova imprestável. Espera-se que o órgão incumbido de julgar a ação rescisória adote as providências cabíveis de modo a permitir que o prazo de 1 a 3 meses possa ser excepcionalmente prorrogado, desde que devidamente fundamentado o pedido.

Importante consignar, por fim, que a prova a que alude a regra prevista no CPC/2015, art. 972, deve ser a prova oral (oitiva de testemunhas, por exemplo) ou prova pericial. Ambas podem ser colhidas em audiência de audiência de instrução, inclusive com a participação do perito nomea-do para fins de prestar seus esclarecimentos na forma oral. A prova documental que suporta as alegações de fato deve estar acostada na petição inicial da ação rescisória, na contestação ou na possível réplica.

Art. 973 - Concluída a instrução, será aberta vista ao autor e ao réu para razões finais, sucessivamente, pelo prazo de 10 (dez) dias.Parágrafo único - Em seguida, os autos serão conclusos ao relator, procedendo-se ao julgamento pelo órgão competente.

I. Razões finais e julgamento da ação rescisória

A redação do CPC/2015, art. 973, reproduz praticamente a íntegra do CPC/1973, art. 493. O objetivo da norma é operacionalizar o prosseguimento do feito pós-fase de instrução. Assim, terminada a colheita das provas, as partes terão vista sucessiva dos autos para apresentação de suas razões finais seguindo-se a sua remessa para o relator para elaboração de voto. Como o CPC/2015 excluiu a figura do revisor, após a elaboração do voto o relator deverá remeter os autos ao julgamento pelo colegiado competente (CPC/2015, art. 973, parágrafo único).

A regra que define a apresentação de razões finais pelas partes é revestida pelo princípio da ordem pública processual. A não concessão de prazo para apresentação das razões finais gera prejuízo às partes de natureza pública, concernente à decretação de nulidade da decisão que julga a ação rescisória ou mesmo do próprio processo, conforme já decidiu o STJ: “Processo Civil. Ação Rescisória. Ausência de razões finais. O acórdão proferido em ação rescisória, sem prévia oportunidade às partes para as razões finais, induz à nulidade do processo, se o defeito foi argui-do a tempo, isto é, até a sustentação oral na sessão de julgamento. Recurso Especial conhecido e provido” (STJ, 2ª T., REsp nº 23.626/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 13/12/1996). Por outro lado, é questionável a necessidade de se abrir prazo para as razões finais sem a realização da fase instrutória. Nesse caso, o contraditório ficaria efetivado com a apresentação de contestação, réplica ou mesmo tréplica. Ainda que tal abertura seja questionável, entende-se prudente que o relator abra prazo para apresentação das razões finais pelas partes, ainda que a ação comporte apenas prova documental. As razões finais, além de serem a última chance de manifestação das partes, são de grande utilidade para o julgador pois poderão confrontar analiticamente (mediante a apresentação de quadro sinótico) os pleitos de parte a parte e decidir com segurança (nesse sentido v. STJ, 2ª T., REsp nº 322.021/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 1º/9/2009).

Após a apresentação das razões finais pelas partes, ainda que não esteja previsto no CPC/2015, art. 973, entende-se que o Ministério Público deve ser intimado a ter vista dos autos para mani-festação, muito em razão do interesse público do julgamento da ação rescisória (justificado pela excepcionalidade da rescisão da coisa julgada material e seu intrínseco vínculo com a segurança jurídica).

Art. 973

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Thiago Marinho Nunes

Vale relembrar, ao final, que o julgamento da ação rescisória dar-se-á conforme as regras dis-postas nos regimentos internos dos tribunais de cada Estado e deverá observar a regra prevista no CPC/2015, art. 971, parágrafo único, segundo a qual “A escolha do relator recairá, sempre que possível, em juiz que não haja participado do julgamento rescindendo”. Ademais, nos termos da precitada Súmula nº 252 do STF, não estão impedidos, no julgamento da rescisória, os magistra-dos que participaram do julgamento rescindendo.

Art. 974 - Julgando procedente o pedido, o tribunal rescindirá a decisão, proferirá, se for o caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito a que se refere o inciso II do art. 968.Parágrafo único - Considerando, por unanimidade, inadmissível ou improcedente o pedido, o tribunal determinará a reversão, em favor do réu, da importância do depósito, sem prejuízo do disposto no § 2º do art. 82.

Seguindo a regra disposta no CPC/1973, art. 493, o CPC/2015, art. 974, trata do julgamento da ação rescisória e do destino do depósito prévio recolhido quando da distribuição da ação rescisória.

I. Procedência de ação rescisória

Se julgada procedente a ação rescisória (CPC/2015, art. 974, caput), o tribunal julgador res-cinde a decisão desconstituindo a coisa julgada formada anteriormente. Como consequência da rescisão e pelo dever de prestação da tutela jurisdicional, o tribunal deverá proferir novo julga-mento da demanda, exercendo o juízo rescisório em sua plenitude. Dessa forma, é vedado ao tribunal que julga a ação rescisória deixar de julgar a causa e transferir o novo julgamento ao juízo de primeira instância (excetuando-se apenas a hipótese de rescisão por juiz impedido ou absolutamente incompetente – CPC/2015, art. 966, inciso II; ou nos casos de rescisão de coisa julgada anterior – CPC/2015, art. 966, inciso IV; eis que nesses casos a tutela jurisdicional já foi entregue com a desconstituição da decisão rescindenda). Finalmente, com o decreto de procedên-cia da ação rescisória, o valor do depósito prévio é restituído ao autor da ação.

II. Inadmissibilidade e improcedência da ação rescisória

A ação rescisória pode ser julgada inadmissível ou improcedente. No caso de inadmissibilida-de, esta é verificada quando a causa de pedir da ação rescisória não segue qualquer dos requisitos taxativos previstos no CPC/2015, art. 966. Pode ser ainda inadmissível a ação rescisória que não tenha como objetivo a rescisão de decisão de mérito transitada em julgado. Mas, nesse caso, é bem possível que haja o julgamento monocrático previsto no CPC/2015, art. 332. Já no caso de improcedência, há inarredável julgamento de mérito do tribunal, uma vez que há o convencimen-to da inocorrência de fundamento para a rescisão. Julgado o pedido inadmissível ou improce-dente, o tribunal determinará a reversão do depósito prévio em favor do réu (ou a sua conversão a título de multa), sem prejuízo de fixar as verbas de sucumbência (honorários advocatícios e despesas processuais) das quais o autor deve ser inarredavelmente condenado.

Art. 975 - O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Arts. 974 e 975

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§ 1º - Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.§ 2º - Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.§ 3º - Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão.

I. Prazo da ação rescisória

A disposição do CPC/2015, art. 975, amplia substancialmente o artigo correspondente do CPC/1973, art. 495. Na redação anterior estipulava-se tão somente que o direito de propor ação rescisória se extinguiria em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão. Segundo a nova regra, o prazo permanece de 2 (dois) anos, mas contém diversas nuances.

A primeira se refere ao dies a quo da contagem do prazo. Se no CPC/1973 a determinação da contagem do prazo se dava tão somente a partir do trânsito em julgado da decisão rescindenda, no CPC/2015 a contagem do prazo se inicia expressamente a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Tal regra encontra sintonia com o disposto na Súmula nº 401 do STJ, segundo a qual “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. Fica, todavia, mantido o posicionamento do STJ de que a contagem do prazo se dá efetivamente a partir da data do trânsito em julgado e não da data da certidão de trânsito em julgado, comumente feita pelos cartórios judiciais (nesse sentido v. STJ, 3ª Seção, AR nº 4.156/RJ, Rel. Min. Campos Marques, j. em 26/6/2013).

A segunda refere-se ao cuidado do legislador de regulamentar a eventual prorrogação do prazo para ajuizamento da ação rescisória em caso de o prazo se expirar durante o período de férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense. Tal cuidado se deve ao caráter decadencial do prazo de 2 (dois) anos para propositura da ação rescisória. Em regra, os prazos decadenciais possuem natureza material, de modo que não se suspendem e nem se in-terrompem, muito menos se prorrogam. Salutar aqui a inclusão do § 1º ao art. 975, pois estanca dúvidas altamente indesejáveis dos operadores do direito e, ao mesmo tempo, não fere a essência do direito potestativo inerente à rescisão da coisa julgada maculada por uma das hipóteses pre-vistas no CPC/2015, art. 966.

A terceira refere-se à aceitação de um prazo diferenciado e superior ao do CPC/2015, art. 975, caput, para o ajuizamento da ação rescisória. Se o fundamento da ação rescisória se basear em prova nova, a regra processual agora vigente determina que o prazo decadencial de 2 (dois) anos começa a contar da descoberta da prova nova. O legislador foi ainda flexível ao dispor que o prazo não pode ultrapassar 5 (cinco) anos do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

A quarta refere-se à contagem do prazo para eventual terceiro prejudicado e para o Ministério Público ajuizarem a ação rescisória em casos de simulação ou de colusão das partes. Segundo a nova regra, o prazo para a propositura da ação rescisória nesses casos conta-se tanto para o ter-

Art. 975

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ceiro prejudicado e para o Ministério Público que não interveio no processo, no momento da ciên-cia do fato constitutivo da simulação ou da colusão. Interessante ressalvar o Enunciado nº 341 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que estabelece uma exceção às regras dispostas nos §§ 3º e 4º do CPC/2015, art. 975: “O prazo para ajuizamento da ação rescisória é estabelecido pela data do trânsito em julgado da decisão rescindenda, de modo que não se aplicam as regras dos §§ 2º e 3º do art. 975 do CPC à coisa julgada constituída antes de sua vigência”.

Por fim, vale lembrar que, a despeito de orientação anterior do STJ, não se admitindo a coisa julgada por capítulos, sob pena de se criar grande conturbação processual (nesse sentido v. STJ, 1ª T., REsp nº 639.233/DF, Rel. Min. José Delgado, j. em 6/12/2005), a nova sistemática proces-sual admite a ação rescisória dirigida apenas contra 1 (um) capítulo da decisão (art. 966, § 3º, do CPC/2015).

Art. 975

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Art. 976 - É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.§ 1º - A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.§ 2º - Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.§ 3º - A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.§ 4º - É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.§ 5º - Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

AutorAlexandre Gustavo Melo Franco Bahia

I. O Incidente e as demandas seriais

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é uma das grandes apostas do CPC/2015 no tratamento das chamadas causas seriais, isto é, aquelas ações virtualmente idênti-cas e que se repetem às centenas/milhares. Sua inspiração é o processo-modelo das controvérsias do mercado de capital alemão.

Até então apenas mecanismos nos Tribunais Superiores buscavam cuidar da questão. Agora, com aquele Incidente, a questão jurídica repetitiva poderá ser tratada localmente (TJ/TRF) ou até ser nacionalizada: uma vez instaurado o procedimento, suspendem-se todas as ações que discu-tem a temática que se repete e o Tribunal julgará esta questão em separado e, após, a devolverá para que os juízos originais continuem a julgar seus casos, mas já tendo a definição sobre o tema repetitivo a nortear seus julgamentos. Este é o grande objetivo do Incidente, afinal, suspender a tramitação das causas em que a questão repetitiva esteja presente para que esta seja resolvida e, após, os processos voltem ao seu trâmite normal tendo já solucionado aquele debate. O que o IRDR faz é uma cisão da cognição através de técnica conhecida como “procedimento-modelo” – não se trata de uma ação autônoma, mas de um tipo especial de incidente processual.

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Perceba-se que o IRDR apenas poderá ser intentado se demonstrado já haver a efetiva repeti-ção de processos (causas seriais) e que isso signifique risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Tais questões são importantes uma vez que, originalmente, ele foi previsto como forma de se lidar com questões que “poderiam” gerar a multiplicação de demandas e, então, o Incidente teria função “preventiva”, o que foi rechaçado pois que significaria um reforço da “jurisprudên-cia defensiva” que se quis combater no CPC/2015. Não há um número mínimo de processos que autorize o uso do Incidente e nem matérias jurídicas que possam (ou não possam) ser submetidas ao procedimento (Enunciado nº 87 do FPPC: “A instauração do incidente de resolução de deman-das repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica”; Enunciado nº 88: “Não existe limitação de matérias de direito passíveis de gerar a ins-tauração do incidente de resolução de demandas repetitivas e, por isso, não é admissível qualquer interpretação que, por tal fundamento, restrinja seu cabimento”. Por outro lado, há que se cogitar que o preenchimento dos dois requisitos acima citados exige um número considerável de ações.

II. Características do instituto

O § 1º mostra que o IRDR não se dá apenas em função de um interesse particular, mas de um interesse público na estabilização de entendimento quanto a determinada questão repetitiva, por isso a desistência/abandono por seu autor não impede que o Tribunal o julgue no mérito, deven-do, em tais casos, o procedimento ser assumido pelo Ministério Público (§ 2º). Pelas mesmas razões o § 3º estabelece que a inadmissão em uma primeira tentativa de instaurar o Incidente não impede que ele seja intentado novamente.

Como o grande objetivo do IRDR é a uniformização e a geração de segurança jurídica sobre questão repetitiva controversa, não faz sentido sua ocorrência quando a mesma questão já é objeto de RE/REsp repetitivos (art. 1.036 e ss.), pois que aí os Tribunais Superiores estarão exercendo sua função precípua de uniformização jurisprudencial, por isso o disposto no § 4º.

III. Procedimento trifásico

O procedimento do IRDR é trifásico: instauração do Incidente, instrução e julgamento e apli-cação do entendimento aos casos sobrestados (e aos futuros casos sobre a mesma matéria).

Art. 977 - O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:I - pelo juiz ou relator, por ofício;II - pelas partes, por petição;III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.Parágrafo único - O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

I. Legitimidade para instaurar o Incidente

O art. 977 trata da legitimidade ativa para o IRDR e da competência para o seu julgamento. Quanto a esta última, o Incidente pode ocorrer em face de uma ação que esteja em 1º ou 2º graus

Art. 977

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e o pedido, de qualquer forma, é dirigido ao respectivo Presidente do Tribunal (TJ/TRF) – ver também o art. 978. Sobre a legitimidade ativa, podem instaurar o Incidente o juiz/Relator, de ofí-cio ou via petição, de qualquer uma das partes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Atente-se que o Ministério Público, quando não for o autor do IRDR, irá intervir como custos legis (art. 976, § 2º) e que o ofício ou a petição devem estar acompanhados dos documentos que mostrem o cumprimento dos requisitos para a instauração do procedimento.

Ainda, de acordo com o Enunciado nº 89 do FPPC: “Havendo apresentação de mais de um pe-dido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posterior-mente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgador conside-rar as razões neles apresentadas”. E o Enunciado nº 90 prescreve: “É admissível a instauração de mais de um incidente de resolução de demandas repetitivas versando sobre a mesma questão de direito perante tribunais de 2º grau diferentes”.

Art. 978 - O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.Parágrafo único - O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

I. Competência para o julgamento do Incidente

O art. 978 estabelece o órgão que, dentro do Tribunal, terá competência para julgar o IRDR: será aquele que, de acordo com o Regimento Interno, for o responsável pela uniformização da jurisprudência. Este órgão fica também prevento para julgar futuro recurso/remessa necessária/processo de competência originária de onde se originou o Incidente.

Art. 979 - A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.§ 1º - Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.§ 2º - Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.§ 3º - Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.

Arts. 978 e 979

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I. Publicidade necessária a ser dada sobre a instauração e julgamento do IncidenteO objetivo do IRDR é resolver o problema de insegurança jurídica e de quebra de isonomia

que podem ser gerados pela existência de uma multiplicidade de ações tratando da mesma ques-tão. Por isso é que, uma vez instaurado, deve ser dada a mais ampla publicidade ao mesmo para que se saiba exatamente quais as causas que estão afetadas ao Incidente (ver art. 982) e para que a decisão que ali for dada possa servir de parâmetro para futuras ações. Assim, os Tribunais devem registrar eletronicamente o Incidente no CNJ e manter tal cadastro atualizado e em tal cadastro deve haver informações sobre os fundamentos que nortearam a decisão (qual a ratio decidendi da decisão) e que diplomas normativos foram implicados.

II. Aplicação das disposições sobre publicidade aos recursos extraordinário e especial repetitivos

O § 3º determina que os mecanismos dispostos no artigo sobre a forma de dar publicidade so-bre a instauração e julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas seja aplicado também ao procedimento e julgamento dos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos (art. 1.036 et seq.)

Art. 980 - O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.Parágrafo único - Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 982, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.

I. Prazo máximo de duração do IncidenteO art. 980 previne um problema já conhecido quanto à repercussão geral das questões constitu-

cionais nos Recursos Extraordinários (e que o CPC/2015 também resolve para estes): que o procedi-mento permaneça sem solução durante longos períodos. Assim, não só se prevê a preferência de jul-gamento do Incidente sobre outros feitos (exceto casos de réu preso e habeas corpus) como também se estabelece o prazo máximo de 1 ano para o julgamento do IRDR; se não for julgado no prazo, é encerrado o procedimento e as causas afetadas (ver art. 982) voltam à sua tramitação normal.

Art. 981 - Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976.

I. Competência para julgamento do Incidente

Distribuído o Incidente, o órgão competente para julgá-lo no Tribunal (ver art. 978) fará o juízo de admissibilidade do mesmo, verificando se estão presentes os requisitos do art. 976. De acordo com o Enunciado nº 91 do FFPC: “Cabe ao órgão colegiado realizar o juízo de admissibi-lidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, sendo vedada a decisão monocrática”.

Arts. 980 e 981

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Art. 982 - Admitido o incidente, o relator:I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.§ 1º - A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.§ 2º - Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.§ 3º - Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.§ 4º - Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no § 3º deste artigo.§ 5º - Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.

I. Procedimentos a partir da instauração

Presentes os requisitos de admissibilidade do IRDR (art. 981 c.c. art. 976), cabe ao Relator no Tribunal (pertencente ao órgão competente para julgar o Incidente) afetar as demais causas (individuais ou coletivas) que, dentro do raio de competência daquele, tratem da mesma questão repetitiva. Como já adiantado nos comentários ao art. 976, este é o grande objetivo do Incidente: suspender a tramitação das causas em que a questão repetitiva esteja presente para que esta seja resolvida e, após, os processos voltem ao seu trâmite normal tendo já solucionado aquele debate. A essa cisão da cognição se dá o nome técnico de “procedimento-modelo”. Os respectivos juízos nos quais as ações tramitam devem ser comunicados sobre a instauração do IRDR para que aque-las sejam suspensas (§ 1º) – Enunciado nº 92 do FFPC: “A suspensão de processos prevista neste dispositivo é consequência da admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas e não depende da demonstração dos requisitos para a tutela de urgência”; Enunciado nº 93: “Admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a mesma questão objeto do incidente e que tramitem perante os juizados espe-ciais no mesmo estado ou região”. Ainda sobre a suspensão, o § 5º prescreve que os processos permanecem suspensos havendo RE/REsp contra decisão do Incidente (ver art. 987).

II. Exceção à suspensão dos processos

Pretensões relativas a tutelas de urgência (art. 300 e ss.) ficam submetidas a deliberação do juízo da causa suspensa (§ 2º).

Art. 982

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III. Instrução do Incidente

Suspensos os processos, o Incidente deve ser instruído e, para isso, pode o Relator requisitar informações dos juízos onde tramitam as ações, que devem ser prestadas em 15 dias. O objetivo aqui é arregimentar subsídios sobre os debates havidos nas ações a respeito do tema comum e, inclusive, ter-se um mapa de eventual diversidade de causas em que aquela aparece. O Ministério Público, quando agir como custos legis (art. 976, § 2º), terá também 15 dias para se manifestar. Ver também art. 983.

IV. Ampliação do Incidente em nível nacional

O IRDR pode ter seu raio de abrangência ampliado: do nível local (TJ/TRF) para o nível nacional. Para isso os legitimados a instaurar o Incidente citados nos incisos II e III do art. 977 poderão pedir ao STF ou ao STJ (a depender se a questão é “constitucional” ou “federal”) que assumam o Incidente e ordenem a suspensão de todos os processos sobre a mesma matéria que tramitem no País (§ 3º) (ver também o art. 1.029, § 4º). Tal providência de nacionalização do debate sobre o tema repetitivo poderá, também, ser requerida por quem seja parte em algum processo que também discuta o tema noutro Estado/Região, de forma a estender a discussão para além do nível local (§ 4º).

Art. 983 - O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.§ 1º - Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.§ 2º - Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.

I. Contraditório

Após o Relator pedir informações aos juízos em que tramitam os processos sobrestados (art. 982, inciso II), a instrução do IRDR se completa com o que dispõe o art. 983. O Relator deverá ouvir as partes (do processo que deu origem ao Incidente), bem como amicus curiae que se ha-bilitem para falar no processo. Tanto uns como outros terão o prazo de 15 dias e poderão juntar documentos e solicitar diligências. Após se manifesta o Ministério Público quando age como custos legis, no mesmo prazo.

II. Ampliação do debate através de audiência pública

Poderá haver audiência pública com a convocação, pelo Relator, “de pessoas com experiência e conhecimento na matéria”. Tanto a audiência pública quanto a atuação dos amici curiae não são novidade no direito brasileiro, que já os admite para as ações de controle concentrado de normas

Art. 983

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(Leis nos 9.868/1999 e 9.882/1999), bem como para o julgamento do Incidente de Controle difuso de constitucionalidade (arts. 948-950 do CPC/2015). Sobre o papel/poderes dos amici curiae, conferir o art. 138 do CPC/2015.

III. Solicitação de pauta para julgamento

Terminada a instrução e havidos os debates, o Relator solicitará que o Incidente seja colocado em pauta para julgamento.

Art. 984 - No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem:I - o relator fará a exposição do objeto do incidente;II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente:a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta) minutos;b) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.§ 1º - Considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.§ 2º - O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

I. Ordem na sessão de julgamento e tempo de sustentação oral

O art. 984 disciplina a ordem na pauta de julgamento do IRDR: leitura do Relatório, sustenta-ções orais: do autor e do réu do processo originário e do Ministério Público, com o prazo comum de 30 minutos; depois, os amici curiae, inscritos para o julgamento com antecedência mínima de 2 dias, que dividirão o prazo comum de 30 minutos.

II. Possibilidade de ampliação do prazo

O § 1º permite que esse prazo seja ampliado quando houver um número muito grande de in-teressados.

III. Alcance da decisão no Incidente

O § 2º estabelece o alcance e os contornos do acórdão que julga o IRDR: ele deverá enfrentar todos os fundamentos (favoráveis e contrários) suscitados que digam respeito à tese debatida. A norma nem precisaria ter sido posta, uma vez que há regra geral sobre o tema: art. 489, § 1º, a exigir que qualquer sentença/acórdão seja dada na forma acima estabelecida.

Art. 985 - Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

Arts. 984 e 985

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II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.§ 1º - Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.§ 2º - Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.

I. Aplicação da tese aos casos sobrestados e aos casos futuros sobre o mesmo temaJulgado o IRDR, o entendimento ali fixado deve ser adotado no julgamento dos casos que fica-

ram sobrestados (inclusive ao caso que deu origem ao Incidente), de forma que os respectivos juí-zes/Tribunais retomam o julgamento dos seus casos tendo como um parâmetro adicional a decisão do Incidente. O IRDR se trata de uma cisão da cognição, assim, o órgão que o julga apenas trata da questão de direito que foi objeto do procedimento, devendo o restante da cognição ser dada pelo juízo de origem; este, por sua vez, deverá aplicar o entendimento uniformizado, sob pena de a parte prejudicada intentar Reclamação ao órgão que julgou o Incidente – sobre o instituto da Reclamação ao órgão que julgou o incidente – sobre o instituto da Reclamação no CPC/2015, ver os arts. 988-993. De igual sorte, processos futuros que tramitem no mesmo âmbito de jurisdição e que tratem da mesma matéria deverão seguir o entendimento ali fixado, salvo se houver revisão do entendimento (como será tratado no art. 986). Apesar de não mencionado, vale lembrar também que o juiz/parte poderá argumentar pela não aplicação do que foi decidido anteriormente se demonstrarem a não coincidência de fatos relevantes entre um e outro casos – isto é, proceder-se a uma “distinção” (distinguishing), como possibilitado pelo art. 489, § 1º, incisos V e VI.

II. Cabimento de reclamação Caso algum juiz/tribunal submetido à jurisdição do órgão prolator da decisão não a observe

em casos sobre o mesmo tema, caberá à parte intentar Reclamação a este último (§ 1º).III. Incidente e a prestação de serviços públicos O § 2º dispõe sobre a possibilidade – bem plausível – do IRDR se dar sobre matéria relativa à

prestação de serviço público. Como uma garantia adicional ao cumprimento da decisão, a presta-dora do serviço, bem como a respectiva agência reguladora, deverão ser comunicadas.

Art. 986 - A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.

I. Revisão da tese (overruling) fixada no Incidente

O CPC/2015 contempla a possibilidade de revisão (overruling) acerca do entendimento fir-mado anteriormente no IRDR (e noutros procedimentos de formação de precedentes e súmulas). Apesar de o propósito do procedimento ser a uniformização, há que se compreender que o Direito

Art. 986

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é um fenômeno dinâmico e que está inserido em uma sociedade em constante mudança. Assim, o Ministério Público ou a Defensoria Pública (art. 977, inciso III), ou o próprio Tribunal, “de ofício”, poderão pedir a revisão da tese firmada.

Art. 987 - Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.§ 1º - O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.§ 2º - Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

I. Recurso cabível a decisão de mérito dada no Incidente

Contra a decisão de mérito dada no IRDR caberá Recurso Extraordinário (RE) ou Recurso Especial (REsp), conforme se trate a matéria de questão constitucional (art. 102, inciso III – CR/1988) ou federal (art. 105, inciso III – CR/1988).

II. Efeito suspensivo automático do recurso e presunção de repercussão geral

Este RE/REsp tem efeito suspensivo automático – ao contrário da regra do art. 1.029, § 5º, que prescreve que o efeito suspensivo nesses recursos tem de ser requerido e poderá não ser conce-dido. Sendo o caso de RE, o CPC/2015 já prevê a existência de repercussão geral (art. 1.035) da matéria ali discutida. Ainda, de acordo com o Enunciado nº 94 do FPPC: “A parte que tiver o seu processo suspenso [...] poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”.

III. Alcance nacional da decisão do recurso

Diferentemente da decisão quando dada por TJ/TRF no julgamento do IRDR, que tem alcance apenas regional, sendo a tese decidida em sede de RE/REsp, o entendimento fixado terá abran-gência nacional (§ 2º).

Art. 987

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Rogerio Licastro Torres de Mello

Art. 988 - Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:I - preservar a competência do tribunal;II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;III - garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;IV - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.§ 1º - A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.§ 2º - A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal.§ 3º - Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível.§ 4º - As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.§ 5º - É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão.§ 6º - A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação.

AutorRogerio Licastro Torres de Mello

I. Conceito, características e cabimento

A reclamação constitucional consiste no instituto processual destinado, conforme indicam os incisos do art. 988 do CPC/2015, à preservação da competência do tribunal, à manutenção do império e da autoridade de decisões do tribunal, à garantia da obediência das decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado da constitucionalidade e, por fim, à observância e ao respeito às súmulas vinculantes, aos precedentes formados em sede de julgamentos de incidentes de demandas repetitivas ou proferidos em incidente de assunção de competência.

Outrora tratada pela Lei nº 8.038/1990, em seus arts. 13 a 18, a reclamação agora é tratada pelo CPC/2015, arts. 988 e ss., que revogou expressamente, em seu art. 1.072, inciso IV, os arts. 13 a 18 referidos.

Reconhece-se sua natureza jurídica de ação, e sua finalidade, como acima observado, é a de preservar não apenas determinado pronunciamento decisório ou a competência de determinado tribunal, porém fundamentalmente colima-se, por intermédio da reclamação, garantir a autori-

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Rogerio Licastro Torres de Mello

dade e a observância das decisões arroladas nos incisos II a IV deste art. 988 sob comento, bem como a competência dos tribunais (tribunais de jurisdição ordinária e excepcional).

A reclamação constitucional é cabível em face de atos do Poder Público (atos do Poder Ju-diciário ou do Poder Executivo, por exemplo) que se enquadrem em alguma das hipóteses dos incisos do art. 988 do CPC e revelem negativa de observância ou usurpação de competência, respectivamente, das decisões ou da autoridade de determinado tribunal, nas circunstâncias indi-cadas nos incisos do artigo em referência.

Uma importante inovação gerada pelo CPC/2015 diz respeito ao cabimento da reclamação não apenas quando houver negativa de aplicação da decisão de determinado tribunal, conforme indi-cado nos incisos II a IV do art. 988 do CPC/2015: caberá reclamação, também, quando houver aplicação indevida de tais decisões a determinado caso, sobre o qual estas não deveriam incidir (§ 4º do art. 988 do CPC/2015).

É de se observar que, em termos gerais, a reclamação revela-se de grande importância para a preservação da autoridade das decisões do STF adotadas em sede de julgamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade, quais sejam a Ação Direta de Inconstitucionali-dade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

O CPC/2015, aliás, ao prever que a reclamação é cabível para preservar a competência e a autoridade de decisões do “tribunal” (CPC/2015, art. 988, incisos I e II), expressamente elimina a polêmica outrora existente acerca do cabimento da reclamação exclusivamente perante o STF e o STJ ou, ao contrário, também perante outros tribunais. Doravante, com o advento da novel codificação processual civil, caberá o direcionamento da reclamação a qualquer tribunal, verifi-cadas as hipóteses legais descritas no artigo em exame.

II. Legitimações ativa e passiva

A legitimação ativa para a propositura da reclamação constitucional é do Ministério Público ou da parte interessada. Em essência, a parte interessada para o ajuizamento da reclamação é aquela prejudicada pela não observância da autoridade dos pronunciamentos decisórios indica-dos nos incisos II a IV do art. 988 do CPC/2015, ou que experimentou em seu desfavor usurpação de competência de determinado tribunal.

O legitimado ativo típico para o aforamento da reclamação, portanto, será o beneficiário da decisão cuja autoridade foi violada (beneficiário da aplicação da súmula vinculante, da decisão do tribunal que não foi observada, da decisão firmada em controle concentrado exercido pelo STF, da decisão firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou assunção de com-petência).

A legitimação passiva será da autoridade à qual se atribui, na reclamação, a usurpação de competência ou a inobservância de decisão judicial que se amolde às hipóteses dos incisos I a IV do art. 988 do CPC/2015, devendo ser citado, também (e, portanto, sendo legitimado passivo), o beneficiário da decisão ou do ato reclamados.

III. Aspectos relevantes de sua tramitação e de seu julgamento

O § 1º do art. 988 do CPC/2015, de maneira esclarecedora, dispõe ser cabível a reclamação perante qualquer tribunal, o que afasta eventuais dúvidas outrora existentes acerca do cabimento de tal medida apenas no STF ou no STJ. Como sobredito, com o advento da nova codificação

Art. 988

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Rogerio Licastro Torres de Mello

processual civil, estabelece-se que usurpações de competência ou não observância de decisões de quaisquer tribunais poderão ser objeto de reclamação. Dispõe o referido § 1º, ainda, que a re-clamação deverá ser julgada pelo órgão “cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir”.

Deverá a reclamação ser dirigida ao presidente do tribunal (§ 2º do art. 988 do CPC/2015), para fins de autuação e direcionamento ao relator do processo principal, em que proferida a de-cisão que se está a descumprir pela autoridade reclamada, ou está sob usurpação de competência (§ 3º do art. 988 do CPC/2015).

De conformidade com o § 2º do art. 988 sob análise, a reclamação comporta prova documen-tal, e esta deverá acompanhar a petição inicial.

Dada sua natureza não recursal (pensamos, com efeito, tratar-se de ação), a reclamação, a teor do § 6º do art. sob análise, pode perfeitamente coexistir com eventual recurso interposto em face da decisão proferida pelo órgão reclamado, que está (i) ou a usurpar competência do tribunal, ou (ii) a violar a autoridade de decisão que se enquadre nas hipóteses previstas nos incisos I a IV do art. 988 do CPC/2015.

Aliás, a reclamação independe do destino de recurso interposto em face da decisão que lhe deu causa, dado que o § 6º em exame é expresso ao dispor que a reclamação não se verá preju-dicada por eventual inadmissibilidade ou julgamento de improcedência do recurso interposto, apresentando-se, portanto, como instituto processualmente independente.

Há que se registrar, contudo, que a reclamação não pode ser apresentada após o trânsito em julgado da decisão que justificaria seu ajuizamento (CPC/2015, § 5º), conforme consta do Enun-ciado nº 734 da Súmula do STF: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Art. 989 - Ao despachar a reclamação, o relator:I - requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias;II - se necessário, ordenará a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável;III - determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a sua contestação.

O polo passivo da reclamação é, pragmaticamente, integrado (i) pela autoridade à qual se im-puta a usurpação de competência ou a não observância da autoridade das decisões arroladas no art. 988 do CPC/2015, incisos I a IV, e (ii) pelo beneficiário da decisão reclamada, que deverá ser citado e terá quinze dias para apresentar contestação (CPC, 989, inciso III).

Neste passo, o relator da reclamação determinará a requisição de informações à autoridade dita “reclamada”, que terá dez dias para tanto.

Nas informações, caberá à autoridade reclamada expor as circunstâncias do caso em que se deu a decisão objeto de reclamação, além das razões que justificariam o ato ou a decisão reclamados. Tais informações têm o objetivo de permitir à autoridade reclamada que informe ao relator da reclamação o que teria sucedido no procedimento em que proferido o ato objeto da reclamação.

Art. 989

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Rogerio Licastro Torres de Mello

A contestação propriamente dita (vale dizer, a defesa) a ser apresentada em face da reclamação caberá ao beneficiário do ato ou da decisão que forem impugnados por intermédio da reclamação.

Poderá o relator, ainda, determinar a suspensão do processo em que proferida a decisão ob-jeto da reclamação, caso a usurpação de competência ou a violação à autoridade das decisões arroladas no art. 988 do CPC/2015 provenham de autoridade judicial ou mesmo de autoridade não judicial (na hipótese de o processo ser administrativo, por exemplo). Poderá, também, ser determinada apenas a suspensão do ato impugnado, e não do processo.

Para fins de se determinar a suspensão referida no parágrafo acima, faz-se necessária a de-monstração de risco de dano irreparável, vale dizer, é preciso restar configurado o chamado periculum in mora.

Art. 990 - Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.

O art. 990 sob análise contém disposição normativa que confere a qualquer interessado o direito de impugnar a reclamação (leia-se, apresentação de defesa da legitimidade do ato ou da decisão reclamados).

O ponto a ser analisado, aqui, respeita à pertinência da atuação deste “interessado” para fins de apresentação de impugnação à reclamação.

Por “qualquer interessado” deve-se entender aquele que demonstre relação de pertinência com o objeto da reclamação, demonstrando, por conseguinte, que sua esfera jurídica será afetada pela decisão a ser proferida quando do julgamento da reclamação.

Art. 991 - Na reclamação que não houver formulado, o Ministério Público terá vista do processo por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo para informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato impugnado.

O Ministério Público pode funcionar como legitimado ativo da reclamação, conforme preco-niza o art. 988 do CPC/2015.

Na hipótese de a reclamação não ser de sua iniciativa, o MP funcionará como custos legis, e terá vista dos autos da reclamação por cinco dias após o prazo para informações (dez dias) e após o prazo para apresentação de contestação pelo beneficiário do ato impugnado (15 dias), de modo que opine acerca da questão.

Art. 992 - Julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia.

Arts. 990, 991 e 992

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Rogerio Licastro Torres de Mello

O julgamento de procedência da reclamação gerará a cassação da decisão ou do ato que te-nham usurpado a competência do tribunal, ou que tenham configurado a violação das decisões arroladas nos incisos do art. 988 do CPC/2015.

Pode ocorrer, contudo, que a cassação da decisão ou do ato reclamados necessite de providên-cias outras, complementares, para que se restabeleça a autoridade da decisão do tribunal objeto da reclamação.

Nesta hipótese, o tribunal, além da cassação da decisão ou do ato reclamados propriamente dita, poderá determinar quaisquer medidas complementares necessárias à solução da usurpação de com-petência ou da violação de autoridade decisória que geraram o ajuizamento da reclamação.

Neste sentir, a “medida” que se apresenta como mais comum para fins de solução da controvér-sia consiste na determinação de que a autoridade reclamada observe e respeite a competência do tribunal e a autoridade de quaisquer das decisões arroladas nos incisos do art. 988 do CPC/2015.

Registre-se que, por intermédio da genérica expressão “determinará medida adequada à solu-ção da controvérsia”, parece-nos claro o intuito do legislador de conferir amplitude e flexibili-dade de atuação ao tribunal para, além da cassação do ato ou da decisão reclamados, determinar a adoção de qualquer providência que se apresente útil ao restabelecimento do respeito à sua competência ou à autoridade das decisões indicadas nos incisos II a IV do art. 988 do CPC/2015.

Art. 993 - O presidente do tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

A decisão proferida quando do julgamento da reclamação deverá ser objeto de imediata de-terminação de cumprimento por parte do presidente do tribunal, independentemente de lavratura prévia do acórdão.

O objetivo, aqui, é restabelecer-se, mediante determinação de cumprimento da decisão de aco-lhimento da reclamação, a competência e a autoridade decisória do tribunal sem que se aguarde o prazo (por vezes excessivo) de lavratura de acórdão, particularmente considerando-se a própria gravidade inerente ao cenário que justificou o ajuizamento da reclamação.

Com o acolhimento da reclamação, está-se, ao final das contas, a excluir do mundo jurídico uma decisão ou um ato que são violadores da autoridade e da competência do órgão jurisdicional, e isto é grave por si só, gerando, por conseguinte, consequências práticas também graves.

A ordem de cumprimento da decisão proferida quando do julgamento da reclamação, portanto, deverá ser objeto de cumprimento independentemente de lavratura do acórdão respectivo.

Art. 993

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Ricardo de Carvalho Aprigliano

Art. 994 - São cabíveis os seguintes recursos:I - apelação;II - agravo de instrumento;III - agravo interno;IV - embargos de declaração;V - recurso ordinário;VI - recurso especial;VII - recurso extraordinário;VIII - agravo em recurso especial ou extraordinário;IX - embargos de divergência.

AutorRicardo de Carvalho Aprigliano

I. ConceitoOs recursos são o meio idôneo para o exercício de inconformismo da parte (e eventualmente

de terceiros interessados) quanto às decisões que lhes são desfavoráveis. Trata-se de meio vo-luntário, que exige sempre a manifestação de vontade da parte. Seus objetivos estão atrelados à anulação, à complementação ou à revisão das decisões, tenham elas conteúdo meramente pro-cessual, ou de mérito. Para que se possa considerar um recurso, o meio impugnativo deve ser exercitado na mesma relação processual, tendo, em qualquer caso, aptidão para obstar o trânsito em julgado da decisão recorrida.

Disso decorre que as formas automáticas de revisão das decisões, como o reexame necessário (art. 496), não são consideradas recursos. A distinção, meramente teórica para vários aspectos da dinâmica de um novo julgamento, agora ganha importância, diante da previsão de fixação adicional de honorários pelo tribunal, “ao julgar recurso” (art. 85, § 11). A razão de ser da nova disciplina é a de aumentar o valor dos honorários na proporção do trabalho realizado, o que também se verifica no reexame necessário. Contudo, não havendo recurso da Fazenda Pública, parece inviável a majoração da sua condenação, se tal reexame necessário for improvido. Tanto pior se houver a inversão do julgamento, pois o particular que litigou contra a Fazenda Pública nada fez para proporcionar esse aumento de trabalho.

Da mesma forma, eventuais outras formas de impugnação das decisões, como a ação rescisó-ria, mandado de segurança e ação anulatória, também não se enquadram no conceito de recursos, porque não se exercitam na mesma relação processual.

II. Taxatividade e unicidade dos recursosO sistema processual brasileiro assegura ampla recorribilidade das decisões, ainda que não de

forma absoluta. Contudo, somente poderão ser interpostos os recursos expressamente previstos na legislação. Não obstante o CPC ser o diploma que os prevê e disciplina suas hipóteses de ca-bimento, outros recursos podem ser previstos em legislação extravagante. De todos os exemplos, o mais comum e recorrente é o recurso inominado, cabível em face das sentenças proferidas no âmbito dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995 e Lei nº 10.259/2001).

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Ricardo de Carvalho Aprigliano

A esse fenômeno dá-se o nome de princípio da taxatividade. Os órgãos de administração do Poder Judiciário, como o Conselho Nacional de Justiça, Corregedorias de Justiça e os próprios tribunais – por meio de seus Regimentos Internos – não podem criar novas figuras recursais, além daquelas expressamente previstas na legislação. Vale ainda lembrar que a disciplina processual pode ser fixada apenas por legislação federal, conforme limitação estabelecida na Constituição da República, art. 22, inciso I.

Em termos práticos, muitos tribunais preveem em seus regimentos internos figuras de agravo, que bem por isso são denominadas agravos regimentais. Não se pode considerar que tais recur-sos sejam criados no âmbito dos regimentos, já que o agravo é modalidade recursal largamente prevista no CPC. O que fazem os tribunais é regulamentar hipóteses específicas de cabimento dos agravos, em vista da organização de competências e funcionamento interno dos seus órgãos. Com isso, evita-se a situação inversa, qual seja, a de que provimentos com cunho decisório, capazes de causar gravame à parte, sejam tornados irrecorríveis em função de disposições dos Regimentos Internos.

Outro aspecto comumente mencionado diz respeito à impossibilidade de, como regra geral, ser interposto mais de um recurso contra uma mesma decisão (princípio da unirrecorribilidade das decisões). O sistema processual trabalha sob a premissa geral de que, para cada decisão, há um único recurso cabível.

Disso decorre que a parte não pode apresentar dois recursos, ainda que o segundo se dê dentro do prazo. Não há espaço para a complementação das razões do recurso, pois prevalece o enten-dimento de que ocorre, na hipótese, preclusão consumativa.

A regra da unirrecorribilidade não inclui os embargos de declaração, que são cabíveis contra qualquer decisão. A parte pode opor os declaratórios, que interromperão o prazo para o outro re-curso, e após o seu julgamento, aí então apresentar o recurso próprio (por exemplo, da sentença, a apelação).

São exemplos de situações que não admitem o manejo de dois recursos ou meios impugnativos:

Pedido de reconsideração. Cuida-se de figura surgida na praxe forense, que não configura re-curso, mas mera manifestação adicional que a parte pode formular perante o juiz que proferiu a decisão, como tentativa de que o magistrado a reveja. Não há previsão legal para tal figura, razão pela qual o pedido de reconsideração (i) não interrompe ou suspende o prazo para a interposição do recurso correspondente, se houver, (ii) por não ser recurso, não se insere na proibição inerente à regra da unicidade e (iii) não há dever legal do magistrado em sequer examinar novamente a decisão, diante da consideração de que, como regra, nenhum juízo pode proferir decisão sobre questão já decidida (art. 505) o que, naturalmente, abrange o próprio juiz prolator da primeira decisão.

A exceção fica por conta das hipóteses de cabimentos dos Embargos de Declaração, porque a própria lei determina que o juiz deverá complementar sua decisão anterior, se ela apresentar omissão, obscuridade, contradição ou erro material.

Sentenças que revoguem, confirmem ou concedam tutela provisória. Como foi visto nos co-mentários ao art. 203, o CPC/2015 manteve a tradição do CPC/1973 e optou por definir o con-ceito de sentença e de decisão interlocutória, como forma de prevenir problemas decorrentes do correto enquadramento e dos recursos correspondentes.

Problema muito comum se dá quando a parte que teve contra si a tutela provisória concedida (ou confirmada) na própria sentença opte por atacar essa parcela da decisão pelo recurso de agravo,

Art. 994

1542

Ricardo de Carvalho Aprigliano

dirigindo a apelação contra os demais capítulos da sentença. Tal comportamento parte da premis-sa equivocada de que é possível separar tais decisões, ou que tenham sido proferidas, na verdade, duas decisões simultaneamente.

Não se trata disso. Ao proferir uma decisão que põe fim à fase cognitiva do procedimento co-mum”, todas as questões relativas àquele procedimento são decididas e absorvidas em uma única decisão, que tem natureza de sentença. É bastante comum que a sentença seja dividida em partes, relativas a pedidos diferentes que integrem a demanda, ou relacionadas às divisões inerentes ao procedimento. Não é apenas o conteúdo da decisão que a qualifica como sentença ou decisão interlocutória, mas a sua colocação em momento do procedimento que a torne apta a encerrar tal fase de conhecimento. Todos os possíveis conteúdos da decisão (por exemplo, a parcela que indefere provas, que acolhe ou rejeita alegação de prescrição, que concede ou não a tutela provi-sória) são absorvidos e passam a compor um único provimento, que é a sentença. E se é sentença, o único recurso cabível é a apelação.

III. Necessidade de impugnação específica (dialeticidade)

Outra característica inerente aos recursos é a crítica que devem conter à decisão impugnada. Em termos de relações de massa, não é incomum que as demandas, as defesas e as decisões judi-ciais sejam produzidas aos milhares, para causas que se repetem. Tal fenômeno, inerente às so-ciedades modernas, não exclui, contudo, a necessidade de se atacarem especificamente as razões da decisão, como forma de viabilizar o exame do recurso.

O recurso não pode se resumir à repetição de razões deduzidas antes, seja na petição inicial, seja na contestação. Se configuram meio de impugnação de uma decisão, devem fazer referência específica aos aspectos da decisão que justificam a sua anulação, complementação ou reforma. Em reforço dessa regra, o art. 932, inciso III, dispõe que o relator não deve conhecer o recurso “que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida”.

IV. Recursos cabíveis

O CPC/2015 não inovou de forma relevante em relação ao cabimento dos recursos, com a única ressalva do agravo de instrumento, como será visto. Em termos nominais, o único recurso extinto é o dos embargos infringentes, que foi transformado em técnica de julgamento das apela-ções julgadas por maioria e que, em termos práticos, representa, na verdade, uma ampliação da sua aplicação, comparativamente ao regime do CPC/1973.

O recurso de agravo foi mais bem explicitado e, por isso, dividido em três tipos. O agravo de instrumento, como modalidade de recurso cabível de forma imediata contra certas e específicas decisões interlocutórias (art. 1.015). O agravo interno, cabível contra as decisões monocráticas do relator, no âmbito dos tribunais. Por fim, o agravo em recurso especial ou extraordinário, meio cabível para impugnar a decisão do relator que, nos Tribunais Superiores, negar seguimento aos recursos especiais e extraordinários.

Por política legislativa, o sistema processual abandona a regra anterior, de ampla recorribili-dade das decisões interlocutórias, com a preclusão das decisões não recorridas, e passa a funcio-nar sob sistema novo.

As decisões interlocutórias não são mais, em regra, recorríveis de forma imediata. Em con-trapartida, dispensa-se a parte de qualquer impugnação ou manifestação de inconformismo, per-mitindo que todas as questões decididas desfavoravelmente sejam suscitadas posteriormente, por ocasião das razões ou contrarrazões de apelação.

Art. 994

1543

Ricardo de Carvalho Aprigliano

Com isso, diminuiu o espectro de decisões que desafiam o agravo de instrumento, limitado às hipóteses taxativamente previstas no art. 1.015 e em outros dispositivos legais. Seja como for, se não há previsão específica de recorribilidade pela via do agravo de instrumento, não é possível submeter a questão desde logo ao segundo grau de jurisdição.

Nesse verdadeiro “cobertor curto”, restam hipóteses que potencialmente podem causar dano grave ou de difícil reparação, que tenderão a fazer ressurgir a figura do mandado de segurança contra ato judicial, como meio indireto de se obter a revisão imediata dessas questões. Pense-se, por exemplo, nas decisões acerca de competência relativa, ou que indefiram a produção de certos meios de prova.

V. Julgados

Único recurso cabível contra a sentença é a apelação

“AGRAVO INTERNO - Pretensão de reforma da decisão monocrática que negou seguimento a recurso de agravo, interposto sob a forma de instrumento - Descabimento - Hipótese em que, conforme diversos precedentes judiciais do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ‘não cabe agravo de instrumento contra a sentença que julga pedido de antecipação de tutela. O único recurso oportuno é a apelação’ (AgRg no Ag 723547/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Bar-ros) - Decisão monocrática que deve ser mantida - RECURSO DESPROVIDO.” (TJ-SP, 13ª Câmara de Direito Privado, AGR: 990103928849 SP, Rel. Ana de Lourdes Coutinho Silva, j. em 10/11/2010, data de publicação: 07/12/2010).

“AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - TUTELA ANTECI-PADA CONCEDIDA POR OCASIÃO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA - RECURSO CABÍ-VEL - APELAÇÃO - PRECEDENTES - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.” (STJ, 3ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, j. em 8/9/2009).

Apelação deve impugnar especificamente os fundamentos da sentença

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. APELAÇÃO. FUN-DAMENTOS DA SENTENÇA NÃO IMPUGNADOS. INÉPCIA. - Ação revisional que discute a abusividade de cláusulas inerentes a contratos bancários, cingindo as razões do recurso especial ao debate acerca da inépcia da apelação interposta pelo recorrente. - A petição de apelo tece ale-gações demasiado genéricas, sem demonstrar qualquer equívoco na sentença, seguidas de mera afirmação de que o apelante ‘se reporta’ aos termos da petição inicial. - É inepta a apelação quan-do o recorrente deixa de demonstrar os fundamentos de fato e de direito que impunham a reforma pleiteada ou de impugnar, ainda que em tese, os argumentos da sentença. - Recurso especial não provido.” (STJ, 3ª T., REsp nº 1320527 RS 2012/0089834-4, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 23/10/2012, DJe de 29/10/2012).

Art. 995 - Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.Parágrafo único - A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

Art. 995

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Ricardo de Carvalho Aprigliano

I. Eficácia imediata das decisões

Com exceção do recurso de apelação, que possui regra própria em sentido contrário, deter-mina o CPC que, como regra geral, as decisões judiciais produzem efeitos desde logo, ou seja, têm aptidão a gerar eficácia tão logo sejam proferidas. Esta regra é importante e gera diversas repercussões práticas. Por exemplo, no que diz respeito às decisões interlocutórias, impugnáveis ou não por agravo de instrumento, o seu “estado normal” será o de eficácia imediata, a ensejar o cumprimento provisório das decisões (arts. 520-522)

O mesmo em relação aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais, bem como pelos Tribunais Superiores. Ainda que haja recurso cabível contra tais decisões, a mera interposição do recurso não será suficiente para retirar delas a aptidão para produzir efeitos imediatamente.

A crítica que se deve fazer ao CPC/2015 diz respeito à timidez com que o recurso de apelação foi tratado, pois quanto a ele foi mantida a regra geral do efeito suspensivo. Isso significa que, na maior parte dos casos, a sentença de primeiro grau não será suficiente para que os efeitos práticos da decisão se façam sentir. Apenas após o julgamento do recurso pelos tribunais é que terá início a produção de efeitos. E mesmo nessas hipóteses, sujeito às regras e limitações do cumprimento provisório da sentença (arts. 520-522). Tal sistema é francamente incompatível com a possibi-lidade de produção de efeitos concretos por meio da tutela provisória. Assim, incompreensível que a lei permita, de um lado, que decisões liminares produzam efeitos práticos desde logo e, de outro lado, não consinta que sentenças de primeiro grau (proferidas com ampla cognição e respeito ao contraditório) possam produzir seus regulares efeitos.

II. Atribuição excepcional de efeito suspensivo

Quanto aos demais recursos, a lei prevê ainda a possibilidade de suspensão excepcional dos efeitos da decisão, atividade que compete ao relator do recurso.

Nas decisões interlocutórias que admitirem agravo de instrumento (art. 1.015), o recorrente deverá interpor o agravo diretamente ao tribunal, requerendo já na minuta a atribuição excep-cional do efeito suspensivo, fundamentada nas razões referidas no parágrafo único. Cuida-se de típica hipótese de antecipação de tutela recursal, especificamente para suspender a eficácia da decisão agravada.

O relator decidirá tal pedido de forma imediata (art. 932, inciso II), cabendo agravo interno contra sua decisão (art. 1.021), o qual será examinado pela turma julgadora. Merece destaque a previsão que autoriza a turma a fixar multa entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa, caso o agravo seja considerado manifestamente inadmissível ou improcedente.

O mesmo pode se dar em relação às poucas hipóteses de sentenças imediatamente eficazes, que excepcionam a regra geral do efeito suspensivo da apelação (art. 1.012). Nesses casos, se o apelante pretender o efeito suspensivo, deve formular o requerimento de duas possíveis formas.

A mais comum delas será nas próprias razões da apelação, cabendo a análise ao relator que será designado, tão logo os autos sejam remetidos (ainda que eletronicamente) ao tribunal. Caso a situação seja de urgência, tal requerimento pode ser feito diretamente ao tribunal, “no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição”. O desembargador relator será sorteado para examinar tal pedido, conforme os critérios fixados no Regimento Interno do respecti-vo tribunal. Posteriormente, esse julgador será o relator do próprio recurso (art. 1.012, § 3º).

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Idêntica sistemática foi prevista em relação ao julgamento dos recursos de apelação e à ob-tenção de efeito suspensivo aos recursos especiais e extraordinários. Após o julgamento da ape-lação, o vencido que pretender a suspensão dos efeitos do acórdão deverá apresentar pedido de atribuição ope iudicis de efeito suspensivo nas razões de seu recurso especial ou extraordinário. No CPC/2015, após a resposta, os recursos especiais e extraordinários serão remetidos direta-mente aos Tribunais Superiores, que se encarregarão do exame de admissibilidade.

Nas situações urgentes (que tendem a ser a maioria dos casos), o recorrente pode formular pedido diretamente ao Tribunal Superior, “no período compreendido entre a interposição do recurso e sua distribuição” (art. 1.029, § 5º). Em qualquer dos casos, competirá ao ministro rela-tor a decisão de suspender ou não a eficácia dos recursos.

Art. 996 - O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica.Parágrafo único - Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual.

I. Legitimidade recursal

A exemplo do que se dá em relação à ação, também quanto aos recursos existe um conjunto de requisitos cujo preenchimento se faz necessário para autorizar o seu julgamento por parte dos tribunais. Em relação à demanda, fala-se em pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito, que compreendem as condições da ação (legitimidade de agir e interesse processual) e os pressupostos processuais (competência, capacidade, inexistência de coisa julgada ou litispen-dência, etc.).

A verificação desses requisitos é necessária para que as demandas judiciais prossigam e se de-senvolvam quando efetivamente reunirem as condições de um julgamento de mérito. Cuida-se de imperiosa exigência de economia processual e, de um modo geral, de racionalidade e eficiência nas atividades estatais.

O mesmo se dá em relação aos recursos, cujo julgamento pressupõe o preenchimento de re-quisitos específicos, tanto relacionados às condições da ação como aos pressupostos recursais. O artigo sob comento dispõe sobre a legitimidade recursal. Se, no plano da ação, a legitimidade se estabelece a partir da pertinência da parte em relação ao direito material deduzido, à relação jurídica submetida a juízo, no âmbito dos recursos esse panorama se modifica um pouco.

II. Legitimados para recorrer: partes, terceiro e Ministério Público

Primeiro, é preciso reconhecer que as partes do processo são, sempre e necessariamente, legitimadas para recorrer. Ainda que o objeto da discussão seja, precisamente, a legitimidade da parte em relação à demanda principal. A mera condição de parte (aquele que demanda e em face de quem é demandado) garante tal legitimidade recursal. Nesse conceito incluem-se o as-sistente simples e litisconsorcial, eis que sua atuação na relação processual foi admitida ainda

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em primeiro grau de jurisdição. Quanto ao assistente simples, a ressalva necessária é a que pode ser interposto recurso apenas por ele, desde que não haja manifestação expressa do assistido no sentido de concordar com o teor da decisão.

A lei, contudo, contempla outros legitimados, que são os terceiros prejudicados e o Ministério Público. Quanto a este último, a novidade do CPC/2015 é a explicitação de que a possibilidade de recorrer se dá tanto na condição de parte como na condição de fiscal da ordem jurídica (ex-pressão mais ampla e muito mais apropriada que a anterior “fiscal da lei”), conforme já determi-nava a Súmula nº 99 do Superior Tribunal de Justiça.

O terceiro pode recorrer se demonstrar que é titular de direitos que serão afetados pela deci-são do recurso. Fala-se, por isso, em interesse jurídico na solução da causa, caracterizado pela existência de um nexo entre a relação jurídica de que é titular com aquela discutida no processo. Este vínculo pode estar presente de duas formas.

O terceiro pode ser diretamente ou indiretamente prejudicado. Ele o é diretamente quando a decisão da qual ele recorre afetar relação jurídica da qual ele é titular, como por exemplo o li-tisconsorte unitário facultativo não incluído no polo passivo e que deseja ingressar no feito, ou ainda o adquirente de coisa ou direito litigioso alienado inter vivos, que não sucedeu o alienante no feito.

Será o terceiro indiretamente prejudicado quando for titular de relação jurídica conexa àquela discutida no processo. É o caso do sublocatário, em demanda de despejo contra seu contratante, tendo em vista que o seu direito depende da preservação de direito de outrem – preservação do direito do locatário/sub-locador de continuar alugando (e consequentemente sublocando) o imóvel.

Contudo, vale a ressalva de que os efeitos da coisa julgada não se estenderão, como regra, aos terceiros. O art. 506 do Código é expresso ao afirmar que a sentença faz coisa julgada entre as partes as quais é dada, não prejudicando terceiros. Assim, no mais das vezes, o terceiro poderá optar por permanecer fora da relação processual, não sujeito, portanto, aos eventuais efeitos des-favoráveis da decisão, ou ingressar na relação como terceiro juridicamente prejudicado, hipótese em que o julgamento da causa o atingirá igualmente, como se tivesse participado da relação pro-cessual desde a sua formação.

Assim como se dá em certas modalidades de intervenção de terceiros, razões estratégicas podem ser relevantes para a decisão sobre a prática ou não do ato processual, pois pode ser mais conveniente não ser diretamente envolvido na causa, se esse distanciamento representar a possi-bilidade de, posteriormente, submeter a juízo a relação jurídica de que o terceiro se afirme titular, com todas as garantias inerentes ao processo de cognição ampla e exauriente.

III. Interesse recursal

A previsão da lei acerca da legitimidade recursal não exclui, por óbvio, o exame concreto da decisão, para se aferir quais das partes têm, além da legitimidade, interesse na interposição do recurso. É comum que se confundam tais planos, mas convém esclarecer que nem todos os legitimados para recorrer terão, sempre, interesse recursal, pois este está atrelado à ideia da sucumbência.

Somente quem sofreu algum tipo de prejuízo com a decisão poderá interpor recurso. É neces-sário que o recorrente possa efetivamente obter, em segundo grau, uma situação melhor do que a obtida em grau inferior, ou seja, buscar situação mais favorável.

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Assim, por exemplo, caso ocorra a procedência total da demanda, a única parte que terá, si-multaneamente, legitimidade e interesse para apelar será o réu. Disso decorre que a afirmação da legitimação para recorrer não implica, automática e necessariamente, a conclusão de que o legitimado possa efetivamente interpor o recurso.

O CPC/2015 não traz dispositivo específico acerca do interesse recursal, e nem deveria. De-corre da compreensão do sistema como um todo, bem como das disposições acerca do efeito de-volutivo dos recursos (limitado à matéria impugnada – art. 1.013), do recurso adesivo, que pode ser manejado pelo recorrido quando, em outras parcelas da decisão, também ele for sucumbente.

Por isso se afirma que o réu tem interesse em apelar da sentença que não resolve o mérito (art. 485), pretendendo o julgamento de improcedência da demanda. De outro lado, se a parte venceu por um fundamento, não pode apelar para o acolhimento de outro, que conduziria ao mesmo resultado.

Art. 997 - Cada parte interporá o recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências legais.§ 1º - Sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro.§ 2º - O recurso adesivo fica subordinado ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte:I - será dirigido ao órgão perante o qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe para responder;II - será admissível na apelação, no recurso extraordinário e no recurso especial;III - não será conhecido, se houver desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível.

I. Sucumbência parcial. Autonomia e independência dos recursosComo dito, o recurso é um meio voluntário de provocar nova manifestação do Estado-juiz, que

tem por fundamento principal a sucumbência. O seu manejo depende exclusivamente da parte, que pode optar por fazê-lo em relação a todas as parcelas desfavoráveis da decisão, ou a apenas algumas delas. Não é incomum, entretanto, que o conteúdo das decisões imponha sucumbência a mais de uma parte, por exemplo, quando a sentença acolhe apenas parcialmente o pedido do autor.

Nesses casos, autor e réu terão interesse em recorrer, pois ambos perderam alguma parcela do que pediram. O autor, porque não teve deferido todo o seu pedido. O réu, porque não teve aco-lhido o pedido de improcedência total do pedido do autor. Surgida essa situação, cada litigante deverá interpor seu recurso de forma autônoma, sem depender ou interferir no direito que a outra parte tem de fazer o mesmo.

O prazo para interposição dos recursos é comum, conta-se a partir da intimação da respectiva decisão no Diário da Justiça eletrônico. Nos locais e enquanto existirem os processos físicos, terá particular utilidade a regra do art. 107, que autoriza a carga rápida dos autos para a extração de cópias. Tal problema não se põe no processo eletrônico, evidentemente.

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De toda forma, cada recorrente deve cuidar para que seu recurso seja regularmente interposto, observar os respectivos pressupostos de admissibilidade. Caberá ao tribunal, por consequência, processar os recursos autonomamente, de forma que os eventuais defeitos de um não interfiram no processamento do outro.

II. Independência dos recorrentes e formação parcial da coisa julgadaComo consequência da autonomia legal entre os recorrentes, pode ocorrer de apenas parte dos

sucumbentes efetivamente recorrer da decisão. Nesses casos, a parte que deixar de apresentar recurso verá contra si formada a coisa julgada, ainda que outras parcelas do objeto do processo sejam transferidas ao conhecimento do tribunal.

Se há coisa julgada por ausência de recurso, a consequência imediata é a possibilidade de cumprimento definitivo da sentença em relação àquela parte. Mesmo que, posteriormente, na relação jurídica que for submetida ao tribunal, seja constatada a ausência de condições da ação ou de pressupostos processuais, ou mesmo alguma nulidade, tais vícios não terão o condão de afetar a coisa julgada que se formou, eis que, como sabido, a coisa julgada tem justamente essa aptidão à imutabilidade da decisão.

III. Recurso adesivo. Conceito e hipóteses de cabimentoNas hipóteses de sucumbência parcial, entretanto, o ordenamento oferece às partes a possibi-

lidade de excepcionar a regra da autonomia entre os recursos, como mecanismo para estimular a aceitação da decisão. Por vezes, diante de uma vitória parcial, a parte pode pretender aceitar o conteúdo decisório, abrindo mão de seguir litigando quanto à parcela do seu pedido que foi rejei-tada. Na perspectiva da autonomia entre os recursos, anteriormente mencionada, a parte sabe que somente poderá ver sua situação melhorada se ela própria recorrer, já que o recurso porventura interposto pela parte contrária não servirá para esta finalidade.

Tal aceitação da decisão não importa, contudo, a vedação absoluta ao recurso, pois, diante de recurso da parte contrária, o recorrido pode, então, mudar de ideia e decidir brigar contra a par-cela desfavorável da decisão. Imagine-se, por exemplo, que o autor propôs demanda cobrando danos materiais (perdas e danos e lucros cessantes) e pleiteando danos morais. Se a sentença defere os danos materiais apenas, esse autor poderá apelar pleiteando a condenação em danos morais. Já o réu pode apelar para tentar a absolvição também quanto aos danos materiais.

Imagine-se que o autor, em princípio, se satisfaz com a sentença e não apela. Já o réu interpõe, desde logo, o seu recurso de apelação, cujo objetivo é reformar a decisão que o condenou nos danos materiais. Nessa situação é que terá aplicação o recurso adesivo, que competirá ao autor, no prazo das contrarrazões, caso pretenda a reforma da decisão para obter a condenação nos danos morais, que lhe foi negada em primeiro grau.

Com base nessa premissa, a jurisprudência costuma negar a possibilidade de o recorrente principal, diante do recurso autônomo da outra parte, apresentar também recurso adesivo, quanto a parcelas da decisão que excluíra, originalmente, do seu próprio recurso.

Outra restrição ao cabimento do recurso adesivo diz respeito ao seu objeto. Se não há oposi-ção entre os pedidos do recurso autônomo e do adesivo, este não deve ser conhecido. Assim, não cabe adesivo de um corréu, a partir de recurso do outro réu.

Em suma, o recurso adesivo configura interessante técnica processual, que pretende desesti-mular os recursos, sob a consideração de que a parte se contentaria com a decisão, desde que a outra o fizesse também. Assim, nenhuma delas precisa interpor seu recurso desde logo, podendo fazê-lo apenas e tão somente se a parte contrária o fizer.

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IV. Regras procedimentais e de julgamento do recurso adesivo

O recurso adesivo do autor será então interposto “como se fosse um recurso independente”, perante o órgão prolator da decisão. No caso da apelação, perante o juiz de primeiro grau. Nos recursos especial e extraordinário, perante os tribunais prolatores do acórdão recorrido.

O recurso adesivo será processado e julgado em conjunto com o recurso principal. Porém, ten-do sido manejado depois, sob esse viés secundário, o recurso adesivo somente será efetivamente julgado se o recurso principal o for. Eventual inadmissibilidade do recurso principal (intempes-tividade, falta de regularidade formal, de preparo, etc.), ou mesmo se o recorrente dele desistir, tornará prejudicado o exame do recurso adesivo.

É excessivamente rigoroso, de outro lado, o indeferimento de um recurso interposto no prazo para resposta, pelo simples fato de não ser ele denominado recurso adesivo, ou não referir ao art. 997. Tais requisitos de ordem puramente formal não encontram mais aplicação, seja pelas já consolidadas regras acerca das nulidades e da instrumentalidade das formas, seja pela ênfase que o CPC/2015 confere ao julgamento do mérito das controvérsias (arts. 139, inciso IX, 352, 932, parágrafo único).

V. Julgados

Formação gradual da coisa julgada

“Com efeito, a formação gradual da coisa julgada é uma decorrência lógica da interposição de recurso parcial, mais precisamente, da limitação imposta – pelo recorrente ou pela lei – à exten-são do efeito devolutivo dos recursos. De outro modo, pode-se dizer que, interposto recurso de apenas um capítulo de mérito da sentença, os outros transitarão em julgado – formal e material-mente – assim que findar o prazo de interposição de recursos contra eles oponíveis, tornando-se assim imutáveis, pois já não será lícito ao órgão ad quem deliberar sobre tais capítulos, por se tratar de matéria que não lhe foi devolvida, localizada, portanto, fora do seu âmbito de cognição (admitindo-se, claro, que não se trate de matéria sujeita ao reexame necessário).” (TJ-SC, 1ª Câ-mara de Direito Público, Rel. Vanderlei Romer, j. em 16/12/2011).

“Portanto, no caso, apenas as questões atinentes ao valor arbitrado a título de danos morais e a viabilidade da devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente serão objeto de apre-ciação por este Órgão Fracionário. As demais matérias enfrentadas pela sentença recorrida estão cobertas pelo manto da coisa julgada (formação gradual da coisa julgada).” (TJ-MS, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho, j. em 8/1/2013).

Art. 998 - O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.Parágrafo único - A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto do julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.

I. Desistência do recurso, direito potestativo do recorrente

A interposição do recurso, como dito, é prerrogativa exclusiva do próprio recorrente, que dessa forma adia a formação da coisa julgada e impõe ao órgão ad quem o dever de examinar

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a matéria especificamente trazida com o recurso (limitada aos capítulos da decisão que tenham sido recorridos).

Cuida-se de ônus do recorrente, que, uma vez exercido, faz surgir ao Poder Judiciário o dever ao respectivo exame. Mas diferentemente do que se dá com a demanda em primeiro grau, na qual a desistência da ação só é possível com a concordância do réu (exceto se ele não tiver sido ainda citado), nos recursos a lei não contempla qualquer papel relevante ao recorrido no que toca à desistência.

Se o recorrente pretender desistir do recurso interposto, pode e deve fazê-lo autonomamente. Tal ato produz efeitos imediatos (CPC, art. 200), ainda que seja comum, na praxe forense, a sub-sequente homologação da desistência pelo tribunal. Em termos práticos, a desistência do recurso faz prevalecer o teor da decisão recorrida, razão pela qual os tribunais se limitam a homologar a desistência e devolver os autos à instância anterior, a quem competirá prosseguir a tramitação do feito.

Se, por exemplo, um recurso pretendia aumentar uma certa indenização, de 50 para 60, e o recorrente desiste, o efeito prático será a confirmação da decisão condenatória dos 50, que po-derá então ser definitivamente cobrada, tendo em vista o trânsito em julgado que decorrerá da desistência do recurso.

Quando se fala em desistência, presume-se que o ato processual já tenha sido praticado. Assim, o único requisito para se admitir a desistência do recurso é ter ele sido interposto. Se ainda não ocorreu a interposição, a hipótese não é de desistência, e será tratada no artigo seguinte do Código.

A desistência pode ser manifestada a qualquer momento até a conclusão do julgamento do recurso, inclusive nos casos em que ele tem início, mas é interrompido por pedido de vista.

II. Desistência do recurso interposto por um dos litisconsortes

Situação que merece exame é a de o recurso ter sido interposto apenas por um dos litisconsor-tes, mas cujo julgamento é apto a projetar seus efeitos sobre os demais. Por exemplo, o recurso de um dos devedores solidários contra a condenação de todos.

Diz o art. 1.005 que o recurso interposto por um litisconsorte a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses. Sem prejuízo dos comentários ao próprio artigo, vale ponderar que a disposição pretende projetar os efeitos do julgamento do recurso aos demais litis-consortes, se o fundamento do recurso e as alegações do recorrente puderem beneficiar a todos os integrantes daquela relação jurídica material.

Contudo, se um litisconsorte (o fiador, por exemplo) não recorre contra a sentença condena-tória, mas se beneficia do recurso interposto pelo outro litisconsorte (o devedor principal), fato é que o seu comportamento inicial – conformar-se com a decisão – deve ser levado em consi-deração. Aliada esta circunstância à previsão de autonomia entre os recursos, conclui-se que os demais litisconsortes não poderão se insurgir contra a desistência do recurso, nem tampouco deverá o tribunal julgá-lo apenas para satisfazer interesses dos litisconsortes que não recorreram.

Justamente para evitar esse fenômeno é o que o ordenamento contempla a autonomia entre os recursos. A parte que pretender o reexame da questão que lhe foi desfavorável pela instância superior deverá interpor o próprio recurso, no prazo original e atendidos todos os pressupostos de admissibilidade. Qualquer outro comportamento representará um risco de que sua pretensão não seja novamente examinada.

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III. Restrições ao poder de desistir: repercussão geral e recursos repetitivosO CPC/1973 consagrava a regra da desistência do recurso como prerrogativa exclusiva do

recorrente. De outro lado, modificações legislativas posteriores introduziram os mecanismos de maximização dos julgamentos, como a repercussão geral da questão constitucional e os recursos especial e extraordinário repetitivos.

Os Tribunais Superiores se depararam, assim, com a situação de que o recurso selecionado como paradigma para o julgamento da questão repetitiva foi objeto de desistência, forçando o tribunal a interromper tal julgamento e impedindo-o de fixar a tese jurídica a respeito daquele ponto, em virtude da iniciativa isolada daquele recorrente específico. Por exemplo, nos Recursos Especiais nos 1.091.044, da 3ª T., e 1.308.830, 3ª T., julgado em 8/5/2012, Rel. Min. Nancy Andrighi.

Para eliminar esse inconveniente e adequar a técnica de julgamentos massificados com a tra-dicional regra que permite ao recorrente definir o destino do seu próprio recurso, o legislador de 2015 fez prever esse parágrafo único.

Com ele, pretende-se preservar a autonomia individual do recorrente, cujo poder de desistir é assegurado, e ao mesmo tempo permitir que aquele recurso (aquelas razões recursais, com os respectivos fundamentos), que fora considerado anteriormente como representativo da con-trovérsia, possa seguir sendo o canal por meio do qual a questão será pacificada no âmbito dos Tribunais Superiores.

De se observar que o parágrafo único não contradiz o caput, não o excepciona, isto é, não retira do recorrente o direito de desistir do seu recurso. Apenas regulamenta a hipótese específica em que aquele recurso, já registrado perante o Tribunal Superior, que tenha sido examinado e colocado na sequência para julgamento, continue sendo utilizado como o “exemplo”, o “modelo” de todos os recursos que versam sobre a mesma questão jurídica.

Nessa situação, será certamente necessário extrair o equivalente a uma carta de sentença, para que aquele recorrente possa retomar o seu processo a partir da desistência, sem prejudicar o trâmite do recurso repetitivo, cujo julgamento ainda será realizado e interessará a milhares de outros processos e pessoas por eles afetadas.

IV. JulgadoDesistência não obsta julgamento de mérito “[...] Em síntese, deve prevalecer, como regra, o direito da parte à desistência, mas verificada a

existência de relevante interesse público, pode o Relator, mediante decisão fundamentada, promo-ver o julgamento do recurso especial para possibilitar a apreciação da respectiva questão de direito, sem prejuízo de, ao final, conforme o caso, considerar prejudicada a sua aplicação à hipótese específica dos autos.” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.308.830/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 8/5/2012).

Art. 999 - A renúncia ao direito de recorrer independe da aceitação da outra parte.

I. Renúncia: decisão unilateralNa linha do que se afirmou nos comentários ao artigo anterior, o recorrente tem amplo controle

sobre o seu recurso. A lei lhe assegura o direito de recorrer, desde que observados os requisitos específicos de cada recurso.

Art. 999

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Uma vez proferida a decisão, surge para o litigante que sofre algum tipo de prejuízo a pers-pectiva de recorrer. Nesse momento, a parte pode optar por renunciar ao direito de recorrer, e assim como se dá com a interposição do recurso ou com sua desistência, também a renúncia é ato próprio, não condicionado à aceitação da parte contrária ou do órgão julgador, inclusive a teor do que dispõe o art. 200 do CPC/2015.

A única ressalva que se deve fazer é que a renúncia pressupõe a existência de uma decisão, cujo teor seja conhecido da parte e, nessa condição, saiba ela o que perdeu, o que ganhou e o significado exato da renúncia ao direito de recorrer.

Por imperativo do devido processo legal, não se admite uma renúncia a priori, antecipada, quanto ao direito de recorrer. Nem mesmo a previsão de acordos processuais das partes (negócios jurídicos processuais) do art. 190 permite concluir que, no novo sistema, poderá haver renúncia prévia. Isso porque, não obstante a maior liberdade das partes para estabelecer regras procedi-mentais próprias e convencionar sobre seus ônus, deveres, faculdades e poderes processuais, os limites dessa liberdade se encontram justamente no respeito ao devido processo legal. Assim, parece temerário admitir que as partes possam combinar entre si a renúncia, em tese, ao direito de recorrer, antes mesmo de ter acesso ao conteúdo da decisão que lhes desfavorece.

Art. 1.000 - A parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer.Parágrafo único - Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.

I. Aceitação da decisão

Todos os provimentos jurisdicionais com conteúdo decisório têm aptidão de causar gravame às partes, impondo-lhes deveres, determinando providências. Diante de tais decisões, as partes terão, ordinariamente, dois possíveis caminhos. O primeiro é o de acatar a decisão e cumpri-la. Assim, por exemplo, ao efetuar o pagamento do valor da condenação, realizar a prestação que foi determinada, cumprir a providência processual fixada, etc.

Nesses casos, entende-se que a parte aceitou a decisão, pela prática explícita de atos de cum-primento, ou pela adoção de comportamentos que se revelam incompatíveis com a irresignação, insurgência contra essa mesma decisão.

O segundo caminho possível é o recurso, pelo qual a parte exercita o direito legítimo de crítica e procura reformar a decisão desfavorável. O que não se admite é que a parte adote simultaneamente comportamentos no sentido de não se conformar com a decisão e cumpri-la. Nesses casos, o recurso será tido por inadmissível, cabendo ao órgão ad quem negar seguimento ao recurso. Registre-se que, com a abolição do duplo regime de admissibilidade dos recursos, o CPC/2015 retirou do órgão a quo a competência para averiguar os pressupostos recursais, razão pela qual não poderá ele inde-ferir a remessa ao tribunal, ainda que constate a prática de atos de aceitação da decisão.

II. Aceitação expressa e tácita

A aceitação expressa consiste em apresentação de manifestação de vontade nos autos, decla-rando que a parte aceita o teor da decisão interlocutória ou da sentença, no prazo para o recurso.

Art. 1.000

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Note-se que, nesse prazo, a parte pode aceitar expressamente a decisão, ou renunciar ao direito de recorrer. Ainda que se trate de manifestações diferentes, o efeito prático é o mesmo, o de obstar a via recursal e antecipar a formação da coisa julgada.

Tal aceitação expressa pode, ou não, ser seguida de atos práticos de cumprimento voluntário do comando judicial, o que não chega a ser determinando para a caracterização da renúncia. Seja como for, a aceitação expressa é, em termos práticos, incomum.

Já a aceitação tácita se apresenta mais comum, pois consiste, como a própria lei define, na prática de atos incompatíveis com a vontade de recorrer. Se a sentença determina a rescisão de um contrato de venda e compra de uma mercadoria, por exemplo, e a parte propõe a devolução do produto, significa que aceitou a decisão e pretende desde logo tomar medidas concretas para o seu cumprimento.

Ou, ainda, se a parte entrega as chaves após sentença que decreta o despejo, se realiza depósito judicial da quantia cobrada, se formula pedido de parcelamento do débito. Em todos esses casos, não poderá ser admitido o eventual recurso que essas mesmas partes interponham.

III. Exceções à regra

Questão sempre debatida era se a realização de depósito da quantia em cumprimento provi-sório da sentença, para que o devedor não se sujeitasse à multa de 10%, poderia afastar o seu direito ao recurso. No CPC/2015, tais regras vêm claramente postas. Primeiro, a multa de 10% é exigível também no cumprimento provisório (art. 520, § 2º). Segundo, e que mais interessa para o presente tema, é que o depósito voluntário pelo executado, com o intuito de isentar-se da multa, não será tido como ato incompatível com a vontade de recorrer.

Da mesma forma, se a sentença contém capítulo que antecipa a tutela em relação a parcelas do pedi-do, o fato de o recorrente cumprir a determinação e, simultaneamente, apelar, não deve ser interpretado como ato incompatível. O mesmo no âmbito do julgamento em segundo grau de jurisdição. Se parcelas da condenação admitem produção imediata de efeitos, é razoável admitir que a parte – inclusive em atenção ao dever de cooperação consagrado no art. 6º do CPC/2015 – pratique atos para cumprimento provisório da decisão, ao mesmo tempo em que a impugna, pretendendo a sua reforma.

O mesmo quanto ao cumprimento de decisão liminar, que deve ser compatibilizado com a pos-terior prática de atos de resistência, tanto pela via do agravo como da defesa propriamente dita.

Art. 1.001 - Dos despachos não cabe recurso.

I. Gravame como pressuposto da recorribilidade

O CPC/2015 cuidou de definir os provimentos jurisdicionais em seu art. 203. Ao lado da sentença e da decisão interlocutória, os despachos são definidos como todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte.

Por exclusão, compreende-se que o despacho não tem qualquer conteúdo decisório, mas con-figura mero ato de impulso procedimental. Se o pronunciamento é capaz de causar gravame à parte, isto é, impor-lhe alguma situação de sucumbência, este pronunciamento será uma decisão interlocutória (se proferido no curso do processo, sem aptidão de pôr fim à fase cognitiva do

Art. 1.001

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procedimento comum e não vinculado ao conteúdo dos arts. 485 e 487 do CPC/2015) ou uma sentença.

Da casuística forense, os despachos mais comuns são os que deferem a citação, intimam as partes para manifestação sobre atos praticados ou documentos apresentados pela parte contrária, determinam o requerimento de provas, designam audiências de conciliação. Ainda, as decisões que remetem os autos ao arquivo, ao contador e ao partidor, ou que determinam a distribuição de incidentes como a reconvenção, que nomeiam perito e que determinam vista ao Ministério Público.

De outro lado, pode ocorrer de um pronunciamento ser denominado despacho, mas possuir conteúdo decisório. Como é natural, o conteúdo da decisão prevalece, de forma que será consi-derada uma decisão interlocutória, passível de agravo de instrumento nas hipóteses do art. 1.015.

Art. 1.002 - A decisão pode ser impugnada no todo ou em parte.

I. Recurso total e recurso parcial

Por meio do recurso, o recorrente obsta a formação da coisa julgada e submete a novo grau de jurisdição a parcela da relação jurídica objeto do recurso. Os recursos podem abranger todo o conteúdo da decisão, ou apenas uma parte dela. Isso se dá, obrigatoriamente, se a decisão concede apenas parte do que foi pedido, pois o recorrente não terá interesse recursal em se insurgir contra o que ganhou. Mas o recurso pode ser parcial também porque o recorrente assim optou, por exemplo quando se conforma com parte da decisão e concentra sua irresignação contra outra parte.

Seja como for, os limites do objeto do recurso são estabelecidos pelo próprio recorrente, fa-zendo surgir ao tribunal o dever de examinar apenas e tão somente aquele objeto. Por isso a lei fala em conhecimento da matéria impugnada, além de prever limitações à cognição judicial aos limites propostos pelas partes (arts. 141 e 492).

Na ausência de especificação ou delimitação pelo recorrente, deve-se entender que o recurso é total, inclusive por força da amplitude do efeito devolutivo dos recursos. Por isso, não incorre em julgamento extra petita nem impõe reformatio in pejus a decisão que, diante de recurso total do réu, mantém a procedência do pedido, reduzindo, porém, o montante da indenização. Entende-se que o apelante pediu a redução a zero do montante, de forma que ao tribunal é lícito acolher parte do recurso e reduzir o valor em algum patamar intermediário.

Art. 1.003 - O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.§ 1º - Os sujeitos previstos no caput considerar-se-ão intimados em audiência quando nesta for proferida a decisão.§ 2º - Aplica-se o disposto no art. 321, incisos I a VI, ao prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão proferida anteriormente à citação.

Arts. 1.002 e 1.003

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Ricardo de Carvalho Aprigliano

§ 3º - No prazo para interposição de recurso, a petição será protocolada em cartório ou conforme as normas de organização judiciária, ressalvado o disposto em regra especial.§ 4º - Para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a data de postagem.§ 5º - Executados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias.§ 6º - O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

I. Prazo para interposição dos recursos. Forma de contagem do prazoO art. 231 do Código cogita diferentes hipóteses para marcar o dia do começo dos prazos, mas

de todas elas, a mais comum e a mais segura é a intimação das partes pelo Diário da Justiça ele-trônico. No caso da sentença, a ressalva cabível se dá quando a sentença for dada em audiência. De novidade relevante, o fato de as intimações poderem ser feitas para a sociedade de advogados da qual o advogado faça parte.

Pelo Diário da Justiça é possível aferir, sem margem para dúvidas, quem foi intimado (e quem não foi), qual o teor exato da intimação e a data a partir da qual, objetivamente, as partes devem considerar-se intimadas. Além disso, cuida-se de sistema público, que assegura o princípio cons-titucional da publicidade das decisões.

A solução proposta pela Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico) padece de grave vício de inconstitucionalidade, pois concebe um mecanismo de intimações a que apenas as par-tes terão acesso, retirando de terceiros (e da sociedade em geral) o controle sobre a existência das demandas e o conteúdo das decisões judiciais nelas proferidas. Ademais, do ponto de vista técnico, constitui mecanismo frágil, pois cria uma dependência excessiva nas comunicações por correio eletrônico, as quais, não obstante muito comuns hoje em dia, não permitem com clareza determinar se a mensagem foi efetivamente enviada e recebida, nem se o seu conteúdo real cor-responde ao conteúdo declarado pelo remetente.

Questão sempre tormentosa é a da contagem do prazo para a parte que, em diligências regu-lares para verificação do processo, toma conhecimento da sentença antes da sua intimação. Há jurisprudência que determina a antecipação da contagem do prazo para esse litigante, sob consi-derações de isonomia entre as partes.

A solução é criticável, pois pune o litigante diligente, que se antecipa e constata a existência da decisão. Privilegia-se uma aparente igualdade, fazendo surgir complicações procedimentais, pois nesse caso o prazo de cada parte terá início em dias diferentes, dificultando o seu controle. Os poucos dias que se pode cogitar de ganhar com a antecipação da intimação de uma das partes são irrelevantes para o quadro geral da duração da causa. De outro lado, impõem um modelo não cooperativo, que desestimula a boa-fé e a diligência do advogado.

II. Requisitos formais quanto ao protocoloCom a universalização do processo eletrônico, diversos dispositivos do CPC/2015 tendem ao

esquecimento, por absoluta perda do objeto. Até que isso se dê, é importante relembrar que as regras formais servem para conferir previsibilidade e segurança aos atos do procedimento, mas não devem ser encaradas como um fim em si mesmas, cabendo sua flexibilização sempre que não houver prejuízo.

Art. 1.003

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Regra geral, o recurso será protocolado perante o juízo onde tramita a demanda. Nas comar-cas com subdivisões internas, que criem foros regionais (São Paulo, Rio de Janeiro), bem como naquelas onde se estabelece o protocolo integrado, o recurso pode ser interposto em quaisquer dos fóruns, sem prejuízo ao recorrente.

Tal regramento será aplicado aos recursos de apelação, que podem ser protocolados nas unida-des judiciárias que integrem o protocolo integrado, bem como aos agravos de instrumento, se as normas de organização judiciária permitirem a sua interposição na própria comarca. Em qualquer caso, como determina o art. 1.016, o recurso será dirigido diretamente ao tribunal competente, daí por que o agravante deve cuidar para que seu recurso seja efetivamente endereçado ao segundo grau, a fim de evitar risco de não conhecimento.

No âmbito do recurso especial e extraordinário, que são protocolados perante o tribunal a quo, também é válido o protocolo integrado, conforme dispõe o art. 929, parágrafo único, do CPC/2015.

III. O recurso protocolado por correio

Novidade importante, que encerra um dos capítulos da jurisprudência defensiva criada sob o regime do CPC/1973, está previsto no § 4º do art. 1.003. O que está sob o controle das pro-vidências do recorrente é a data em que ele posta a correspondência contendo o recurso, en-dereçada ao respectivo órgão. O tempo necessário para que os Correios entreguem tal recurso ao destinatário não pode ser colocado sob a responsabilidade da parte, como se entendia no regime anterior.

Agora, a lei esclarece que o recorrente deve postar a correspondência até o último dia do prazo. É o que basta para que o seu recurso seja considerado tempestivo. Cuida-se de medida simples, que nem sequer seria necessária se a razoabilidade imperasse, mas que constitui uma excelente novidade do CPC/2015, compatível com um modelo cooperativo de processo civil. Em consequência, a Súmula nº 216 do STJ perderá objeto.

IV. Padronização dos prazos e intempestividade dos recursos

Com exceção dos embargos de declaração, que permanecem oponíveis em cinco dias, o le-gislador padronizou em quinze dias (úteis) o prazo para recorrer e responder, preservadas ainda as regras específicas do prazo em dobro da Fazenda Pública, Ministério Público e Defensoria Pública.

A tempestividade costuma ser um pressuposto processual mais rigoroso, sob a consideração de que não se pode flexibilizar regra que visa à igualdade entre os litigantes e à racionalidade do procedimento. Por isso, por exemplo, os embargos de declaração proferidos fora do prazo não têm o condão de interromper o prazo para o recurso subsequente, diferentemente de todas as demais hipóteses de não conhecimento ou improvimento dos declaratórios.

No CPC/2015, o juízo de admissibilidade dos recursos foi unificado e se realizará apenas pelo órgão ad quem (arts. 1.010, § 3º, e 1.030, parágrafo único). Não será possível, assim, ao juiz de primeiro grau negar seguimento à apelação, mesmo que intempestiva.

De toda forma, a tempestividade segue como um pressuposto processual que o juiz poderá conhecer de ofício, inclusive após ter realizado o exame de admissibilidade e ter considerado o recurso apto ao julgamento. Tal afirmação não exclui, contudo, a necessidade de permitir mani-festação prévia das partes (art. 10).

Art. 1.003

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Da mesma forma, vale advertência de Theotônio Negrão, citando JTA 48/65, de que o recurso é de direito natural; na dúvida quanto à sua tempestividade, deve ser conhecido (nota 1 ao artigo 508. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 46. ed, 2014, São Paulo, Saraiva, p. 666). Inúmeras situações de dúvida ou de erros escusáveis devem ser interpretadas de modo a favorecer o conhecimento dos recursos e o exame do seu mérito. Por exemplo, recurso apresentado em cartório diverso, ou com erro na indicação do número do processo, ou aquele apresentado no prazo, mas cujos autos permanecem com o advogado alguns dias depois (art. 234).

V. A prova do feriado local

Questão igualmente tormentosa no regime anterior dizia respeito aos recursos protocolados após o prazo final, em decorrência de feriados locais na origem, ou mesmo em função de eventos extraordinários que determinavam o fechamento do fórum.

Prevalecia o entendimento de que o recorrente deveria provar a ocorrência de feriado local, admitida tal prova posteriormente ao protocolo do recurso inclusive no âmbito dos Tribunais Superiores.

O legislador contemplou essa situação, que antes era tratada apenas pela jurisprudência. À primeira vista, a disposição é mais rigorosa do que os precedentes que a inspiraram, porque exige tal comprovação no ato da interposição do recurso. Contudo, tratando-se de exigência para aferir a tempestividade do recurso, e considerando o cuidado com que o legislador historicamente cui-dou do tema, a exigência tem sua razão de ser.

Não se quer dizer, porém, que a falta de tal comprovação não possa ser suprida posteriormen-te. Os arts. 139, inciso IX, e 932, parágrafo único, são bastante eloquentes quanto a essa possi-bilidade. Em reforço, até mesmo a ausência de peças obrigatórias do agravo de instrumento (art. 1.017, § 3º) ou do preparo do recurso (art. 1.007, § 4º) configura mera irregularidade, passível de regularização.

Art. 1.004 - Se, durante o prazo para a interposição do recurso, sobrevier o falecimento da parte ou de seu advogado, ou ocorrer motivo de força maior que suspenda o curso do processo, será tal prazo restituído em proveito da parte, do herdeiro ou do sucessor, contra quem começará a correr novamente depois da intimação.

I. Morte da parte ou de seu procurador

A fim de reforçar a concepção da lei de que há um verdadeiro direito ao recurso, o Código traz previsão específica sobre a necessidade de suspensão do processo se a parte ou o procurador vier a falecer durante o prazo para a sua interposição. A regra geral, de que o processo é suspenso em caso de morte de qualquer das partes, do seu procurador ou representante legal (art. 313, inciso I), abrange a fase recursal, mas o legislador preferiu contemplar regra própria.

As hipóteses de morte da parte são mais complexas, porque a regularização depende da ha-bilitação dos herdeiros no processo. Se o procurador falece, a lei determina que o juiz intime as partes a constituir novo advogado em quinze dias, após o que o processo será retomado, indepen-dentemente de nova constituição. Na fase recursal, não se aplicam as disposições do art. 313, § 3º,

Art. 1.004

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em seus literais termos, mas não se pode afastar a consequência da retomada do andamento da causa, cuja consequência prática será o decurso do prazo para a interposição do recurso.

II. Força maior e outras causas de suspensãoMais comum é a suspensão do andamento do feito no intervalo para o recurso em virtude de cau-

sas inerentes ao próprio juízo, como as correições parciais, greve dos servidores, dos Correios, etc. Também os problemas sofridos pelos advogados costumam suscitar a aplicação deste dispositivo.

Pense-se, por exemplo, no advogado da causa que se acidenta quando a caminho para proto-colar o recurso, ou que é assaltado e a pasta com o original do recurso (e da guia de preparo) lhe é subtraída. De outro lado, doenças e tratamentos médicos só costumam ser considerados pela jurisprudência se (i) o advogado era o único constituído na procuração e (ii) se ocorreu a impos-sibilidade absoluta de substabelecer os poderes.

III. Suspensão do prazo, não interrupçãoVale registrar, por último, que o benefício do artigo é de mera suspensão do prazo, o que sig-

nifica que, cessada a causa, apenas os dias restantes para a prática do ato serão restituídos ao re-corrente. A hipótese não é a mesma dos embargos de declaração, por exemplo, que interrompem o prazo do recurso subsequente.

Art. 1.005 - O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses. Parágrafo único - Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns.

I. Extensão subjetiva do recurso e litisconsórcio

A redação do caput do art. 1.005 do CPC/2015 repete a do art. 509 do CPC/1973 e incorre no mesmo equívoco. Pior, por falta de clareza, induz a erro o jurisdicionado, pois diz menos do que deveria.

É sabido que há diferentes motivos que permitem (ou obrigam) que pessoas diferentes litiguem juntas. Conforme a natureza da relação jurídica, o litisconsórcio será facultativo ou necessário, e conforme os efeitos que a decisão deverá produzir, o litisconsórcio será unitário ou não unitário.

A única hipótese efetivamente abarcada pelo dispositivo legal é a do litisconsórcio unitário, no qual o julgamento deve ser, forçosamente, de igual teor para todos os litisconsortes. Assim, por exemplo, em demanda de rescisão contratual proposta pelo vendedor contra os dois compra-dores, não pode haver decisão que rescinde a avença em relação a apenas um deles.

Nesses casos, ocorre a exceção à regra do art. 997, caput, eis que basta a um dos litisconsortes apresentar recurso para que a situação de todos permaneça igual e, com o julgamento, os efeitos práticos da decisão atinjam uniformemente todos os integrantes dessa relação jurídica.

II. Solidariedade passiva entre os litisconsortes

O parágrafo único traz uma exceção ao regime efetivo do caput, para permitir o efeito expan-sivo dos recursos a outro tipo de litisconsorte, mesmo não unitário.

Art. 1.005

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Imagine-se uma ação de cobrança proposta pelo credor contra os dois devedores solidários. O credor poderia optar por acionar apenas um deles (e nisso consiste, precisamente, a característica principal da solidariedade), mas optou por demandar contra ambos.

Naquilo que as defesas forem comuns a tais devedores solidários (por exemplo, que há ví-cio na manifestação de vontade que enseja a anulação do negócio jurídico), basta o recurso de um dos devedores solidários para que a situação do outro permaneça sub judice. Não ocorrerá a formação da coisa julgada em face do litisconsorte que não recorreu, e será ele normalmente afetado – beneficiado ou prejudicado – pelo julgamento subsequente, inclusive em relação à majoração dos honorários na fase recursal a que alude o art. 85, § 11.

Art. 1.006 - Certificado o trânsito em julgado, com menção expressa da data de sua ocorrência, o escrivão ou chefe de secretaria, independentemente de despacho, providenciará a baixa dos autos ao juízo de origem, no prazo de 5 (cinco) dias.

I. Certidão de trânsito em julgado

Em aprimoramento de redação, o art. 1.006 preserva a regra do art. 510 do CPC/1973, regu-lando o término da fase recursal e o retorno dos autos à vara de origem. De novidade, a previsão específica de que a secretaria do tribunal deve certificar o trânsito em julgado, expedindo, em consequência, simples ato ordinatório de remessa dos autos ao juízo de origem. De relevante, a obrigação de informar a data exata do trânsito em julgado, relevante para certas finalidades prá-ticas, em especial para o cômputo do prazo para a ação rescisória.

O artigo cuida da situação em que os recursos são definitivamente julgados, operando-se a coisa julgada formal. No trâmite processual, o trânsito em julgado se dá ainda no âmbito dos tribunais, mas o cumprimento definitivo da decisão se dará necessariamente no juízo de origem.

Assim, todos os pedidos de cunho condenatório, como a execução de obrigação de pagar, dar quantia, fazer e não fazer, bem como no cumprimento de prestações pecuniárias decorrentes de processos com objeto declaratório ou constitutivo (como o reembolso de custas e o pagamento de honorários de sucumbência), deverão ser processados perante o juízo de origem, que é o com-petente para atos de cumprimento.

O mesmo fenômeno pode se dar independentemente do trânsito em julgado, nas hipóteses de cumprimento provisório da sentença. Mas tais casos não exigem a certificação do trânsito em julgado e, bem por isso, são regulados no art. 520 do CPC/2015.

II. “Baixa dos autos” para a origem

A ressalva final fica por conta da previsão de baixa dos autos. No mínimo, cuida-se de expres-são incompleta, porque não contempla a situação já muito comum de processos (e autos) eletrô-nicos, que não são baixados após o trânsito em julgado. Por mecanismos do sistema, o processo eletrônico volta a ser disponibilizado, ambientado e operacionalizado em primeiro grau, sem qualquer transferência física.

Com o passar do tempo, tal dispositivo tende a se tornar obsoleto, em virtude da adoção de terminologia própria da fase histórica em que os autos eram exclusivamente físicos.

Art. 1.006

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Art. 1.007 - No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.§ 1º - São dispensados de preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.§ 2º - A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.§ 3º - É dispensado o recolhimento do porte de remessa e de retorno no processo em autos eletrônicos.§ 4º - O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.§ 5º - É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º.§ 6º - Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo.§ 7º - O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao reconhecimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.

I. Preparo dos recursos e deserçãoOs serviços judiciários não são, em regra, gratuitos, mas remunerados mediante o pagamento

de custas processuais. As etapas, fases, bem como os valores e percentuais de tais custas são fixados concretamente nas leis de organização de cada Estado, ou em regramento federal para as causas em trâmite perante aquela Justiça especializada.

Em regra, são devidas custas processuais pelo autor, no ato da propositura da demanda, bem como pelo recorrente, no ato da interposição de determinados recursos. A regra geral é que se exija o preparo, sendo que a própria lei se encarrega de dispensá-lo expressamente em algumas hipóteses, como nos Embargos de Declaração (art. 1.023) e no Agravo em Recurso Especial e Extraordinário (art. 1.042, § 2º).

De modo geral, o valor do preparo dos recursos em geral corresponde a uma taxa fixa, sendo que na apelação ele é fixado como um percentual do valor em disputa. Disso decorre a neces-sidade de se apurar o valor da condenação, sendo que as Serventias costumam publicar o valor devido para fins de preparo, com o objetivo de eliminar dúvidas e prevenir problemas práticos. Em São Paulo, o regime de custas é disciplinado pela Lei Estadual nº 11.608/2003-SP. No Paraná, pela Lei Estadual nº 6149/1970-PR.

Art. 1.007

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Ver também:

<http://www.tjsp.jus.br/Egov/IndicesTaxasJudiciarias/DespesasProcessuais/TaxaJudiciaria.aspx>;

<http://www.tjpr.jus.br/calculadora-de-custas>.

De qualquer forma, o desconhecimento do valor do preparo não autoriza o não recolhimento, nem é causa para a relevação da pena de deserção a que se refere o § 6º.

O CPC/2015 preserva a regra anterior, acerca do preparo imediato, isto é, exige-se que as custas recursais sejam recolhidas antes, de forma que o respectivo comprovante possa ser apre-sentado juntamente com o recurso. Daí por que a lei exige a comprovação do preparo no ato de interposição do recurso.

O preparo compreende, em regra, o recolhimento das respectivas custas e o porte de remessa e retorno, que corresponde à taxa cobrada pela remessa física dos autos, a qual varia conforme a quantidade de volumes de cada processo. Por não haver remessa e retorno nos processos eletrô-nicos, o § 3º expressamente dispensa tal exigência.

Nos demais processos, porém, a exigência persiste, e a ausência do seu recolhimento importa igualmente na pena de deserção.

Se o preparo não for feito, ou se as irregularidades verificadas não forem sanadas, o juiz aplicará a pena de deserção, que importa no não conhecimento do recurso. Cuida-se, assim, de um dos pressupostos de admissibilidade dos recursos em geral, justificado pela necessidade de custear as despesas com a administração da Justiça.

Não obstante se possa criticar a regra, pois contempla uma penalidade excessivamente rigo-rosa para uma deficiência que, em última análise, diz respeito apenas aos interesses pecuniários do Estado com a arrecadação das custas processuais, fato é que se trata de norma já tradicional, prevalecendo o entendimento de que, afora as situações previstas na própria lei, não pode haver tolerância com relação à ausência ou insuficiência do preparo.

II. Insuficiência e inexistência do preparo

A lei regula hipótese prática bastante comum, em que o valor recolhido pelo recorrente é insu-ficiente. Isso pode ocorrer por diversas razões, como, por exemplo, por divergência entre o valor dado à causa e o valor da eventual condenação (quando for ilíquido, ou fixado em valores histó-ricos), pela não fixação de valores pela sentença, pela natureza extrapatrimonial do pedido, etc.

Também pode ocorrer de o recurso se voltar apenas contra uma parte da condenação, hipó-tese em que terá o recorrente interesse em determinar um valor menor, sobre o qual aplicará o percentual das custas do preparo. Hipótese muito comum é o recurso com objetivo exclusivo de majorar os honorários fixados. Se o recorrente ganhou R$ 1.000,00 e pretende majorar a verba para R$ 10.000,00, o objeto do seu recurso terá R$ 9.000,00 como valor, incidindo sobre esse total o percentual da lei de custas respectiva. O valor da causa ou da condenação principal não serão relevantes para a determinação do preparo, neste caso específico.

Pois bem. No sistema anterior, a lei e a jurisprudência eram bastante rigorosas com as situa-ções de falta de comprovação do recolhimento do preparo, no ato da interposição. Hipóteses como a de esquecimento da parte em juntar o comprovante (mas tendo feito o recolhimento an-tes), equívoco nas informações constantes das guias, juntada de vias não originais e afins eram tratados, na maior parte das vezes, como irregularidades insanáveis e que geravam a pena de

Art. 1.007

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deserção. Também não se admitia a apresentação posterior da guia de preparo, ainda que dentro do prazo para a interposição do recurso. Como honrosa exceção a tal tratamento rigoroso, a situa-ção tratada na Súmula nº 484 do STJ: “Admite-se que o preparo seja efetuado no primeiro dia útil subsequente, quando a interposição do recurso ocorrer após o encerramento do expediente bancário”.

Em certa medida, o preparo consiste em forma de os tribunais reduzirem a carga de trabalho, indeferindo recursos sob fundamento na irregularidade do seu recolhimento.

Tal comportamento não era justificado sob o regime do CPC/1973, e tornou-se ainda mais ina-dequado no CPC/2015. Primeiro, porque todas as regras acerca da instrumentalidade das formas foram repetidas na nova lei. Adicionalmente, o legislador previu dispositivos que combatem o julgamento meramente formal, incentivando e impondo ao julgador que regularize os vícios de forma e realize o julgamento quanto ao mérito das controvérsias (por exemplo, o já citado art. 932, parágrafo único).

Ciente da necessidade de reforçar a natureza instrumental das normas processuais, bem como de combater a mentalidade excessivamente formal que se observa ainda hoje na praxe forense, o legislador foi além, para prever que não apenas a insuficiência do preparo admite regularização, mas que mesmo a inexistência de preparo não deve conduzir, de modo imediato, à deserção do recurso.

Nessa hipótese, o legislador previu penalidade específica, consistente no pagamento em dobro do valor do preparo (§ 4º), vedando uma segunda chance de regularização, caso este preparo em dobro seja recolhido de forma insuficiente (§ 5º).

Uma última cautela foi ainda adotada pelo legislador, no sentido de prever especificamente a hipótese de recolhimento do preparo em guia equivocada. Como há diferentes sistemas de re-colhimento, a depender da Justiça comum ou especializada, bem como do estado da federação onde tramite a demanda, pode haver equívoco da parte no recolhimento. Assim, não obstante a clara intenção em cumprir a lei, bem como o desembolso do valor pelo recorrente, fato é que a inadequação da guia será equiparada, para os fins legais, à insuficiência do preparo, gerando para o Estado o interesse no seu recolhimento adequado.

Não é o caso, a toda evidência, de considerar irregular o ato a ponto de decretar a deserção do recurso. Nunca foi o caso, aliás. Mas para evitar interpretações distorcidas e rigorosas, o legisla-dor criou o § 7º com a específica finalidade de prevenir a situação, determinando ao julgador que permita a regularização pelo recorrente.

A solução aqui será a de aplicar o § 4º, permitindo ao recorrente que realize o pagamento na guia adequada, sem cogitar, contudo, de exigência do preparo em dobro, por não se tratar de inexistência no recolhimento da exação.

Vale ressalvar, por fim, que, diante do regime de aplicação subsidiária do CPC aos processos trabalhistas, eleitorais e administrativos (art. 15), as regras sobre o preparo recursal terão plena aplicação a esses outros processos. Com ainda mais razão, as disposições são plenamente aplicá-veis aos processos dos Juizados Especiais.

III. Órgão competente para o reconhecimento da deserção e o recurso cabívelModificação relevante diz respeito ao juízo de admissibilidade dos recursos, que, como visto,

deixa de ser bifurcado entre os juízos a quo e ad quem, concentrando-se apenas no órgão respon-sável pelo julgamento dos recursos.

Art. 1.007

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Assim, somente o relator poderá identificar e, se for o caso, decretar a pena de deserção, ne-gando o processamento do recurso. Ainda que se trate de hipótese evidente, como a de ausência absoluta da guia de preparo, o órgão a quo não tem competência legal para conhecer dos pressu-postos de admissibilidade dos recursos.

Em decorrência, a sua eventual decisão que considere deserto um recurso será recorrida por meio do agravo interno (art. 1.021), o qual será julgado pelo órgão colegiado ao qual pertence o relator, prolator da decisão de deserção.

Art. 1.008 - O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso.

I. Efeito substitutivo dos recursosPara fins didáticos, os efeitos dos recursos costumam ser divididos em efeitos da sua existên-

cia, da sua interposição e do seu julgamento. Nessa última categoria se encontra o denominado efeito substitutivo, previsto expressamente no art. 1.008.

Os elementos centrais do efeito substitutivo estão na própria lei. Em primeiro lugar, é preciso que o recurso tenha sido efetivamente julgado quanto ao seu mérito, o que significa ultrapassar o juízo de admissibilidade do próprio recurso. Assim ocorrendo, a nova decisão, proferida pelo tribunal, necessariamente deverá prevalecer sobre a decisão anterior, pois esta substituição é da essência da própria ideia de recurso.

Não tivesse a decisão posterior o condão de substituir a anterior, não faria sentido sequer se cogitar das figuras recursais. Como é reiteradamente afirmado, os recursos são meios autônomos de impugnação das decisões, proferidos normalmente por outros órgãos jurisdicionais, situados em posição hierarquicamente superior, de cuja atividade resulta uma revisão do exame das ale-gações já expendidas, bem como a revisão da decisão impugnada.

Fruto de tradição secular, compreende-se que um segundo exame sobre as mesmas questões, realizado por julgadores mais experientes e, em regra, de forma colegiada, tem maior aptidão a averiguar a justiça da decisão. E ainda que se deva considerar hipóteses – não raras – em que a primeira decisão era a mais correta, tal circunstância não retira a utilidade de um sistema judicial estruturado em instâncias e que contemple a previsão de recursos, também pela consideração de que um juiz cujas decisões não estão sujeitas a qualquer controle tenderá a julgamentos menos cuidadosos e, quiçá, mais autoritários.

Se o julgamento esbarra em alguma questão formal que impeça o conhecimento do mérito, este artigo não terá aplicação, porém. A decisão negativa quanto ao juízo de admissibilidade ape-nas declara a impossibilidade de o recurso ser julgado, sem nada dizer a respeito do seu mérito. Prevalecerá, assim, a decisão anterior. O efeito substitutivo dos recursos exige que seja rompida a barreira da sua admissibilidade, sobre qualquer matéria, ainda que se trate de questão que o juiz possa conhecer de ofício.

II. Efeito substitutivo e decisões parciaisO segundo elemento relevante se extrai da expressão final, no que tiver sido objeto do recurso.

Em casos de recursos parciais, que não submetam ao tribunal o mesmo objeto do processo jul-gado em primeiro grau, tal substituição será apenas parcial. Por exemplo, se a sentença decreta o divórcio, estabelece o regime de visitas e fixa alimentos, e o recurso das partes se volta apenas

Art. 1.008

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contra a decisão condenatória aos alimentos, a substituição a ser operada pela decisão do tribunal não se estenderá à parcela da sentença que desconstituiu a relação conjugal, nem a que fixou o regime de visitas.

Quanto a esses capítulos da decisão, na ausência de recurso das partes, ocorrerá o trânsito em julgado da própria sentença, não sendo mais passível de ataque ou influência por conta do recurso parcial interposto para discutir a condenação em alimentos. Tal disciplina se extrai do art. 1.008, parte final, mas também dos arts. 1.002, 1.013, caput e § 1º, e no plano mais geral, não restrito aos recursos, dos arts. 141 e 492.

Outra consequência da substitutividade se observa quanto à competência para a ação resci-sória. Com efeito, a Constituição da República estabelece a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar as ações rescisórias de seus próprios julgados (art. 102, inciso I, j), o mesmo quanto ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inciso I, e) e aos Tribunais Regionais Federais (art. 108, inciso I, b). Por sua vez, a Lei Orgânica da Magistratura atribui aos Tribunais de Jus-tiça competência para julgar ações rescisórias das decisões proferidas nas Seções ou Turmas de Julgamento, bem como das sentenças de primeiro grau.

Tais regras se aplicam considerando a decisão de mérito proferida pelo último órgão compe-tente. Se não ocorre substituição, a decisão terá sido proferida pelo órgão a quo, a quem tocará o julgamento da ação rescisória. Por exemplo, se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça ocorre julgamento que apenas e tão somente nega seguimento ao recurso especial, a decisão de mérito final terá sido a proferida pelo tribunal de origem. Será, portanto, desse tribunal a competência para a respectiva ação rescisória.

De outro lado, se o STJ julga o mérito do recurso especial, naquilo que tiver sido o objeto do recurso, será ele o último órgão a decidir a causa, atraindo para si a competência para a respec-tiva ação rescisória.

III. Efeito substitutivo e formação de precedentesAinda que o principal efeito prático da substituição operada pelo julgamento do recurso diga

respeito ao dispositivo da decisão, isto é, ao comando contido no julgado, não se pode negar que a substituição se opera também no plano dos fundamentos, ou seja, da motivação.

Por isso, o recurso especial interposto contra acórdão de um Tribunal de Justiça deverá atacar os fundamentos desta decisão, não mais os da sentença. Da mesma forma, o recurso de apelação ou de agravo deve atacar os fundamentos da própria decisão, não se admitindo que as razões recursais se limitem a repetir argumentos lançados na petição inicial ou contestação (art. 932, inciso III).

Tal sistemática assume particular relevância diante das novas disposições acerca dos prece-dentes judiciais, pois é da formulação de jurisprudência estável, íntegra e coerente que depende todo o sistema de precedentes do CPC/2015 (art. 926). Tais precedentes devem ainda ser formu-lados considerando as circunstâncias fáticas que motivaram sua criação, daí por que, na atividade substitutiva inerente aos recursos, os elementos relevantes da fundamentação das decisões deve-rão ser expostos e reafirmados.

Ao mesmo tempo que não se considera motivada uma decisão que reproduza ou faça paráfra-se de texto normativo, que empregue conceitos jurídicos indeterminados sem aplicá-los ao caso concreto, também não se pode considerar motivada decisão que meramente se reporte à decisão anterior. O dever de fundamentação, contido no art. 489 e seus parágrafos, impacta igualmente na função substitutiva do julgamento dos recursos, pois é a motivação das decisões dos tribunais, em especial dos Tribunais Superiores, que terá o condão de formar os novos precedentes, sobre os quais o novo sistema processual pretende se basear.

Art. 1.008

1565

Manoel Caetano Ferreira Filho

Art. 1.009 - Da sentença cabe apelação.§ 1º - As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.§ 2º - Se as questões referidas no § 1º forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas.§ 3º - O disposto no caput deste artigo aplica-se mesmo quando as questões mencionadas no art. 1.015 integrarem capítulo da sentença.

AutorManoel Caetano Ferreira Filho

I. Cabimento da apelação

Os pronunciamentos do juiz são classificados com vistas à sistematização do cabimento dos recursos. O art. 203 estabelece que “os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, de-cisões interlocutórias e despachos”. Os despachos não têm “natureza decisória” (art. 203, § 3º, combinado com o § 2º) e, portanto, são irrecorríveis (art. 1.001). No presente Código já não mais existem os despachos de mero expediente. Os “atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho” (art. 203, § 4º). Logo, não são sequer despachos, embora, à semelhança destes, sejam irrecorríveis.

Os pronunciamentos que têm conteúdo decisório ou são sentenças, ou são decisões interlocutó-rias. A diferença entre elas é fundamental para a definição do recurso cabível. O critério adotado por este Código, como pelo revogado, é eminentemente pragmático: sentença é o ato que extingue a fase cognitiva do procedimento comum ou a execução; decisões interlocutórias são todos os demais (art. 203, §§ 1º e 2º). Não importa à identificação da natureza do pronunciamento decisório o seu conteúdo, vale dizer, a matéria nele apreciada e decidida, mas sim o efeito que produz: se extinguir a fase de conhecimento do procedimento comum ou a execução é sentença, se não os extinguir é decisão interlocutória. É bem verdade que o § 1º do art. 203 afirma que “sentença é o pronuncia-mento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. No entanto, a referência aos arts. 485 (que arrola as hipóteses em que não há resolução do mérito) e 487 (casos em que há resolução do mérito) é absolutamente inócua, pois, mesmo que aprecie as matérias ali indicadas, o pronunciamento que não extingue a fase de conhecimento não é sentença. Em resumo, é preciso desapego às concepções do passado ou adequadas a outros sistemas processuais e aceitar que, no processo civil brasileiro, sentença é o ato que extingue a fase de conhecimento em primeiro grau de jurisdição. Não existe sentença interlocutória (muito menos, interlocutória mista) nem apelação parcial, por instrumento.

II. Pronunciamentos que apreciam matérias dos arts. 485 e 487 e não são sentenças

Como está escrito nos §§ 1º e 2º do art. 203, todos os pronunciamentos do juiz que têm con-teúdo decisório e não extinguem o procedimento comum são decisões interlocutórias. Portanto,

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Manoel Caetano Ferreira Filho Art. 1.009

se constarem do rol do art. 1.015, serão impugnáveis por agravo de instrumento; caso contrário, serão recorríveis somente na apelação ou nas contrarrazões. São exemplos de interlocutórias, e não de sentenças: a) julgamento antecipado de parte do mérito, devendo o processo prosseguir quanto à porção não julgada; b) exclusão de um ou alguns dos litisconsortes ativos ou passivos, devendo o processo prosseguir em relação aos demais; c) indeferimento liminar de denunciação da lide. Nos três casos é cabível o agravo de instrumento (art. 1.015, incisos II, VII e IX).

III. Questões resolvidas por decisões interlocutórias não agraváveis

Este Código, rompendo com a tradição do processo civil brasileiro, prevê que as decisões interlocutórias arroladas, casuisticamente, no art. 1.015 são recorríveis de imediato pelo agravo de instrumento. Todas as demais “não são acobertadas pela preclusão” e somente poderão ser impugnadas na apelação ou nas contrarrazões. Foi extinto, pois, o agravo retido, cuja finalidade era precisamente evitar a preclusão. Assim, o apelante e o apelado têm o ônus de impugnar, nas razões ou nas contrarrazões, todas as decisões anteriores à sentença para as quais não haja previ-são do agravo de instrumento, sob pena de preclusão. Tal impugnação deve ser feita em capítulo próprio das referidas peças processuais, sem exigência de qualquer outra formalidade.

IV. Preclusão das decisões interlocutórias agraváveis

Todas as decisões interlocutórias que, nos termos do art. 1.015, são impugnáveis pelo agravo de instrumento, ficarão preclusas se tal recurso não for interposto e, por isso, não poderão ser reexaminadas na apelação. Neste ponto, assume importância saber se o art. 1.015 contempla rol taxativo ou exemplificativo. Uma coisa é certa: surgirão muitas situações, não contempladas na-quele rol, em que o agravo de instrumento terá que ser necessariamente admitido. Já se discute sobre a decisão que julga a alegação de incompetência, relativa ou absoluta; a que determina a emenda da petição inicial; e a que indefere liminarmente a reconvenção, para ficar em alguns exemplos. Mesmo que se argumente que, por analogia, outras situações não expressamente pre-vistas nos incisos do art. 1.015 poderão ser neles enquadradas, fato é que nem todas que exigem reexame imediato serão atendidas por tal critério. Resta, portanto, o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo. Para que outras hipóteses sejam a ele adicionadas, o critério será o da existência de dano grave, de difícil ou impossível reparação, decorrente da eficácia imediata da decisão interlocutória. Caso contrário, será inevitável o uso do mandado de segurança como meio adequado à impugnação de decisão interlocutória que, malgrado cause grave dano imediato à parte, de difícil ou impossível reparação, não esteja contemplada no rol do art. 1.015.

V. Questão preliminar

A questão resolvida por decisão interlocutória não agravável (art. 1.015) e que for suscitada na apelação ou nas contrarrazões deverá ser julgada como preliminar da própria apelação (arts. 938 e 939). Aliás, o § 2º, ora comentado, afirma que se trata de “preliminar de apelação”. Julgada a questão preliminar, o mérito da apelação não será apreciado “caso seja incompatível com a deci-são” (art. 938, caput). Ou seja, o julgamento do mérito da apelação (isto é, do pedido formulado pelo apelante, que pode dizer respeito ao mérito da ação ou a questão de natureza processual, como nulidade da sentença ou carência de ação) pode restar prejudicado pelo julgamento da questão preliminar suscitada na apelação ou nas contrarrazões. Tal ocorrerá, por exemplo, se a decisão interlocutória que indeferiu prova for impugnada na apelação ou nas contrarrazões e o tribunal, em julgamento preliminar, a reformar, reconhecendo cerceamento de defesa. Neste caso, se o tribunal entender que a prova não deve ser produzida em segundo grau, o processo retornará à origem, para que ela seja colhida e proferida nova sentença de mérito.

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Manoel Caetano Ferreira Filho Art. 1.010

VI. Impugnação de decisão interlocutória nas contrarrazões

Por imposição do princípio do contraditório (arts. 9º e 10), o § 2º prevê que, se o apelado im-pugnar decisão interlocutória nas contrarrazões, o recorrente será intimado para, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre ela. Não se trata de recurso (nem mesmo adesivo) interposto pelo apelado, mas simplesmente de matéria apreciável no âmbito da apelação interposta pela parte contrária, desde que suscitada nas contrarrazões.

VII. Questão preliminar condicionada

Permanece atual o problema que surgiu no sistema do CPC/1973 quando o agravo retido era interposto pelo vencedor. Se o apelado, nas contrarrazões, impugnar decisão interlocutória não agravável, o julgamento da questão por ele suscitada ficará condicionado ao provimento da apelação, pois a reforma da decisão poderá acarretar a anulação da sentença, o que não é do seu interesse. Por isso, o tribunal deverá primeiro verificar se a apelação será provida, ou não. Se não o for, conclui o julgamento da apelação e confirma a sentença. Se concluir que a apelação será provida, deverá suspender seu julgamento e examinar a questão suscitada nas contrarrazões. Se reformar a decisão interlocutória, anulará a sentença e devolverá os autos ao primeiro grau; se a confirmar, voltará ao julgamento da apelação, que, então, será provida. Trata-se de aplicação da regra do § 2º do art. 282: “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Imagine-se a situação em que o réu teve requerimento de prova indeferido, mas, mesmo sem a prova por ele pretendida, o pedido do autor foi julgado improcedente. Ao responder a apelação, em que o autor pede a reforma da sentença, o réu, apelado, terá o ônus de impugnar a decisão interlocutória que indeferiu a prova. Assim agindo, o tribunal deverá, em um primeiro momento, inverter a ordem normal do julgamento e apreciar antes o mérito da apelação. Se concluir pelo seu desprovimento, assim decidirá e proclamará o resultado. Porém, se concluir pelo provimen-to, deverá suspender o julgamento da apelação e passar ao exame da questão suscitada nas con-trarrazões: necessidade da prova indeferida no primeiro grau. Se acolher o pedido do apelado e deferir a prova, o julgamento da apelação ficará prejudicado; se confirmar a interlocutória que indeferiu a prova, concluirá o julgamento da apelação, dando-lhe provimento.

VIII. Unirrecorribilidade da sentença

A apelação é o recurso cabível para a impugnação de todas as questões decididas na sentença. Para afastar qualquer dúvida, o § 3º do art. 1.009 prevê que mesmo as questões mencionadas no art. 1.015, que contempla o rol das decisões interlocutórias impugnáveis pelo agravo de instru-mento, serão reexaminadas na apelação quando forem decididas na sentença. Assim, se na sen-tença o juiz conceder, confirmar ou revogar tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipa-tória (art. 1.015, inciso I), ou excluir litisconsorte, permanecendo outros no processo (art. 1.015, inciso VII), tais decisões serão impugnáveis pela apelação, e não pelo agravo de instrumento.

Art. 1.010 - A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:I - os nomes e a qualificação das partes;II - a exposição do fato e do direito;III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;

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Manoel Caetano Ferreira Filho Art. 1.010

IV - o pedido de nova decisão.§ 1º - O apelado será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias.§ 2º - Se o apelado interpuser apelação adesiva, o juiz intimará o apelante para apresentar contrarrazões.§ 3º - Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.

I. Regularidade formal

Este artigo disciplina a forma que deve ser observada na petição que interpõe a apelação. À semelhança do que ocorre com todos os demais recursos, a regularidade formal, isto é, o cumpri-mento dos requisitos constantes do artigo em exame, é um dos pressupostos de admissibilidade da apelação, cuja ausência conduz, pois, ao seu não conhecimento. Se a petição não estiver assi-nada pelo advogado do apelante deverá ele ser intimado para suprir a irregularidade, no prazo de 5 (cinco) dias (art. 932, parágrafo único). Já na vigência do CPC/1973 esta era a solução correta, embora houvesse opiniões que defendiam a inexistência do recurso cuja petição não estivesse assinada, que foram, agora, definitivamente sepultadas pela norma do art. 932, parágrafo único.

II. Petição escrita

A apelação deve ser interposta por petição escrita, subscrita por advogado, contendo todos os elementos constantes dos incisos do artigo em comentário e dirigida ao juízo de primeiro grau prolator da sentença recorrida. A apelação é processada e julgada nos próprios autos, não sen-do possível sua interposição por instrumento, diretamente perante o tribunal. É prática forense consagrada a interposição do recurso em petição dirigida ao juízo recorrido, acompanhada das razões constantes de peça separada, direcionadas ao tribunal. Mas não se trata de forma exigida em lei. Nada impede que as razões do recurso estejam na mesma petição em que é interposto, constituindo uma única peça.

III. Nomes e qualificação das partes

A petição da apelação deve indicar os nomes e a qualificação do recorrente e do recorrido, embora, como regra, tais elementos já constem dos autos, por serem requisitos da petição inicial (art. 319, inciso II). Assim, a qualificação é dispensável quando já tenha sido realizada nos autos em peças anteriores: nesses casos, é suficiente que, conforme consagrado na praxe forense, a qualificação seja feita de forma remissiva, através do uso da fórmula “já qualificado nos autos”. Essa exceção naturalmente não se aplica ao terceiro prejudicado, uma vez que sua primeira in-tervenção no processo ocorre justamente na apelação. O uso da expressão “e outros”, embora desaconselhável, tem sido admitido pela jurisprudência, desde que não haja dúvida de que todos os autores ou todos réus estão recorrendo.

IV. Exposição do fato e do direito

O CPC/1973 exigia, além da qualificação das partes e do pedido, somente “os fundamentos de fato e direito” (art. 514). O artigo ora comentado inovou, passando a exigir, também, a exposição do fato e do direito (inciso II). Tal exigência só pode referir-se a um relatório do que ocorreu no processo, contendo os fatos que estão na base da(s) causa(s) de pedir e o direito que o autor afir-ma ter, além dos fatos eventualmente alegados na contestação e os fundamentos de direito alega-

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Manoel Caetano Ferreira Filho Art. 1010

dos por ambas as partes. Além disso, há de expor a decisão objeto do recurso e seus respectivos fundamentos. Somente assim pode-se compreender a distinção feita entre “a exposição do fato e do direito” (inciso II) e “as razões do pedido de reforma ou de decreto de nulidade”, ou seja, a fundamentação do recurso (inciso III).

V. Razões da apelação

O apelante deve expor as razões de fato e de direito que fundamentam a existência de erro de procedimento ou de julgamento na sentença e justificam o de decreto de nulidade ou o pedido de reforma, respectivamente. Para tanto, deve submeter a uma análise crítica os argumentos que nela estão expendidos, com vistas a demonstrar o vício alegado. A fundamentação deve constar do ato de interposição da apelação, ainda que em petição apartada, não sendo possível apresentá-la depois de interposto o recurso. Todavia, mais uma vez, o parágrafo único do art. 932 impõe que o relator, antes de negar conhecimento ao apelo, dê oportunidade à parte para que, no prazo de 5 (cinco) dias, sane o vício.

VI. Princípio da dialeticidade

As razões de um recurso devem atacar os fundamentos da decisão impugnada. Por isso, não servem como fundamentação da apelação razões totalmente estranhas aos motivos considerados na sentença como razão de decidir. Esse é o sentido do denominado princípio da dialeticidade: entre os fundamentos da sentença e os da apelação, deve haver antagonismo lógico-dialético e este deve ser explicitado pelo apelante em suas razões. Porém, a pertinência das razões não deve ser analisada do ponto de vista meramente formal, como, por exemplo, verificar se o recorrente limitou-se a transcrever argumentos constantes de petição anterior à sentença. Isso é irrelevan-te: às vezes petição anterior à sentença pode conter fundamentos que infirmem diretamente os motivos nela expostos para justificar seu dispositivo. O que importa é que as razões da apela-ção, ainda que simplesmente reproduza petição anterior ou apenas faça remissão a argumentos presentes em tal peça processual, enfrente e rebata os fundamentos da sentença. Logo, é criti-cável o entendimento de parte da jurisprudência que, sob o argumento de violação ao princípio da dialeticidade, não conhece de recursos somente porque suas razões são mera reprodução de petição anterior. Veja-se o seguinte exemplo: ao contestar o réu alega prescrição trienal; o au-tor, na manifestação sobre a preliminar, afirma que o prazo é de 5 (cinco) anos, em petição com robusta argumentação, apoiada inclusive na doutrina e na jurisprudência. Se a sentença acolher a prescrição, fundamentando que o prazo é de 3 (três) anos, bastará que o autor, como razões de apelação, reproduza sua anterior petição, na qual expõe argumentos que conduzem à conclusão de que o prazo prescricional é 5 (cinco) anos. De qualquer modo, convém sempre que o apelante, até mesmo porque tem o ônus de expor o fato e o direito (ver comentários ao inciso II), evite mera reprodução ou remissão à peça processual já constante dos autos.

Se as razões da apelação estiverem totalmente divorciadas dos fundamentos da sentença, de-verá o relator dar oportunidade ao apelante para que sane o vício? À luz da norma constante do art. 932, parágrafo único, a resposta apresenta-se positiva.

VII. Pedido de nova decisão

Tal como ocorre com a petição inicial, em que o pedido fixa os limites da atuação do órgão jurisdicional, a apelação deve conter pedido, que irá delimitar o ofício jurisdicional em segundo grau (art. 1.013, caput). A regra ora comentada: a) decorre do princípio dispositivo, segundo o qual a jurisdição, por ser inerte, deve ser provocada para que possa atuar no caso concreto, fazen-

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Manoel Caetano Ferreira Filho

do-o nos limites da provocação; b) relaciona-se com o denominado efeito devolutivo da apelação (tantum devolutum quantum apellatum), que veda ao tribunal conhecer de matérias não impug-nadas. Daí a importância da formulação clara e correta do pedido de nova decisão. Ainda que ele possa ser inferido a partir dos fundamentos da apelação (porque, segundo a jurisprudência, basta que o pedido esteja formulado nas razões de apelação como um todo, não sendo imprescindível que conste da parte final da peça, topologicamente considerada), é conveniente e aconselhável que o advogado lhe dedique zelo e cuidado, redigindo-o da forma mais clara e adequada possível, pois, como visto, o ofício jurisdicional do tribunal estará condicionado à pretensão recursal. Se, por exemplo, o apelante pedir apenas o decreto de nulidade da sentença, o tribunal não a poderá reformá-la, ainda que injusta lhe pareça.

VIII. Contrarrazões

Por força do princípio do contraditório, o juiz deve intimar a parte apelada para que, no prazo de 15 (quinze) dias, ofereça contrarrazões à apelação. Na falta desta intimação, há nulidade pro-cessual decorrente da violação ao mencionado princípio, de modo que, nessa hipótese, eventual provimento da apelação será nulo. As contrarrazões devem conter argumentos que infirmem os fundamentos da apelação e justifiquem, assim, a manutenção da sentença. Se não apresentar contrarrazões, o apelado apenas perderá a oportunidade de interferir no julgamento do tribunal, não sofrendo, por isso, qualquer outra consequência processual. As contrarrazões constituem também a oportunidade para que o apelado impugne as decisões interlocutórias não recorríveis pelo agravo de instrumento (art. 1.009, § 1º). Se isto ocorrer, o apelante deverá ser intimado para se manifestar (art. 1.009, § 2º).

IX. Resposta à apelação adesiva

No mesmo prazo para o oferecimento de contrarrazões (quinze dias), o apelado pode interpor apelação adesiva ou, mais precisamente, poderá interpor apelação adesivamente (art. 997, § 1º). Assim agindo, o apelante deverá ser intimado para oferecer contrarrazões ao recurso adesivo, no mesmo prazo de quinze dias. Embora esse prazo não conste expressamente do art. 1.010, § 2º, não há razão para que seja outro, em vista dos princípios da igualdade e da isonomia entre as partes.

X. Extinção do juízo de admissibilidade em primeiro grau

A extinção do juízo provisório de admissibilidade dos recursos no órgão jurisdicional recorri-do é uma das significativas novidades introduzidas por este Código. No que concerne à apelação, o § 3º expressamente determina que o juiz remeta os autos ao tribunal, “independentemente de juízo de admissibilidade”. Portanto, o juízo recorrido deve remeter os autos ao tribunal ainda que a apelação seja manifestamente inadmissível, como nos casos de intempestividade ou ausência de preparo, até mesmo porque não há previsão de recurso contra eventual decisão de primeiro grau que negue seguimento à apelação. Caso isso ocorra, a decisão será impugnável pelo mandado de segurança, por caracterizar ato ilegal e abusivo de poder. Cabível, também, será a reclamação prevista no art. 988, para “preservar a competência do tribunal” (inciso I), usurpada pelo juiz.

Quando muito, poderá o juiz, ao remeter os autos ao tribunal, anotar que a apelação é inadmis-sível, por intempestiva ou deserta, para ficar nos exemplos anteriormente mencionados.

XI. Efeitos em que a apelação é recebida

Na nova sistemática o juiz deve determinar a intimação do apelado para apresentar contrar-razões e, se este impugnar decisão interlocutória não agravável ou interpuser apelação adesiva,

Art. 1.010

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Manoel Caetano Ferreira Filho Art. 1.011

intimar o apelante (apelado no recurso adesivo) para se manifestar sobre aquela ou apresentar contrarrazões a esta (arts. 1.009, § 2º, e 1.010, § 2º) e, após tais formalidades, remeter os autos ao tribunal. Logo, não se lhe exige mais que declare os efeitos em que a apelação é recebida, como fazia o CPC/1973 (art. 518). Esta opção legislativa gera o inconveniente de deixar dúvida quanto ao fato de a apelação, no caso concreto, ter ou não efeito suspensivo. Isso, por sua vez, gera insegurança sobre poder ou não o apelado, desde logo, promover a execução provisória (art. 1.012, § 2º). Poder-se-ia argumentar que as hipóteses do § 1º do art. 1.012, em que a apelação não tem efeito suspensivo, são totalmente claras e, assim, imunes a eventuais dúvidas. A história recente da nossa jurisprudência, contudo, não autoriza tal otimismo. Muito ao contrário, não são poucos os casos que engendram sérias dúvidas sobre a apelação ter ou não efeito suspensivo. Assim, embora não seja mais uma determinação legal, é aconselhável que o juiz, ao despachar a petição da apelação, declare os seus efeitos no caso concreto. Com isso, evitará insegurança jurídica e cumprirá seu dever de cooperação, imposto pelo art. 6º a “todos os sujeitos do proces-so”. Acrescente-se que, se o apelado requerer a execução provisória da sentença, o juiz terá que decidir se a apelação foi ou não recebida com efeito suspensivo. Além do mais, tal declaração permitirá ao recorrente avaliar com segurança a necessidade ou não do requerimento de efeito suspensivo a que se refere o § 1º do art. 1.012. Em resumo: ainda que não haja norma expressa que assim o determine, convém que o juiz, ao despachar a petição da apelação, declare os seus efeitos no caso concreto.

Art. 1.011 - Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V;II - se não for o caso de decisão monocrática, elaborará seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado.

I. Distribuição imediata

Somente em relação ao agravo de instrumento, o CPC/1973, no art. 527, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.352/2001, determinava que fosse distribuído incontinenti. Porém, a Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou o inciso XV ao art. 93 da Constituição Federal, garantindo que “a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição”. O caput em aná-lise reafirma a garantia constitucional e impõe que a apelação seja distribuída imediatamente. Por outro lado, o art. 931 prevê que, “distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator”. Logo, não só a distribuição, mas também a conclusão ao relator deve ser imediata. Tal providência é de fundamental importância, pois da conclusão começa a contar o prazo de 30 (trinta) dias para que o relator elabore seu voto e restitua os autos à secretaria (art. 931, segunda parte). O descum-primento deste prazo, que é impróprio, não gera nulidade processual, mas expõe o magistrado ao risco de sanção administrativa, se não houver justificativa para o atraso.

II. Decisão monocrática

O relator pode, em decisão monocrática, negar conhecimento ao recurso de apelação “inad-missível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão

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Manoel Caetano Ferreira Filho

recorrida”, como está escrito no inciso III do art. 932. O recurso é inadmissível quando não preenche todos os seus pressupostos de admissibilidade, intrínsecos ou extrínsecos. Dentre tais pressupostos está a exigência de que o recurso seja fundamentado, isto é, contenha as razões que impugnem os fundamentos da decisão recorrida e justifiquem o pedido de invalidação, reforma, esclarecimento ou integração (os dois últimos valem para os embargos de declaração). Prejudica-do é o recurso cujo julgamento tornou-se impossível ou dispensável, em razão de algum evento acontecido depois de sua interposição. Portanto, o relator tem o poder de negar conhecimento à apelação por qualquer motivo que gere sua inadmissibilidade. Sendo admissível o recurso, o re-lator poderá negar-lhe (art. 932, inciso IV) ou dar-lhe (art. 932, inciso V) provimento, vale dizer, julgá-lo no mérito, para confirmar, invalidar, reformar, esclarecer ou integrar a decisão recorrida. Para tanto, sua decisão deverá estar obrigatoriamente fundamentada em súmula do STF (vincu-lante ou não), do STJ ou do próprio tribunal a que ele pertence; em acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos; ou em entendimento firmado em incidente de demandas repetitivas (arts. 976 a 987) ou de assunção de competência (arts. 947).

III. Fundamentação vinculada

O caput do artigo em comentário limita a decisão monocrática do relator aos fundamentos descritos nos incisos, o que faz ao usar o restritivo “apenas”. Portanto, ao contrário do que per-mitia o CPC/1973 (art. 557, caput), não pode mais o relator negar provimento ao recurso sob o argumento de que seja manifestamente improcedente.

IV. Elaboração do voto

Se não for o caso de decisão monocrática, o relator elaborará o voto, no prazo de 30 (trinta) dias, e devolverá os autos à secretaria, com o relatório (art. 931). Trata-se de prazo impróprio, cujo descumprimento não gera nulidade processual, mas expõe o relator ao risco de sofrer sanção administrativa se o atraso não tiver justificação.

V. Extinção da revisão

Este Código, rompendo com a tradição do processo civil brasileiro, extinguiu a figura do revi-sor. Assim, o relator deve elaborar o voto e, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da conclusão, devolver os autos à secretaria, que os encaminhará ao presidente do órgão fracionário, “que de-signará dia para julgamento” (art. 934). Como tantas outras imposições decorrentes do excesso de trabalho que chega aos tribunais, trata-se de medida que reduz o tempo do processo, mas que, sem dúvida, pode reduzir também a qualidade da decisão.

Art. 1.012 - A apelação terá efeito suspensivo.§ 1º - Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:I - homologa divisão ou demarcação de terras;II - condena a pagar alimentos;III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;VI - decreta a interdição.

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§ 2º - Nos casos do § 1º, o apelado poderá promover o pedido de cumprimento provisório depois de publicada a sentença.§ 3º - O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1º poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;II - relator, se já distribuída a apelação.§ 4º - Nas hipóteses do § 1º, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.

I. Efeito suspensivo

Ressalvadas as exceções previstas nos incisos deste artigo e em leis especiais, a apelação tem efeito suspensivo, ou seja, retira a eficácia da sentença desde o momento em que é proferida até o julgamento daquela. É que a previsão de recurso com efeito suspensivo faz com que a decisão judicial nasça sem eficácia e nesse estado permaneça até que o recurso seja julgado. Neste lapso de tempo, a sentença não pode ser executada, nem mesmo provisoriamente.

Este artigo guarda correspondência com o art. 520 do CPC/1973, tendo apenas suprimido o inciso que retirava o efeito suspensivo da apelação interposta da sentença que decidia o processo cautelar e acrescentado o que se refere ao decreto de interdição. Além disso, deu nova e melhor redação ao inciso que trata da tutela provisória.

II. Interpretação ampliativa dos incisos

Na vigência do CPC/1973, a regra era que os recursos em geral tinham efeito suspensivo e somente nas exceções previstas em lei não o tinham. No seu sistema defendia-se, com certa razão, que os incisos do art. 520, por constituírem exceção, deveriam ser interpretados restritiva-mente. Com este Código, porém, houve significativa alteração, pois o art. 995 diz textualmente: “Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso”. Portanto, agora a regra é que os recursos não têm efeito suspensivo. Logo, o caput do artigo ora considerado, ao afirmar que “a apelação terá efeito suspensivo”, caracteriza-se como norma excepcional e, portanto, exige interpretação restritiva. Os seus incisos, ao contrá-rio, exatamente por constituírem exceção ao caput, estão em harmonia com a regra geral, que é a não suspensividade. Assim, a interpretação ampliativa dos incisos é imperativo que decorre do princípio hermenêutico segundo o qual a norma que contém exceção deve ser interpretada restritivamente. Ademais, a supressão do efeito suspensivo dos recursos atende às exigências do processo civil moderno, preocupado com a efetividade da prestação jurisdicional. Neste aspecto, ao manter o efeito suspensivo à apelação como regra, este Código não conseguiu se desvencilhar de nefasto ranço histórico.

III. Sentença que homologa divisão ou demarcação de terras

Esta norma já constava do CPC/1939 (art. 830, inciso I) e do CPC/1973 (art. 520, inciso I) e decorre do elevado grau de certeza que estas sentenças traduzem, por estarem sempre fundadas

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em prova técnica, sendo remota a possibilidade de provimento da apelação. A ausência do efeito suspensivo permite que, ainda na pendência da apelação, tais sentenças sejam averbadas no Re-gistro Imobiliário.

IV. Sentença que condena a pagar alimentos

Tendo em vista a natureza, o conteúdo e a finalidade do direito a receber alimentos, a sentença que o reconhece e condena o réu a pagá-los tem eficácia imediata. Não somente na hipótese de parentesco (Lei de Alimentos), mas também no caso de condenação decorrente da prática de ato ilícito, no procedimento comum, a apelação não terá efeito suspensivo. Além de o inciso II não fazer distinção entre as sentenças fundadas no parentesco e no ato ilícito, a regra, no sistema des-te Código, é que os recursos não têm efeito suspensivo (art. 995). Por outro lado, como o objetivo é proteger a pessoa que tem direito a receber os alimentos, impõem-se as seguintes soluções: a) a sentença que majora o valor dos alimentos também está sujeita a apelação sem efeito suspensivo e, assim, produz efeito imediatamente; b) as sentenças que reduzem o valor dos alimentos ou ex-tinguem a obrigação de pagá-los (exoneração) estão sujeitas a apelação com efeito suspensivo e, assim, não têm eficácia imediata. Nestas duas hipóteses, o devedor (autor da ação de redução ou de exoneração de alimentos), malgrado a sentença de procedência, continuará com a obrigação de pagar no valor integral que estava fixado antes da sentença. Somente se estas duas sentenças confirmarem, concederem ou revogarem tutela provisória a apelação não terá, quanto a estes capítulos, efeito suspensivo (ver comentários ao inciso V, a seguir).

V. Sentença terminativa ou de improcedência dos embargos do executado

Para compreender bem o alcance desta norma é imprescindível breve incursão histórica. Na sua versão original, o CPC/1973 previa que o recebimento dos embargos do devedor sempre suspendia a execução e que a apelação da sentença que os indeferisse liminarmente ou que os julgasse improcedentes estava sujeita a apelação sem efeito suspensivo. Naquela época surgiu grande controvérsia sobre a natureza da execução na pendência da referida apelação, se provi-sória ou definitiva. Prevaleceu ao final o entendimento de que a execução era definitiva, para o que contribuiu decisivamente marcante estudo do paranaense Edson Ribas Malachini (Questões sobre a execução e os embargos do devedor, São Paulo, RT, 1980, p. 131 a 173). Assim, naquele ambiente, o STJ editou a Súmula nº 317: “É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos”. Porém, a refor-ma da execução fundada em título extrajudicial, procedida pela Lei nº 11.382/2006, operou duas profundas alterações: primeiro, retirou o efeito suspensivo automático dos embargos do devedor, admitindo, no entanto, que, diante de determinados requisitos, o juiz pudesse atribuí-lo (art. 739-A, caput e § 1º, do CPC/1973); segundo, deu novo conceito à execução provisória fundada em títu-lo extrajudicial: “É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebi-dos com efeito suspensivo” (art. 587, CPC/1973). Com isso, a jurisprudência firme e pacífica, consolidada ao longo de mais de 20 anos e acolhida na Súmula nº 317 do STJ, ficou totalmente superada. Foi uma lamentável opção legislativa. Ocorre que, agora, com o CPC/2015, foi res-tabelecida exatamente a sistemática anterior à Lei nº 11.382/2006, eis que nele não se encontra norma correspondente à do art. 587 do CPC/1973. Portanto, no sistema atual, mesmo que os em-bargos do devedor sejam recebidos com efeito suspensivo, se a sentença os extinguir ou julgá-los improcedentes, mesmo na pendência da apelação que a impugnar, a execução voltará a tramitar de forma definitiva. Assim como a Lei nº 11.382/2006 superou o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 317 do STJ, este Código, ao restabelecer o sistema anterior àquela lei,

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o revigorou: a execução de título extrajudicial, que é definitiva, depois de suspensa pelos embar-gos do devedor, se estes forem extintos ou julgados improcedentes, na pendência da apelação da respectiva sentença, voltará a tramitar de forma definitiva. Já se argumentava na polêmica que se estabeleceu no início da vigência do CPC/1973 que o que é provisório pode tornar-se definitivo, mas o que é definitivo não se pode tornar provisório. Em boa hora o CPC/2015 veio corrigir o grave equívoco cometido pela Lei nº 11.382/2006.

Por fim, aplica-se o disposto no inciso III aos embargos à arrematação, permanecendo hígido o entendimento cristalizado na Súmula nº 331/STJ: “A apelação interposta contra sentença que julga embargos à arrematação tem efeito meramente devolutivo”.

VI. Sentença que julga procedente o pedido de instituição de arbitragem

A Lei de Arbitragem (nº 9.307/1996) prevê, no art. 7º, uma ação de instituição de arbitragem, com procedimento especial e sumário, para a hipótese em que, existindo cláusula compromissó-ria, uma das partes opuser “resistência quanto à instituição da arbitragem”. Julgada procedente a ação, a arbitragem deve ser imediatamente instituída, ainda que o réu tenha apelado e, na pen-dência da apelação, seguirá regularmente seu curso até ser proferida a sentença arbitral.

VII. Sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória

A sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória tem eficácia imediata. Como a tutela provisória pode ser parcial, é preciso compreender que, se assim ocorrer, somente o capí-tulo relativo à tutela provisória terá eficácia imediata. Por exemplo, se a sentença condenar o réu em A, B e C, mas antecipar a tutela somente em relação a C, a apelação terá efeito suspensivo em relação aos dois primeiros e não o terá em relação ao terceiro. Desta forma, somente a obrigação decorrente de C terá que ser imediatamente cumprida pelo réu, sob pena de o juiz “determinar as medidas adequadas para efetivação da tutela provisória” (art. 297). A possibilidade de o juiz antecipar a tutela na sentença só se justifica pela absurda manutenção do efeito suspensivo da apelação como regra. Do ponto de vista lógico, não faz o menor sentido que o juiz conceda tutela provisória na sentença, que contém a tutela definitiva.

VIII. Sentença que decreta a interdição

A previsão do inciso sétimo é duplamente desnecessária: primeiro, porque o art. 1.773 do Có-digo Civil já prevê que “a sentença que declara a interdição produz efeitos desde logo, embora sujeita a recurso”; segundo, porque o § 1º deste artigo afirma que, além dos casos arrolados nos seus incisos, a sentença “começa a produzir efeitos imediatamente” nas “outras hipóteses previs-tas em lei”. De qualquer modo, uma vez julgado procedente o pedido de interdição, a sentença terá eficácia imediata.

IX. Cumprimento provisório

Em todos os casos em que a decisão judicial (de qualquer instância) estiver impugnada por recurso sem efeito suspensivo, o recorrido pode promover o seu cumprimento provisório (art. 520). Assim, as decisões, de qualquer grau de jurisdição (até mesmo extraordinária), que jul-guem procedentes pedidos formulados em ações relativas às prestações de fazer, de não fazer e de entregar coisa (arts. 497 a 501) ou que condenem ao pagamento de quantia em dinheiro (art. 523) podem ser imediatamente objeto de pedido de cumprimento provisório de sentença, mesmo na pendência de recurso recebido sem efeito suspensivo. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado na forma dos arts. 520 a 522 deste Código.

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X. Atribuição de efeito suspensivo pelo relator

Nos casos previstos nos incisos do § 1º do art. 1.012 e nas outras hipóteses legais em que a apelação não tem efeito suspensivo, o relator poderá atribuí-lo, suspendendo a eficácia da sen-tença, desde que haja probabilidade de provimento e perigo de dano decorrente da demora do seu julgamento. Tal previsão encontra-se igualmente, abrangendo todos os recursos, no parágrafo único do art. 995, com curiosa diferença no que respeita aos requisitos: ali está escrito que a efi-cácia da decisão poderá ser suspensa se “houver risco de dano grave e ficar demonstrada a pro-babilidade de provimento do recurso” (destaco o uso da conjunção aditiva e). Já no § 4º do art. 1.012, lê-se que a eficácia da decisão será suspensa “se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação” (agora, realço a conjunção alternativa ou). Parece que seriam duas as hipóteses de concessão do efeito suspensivo: para a primeira, bastaria a probabilidade de provimento do recurso; já a segunda exigiria relevante fundamentação e risco de dano. A interpretação lite-ral, contudo, deve ser abandonada por conduzir a conclusão absolutamente desarrazoada. Além do mais, qual seria a diferença entre probabilidade de provimento e relevante fundamentação? Aquela é mera consequência desta. Debite-se a confusa redação do parágrafo único do art. 995 ao notório açodamento com que o Código foi aprovado. Em suma: o efeito suspensivo deve ser concedido pelo relator se houver probabilidade de provimento do recurso e risco de dano grave ou de difícil reparação, decorrente da demora do julgamento da apelação. Em hipótese alguma tal requisito (risco de dano) pode ser dispensado.

XI. Diferença entre efeito suspensivo ope legis e efeito suspensivo ope judicis

Um sistema processual pode definir no texto legal se os recursos têm ou não efeito suspensi-vo, restando ao juiz, quando muito, simplesmente declarar, no caso concreto, a opção feita pelo legislador. Mas pode, também, nada dispor sobre referido efeito e atribuir ao juiz o poder de, no caso concreto, decidir se o recurso obsta ou não a eficácia da decisão recorrida. O processo civil brasileiro adota, de forma concatenada, os dois critérios: define expressamente quando a apelação tem efeito suspensivo e, ao mesmo tempo, dá ao relator o poder, nos casos em que não o tem, de agregá-lo, desde que presentes os requisitos da probabilidade de provimento e o perigo da demora (ver comentário número X, anterior). Sendo assim, equivoca-se o relator que indefere pedido de efeito suspensivo à apelação com o só argumento de que, no caso concreto e nos termos da lei, ela não tem tal efeito. Ora, exatamente porque, no caso concreto, a lei não atribui efeito suspensivo à apelação é que o recorrente tem o ônus (e o direito) de requerer ao relator que o conceda. Ou seja, a não concessão do efeito suspensivo ao recurso pela lei é exatamente um dos pressupostos para que o relator o atribua. O que ele tem é o dever de examinar a existência ou não dos pressupostos exigi-dos em lei para que, ao recurso que não o tenha, seja acrescentado o efeito suspensivo: se estiverem presentes há que suspender a eficácia da sentença apelada; caso contrário, indeferirá o pedido. Em conclusão: seja pela garantia constitucional (art. 93, inciso IX, CF), seja pela repetição do art. 11 deste Código, seja, primordialmente, pela norma insculpida no § 1º do art. 489, em especial no in-ciso III, o relator tem o dever de fundamentar a decisão que aprecia pedido de concessão do efeito suspensivo a recurso e tal fundamentação é vinculada à existência ou inexistência da probabilidade de provimento e ao perigo de dano advindo da demora no seu julgamento.

XII. Competência para suspender a eficácia da sentença

Tanto o § 3º quanto o § 4º deixam evidente que a competência para atribuir efeito suspensivo à apelação é do relator. A primeira observação, portanto, é que o juiz de primeiro grau, que proferiu a sentença apelada, não tem competência para conceder efeito suspensivo ao recurso, pois esta é

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exclusiva do relator. O perigo (ou risco) de dano grave ou de difícil reparação pode existir já no momento em que o recurso é interposto. Em semelhante hipótese o pedido de efeito suspensivo até pode ser feito na própria petição em que o recurso é interposto, inclusive nas razões. Porém, se o perigo for iminente (atual) será mais eficaz que o recorrente, logo após a interposição, dirija ao tribunal petição requerendo a suspensão da eficácia da sentença, como prevê o inciso I do § 3º. Com isso, evita que o tempo que medeia a interposição e a distribuição do recurso seja suficiente à consumação do dano. Todavia, se o perigo surgir depois que o recurso já tiver sido interposto, a única possibilidade é de requerimento direto ao tribunal: antes da distribuição do recurso (que deve ser imediata, como impõe o caput do art. 1.011) o requerimento será distribuído, ficando o relator prevento para o recurso; depois de distribuído o recurso, o pedido de efeito suspensivo será encaminhado diretamente ao relator.

XIII. Ausência de forma específica do pedido de efeito suspensivo

O pedido de efeito suspensivo deve ser efetuado em simples petição, porém fundamentada, sem exigência de maiores formalidades. Quando não o fizer na própria petição da apelação, o recorrente deverá dirigir-se ao tribunal ou diretamente ao relator, se já distribuída. Quando o pedido for efetuado antes de distribuído o recurso, a petição deverá ser instruída com a prova de sua interposição e das demais peças necessárias à demonstração dos fundamentos alegados pelo requerente. Não se trata de ação cautelar, mas de simples petição, que, depois de autuada, distribuída e despachada, ficará aguardando a distribuição do recurso, para o qual estará prevento o relator.

Art. 1.013 - A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.§ 1º - Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.§ 2º - Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.§ 3º - Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:I - reformar sentença fundada no art. 485;II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.§ 4º - Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.§ 5º - O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação.

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I. Efeito devolutivo

Como decorrência do princípio dispositivo (arts. 2º e 141), o tribunal só tem o poder de julgar o que lhe for pedido pelo apelante. Significa que também o tribunal tem sua atuação limitada pela vontade do recorrente. Assim como pode não recorrer, caso em que o tribunal, obviamente, nada julgará, o apelante pode impugnar apenas parte da sentença. Se isto ocorrer, o tribunal julgará so-mente esta parte que foi impugnada. Este é o efeito devolutivo do recurso, pelo qual ao tribunal é conferido o poder (e, ao mesmo tempo, dever) de proferir novo julgamento da causa, respeitado o limite posto pelo recorrente. O caput deste artigo, que tem exatamente a mesma redação do caput do art. 515 do CPC/1973, utiliza a expressão “matéria impugnada” para se referir ao pedido de nova decisão formulado pelo apelante. Tome-se a seguinte hipótese: autor pretendia indenização de dano material e de dano moral, mas a sentença concedeu-lhe apenas o primeiro; se somente ele apelar para obter, também, a indenização do dano moral, o tribunal julgará unicamente este objeto do seu pedido. O pior que pode acontecer ao apelante é o tribunal confirmar a sentença na parte que julgou improcedente o pedido de indenização do dano moral. A condenação do réu a indenizar o dano material, na ausência de recurso dele, não pode ser apreciada pelo tribunal no âmbito do recurso do autor, mesmo que a pretexto de haver matéria de ordem pública a ela relati-va. É preciso aceitar, com todas as consequências que disso decorre, que o apelante é quem fixa, no pedido, os limites da apelação. Parte da doutrina diz ser esta a extensão do efeito devolutivo. Por outro lado, a profundidade do efeito devolutivo (§§ 1º e 2º) define o que o tribunal pode (e deve) tomar em consideração para julgar o pedido formulado na apelação, que abrange: a) todas as questões efetivamente decididas na sentença; b) as questões suscitadas e debatidas no proces-so, ainda que não tenham sido solucionadas na sentença; c) a causa de pedir ou o fundamento da defesa que não tenham sido objeto de decisão pela sentença; d) as matérias de ordem pública não analisadas pela sentença. Parte da doutrina atribui o dever de o tribunal examinar as matérias referidas nas letras b, c e d, anteriores, à manifestação do efeito translativo da apelação.

II. Efeito translativo

O caput deste artigo, como explicado anteriormente, disciplina o efeito devolutivo, pelo qual é fixado o que o tribunal pode julgar na apelação. Os §§ 1º e 2º tratam do efeito translativo da apelação. Por ele o tribunal pode, respeitados os limites que lhe são impostos pela “matéria impugnada”, isto é, pelo pedido do apelante, examinar todas as questões suscitadas e debatidas no processo e, mais, as causas de pedir e os fundamentos da defesa, ainda que não tenham sido objeto de decisão na sentença. A parte final do § 1º limita expressamente o efeito translativo ao julgamento do “capítulo impugnado”, superando polêmica existente da legislação revogada. Por-tanto, o capítulo da sentença que não for objeto de apelação não pode, em hipótese alguma, ser reexaminado pelo tribunal, ainda que a pretexto de aplicar os §§ 1º e 2º ou apreciar matéria de ordem pública a ele relativa. Aliás, na sistemática deste Código também está claro que o capítulo da sentença não impugnado pela apelação transita em julgado imediatamente. Sucede que, nos termos do art. 356, parte do mérito pode ser antecipadamente julgada, por decisão interlocutó-ria, que, esgotados os recursos dela cabíveis, transita em julgado, podendo ser objeto execução definitiva (§ 3º do art. 356). Ora, se a decisão interlocutória que julga parte do mérito transita em julgado, por que não o faria o capítulo da sentença que não foi impugnado pela apelação? Assim, se o réu for condenado a indenizar dano material e dano moral, mas apelar somente do dano moral, a “matéria impugnada” (caput), ou seja, a que tribunal vai julgar, será somente a existência da obrigação de indenizar o dano moral. Para julgar este pedido do apelante, o tribunal poderá examinar todas as questões suscitadas e debatidas no processo, todas as causas de pedir e

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todos os fundamentos da defesa, mesmo que não tenham sido apreciados pela sentença. Porém, a indenização do dano material, por não ter sido objeto de apelação, não pode ser reexaminada pelo tribunal. Neste exemplo, se o tribunal concluir que houve prescrição (alegada, ou não, pelo réu) ou que há carência de ação (suscitada, ou não, pelo réu), dará provimento à apelação somen-te para retirar da condenação a obrigação de indenizar o dano moral, que constitui o “capítulo impugnado”. A condenação ao dano material, primeiro, não foi objeto da apelação e, por isso, não pode ser julgada pelo tribunal; segundo, exatamente por não ter sido objeto da apelação, transitou em julgado e, se o tribunal a reapreciasse, estaria ofendendo a garantia constitucional da coisa julgada.

III. Matéria de ordem pública

As chamadas questões de ordem pública podem ser examinadas pelo juiz de ofício e sobre elas não se opera a preclusão (arts. 337, § 5º, e 485, § 3º). Desse modo, mesmo que não tenham sido alegadas nem apreciadas em primeiro grau, deverão ser analisadas pelo tribunal no julga-mento da apelação. Isso, contudo, não permite ao tribunal julgar o que não foi impugnado na apelação. Como justificado anteriormente (comentário II), o capítulo da sentença não impugnado na apelação transita em julgado imediatamente e se o tribunal o reexaminar ofenderá a garantia constitucional da coisa julgada. Ademais, se o recurso não for conhecido, seu julgamento estará concluído e esgotado o ofício jurisdicional do tribunal, que não poderá, nesta hipótese, anular ou reformar a sentença, ainda que a pretexto de examinar matéria de ordem pública.

IV. Julgamento imediato do mérito

Nas hipóteses do § 3º, o tribunal tem o dever de julgar o mérito, desde que o processo esteja em condições de imediato julgamento, isto é, se já estiver suficientemente instruído, não havendo necessidade de produção de outras provas além das que já se encontram nos autos. O § 3º do art. 515 do CPC/1973 contemplava somente a hipótese do inciso I deste artigo. Se a sentença que extingue o processo sem resolver o mérito (art. 485) for reformada pelo tribunal, não haverá ne-cessidade de que os autos retornem ao primeiro grau para que o mérito seja julgado. Do mesmo modo, se anular a sentença extra petita ou ultra petita, que não guardam congruência com os limites do pedido ou da causa de pedir, o tribunal passará imediatamente ao julgamento do mé-rito, desde que haja condições para tanto. É extra petita a sentença que acolhe pedido diverso do formulado ou que aprecia causa de pedir distinta daquela delimitada pelo autor. É ultra petita a sentença que, embora se mantendo nos limites do pedido, concede-o em medida superior à plei-teada. O mesmo deve ocorrer no caso de o tribunal reconhecer que a sentença é citra petita, vale dizer, não examinou todos os pedidos formulados pelo autor: nessa situação, julgará, desde logo, o pedido sobre o qual se omitiu o juiz. Na verdade, nos casos de sentença citra ou ultra petita, confirmando-as no essencial, bastará que o tribunal complemente a primeira ou picote o excesso da segunda, sem declarar a nulidade. Anulada a sentença por falta de fundamentação, também deve o tribunal prosseguir e julgar o mérito, se a causa estiver madura para julgamento. Tal pro-cedimento visa à celeridade, efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional, não implicando violação ao princípio do duplo grau de jurisdição ou supressão de instância. Ademais, a hipótese de julgamento pelo tribunal só se concretizará caso sejam preservados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não havendo qualquer prejuízo para as partes.

V. Reforma da sentença que reconhece decadência ou prescrição

O § 4º disciplina situação que, a rigor, já está contemplada no § 2º (sentença que, por acolher um dos fundamentos da defesa, não aprecia os demais): sempre que a defesa estiver assentada

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em vários fundamentos, cada um deles capaz de, por si mesmo, conduzir à improcedência da pretensão do autor, e a sentença acolher um deles, todos os demais deverão ser apreciados no julgamento da apelação. Assim, se no julgamento da apelação o tribunal rejeitar decadência ou prescrição acolhidas na sentença (de ofício ou mediante provocação do réu), deverá prosseguir no julgamento e examinar todas as demais defesas suscitadas na contestação, desde que para tanto não haja necessidade da produção de provas.

VI. Capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória

O capítulo da sentença que concede, confirma ou revoga tutela provisória é impugnável na apelação. O § 5º deste art. 1.013 é mera repetição da norma geral do § 3º do art. 1.009, segundo a qual é cabível a apelação “mesmo quando as questões mencionadas no art. 1.015 integrarem capítulo da sentença”. Ora, o primeiro inciso do art. 1.015 é precisamente tutelas provisórias. A elaboração de norma específica para a tutela provisória concedida, confirmada ou revogada na sentença só revela que o legislador quis sepultar de vez o excêntrico entendimento, defendido por alguns, de que caberia, simultaneamente, agravo de instrumento do capítulo antecipatório e apelação do restante da sentença. Agora a ninguém mais é dado ter dúvida. Por outro lado, ante a dupla previsão do cabimento da apelação, não se deve aplicar o princípio da fungibilidade a eventual agravo de instrumento que, por insensatez, for interposto.

Art. 1.014 - As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

I. Proibição de inovação recursal

Na apelação, a regra é que o tribunal reexamine a causa, proferindo novo julgamento nas mes-mas condições de fato em que foi proferida a sentença. Portanto, em princípio, os fatos a serem considerados pelo tribunal devem ser os mesmos submetidos à análise do juízo de primeiro grau. Contudo, o artigo em comento, que repete a norma do art. 517 do CPC/1973, prevê a possibili-dade de que a parte, apelante ou apelado, alegue fato não suscitado em primeiro grau, desde que prove que deixou de fazê-lo por motivo de força maior. O fato a ser alegado pela primeira vez na apelação pode ser anterior ou superveniente à sentença.

II. Fato superveniente à sentença

Se o fato for superveniente à sentença, esta circunstância, por si só, já é motivo suficiente à justificativa de não ter sido alegado em primeiro grau. Esta questão, aliás, encontra-se expressa-mente disciplinada no art. 493, que impõe ao juiz o dever de tomar em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, o fato ocorrido depois da propositura da ação. Ora, se o fato ocor-reu depois da sentença, cumpre ao tribunal considerá-lo, inclusive de ofício, no julgamento da apelação. De todo modo, para considerá-lo deve submetê-lo ao contraditório, ouvindo a parte contrária à que o alegou; ou ambas as partes, na hipótese de atuar oficiosamente (arts. 9º, 10, 493, parágrafo único, e 933).

III. Fato anterior à sentença

O fato anterior à sentença somente pode ser alegado na apelação se a parte provar que não o suscitou em primeiro grau por motivo de força maior.

Art. 1.014

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O Código utiliza as expressões “justa causa” (art. 223, caput), “justo impedimento” (art. 1.007, § 6º) e “força maior” (art. 1.014), para identificar a condição que reabre à parte a oportunidade de praticar determinada atividade no processo, que, na ausência dela, estaria preclusa. Todas as três têm o mesmo significado, que é aquele constante do § 1º do art. 223: “Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário”. A parte tem o ônus de provar o evento que caracteriza a justa causa.

IV. Prova do fato alegado na apelação

Uma vez admitido o fato na apelação, a parte tem o direito de prová-lo por todos os meios juridicamente admissíveis (arts. 435 e 938, § 3º). Neste caso, o julgamento será convertido em diligência, para que a prova seja produzida no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição (art. 938, § 3º).

V. Recurso do terceiro prejudicado

Na apelação do terceiro prejudicado (art. 996) não se exige a prova do motivo de força maior para que o fato possa ser alegado pela primeira vez. Na verdade, a força maior decorre exata-mente da condição de terceiro, estranho à relação processual, que o impedia de fazer qualquer alegação.

VI. Matérias de ordem pública

Se o fato disser respeito a matéria de ordem pública, que deve ser conhecida de ofício pelo tribunal, fica dispensada a prova do motivo de força maior.

VII. Questão de direito

A questão de direito não está sujeita à preclusão e pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária. O órgão jurisdicional tem o dever de aplicar o direito aos fatos alegados pelas partes, mesmo que não tenha sido por elas invocado. Não fica o tribunal vinculado às ques-tões de direito suscitadas pelas partes. Cumpre-lhe, porém, tal qual ocorre em relação ao juiz de primeiro grau, submeter a questão, mesmo de direito, ao contraditório, ouvindo, antes de decidir, as partes (arts. 9º e 10).

Art. 1.014

1582

Sandro Marcelo Kozikoski

Art. 1.015 - Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:I - tutelas provisórias;II - mérito do processo;III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;VI - exibição ou posse de documento ou coisa;VII - exclusão de litisconsorte;VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;XII - VETADO;XIII - outros casos expressamente referidos em lei.Parágrafo único - Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

AutorSandro Marcelo Kozikoski

I. A opção pela concentração da recorribilidade ordinária

O CPC/2015 aboliu a figura do agravo retido, alterando-se ainda a sistemática de preclusões. O § 1º do art. 1.009 do CPC dispõe que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.

II. Agravo de instrumento contra as decisões que envolvam tutelas provisórias

Conforme previsão da exposição de motivos da Lei nº 13.105/2015, “o agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de concessão, ou não, de tutela de urgência, para as interlocu-tórias de mérito, para as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal”. Logo, o agravo de instrumento é cabível para impugnação das decisões interlocutórias relacionadas com as tutelas provisórias (CPC, art. 294 e ss.) fundadas em urgência ou evidência. Porém, é preciso atentar que “o capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação” (CPC, art. 1.013, § 5º).

1583

Sandro Marcelo Kozikoski Art. 1.015

III. Decisões relativas ao mérito

Admite-se ainda o emprego do agravo de instrumento contra as decisões parciais de mérito, na forma do art. 354, parágrafo único, e 356, § 5º, do CPC. Pode-se cogitar, então, do fraciona-mento da apreciação do objeto litigioso. Isto porque o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados, ou parcela deles, (i) mostrar-se incontroverso e (ii) estiver em condições de imediato julgamento. A decisão parcial de mérito proferida com base no art. 356 do CPC é impugnável por agravo de instrumento. Não por outra razão, o Enunciado nº 103 do FPPC destaca que “a decisão parcial proferida no curso do processo com fundamento no art. 487, I, sujeita-se a recurso de agravo de instrumento”.

IV. Hipóteses que recomendam a recorribilidade imediata

Como é de se aceitar, os casos previstos nos incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e XI do art. 1.015 do CPC chancelam o emprego imediato do agravo de instrumento, até porque envolvem matérias que tornariam contraproducente a opção de reservá-las para a fase de julgamento da apelação.

No tocante à apreciação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (CPC, art. 1.015, inciso IV), o cabimento do agravo de instrumento é reforçado pela menção expressa à natureza interlocutória desse tipo de decisão, na forma do art. 136 do CPC/2015. Nesses casos, há que se admitir o agravo de instrumento em face das decisões finais, que venham a apreciar o mérito do incidente de desconsideração, bem como ainda aquelas que reputem inadmissível o seu emprego.

V. Outros casos expressamente referidos em lei

Ao se fazer menção a outros casos expressamente referidos em lei (CPC, art. 1.015, inciso XIII), estão incluídas no rol das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento determinadas disposições esparsas do mesmo diploma legal ou ainda dedutíveis da legislação especial. Sem o propósito de esgotá-las, torna-se conveniente a abordagem de algumas dessas situações.

Assim, o art. 101 do CPC dispõe que “contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação”. Oportuno registrar que o art. 101 do CPC sinaliza com uma hipótese de assimetria, pois são agraváveis por instrumento apenas (i) a deci-são que indeferir a gratuidade ou (ii) que acolher o seu pedido de revogação. A rejeição da im-pugnação, resultando na manutenção da assistência gratuita, é matéria que poderá ser discutida na fase de apelação (CPC, art. 1.009, § 1º).

O indeferimento liminar ou antecipado da reconvenção também autoriza o emprego do agra-vo de instrumento. Isto porque, ao se conjugar o parágrafo único do art. 321 com o parágrafo único do art. 354 e ainda com o disposto no § 5º do art. 356 do CPC, é possível concluir que a reconvenção pode ser rejeitada liminarmente, ou ainda sua apreciação pode ser dissociada do pe-dido principal. Atente-se que o CPC/2015 não repetiu a regra prevista no art. 318 do CPC/1973, estando autorizado o julgamento fracionado do mérito. Logo, a rejeição liminar ou antecipada da reconvenção permite o emprego do agravo de instrumento. O Enunciado nº 154 do FPPC prescreve que “é cabível agravo de instrumento contra ato decisório que indefere parcialmente a petição inicial ou a reconvenção”. Por outro lado, a decisão que concluir pela impossibilidade de sua rejeição liminar ou antecipada não induz semelhante tratamento, de modo que essa situação está abarcada pelo regime instituído pelo § 1º do art. 1.009 do CPC.

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Sandro Marcelo Kozikoski Art. 1.016

O inciso I do § 13 do art. 1.037 do CPC faz menção à relevante hipótese de cabimento de agra-vo de instrumento, para fins de impugnação da decisão responsável pela afetação ou desafetação de determinado processo alcançado pela sistemática de processamento dos recursos especial e extraordinários repetitivos. Isto porque o § 9º do art. 1.037 do CPC dispõe que “demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo”.

Atente-se ainda que o Enunciado nº 177 do FPPC sugere ainda que “a decisão interlocutória que julga procedente o pedido para condenar o réu a prestar contas, por ser de mérito, é recorrível por agravo de instrumento”. Isto porque, ao tratar da ação de exigir contas, o § 5º do art. 550 do CPC dispõe que “a decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”.

Com relação às hipóteses dedutíveis de leis especiais, tem-se que, em matéria de ação de improbidade, o § 10 do art. 17 da Lei nº 8.429/1992 prevê cabimento de agravo de instrumento em face da “decisão que receber a petição inicial”. Ainda da legislação extravagante, colhe-se a regra do § 1º do art. 7º da Lei nº 12.016/2009: “Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”.

VI. Súmula nº 118 do STJ: “O agravo de instrumento é o recurso cabível da decisão que homologa a atualização do cálculo de liquidação”.

Art. 1.016 - O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio de petição com os seguintes requisitos:I - os nomes das partes;II - a exposição do fato e do direito;III - as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e o próprio pedido;IV - o nome e o endereço completo dos advogados constantes do processo.

I. Forma de interposição

O agravo de instrumento deve ser interposto por meio de petição escrita (impressa ou eletrô-nica), no prazo de 15 (quinze) dias (CPC, art. 1.070), endereçada ao tribunal competente para processá-lo e julgá-lo (CPC, art. 1.016), ressalvada ainda a possibilidade de postagem no correio sob registro (CPC, art. 1.003, § 4º), ou ainda observada outra forma de interposição prevista em lei (CPC, art. 1.003, § 3º). A petição do agravo deverá indicar (i) o nome das partes; (ii) a exposi-ção do fato e de direito relacionados com a causa originária; (iii) as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão (fundamentação) e o próprio pedido; e, (iv) o nome e o endereço completo dos advogados constantes do processo.

II. Processamento em apartado

Independentemente da forma “física” de autuação ou de sua tramitação eletrônica, o agravo de instrumento será processado de forma apartada dos autos da causa em que se deu a decisão impugnada. Objetiva-se, assim, afastar os riscos da paralisação indevida do trâmite da demanda originária.

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Sandro Marcelo Kozikoski Art. 1.017

III. Cassação da decisão inválida e devolutividade da matéria ao órgão ad quem

O agravo de instrumento conterá o pedido de reforma ou invalidação da decisão recorrida. Em qualquer das hipóteses, o órgão ad quem não está restrito ao juízo de cassação. Estando presentes os requisitos legais, o órgão ad quem poderá atender o pedido formulado pelo recorrente.

IV. Nome e endereço dos advogados atuantes no processo

A indicação dos advogados atuantes no processo deverá observar, quando for o caso, o dispos-to no art. 272, §§ 1º e 5º, CPC, evitando-se ainda o uso de abreviações (CPC, art. 272, § 4º) em atenção ao dever de boa-fé (CPC, art. 5º).

V. Julgados

Indicação dos nomes e dos endereços dos advogados

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO. INDICAÇÃO DOS NOMES E DOS ENDEREÇOS DOS ADVOGADOS. LITISCONSORTES. PRESCINDIBILIDADE. ART. 524, III, CPC. EXEGESE. PRECEDENTE. AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO. INDICAÇÃO DO NOME DO MEM-BRO DO PARQUET. DISPENSABILIDADE. JUNTADA DA PETIÇÃO INICIAL. UNICIDA-DE E INDIVISIBILIDADE DO ÓRGÃO. INTIMAÇÃO PESSOAL. RECURSO PROVIDO. I - A norma do art. 524-III, CPC, não exige a indicação do nome e endereço dos advogados dos litisconsortes, que, no caso, aliás, sequer integraram a relação processual. O escopo da lei é a obtenção de dados para a intimação do agravado, uma vez que, diante da nova sistemática pro-cessual, o agravo passou a ser protocolado diretamente no tribunal. II - Dispensa-se a indicação dos nomes e dos endereços dos advogados, quando da interposição do agravo de instrumento, se nas peças juntadas aos autos se podem claramente verificar tais registros. III - Na linha do parecer do Ministério Público Federal, ‘tem-se desnecessária a indicação de nome e endereço do representante do Parquet, pois, à sombra dos princípios da unicidade e indivisibilidade do Ministério Público, a norma citada não alcança os membros desse órgão, porquanto, segundo o disposto no art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil, a intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente’” (STJ, 4ª T., REsp nº 254.087-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 20/2/2003).

“[...] 3. A exigência contida no inciso III do art. 524 do CPC não é absoluta, de forma que pode ser relevada se existirem nos autos outros elementos que possam identificar o nome e o endereço completo do advogado da agravada, mormente em se tratando de ente público. (AgRg no REsp 1065571/MA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 4/2/2009); [...]” (STJ, 2ª T., AgRg-Ag nº 1.366.511-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 13/9/2011).

Art. 1.017 - A petição de agravo de instrumento será instruída:I - obrigatoriamente, com cópias da petição inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado;

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Sandro Marcelo Kozikoski Art. 1.017

II - com declaração de inexistência de qualquer dos documentos referidos no inciso I, feita pelo advogado do agravante, sob pena de sua responsabilidade pessoal;III - facultativamente, com outras peças que o agravante reputar úteis.§ 1º - Acompanhará a petição o comprovante do pagamento das respectivas custas e do porte de retorno, quando devidos, conforme tabela publicada pelos tribunais.§ 2º - No prazo do recurso, o agravo será interposto por:I - protocolo realizado diretamente no tribunal competente para julgá-lo;II - protocolo realizado na própria comarca, seção ou subseção judiciárias;III - postagem, sob registro, com aviso de recebimento;IV - transmissão de dados tipo fac-símile, nos termos da lei;V - outra forma prevista em lei.§ 3º - Na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 932, parágrafo único.§ 4º - Se o recurso for interposto por sistema de transmissão de dados tipo fac-símile ou similar, as peças devem ser juntadas no momento de protocolo da petição original.§ 5º - Sendo eletrônicos os autos do processo, dispensam-se as peças referidas nos incisos I e II do caput, facultando-se ao agravante anexar outros documentos que entender úteis para a compreensão da controvérsia.

I. Peças obrigatórias (CPC, art. 1.017, inciso I)

O rol das peças obrigatórias foi ampliado no CPC 2015, fazendo-se menção expressa à peti-ção inicial, à contestação e à petição que ensejou a decisão agravada. A exibição da “certidão da respectiva intimação” prende-se ao propósito de permitir ao juízo ad quem averiguar a tempes-tividade do agravo de instrumento. Em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento de mérito, a comprovação da tempestividade do recurso poderá ser feita por outros meios. A apresentação da íntegra da decisão agravada é justificável para permitir que o tribunal possa investigar a fundamentação exarada pelo juízo a quo, confrontando-a com os argumentos perfilhados na minuta do agravo. As cópias das procurações outorgadas às partes também constituem peças obrigatórias. Essa última exigência alcança ainda as procurações dos demais envolvidos no processo, tais como assistentes e litisconsortes. Recomenda-se especial atenção quanto à “cadeia” completa de procurações e substabelecimentos. Porém, subsistem casos em que não há o dever legal de exibição de instrumento de mandato (vide o caso dos advogados públicos).

Em caso de tramitação eletrônica do processo originário, não haverá necessidade de traslado de peças obrigatórias, facultando-se a exibição de outros documentos úteis para a compreensão da controvérsia (CPC, art. 1.017, § 5º). Porém, ainda que o agravo de instrumento comporte tramitação eletrônica, dar-se-á o traslado de peças obrigatórias e facultativas se a demanda ori-ginária tramitar sob a forma de autos físicos (papel).

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Sandro Marcelo Kozikoski

II. Peças facultativas (CPC, art. 1.017, inciso III)

Faculta-se ainda ao agravante promover a juntada de outras peças que entender úteis ou con-venientes à compreensão do litígio e das razões recursais. Dentre as peças facultativas, poder-se-ia cogitar da apresentação de documentos inéditos, com a exigência de posterior traslado aos autos principais (CPC, art. 1.017, § 5º).

III. Declaração acerca da ausência de peças obrigatórias (CPC, art. 1.017, inciso II)

A ausência de peças obrigatórias poderá ser objeto de declaração por parte do procurador do agravante (CPC, art. 1.017, inciso II). A prerrogativa conferida ao procurador do agravante afasta a necessidade de certidões explicativas para fins de chancelar a situação envolvendo o documen-to faltante. À guisa de exemplo, são os casos de indeferimento do pedido de tutela de urgência antes da citação do réu, com a consequente ausência de procuração da parte adversa.

IV. Princípio da primazia do julgamento de mérito

O § 3º do art. 1.017 do CPC, alinhado com outros dispositivos correlatos (CPC, art. 932, pará-grafo único), corrobora o princípio da primazia em prol do julgamento de mérito. Assim, na falta de traslado de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 932, parágrafo único, conce-dendo prazo de 5 (cinco) dias para que seja sanada a questão ou complementada a documentação. O Enunciado nº 82 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) assinala que “é dever do relator, e não faculdade, conceder o prazo ao recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os excepcionais”.

V. Exigência de custas, porte e retorno

O agravo de instrumento deverá ainda estar acompanhado do “comprovante do pagamento das respectivas custas e do porte de retorno, quando devidos, conforme tabela publicada pelos tribu-nais” (CPC, art. 1.017, § 1º). A exigência de recolhimento das custas recursais do agravo poderá ficar postergada no caso previsto no § 1º do art. 101 do CPC, ao sinalizar que “o recorrente estará dispensado do recolhimento de custas até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso”.

VI. Protocolo no correio e outras formas de interposição

O agravo de instrumento será interposto (i) por meio de protocolo realizado diretamente no tribunal competente para julgá-lo (art. 1.017, § 2º, inciso I); (ii) protocolo realizado na própria comarca, seção ou subseção judiciárias (art. 1.017, § 2º, inciso II); (iii) postagem, sob registro, com aviso de recebimento (art. 1.017, § 2º, inciso III); (iv) transmissão de dados tipo fac-símile, nos termos da lei (art. 1.017, § 2º, inciso IV); ou ainda (v) outras formas previstas em lei (art. 1.017, § 2º, inciso V). No caso da remessa postal, deve ser considerada a data da postagem (CPC, art. 1.003, § 4º,). Ao se referir a outras formas de interposição, há que se conferir especial atenção às normas que regem o processo eletrônico. No caso da opção pela interposição via fac-símile, “as peças devem ser juntadas no momento de protocolo da petição original” (CPC, art. 1.017, § 4º).

VII. Julgados

Recurso repetitivo

“AUTENTICAÇÃO DE CÓPIAS.

Art. 1.017

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Sandro Marcelo Kozikoski Art. 1.018

EMENTA: 1. A autenticação das peças que instruem o agravo de instrumento, previsto no art. 525, I, do CPC, não é requisito de admissibilidade recursal. [...] 2. A autenticação de cópias do Agravo de Instrumento do artigo 522, do CPC, resulta como diligência não prevista em lei, em face do acesso imediato aos autos principais, propiciado na instância local. A referida providên-cia somente se impõe diante da impugnação específica da parte adversa. 3. O recurso de agravo, recentemente modificado pela reforma infraconstitucional do processo civil, não incluiu a refe-rida exigência, muito embora institua a obrigatoriedade da afirmação da autenticidade, relegada ao advogado, nos agravos endereçados aos Tribunais Superiores, porquanto, em princípio, não acodem os autos principais na análise da irresignação. [...] 6. À míngua de exigência legal, mercê da interpretação teleológico-sistêmica, é defeso erigir-se requisito que tranca a via recursal sem obediência à reserva legal” (STJ, Corte Especial, REsp nº 1.111.001-SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 4/11/2009).

Possibilidade de comprovação da tempestividade recursal por outros meios

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DI-VERGÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TEMPESTIVIDADE. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168/STJ. 1. A jurisprudên-cia do Superior Tribunal de Justiça, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, tem possibilitado a comprovação da tempestividade recursal por outros meios, que não a certidão de intimação do acórdão recorrido. [...]” (STJ, 1ª Seção, AgRg-EAg nº 1.390.726-SC, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 26/6/2013).

Dispensa de procuração de advogado do Estado

“[...] 2. É dispensável a juntada de procuração de advogado do Estado em razão da outorga da representação decorrer de disposição legal. O entendimento é aplicado por isonomia quanto à necessidade do agravante juntar a procuração do agravado quando este é advogado do Estado. Precedentes: AgRg no Ag 871706/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2007, DJ 11/2/2008, p. 1; AgRg no Ag 919.059/SC, Rel. Minis-tro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/9/2008, DJe 24/9/2008; AgRg no REsp 1065571/MA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, jul-gado em 16/12/2008, DJe 4/2/2009. [...] (STJ, 2ª T., AgRg-Ag nº 1.366.511-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 13/9/2011).

Art. 1.018 - O agravante poderá requerer a juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos que instruíram o recurso.§ 1º - Se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo de instrumento.§ 2º - Não sendo eletrônicos os autos, o agravante tomará a providência prevista no caput, no prazo de 3 (três) dias a contar da interposição do agravo de instrumento.§ 3º - O descumprimento da exigência de que trata o § 2º, desde que arguido e provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo de instrumento.

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Sandro Marcelo Kozikoski

I. Tramitação física e eletrônicaO agravante poderá requerer, no prazo de 3 (três) dias contados da interposição do recurso, a

juntada aos autos da demanda originária, de cópia da petição do agravo de instrumento, compro-vante de sua interposição e relação de documentos que o instruíram. Essa providência revela-se dispensável no caso da tramitação eletrônica (CPC, art. 1.018, § 2º), sem prejuízo da prerrogati-va do agravante reiterar os seus argumentos em prol do juízo de retratação.

II. Ônus da arguiçãoEm atenção ao princípio da primazia do julgamento do mérito recursal, o órgão ad quem não

poderá ex officio conhecer do não atendimento do preceito, devendo aguardar a arguição e a comprovação por parte do agravado, que poderá promover a juntada de certidão comprobatória da omissão do agravante, fornecida pelo juízo a quo. Por força do princípio da instrumentali-dade das formas, a comprovação acerca da omissão do agravante quanto à providência prevista no caput do art. 1.018 do CPC poderá ser feita ainda por outros meios probatórios. Ainda que o tribunal ad quem venha a suscitar ex officio a ausência de observância da providência prevista no caput do art. 1.018 do CPC, dar-se-á a necessidade de prévia intimação das partes para se mani-festarem a respeito, com vistas à leitura de contraditório substancial (art. 10 do CPC) e ainda em atenção ao preceito do art. 933, caput, CPC.

III. Momento para alegação do não cumprimento da regra do art. 1.018 do CPCO § 3º do art. 1.018 do CPC não contempla previsão explícita acerca do momento para arguição,

por parte do agravado, acerca da omissão do agravante quanto à satisfação da regra prevista no caput do dispositivo em questão. Sob a égide do CPC/1973, a doutrina afirmava que a alegação do agravado dar-se-ia (i) no prazo de resposta do agravo ou (ii) antes do julgamento do mérito do recurso. Julgados do STJ defendiam que a alegação está circunscrita ao prazo de resposta do agravo.

IV. Juízo de retratação e prejudicialidade do agravo Como é de se notar, o § 1º do art. 1.018 do CPC assinala que, em caso de reforma integral

da decisão agravada pelo juízo a quo, via juízo de retratação, restará prejudicado o agravo de instrumento.

V. JulgadosRecurso repetitivo

“EMENTA: [...] 2. Destarte, o descumprimento das providências enumeradas no caput do art. 526 do CPC, adotáveis no prazo de três dias, somente enseja as consequências dispostas em seu parágrafo único se o agravado suscitar a questão formal no momento processual oportuno, sob pena de preclusão. [...] 4. Consectariamente, para que o Relator adote as providências do pará-grafo único do art. 526 do CPC, qual seja não conhecer do recurso, resta imprescindível que o agravado manifeste-se acerca do descumprimento do comando disposto em seu caput, porquanto a matéria não é cognoscível de ofício. [...]” (STJ, Corte Especial, REsp nº 1.008.667-PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 18/11/2009).

Prazo para comunicação da interposição do agravo“[...] 3. Ademais, como o agravante dispõe do prazo de 3 dias para comunicar o juízo acerca

da interposição do agravo de instrumento, da mesma forma deve o agravado dispor de prazo para a arguição da irregularidade contida no art. 526, parágrafo único, do CPC, sob pena de se conferir tratamento diverso às partes, em evidente prejuízo ao princípio da paridade de armas, que rege

Art. 1.018

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Sandro Marcelo Kozikoski

o ordenamento processual pátrio. [...]” (STJ, 4ª T., AgRg-REsp nº 1.092.621-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 17/5/2012).

Arguição de vício formal do recurso

“[...] 3. A prerrogativa processual do agravado (arguição e comprovação do vício formal) deve ser exercida no prazo das contrarrazões (art. 523, § 2º, do CPC), sob pena de preclusão. Prece-dentes do STJ” (STJ, 2ª T., REsp nº 834.089-RJ, Rel. Min. Hermann Benjamin, j. em 4/9/2008).

Art. 1.019 - Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:I - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;II - ordenará a intimação do agravado pessoalmente, por carta com aviso de recebimento, quando não tiver procurador constituído, ou pelo Diário da Justiça ou por carta com aviso de recebimento dirigida ao seu advogado, para que responda no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender necessária ao julgamento do recurso;III - determinará a intimação do Ministério Público, preferencialmente por meio eletrônico, quando for o caso de sua intervenção, para que se manifeste no prazo de 15 (quinze) dias.

I. Prerrogativa de negar seguimento ao agravo de instrumento (CPC, art. 932, incisos III e IV)

O relator não conhecerá de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida (CPC, art. 932, inciso III). Poderá negar provimento ao recurso que for contrário a (i) súmula do STF, do STJ ou do próprio tribunal; (ii) acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos; (iii) entendimen-to firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (CPC, art. 932, inciso IV).

Não é aceitável o provimento monocrático do agravo de instrumento antes do oferecimento de contrarrazões (CPC, art. 932, inciso V), prática relativamente comum sob a égide do CPC/1973. Porém, o Enunciado nº 81 do FPPC sugere que “por não haver prejuízo ao contraditório, é dis-pensável a oitiva do recorrido antes do provimento monocrático do recurso, quando a decisão recorrida: (a) indeferir a inicial; (b) indeferir liminarmente a justiça gratuita; ou (c) alterar limi-narmente o valor da causa”.

II. Atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou antecipação dos efeitos da tutela recursal (CPC, art. 1.019, inciso I)

O relator poderá conferir efeito suspensivo ao recurso de agravo (leia-se: “suspensão” da eficácia da decisão agravada) até pronunciamento definitivo da turma ou câmara; ou ainda an-tecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida (CPC, art. 1.019, inciso I). Vale

Art. 1.019

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Sandro Marcelo Kozikoski

dizer: presentes os pressupostos legais, o relator poderá (i) conceder efeito suspensivo ao agravo, suspendendo a eficácia da decisão agravada, ou (ii) antecipar a tutela recursal em proveito do agravante (conferindo a “tutela” que foi negada pela instância a quo).

Importante salientar que as decisões monocráticas fundadas no inciso I do art. 1.019 do CPC são impugnáveis por meio de agravo interno. O Enunciado nº 142 do FPPC prescreve que “da de-cisão monocrática do relator que concede ou nega o efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou que concede, nega, modifica ou revoga, no todo ou em parte, a tutela jurisdicional nos casos de competência originária ou recursal, cabe o recurso de agravo interno nos termos do art. 1.021 do CPC”.

III. A oitiva do agravado (CPC, art. 1.019, inciso II)

A intimação do agravado dar-se-á na pessoa de seu procurador, via Diário de Justiça ou carta com aviso de recebimento. Não havendo advogado constituído, far-se-á sua intimação pessoal via correio. A situação é comum nos casos de decisões liminares proferidas antes da citação do réu. O art. 1.019, inciso II, do CPC permite ainda que o agravado possa trazer aos autos a documenta-ção que entender conveniente, não estando limitado às cópias das peças constantes do processo. Os documentos inéditos fornecidos pelo agravado deverão ser submetidos ao crivo do contradi-tório no juízo a quo. A intimação para fins de oferecimento de resposta ao agravo deverá obser-var, quando for o caso, o disposto no art. 272, § 1º, CPC. Há que se atentar ainda para o disposto no art. 219 do CPC, o qual dispõe que “na contagem de prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis”.

IV. Intimação do Ministério Público (CPC, art. 1.019, inciso III)

A intimação do Ministério Público far-se-á nos casos em que for exigível sua atuação como fiscal da lei (CPC, art. 178).

V. Julgado

Recurso repetitivo

“1. A intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório, nos termos do art. 527, V, do CPC, [...]. 2. A dispensa do referido ato processual ocorre tão somente quando o relator nega seguimento ao agravo (art. 527, I), uma vez que essa decisão beneficia o agravado, razão pela qual conclui-se que a intimação para a apresen-tação de contrarrazões é condição de validade da decisão que causa prejuízo ao recorrente. [...] 6. Recurso especial provido, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, para que proceda à intimação do recorrente para apresentação de contrarrazões ao agravo de instrumento. Prejudicadas as demais questões suscitadas” (STJ, Corte Especial, REsp nº 1.148.296-SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 1º/9/2010).

Art. 1.020 - O relator solicitará dia para julgamento em prazo não superior a 1 (um) mês da intimação do agravado.

I. Submissão do recurso ao colegiado

O dispositivo contempla o prazo impróprio de 1 (um) mês, contado da intimação do agravado, para fins de inclusão do agravo de instrumento em pauta. No caso de intervenção do Ministério

Art. 1.020

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Sandro Marcelo Kozikoski

Público (CPC, art. 1.019, inciso III), a satisfação do prazo de 1 (um) mês restará bastante com-prometida. Portanto, superada a possibilidade de julgamento monocrático (CPC, art. 932, incisos III e IV), dar-se-á a submissão do mérito do agravo de instrumento ao órgão colegial competente (juiz natural do recurso).

II. Sustentação oral (CPC, art. 937, inciso VIII)

Nos casos de interposição de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias que ver-sem sobre tutelas provisórias de urgência ou de evidência, é facultado ao recorrente e ao recor-rido se valerem da sustentação oral durante a sessão de julgamento (CPC, art. 937, inciso VIII).

III. Julgado

Necessidade de inclusão do recurso em pauta de julgamento

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Julgamento pela Câmara. Pauta. Se o relator não usa do permissivo legal que autoriza a decisão monocrática e submete o agravo diretamente ao órgão colegiado, deve o feito ser incluído em pauta (arts. 528 e 552 do CPC). Recurso conhecido e provido” (STJ, 4ª T., REsp nº 489.642-RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 17/6/2003).

Art. 1.021 - Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.§ 1º - Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada.§ 2º - O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta.§ 3º - É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno.§ 4º - Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.§ 5º - A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no § 4º, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final.

I. Prazo para interposição do agravo interno e oferecimento de contrarrazões

O art. 1.021 do CPC deverá ser contextualizado com a regra do art. 1.070, que disciplina o prazo para interposição do agravo interno (“Art. 1.070 - É de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição de qualquer agravo, previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra de-cisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal”). Interposto o agravo interno

Art. 1.021

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dirigido ao relator, por critério de isonomia, far-se-á a intimação do agravado para manifestar-se sobre o recurso também no prazo de 15 (quinze) dias (CPC, art. 1.021, § 2º).

II. O controle das decisões monocráticas

Diante da previsão do art. 1.021 do CPC restam superadas as eventuais distinções forjadas entre o agravo interno e o agravo regimental. Quaisquer decisões monocráticas, proferidas de forma unipessoal pelo relator do caso, admitem o uso do agravo interno. As decisões com subs-trato no art. 932 do CPC desafiam o seu emprego. A competência para julgá-lo, em princípio, será do órgão colegiado ou fracionário ao qual o relator estiver vinculado.

III. Decisões monocráticas e unipessoais agraváveis

As decisões monocráticas com substrato no inciso I do art. 1.019 do CPC dão ensejo ao agravo interno. O Enunciado nº 142 do FPPC recomenda que “da decisão monocrática do relator que concede ou nega o efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou que concede, nega, modifica ou revoga, no todo ou em parte, a tutela jurisdicional nos casos de competência originária ou recursal, cabe o recurso de agravo interno nos termos do art. 1.021 do CPC”.

Oportuno consignar que o inciso II do § 13 do art. 1.037 do CPC contempla relevante hipótese de cabimento de agravo interno, derivada dos casos de requerimentos fundados no § 9º daquele dispositivo, para fins de desafetação de determinado processo submetido ao regime de julga-mento dos recursos especial e extraordinários repetitivos, permitindo a impugnação de eventual ordem monocrática de suspensão, para fins de permitir o seu prosseguimento. Nesses casos, dar-se-á o uso do agravo interno contra a decisão unipessoal que negar ou acolher o pedido de desafetação.

Atente-se ainda que o parágrafo único do art. 136 do CPC dispõe que a decisão envolvendo desconsideração da personalidade jurídica, quando praticada pelo relator, induz o cabimento do agravo interno. Quer-se acreditar, no entanto, que apenas as decisões finais, proferidas no curso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, em ações de competência originária (CPC, art. 932, inciso VI), é que desafiam o agravo interno. As decisões monocráticas, que se limitam a autorizar o seu processamento, não induzem semelhante tratamento.

IV. Requisitos de admissibilidade do agravo interno

O agravo interno está sujeito aos demais requisitos recursais de admissibilidade e às pres-crições do Regimento Interno do respectivo tribunal. Em atenção ao princípio da dialeticidade, competirá ao recorrente impugnar especificamente os fundamentos adotados pela decisão mono-crática (CPC, art. 1.021, § 1º).

V. Dever de fundamentação substancial

O § 3º do art. 1.021 do CPC trata do dever de fundamentação das decisões, competindo ao relator levar em consideração as razões e os fundamentos esposados no agravo interno, restando vedada a mera “reprodução dos fundamentos da decisão agravada” (fundamentação per relationem).

VI. Fungibilidade recursal

O § 3º do art. 1.024 do CPC, por sua vez, chancelou hipótese de fungibilidade recursal, ao dispor que “o órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorren-te para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º”. E, neste particular, o Enunciado nº 104 do FPPC reforça que “o

Art. 1.021

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Sandro Marcelo Kozikoski

princípio da fungibilidade recursal é compatível com o NCPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício”.

VII. Sanção imposta ao agravo protelatório

Atente-se que o § 4º do art. 1.021 do CPC dispõe que, “quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em deci-são fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa”. Com a aplicação da multa em questão, o § 4º do art. 1.021 do CPC assinala que a interposição de qualquer outro recurso subsequente está condicionada ao depósito prévio do seu valor, excetuando-se apenas a Fazenda Pública e o beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao término do processo. Apesar de não incluído na exceção ventilada pelo § 4º do art. 1.021, tratamento similar deve ser dispensado ao Ministério Público. A ausência de recolhimento da multa aplicada nos moldes do § 4º do art. 1.021 resultará em fato impeditivo quanto ao processamento do eventual recurso superveniente que venha a ser manejado pelo interessado.

Art. 1.021

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Teresa Arruda Alvim Wambier

Art. 1.022 - Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;III - corrigir erro material.Parágrafo único - Considera-se omissa a decisão que:I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.

AutoraTeresa Arruda Alvim Wambier

I. Âmbito de cabimentoO caput do art. 1.022, CPC/2015, esclarece a dúvida que chegou a existir à luz do CPC/1973

e diz claramente serem cabíveis embargos de declaração contra todo e qualquer pronunciamento do juiz, seja decisão interlocutória, sentença, decisão de relator, de órgão colegiado, etc. Pode-se afirmar ser recurso interponível até mesmo de pronunciamento desprovido de conteúdo relevan-temente decisório.

O legislador de 2015, assim, corrigiu imperfeição contida na redação do art. 535, inciso I, CPC/1973, que se refere tão somente à sentença ou ao acórdão, como pronunciamentos suscetí-veis de serem impugnados por meio dos embargos de declaração.

II. Interesse em recorrerSabe-se, quanto aos recursos em geral, que a noção de interesse de agir liga-se à sucumbência.

No entanto, considerando-se as características peculiares dos embargos de declaração não existe necessidade de que a decisão impugnada tenha gerado, para o recorrente, gravame ou prejuízo.

Todos aqueles a quem a decisão atinge, direta ou indiretamente, podem apresentar os em-bargos de declaração: réu, autor, assistentes simples ou litisconsorciais, o Ministério Público, etc. Com efeito, os embargos de declaração servem para revelar decisão que já deveria ter sido proferida antes. Assim, e por isso, até mesmo o vencedor tem “interesse” em que a decisão seja clara, completa e não contraditória. O interesse em recorrer, no caso dos embargos, não nasce da sucumbência.

III. Recurso de fundamentação vinculadaOs embargos de declaração são recurso de fundamentação vinculada, o que significa dizer que

só podem ser interpostos nas expressas situações previstas em lei.

O inciso I cuida das hipóteses de cabimento dos embargos quando há obscuridade ou contra-dição. Diz-se que a decisão é obscura quando não se pode compreender o conteúdo do que foi

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Teresa Arruda Alvim Wambier Art. 1.022

decidido. Há casos em que a obscuridade é tamanha, que leva à impossibilidade de obediência à ordem judicial. A obscuridade pode estar no relatório, na fundamentação ou na parte decisória propriamente dita; ou, ainda, na relação entre estes elementos.

A decisão contraditória ocorre quando há, na decisão, elementos racionalmente inconciliá-veis. A contradição, desta forma, confunde-se com a incoerência interna da decisão. Da mesma forma que a obscuridade, a contradição interna pode estar no relatório, na fundamentação, na parte decisória propriamente dita, ou, ainda, na relação entre estes elementos.

Há também contradição interna quando o conteúdo do acórdão e sua respectiva ementa são incoerentes entre si. Ainda, fala-se em contradição entre o teor dos votos proferidos e o teor do acórdão. Por outro lado, a contradição que porventura exista entre a decisão e os elementos do processo não enseja a interposição de embargos de declaração.

O inciso II trata da hipótese mais frequente de interposição dos embargos de declaração: a omissão. A omissão caracteriza-se pela falta de quaisquer elementos da sentença (relatório, fun-damentação e parte decisória propriamente dita). Pode haver omissão em apenas um dos capí-tulos da sentença. A interpretação conjunta das regras contidas no art. 489 e § 1º do art. 943, do CPC/2015, nos leva a afirmar que a ausência da ementa também é vício que enseja a interposição de embargos de declaração.

A norma expressa do CPC/2015 indica que a omissão pode dizer respeito a ponto ou questão “sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento”. Inova o CPC/2015, ao nos-so ver, de maneira muito positiva, ao acrescentar as matérias sobre as quais o juiz deveria ter-se manifestado de ofício, encerrando discussões havidas em relação ao texto do CPC/1973, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a respeito da possibilidade de o juiz conhecer de matéria de ordem pública no bojo dos embargos de declaração, ainda que não tivesse relação alguma com a matéria impugnada.

O fato de os embargos de declaração terem efeito devolutivo restrito levantou a questão a respeito de ser ou não possível o órgão julgador conhecer de uma nulidade, sem que esta tivesse sido abrangida pelos limites do efeito devolutivo do recurso de embargos de declaração. À luz do CPC/1973 isto já era possível e agora o CPC/2015 expressamente admite essa hipótese, de forma a realizar, de modo inequívoco, o princípio da economia processual.

A orientação predominante do STJ já é, hoje, no sentido de que o juiz ou o tribunal deve conhecer de matéria de ordem que não tenha sido objeto dos embargos de declaração, de ofício ou por provocação das partes (STJ, 6ª T., EDcl no AgRg no REsp nº 982.011/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, v.u., j. em 19/9/2013, DJe de 27/9/2013; STJ, 2ª T., REsp nº 1.225.624/RJ, Rel. Min. Castro Meira, v.u., j. em 18/10/2011, DJe de 3/11/2011; STJ, 5ª T., AgRg no REsp nº 1.103.473/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, v.u., j. em 14/6/2011, DJe de 28/6/2011).

Já dissemos que os vícios da obscuridade e da contradição são defeitos internos à decisão, salvo quando a hipótese for de haver contradição entre acórdão e ementa. É claro que a falta de qualquer dos elementos da sentença – relatório, fundamentação ou parte decisória propriamente dita – caracteriza-se como omissão para fins de interposição dos de declaração. Porém, no que diz com a omissão relativa às matérias sobre as quais o juiz deve se manifestar a requerimento das partes, o CPC/2015 traz norma analítica, no tocante à forma como a sentença deve ser fun-damentada.

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Teresa Arruda Alvim Wambier Art. 1.022

IV. Especificamente, sobre a omissão

Diz-se que há omissão quando o juiz deixa de manifestar-se sobre todas as alegações feitas pelas partes no curso do processo, a fim de que sejam expressamente acolhidas ou repelidas na decisão final. Evidentemente, o grande problema que envolve a figura da omissão para fins de interposição dos embargos declaratórios é o de se saber quais são estas questões relevantes.

Sabe-se que o relatório é parte integrante da fundamentação da decisão. É, em verdade, uma espécie de “pré-fundamentação”, visto que é o relatório que imprime sentido à fundamentação da decisão. Assim, sua ausência ou incompletude gera nulidade, passível de ser corrigida com a interposição dos embargos declaratórios (STJ, 3ª T., REsp nº 101.845/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, v.u., j. em 24/6/1997, DJ de 22/9/1997).

Há três espécies de vícios intrínsecos das sentenças, que, a bem da verdade, se reduzem a um só, em última análise: (i) ausência de fundamentação; (ii) deficiência de fundamentação; e, (iii) ausência de correlação entre fundamentação e decisório.

Todas as espécies se reduzem à ausência de fundamentação, vício que gera a nulidade da sentença. Esse entendimento realiza de forma plena a garantia constitucional de que as decisões judiciais devem ser motivadas.

O art. 489 do CPC/2015, que trata da fundamentação da decisão judicial, estabelece os requi-sitos essenciais da sentença. Essa norma indica como deve ser a fundamentação de uma decisão judicial, endossando a concepção que, desde há muito, temos sustentado ser correta, no sentido de que sentença inadequadamente fundamentada é sentença não fundamentada.

O § 1º do art. 489 estabelece, em seis incisos, hipóteses em que não se considera fundamen-tada qualquer decisão judicial. Diz, por exemplo, ser necessário que se expliquem os motivos pelos quais o magistrado elegeu determinada norma para incidir no caso concreto, não bastando que indique a lei. A mesma exigência apresenta-se, e de forma mais intensa, quando da aplicação de conceitos jurídicos indeterminados: deve o magistrado demonstrar o vínculo entre a norma eleita e o caso concreto. E isso se torna mais aparente justamente porque o emprego de conceitos vagos ou indeterminados enseja discussões a respeito de sua correta interpretação no contexto do caso concreto. São conceitos que não dizem respeito a objeto fácil, imediato e prontamente identificável no mundo dos fatos. Aliás, esses conceitos frequentemente aparecem na formulação de princípios jurídicos e de cláusulas gerais. As cláusulas gerais, ao lado dos princípios jurídicos e dos conceitos vagos, são elementos característicos do direito contemporâneo, que estão cada vez mais presentes nos textos das leis, são expressões cujo significado também é vago, que se consubstanciam em poros, através dos quais o direito se comunica com a realidade. Um direito que com estas feições pretende abranger a realidade que há hoje e a que está por vir, integrando um sistema aberto e flexível, desempenhando o papel de “janela aberta” para a mobilidade social e para a velocidade em que as coisas ocorrem no mundo de hoje.

São técnicas que, a rigor, devem ser mescladas com as técnicas tradicionais do nosso sistema, balanceando assim o grau de insegurança trazido pela aplicação dessas técnicas, admissível num certo grau que não resulte em convulsão social.

Essa incerteza, concretizada em decisão de conteúdo absolutamente diferente, traz a reflexão sobre qual deve ser o real alcance destas cláusulas. E nesse cenário, a qualidade da fundamen-tação da decisão judicial ganha relevo. Todas aquelas regras que descrevem como deve ser a motivação das decisões judiciais devem ser observadas, sob pena de se estar diante de situação de omissão.

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Teresa Arruda Alvim Wambier Art. 1.023

V. Erro material

O inciso III traz regra expressa do entendimento que já se consolidou à luz do CPC/1973, no sentido de ser possível a interposição dos embargos de declaração para a correção de erro ma-terial (tenha-se presente que o erro de cálculo é uma espécie de erro material) (STJ, 3ª T., EDcl no REsp nº 1.273.643/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, v.u., j. em 11/9/2013, DJe de 1°/10/2013; STJ, 2ª T., EDcl no REsp nº 1.334.533/PE, Rel. Min. Eliana Calmon, v.u., j. em 17/9/2013, DJe de 24/9/2013). Entretanto, importante que se frise, essa hipótese específica de cabimento dos declaratórios não significa automática e imediatamente que os embargos possam ter efeito mo-dificativo, indiscriminadamente (cf. trataremos com mais vagar nos comentários ao art. 1.024 do CPC/2015).

Considera-se erro material todo erro evidente, no sentido de ser facilmente verificável por qualquer homo medius, e que, obviamente, não tenha correspondido à intenção do juiz. Em ha-vendo qualquer dificuldade em demonstrar a percepção do erro, este descaracteriza-se como erro material, e como tal não pode ser corrigido por mera petição ou pela interposição de embargos de declaração.

Estabelece o parágrafo único que se considera omissa a decisão que não faz alusão à tese firmada em julgamento de casos repetitivos, ou seja – incidente de resolução de demandas repe-titivas ou recursos especial e extraordinário julgados no regime do art. 1.036 do CPC/2015 – ou em incidente de assunção de competência “aplicável” ao caso sob julgamento. Com o termo “aplicável”, o CPC/2015 faz referência à necessidade de que os precedentes sejam respeitados, dando força mais expressiva à jurisprudência consolidada nos tribunais superiores.

Ademais, é impossível deixar de perceber isso: o legislador trata a decisão judicial proferida nessas circunstâncias como regra jurídica que deve (ou não) ser “aplicada”, usada, para decidir o caso concreto. Fica evidente o reconhecimento do legislador de 2015 da força criativa da ju-risprudência.

Art. 1.023 - Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz, com indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeitam a preparo.§ 1º - Aplica-se aos embargos de declaração o art. 229.§ 2º - O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada.

I. Sobre o prazo

O prazo para interposição dos embargos declaratórios é de 5 (cinco) dias, conforme caput do art. 1.023 do CPC/2015. Os embargos não se sujeitam a preparo, uma vez que são recurso vol-tado a corrigir decisões ditas defeituosas. Ou seja, as partes têm direito à prestação jurisdicional clara, completa e não contraditória e sem erros materiais. Decisão esta que deveria ter sido pro-ferida desde o início. Portanto, não faria sentido sujeitar a interposição os embargos aclaratórios ao recolhimento de preparo.

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Teresa Arruda Alvim Wambier Art. 1.024

Dispõe o § 1º que há prazo em dobro quando se tratar de litisconsortes com diferentes procu-radores, de escritórios de advocacia distintos, salvo se de processo eletrônico se tratar.

II. Contraditório e efeito modificativo

O § 2º trata da necessidade de o magistrado proporcionar ao embargado a possibilidade de responder ao recurso, quando os embargos forem daqueles capazes de gerar alteração da deci-são. Sobre essa exigência já tinha se apercebido tanto a doutrina como a jurisprudência à luz do CPC/1973, em vigor (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1488613/PR, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 7/5/2015, DJe de 13/5/2015).

A bem da verdade, como já dissemos anteriormente, os embargos de declaração não têm vocação de gerar alteração da decisão impugnada, tendo em vista que, uma vez corrigidas as contradições, esclarecidas as obscuridades, feitas as necessárias complementações, corrigidos os erros materiais e conhecidas as matérias de ordem pública, tem-se a decisão como deveria ter sido originalmente proferida.

Desta forma, pode-se afirmar que os embargos não têm como regra o condão de modificar a decisão recorrida. Porém, em alguns casos específicos esse efeito pode estar presente quando da interposição dos aclaratórios.

III. Situações em que pode haver o efeito modificativo

Em nosso entender são três as situações em que os embargos de declaração podem ter efeito modificativo ou infringente: (i) quando o efeito modificativo for efeito secundário decorrente das hipóteses comuns de cabimento dos embargos de declaração (STJ, 3ª T., EDcl no AgRg no Ag nº 1.410.715/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, v.u., j. em 10/9/2013, DJe de 16/9/2013); (ii) quando houver correção de erro material; ou, ainda (iii) quando for o caso de decretação de nulidade absoluta, de ofício ou a requerimento das partes, formulado nos próprios embargos de-claratórios. Nestes três casos, necessariamente, deve haver contraditório, à luz da nova lei e da posição que já prevalece nos tribunais, à luz do CPC/1973.

Art. 1.024 - O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias.§ 1º - Nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente, proferindo voto, e, não havendo julgamento nessa sessão, será o recurso incluído em pauta automaticamente.§ 2º - Quando os embargos de declaração forem opostos contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal, o órgão prolator da decisão embargada decidi-los-á monocraticamente.§ 3º - O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º.§ 4º - Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar

1600

Teresa Arruda Alvim Wambier

ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração.§ 5º - Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.

I. Prazo “impróprio” para o juiz

O juiz tem o prazo (impróprio) de 5 (cinco) dias para julgar os embargos interpostos de suas decisões. As decisões que podem ser atacadas por meio de embargos de declaração são as interlo-cutórias (mesmo as que à luz do CPC/2015 ficam sem recurso autônomo), as decisões agraváveis de instrumento e as apeláveis. Também as sujeitas aos demais recursos, e mesmo aquelas de que não cabe mais recurso algum... fadadas a transitar em julgado.

II. Processamento do recurso

Conforme dispõe o § 1º, o relator apresentará os embargos em mesa, proferindo voto, na ses-são subsequente e, caso não haja julgamento, o recurso será incluído em pauta. Este parágrafo determina a competência para o julgamento dos aclaratórios que é do próprio relator.

O § 2º encerra discussões levantadas na jurisprudência atual a respeito de quando houver em-bargos de declaração da decisão do relator, este decidir monocraticamente ou levar o julgamento ao órgão colegiado. Hoje, a jurisprudência majoritária se firmou, a nosso ver, equivocadamente, no sentido de os embargos deverem ser decididos pelo órgão colegiado (STJ, 3ª T., EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no Ag nº 1270856/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva j. em 26/5/2015, DJe de 2/6/2015).

Como dissemos há pouco, o § 1º do artigo ora sob exame determina a competência do relator para julgar os embargos interpostos contra suas decisões. E os embargos são recurso que deve ser julgado pelo mesmo órgão que proferiu a decisão impugnada.

III. Embargos de declaração e agravo “regimental”

Outro problema que o CPC/2015 resolve, com o disposto no § 3º, é a tendência, a nosso ver equivocada, da jurisprudência que se formou à luz do CPC/1973 no sentido de não se considera-rem cabíveis os embargos de declaração contra decisões monocráticas proferidas pelos Tribunais Superiores (STJ, 2ª T., EDcl nos EDcl no REsp nº 1410943/SP, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 4/9/2014, DJe de 22/9/2014). Nesse sentido, por entender que só são cabíveis os aclaratórios de decisões colegiadas e, portanto, recebendo os embargos de declaração como agravo regimental, são as decisões: STF, 2ª T., EDcl no ARE nº 779.621/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., j. em 10/12/2013, DJe de 3/2/2014 e STJ, 6ª T., EDcl no REsp nº 764.303/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, v.u., j. em 19/9/2013, DJe de 27/9/2013.

Entendemos que, na verdade, o conteúdo desse dispositivo está englobado na redação do caput do art. 1.022 no sentido de que cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial. No entanto, apesar da solução encontrada pelos Tribunais Superiores em converter os embargos de declaração em agravo interno, o que corriqueiramente acontece é a não admissão do

Art. 1.024

1601

Teresa Arruda Alvim Wambier Art. 1.025

recurso por ausência de preenchimento dos requisitos próprios do agravo (impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada). Nesse cenário, andou bem o legislador de 2015 no sen-tido de conceder prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que adeque os requisitos do recurso em que se transformará.

Tendo em vista que o resultado do julgamento do acolhimento dos embargos de declaração, dispõe o § 4º, integra a decisão recorrida, quando uma das partes antes da decisão dos embargos de declaração já tiver interposto outro recurso (dito principal), a esta será assegurado o direito de modificar ou complementar suas razões, no prazo de 15 (quinze) dias, nos limites das alterações decorrentes do acolhimento dos aclaratórios.

IV. Combate à jurisprudência “defensiva”

A regra contida no § 5º tem nítida finalidade de combater tendência jurisprudencial, ao nosso ver equivocada, que se consolidou no sentido de considerar “precoce” o recurso principal inter-posto quando a parte contrária anteriormente interpôs embargos de declaração, devendo o recur-so principal, para ser conhecido, ratificado (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 621.365/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16/4/2015, DJe de 27/4/2015. A matéria, inclusive é sumulada pelo STJ: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação” (Súmula nº 418)). Porém, se quando do julgamento dos embargos de declaração estes forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, não há razão em se exigir ratificação das razões do recurso ou a sua complementação.

Art. 1.025 - Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

I. Prequestionamento “ficto”?

Esta nova regra tem por objetivo levar a efeito de modo mais visível e evidente a economia processual. Ela torna dispensável a volta do processo à instância a quo, quando houve embargos de declaração, não admitidos ou rejeitados no mérito, caso, segundo o tribunal ad quem, embar-gos devessem ter sido admitidos e providos. Neste caso, os elementos que deveriam, segundo o recorrente, integrar a decisão, pois eram imprescindíveis para a configuração da questão federal ou da questão constitucional (prequestionamento), serão considerados “fictamente” integrantes do acórdão.

À luz do direito em vigor, ocorre com frequência que a primeira ofensa à lei que dá azo à interposição de recurso especial seja justamente a não supressão da omissão por embargos de de-claração no tribunal a quo. Em seguida, no próprio recurso especial, formula o recorrente outro pedido, decorrente da ilegalidade da decisão de mérito proferida pelo segundo grau de jurisdição. Frequentemente o STJ determina o retorno dos autos ao tribunal a quo, para que este supra a omissão, ficando prejudicado o resto do recurso. Uma vez suprida a lacuna, maneja outro recurso especial, agora reiterando o pedido de correção da ilegalidade da decisão de mérito (STJ, 2ª T., AgRg no Ag nº 1113494/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. em 19/5/2009, DJe de 29/5/2009).

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O STF, a seu turno, não determina a volta do processo ao juiz a quo, tendendo a decidir no sentido de considerar suficiente a iniciativa da parte em interpor o recurso de embargos de decla-ração (O STF entende que é possível, por meio da sua Súmula nº 356, prequestionar fictamente acórdão: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”).

Esta última tendência foi prestigiada pelo legislador de 2015.

De rigor, o artigo ora comentado diz respeito principalmente à hipótese de omissão, embora possam-se configurar hipóteses em que seja possível ao Tribunal Superior ter por “corrigida” a contradição ou a obscuridade, sem determinar a volta dos autos.

A lei diz: “consideram-se incluídos”. Todavia, é claro que se trata de uma possibilidade. O órgão ad quem age como se estivesse dando provimento aos embargos, considerando que o embargante de declaração tem direito àquilo que pede, quando isso for possível, materialmente, não gerando prejuízo.

Então, por exemplo, no acórdão de segundo grau não há menção à questão de ser caso de intervenção do MP. As partes discutiram sobre este ponto, mas, no acórdão, o tribunal decidiu o mérito, sem tocar na questão. Nos embargos, pleiteia-se que o tribunal se manifeste expressa-mente sobre não se ter determinado a intimação do MP. Embargos rejeitados, tem o tribunal ad quem plenas condições de julgar o recurso especial aplicando o dispositivo ora comentado.

Nem sempre, entretanto, isso acontece.

O novo dispositivo também diz respeito a matéria fática: o art. 1.024, § 4º, menciona elementos. Hoje não mais se discute que os recursos excepcionais também se prestam para a correção da subsunção, ou seja, da adequação da solução jurídica encontrada à situação fática retratada no processo. Os Tribunais Superiores, de fato, não reveem provas: mas reveem fatos, na medida em que estejam descritos no acórdão impugnado. O encarte equivocado dos fatos no quadro normativo leva a uma solução equivocada, e isto pode ser corrigido pelos recursos excepcionais, porque se trata de quaestio iuris.

O encaixe dos fatos sob a norma, ou seja, o processo subsuntivo, consiste em matéria essen-cialmente jurídica. Se o processo de qualificação se dá de modo equivocado, tudo o que se lhe segue equivocado será.

Em outros termos, se a função do recurso especial e do recurso extraordinário é fundamental-mente a de verificar a existência de ilegalidades e inconstitucionalidades, todos os casos em que os fatos foram qualificados erradamente, tendo-se-lhes aplicado norma diferente daquela que, na verdade, deveria ser aplicada, deveriam ser reavaliados pelos tribunais superiores no bojo desses recursos.

Mas o erro ou o acerto na aplicação da lei não pode ser avaliado, se se desconhecem os fatos sobre os quais foi aplicada.

O conhecimento dos fatos sobre os quais versa a decisão pode ocorrer de dois modos. Ou se conhece dos fatos por meio da descrição que deles há na própria decisão – e é só esse o modo por meio do qual se permite levar os fatos aos tribunais superiores em recurso especial ou ex-traordinário – ou por meio da análise das provas que constam dos autos.

Julgando o recurso especial ou o recurso extraordinário, a ilegalidade ou a inconstitucionali-dade consistente na solução normativa ter sido “escolhida” equivocadamente só pode ser corrigi-da se compararem os fatos tais quais descritos na decisão sob foco com a solução normativa que

Art. 1.025

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se deu àqueles fatos naquela mesma decisão. Essa é a regra geral, com algumas peculiaridades (e que sofreu algumas “variações” de significado ao longo da história do nosso Direito).

Embora a reavaliação da subsunção seja, em si mesma, uma questão de direito, quando, para reavaliar o seu erro ou o seu acerto, precisa o tribunal obter dados que não constam expressa-mente da decisão proferida pelo órgão a quo, mas dos autos, diz-se que, “tecnicamente”, se está diante de uma questão de fato.

Essa é a razão que leva a que a parte possa, por meio dos embargos de declaração, pedir que se complete a descrição do quadro fático que ficou comprovado nos autos, para provocar em RESP ou em RE a reavaliação do processo subsuntivo. Pedindo o embargante que se coloquem fatos 1, 2 e 3 no acórdão recorrido e respondendo o tribunal a quo que a referência a estes fatos não é relevante para se avaliar o acerto da decisão, pode o Tribunal Superior, se preenchidos os demais pressupostos, considerar incluídos no acórdão os fatos 1, 2 e 3.

Art. 1.026 - Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.§ 1º - A eficácia da decisão monocrática ou colegiada poderá ser suspensa pelo respectivo juiz ou relator se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevante a fundamentação, se houver risco de dano grave ou de difícil reparação.§ 2º - Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa.§ 3º - Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final. § 4º - Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores houverem sido considerados protelatórios.

I. Ausência de efeito suspensivo

Consoante dispõe o caput do dispositivo os embargos de declaração não possuem efeito sus-pensivo. O efeito suspensivo dos embargos de declaração era um problema que, à luz do CPC em vigor, gerava acirradas discussões na doutrina com os naturais reflexos na jurisprudência dos Tribunais Superiores, agora resolvidos pelo CPC/2015.

A expressão “efeito suspensivo” é, de certo modo, equí voca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Rigorosamente, mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia.

Art. 1.026

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A ausência de efeito suspensivo dos recursos está cada vez mais presente nos Códigos de Processo Civil modernos, sendo marcada tendência a ampliarem-se as exceções à regra de que, normalmente, os recursos devem ser recebidos em ambos os efeitos. A bem da verdade, admiti-rem-se recursos sem efeito suspensivo é decorrência necessária da autoridade que se deve atribuir desde logo às decisões do Estado.

II. Flexibilização dos efeitos dos recursos

Mesmo em relação aos recursos que têm efeito suspensivo, a regra não é absoluta e a situação pode ser manipulada pelas partes. Pense-se no exemplo da apelação. O caput do art. 1.012 é inequívoco ao afirmar que a apelação terá efeito suspensivo, porém o disposto no § 1º possibilita que em algumas hipóteses algumas sentenças produzam efeito imediatamente, bem como o § 4º ressalva que, em casos de risco de dano grave ou difícil reparação, a eficácia poderá ser suspensa. Esse exemplo demonstra que as partes conseguem manipular os efeitos das decisões, de forma a fazer com que produzam efeito imediatamente (nos casos em que a lei prevê o contrário) ou deixem de produzir efeitos quando normalmente – de acordo com a literalidade da lei – produ-ziriam.

Porém o tipo de efeito suspensivo que os embargos podem ter não é equivale ao da apelação, como dissemos. Trata-se de outra espécie de efeito suspensivo. Existem recursos que realmente fazem cessar os efeitos que já ocorrem no plano dos fatos.

É o efeito que decorre da interposição do recurso somada a um pedido da parte nesse sentido e faz com que cesse a eficácia da decisão, como acontece quando da interposição de agravo de instrumento. A ineficácia decorre da decisão de provimento do agravo. Diferentemente da apela-ção, que apenas prolonga o estado de ineficácia que já existia antes da interposição do recurso.

No caso do efeito suspensivo do agravo de instrumento, caso este seja improvido, a decisão volta a produzir os efeitos que produzia antes. A decisão sujeita a apelação que tenha efeito suspensivo, só por isso já não produz efeitos; a decisão sujeita a agravo produz efeitos desde logo, que cessam se houver interposição do recurso somada a pedido expresso de cessação de efeitos, que seja deferido.

III. Interrupção da contagem dos prazos para outros recursos

Importa repisar aqui que esse efeito de cuja incidência se está cogitando nada tem que ver com a interrupção do prazo para os demais recursos, gerada pela interposição dos declaratórios: salvo no caso de inadmissibilidade dos embargos de declaração por intempestividade, os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição dos demais recursos, para ambas as partes, seja qual for seu intuito.

Isto porque a intempestividade é considerada uma causa diferenciada de inadmissibilidade do recurso, tendo em vista os critérios objetivos em que se baseia. Nos demais casos de inad-missibilidade, ainda mais quando se trata de recurso de fundamentação vinculada, a avaliação da inadmissibilidade envolve inevitável dose de subjetividade, implicando o exame, ainda que superficial, do mérito. E no caso da intempestividade, é certo que esta pode ser verificada inde-pendentemente de fatores subjetivos.

Julgados os embargos, ambas as partes terão o prazo por inteiro para interporem os demais recursos. Entretanto, isto não se aplica ao prazo que tem a parte contrária para embargar de declaração. Ou seja, para a interposição dos embargos de declaração, o prazo é comum para ambas as partes. Porém, uma vez julgados os embargos, é claro que as partes podem embargar de decla-ração, agora da nova decisão.

Art. 1.026

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No entanto, parte da doutrina e da jurisprudência adota posição mais liberal e, como a parte não pode ser prejudicada diante da dúvida objetiva, deve prevalecer sempre a interpretação que mais favoreça o recorrente.

IV. Excepcionalmente, o efeito suspensivo

O § 1º, embora empregue conceitos vagos, especifica as razões que justificariam o pedido da parte, no sentido de se atribuir efeito suspensivo aos embargos declaratórios: (i) probabilidade de provimento do recurso somada ao risco de dano grave ou de difícil reparação; ou (ii) funda-mentação relevante. O primeiro caso são justamente os pressupostos típicos das providências de natureza cautelar, e, neste ponto, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 305 e ss. do CPC/2015. Por fundamentação relevante considera-se a real impossibilidade de cumprimento da decisão, dada a gravidade do vício (omissão, contradição ou obscuridade) que a macula; outro exemplo de fundamento relevante é quando por meio dos aclaratórios a parte pleiteia a integral reforma da decisão (como consequência natural de uma das hipóteses legais de interposição do recurso ou como resultado do reconhecimento de um vício ligado à matéria de ordem pública).

V. Embargos protelatórios – multa

O § 2º cuida da hipótese dos embargos de declaração protelatórios.

O dispositivo limita o percentual da multa em 2% (dois por cento) do valor causa. A incidên-cia dessa multa independe de outras penalidades que podem ser aplicadas, como, por exemplo, a multa decorrente de litigância de má-fé.

O § 3º condiciona a interposição de qualquer outro recurso ao depósito prévio do valor da penalidade, que pode chegar a 10% (dez por cento) do valor da causa, no caso de reiteração dos embargos protelatórios. Essa regra não se aplica se a parte for beneficiária da justiça gratuita ou for a Fazenda Pública, casos em que o recolhimento do valor da multa se dará ao final.

O § 4º estabelece que, depois de dois embargos protelatórios, os terceiros serão inadmitidos, ex lege. No entanto, é discutível a constitucionalidade desta regra.

Art. 1.026

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Nelson Luiz Pinto

Art. 1.027 - Serão julgados em recurso ordinário:I - pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os habeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos tribunais superiores, quando denegatória a decisão;II - pelo Superior Tribunal de Justiça:a) os mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;b) os processos em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.§ 1º - Nos processos referidos no inciso II, alínea b, contra as decisões interlocutórias caberá agravo de instrumento dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses do art. 1.015.§ 2º - Aplica-se ao recurso ordinário o disposto nos arts. 1.013, § 3º, e 1.029, § 5º.

AutorNelson Luiz Pinto

I. Cabimento

Trata-se de recurso dirigido ao STF e ao STJ exclusivamente nas hipóteses disciplinadas, res-pectivamente, na CF, arts. 102, inciso II, e 105, inciso II, sendo que suas hipóteses de cabimento em matéria cível são reproduzidas nos arts. 1.027 e 1.028 do CPC/2015.

O inciso I deste art. 1.027 reproduz quase que integralmente a CF, art.102, inciso II, a, atri-buindo ao STF a competência recursal ordinária, sempre que se tratar de decisão denegatória de mandado de segurança (ver CF, art. 5º, incisos LXIX e LXX), habeas data (ver CF, art. 5º, inciso LXXII) ou mandado de injunção (ver CF, art. 5º, inciso LXXI), da competência originária dos Tribunais Superiores; portanto, tanto do STJ como também da justiça especializada. Militar, Trabalhista e Eleitoral, excluindo apenas a referência ao habeas corpus, por se tratar de matéria penal.

Para o STJ, o CPC/2015, art. 1.027, inciso II, reproduz exatamente o contido na CF, art. 105, inciso II, b e c, atribuindo a esse tribunal a competência recursal ordinária, sempre que se tratar de decisão denegatória de mandado de segurança (ver CF, art. 5º, incisos LXIX e LXX), da com-petência originária dos TRFs ou dos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, bem como contra as decisões finais nas causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

Trata-se, portanto, de recurso que tem como finalidade permitir um segundo grau de juris-dição em determinadas ações que são, via de regra, processadas originariamente nos tribunais,

1607

Nelson Luiz Pinto Art. 1.027

podendo ter como objetivo tanto a reforma (em caso de error in judicando) como a invalidação da decisão (em caso de error in procedendo). Funciona, pois, para as hipóteses aqui previstas, como verdadeira apelação.

Apesar de a Constituição Federal utilizar a expressão “quando denegatória a decisão”, deve-se interpretá-la no sentido amplo, sendo cabível o recurso ordinário ainda que o Mandado de Segu-rança, o habeas data ou o Mandado de Injunção seja indeferido liminarmente ou por qualquer motivo extinto sem a apreciação de mérito (ver RTJ 132/718).

Deve-se observar, no entanto, tratar-se de recurso cabível apenas para o impetrante que vê sua pretensão indeferida ou denegada pelo mérito. Essa limitação quanto a legitimidade para a impetração não gera qualquer inconstitucionalidade na medida em que, quando concedida a segurança, terá sempre a autoridade coatora ou o ente público a ela vinculado a possibilidade de requerer a suspensão da segurança ao presidente do respectivo tribunal nas hipóteses previstas no art. 15 da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009 (Lei do Mandado de Segurança).

Como já decidiu o STJ (ver RT 712/307), será cabível o recurso ordinário nas hipóteses pre-vistas na CF, art. 105, inciso II, ainda que se trate de matéria constitucional que, neste caso, será apreciada em segundo grau de jurisdição pelo STJ, e não pelo STF.

II. Agravo de instrumento

O CPC/2015, art. 1.027, § 1º, preceitua que nos processos em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no país que, segundo a CF, art. 109, inciso II, são de competência dos juízes federais de primeiro grau, caberá, contra as decisões interlocutórias, agravo de instrumento dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, se afigurar-se nas hipóteses do CPC/2015, art. 1.015.

Ou seja, causas referidas no CPC/2015, art. 1.027, inciso II, b, quando não se tratar de decisão final, mas de decisão interlocutória, será cabível o recurso de agravo (ver CPC/2015, arts. 1.027, § 1º, e 1.015), também dirigido ao STJ, que nessas hipóteses, como mencionamos, funciona como órgão de segundo grau de jurisdição, ainda que se trate de decisão proferida por juiz de primeiro grau de jurisdição, uma vez que, de acordo com o disposto na CF, art. 109, inciso II, as “causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro lado, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País” são de competência, em primeiro grau de jurisdição, dos juízes federais (STJ, 3ª T., Ag. nº 410.661-DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 1º/4/2002, p. 187).

Vale a pena lembrar que o novo diploma processual trouxe um rol de hipóteses restritas de cabimento do agravo de instrumento. Assim, salvo outra disposição expressamente prevista em lei, somente possibilitar-se-á a interposição do recurso nos casos enumerados nos incisos I a XIII do art. 1.015, ficando as demais matérias para apreciação como preliminar do recurso ordinário eventualmente interposto contra a decisão final, como ocorre com a apelação.

III. Efeito devolutivo

O recurso ordinário tem efeito devolutivo, semelhante ao da apelação, tanto na dimensão hori-zontal quanto na vertical ou, para parte da doutrina, translativo. Ou seja, tanto aquela atrelada à vontade do recorrente como aquela atinente às demais causas de pedir, aos demais fundamentos de defesa e às questões de ordem pública, sempre com obediência ao necessário contraditório, nos termos do art. 933 do CPC/2015.

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Nelson Luiz Pinto Art. 1.027

Tem sido entendido pelo STJ que o recurso em mandado de segurança tem natureza similar à apelação, devolvendo o conhecimento de toda a matéria alegada na impetração (RSTJ 94/362 e RTJ 131/115). Ainda nos termos do art. 1.008 do CPC/2015, a decisão de mérito proferida no recurso substituirá a decisão recorrida.

Deve ser observado também o que dispõe o CPC/2015, art. 1.027, § 2º, no que se refere à ob-servância do disposto no CPC/2015, art. 1.013, § 3º. Tal dispositivo prestigia a economia proces-sual e a garantia constitucional da razoável duração do processo, o que parte da doutrina chama de julgamento per saltum, prevendo a possibilidade de que no recurso interposto contra decisão que não apreciou o mérito da causa, mas que esteja em condição “madura”, há viabilidade de seu imediato julgamento de mérito pelo órgão superior, sem a necessidade do retorno da causa à instância inferior. Contrariamente, na vigência do CPC/1973, decidiu o STJ no RMS nº 35.234-SP, 17.10.2013, Rel. Min. Eliana Calmon, DJE de 24/10/2013.

IV. Efeito suspensivo

Impende destacar, de antemão, que o Código de Processo Civil de 2015 alterou a regra geral no que tange aos efeitos dos recursos. É o que se extrai do CPC/2015, art. 995, quando prevê que “os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso”.

Em outras palavras, os recursos, via de regra, são recebidos somente no efeito devolutivo.

No caso do recurso ordinário, o CPC/2015, art. 1.027, § 2º, remete ao art. 1.029, § 5º, que trata do pleito do efeito suspensivo nos recursos extraordinário e especial, possibilitando para o recurso em tela a obtenção do efeito suspensivo quando formulada por requerimento dirigido: a) ao tribunal superior respectivo, quando do período compreendido entre a interposição e a dis-tribuição do recurso, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo; b) ao relator, se já distribuído o recurso; c) ao presidente ou vice-presidente do tribunal local, no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do CPC/2015, art. 1.037 (recursos repetitivos).

V. Recurso ordinário adesivo

Entendemos ser plenamente possível, na hipótese prevista no CPC/2015, art. 1.027, inciso II, b, a interposição de recurso ordinário adesivo, semelhantemente ao que ocorre com a apela-ção, quando se tratar de sucumbência recíproca e só uma das partes venha a interpor o recurso principal, conforme já decidiu o STJ no RMS nº 12.227-SC, j. em 19/8/2003, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 13/10/2003, p. 376.

Concordam com esse entendimento José Carlos Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco e Paulo Cezar Aragão. Já em sentido contrário, Araken de Assis, citando decisão do STJ, 4ª T., no RMS nº 5.085-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 19/9/1995, DJU de 29/11/1995, p. 39596.

VI. Julgados

Súmula nº 272 do STF: “Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança” (ver também RTJ 142/472, 144/187 e 158/76).

Súmula nº 513 do STF: “A decisão que enseja a interposição de Recurso Ordinário ou Extra-ordinário não é a do Plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento do feito”.

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Nelson Luiz Pinto Art. 1.028

Cabimento também em matéria constitucional

“Se o Tribunal estadual denegou em única instância o mandado de segurança, o recurso cabível, independentemente de versar ou não matéria constitucional, é o ordinário para o STJ, de acordo com o art. 105, inciso II, b, da CF” (RTJ 146/665 e RTJ 158/976).

Desnecessidade de prequestionamento

“O prequestionamento não é requisito de admissibilidade do recurso ordinário” (STF, RT 712/307).

Cabimento do recurso ordinário contra decisão de agravo regimental

“Caso não seja provido o agravo regimental contra a decisão do relator que denegou liminar-mente a segurança, caberá recurso ordinário para o STJ” (STJ, 4ª T., RMS nº 1.164-MT, Rel. Min. Bueno de Souza, j. em 11/2/1992, deram provimento, v.u., DJU de 22/6/1992, p. 9759, 2ª col., em.; STJ, 6ª T., RMS nº 5.921-RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 4/2/1997, negaram provi-mento, v.u., DJU de 10/3/1997, p. 6000, 2ª col., em.).

Erro grosseiro

“Constitui erro grosseiro a interposição de recurso ordinário contra decisão do relator que inde-fere, liminarmente, mandado de segurança (RSTJ 73/178), cabendo, portanto, agravo regimental” (RSTJ 11/191, 32/141, 32/169, 34/176, 48/548 e 87/379; STJ, RT 699/175 e RISTJ, art. 247).

“Da decisão proferida em mandado de segurança por tribunal de segundo grau de jurisdição, em única instância, cabe recurso ordinário, constituindo erro inescusável a sua substituição por recurso especial – Inaplicabilidade do princípio da fungibilidade dos recursos” (RSTJ 75/153).

Efeito devolutivo

“O recurso ordinário devolve ao STF ou STJ, a exemplo da apelação, o conhecimento de toda a matéria impugnada, que pode abranger todas as questões suscitadas e discutidas no processo de natureza constitucional ou não, e ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro” (RTJ 131/115).

Art. 1.028 - Ao recurso mencionado no art. 1027, inciso II, alínea b, aplicam-se, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento, as disposições relativas à apelação e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.§ 1º - Na hipótese do art. 1.027, § 1º, aplicam-se as disposições relativas ao agravo de instrumento e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.§ 2º - O recurso previsto no art. 1.027, incisos I e II, alínea a, deve ser interposto perante o tribunal de origem, cabendo ao seu presidente ou vice-presidente determinar a intimação do recorrido para, em 15 (quinze) dias, apresentar as contrarrazões.§ 3º - Findo o prazo referido no § 2º, os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de admissibilidade.

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Nelson Luiz Pinto Art. 1.028

I. Requisitos de admissibilidade

Trata-se de recurso cujo juízo de admissibilidade é semelhante ao da apelação, aplicando-se o regime jurídico do referido recurso, tal como preceitua o CPC/2015, art. 1.028, caput. Assim sendo, observará todo o conjunto intrínseco e extrínseco de admissibilidade, imposto de forma genérica à apelação (legitimidade, interesse, tempestividade, preparo, etc.).

Destaca-se, no entanto, quanto a legitimidade, é que parte legítima para interpor o recurso ordinário, via de regra, somente o impetrante do writ denegado pelo tribunal de origem. Observa-se, no entanto, que, nas causas em que envolvem estado estrangeiro ou entes internacionais, de um lado, e, de outro, Municípios ou pessoa residente ou domiciliada no país, de competência dos juízes federais de primeira instância, ambas as partes serão legítimas para interposição do recurso ordinário, por força do disposto no CPC/2015, art. 1.027, inciso II, b, que não restringe o cabimento do recurso à hipótese de improcedência, como ocorre no inciso I deste mesmo artigo.

Quanto ao prazo de interposição, seguir-se-á a regra dos recursos em geral, prevista no CPC/2015, art. 1.003, § 5º, e reiterado no dispositivo específico em comento, ou seja, deve ser interposto no prazo de 15 dias, não havendo alteração em relação ao diploma processual anterior.

No que diz respeito ao preparo, aplica-se o disposto no art. 1.007 do CPC/2005, não havendo exceção à regra geral de sua exigência no recurso ordinário. Observa-se, contudo, a possibilidade de dispensa de sua realização por previsão expressa de lei ou pela concessão do benefício da gratuidade de justiça, bem como a possibilidade de sua complementação, na forma do § 4º do mencionado art. 1.007.

Em relação às alterações mais relevantes do recurso ordinário, urge informar que o juízo de admissibilidade estará, no CPC/2015, sujeito a análise somente no tribunal ad quem (STF ou STJ) e não mais atribuído ao tribunal ou ao juiz federal de origem, por força do art. 1.028, § 3º.

II. Procedimento

Trata-se de recurso que tem seu procedimento semelhante ao da apelação e vem disciplinado nos Regimentos Internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

O CPC/2015, art. 1.028, caput, determina, expressamente, que ao recurso ordinário, na hipó-tese mencionada no art. 1.027 inciso II, b, seja aplicado, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento, as regras que regulam a apelação e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Deve-se, portanto, entender, que o agravo de instrumento nas causas previstas na letra b do inciso II do art. 1.027 deverá ser interposto no prazo de 15 dias (CPC, art. 1.003, § 5º) diretamente no STJ (CPC/2015, art. 1.027, § 1º), com distribuição imediata a um ministro relator (CPC/2015, art. 1.019, caput).

Já nos MS de competência originária dos tribunais, a decisão monocrática que concede ou de-nega liminar pode ser revista pelo colegiado através de agravo interno, nos termos do art. 1.021 do CPC/2015.

Cabível, também, no julgamento do recurso ordinário no STF e no STJ, a realização de sus-tentação oral, por disposição expressa do art. 937, inciso II, do CPC/2015.

O Regimento Interno do STF não se encontra ainda adaptado às novas disposições constitu-cionais, aplicando-se ali, ainda, as antigas disposições contidas nos arts. 318 a 320, que se refe-riam à apelação cível dirigida ao STF, em matérias hoje da competência do STJ.

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Nelson Luiz Pinto

Quanto ao procedimento no STJ, o Regimento Interno deste tribunal regula o recurso ordiná-rio nos arts. 247 e 248 e o recurso de agravo de instrumento nos arts. 253 e 254.

Como já foi anteriormente referido, o recurso ordinário deverá ser interposto, também, dentro do prazo de 15 dias, seguindo assim a regra geral de prazos para os recursos em geral, prevista no art. 1.003, § 5º, do CPC/2015.

Aplicam-se, ainda, ao recurso ordinário, as regras gerais relativas “à ordem dos processos no tribunal” previstas no CPC/2015, arts. 929 e seguintes, especialmente o disposto no art. 932 com relação aos poderes do relator.

Entendemos, também, contrariamente a alguns posicionamentos em sentido diverso, que é perfeitamente aplicável ao recurso ordinário o procedimento previsto no art. 942 do CPC/2015, referente à apelação, quando a decisão do ROC for tomada por maioria de votos, na medida em que, segundo disposição dos arts. 179 e 181 do RISTJ e 147 do RISTF, em ambos os tribunais o julgamento desse recurso será tomado pela maioria absoluta do voto de três juízes, o que permite a ocorrência da divergência justificadora do procedimento de continuidade do julgamento previs-to no referido dispositivo do CPC/2015.

Em face do CPC/1973 prevalecia o entendimento do não cabimento de embargos infringentes contra decisão por maioria de votos do ROC, por falta de disposição expressa. Na medida em que o procedimento anteriormente referido não constitui um novo recurso, mas simplesmente uma continuidade do julgamento da apelação, parece-nos perfeitamente possível, em face do disposto no CPC/2015, art. 1.028, a sua aplicação no julgamento majoritário do ROC.

III. Julgados

Abertura de vistas à autoridade coatora

“Interposto recurso ordinário contra acórdão que denegou a segurança, deve-se dar vista dos autos à pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence à autoridade impetrada, sob pena de nulidade” (STJ, 5ª T., ROMS nº 5161/SP, j. em 15/9/1998).

Intempestividade

“Não se conhece de recurso ordinário em que as razões do pedido de reforma da decisão foram apresentadas fora do prazo” (STJ, 1ª T., ROMS nº 468/MT, j. em 30/10/1991).

Suspensão do prazo de interposição nas férias forenses

“O prazo de interposição do recurso ordinário constitucional suspende-se ante a superveniência das férias forenses” (STF – RTJ 145/186 e RT 691/227).

Legitimidade do MP para interposição de recurso ordinário

“O MP tem legitimidade para recorrer ordinariamente de acórdão que denega segurança em caráter originário” (STJ, 6ª T., ROMS nº 2.389-8/SP, j. em 30/8/1993).

Art. 1.028

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Heitor Vitor Mendonça Sica

Art. 1.029 - O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:I - a exposição do fato e do direito;II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;III - as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida.§ 1º - Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.§ 2º - Quando o recurso estiver fundado em dissídio jurisprudencial, é vedado ao tribunal inadmiti-lo com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção.§ 3º - O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.§ 4º - Quando, por ocasião do processamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, o presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça receber requerimento de suspensão de processos em que se discuta questão federal constitucional ou infraconstitucional, poderá, considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, estender a suspensão a todo o território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial a ser interposto.§ 5º - O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido:I - ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a interposição do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;II - ao relator, se já distribuído o recurso;III - ao presidente ou vice-presidente do tribunal local, no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037.

AutorHeitor Vitor Mendonça Sica

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Heitor Vitor Mendonça Sica Art. 1.029

I. Nota introdutória

Os recursos extraordinário e especial constituem meios de impugnação de “fundamentação vinculada”, pois permitem reexame limitado da decisão recorrida, isto é, exclusivamente com relação à regularidade da aplicação da legislação federal (constitucional e infraconstitucional, respectivamente). Daí por que são denominados também remédios de “estrito direito”. Ambos propiciam aos tribunais superiores (STF e STJ) a possibilidade de uniformizar a interpretação e aplicação do direito federal, tarefa essa conotada por manifesto interesse público, que transcende o mero interesse do recorrente na anulação ou reforma da decisão recorrida. Os principais requi-sitos de cabimento dessas modalidades recursais estão assentados na Constituição Federal (arts. 102, inciso III, e 105, inciso III, respectivamente), sobre os quais se falará adiante, ainda que nos exíguos limites destes comentários.

II. Sujeição do CPC à Constituição Federal

A exemplo do que dispunha o art. 541, caput, do CPC/1973, o art. 1.029, caput, do CPC/2015 fez bem em explicitar a ideia de que o cabimento dos recursos extraordinário e especial se sujeita à Constituição Federal, respectivamente em seus arts. 102, inciso III, e 105, inciso III. Daí se extrai que a legislação infraconstitucional não tem aptidão de ampliar ou restringir o cabimento desses recursos em relação ao que preceitua a Constituição da República. Lamentavelmente, po-rém, se veem nos últimos anos diplomas infraconstitucionais que têm obstado o acesso aos tribu-nais superiores ao arrepio do texto constitucional. O mais gritante exemplo disso é o regime dos recursos especiais repetitivos (criado pela Lei nº 11.672/2008 e mantido no CPC/2015, à luz dos arts. 1.036 a 1.041), que claramente instituem filtros para que irresignações recursais cheguem ao STJ mesmo sem previsão constitucional.

III. Órgão perante o qual se dá a interposição

A exemplo do que dispunha o art. 541, caput, do CPC/1973, no art. 1.029, caput, do CPC, os recursos extraordinário e especial continuam a ser interpostos perante a presidência ou vice-presidência do tribunal que proferiu a decisão recorrida (a definição será feita pelo respectivo regimento interno). Em se tratando do recurso especial, de fato não há alternativa ao recorrente senão dirigir a peça à presidência ou vice-presidência de Tribunal de Justiça do Estado ou de Tribunal Regional Federal. Contudo, em se tratando de recurso extraordinário, qualquer órgão que tenha decidido a causa em única ou última instância pode receber um recurso extraordinário, mesmo que não se trate de um tribunal (exemplo é o do recurso extraordinário interposto em face de decisão de turma recursal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, conforme sedimentado pelo STF no Verbete nº 640). Nesse caso, há que se reconhecer que a interposição se dará perante órgão diverso daquele indicado no dispositivo aqui comentado.

IV. Peças separadas em caso de interposição simultânea de recursos extraordinário e especial

A decisão de única ou última instância proferida por Tribunal de Justiça do Estado ou por Tribunal Regional Federal pode ser simultaneamente desafiada tanto por recurso extraordinário quanto por recurso especial, desde que haja matérias de direito federal constitucional e infra-constitucional a serem suscitadas. As nuances que decorrem desse expediente, que quebram o chamado “princípio da unirrecorribilidade das decisões”, serão objeto de atenção ao ensejo dos comentários ao art. 1.031.

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Heitor Vitor Mendonça Sica Art. 1.029

V. Conteúdo das razões recursais

Os recursos extraordinário e especial permitem ao recorrente, tal como quase todas as demais modalidades recursais, obter a invalidação ou a reforma da decisão recorrida, mediante reconhe-cimento de errores in procedendo e errores in iudicando respectivamente. Daí por que os incisos I e III do art. 1.029 coincidem com os incisos II e III do art. 1.010, que, embora constantes do capítulo relativo à apelação, aplicam-se a todos os recursos. Nesse ponto, o art. 1.029 mostra-se redundante. Por outro lado, o inciso II do dispositivo amplia o ônus argumentativo do recorrente, pois é preciso demonstrar o cabimento dos recursos excepcionais, que compreende três questões à luz da Constituição Federal: (a) que a decisão desafiada se encaixa em hipóteses do caput do art. 102, inciso III, e 105, inciso III, a depender da modalidade de recurso (isto é, decisão de úni-ca ou última instância proferida por qualquer órgão judiciário, em se tratando de recurso extraor-dinário, e decisão de única ou última instância, proferida por TJ ou TRF, no caso de especial); (b) que a matéria foi prequestionada (rectius, que a questão analisada à luz do direito federal tenha sido “decidida”, tal como exigem os já referidos arts. 102, inciso III, e 105, inciso III); e (c) que a decisão recorrida incorreu em alguns dos vícios das alíneas a a d do art. 102, inciso III, e a a c do art. 105, inciso III, respectivamente nos casos de recurso extraordinário e especial. Por fim, embora silencie o art. 1.029, é evidente a necessidade de se observar as exigências gerais que os incisos I e IV do já citado art. 1.010 impõem a todos os recursos, isto é, “os nomes e a qualifica-ção das partes” e o “pedido de nova decisão”.

VI. Recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial – breve introito

O recurso especial admite, nos termos do art. 105, inciso III, c, da Constituição Federal, que o recorrente aponte divergência entre o acórdão recorrido e decisão proferida por outro tribunal no tocante à interpretação de lei federal infraconstitucional (o recurso extraordinário não encerra essa situação em suas hipóteses de cabimento). Trata-se de mecanismo destinado a reforçar o poder do STJ na uniformização da interpretação e aplicação do direito federal infraconstitucional em todo o território nacional (função nomofilácica). A interpretação que o STJ tem dado ao art. 105, inciso III, da Constituição Federal é a de que o cabimento do recurso especial pela alínea c pressupõe a interposição, simultaneamente, pela alínea a, isto é, apontando-se a “negativa de vi-gência de lei federal” e, também, sucessivamente, divergência na aplicação das mesmas normas em julgado de outro tribunal. Com isso, afasta-se a possibilidade de o recurso especial ser inter-posto exclusivamente com fundamento na alínea c apontando-se, por exemplo, que o tribunal a quo aplicou os arts. 109 ou 114 da Constituição Federal em desacordo com o entendimento do STJ no julgamento de conflitos de competência (casos em que o STJ atua, em sede de competên-cia originária, interpretando e aplicando normas constitucionais).

VII. Recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial – requisitos formais

Para valer-se dessa hipótese de cabimento, o recorrente deve sustentar que a interpretação da lei federal dada pelo Tribunal a quo é errada, e a de outro Tribunal, certa. Considerando-se que o próprio art. 105, inciso III, c, da Constituição Federal alude a “outro tribunal”, há tempos se acha consolidado o entendimento de que é descabida a demonstração da divergência do acórdão recorrido com julgado do mesmo tribunal (Súmula nº 13/STJ). Nos termos do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015 e do art. 255 do Regimento Interno do STJ, há a necessidade de o recorrente anexar à peça recursal a(s) cópia(s) da(s) íntegra(s) do(s) julgado(s) paradigma(s), seja mediante cópia obtida junto ao próprio tribunal, seja mediante extração de “repositório oficial ou credenciado” (rectius, revista editada pelo próprio tribunal divulgando seus julgados ou revista editada por ter-

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Heitor Vitor Mendonça Sica Art. 1.029

ceiro que a credencia como tal perante o STJ), seja, finalmente, mediante referência do endereço eletrônico do portal virtual de onde o aresto foi extraído. Além disso, é preciso que o recorrente proceda ao cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão divergente, a fim de demonstrar que a situação fática retratada em ambos é similar e que, a despeito disso, as soluções dadas à luz da aplicação e interpretação do direito federal foram diferentes.

VIII. Recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial – fundamentação do juízo de admissibilidade

Alinhado ao que dispõe o art. 489, § 1º, do CPC/2015 – e à clara tendência incorporada ao novo diploma no sentido de reforçar os deveres dos órgãos judiciários em fundamentar suas decisões –, o § 2º do art. 1.029 representa um verdadeiro “puxão de orelha” no STJ, que consa-grou a péssima (e absolutamente inconstitucional) prática de não conhecer de recursos especiais fundados em divergência jurisprudencial sob o genérico (e não fundamentado) argumento de que não havia similitude fática entre o acórdão recorrido e o(s) acórdão(s) paradigma(s). Agora, o STJ não poderá mais lançar mão de decisões padronizadas (como lamentavelmente ocorria) e terá que analisar qual a situação fática examinada nos julgados confrontados pelo recorrente, apresentando motivação adequada para a hipótese de reconhecer que não há similitude. É dizer: o STJ precisará identificar no acórdão recorrido alguma circunstância fática que não se acha pre-sente no(s) julgados(s) paradigma(s) – ou vice-versa – que descaracterize a identidade entre cada fattispecie e, portanto, impeça que se dê aos casos a mesma solução.

IX. Correção de vícios

Sempre se mostrou um absurdo contrassenso que o STF e o STJ aplicassem rigor formal se-veríssimo no exame de admissibilidade de recursos extraordinários e especiais sob o pretexto de que, neles, haveria maior intensidade de interesse público na interpretação e aplicação do direito federal. Faria mais sentido o contrário: a projeção do interesse público implicaria abran-damento de rigores formais, de modo a permitir que questões jurídicas relevantes pudessem ser examinadas pelas Cortes Superiores (de modo que elas exercessem suas funções de uniformizar a interpretação e aplicação do ordenamento) sem preocupação tão manifesta com eventuais vícios formais no exercício do direito de recorrer por parte do litigante sucumbente. O art. 1.029, § 3º, abre ensejo à superação dessa contradição, ao permitir que o STF e o STJ superem vícios formais que não se considerem “graves”. Esse dispositivo deve ser lido à luz do parágrafo único do art. 932, segundo o qual “antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exi-gível”. Ou seja: mesmo que o vício seja “grave”, as Cortes Superiores devem dar ao recorrente a oportunidade de saná-lo. E se considerarem que um vício não é grave em determinada situação, deverão admitir todos os recursos que incorram no mesmo vício.

X. Relação entre recurso extraordinário e especial e o IRDR

Uma das grandes apostas do CPC/2015, o incidente de resolução de demandas repetitivas tem um verdadeiro “calcanhar de Aquiles”, isto é, o fato de ele ser cabível perante os Tribunais de Justiça ou os Tribunais Regionais Federais no tocante à análise de teses jurídicas que envolvem direito federal. Desse modo, pode-se imaginar que a mesma questão de direito federal poderia ser afetada, em IRDR, perante 27 TJs e cinco TRFs simultaneamente. Cada corte poderia unificar o entendimento na área de sua competência territorial, mas obviamente não haveria uniformidade em nível nacional, a qual só seria atingida mediante atuação dos tribunais superiores. Ciente desse problema, o CPC/2015 previu, tanto no art. 1.029, § 4º, quanto no art. 982, §§ 3º ao 5º,

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Heitor Vitor Mendonça Sica Art. 1.029

que, em havendo IRDR sobre matéria federal (constitucional ou infraconstitucional), qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III (e independentemente de sua sede ou domi-cílio coincidir com a do local em que o incidente foi instaurado), pode pedir ao STF ou ao STJ, conforme o caso, a suspensão de todos os processos (individuais ou coletivos) em território na-cional mesmo antes de as cortes de sobreposição terem sido acionadas para examinar a matéria. A suspensão vigorará até julgamento de eventual recurso extraordinário e/ou especial contra a decisão que julgar o IRDR ou até o transcurso in albis do prazo para interposição desses recursos contra a decisão que julgar o IRDR. Nesse segundo caso, não é exagero dizer, a suspensão de todos os processos no território brasileiro terá sido inteiramente em vão.

XI. Pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou especial à luz do CPC/1973

Os recursos excepcionais, historicamente, não têm aptidão de suspender a eficácia da decisão recorrida. Sob a vigência do CPC/1973, para que o recorrente obtivesse a atribuição de efeito suspensivo (ou, de forma geral, a antecipação dos efeitos da tutela recursal, incluído o impro-priamente chamado “efeito ativo”), o litigante teria opções bem limitadas. A primeira (e mais ineficiente) alternativa seria o litigante aguardar que o recurso estivesse distribuído ao relator no STF ou STJ para, com base no art. 558 do CPC/1973, pleitear a ele a providência urgente. Como, no mais das vezes, não era possível ao recorrente aguardar esse trâmite, tornou-se comum a uti-lização de medida cautelar incidental, interposta diretamente no STF e/ou no STJ para antecipar tutela quanto ao recurso extraordinário e/ou especial tão logo interpostos perante o tribunal a quo. Base legal para tanto não faltava, pois o art. 800, parágrafo único, do CPC/1973 previa que, “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”, ao passo que o art. 273, § 7º, do mesmo diploma, permitia a fungibilidade (que a doutrina cuidou corretamen-te de apontar ser de “de mão dupla”) entre tutela cautelar e tutela antecipada. Contudo, o STF pacificou, por dois verbetes de sua Súmula (nº 634 e nº 635), o entendimento de que não seria competente para “conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”, e que tal providência deveria ser, nesse momento do procedimento, pleiteada ao “Presidente do Tribunal de origem decidir”. O STJ acolheu esse entendimento, mas de forma atenuada, afastando-o em situações tidas por “excepcionais”. Pois todo esse quadro se altera profundamente à luz do CPC/2015.

XII. Pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou especial à luz do CPC/2015

Para compreensão dessas novidades, é de rigor destacar, inicialmente, que o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal a quo não faz mais o juízo de admissibilidade do recurso extra-ordinário e do recurso especial. Seu papel passou a se resumir à colheita de contrarrazões do recorrido (art. 1.030) e à análise da existência de recursos repetitivos para o fim de aplicar o sobrestamento nos termos dos arts. 1.036 e 1.037. Diante disso, dois cenários possíveis se dese-nham. No primeiro, o recurso excepcional não está submetido ao regime de recursos repetitivos. Nesse caso, o art. 1.029, § 5º, incisos I e II, atribui inequivocamente ao STF e ao STJ o poder de apreciar o pedido de tutela urgente relativa aos recursos excepcionais, por meio de uma simples petição: se o recurso ainda não houver sido atribuído a um ministro relator, a petição passará por distribuição, gerando prevenção se o recurso já houver sido distribuído, a simples petição será dirigida ao relator já designado. No segundo cenário, o recurso excepcional foi sobrestado nos termos do art. 1.037, e o pedido de tutela urgente deve ser direcionado ao presidente do tribunal local perante o qual se deu o sobrestamento.

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Heitor Vitor Mendonça Sica

XIII. Verbetes de súmula que continuam compatíveis com o CPC/2015

Súmula nº 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Trata-se de verbete que decorre da natureza constitucional do recurso extraordinário como remédio de estrito direito e, portanto, permanece compatível com o CPC/2015.

Súmula nº 280 do STF: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”.

Trata-se de verbete que decorre da estrutura federativa da República brasileira e alinhado ao entendimento de que o recurso extraordinário é mecanismo destinado a controlar, apenas, a re-gularidade da aplicação e interpretação da Carta Constitucional Federal.

Súmula nº 281 do STF: “É inadmissível Recurso Extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.

Trata-se de verbete que decorre da interpretação do art. 102, inciso III, da Constituição Fe-deral, o qual determina que o recurso extraordinário só cabe contra decisão de “única ou última instância”. Logo, se a decisão proferida na instância de origem ainda era passível de ser desa-fiada por algum outro recurso (salvo embargos de declaração, a teor do art. 1.024, §§ 4º e 5º), a interposição direta do recurso extraordinário esbarra nesse pressuposto de cabimento (não se trata propriamente de “intempestividade por prematuridade”, fenômeno inexistente sob a égide do CPC/2015).

Súmula nº 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.

O verbete se acha alinhado com o requisito imposto pela Constituição Federal tanto para o recurso extraordinário (art. 102, inciso III) quanto para o recurso especial (art. 105, inciso III) de que se voltem contra “causas decididas”, isto é, quanto a questões de direito federal (respectiva-mente constitucional e infraconstitucional) que tenham sido enfrentadas.

Súmula nº 283 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.

Não há razão para negar a subsistência desse verbete à luz do CPC/2015, cujo fundamento é o interesse recursal.

Súmula nº 356 do STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestio-namento”.

O verbete continua compatível com o sistema erigido pelo CPC/2015, pois toca ao requisito do prequestionamento que tem assento constitucional para ambos os recursos excepcionais (arts. 102, inciso III, e 105, inciso III). Contudo, ele pode ser lido com outros olhos à luz do art. 1.025 do CPC/2015, do qual se infere que o prequestionamento se considera cumprido pela simples oposição de embargos declaratórios (independentemente de terem sido eles acolhidos, para o fim de ensejar manifestação expressa do órgão prolator sobre questões de direito federal suscitadas pelo embar-gante): “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Súmula nº 399 do STF: “Não cabe recurso extraordinário, por violação de lei federal, quando a ofensa alegada for a regimento de tribunal”.

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Heitor Vitor Mendonça Sica

Trata-se de verbete que decorre da estrutura federativa da República brasileira e alinhado ao entendimento de que os recursos excepcionais são mecanismos destinados a controlar, apenas, a regularidade da aplicação e interpretação de normas federais, não se incluindo aí atos normativos infralegais.

Súmula nº 454 do STF: “Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário”.

Trata-se de verbete que decorre da natureza constitucional do recurso extraordinário como remédio de estrito direito e, portanto, permanece compatível com o CPC/2015.

Súmula nº 456 do STF: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.

O verbete está alinhado ao CPC/2015, em especial à luz do seu art. 1.034.

Súmula nº 640 do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.

As decisões proferidas pelos órgãos recursais no âmbito dos Juizados Especiais (Cíveis, Fe-derais e da Fazenda Pública) são de “última instância” e, portanto, se amoldam à hipótese de cabimento do recurso extraordinário descrita no art. 102, inciso III, da Constituição Federal.

Súmula nº 637 do STF: “Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de tribunal de justiça que defere pedido de intervenção estadual em município”.

Trata-se de entendimento assentado na ideia de que o recurso extraordinário não pode atacar atos de natureza administrativa, mas apenas jurisdicional. Não há nada no CPC/2015 que altere esse entendimento.

Súmula nº 733 do STF: “Não cabe recurso extraordinário contra decisão proferida no proces-samento de precatórios”.

Trata-se de entendimento assentado na ideia de que o recurso extraordinário não pode atacar atos de natureza administrativa, mas apenas jurisdicional. Não há nada no CPC/2015 que altere esse entendimento.

Súmula nº 735 do STF: “Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”.

Embora o verbete não se sustente à luz da Constituição Federal, não há no CPC/2015 nenhum elemento que conduza à reavaliação de seu acerto ou erro pelo STF.

Súmula nº 5 do STJ: “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”.

Trata-se de verbete que decorre da natureza constitucional do recurso especial como remédio de estrito direito e, portanto, permanece compatível com o CPC/2015.

Súmula nº 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

Trata-se de verbete que decorre da natureza constitucional do recurso especial como remédio de estrito direito e, portanto, permanece compatível com o CPC/2015.

Súmula nº 13 do STJ: “A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial”.

Art. 1.029

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Heitor Vitor Mendonça Sica

Trata-se de entendimento perfeitamente alinhado à expressão “outro tribunal” contida no art. 105, inciso III, c, da Constituição Federal.

Súmula nº 83 do STJ: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orien-tação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

Embora o verbete não se sustente à luz da Constituição Federal, não há no CPC/2015 nenhum elemento que conduza à reavaliação de seu acerto ou erro pelo STJ.

Súmula nº 86 do STJ: “Cabe recurso especial contra acórdão proferido no julgamento de agra-vo de instrumento”.

Trata-se de verbete que decorre da interpretação da expressão “causa decidida”, constante do art. 105, inciso III, da Constituição Federal, como sinônimo de “questão jurídica decidida” e não “processo decidido” (hipótese em que só se cogitaria de recurso especial contra decisão final do processo).

Súmula nº 98 do STJ: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório”.

O verbete persiste válido à luz do CPC/2015, especialmente à luz do seu art. 1.025, do qual se inferiria que o prequestionamento se consideraria cumprido pela simples oposição de embargos declaratórios (independentemente de terem sido eles acolhidos, para o fim de permitir ao prolator da decisão recorrida examinar questões de direito federal suscitadas pelo embargante).

Súmula nº 123 do STJ: “A decisão que admite, ou não, o recurso especial, deve ser fundamen-tada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais”.

O verbete subsiste, sobretudo à luz do art. 489, § 1º, do CPC/2015, em que pese seu âmbito de incidência ter se reduzido considerando-se a supressão do juízo de admissibilidade realizado perante o tribunal a quo.

Súmula nº 126 do STJ: “É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”.

Não há razão para negar a subsistência desse verbete à luz do CPC/2015, cujo fundamento é o interesse recursal.

Súmula nº 203 do STJ: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de se-gundo grau dos Juizados Especiais”.

Trata-se de verbete que decorre do texto expresso do art. 105, inciso III, da Constituição Fe-deral, o qual limita o cabimento do recurso especial contra decisões dos tribunais de justiça ou tribunais regionais federais. Os órgãos recursais no âmbito dos Juizados Especiais (Cíveis, Fe-derais e da Fazenda Pública) não podem ser considerados tribunais, pois são formados por juízes que atuem nos processos em 1º grau nos Juizados.

Súmula nº 207 do STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringen-tes contra o acórdão proferido no Tribunal de origem”.

Trata-se de verbete que decorre da interpretação do art. 105, inciso III, da Constituição Fede-ral, o qual determina que o recurso especial só cabe contra decisão de “única ou última instân-cia”. Logo, se a decisão proferida na instância de origem ainda era passível de ser desafiada por algum outro recurso (salvo embargos de declaração), a interposição direta do recurso especial

Art. 1.029

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esbarra nesse pressuposto de cabimento (não se trata propriamente de “intempestividade por prematuridade”, fenômeno inexistente sob a égide do CPC/2015).

XIV. Verbetes de súmula que restaram incompatíveis com o CPC/2015

Súmula nº 528 do STF: “Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo presidente do tribunal ‘a quo’, de recurso extraordinário que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de inter-posição de agravo de instrumento”.

Uma vez extinto o juízo de admissibilidade do recurso especial na instância de origem, desa-pareceram o recurso contra a decisão denegatória e os problemas daí emergentes.

Súmula nº 634 do STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissi-bilidade na origem”.

O art. 1.029, § 5º, passou a regular o pedido de efeito suspensivo a recurso extraordinário e especial de modo diverso.

Súmula nº 635 do STF: “Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”.

O art. 1.029, § 5º, passou a regular o pedido de efeito suspensivo a recurso extraordinário e especial de modo diverso.

Súmula nº 636 do STF: “Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio cons-titucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a nor-mas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.

Caso o STF entenda que o recurso extraordinário aponta uma “ofensa meramente reflexa” à Constituição Federal, deverá encaminhar o recurso ao STJ, nos termos do art. 1.033.

Súmula nº 727 do STF: “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos juizados especiais”.

Uma vez extinto o juízo de admissibilidade do recurso especial na instância de origem, desa-pareceram o recurso contra a decisão denegatória e os problemas daí emergentes.

Súmula nº 115 do STJ: “Na instância recursal é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”.

O verbete mostra-se incompatível com o art. 76, § 2º, inciso I, o qual prevê expressamente que os tribunais superiores devem dar ao recorrente oportunidade para sanar o vício de representação antes de não conhecerem do recurso.

Súmula nº 182 do STJ: “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especifi-camente os fundamentos da decisão agravada”.

Uma vez extinto o juízo de admissibilidade do recurso especial na instância de origem, desa-pareceram o recurso contra a decisão denegatória e os problemas daí emergentes.

Súmula nº 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.

Art. 1.029

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O verbete mostra-se incompatível com o art. 1.025 do CPC/2015, do qual se infere que o prequestionamento se considera cumprido pela simples oposição de embargos declaratórios (in-dependentemente de terem sido eles acolhidos, para o fim de ensejar manifestação expressa do órgão prolator sobre questões de direito federal suscitadas pelo embargante).

Súmula nº 315 do STJ: “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instru-mento que não admite recurso especial”.

Uma vez extinto o juízo de admissibilidade do recurso especial na instância de origem, desa-pareceram o recurso contra a decisão denegatória e os problemas daí emergentes.

Súmula nº 418 do STJ: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Esse verbete é incompatível com o teor do art. 1.024, §§ 4º e 5º.

Art. 1.030 - Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior.Parágrafo único - A remessa de que trata o caput dar-se-á independentemente de juízo de admissibilidade.

I. Fim do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial perante o órgão prolator da decisão recorrida

Trata-se de inovação que, embora alinhada ao desaparecimento do juízo de admissibilidade da apelação perante o juízo a quo, pode se mostrar potencialmente desastrosa para o STF e STJ, que não contam mais com um “filtro” antes realizado pelos tribunais locais. Caso o tribunal local se atreva a examinar algum requisito de admissibilidade do recurso estará usurpando competência do tribunal superior respectivo, o que permitiria o manejo de reclamação (art. 988, inciso I).

Art. 1.031 - Na hipótese de interposição conjunta de recurso extraordinário e recurso especial, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.§ 1º - Concluído o julgamento do recurso especial, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado.§ 2º - Se o relator do recurso especial considerar prejudicial o recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, sobrestará o julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal.§ 3º - Na hipótese do § 2º, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, rejeitar a prejudicialidade, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça para o julgamento do recurso especial.

Arts. 1.030 e 1.031

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I. Interposição conjunta de recurso extraordinário e recurso especial

O dispositivo não inova em relação ao art. 543 do CPC/1973, embora ele possa ser impacta-do indiretamente pelos arts. 1.032 e 1.033 (conforme adiante comentado). O caput estabelece que o STJ será sempre o primeiro tribunal a receber os autos. Trata-se de regra pensada em uma realidade de autos físicos, pois, em se tratando de autos digitais, os dois tribunais superiores po-deriam receber os autos simultaneamente. Essa diretriz pode eventualmente se alterar a depender da relação existente entre os dois recursos:

a) Os recursos podem ser totalmente independentes (como, por exemplo), no caso de atacarem capítulos diferentes da decisão recorrida, hipótese em que se manterá a ordem de envio dos autos (primeiramente ao STJ e, depois, ao STF).

b) Ambos os recursos podem atacar o exato mesmo capítulo decisório, mas se valendo de diferentes fundamentos independentes entre si (um infraconstitucional, outro constitucional), caso em que o provimento dado ao recurso especial bastaria para assegurar ao litigante a reforma ou anulação da decisão recorrida. Nesse cenário, aplica-se a parte final do § 1º, face à perda do objeto do recurso extraordinário.

c) Os recursos podem ter atacado capítulo decisório fundado, simultaneamente, em norma infraconstitucional e constitucional, de modo que a reforma ou anulação da decisão recorrida de-penderia do êxito de ambos. Nesse caso, a interposição de ambos os recursos é forçosa (conforme estava assentado no Verbete nº 126 da Súmula do STJ) e o improvimento do recurso especial tornará insubsistente o recurso extraordinário.

d) O recurso extraordinário pode se referir a matéria prejudicial ao recurso especial, isto é, sobre questão constitucional que, a depender de como for solucionada, impactaria a análise da matéria infraconstitucional. Nessa (rara) hipótese, o STJ encaminhará os autos ao STF (§ 2º), o qual pode recusar a existência da prejudicialidade e devolver os autos, por decisão irrecorrível (§ 3º).

Art. 1.032 - Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.Parágrafo único - Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.

I. Flexibilização do juízo de admissibilidade do recurso especial

Com a criação da dualidade de recursos excepcionais pela Constituição de 1988 e pela Lei nº 8.038/1990, o recorrente pode se ver diante de uma situação realmente insólita: ver seu recurso especial não conhecido pelo STJ em razão de versar questão constitucional e ver o recurso extra-ordinário (simultaneamente interposto) pelo STF não conhecido por se considerar que haveria, quando muito, ofensa “reflexa” à Constituição. O art. 1.032 visa resolver o mesmo problema: caso o STJ entenda que a matéria versada no recurso é constitucional, não poderá mais inadmiti-lo, e, sim, enviá-lo ao STF, não sem antes abrir ensejo para que o recorrente cumpra um dos requi-

Art. 1.032

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sitos exigíveis no recurso extraordinário, mas não no recurso especial (isto é, a demonstração da repercussão geral). O parágrafo único desse mesmo dispositivo, alinhado ao § 3º do art. 1.033, permite que o STF dê a última palavra a respeito e devolva os autos ao STJ. Por uma interpreta-ção sistemática se chegaria ao entendimento de que essa decisão é irrecorrível.

Art. 1.033 - Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

I. A “ofensa reflexa” à Constituição Federal

Na vigência do CPC/1973, o STF editou o Verbete nº 636 de sua Súmula, assim redigido: “Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”. Tratava-se de mecanismo que excluía do STF a análise de incontáveis temas que, além de regulados (ainda que de maneira completa) pela Constituição Federal, eram também tratados em sede infraconstitucional. Exemplo típico era o recurso extraordinário que alegava violação ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, interposto contra decisão desprovida de motivação adequa-da. O STF sistematicamente inadmitia recursos interpostos com essa fundamentação, sob alegação de que, em realidade, o recorrente estava a apontar violação ao art. 458, inciso II, do CPC/1973 (embora essa norma fosse muito mais lacônica que o referido dispositivo constitucional para efeito de definir o direito do litigante a uma decisão motivada). Com essa benfazeja novidade instituída pelo art. 1.033, veda-se ao STF inadmitir o recurso e impõe-se necessário que ele o remeta ao STJ. A Súmula nº 636, portanto, resta revogada. Dois problemas podem advir desse novo dispositivo: (a) já há no STJ recurso especial que versa sobre a mesma questão jurídica, mas analisada à luz da legislação infraconstitucional; nesse caso, o STJ estaria autorizado a inadmitir o recurso extraor-dinário remetido pelo STF por falta de interesse recursal; (b) o STJ entende que a matéria versada é, em realidade, constitucional; nesse caso, não seria possível aplicar o art. 1.032, pois o parágrafo único desse dispositivo deixa claro que a última palavra a respeito dessa questão é do STF e ela já foi antecipadamente dada. O STJ será, pois, obrigado a examinar o recurso.

Art. 1.034 - Admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça julgará o processo, aplicando o direito.Parágrafo único - Admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial por um fundamento, devolve-se ao tribunal superior o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do capítulo impugnado.

I. Análise do dispositivo

Numa primeira vista, o caput do dispositivo parece repetir o que restara assentado no Verbete nº 456 da Súmula do STF (“O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário,

Arts. 1.033 e 1.034

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julgará a causa, aplicando o direito à espécie”) e o que já vinha expressamente previsto no art. 257 do Regimento do STJ (“No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”). Contudo, a semelhança não é total, pois o verbete e o dispositivo regimental falam em julgamento da “causa”, ao passo que o art. 1.034 fala em julgamento do “processo”. Pode-se entender que os dispositivos são sinônimos e que nada mudou ou se pode considerar ampliado o âmbito de análise do STF e do STJ quando do julgamento do mérito dos recursos extraordinários e especiais, respectivamente. Isso porque o conceito de causa, para esses tribunais superiores, sempre foi entendido restritivamente, como “questões controvertidas de direito federal”. Aliás, justamente por isso é que o STJ pacificou o entendimento do cabimento do recurso especial contra “acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento” (Súmula nº 86), em que, via de regra, não há exame do processo como um todo, mas sim de alguma questão incidental, apenas. Considerando-se que a competência das Cortes Superiores é definida pela Constituição Federal e que os arts. 102, inciso III, e 105, inciso III, definem que elas julgarão “causas decididas”, parece adequado sustentar a primeira tese, se-gundo a qual, nesse caso, “processo” seria sinônimo de causa, sob pena de inconstitucionalidade material do dispositivo. Isso significa que o STF e o STJ, ao conhecerem do recurso extraordiná-rio e especial, respectivamente, deverão efetivamente reanalisar a questão de direito federal que lhes foi submetida e proferir nova decisão para o caso, seja anulando a decisão recorrida, seja reformando-a. É evidente aqui a conformação dos recursos excepcionais como mecanismos de judicial review (inspirados no sistema estadunidense), afastando-se do modelo dos recursos de cassação (de tradição europeia continental), em que a decisão da Corte Superior é apenas a de anular a decisão incompatível com o ordenamento jurídico e devolver o caso para rejulgamen-to. Nem por isso a questão fica livre de dúvidas, havendo diversas questões a serem analisadas, como, por exemplo, as seguintes:

a) Se o tribunal, ao conhecer o recurso especial e extraordinário, e prover o pedido de anu-lação de decisão terminativa, não pode desde logo julgar o mérito, sendo inaplicável aqui o art. 1.013, § 3º, inciso I, hipótese em que devem retornar os autos ao órgão a quo.

b) Se o tribunal conhecer o recurso especial e extraordinário, e prover o pedido de rejeição da alegação de prescrição ou decadência decretada nas instâncias de origem, não pode prosseguir no exame do mérito, sendo inaplicável aqui o art. 1.013, § 4º, hipótese em que devem retornar os autos ao órgão a quo.

c) Se o tribunal conhecer o recurso especial e extraordinário, e prover o pedido de afastamento de um fundamento de direito federal que embasou a decisão recorrida poderá examinar os demais fundamentos debatidos, desde que sejam também de direito federal e sobre eles não haja neces-sidade de produção de novas provas.

Art. 1.035 - O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.§ 1º - Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

Art. 1.035

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Heitor Vitor Mendonça Sica

§ 2º - O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal.§ 3º - Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que:I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal;II - tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos;III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal.§ 4º - O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.§ 5º - Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.§ 6º - O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento.§ 7º - Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º caberá agravo, nos termos do art. 1.042.§ 8º - Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica.§ 9º - O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.§ 10 - Não ocorrendo o julgamento no prazo de 1 (um) ano a contar do reconhecimento da repercussão geral, cessa, em todo o território nacional, a suspensão dos processos, que retomarão seu curso normal.§ 11 - A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão.

I. Breve introdução

A Emenda Constitucional nº 45/2004 instituiu a chamada “repercussão geral da questão cons-titucional”, que se revela um filtro para admissibilidade do recurso extraordinário (art. 102, § 3º, CF). Desse dispositivo se extrai que causas não revestidas de repercussão geral (conforme definidas por lei ordinária) não serão examinadas pelo STF, desde que haja pronunciamento de dois terços de seus membros (isto é, 8 dos 11 ministros) nesse sentido. Com tal quórum quali-ficado, a repercussão geral se tornou um filtro relativamente frágil e, o que é pior, em flagrante contrassenso com a possibilidade de julgamento monocrático de qualquer processo desde que

Art. 1.035

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preenchidos os requisitos legais (art. 932, incisos IV e V). Assim, pode-se afirmar que a repercus-são geral – originalmente regulamentada pela Lei nº 11.418/2007, que introduziu os arts. 543-A e 543-B no CPC – abriu ensejo para um melhor gerenciamento de recursos repetitivos. Tanto isso é verdade que essa técnica de gestão de litigiosidade repetitiva, de início assentada sobre a repercussão geral, serviu de inspiração para a criação de um mecanismo similar no STJ (por meio da Lei nº 11.672/2008), sem que aquela Corte contasse com um filtro constitucional para os recursos especiais. O CPC/2015 representa o ponto culminante dessa evolução, cujo art. 1.035 trata do requisito da repercussão geral (válido apenas para o recurso extraordinário) e cujos arts. 1.036 a 1.041 cuidam da gestão de recursos extraordinários e especiais repetitivos, com poucas distinções entre as hipóteses.

II. O que se entende por questão constitucional com repercussão geral (§§ 1º e 3º)

Os §§ 1º e 3º do art. 1.035 cuidaram de especificar o que a Constituição Federal não dispõe, isto é, o que se considera questão constitucional com “repercussão geral”. O primeiro dispositivo (§ 1º) descreve que serão “consideradas de repercussão geral” as questões “relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do pro-cesso”. Nas quatro primeiras situações, leva-se em conta a importância do caso em si; na última, identifica-se claramente a possibilidade de se gerar precedente para aplicação em casos futuros. Já o segundo dispositivo (§ 3º), no claro intuito de reforçar a eficácia de precedentes, estabelece, em seu inciso I, ser a repercussão geral inerente a recurso extraordinário que alegar que a decisão recorrida “contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal”. Por sua vez, o inciso II do mesmo § 3º, corroborando o papel do STF como Corte Suprema, preceitua que a repercussão geral também é reputada ínsita ao recurso extraordinário que ataque dois tipos de decisão, isto é, aquela proferida em incidente de solução de demandas repetitivas (conforme é também expresso no art. 987, § 1º), aquela proferida no julgamento de recursos especiais repeti-tivos (arts. 1.036 a 1.041). Por fim, o inciso III reforça o papel do STF como Corte Constitucio-nal, ao prever que se revestem de repercussão geral os recursos extraordinários contra decisão do pleno do tribunal que tenha exercido o controle de constitucionalidade difuso para o fim de decretar a inconstitucionalidade de lei ou tratado federal. Interessante notar que não se encaixa no inciso III a hipótese de o tribunal de justiça local ter exercido controle concentrado de cons-titucionalidade de norma estadual ou municipal em face da Constituição Estadual respectiva e tampouco a hipótese em que a arguição de inconstitucionalidade foi rejeitada pelo tribunal local em sede de controle difuso. Nesses casos, o recorrente terá que se sujeitar à demonstração da repercussão à luz do § 1º.

III. Ônus argumentativo do recorrente (§ 2º)

O § 2º impõe ao recorrente o ônus de demonstrar que a questão constitucional versada no seu recurso extraordinário se reveste de repercussão geral, seja nas hipóteses do § 1º do art. 1.035, seja nos casos do § 3º, não se podendo considerar esses últimos como casos de “repercussão geral presumida” (embora sejam de imediata demonstração). Quando o legislador quis dispensar o re-corrente desse ônus argumentativo, o fez expressamente (como no caso do recurso extraordinário que desafia acórdão proferido em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, ex vi do § 1º do art. 987 do CPC/2015) ou quando a repercussão geral já foi reconhecida em ao menos um outro caso igual ou no mínimo análogo (art. 323, § 2º, do Regimento Interno do STF). A falta de um capítulo na peça recursal dedicado a demonstrar a repercussão geral vem ensejando há tempos o não conhecimento do recurso extraordinário por vício formal, nos termos do art. 327 do Regimento Interno do STF, alterado pela Emenda Regimental nº 21/2007).

Art. 1.035

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IV. Procedimento (§§ 4º a 11)

Os §§ 4º ao 11 se apresentam um tanto redundantes em relação aos arts. 1.036 a 1.041, pois se ocupam de diversos aspectos do procedimento de análise da existência ou não de repercussão geral e do julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral tendo em vista o impac-to dessas duas decisões em casos futuros. Por isso mesmo é que a análise dessas questões pode ser sucinta, deixando-se o exame dos pormenores das técnicas de gerenciamento de recursos extraordinários repetitivos para os comentários aos arts. 1.036 a 1.041. O reconhecimento de ine-xistência de repercussão geral ensejará não só na inadmissão do próprio recurso extraordinário analisado, como ainda de todos os outros que versam a mesma questão jurídica (art. 1.035, § 8º). De outra parte, o reconhecimento da repercussão ensejará o sobrestamento de todos os processos individuais e coletivos pendentes em todos os graus de jurisdição baseados na mesma questão constitucional (arts. 1.035, § 5º, 1.036, §§ 1º e 5º, e 1.037, inciso II). Assim, considerando-se que a decisão que reconhece a existência ou inexistência de repercussão geral tende a atingir, de um modo ou de outro, uma pluralidade indeterminável de sujeitos, o CPC/2015 houve por bem permitir que essa decisão seja proferida em contraditório com amici curiae, observado o Regi-mento Interno do STF (a teor do art. 1.035, § 4º, do CPC/2015), bem como as regras muito mais detalhadas do art. 1.038 (que se sobrepõem às regimentais). De resto, reconhecida a repercussão geral, abre-se o prazo de um ano para julgamento do recurso afetado, sob pena de retomada do andamento dos processos sobrestados (art. 1.035, §§ 9º e 10, perfeitamente alinhados com a normativa prevista para os ambos os recursos excepcionais repetitivos, a teor do art. 1.037, §§ 4º e 5º, e para o IRDR, conforme art. 980). Por fim, também coerente com as regras aplicáveis ao regime dos dois recursos excepcionais repetitivos (art. 1.037, §§ 9º ao 13) e ao IRDR (art. 983), faculta-se ao litigante interessado, cujo processo foi sobrestado, a possibilidade de demonstrar que versa questão constitucional diversa daquela em que a repercussão geral foi reconhecida (§ 6º), desafiando-se essa decisão por agravo interno (§ 7º).

V. Análise de outros requisitos formais do recurso extraordinário

Pela leitura que se pode sistematicamente fazer do art. 1.035, é possível afirmar que só será analisada a presença da repercussão geral se o recurso preencher os demais requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade. Quanto à tempestividade, há disposição expressa (§ 6º do art. 1.035), mas se pode afirmar que a mesma lógica vale para os demais requisitos.

Art. 1.035

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Flávio Cheim Jorge

Art. 1.036 - Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. § 1º - O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.§ 2º - O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento.§ 3º - Da decisão que indeferir este requerimento caberá agravo, nos termos do art. 1.042.§ 4º - A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia.§ 5º - O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.§ 6º - Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

AutorFlávio Cheim Jorge

I. Tratamento unificado do procedimento para RE e REsp

O CPC/1973 previa procedimentos distintos para o julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos.

O art. 543-B do CPC/1973 disciplinava a apreciação da repercussão geral em recursos ex-traordinários, e o art. 543-C do CPC/1973 cuidava exclusivamente do recurso especial, sendo certo que ambos tinham como pressupostos a multiplicidade de recursos com base em idêntica controvérsia.

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Flávio Cheim Jorge Art. 1.036

O CPC/2015 unificou o procedimento tratando ambos indistintamente nos arts. 1.036 a 1.041.

II. Técnica de julgamento dos recursos excepcionais (RE e REsp)

O artigo em comento consiste, em síntese, numa técnica por intermédio da qual são escolhidos um ou mais recursos excepcionais (especial ou extraordinário), que contemplam uma idêntica controvérsia estabelecida em vários outros recursos, cujo julgamento projetará efeito vinculante na solução de todos e quaisquer recursos, bem como nas causas que tenham por fundamento essa mesma questão (ratio decidendi).

III. Objetivo dessa técnica de julgamento

Objetiva-se que, uma vez estabelecida a interpretação jurisprudencial pelo STJ ou pelo STF, todos os demais órgãos jurisdicionais fiquem vinculados a esse entendimento e decidam obri-gatoriamente as causas e os recursos de acordo com a tese jurídica firmada por esses tribunais.

Os recursos excepcionais repetitivos (RE e REsp) são espécie de um gênero criado pelo CPC/2015 intitulado “julgamento de casos repetitivos”(art. 976), que também possui como es-pécie o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, conforme expõe didaticamente o art. 828 do CPC.

Ambos têm como ponto comum o escopo de ser um instrumento processual destinado a re-solução de demandas em série, repetitivas, que tutelam o mesmo direito, isto é, que cuidam de direitos da mesma natureza e contemplam várias pessoas diante de uma mesma situação fático-jurídica.

Há semelhança entre ambos quanto à técnica adotada pelo CPC que prevê a escolha de uma “causa” ou de um “recurso” que, uma vez julgado, faz com que a interpretação dada pelo tribunal seja aplicada posteriormente a todos os processos e recursos de forma vinculada.

Por tal razão é que podem ser chamados de “recursos por amostragem”. Os recursos a serem julgados são uma “amostra” e representam a controvérsia existente em todos os demais.

IV. Multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito

Esse é o requisito específico para que a técnica em comento seja adotada pelos tribunais supe-riores. Somente há que se falar no julgamento por amostragem se houver vários recursos com fundamento em idêntica questão de direito.

É imprescindível que a questão, como diz a lei, seja idêntica, isto é, que a questão julgada pelos tribunais superiores seja exata e precisamente a mesma.

Não se presta ao julgamento por amostragem que a questão jurídica seja semelhante ou que tenha algum elemento comum com a questão de outros recursos.

A presença de qualquer feição que torne não idêntica a questão jurídica impede que a tese fixada seja aplicada aos demais recursos.

Cumpre ressaltar a importância desse requisito, pois, na forma proposta pelo legislador, os recursos que tiveram seu curso suspenso terão o seu resultado condicionado à tese firmada pelo tribunal no julgamento do recurso representativo da controvérsia.

Por isso, não sendo idêntica a questão jurídica, o Judiciário fornecerá ao jurisdicionado uma solução equivocada e injusta à pretensão deduzida em juízo.

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Flávio Cheim Jorge Art. 1.036

V. A referência aos regimentos internos dos tribunais superiores

O art. 1.036, caput, faz referência expressa ao regimento interno dos tribunais superiores, por-que neles é que são encontradas as disposições relativas à composição dos órgãos fracionários, à competência, ao funcionamento, enfim, à própria organização interna desses tribunais.

Devem os tribunais superiores, portanto, estabelecer as regras próprias para o julgamento dos recursos repetitivos, até mesmo porque possuem procedimento diverso dos demais recursos. No STJ, essa matéria, na vigência do CPC/1973, era disciplinada pela Resolução nº 8/2008.

É importante observar, todavia, que os regimentos internos não devem se contrapor à Consti-tuição Federal e tampouco ao CPC.

VI. Procedimento nos tribunais de origem

Existindo multiplicidade de recursos com idêntica controvérsia, o presidente ou vice-presi-dente do tribunal local – que pode ser os tribunais de justiça ou os tribunais regionais federais – selecionarão dois ou mais recursos representativos que sejam capazes de evidenciar adequada-mente a questão objeto da discussão.

Cabe, portanto, a esse órgão (presidência ou vice-presidência) a escolha dos recursos. A lei não impõe a quantidade de recursos escolhidos. Diz apenas que serão, no mínimo, dois.

A escolha adequada dos recursos representativos da controvérsia é tarefa fundamental para que essa técnica de julgamento funcione, pois aquele recurso deve refletir não só o exato objeto da discussão, mas também conter todos os fundamentos jurídicos que serão enfrentados pelos tribunais superiores, como se verá, com mais vagar nos comentários ao § 6º, a seguir.

Essa é apenas uma primeira etapa do procedimento de afetação que se aperfeiçoará com a decisão de afetação, proferida pelo relator, no tribunal superior (art. 1.037).

Como será visto com maior profundidade nos comentários ao art. 1.037, no tribunal de origem existe apenas a identificação da multiplicidade de recursos, a escolha dos recursos e a suspensão dos processos que tramitem no Estado ou região. Essa é uma decisão provisória que será subme-tida ao crivo do tribunal superior respectivo. Neste tribunal é que poderá ser proferida a decisão de afetação que fixará a questão a ser submetida a julgamento e determinará a suspensão de todos os processos no âmbito nacional.

VII. A suspensão provisória de todos os processos individuais e coletivos no âmbito do respectivo tribunal

Caberá ainda ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem determinar a suspensão de todos os processos, sejam individuais, sejam coletivos, que estejam submetidos à jurisdição do respectivo tribunal.

Essa decisão é bem abrangente, pois atinge não só a processos, mas também a todos os recur-sos que porventura estejam em curso naquele tribunal.

Ela deve alcançar os processos que também tramitam nos Juizados Especiais Estaduais ou Federais, conforme o caso. É importante essa observação porque, de fato, é nos juizados que se encontram em maior número os processos em série ou as chamadas demandas repetitivas. A inexistência de competência recursal em relação aos juizados não é óbice à suspensão dos pro-cessos porque a jurisdição dos tribunais superiores (STJ e STF) alcança todos os órgãos do Poder Judiciário.

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Flávio Cheim Jorge Art. 1.036

Se o relator no tribunal superior entender que não estão preenchidos os requisitos necessários para a utilização dessa técnica de julgamento determinará ao tribunal de origem que revogue a decisão de suspensão proferida (art. 1.037, § 1º).

VIII. A inadmissão do recurso sobrestado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal local

Este dispositivo autoriza que o recorrido ou qualquer terceiro interessado possa requerer ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem que profira decisão de inadmissão do recurso sobrestado por ser intempestivo.

O escopo do legislador é fazer com que o recurso sobrestado tenha sua inadmissibilidade reconhecida, com a extinção do processo, na hipótese de intempestividade. Evita-se prejuízo ao recorrido, que não pode ver o seu direito integralmente satisfeito em razão da suspensão do trâmite recursal.

Em homenagem ao contraditório, terá o recorrente 5 (cinco) dias para se manifestar e compro-var a tempestividade do seu recurso.

O acolhimento do requerimento formulado fará com que seja proferida decisão de inadmissão dos recursos especial ou extraordinário. Esse dispositivo apresenta-se como exceção à regra ge-ral do art. 1.030, parágrafo único, que diz que o tribunal (órgão a quo) local não tem competência para a admissibilidade desses recursos.

Apesar de o dispositivo referir-se à tempestividade, não encontramos óbice a que o não conhe-cimento se dê também pela ausência de qualquer outro requisito de admissibilidade.

IX. Cabimento de agravo contra a decisão que indefere o requerimento de inadmissão do recurso sobrestado

Com a promulgação do CPC/2015 foi extinto o agravo de inadmissão, antigo agravo de ins-trumento de decisão denegatória de recurso especial ou recurso extraordinário. A razão para tanto é que não há mais competência do órgão a quo (presidente ou vice-presidente do tribunal local) para fazer a admissibilidade dos recursos excepcionais. Como diz o art. 1.040, parágrafo único, os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior “independentemente de juízo de admissibilidade”.

Em seu lugar, concebeu-se o “Agravo em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário” (art. 1.042), cujo ambiente de cabimento se relaciona a decisões proferidas pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de origem em procedimento de julgamento de recursos repetitivos ou em sede de repercussão geral.

Nessa toada, prevê § 3º o cabimento desse recurso, caso o requerimento formulado de inad-missão do recurso escolhido seja indeferido. Isto é, caso seja mantido o sobrestamento, sob o fundamento de que o recurso é tempestivo, a parte pode interpor o agravo aos tribunais superio-res para obter a reforma da decisão.

Como previsto no art. 1.042, § 1º, inciso I, o recorrente deverá demonstrar a intempestividade do recurso especial ou extraordinário sobrestado.

A lei não prevê o cabimento desse agravo para a hipótese em que o requerimento de inad-missão é deferido, isto é, quando se reconhece a intempestividade e, por via de consequência, o recurso sobrestado é inadmitido.

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Flávio Cheim Jorge Art. 1.036

Apesar de ausência de previsão legal, não nos parece incorreto sugerir que o agravo também tenha cabimento, pois do contrário teremos uma decisão que causa gravíssimo prejuízo à parte e que não se submete a qualquer recurso (irrecorrível).

Se a decisão que mantém o sobrestamento do recurso especial ou extraordinário é recorrível, com muito mais razão deve caber recurso contra a decisão que não conhece desses recursos.

Uma de duas: aceita-se o recurso de agravo contra essa última decisão ou a decisão poderá ser impugnada pelo mandado de segurança contra ato judicial.

X. Compete também ao relator no tribunal superior selecionar recursos representativos da controvérsia

O § 5º atribui competência concorrente e disjuntiva ao relator do recurso no tribunal superior e ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem para selecionarem os recursos represen-tativos da controvérsia.

Significa dizer que a escolha pode ser feita por um ou pelo outro, independentemente de qual-quer sujeição.

A previsão é adequada principalmente porque demonstrou a experiência, durante a vigência do CPC/1973, que, na imensa maioria das vezes, é no STJ que se dá início à utilização dessa téc-nica. De um modo geral, no âmbito deste tribunal é que se determina a afetação do recurso para julgamento como representativo da controvérsia.

Além disso, a tendência é que essa situação se torne ainda mais acentuada, já que não mais existe a admissibilidade do recurso especial ou extraordinário nos tribunais locais. Se esses órgãos não mais farão qualquer juízo sobre os recursos, dificilmente poderão identificar a existência de múltiplos recursos com idêntica controvérsia.

Por fim, observe-se que o relator no tribunal superior poderá escolher outros recursos além daqueles apontados pelo tribunal de origem.

XI. O critério de escolha dos recursos representativos da controvérsia: abrangente dis-cussão e argumentação sobre a matéria a ser decidida

Essa técnica de julgamento por amostragem somente será útil se o recurso escolhido contiver argumentação jurídica adequada à solução da controvérsia.

Se o recurso não tiver “abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser deci-dida”, é perfeitamente possível que o acórdão que o julgue deixe de ser aplicado em outros casos, porque estes podem possuir argumentos que não foram objeto de análise e que poderiam levar a resultado diverso.

A eficácia vinculante pretendida pelo legislador passa pela necessidade de que os argumentos e fundamentos dos recursos sobrestados tenham sido objeto de expressa análise quando do julga-mento dos recursos selecionados. Daí a redação do parágrafo em referência.

Além disso, toma cuidado o legislador que indicar que o recurso escolhido seja “admissível”, pois evita-se que, após desencadeado o procedimento de julgamento, não possa o tribunal supe-rior julgar a questão controvertida, em razão da inadmissibilidade do recurso.

Assim, deve-se proceder ao exame prévio de admissibilidade do recurso escolhido.

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Flávio Cheim Jorge

Art. 1.037 - Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual:I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento;II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional;III - poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia.§ 1º - Se, após receber os recursos selecionados pelo presidente ou pelo vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, não se proceder à afetação, o relator, no tribunal superior, comunicará o fato ao presidente ou ao vice-presidente que os houver enviado, para que seja revogada a decisão de suspensão referida no art. 1.036, § 1º.§ 2º - É vedado ao órgão colegiado decidir, para os fins do art. 1.040, questão não delimitada na decisão a que se refere o inciso I do caput.§ 3º - Havendo mais de uma afetação, será prevento o relator que primeiro tiver proferido a decisão a que se refere o inciso I do caput.§ 4º - Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 (um) ano e terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.§ 5º - Não ocorrendo o julgamento no prazo de 1 (um) ano a contar da publicação da decisão de que trata o inciso I do caput, cessam automaticamente, em todo o território nacional, a afetação e a suspensão dos processos, que retomarão seu curso normal.§ 6º - Ocorrendo a hipótese do § 5º, é permitido a outro relator do respectivo tribunal superior afetar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia na forma do art. 1.036.§ 7º - Quando os recursos requisitados na forma do inciso III do caput contiverem outras questões além daquela que é objeto da afetação, caberá ao tribunal decidir esta em primeiro lugar e depois as demais, em acórdão específico para cada processo.§ 8º - As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput.§ 9º - Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.§ 10 - O requerimento a que se refere o § 9º será dirigido:I - ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau;II - ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem;

Art. 1.037

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Flávio Cheim Jorge

III - ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem;IV - ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário cujo processamento houver sido sobrestado.§ 11 - A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento a que se refere o § 9º, no prazo de 5 (cinco) dias.§ 12 - Reconhecida a distinção no caso:I - dos incisos I, II e IV do § 10, o próprio juiz ou relator dará prosseguimento ao processo;II - do inciso III do § 10, o relator comunicará a decisão ao presidente ou ao vice-presidente que houver determinado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.030, parágrafo único.§ 13 - Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá:I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau;II - agravo interno, se a decisão for de relator.

I. A decisão de afetação

Uma vez selecionados os recursos, seja pela remessa do tribunal de origem, seja pelo próprio relator, o art. 1.037 prevê que o relator proferirá a decisão de afetação.

A decisão de afetação consiste no reconhecimento de que está preenchido o requisito necessá-rio para a incidência da técnica do julgamento por amostragem, isto é, que se encontra presente a multiplicidade de recursos com idêntica controvérsia, bem como de que já se encontram sele-cionados os recursos representativos dessa controvérsia.

Essa decisão é de extrema importância pois ela é que definirá, com precisão, aquilo que será objeto de julgamento pelo tribunal superior e que deverá posteriormente ser observado em todos os demais recursos e ações.

Dada sua importância, o legislador detalhou o seu conteúdo nos incisos do art. 1.037.

II. A indicação precisa da questão jurídica

O legislador foi cuidadoso ao exigir que, antes do julgamento do recurso, seja dado conheci-mento a todos da questão que será objeto (submetida) de apreciação pelo tribunal, cuja interpre-tação vinculará os demais órgãos jurisdicionais.

Assim, na decisão de afetação, é imprescindível que o relator indique com precisão a “questão a ser submetida a julgamento”. É dessa questão que será extraída a ratio decidendi ou o funda-mento determinante.

Com esse dispositivo, dois outros são de extrema importância, quais sejam o § 2º, que diz que “é vedado ao órgão colegiado decidir, para fins do art. 1.040, questão não delimitada na decisão a que se refere o inciso I do caput” e § 7º do art. 1.037, que afirma que, se os recursos requisitados tiverem outras questões, aquela fixada na decisão de afetação será decidida em primeiro lugar e as demais em outros processos.

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III. A suspensão de todos os recursos e processos no território nacional

Após selecionados os recursos e identificada a questão que será objeto de julgamento, o re-lator poderá determinar a suspensão de todos os processos em curso, sejam individuais, sejam coletivos.

Determinará também, por óbvio, apesar de não mencionado no inciso acima, a suspensão de todos os recursos em trâmite nos tribunais superiores e nos tribunais estaduais ou federais.

A suspensão, portanto, alcançará todas as ações e recursos em trâmite no território brasileiro.

O escopo da suspensão é fazer com que seja aguardada a resolução da questão jurídica subme-tida a julgamento e que, posteriormente, seja adotado o entendimento (interpretação) dado pelos tribunais superiores.

É imprescindível que os processos suspensos contenham a mesma questão delimitada na de-cisão de afetação, de modo que cada juiz ou relator deverá analisar a causa ou recurso sob sua competência e determinar, se for o caso, a incidência da decisão de afetação.

IV. A possibilidade de participação dos tribunais na remessa de outro recurso represen-tativo da controvérsia

A escolha do recurso representativo da controvérsia é um dos pontos mais relevantes para a utilização da técnica dos recursos repetitivos, pois dele serão extraídos os fundamentos da ques-tão a ser decidida.

Quanto mais abrangentes e diversos os fundamentos, maior será o alcance da decisão a ser proferida, pois, caso uma causa contenha um fundamento não analisado pelo tribunal superior, esta causa não poderá ser alcançada pela eficácia vinculante.

Por isso, prevê-se que a escolha do recurso representativo da controvérsia pode ser feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de origem (§ 1º, art. 1.036) ou pelo relator no tribunal superior (§ 5º, art. 1.036), e quando feita por esse último, que ele possa requisitar aos presidentes ou vice-presidentes a remessa de outros recursos.

V. A escolha de recursos pelo tribunal de origem não vincula o relator no tribunal superior

O § 1º do art. 1.037 se relaciona diretamente ao § 1º do art. 1.036. Ele trata da hipótese em que o procedimento de afetação se inicia com a escolha dos recursos representativos da controvérsia pelo presidente ou vice-presidente dos tribunais de origem.

Em tais situações, quando o relator nos tribunais superiores entender que não estão presentes os requisitos para a incidência da técnica dos recursos repetitivos, deverá comunicar esse fato ao presidente ou vice-presidente do tribunal local para que revogue a decisão de suspensão dos recursos e causas no âmbito estadual ou regional.

Não preceder a afetação, como diz o texto legal, significa reconhecer que não há os requisitos legais para a incidência do julgamento dos recursos especial ou extraordinários repetitivos.

VI. A decisão de afetação fixa dos limites do julgamento pelo tribunal superior

Esse dispositivo é de suma pertinência porque revela a importância de ser fixada e delimitada precisamente a questão objeto de julgamento.

Art. 1.037

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No inciso I deste art. 1.037, se mostrou que na decisão de afetação deve o relator indicar “com precisão a questão a ser submetida a julgamento”. Também se disse que dessa questão é que será extraída a ratio decidendi (ou o fundamento determinante) que deverá nortear a solução de todos os recursos e causas sobrestados.

Não pode haver qualquer tipo de disparidade ou distinção, por menor que seja, entre a questão julgada no tribunal superior e aquela contida na causa (ou recurso) sujeita à vinculação determi-nada pelo art. 1.040.

Por isso, foi peremptório o legislador ao vedar ao tribunal que julgue questão que não foi deli-mitada na decisão de afetação. Essa vedação é correta porque todo o contraditório desenvolvido no julgamento do recurso repetitivo – inclusive com possibilidade de participação de terceiros, de audiência pública, etc. (art. 1.038) – recairá apenas sobre essa questão.

Assim, ainda que durante o julgamento note o tribunal que existe outra questão que também precisa ser julgada, não poderá assim proceder. Está vedado seu exame. Evita-se com isso a vio-lação ao contraditório.

VII. A decisão de afetação como critério definidor do relator competente

A existência de recursos em várias instâncias com idêntica questão de direito faz com que possa ser proferida a decisão de afetação por mais de um relator nos tribunais superiores.

O § 3º do art. 1.037 traz uma regra de prevenção, isto é, de fixação de competência entre juízos.

De acordo com esse dispositivo, o prevento, isto é, o competente, será aquele que proferir a decisão de afetação e delimitar a questão objeto de julgamento.

VIII. O prazo para julgamento dos recursos afetados

O dispositivo estabelece dois aspectos.

O primeiro fixa um prazo para o julgamento dos recursos afetados, isto é, aqueles representa-tivos da controvérsia e escolhidos por amostragem. Devem ser julgados no prazo máximo de um ano. Ao final desse prazo, perde eficácia a decisão de afetação e todos os recursos tem seu curso normal.

O segundo é a preferência em relação aos demais processos, com exceção aos que envolvem réu preso e os pedidos de habeas corpus.

A celeridade no trâmite processual desses recursos é relevante não só para fazer incidir sua conclusão às causas em curso, mas também porque atingem diretamente centenas de pessoas que têm suas causas sobrestadas em decorrência da decisão de afetação.

IX. O não respeito ao prazo de um ano para julgamento dos recursos afetados

Esse dispositivo estabelece a consequência advinda do não julgamento dos recursos afetados no prazo de um ano. Ultrapassado esse prazo, a afetação e a suspensão dos processos cessam automaticamente em todo o território nacional e os processos retomarão seu curso normal.

O prazo estabelecido não comporta dilação.

A redação do dispositivo em apreço não deixa qualquer margem de dúvida quanto às conse-quências imediatas do não julgamento no prazo fixado por lei. Os efeitos da decisão de afetação perdem eficácia automaticamente, e os processos retomam seu curso.

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X. A possibilidade de nova decisão de afetação

O não julgamento dos recursos afetados no prazo de um ano não impede que futuramente essa técnica de julgamento seja utilizada em relação à mesma questão jurídica.

Assim, cessando automaticamente os efeitos da decisão de afetação, caso não julgados os re-cursos afetados no prazo de um ano, poderá outro relator, do mesmo tribunal, selecionar outros recursos e afetá-los para julgamento.

Como se está diante de julgamento de causas em massa, deve haver outros recursos no tribu-nal distribuídos com relatores diferentes. Cessada a eficácia da decisão e retomando os recursos e processos seu curso, outro relator poderá utilizar essa técnica.

O que não nos parece correto é que aquele relator que deixou de julgar os recursos afetados no prazo de um ano possa selecionar outros recursos e proferir a decisão de afetação.

XI. A decisão sobre outra questão diversa daquela objeto da afetação

Como já dito, para o perfeito funcionamento do julgamento por amostragem é imprescindível que a questão jurídica submetida a julgamento seja perfeitamente identificada. A respeito dela é que se formará a ratio decidendi que vinculará todos os órgãos julgadores que possuem sobre sua competência outros recursos e causas que contenham idêntica questão.

Por isso na decisão de afetação essa questão deve ser delimitada (art. 1.037, inciso I) e é vedado ao órgão colegiado decidir questão fora do âmbito dessa delimitação (art. 1.037, § 2º).

Em sintonia com essa interpretação, prevê o CPC que outras e diferentes questões, que pos-sam existir em recursos requisitados dos tribunais de origem, não devem interferir no julgamento da questão objeto da afetação.

Essas outras questões devem ser julgadas em outro momento, por intermédio de outro acór-dão. Busca-se evitar que a sua solução, no mesmo acórdão, sugira que ela também constitui fundamento determinante e passe a ter eficácia vinculante.

XII. A intimação da decisão de suspensão do processo ou do recurso

A decisão de afetação, proferida pelo relator no tribunal superior, além da delimitação da questão jurídica, importará na suspensão de todos os recursos e processos em curso no território brasileiro.

Assim, os juízes ou relatores, ao receberem o inteiro teor da decisão de afetação deverão iden-tificar aquelas causas e recursos que contemplam a mesma questão e determinar a sua suspensão, intimando-se as partes para ciência dessa decisão.

A literalidade do dispositivo sugere essa interpretação: o juiz ou relator determina a suspensão em concreto daquele processo e intima as partes dessa decisão. Somente após a suspensão do processo ou do recurso é que podem apontar a distinção e requerer o seu prosseguimento, em conformidade com o parágrafo seguinte.

Esse procedimento destoa dos arts. 9º e 10 do CPC, pois impõe uma “decisão-surpresa” às partes, sem que elas tenham tido a oportunidade de previamente se manifestar.

De fato, impunha-se que fossem inicialmente intimadas as partes, para que somente após sua manifestação, com a demonstração ou não da distinção, pudesse ser proferida a decisão de sus-pensão.

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XIII. A técnica da distinção

A distinção (distinguishing) significa uma técnica que permite às partes demonstrarem que o seu caso, apesar de semelhante àquele que será julgado pelos tribunais superiores, apresenta particularidades ou características que o tornam diferente (distinto).

A eficácia vinculante da decisão dos tribunais superiores sobre os recursos sobrestados faz com que essa ferramenta seja um dos pontos de maior destaque do procedimento idealizado para os recursos repetitivos.

Há, de fato, grande responsabilidade das partes e dos juízes ao aferir se, em concreto, a ques-tão jurídica abordada nos recursos escolhidos por amostragem é idêntica àquela contida no re-curso e/ou processo suspensos.

A inexistência de identidade entre ambas as questões faz com que seja proferida uma decisão injusta, já que será conferida uma solução jurídica equivocada (errada) à pretensão formulada em juízo.

Para fins de se encontrar a distinção, é imprescindível a análise da decisão de afetação e, em especial, que confira em seu teor a questão jurídica e os argumentos e fundamentos que serão enfrentados para a sua solução. De outra parte, há que se fazer o mesmo em relação ao processo ou ao recurso sobrestado, isto é, que sejam identificadas a questão jurídica e os argumentos e fundamentos.

A discrepância entre um desses elementos faz com que seja imperioso o reconhecimento da distinção.

A mera identidade da questão jurídica não é suficiente para suspender os processos e recursos. A eficácia vinculante da decisão dos recursos afetados somente deve incidir nos processos que contenham os mesmos argumentos e fundamentos.

Demonstrada a distinção, as partes têm direito ao prosseguimento do processo ou do recurso.

XIV. O juízo competente para apreciar o requerimento de distinção

Buscando evitar maiores discussões, o legislador foi enfático ao identificar o competente para analisar o requerimento de distinção e determinar, se for o caso, o prosseguimento do processo ou do recurso.

Se o processo tiver sido sobrestado em primeiro grau, o competente será o próprio juiz que determinou a suspensão.

Se antes de julgar o recurso ou o processo, o relator determinar a suspensão do processo/re-curso, será ele, o relator, o competente para apreciar o requerimento de distinção.

No inciso III fala o legislador em “acórdão recorrido”, o que significa que já existe contra o acórdão proferido no tribunal local recurso especial ou recurso extraordinário. Nesse caso, ape-sar de a suspensão ter sido determinada pelo presidente ou vice-presidente, compete ao relator do acórdão recorrido analisar e decidir o requerimento de distinção.

O inciso IV acima espanca qualquer dúvida quanto à suspensão dos recursos também no âmbito dos tribunais superiores, ao contrário do que acontecia com o CPC/1973 (art. 543-C), em que o STJ entendia que não eram suspensos os recursos especiais (STJ, 2ª T., AgRg-AResp nº 438148-RS, Rel. Min. Herman Benjamim, j. em 1º/4/2014).

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XV. O contraditório antes da decisão a respeito da distinção

Em observância ao princípio do contraditório, dispõe o § 11 que a outra parte deverá ser ouvi-da sobre o requerimento de distinção. Isso se faz porque há interesse de ambas as partes quanto à desvinculação ou não do recurso.

XVI. As consequências do reconhecimento da distinção

O reconhecimento da distinção tem como consequência imediata o prosseguimento do proces-so ou do recurso outrora suspenso por força da decisão judicial que, inicialmente, entendeu pela identidade das questões jurídicas.

O dispositivo, assim, explicita esse seguimento do processo ou do recurso em conformidade com o momento processual em que a suspensão ocorreu.

A particularidade entre ambos os incisos é que como regra o prosseguimento se dá pelo pró-prio juiz ou relator que determinou a suspensão, tratando o inciso II da exceção. Nesta, a sus-pensão é feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal e o reconhecimento da distinção e a determinação de prosseguimento é de competência do relator do acordão recorrido pelo recurso especial ou extraordinário.

XVII. O cabimento de agravo contra a decisão que resolve o requerimento de distinção

A decisão que decide o requerimento de distinção é recorrível. Sua resolução atinge ambas as partes, de modo que a recorribilidade existe tanto para a decisão que a reconhece quanto para que a rejeita.

O interesse é de ambas as partes. Sua rejeição fará com que a parte que requereu a distinção tenha interesse recursal; ao passo que o seu acolhimento, fará com que a outra parte possa ter interesse recursal e pretenda a manutenção da suspensão e a aceitação da afetação.

Estando o processo em primeiro grau, o recurso cabível será o agravo de instrumento (art. 1.015, inciso XIII), a ser interposto diretamente no tribunal de origem, no prazo de 15 dias.

Caso seja decisão de relator, cabível será o agravo interno (art. 1.021) a ser interposto no tri-bunal em que se encontrava o recurso quando de sua suspensão: tribunal de origem, STJ ou STF.

Art. 1.038 - O relator poderá:I - solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno;II - fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o procedimento;III - requisitar informações aos tribunais inferiores a respeito da controvérsia e, cumprida a diligência, intimará o Ministério Público para manifestar-se.§ 1º - No caso do inciso III, os prazos respectivos são de 15 (quinze) dias, e os atos serão praticados, sempre que possível, por meio eletrônico.§ 2º - Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia

Art. 1.038

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do relatório aos demais ministros, haverá inclusão em pauta, devendo ocorrer o julgamento com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.§ 3º - O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos da tese jurídica discutida, favoráveis ou contrários.

I. O poder/dever do relator

A possibilidade de repercussão coletiva de um processo individual, isto é, a vinculação sofrida pelos inúmeros processos em curso em decorrência do resultado de apenas dois recursos, faz com que seja necessária uma ampla divulgação e efetiva participação de terceiros no julgamento.

A experiência dos recursos repetitivos durante a vigência do CPC/1973 mostra que não era comum a formulação de convite para que interessados se manifestassem ou participassem do julgamento. Tampouco era natural a própria participação de terceiros na formação do precedente.

O CPC/2015 procurou melhorar o procedimento desses recursos atribuindo poderes/deveres ao relator no seu julgamento.

II. O dever de publicidade e de aceitação da participação de terceiros

O inciso I do art. 1.038 consagra um dever do relator. Deve dar publicidade, nos sistemas próprios de informação dos respectivos tribunais, da existência de um recurso afetado para jul-gamento, bem como disponibilizar a decisão de afetação, em que se contenha a questão jurídica a ser decidida e os fundamentos e argumentos a serem apreciados.

Da mesma forma, deve permitir a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interes-ses na controvérsia. É natural que as demandas de massa ensejam a tutela de direitos de catego-rias de pessoas ou interessados. É o que acontece com demandas de interesses de consumidores, de bancos, de advogados, de pensionistas, etc.

Em tais hipóteses, as entidades que têm por finalidade a defesa de direitos correlatos àqueles deduzidos em juízo podem ingressar em juízo para auxiliar na tutela desse direito.

Trata-se da intervenção do amicus curiae, previsto expressamente no CPC/2015, no art. 138, como modalidade de intervenção de terceiros, que corresponde à “participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representação adequada”.

A participação do amicus curiae com oferecimento de memoriais, arrazoados e de sustentação oral é fundamental para a legitimidade e o contraditório da formação das decisões em julgamento de casos repetitivos.

Por isso que também no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas há previsão expressa de participação do amicus curiae.

III. A audiência pública

O inciso II contempla o poder do relator de, havendo necessidade, determinar a realização de audiência pública para ouvir depoimento de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o procedimento.

Diz-se que é um poder do relator, porque, dependendo da natureza da questão jurídica, não se faz necessária a audiência.

Art. 1.038

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Essa audiência pública não tem por finalidade ouvir as partes, mas sim permitir que sejam arguidos experts na matéria objeto de julgamento e que possam explicitar e transmitir conheci-mento científico sobre questões específicas.

As partes e os terceiros terão o direito de participar, inclusive por intermédio da formulação de perguntas e questionamentos aos depoentes.

O STF vem adotando a realização dessas audiências no controle concentrado de constitucio-nalidade, com bons resultados, de modo que foi importante a previsão desse dispositivo.

IV. A participação do Ministério PúblicoO inciso III descreve um poder do relator quanto à requisição de informações aos tribunais

de origem, vez que nem sempre há necessidade dessa providência. Todavia, consagra um dever quanto à intimação do Ministério Público.

A participação do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica (art. 176, CPC/2015), é obrigatória no julgamento de casos repetitivos. A eficácia vinculante das decisões proferidas nesse sistema impõe a presença do Ministério Público não só na guarda da obediência do proce-dimento estabelecido pelo legislador, mas, sobretudo, na efetiva participação na construção do precedente.

V. O prazo para a manifestação do Ministério Público e informaçõesPreferiu, por segurança, não deixar ao livre-arbítrio do relator a fixação de prazos para que se-

jam prestadas as informações pelos tribunais locais e para a manifestação do Ministério Público.O prazo, para tanto, será de 15 dias e, como diz o dispositivo em comento, em sintonia com o

escopo de celeridade pretendido pelo legislador, serão praticados sempre que possível por meio eletrônico.

VI. A preferência no julgamento em relação aos demais recursos e feitosA manifestação do Ministério Público é o último ato antes do julgamento do recurso. Após,

será elaborado o relatório e incluído o processo em pauta para julgamento. Repete aqui o legislador a dicção do art. 1.037, § 4º, ao estabelecer que o julgamento terá pre-

ferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

VII. A fundamentação do acórdãoO perfeito funcionamento do sistema de julgamento dos recursos repetitivos passa pelo enfrenta-

mento do maior número possível de fundamentos ou argumentos relativos à questão jurídica dedu-zidos em juízo, sejam eles favoráveis ou contrários.

A vinculação do precedente se faz pela sua ratio decidente, que contempla o reconhecimento do fundamento determinante utilizado como premissa necessária para a conclusão. Para a cons-trução da ratio decidendi é natural que fundamentos apresentados pelas partes sejam levados em consideração e que tantos outros sejam afastados por impertinentes, irrelevantes ou inaplicáveis.

A existência em outros processos de fundamentos não apreciados pelo precedente faz com que este não possa ser utilizado como motivo para decidi-los. Em especial, não poderá o precedente ter eficácia vinculante e ser capaz de condicionar a solução deles.

Daí a importância dada pelo legislador, ao ponto de impor amplo dever de fundamentação ao julgador. O descumprimento do disposto neste parágrafo autoriza a oposição de embargos de declaração, pela omissão.

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Art. 1.039 - Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada.Parágrafo único - Negada a existência de repercussão geral no recurso extraordinário afetado, serão considerados automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido sobrestado.

I. A aplicação da tese firmada aos demais recursos no próprio tribunal superior

Os arts. 1.039 e seguintes dedicam-se à aplicação da tese acolhida no acórdão paradigma às demais causas e processos.

O caput do art. 1.039 cuida das consequências no âmbito dos próprios tribunais superiores para aqueles recursos que foram sobrestados em razão da decisão de afetação proferida pelo relator.

Após o julgamento dos recursos afetados surgem duas alternativas:

(i) os recursos que se insurgirem contra acórdãos que foram proferidos no mesmo sentido do acórdão paradigma serão considerados prejudicados. Considera-se, portanto, que tais recursos carecem de interesse recursal (superveniente), de modo que devem prevalecer os acórdãos recor-ridos, pois na visão do tribunal superior julgaram a causa adequadamente;

(ii) o tribunal superior deve aplicar a tese firmada e, sendo admitidos, dar provimento aos re-cursos, reformando o acórdão recorrido e aplicando a tese firmada no acórdão paradigma.

É importante ressaltar que o art. 1.039 fala expressamente em “órgãos colegiados”, circuns-tância que afasta por completo o julgamento monocrático de aplicação da tese adotada pelo acórdão paradigma.

Esse procedimento não se confunde com a previsão do art. 932, inciso IV, b, e inciso V, b, do CPC, que permite o julgamento pelo relator, monocraticamente, com base em decisões proferi-das em julgamento de recursos repetitivos. Esta hipótese refere-se à apreciação de recursos sub-sequentes à definição da tese, ao passo que a previsão do art. 1.039 disciplina o julgamento dos recursos que, por decisão do relator, foram sobrestados até o julgamento dos recursos afetados.

Assim, julgados os recursos afetados, a solução dada aos recursos sobrestados será dada única e exclusivamente pelo órgão colegiado.

II. A inexistência de repercussão geral no recurso extraordinário afetado

O parágrafo único consagra a solução a ser dada especificamente ao recurso extraordinário afetado, quando o relator no STF decide pela inexistência de repercussão geral.

Em tal hipótese, por coerência lógica, se não há repercussão geral, os recursos sobrestados carecem desse requisito de admissibilidade recursal e, por via de consequência, deverão ser inad-mitidos (conhecidos).

Não se pode deixar de tecer um certo arremedo de crítica a esse dispositivo, já que se afigura como verdadeiro contrassenso. Se há decisão de afetação que reconheceu a existência de multi-plicidade de recursos extraordinários com fundamento em idêntica questão de direito, não pode haver dúvida de que está preenchido o requisito da repercussão geral.

Art. 1.039

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Isto é, se existem ações em massa que proporcionaram a existência de recursos extraordiná-rios em série, inegável a existência de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”.

Art. 1.040 - Publicado o acórdão paradigma:I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior;IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.§ 1º - A parte poderá desistir da ação em curso no primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sentença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia.§ 2º - Se a desistência ocorrer antes de oferecida contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência.§ 3º - A desistência apresentada nos termos do § 1º independe de consentimento do réu, ainda que apresentada contestação.

I. A aplicação da tese firmada aos recursos e processos sobrestados nos tribunais de ori-gem e em primeiro grau

O art. 1.040 traz em seus incisos as consequências advindas da prolação do acórdão para-digma para os recursos que foram sobrestados nos tribunais de origem e para os processos em primeiro grau de jurisdição. O que se requer é que o acórdão proferido nos recursos repetitivos tenham efeito vinculante em relação àqueles que foram sobrestados.

Pretende-se, pois, que os tribunais de origem e os juízes de primeiro grau adotem a ratio decidendi para a solução dos recursos e processos.

Os dispositivos a seguir revelam que, de um lado, não quis o legislador impor a eficácia vincu-lante ao acórdão paradigma, pois permite, no art. 1.041, que o acórdão divergente seja mantido, mas de outro, em vários dispositivos do CPC, prevê a obrigatoriedade de seguir esse acórdão,

Art. 1.040

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quando estipula o cabimento de reclamação (art. 988, inciso IV) e determina que os juízes e tri-bunais observem o julgamento de casos repetitivos (art. 927, inciso III).

Essa matéria é uma das mais complexas do CPC/2015, até mesmo porque as hipóteses de eficácia vinculante das decisões judiciais são tratadas exclusivamente pela Constituição Federal, como se vê no controle concentrado de constitucionalidade e na Súmula Vinculante (Emenda Constitucional nº 45/2004).

II. A aplicação da tese quando o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribu-nal superior

Se os acórdãos recorridos nos tribunais de origem coincidirem com a orientação firmada no tribunal superior, isto é, tiverem dado o mesmo entendimento à questão jurídica, o presidente ou vice-presidente do respectivo tribunal deverá negar seguimento aos recursos especiais ou extraordinário.

Trata-se, assim, de reconhecer a inexistência de interesse recursal (superveniente), em verda-deiro e inegável juízo negativo de admissibilidade. A coisa julgada recairá sobre o acórdão no âmbito daquele tribunal.

Observe-se que essa regra é uma exceção àquela prevista no art. 1.030, parágrafo único, que retira a competência do tribunal local para o exercício do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário.

Dessa decisão de inadmissibilidade, pode o recorrente interpor agravo em recurso especial ou recurso extraordinário, nos termos do art. 1.042, inciso II, do CPC.

III. A aplicação da tese quando o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior

O inciso II contempla a hipótese em que o acórdão proferido no tribunal local contrariar a orientação firmada pelo tribunal superior.

Como os tribunais não possuem competência para o julgamento dos recursos especial e ex-traordinário, a solução encontrada pelo legislador foi permitir que, mesmo após a interposição desses recursos, sejam os autos devolvidos para o órgão que proferiu o acórdão recorrido, para que ele seja “reexaminado”.

Em outras palavras, deverá o órgão julgador do tribunal de origem (Câmara, Turma, etc) exer-cer o juízo de retratação e, se assim entender, reformar o acórdão para que se ajuste ao comando do acórdão paradigma.

Esse procedimento comporta duas observações.

A primeira, de que é no mínimo estranho que após ter julgado um recurso (ou demanda de competência ordinária) e havendo um recurso a ser decidido pelo tribunal superior, seja imposto um retrocesso processual para que se permita que o órgão “rejulgue” e reforme a sua própria decisão. E mais do que isso, que o recurso interposto (extraordinário ou especial) seja simples-mente ignorado, como se ele não existisse ou fosse um nada jurídico.

A segunda é que o art. 1.041, § 1º, intitula esse reexame de “juízo de retratação” e, portanto, procura atribuir-lhe semelhança com aquele existente nas várias espécies de agravo (por exem-plo, art. 1.021, § 1º, CPC) e em algumas hipóteses na apelação (por exemplo, arts. 331 e 332, ambos do CPC).

Art. 1.040

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Existe semelhança quando se percebe que em ambos se permite que o órgão que prolatou a decisão recorrida se convença das razões do recurso interposto e, por via de consequência, mo-difique sua decisão.

Contudo, há certa diferença, porque nos recursos repetitivos não haverá propriamente análise do recurso interposto, mas sim a aceitação da tese consagrada no acórdão paradigma pelo tribu-nal superior.

E mais: quanto ao procedimento, nos recursos repetitivos, o órgão julga o recurso ou causa e o processo tem o seu curso normal, até que, tempos após, os autos retornam ao órgão para a retratação.

Não é o que ordinariamente acontece. Nos casos acima citados, interposto o recurso, a possi-bilidade de retratação é imediata, naquela fase procedimental. Não existe um retrocesso, como o previsto no dispositivo em análise.

IV. A aplicação da tese para os processos sobrestados em primeiro e segundo graus

Com o julgamento dos recursos afetados, os processos e recursos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão seu curso.

Com a fixação do entendimento dos tribunais superiores sobre a questão jurídica, o que se espera é que, extraída a ratio decidendi – aquilo que o dispositivo chama de ‘tese firmada’ – os órgãos competentes julguem os processos e os recursos seguindo essa orientação.

Em relação aos processos em curso em primeiro grau de jurisdição, é preciso observar seu estágio procedimental, pois se a instrução probatória não tiver sido concluída, será inviável a aplicação da tese firmada. O processo deverá ter o seu curso regular com a produção das provas em conformidade com os ditames legais aplicáveis ao caso.

Por outras palavras, não se pode abreviar o procedimento e proferir a sentença de imediato independentemente de seu estágio processual. A produção de provas é um direito constitucional da parte, que não pode ser mutilado porque já existe entendimento dos tribunais superiores a respeito da questão jurídica objeto daquele processo.

De outro lado, há que se ter criteriosa análise quanto ao acórdão paradigma para se verificar se ele enfrentou os mesmos e exatos fundamentos contidos nos processos em primeiro e segundo graus. Se há, nos processos que retomarão o curso, particularidades que afastam a perfeita e exa-ta identificação da questão jurídica, deverão ter seu curso sem qualquer interferência.

V. A fixação da tese e as questões relativas a prestação de serviço público objeto de con-cessão, permissão ou autorização

Existe verdadeira litigiosidade de massa quanto a serviços públicos concedidos, permitidos ou autorizados. As empresas detentoras de tais serviços figuram no topo da lista das maiores e habituais litigantes.

Espera-se que, proferida decisão pelos tribunais superiores, em recursos representativos da controvérsia, essas empresas sigam o entendimento adotado.

A referência no dispositivo passa pela comunicação à agência reguladora competente, para que fiscalize a efetiva aplicação da tese adotada, até mesmo porque o interesse público em tais serviços faz com que sejam adotadas as decisões do Poder Judiciário.

Art. 1.040

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VI. A desistência da ação para os processos suspensos

O CPC estabelece um regime diferenciado da desistência da ação para os processos que foram suspensos por força do procedimento dos recursos repetitivos.

Como cediço, a desistência da ação pode ser feita até a prolação da sentença (art. 485, § 5º), e depende do consentimento do réu se oferecida após a contestação (art. 485, § 4º).

Além disso, o autor é responsável pelo pagamento das despesas e honorários advocatícios (art. 90).

O regime diferenciado procura estimular a desistência da ação, após o surgimento da decisão proferida no recurso representativo da controvérsia.

Se, de fato, o processo antes suspenso contemplar questão idêntica, a parte poderá desistir da ação até a prolação da sentença, sem concordância da parte contrária e sem a responsabilidade pelo pagamento das custas e honorários de sucumbência.

Art. 1.041 - Mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.036, § 1º.§ 1º - Realizado o juízo de retratação, com alteração do acórdão divergente, o tribunal de origem, se for o caso, decidirá as demais questões ainda não decididas cujo enfrentamento se tornou necessário em decorrência da alteração.§ 2º - Quando ocorrer a hipótese do inciso II do caput do art. 1.040 e o recurso versar sobre outras questões, caberá ao presidente do tribunal, depois do reexame pelo órgão de origem e independentemente de ratificação do recurso ou de juízo de admissibilidade, determinar a remessa do recurso ao tribunal superior para julgamento das demais questões.

I. A manutenção do acórdão divergente pelo tribunal de origem

Com o julgamento dos recursos afetados, duas alternativas se abrem ao tribunal de origem quando nele há acórdão divergente:

(i) o órgão que prolatou o acórdão recorrido reexamina sua decisão (juízo de retratação, art. 1.040, II);

(ii) o órgão não exerce o juízo de retratação e mantém hígido o acórdão divergente, permane-cendo igualmente íntegros os recursos especiais e extraordinários contra ele interpostos.

O caput do art. 1.041 contempla essa segunda hipótese, qual seja a de que tribunal de origem mantém o acórdão recorrido que contrariou a orientação do tribunal superior.

Nesse caso, prevê esse dispositivo que os recursos que foram sobrestados (especial e/ou extraordinário) sejam remetidos pelo presidente ou vice-presidente, para julgamento.

A referência feita ao § 1º do art. 1.036 se justifica dessa forma, a saber, com a remessa dos recursos especiais e extraordinários que contenham a mesma questão de direito e que tinham sido inicialmente sobrestados.

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II. O exercício do juízo de retratação pelo tribunal de origem e o surgimento de novas questões ainda não decididas

Esse § 1º prevê hipótese diversa do caput, qual seja aquela em que o órgão prolator do acórdão recorrido (Câmara, Turma, etc.) exerce o juízo de retratação e modifica o acórdão, para se ajustar ao entendimento definido pelo STJ ou STF no recurso representativo da controvérsia.

A modificação do acórdão pode fazer com que haja necessidade de decidir outras questões apreciadas, cujo enfrentamento à época de sua prolação eram desnecessárias.

Tais circunstâncias acontecem com certa frequência, pois não é incomum a cumulação de pedidos ou de causas de pedir, em que o acolhimento de uma questão faz com que outras sejam automaticamente prejudicadas. A alteração da premissa quanto a essa questão, por exemplo, pode provocar a necessidade da análise das questões subsequentes.

Pode-se até mesmo cogitar de situações mais simples, mas necessárias, como, por exemplo, da inversão do ônus sucumbencial e a fixação de nova verba de honorários – tudo isso em razão da modificação do acórdão recorrido.

Por fim, há que se lembrar que havendo a modificação do acórdão, mediante o juízo de retrata-ção, é natural que surja para a parte anteriormente vitoriosa o interesse na interposição de recurso especial ou extraordinário.

III. O exercício do juízo de retratação pelo tribunal de origem e a modificação parcial do acórdão com o consequente interesse do recorrente

Na esteira do § 1º, o § 2º cuida da hipótese em que, após o julgamento dos recursos afetados nos tribunais superiores, o tribunal de origem, por força do juízo de retratação, modifica o acór-dão recorrido.

Estipula-se que, versando o recurso sobre outras questões, além daquela que gerou o sobres-tamento e, portanto, reexaminada, deve o presidente ou vice-presidente determinar a remessa do recurso aos tribunais superiores para o seu julgamento.

Em tal hipótese, a modificação do acórdão foi apenas parcial e não prejudicou integralmente o recurso interposto, mantendo vivo o interesse do recorrente quanto às demais questões.

Art. 1.041

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Patricia Miranda Pizzol

AutoraPatricia Miranda Pizzol

Art. 1.042 - Cabe agravo contra decisão de presidente ou de vice-presidente do tribunal que:I - indeferir pedido formulado com base no art. 1.035, § 6º, ou no art. 1.036, § 2º, de inadmissão de recurso especial ou extraordinário intempestivo;II - inadmitir, com base no art. 1.040, inciso I, recurso especial ou extraordinário sob o fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do tribunal superior;III - inadmitir recurso extraordinário, com base no art. 1.035, § 8º, ou no art. 1.039, parágrafo único, sob o fundamento de que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida.§ 1º - Sob pena de não conhecimento do agravo, incumbirá ao agravante demonstrar, de forma expressa:I - a intempestividade do recurso especial ou extraordinário sobrestado, quando o recurso fundar-se na hipótese do inciso I do caput deste artigo;II - a existência de distinção entre o caso em análise e o precedente invocado, quando a inadmissão do recurso:a) especial ou extraordinário fundar-se em entendimento firmado em julgamento de recurso repetitivo por tribunal superior;b) extraordinário fundar-se em decisão anterior do Supremo Tribunal Federal de inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida.§ 2º - A petição de agravo será dirigida ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem e independe do pagamento de custas e despesas postais.§ 3º - O agravado será intimado, de imediato, para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias.§ 4º - Após o prazo de resposta, não havendo retratação, o agravo será remetido ao tribunal superior competente.§ 5º - O agravo poderá ser julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário, assegurada, neste caso, sustentação oral, observando-se, ainda, o disposto no regimento interno do tribunal respectivo.§ 6º - Na hipótese de interposição conjunta de recursos extraordinário e especial, o agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido.§ 7º - Havendo apenas um agravo, o recurso será remetido ao tribunal competente, e, havendo interposição conjunta, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.§ 8º - Concluído o julgamento do agravo pelo Superior Tribunal de Justiça e, se for o caso, do recurso especial, independentemente de pedido, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do agravo a ele dirigido, salvo se estiver prejudicado.

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Patricia Miranda Pizzol Art. 1.042

I. Agravo contra decisão do tribunal local relativa aos recursos especial e extraordinário

O Código de Processo Civil de 2015 disciplina os recursos para os tribunais superiores (STF e STJ) nos artigos 1.027 a 1.043, sendo que os artigos 1.029 a 1.041 tratam do recurso extraor-dinário e do recurso especial.

O Código de Processo Civil de 1973 trata da matéria nos artigos 539 e seguintes, sendo que os artigos 541 a 545 cuidam dos recursos especial e extraordinário.

De acordo com o CPC/1973, o recurso (especial ou extraordinário) deve ser interposto no pra-zo de 15 dias (art. 508 do CPC), dirigido ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas (art. 541 do CPC). Interposto o recurso, a secretaria do respectivo tribunal providenciará a intimação do recorrido para oferecer contrarrazões, no prazo de 15 dias, confor-me art. 542, caput, do CPC. Decorrido o prazo, os autos deverão ser encaminhados ao presidente ou vice-presidente para, em decisão fundamentada, proceder ao juízo de admissibilidade (art. 542, § 1º). Presentes os pressupostos legais, o recurso será recebido no efeito devolutivo (art. 542, § 2º), podendo ser requerida a execução provisória (arts. 497 e 475-O, ambos do CPC). De-verá o presidente ou o vice-presidente, após, encaminhá-lo ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, conforme o caso. Não admitido o recurso, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 dias, para o STJ (art. 544 do CPC). Da decisão do relator proferida no agra-vo ou no próprio REsp ou RE cabe agravo interno em cinco dias (art. 545 do CPC).

No CPC/2015, assim como ocorre no CPC/1973, o RE e o REsp são protocolados no tribunal de origem, mas não cabe a este, no novo regime, a análise da admissibilidade dos recursos. As-sim, interpostos os recursos no tribunal de origem e viabilizado o contraditório pelo recorrido, os recursos são enviados aos tribunais superiores para que seja exercido o juízo de admissibilidade e, se admitidos os recursos, o juízo de mérito.

Importante lembrar que, como o juízo de admissibilidade é feito pelo relator no tribunal su-perior, caso ele não seja admitido, cabe o recurso de agravo interno previsto no art. 1.021, o que implica afirmar que não há mais o recurso de agravo contra decisão denegatória de RE ou REsp previsto no art. 544 do CPC/1973.

Assim, o recurso de agravo ora analisado, previsto no art. 1.042 do CPC/2015, não se con-funde com o referido recurso de agravo existente no CPC/1973 (art. 544), salvo pelo fato de que ambos dizem respeito a decisões proferidas pelo tribunal local no âmbito dos recursos especial e extraordinário.

Também não se confunde com o agravo previsto no art. 545 do CPC/1973, que trata do recurso contra a decisão do relator no STJ ou no STF que julga o agravo da decisão denegatória (profe-rida pelo presidente ou vice-presidente do tribunal local) ou o próprio REsp ou RE.

O agravo previsto no art. 1.042 do CPC/2015 é, portanto, um recurso novo, não existente no regime anterior.

II. Cabimento do agravo contra decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal

Conforme previsto nos incisos I, II e III do referido artigo, cabe tal recurso nas seguintes hipóteses: a) decisão que indeferir pedido de inadmissão de recurso especial ou extraordinário intempestivo; b) decisão que inadmitir recurso especial ou extraordinário sob o fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do tribunal superior; c) decisão que inadmitir recurso extraordinário sob o fundamento de que o STF reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida.

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Patricia Miranda Pizzol Art. 1.042

No primeiro caso o agravante terá que demonstrar de forma expressa a intempestividade do REsp ou do RE e, nos demais casos, a existência de distinção entre o caso em análise e o prece-dente invocado.

De acordo com o art. 1.035 do CPC/2015, o STF não conhecerá de RE quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral. Nos termos do § 6º do referido artigo, pode o interessado requerer ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o RE que tenha sido interposto intempestivamente. Caso o julgador negue tal requerimento, caberá o recurso de agravo em RE (§ 7º).

A mesma situação pode ocorrer na hipótese de julgamento de recursos extraordinários e es-peciais repetitivos. Conforme art. 1.036 do CPC/2015, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com a tese firmada no respectivo tribunal, devendo todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou região, ser suspen-sos. Em conformidade com o § 2º do referido artigo, pode o interessado requerer, ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente. Se o julgador indeferir tal requerimento, caberá agravo em REsp (§ 3º).

O inciso II do art. 1.042 trata também de recurso especial ou extraordinário julgado no sis-tema dos recursos repetitivos. Prevê o art. 1.040, inciso I, que, publicado o acórdão-paradigma, o presidente ou vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior. Dessa decisão de inadmissão do REsp ou RE caberá o agravo em REsp ou RE. Vale dizer que o CPC/1973, no art. 543-C, § 7º, confere ao tribunal de origem o mesmo poder para não admitir o REsp quando o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ, porém não tem sido admitido de tal decisão o agravo do art. 544 (QO Ag nº 1154599/SP).

“I. Conforme decidido pela Corte Especial do STJ, quando do julgamento da Questão de Ordem no Ag 1.154.599/SP, é incabível o Agravo de Instrumento contra decisão de 2º Grau que nega seguimento a Recurso Especial, com fundamento no art. 543-C, § 7º, I, do CPC (STJ, QO no Ag 1.154.599/SP, Rel. Min. Cesar Rocha, Corte Especial, DJe de 12/5/2011). II. A insurgência quanto ao alegado desacerto da aplicação, pelo Tribunal de 2º Grau, da tese firmada no Recurso Especial representativo da controvérsia, deve ocorrer no Tribunal de origem, por meio de Agravo Regimental ou interno. Precedentes do STJ. III. Consoante a jurisprudência, ‘não cabe agravo contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543-C, § 7º, inciso I, do CPC. Precedentes. Segundo a Corte Especial deste Tribunal, nos casos de indevido trancamento do recurso especial, deve a parte manejar agravo interno na origem, demonstrando a especifici-dade do caso concreto. (QO no Ag 1154599/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Espe-cial, julgado em 16/2/2011, DJe 12/5/2011). Agravo regimental improvido’ (STJ, AgRg no Ag 1.387.800/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe de 19/12/2011).” (6ª T., AgRg no AREsp nº 329299/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. em 17/10/2013, DJe de 20/11/2013).

O último inciso do art. 1.042 se refere à hipótese de recurso extraordinário. De acordo com o § 8º do art. 1.035, se o STF negar a existência de repercussão geral, o presidente ou vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica. Da mesma forma, aplicado o regime dos recursos repetitivos, negada a existência de repercussão geral no recurso extraordinário afetado, serão considerados automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido sobres-tado, conforme art. 1.039, parágrafo único. Da decisão que não admitir o RE, na origem, pela ausência de repercussão geral caberá agravo em RE.

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Patricia Miranda Pizzol Art. 1.042

III. Procedimento

Cabe ao agravante elaborar a petição de agravo, cumprindo todos os requisitos de admissi-bilidade dos recursos em geral (salvo preparo – art. 1.042, § 2º, do CPC/2015), e endereçá-la ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme art. 1.003, § 5º, do CPC/2015. O agravado será intimado, de imediato, para oferecer resposta no prazo também de 15 (quinze) dias. O presidente ou vice-presidente poderá se retratar, após o prazo da resposta, e, caso não o faça, os autos serão remetidos ao tribunal superior competente. Trata-se, portanto, de agravo nos próprios autos, e não de instrumento.

Frise-se, ainda, que, embora o agravo seja interposto no órgão a quo, não cabe a este a análise da admissibilidade do recurso, sendo obrigatória a remessa dos autos aos tribunais superiores, ainda que o recurso não preencha algum requisito de admissibilidade. Assim, mesmo sendo o recurso intempestivo, caberá ao STJ ou STF julgá-lo. Evita-se, com isso, novo recurso no caso de não admissão do agravo pelo órgão a quo. Vale lembrar a incidência da Súmula nº 727 do STF, que se refere ao agravo contra decisão denegatória de REsp ou RE (art. 544 do CPC/1973) e impõe ao magistrado a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal. Isso porque também o referido agravo do CPC de 1973 não fica sujeito a juízo de admissibilidade pelo órgão a quo.

Com relação ao preparo, é importante frisar que ele também é dispensado no agravo contra decisão denegatória de REsp e RE, previsto no art. 544 do CPC/1973.

O agravo poderá ser julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso especial ou ex-traordinário, assegurada, neste caso, sustentação oral, observando-se, ainda, o disposto no regi-mento interno do tribunal respectivo. Caso o agravo seja conhecido e provido, conforme o caso, poderá o tribunal superior julgar desde logo o REsp ou RE.

Aplica-se ao agravo, como ocorre com os recursos em geral, o art. 932 do CPC/2015, equiva-lente ao art. 557 do CPC/1973, que trata dos poderes do relator.

Quanto aos efeitos do recurso de agravo, como a regra no CPC/2015 é do efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas em lei (art. 995), ele será recebido apenas no efeito de-volutivo, podendo o relator conceder efeito suspensivo se presentes os requisitos legais, funda-mento relevante e perigo de dano (art. 995, parágrafo único).

No que tange ao âmbito de devolutividade do agravo, vale destacar que o recurso deve tratar apenas da intempestividade do REsp ou RE (inciso I) ou da distinção entre o acórdão recorrido e o precedente invocado para a não admissão do REsp ou do RE (incisos II e III). Não pode o agravante tentar, por meio do agravo, discutir a tese firmada no precedente suscitado. Trata-se de recurso com fundamentação vinculada. Pode o agravante alegar que o precedente invocado está superado no tribunal superior.

IV. Agravos interpostos simultaneamente em REsp e RE

Caso tenham sido interpostos recursos especial e extraordinário e seja necessário recorrer quanto aos dois recursos, devem ser interpostos dois agravos.

Havendo apenas um agravo, o recurso será remetido ao tribunal competente, e, havendo inter-posição conjunta, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. Concluído o julga-mento do agravo pelo Superior Tribunal de Justiça e, se for o caso, do recurso especial, indepen-dentemente de pedido, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do agravo a ele dirigido, salvo se estiver prejudicado.

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Patricia Miranda Pizzol Art. 1.042

Vale ressaltar que, se o recorrente pretender interpor recurso especial e recurso extraordinário, deverá fazê-lo concomitantemente. Ambos serão processados e remetidos primeiro para o STJ e depois, se não prejudicado o extraordinário, para o STF. Entretanto, entendendo o relator ser o extraordinário prejudicial em relação ao especial, fará, excepcionalmente, o encaminhamento para o STF; nesse caso, se o relator do extraordinário não concordar com a prejudicialidade re-conhecida, procederá à devolução ao STJ para o julgamento do especial em primeiro plano, em decisão irrecorrível (art. 543 do CPC/1973; art. 1.031 do CPC/2015).

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João Francisco Naves da Fonseca

Art. 1.043 - É embargável o acórdão de órgão fracionário que:I - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito;II - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, relativos ao juízo de admissibilidade;III - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;IV - nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal. § 1º - Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária.§ 2º - A divergência que autoriza a interposição de embargos de divergência pode verificar-se na aplicação do direito material ou do direito processual.§ 3º - Cabem embargos de divergência quando o acórdão paradigma for da mesma turma que proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros.§ 4º - O recorrente provará a divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente, ou com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte, e mencionará as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados.§ 5º - É vedado ao tribunal inadmitir o recurso com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção.

AutorJoão Francisco Naves da Fonseca

I. Finalidades institucionais

Entre as funções dos embargos de divergência destaca-se a uniformização da jurisprudência interna do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. O exercício dessa função é dependente da iniciativa da parte, que opõe os embargos de divergência objetivando a reforma ou a anulação do acórdão recorrido.

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João Francisco Naves da Fonseca Art. 1.043

II. Cabimento Os embargos de divergência são cabíveis contra acórdão, unânime ou majoritário, lavrado por

órgão fracionário do tribunal de superposição. Não são cabíveis, portanto, contra decisão pro-ferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ou pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

O CPC/2015 amplia as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência. Com efeito, além de serem oponíveis em recurso extraordinário e especial, eles passam a ser admissíveis também nos processos de competência originária dos tribunais de superposição (inciso IV). Desse modo, restam excluídos do seu âmbito de cabimento apenas os acórdãos proferidos em recurso ordiná-rio constitucional. Com o novo Código, ademais, ao lado dos arestos proferidos pelas turmas dos referidos tribunais, tornam-se sujeitos ao ataque por embargos de divergência aqueles oriundos de qualquer uma das três seções do Superior Tribunal de Justiça.

A jurisprudência dos tribunais de superposição tem admitido embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, julga recurso extraordinário ou especial (STF, Pleno, ED no RE 283.240-AgRg-EDcl-AgRg, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, maioria, j. em 26/4/2007, DJ de 14/3/2008; Súmula nº 316 do STJ). Com a entrada em vigor do CPC/2015, esse entendimento deve ser estendido para os arestos que, em agravo interno, julgarem as causas de competência originária (inciso IV).

A divergência pode se referir ao mérito ou ao juízo de admissibilidade dos recursos extraor-dinário e especial (incisos I a III). Assim, fica superada a Súmula nº 315 do STJ, segundo a qual “não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”. Na verdade, o inciso II em comento não exige que os acórdãos embargado e paradigma tenham ambos inadmitido o recurso extraordinário ou especial. Para serem cabíveis os embargos de divergência nessa hipótese, basta que os acórdãos embargado e paradigma tenham analisado a mesma questão jurídica relativa ao juízo de admissibilidade recursal, independentemente de terem depois adentrado no mérito. Assim, p. ex., deve ser admitido o recurso fundado em confronto entre acórdão (a) embargado que inadmitiu recurso especial por falta de assinatura na peça do advogado titular do certificado digital; e (b) paradigma que admitiu e julgou recurso especial nessas circuns-tâncias, por entender suficiente o fato de o titular do certificado digital ter procuração nos autos.

A hipótese de cabimento prevista no inciso III do art. 1.043 já estaria abrangida pelo próprio inciso I. Todavia, ela se justifica porque, durante algum tempo, prevaleceu nos tribunais de su-perposição entendimento no sentido de subordinar o “conhecimento” dos recursos extraordinário e especial ao seu provimento (STJ, 3ª T., REsp nº 45.672-EDcl, Rel. Min. Nilson Naves, v.u., j. em 24/4/1995, DJ de 28/8/1995; STJ, 4ª T., REsp nº 32.309-EDcl, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, v.u., j. em 13/9/1993, DJ de 8/11/1993). Para essa corrente jurisprudencial, a impugnação fundada na alínea a do inciso III do art. 102 ou no art. 105 da Constituição Federal deveria ser conhecida somente quando se verificasse a efetiva violação à norma constitucional ou federal infraconsti-tucional apontada. Essa impropriedade técnica gerou, ao longo dos anos, confusão sobre o real conteúdo de algumas decisões dos referidos tribunais que “não conheciam” do recurso, mas cla-ramente enfrentavam o próprio cerne da impugnação. Por conseguinte, em suma, o inciso III ora comentado tem o escopo de reforçar a diretriz segundo a qual o dispositivo da decisão deve ser interpretado a partir de sua motivação (cf., a propósito, art. 489, § 3º).

III. Comprovação da divergência O embargante pode confrontar acórdão proferido em recurso com outro relativo a ação de

competência originária, e vice-versa (art. 1.043, § 1º). O dissídio pode se dar, em qualquer hipó-tese, na solução de questão de direito material ou processual (§ 2º).

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João Francisco Naves da Fonseca Art. 1.044

O acórdão paradigma pode ser de qualquer órgão do tribunal, inclusive “da mesma turma que proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros” (§ 3º). Com a entrada em vigor do CPC/2015, portanto, não haverá mais substrato legal para aplicação da Súmula nº 353 do STF, segundo a qual são incabíveis os embargos com fundamento em divergência entre decisões de uma mesma turma. Tendo em vista que as turmas dos tribunais de superposição são compostas por cinco integrantes, a substituição de três deles já será suficiente para configurar a hipótese prevista no § 3º do art. 1.043. Por fim, embora esse dispositivo refira-se expressamente a acórdãos “da mesma turma”, sua interpretação teleológica e sistemática recomenda que ele seja aplicado também na hipótese de o aresto ser de uma mesma seção do Superior Tribunal de Justiça. Nesse caso, seis ministros representariam mais da metade dos membros do órgão fracionário.

O recurso ora analisado deve trazer dissídio atual. A esse respeito, a Súmula nº 168 do STJ enuncia que “não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado”. Ainda nessa direção dispõem o art. 332 do RISTF e a Súmula nº 247 do STF. Além disso, exige-se que o acórdão paradigma tenha sido proferido por órgão que ainda mantenha competência para julgar a matéria ali tratada (Súmula nº 158 do STJ).

Conforme dispõe o § 4º do art. 1.043, o embargante deve comparar analiticamente o acórdão recorrido com o paradigma, a fim de demonstrar que os julgados deram tratamento jurídico di-verso para situações fáticas idênticas ou muito semelhantes. Para tanto, a jurisprudência entende não bastar a mera transcrição de ementas dos arestos conflitantes (STF, Pleno, ED no RE nº 140.829-EDcl, Rel. Min. Celso de Mello, v.u., j. em 15/12/2011, DJ de 10/12/2012; STJ, Corte Especial, ED no REsp nº 1.318.306-AgRg, Rel. Min. Luis Felipe, v.u., j. em 19/12/2014, DJ de 2/2/2015). Trata-se, em suma, de cotejo similar àquele realizado em recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial (CF, art. 105, inciso III, c; e CPC/2015, art. 1.029, § 1º).

O recorrente deve cuidar para não subsistir no acórdão embargado fundamento não impug-nado suficiente para sustentar a conclusão do decisum. Vale aqui a mesma lógica aplicável aos recursos extraordinário e especial (Súmulas nº 283 do STF e nº 126 do STJ). Nesse sentido, “não se conhece dos embargos de divergência se o paradigma colacionado diverge de apenas um dos fundamentos do aresto embargado, sendo o outro, não objeto do dissídio, suficiente, por si só, para mantê-lo” (STJ, 1ª Seção, ED no REsp nº 3.274, Rel. Min. Pádua Ribeiro, v.u., j. em 12/3/1997, DJ de 7/4/1997).

Por fim, o § 5º do art. 1.043 decorre do dever de motivação das decisões judiciais, previsto constitucionalmente (art. 93, inciso IX) e bastante prestigiado no CPC/2015 (cf., p. ex., arts. 11, 489, §§ 1º a 3º, e 1.029, § 2º). O dispositivo em comento impõe ao tribunal o ônus de apontar as diferenças nas circunstâncias fáticas dos acórdãos confrontados, se entender que elas impediriam a admissão dos embargos de divergência. Essa regra é salutar e tem certo caráter didático.

Art. 1.044 - No recurso de embargos de divergência, será observado o procedimento estabelecido no regimento interno do respectivo tribunal superior.§ 1º - A interposição de embargos de divergência no Superior Tribunal de Justiça interrompe o prazo para interposição de recurso extraordinário por qualquer das partes.

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João Francisco Naves da Fonseca Art. 1.044

§ 2º - Se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado independentemente de ratificação.

I. Procedimento

É de 15 dias o prazo para oposição dos embargos de divergência (art. 1.003, § 5º). Aplicam-se aqui as regras gerais sobre contagem, prorrogação, suspensão e interrupção dos prazos processuais.

Naquilo que não contrariar o CPC/2015, o procedimento dos embargos de divergência é aquele estabelecido, conforme o caso, no RISTF (arts. 330 a 332 e 334 a 336) e no RISTJ (arts. 266 e 267).

II. Efeito interruptivo dos embargos de divergência (art. 1.044, § 1º)

O acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça pode ser objeto, em tese, de três recursos: embargos de declaração, embargos de divergência e recurso extraordinário. O legis-lador manteve a regra do efeito interruptivo dos embargos declaratórios (art. 1.026, caput), segundo a qual sua interposição faz com que os prazos para outros recursos recomecem a fluir por inteiro a partir da intimação de sua decisão. Além disso, acertadamente estendeu o referido efeito para os embargos de divergência, pondo fim à insegurança jurídica derivada da ausência de disposição nesse sentido no CPC/1973. Quanto a esse ponto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “a interposição simultânea, contra o acórdão que julgou o recurso especial, de embargos de divergência e recurso extraordinário, acarreta a inadmissibilidade do recurso que foi protocolado por último, ante a preclusão consumativa” (STJ, Corte Especial, ED no REsp nº 511.234-AgRg, Rel. Min. Luiz Fux, v.u., j. em 4/8/2004, DJ de 20/9/2004); e o Supremo Tribunal Federal, nas mesmas circunstâncias, não tem admitido o recurso extra-ordinário (STF, 1ª T., AI nº 563.505-AgRg, Rel. Min. Eros Grau, v.u., j. em 27/9/2005, DJ de 4/11/2005; STF, 2ª T., RE nº 355.497-AgRg, Rel. Min. Maurício Corrêa, v.u., j. em 25/3/2003, DJ de 25/4/2003). No entanto, como já dito, o CPC/2015 tende a trazer maior segurança para o jurisdicionado nessa situação.

O § 1º ora comentado não impõe nenhuma condição para que o efeito interruptivo dos em-bargos de divergência se opere. Todavia, a prevalecer a jurisprudência relativa ao aludido efeito em sede de embargos declaratórios, a interposição intempestiva dos embargos de divergência não terá o condão de interromper o prazo para outros recursos. Nesse sentido, em embargos de declaração: STJ, 3ª T., REsp nº 434.913-EDcl-AgRg, Rel. Min. Pádua Ribeiro, v.u., j. em 12/8/2003, DJ de 8/9/2003; STJ, 4ª T., REsp nº 230.750, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, v.u., j. em 9/11/1999, DJ de 14/2/2000; STJ, 5ª T., REsp nº 227.820, Rel. Min. Felix Fischer, v.u., j. em 26/10/1999, DJ de 22/11/1999. Para a outra parte, porém, até mesmo embargos de declaração intempestivos são dotados do efeito interruptivo, tendo em vista que ela “não tem como verificar de plano a referida intempestividade” (STJ, 3ª T., REsp nº 869.366, Rel. Min. Sidnei Beneti, v.u., j. em 17/6/2010, DJ de 30/6/2010). Observe-se, no entanto, que a oposição intempestiva de embargos de divergência não tornará oportuno o recurso extraordinário extemporâneo, sequer para a outra parte, na medida em que ambos os recursos são interponíveis no mesmo prazo de 15 dias. Assim, quando aqueles forem opostos, a decisão do Superior Tribunal de Justiça já terá transitado em julgado; por conseguinte, não haverá mais o que interromper.

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João Francisco Naves da Fonseca Art. 1.044

Registre-se, por fim, que a oposição dos embargos de divergência deve interromper o prazo do recurso extraordinário não só para as partes, mas também para outros possíveis recorrentes, tais como o terceiro prejudicado e o Ministério Público atuante na condição de fiscal da ordem jurídica. Nesse sentido, em sede de embargos declaratórios: STJ, 3ª T., REsp nº 712.319, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. em 25/9/2006, DJ de 16/10/2006.

III. Desnecessidade de ratificação do recurso extraordinário (art. 1.044, § 2º)

O efeito interruptivo dos embargos, benefício instituído em favor da parte, não pode se trans-formar em armadilha contra ela. Daí por que outra boa novidade do CPC/2015 consiste na dis-pensa do embargado de reiterar seu recurso extraordinário interposto antes da publicação da decisão dos embargos de divergência, se eles forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior. O § 5º do art. 1.024 contém previsão similar a essa para os embargos de declaração, com o acréscimo de que, se eles modificarem a decisão embargada, a outra parte terá o direito de complementar ou alterar as razões do recurso já interposto – dentro dos limites da modificação – no prazo de quinze dias (art. 1.024, § 4º). Trata-se de norma coerente com as garantias do contraditório e da ampla defesa, ínsitas ao devido processo legal, razão pela qual ela deve ser aplicada analogicamente nas hipóteses em que os embargos de divergência alterarem a conclusão do julgamento anterior.

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João Carlos Areosa

Art. 1.045 - Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial.

AutorJoão Carlos Areosa

I. A vacatio legis do Código de Processo Civil de 2015À luz das determinações do Decreto nº 4.176 de 2002, o Código de Processo Civil de 2015, na

qualidade de ato normativo de maior repercussão (art. 19, § 2º), indicou o início de sua vigência de forma expressa (art. 19, caput) e de modo a contemplar prazo razoável para que o seu conteú-do seja objeto de amplo conhecimento (art. 19, § 2º, inciso I). Assim, este Código incluiu o prazo de vacância certo (art. 19, § 2º, inciso II) de 1 (um) ano, o qual começou a fluir mediante a publi-cação no Diário Oficial de 17/3/2015. Seguindo a regra de contagem inserta no art. 20 do Decreto nº 4.176 de 2002, este Código começará a viger em sua plenitude no dia 18/3/2016, ainda que se possa considerar exíguo o prazo estipulado diante da necessidade de adaptação, principalmente pelos órgãos judiciários, a tantas novidades salutarmente instituídas.

Art. 1.046 - Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.§ 1º - As disposições da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código.§ 2º - Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código.§ 3º - Os processos mencionados no art. 1.218 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujo procedimento ainda não tenha sido incorporado por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código.§ 4º - As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código.§ 5º - A primeira lista de processos para julgamento em ordem cronológica observará a antiguidade da distribuição entre os já conclusos na data da entrada em vigor deste Código.

I. Aplicação do Código de Processo Civil de 2015 aos processos pendentes

O caput do art. 1.046, a exemplo do art. 1.211 do Código de Processo Civil de 1973, trata da consagrada regra tempus regit actum, segundo a qual a lei processual aplica-se de imediato aos

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João Carlos Areosa Art. 1.046

processos pendentes. A nova lei processual atinge o processo no estágio em que ele se encontra, contudo, sua incidência não pode gerar prejuízo algum às partes. Por isso, a Constituição Fe-deral, em seu art. 5º, inciso XXXVI, e a de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu art. 6º, tutelam o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Por conseguinte, os atos processuais praticados na vigência do Código de Processo Civil de 1973, como regra geral, não serão impactados pelas novas disposições do Código de Processo Civil de 2015. Outrossim, todo direito processual adquirido durante a vigência do Código de 1973 deverá ser resguardado.

As recentes alterações havidas no Código de Processo Civil de 1973 são capazes de nos for-necer alguns bons exemplos das regras de direito intertemporal aplicáveis às normas de direito processual civil. Após o início do cumprimento de uma sentença (à época, execução de título judicial) que tenha sido acobertada pelo manto da coisa julgada antes da vigência da Lei nº 11.232 de 2005, o credor não poderia – como de fato não pôde – fazer uso do art. 475-J daquele diploma, notadamente requer a aplicação da multa de 10% prevista, justamente pelo fato de o devedor já possuir, ao tempo da vigência da nova lei, o direito de ser cobrado de acordo com o texto primitivo do Código de Processo Civil de 1973. Acertou o Superior Tribunal de Justiça ao adotar reiteradas vezes essa posição (por ex.: STJ, 2ª T., REsp nº 1.019.057, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 24/3/2009, DJe de 23/4/2009). Outra hipótese ilustrativa, ainda do momento da entrada em vigor da Lei nº 11.232 de 2005, diz respeito à alteração do recurso cabível contra a decisão lançada nos embargos à execução de título judicial. Antes da nova lei, a decisão era atacável por apelação, dado que se tratava de demanda autônoma. Contudo, com a vigência da nova lei a decisão passou a encerrar a fase de cumprimento de sentença e, portanto, passí-vel de insurgência via agravo de instrumento. Diante da regra tratada neste tópico, fica claro que os embargos à execução pendentes quando da entrada da nova sistemática teriam contra a sua decisão final a interposição do recurso de apelação, embora, sob o escólio do princípio da fungibilidade recursal, muitos agravos de instrumento tenham sido aceitos pelos tribunais pá-trios. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça foi clara ao expor que “processados os embargos à execução na vigência da regra anterior, a decisão monocrática, ainda que proferida após a Lei 11.232/05, possui caráter de sentença e é atacável pela via de apelação” (STJ, Corte Especial, REsp nº 1.044.693, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. em 3/12/2008, DJe de 6/8/2009). Aliás, importante ressalva deve ser feita no âmbito recursal, na medida em que os requisitos de cabimento e admissibilidade do recurso interposto devem ser analisados sob o espectro da lei vigente à época da publicação da decisão alvo de eventual impugnação, salvo, como visto ante-riormente, em casos em que não se afigure possível transmutar o procedimento já em curso. Há conhecida divergência doutrinária, contudo, no que se refere ao rito recursal a ser adotado: (i) se aquele vigente à época da interposição do recurso (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, RT, 2015, p. 2.235); ou (ii) se o procedimento da nova lei processual deve prevalecer, ainda que tenha entrado em vigor após a apresentação do respectivo recurso (José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, v. V, 2006, p. 270). Embora prevaleça a segunda orientação no campo doutrinário e ju-risprudencial, acredita-se que a melhor solução seja a primeira, pois, em se mantendo o procedi-mento recursal vigente à época da interposição, a parte recorrente não terá afetado o seu direito processual adquirido no que tange à forma pela qual o seu recurso será julgado, evitando-se, em última análise, que os dispositivos processuais supervenientes impactem os atos já praticados e os respectivos efeitos já produzidos antes de sua vigência. Na legislação processual pátria, podemos dar como exemplo o art. 11 do Código de Processo Penal de 1941, que, privilegiando

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João Carlos Areosa Art. 1.046

a posição de que a lei vigente na data de interposição do recurso deve reger toda sua tramitação, dispõe que já tendo sido interposto recurso de despacho ou de sentença, as condições de ad-missibilidade, a forma e o julgamento serão regulados pela lei anterior. Por fim, quando a nova lei processual extinguir o órgão previamente competente ou modificar a competência do órgão judiciário em razão da matéria ou da hierarquia, a aplicação desta será imediata, nada obstante o momento recursal em que tenha iniciado a sua vigência.

II. Exceção quanto à aplicação imediata do Código de Processo Civil de 2015

Tendo em vista que o Código de Processo Civil de 2015 alterou significativamente o rol dos procedimentos especiais, bem como extinguiu o procedimento sumário elencado no art. 275 do Código de Processo Civil de 1973, o § 1º do art. 1.046 regulou expressamente a aplicação deste último diploma às demandas propostas sob os procedimentos especiais e sumário revogados que ainda não tenham sido sentenciadas até o início da vigência do novo diploma processual civil. Com a ulterior prolação da sentença, os atos processuais subsequentes, tais como a eventual interposição de recurso e o efetivo cumprimento de decisões, por exemplo, deverão obedecer às regras positivadas no Código de Processo Civil de 2015.

III. Aplicação supletiva do Código de Processo Civil de 2015

Como sói ocorrer no Código de Processo Civil de 1973, os procedimentos especiais criados por leis extravagantes continuarão vigorando, razão pela qual as regras deste Código apenas se-rão aplicadas de maneira supletiva, ou seja, nos assuntos que não forem regulados pela legislação extravagante. Alguns exemplos: Lei nº 7.347 de 1985 (Ação Civil Pública), Lei nº 8.078 de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) e Lei nº 12.016 de 2009 (Mandado de Segurança). Todos esses diplomas continuarão em vigor e aplicáveis às matérias processuais ali disciplinadas, a despeito da superveniência do Código de Processo Civil de 2015.

IV. Aplicação do procedimento comum aos processos do art. 1.218 ante a ausência de procedimento próprio

Com o passar do tempo diversos processos listados nos incisos do art. 1.218 do Código de Processo Civil de 1973 foram tratados pelo legislador em procedimentos especiais, sendo certo que a regra do § 3º do art. 1.046 aplicar-se-á apenas aos seguintes assuntos: protestos formados a bordo, dinheiro a risco, vistoria de fazendas avariadas, apreensão de embarcações, avaria a cargo do segurador, avarias e arribadas forçadas.

V. Referência ao Código de Processo Civil de 1973

O § 4º do art. 1.046 dispõe acerca de uma mera formalidade, ou seja, qualquer referência acer-ca do Código de Processo Civil de 1973 em outras leis deve ser lida como se Código de Processo Civil de 2015 fosse, a fim de evitar a aplicação equivocada do diploma processual revogado.

VI. A lista cronológica para julgamento

Diante da regra geral já tratada anteriormente, aos processos pendentes aplicar-se-ão imedia-tamente os dispositivos do Código de Processo Civil de 2015, salvo as exceções expressamente previstas. Assim, considerando que o Código de Processo Civil de 2015 instituiu em seu art. 12 a obrigação de os juízes e desembargadores obedecerem a ordem cronológica de conclusão para proferir sentença e acórdão, o § 5º do art. 1.046 aparece como um dispositivo de caráter pedagógico, porquanto objetiva sanar eventual dúvida acerca da elaboração da primeira lista de

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João Carlos Areosa Art. 1.047

processos que deve observar tal ordem cronológica de julgamento. Em outras palavras, o disposi-tivo em comento afastou qualquer possibilidade de juízes e desembargadores aplicarem tal regra apenas às novas demandas, ou seja, a todas aquelas inauguradas após o início da vigência deste Código, o que, indubitavelmente, afetaria os efeitos desejados pela criação dessa regra.

VII. Julgados

“1. A incidência do duplo grau de jurisdição obrigatório é imperiosa quando a resolução do processo cognitivo for anterior à reforma engendrada pela Lei 10.352/2001, porquanto, à época, não havia a imposição do mencionado valor de alçada a limitar o cabimento da remessa oficial. (Precedentes...) 2. A adoção do princípio tempus regitactum, pelo art. 1.211 do CPC, impõe o respeito aos atos praticados sob o pálio da lei revogada, bem como aos efeitos desses atos, im-possibilitando a retroação da lei nova. Sob esse enfoque, a lei em vigor à data da sentença regula os recursos cabíveis contra o ato decisório e, a fortiori, a sua submissão ao duplo grau obrigatório de jurisdição. [...] 4. Recurso especial provido, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para apreciação da remessa oficial. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008” (STJ, Corte Especial, REsp nº 1.144.079/SP, Recurso Repetitivo, Tema nº 316, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 2/3/2011, DJe de 6/5/2011).

“Agravo em recurso especial. Impugnação ao cumprimento de sentença. Rejeição. Continui-dade da execução. Recurso cabível. Agravo de instrumento. Art. 475-M, § 3º, do CPC. 1. O art. 475-M, § 3º, do CPC, incluído pelas inovações introduzidas pela Lei nº 11.232/2005, disciplina: ‘A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quan-do importar extinção da execução, caso em que caberá apelação’. 2. Com base no princípio do tempus regit actum, impugnada a execução de sentença quando já em vigor a Lei nº 11.232/05, o recurso cabível será o agravo de instrumento quando a decisão que resolver o incidente não extinguir a execução, hipótese dos autos. Havendo previsão expressa na lei, a utilização do re-curso de apelação configura erro grosseiro, sendo inadmissível a aplicação do princípio da fun-gibilidade recursal. Precedentes. 3. Embargos conhecidos como agravo regimental. Agravo não provido” (STJ, 2ª T., EDcl no AREsp nº 319.343/SC, Rel. Min. Castro Meira, j. em 18/6/2013, DJe de 28/6/2013).

Art. 1.047 - As disposições de direito probatório adotadas neste Código aplicam-se apenas às provas requeridas ou determinadas de ofício a partir da data de início de sua vigência.

I. Aplicação das novas regras no campo probatório

Optou-se por esclarecer que as provas requeridas pelas partes ou determinadas de ofício antes do início da vigência do Código de Processo Civil de 2015 serão regidas pelo Código de Pro-cesso Civil de 1973, a fim de que nenhuma das partes venha a ser surpreendida ou prejudicada no curso da fase instrutória pelas novas regras deste Código. Em síntese, para a aplicação do Capítulo XII (Das Provas) e demais dispositivos inerentes ao tema é fundamental que os atos no campo probatório tenham tido a sua fluência inicial já sob a vigência do Código de Processo Civil de 2015.

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João Carlos Areosa Art. 1.048

Art. 1.048 - Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:I - em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988;II - regulados pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).§ 1º - A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas.§ 2º - Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária.§ 3º - Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite ou do companheiro em união estável.§ 4º - A tramitação prioritária independe de deferimento pelo órgão jurisdicional e deverá ser imediatamente concedida diante da prova da condição de beneficiário.

I. A prioridade na tramitação no Código de Processo Civil de 2015O art. 1.048 regula a prioridade de tramitação dos procedimentos judicias, em qualquer instân-

cia ou tribunal e, ao fazê-lo, em verdade, aprimora a sistemática presente no Código de Processo Civil de 1973 a respeito desse tema. Esse dispositivo deixa claro que as partes ou interessados que (i) possuam idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos – em consonância com o art. 71 da Lei nº 10.741 de 2003 (Estatuto do Idoso), (ii) seja portadora de doença grave, nos termos do art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713 de 1988, quais sejam: acidente em serviço, moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, ou, ainda, (iii) esteja sob procedimento regulado pela Lei nº 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) farão jus ao benefício de prioridade na tramitação, desde que comprovem nos autos as condições precedentes (§ 1º). Cumprida essa formalidade, o órgão judiciário deverá reconhecer o direito à tramitação prioritária (§ 1º), deter-minando que o cartório ou a secretaria competente identifique e cadastre tal condição imediata-mente (§ 2º). Abra-se parêntese para esclarecer que o fato de a parte ou interessado ser pessoa jurídica e seus sócios se enquadrarem nos requisitos supracitados não autoriza a concessão do benefício, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

II. Não cessação do benefício com a morte da parte beneficiadaO § 3º desse dispositivo seguiu a regra preexistente no Código de Processo Civil de 1973 (art.

1.211-A), segundo a qual o benefício da prioridade de tramitação já concedido será recepcionado

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João Carlos Areosa

pelo cônjuge supérstite ou pelo companheiro em união estável, após a morte da parte ou interes-sado inicialmente beneficiado, independentemente da presença, com relação a esses sucessores, dos requisitos elencados nos incisos I e II do art. 1.048.

III. Prova da condição de beneficiário como único requisito para a concessão do benefício

O § 4º do art. 1.048 reforçou a noção de que o direito à prioridade de tramitação deve ser reco-nhecido pura e simplesmente ante a demonstração documental dos requisitos postos nos incisos I e II. Mostrar-se-á totalmente arbitrária a decisão do órgão judiciário que negar a efetivação da prioridade mesmo depois de comprovada a existência das hipóteses previstas, o que poderá en-sejar a interposição de recurso.

IV. Âmbito de incidência da prioridade de tramitação

O âmbito de incidência da prioridade de tramitação não se esgota no processo judicial. Tal benefício, principalmente à luz do ainda aplicável § 4º, art. 71, do Estatuto do Idoso, alcança, outrossim, os processos e procedimentos na Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, sem prejuízo do atendimento preferencial diante das Defensorias Públicas da União, dos Estados e Municípios.

V. Inaplicabilidade aos advogados

O art. 1.048 é aplicável apenas às partes e aos interessados constantes da relação processual. Os advogados que se enquadrem nos requisitos dos incisos I e II poderão requerer a tramitação prioritária na hipótese de estarem advogando em causa própria ou, ainda, no momento em que estiverem executando os honorários advocatícios devidos, justamente porque nessas hipóteses estarão inseridos na relação processual.

VI. Julgados

“Processual Civil. Agravo de Instrumento. Prioridade na tramitação de processos. Lei nº 10.173/01. Pessoa Jurídica. Inaplicabilidade. [...] II. A preferência na tramitação de processos determinada pela Lei nº 10.173/01 não se aplica a pessoa jurídica. III. Agravo Regimental des-provido. [...] Ainda que entenda o inconformismo dos agravantes, não há como prover seu apelo. A própria norma legal, ao fazer alusão à idade, já afasta a concessão de preferência à pessoa jurídica” (STJ, 3ª T., AgRg no Ag 468.648/SP, Rel. Antônio Pádua Ribeiro, j. em 6/11/2003, DJe de 1º/12/2003).

“Execução de título extrajudicial. Prioridade de tramitação requerida pela agravante em nome de seu advogado. Estatuto do Idoso. Ilegitimidade para o pleito. Causídico com idade superior a 60 anos. Não verificada a persecução de honorários de sucumbência pelo patrono da agravante. Não atendidos os requisitos do art. 71 do Estatuto do Idoso. Recurso não provido” (TJSP, 22ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 0009381-81.2013.8.26.0000, Rel. Des. Fernandes Lobo, j. em 21/2/2013, DJe de 21/3/2013).

Art. 1.049 - Sempre que a lei remeter a procedimento previsto na lei processual sem especificá-lo, será observado o procedimento comum previsto neste Código.

Art. 1.049

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João Carlos Areosa

Parágrafo único - Na hipótese de a lei remeter ao procedimento sumário, será observado o procedimento comum previsto neste Código, com as modificações previstas na própria lei especial, se houver.

I. Aplicação geral do procedimento comum

A todos os procedimentos especiais previstos no Código de Processo Civil de 2015, bem como nas leis extravagantes que se referirem a este Código, deverá se aplicar o procedimento comum de forma subsidiária e nos pontos em que não houver conflito.

II. Extinção do procedimento sumário e aplicação do procedimento comum

Tendo em vista a extinção do procedimento sumário pelo Código de Processo Civil de 2015, em qualquer legislação pretérita em que ainda exista menção ao procedimento sumário deverá ser aplicado o procedimento comum, respeitando-se ainda as modificações previstas na lei espe-cial que, por ser mais específica, deve prevalecer em relação a regra geral. Ainda que a ressalva não tenha sido feita expressamente no dispositivo em comento, deve-se considerar igualmente aplicável o comando do § 1º do art. 1.046 que, repita-se, determina a manutenção da aplicação do procedimento sumário às demandas propostas e ainda não sentenciadas ao tempo da entrada em vigor deste novo diploma processual.

III. Manutenção da competência dos Juizados Especiais no que tange ao art. 275, inciso II, do CPC/1973

Não se deve questionar a manutenção da competência dos Juizados Especiais, com base no art. 3º, inciso II, da Lei nº 9.099 de 1995, acerca do conteúdo do revogado art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que esse dispositivo faz simples menção às de-mandas mencionadas no artigo revogado, ou seja, é como se a lei do procedimento sumaríssimo contivesse expressamente a possibilidade de acessar os juizados especiais cíveis por meio de demandas que versem sobre a) arrendamento rural e parceria agrícola; b) cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; d) ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; e) cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; f) cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; e g) revogação de doação. Isso não quer significar, entretanto, que estar-se-ia aplicando o art. 275 já revogado. O dispositivo, por outro lado, apenas garante que tais demandas possam continuar a ser ajuizadas perante os Juizados Especiais, a despeito da publica-ção e entrada em vigor de um novo Código de Processo Civil.

Art. 1.050 - A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas entidades da administração indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da entrada em vigor deste Código, deverão se cadastrar perante a administração do tribunal no qual atuem para cumprimento do disposto nos arts. 246, § 2º, e 270, parágrafo único.

Art. 1.050

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João Carlos Areosa

I. O cadastro nos sistemas de processo com autos eletrônicos

Com o intuito de viabilizar o caput do art. 270, segundo o qual as intimações realizam-se, sem-pre que possível, por meio eletrônico, instituiu-se por meio do art. 1.050 a obrigação de efetivo cadastramento perante os tribunais nos quais os entes elencados desenvolvam atividades, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015.

Art. 1.051 - As empresas públicas e privadas devem cumprir o disposto no art. 246, § 1º, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham sede ou filial.Parágrafo único - O disposto no caput não se aplica às microempresas e às empresas de pequeno porte.

I. Ainda sobre o cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos

Na esteira do dispositivo anterior, o Código de Processo Civil de 2015 também impõe o ca-dastramento perante os tribunais pelas novas empresas públicas e privadas, a contar da data de inscrição do ato constitutivo dessas pessoas jurídicas, excetuando-se aquelas criadas sob a égide do Estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte (LC nº 123 de 2006). De maneira conservadora, é razoável entender que as empresas públicas e privadas já existentes deverão efe-tivar o cadastramento de imediato no âmbito dos tribunais em que possuírem sede e filial. Nada obstante, acredita-se que haverá salutar compreensão dos tribunais com relação a um possível atraso no cumprimento desse requisito pelas pessoas jurídicas, até mesmo por questões práticas, já que o volume de cadastros iniciais, presume-se, será enorme.

Art. 1.052 - Até a edição de lei específica, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecem reguladas pelo Livro II, Título IV, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

I. Manutenção da sistemática anterior acerca da execução certa contra devedor insol-vente

Segundo o art. 1.052 deste Código, mantiveram-se em vigor os arts. 748 a 786-A do Código de Processo Civil de 1973, os quais dispõem sobre o procedimento para a execução certa contra devedor insolvente. O legislador perdeu uma ótima oportunidade de avançar no assunto, mas ao menos não retrocedeu. Isso porque manteve a sistemática existente no Código de Processo Civil de 1973 – em diversas versões do Código de Processo Civil de 2015 a questão nem sequer fora abordada –, além de ter rechaçado a alternativa proposta pelo saudoso ministro Athos Gusmão Carneiro, segundo a qual poderia haver a distribuição proporcional do valor arrecadado aos cre-dores em vez da disciplina atual.

Arts. 1.051 e 1.052

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João Carlos Areosa

Art. 1.053 - Os atos processuais praticados por meio eletrônico até a transição definitiva para certificação digital ficam convalidados, ainda que não tenham observado os requisitos mínimos estabelecidos por este Código, desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha havido prejuízo à defesa de qualquer das partes.

I. Informatização do processo judicial e o atingimento da sua finalidade

O Código de Processo Civil de 2015 explicita relevante preocupação em resguardar os atos processuais praticados, ainda que exercidos de maneira imprópria ou em desacordo com determi-nadas regras processuais, desde que tenham atingido a sua finalidade e não tenha havido prejuízo às partes. Essa concepção foi aplicada no último artigo deste Código aos atos praticados por meio eletrônico, justamente pelo fato de a comunidade jurídica brasileira estar em meio ao processo de transição e adaptação ao processo judicial pela via digital. Por fim, esse dispositivo encontra respaldo na Lei nº 11.419 de 2006 (Informatização do Processo Judicial), notadamente em seu art. 19.

Art. 1.053

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Lilian Patrus Marques

Art. 1.054 - O disposto no art. 503, § 1º, somente se aplica aos processos iniciados após a vigência deste Código, aplicando-se aos anteriores o disposto nos arts. 5º, 325 e 470 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

AutoraLilian Patrus Marques

I. Direito intertemporal em matéria de limites objetivos da coisa julgada

O art. 503 do Código de Processo Civil de 2015 alterou a disciplina dos limites objetivos da coisa julgada em comparação ao diploma de 1973. De acordo com o § 1º do art. 503, poderá ser acobertada pela imutabilidade e intangibilidade inerentes à coisa julgada material, além da ques-tão principal expressamente decidida, a questão prejudicial, desde que preenchidos os requisitos previstos nos incisos I a III do § 1º do art. 503.

O art. 1.054 excepciona a regra de direito intertemporal aplicável à lei processual civil – tempus regit actum, segundo a qual as novas disposições legais aplicam-se imediatamente aos processos pendentes, mas não são retroativas, pois respeitam o direito adquirido e o ato jurídico perfeito (LINDB, art. 6º, e CPC/2015, art. 1.046, caput) – e estabelece um tratamento próprio para o art. 503, § 1º. No que se refere à abrangência mais ampla dos limites objetivos da coisa julgada, ela só se aplicará aos processos iniciados após a entrada em vigor no Código de Processo Civil de 2015 e não a toda e qualquer decisão que transitar em julgado após a entrada em vigor do novo codex.

Essa ressalva do legislador justifica-se pelo fato de que a nova disciplina dos limites objetivos da coisa julgada poderá alterar a conduta das partes no processo. Ou seja, caso as partes estejam cientes de que a questão prejudicial decidida poderá tornar-se imutável e indiscutível em deter-minadas hipóteses, certamente adotarão estratégia processual diversa, dedicando maior ou menor atenção à discussão da questão prejudicial controvertida, conforme seus interesses e a conve-niência de rediscutir ou não a questão prejudicial em futura demanda. Neste ponto, portanto, o legislador privilegia a segurança jurídica.

Art. 1.055 - VETADO.

Art. 1.056 - Considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V, inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código.

I. Termo inicial do prazo de prescrição intercorrente

O art. 1.056 refere-se ao prazo de prescrição intercorrente, que constitui uma das causas de extinção da execução nos termos do art. 924, inciso V, do Código de Processo Civil de 2015. Lembre-se que a prescrição intercorrente tem lugar nas hipóteses de paralisação e arquivamento

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Lilian Patrus Marques Art. 1.057

do processo na fase de execução pela falta de bens penhoráveis ou quando a expropriação não puder ser levada adiante pela ausência de licitantes interessados, sem que o exequente tome no-vas providências para recebimento do crédito.

O termo inicial desse prazo será a data de entrada em vigor do Código, inclusive nos processos em curso.

O Código de Processo Civil de 1973 não contempla um regramento específico acerca da pres-crição intercorrente. Há apenas o disposto nos arts. 475-L, inciso VI, e 741, inciso VI, que tratam da defesa do executado, baseada em prescrição “superveniente à sentença”, que é interpretada pela doutrina e pela jurisprudência como alusão à prescrição intercorrente. Entretanto, o diploma de 1973 não disciplina o termo inicial e contagem do prazo da prescrição intercorrente. No que se refere à execução fiscal, a Súmula nº 314 do Superior Tribunal de Justiça dispõe: “Em execu-ção fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”. Porém, não entendimento sumulado semelhante para a execução civil.

O Código de Processo Civil de 2015, por seu turno, disciplinou a matéria de forma ampla. O art. 921, inciso III, determina que, quando o executado não possuir bens penhoráveis, “o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição” (§ 1º). Ao final desse interregno, “sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de pres-crição intercorrente” (art. 921, § 4º).

Logo, o Código de Processo Civil de 2015 inovou ao tratar o marco inicial para a contagem da prescrição intercorrente em processo de execução. Embora no capítulo referente ao cumprimento de sentença não exista disposição semelhante, o regramento da execução de título extrajudicial aplica-se também ao cumprimento de sentença nos termos do art. 771 do Código de Processo Civil de 2015.

As inovações do CPC/2015 quanto à prescrição intercorrente justificam, em parte, a cautela do legislador ao dispor, no art. 1.056, que o termo inicial do prazo de prescrição intercorrente será o início da vigência do novo diploma, evitando, assim, dúvidas e discussões desnecessárias sobre prazos iniciados na vigência do CPC/1973.

Por outro lado, o art. 1.056 do Código de Processo Civil de 2015 institui a interrupção dos pra-zos de prescrição intercorrente em curso, na medida em que seu termo inicial será a entrada em vigor do novo diploma legal. Desse modo, a norma pode vir a favorecer credores pouco diligentes.

Art. 1.057 - O disposto no art. 525, §§ 14 e 15, e no art. 535, §§ 7º e 8º, aplica-se às decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor deste Código, e, às decisões transitadas em julgado anteriormente, aplica-se o disposto no art. 475-L, § 1º, e no art. 741, parágrafo único, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

I. Direito intertemporal para arguição de inexigibilidade do título fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal

De acordo com os arts. 525, § 12, e 535, § 5º, do Código de Processo Civil de 2015, são inexi-gíveis as obrigações reconhecidas em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo

1669

Lilian Patrus Marques Art. 1.057

considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou in-terpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. Para que tal matéria possa ser deduzida pelo executado em impugnação ao cumprimento de sentença, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que embasa a alegação de inexigibilidade deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda (CPC/2015, arts. 525, § 14, e 535, § 7º). Esse regramento é idêntico ao dos arts. 475-L, inciso II e § 1º, e 741, inciso II e parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973. Embora referido diploma não fosse claro quanto à incidência da norma também para decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade, o Superior Tribunal de Justiça foi favorável a essa interpretação (STJ, 1ª Seção, REsp nº 1189619/PE, Recurso submetido ao regime dos recursos repetitivos do art. 543-C do CPC/1973, Rel. Min. Castro Meira, j. em 25/8/2010; STJ, 1ª T., REsp nº 819.850/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 1º/6/2006.)

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a superveniência de decisão que declara a inconstitucionalidade da norma que embasa o título executivo não é cir-cunstância apta, por si só, para desconstituir a coisa julgada em impugnação ao cumprimento de sentença, sendo necessário, para tanto, o ajuizamento de ação rescisória (STF, 2ª T., AgRg no RE nº 592912, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 3/4/2012).

Tal ação rescisória, contudo, nos termos do Código de Processo Civil de 2015, terá um prazo maior: dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, e não do trânsito em julgado da decisão rescindenda (CPC/2015, arts. 525, § 15, e 535, § 8º). Essa é a grande inovação do Código de Processo Civil de 2015 no que se refere à descons-tituição de decisões baseadas em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Diante dessa inovação, o art. 1.057 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe que só se sujeitarão a esse novo regime decisões cujo trânsito em julgado se der após a entrada em vigor do CPC/2015. Contra as decisões que se tornarem imutáveis sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, o executado que desejar alegar inexigibilidade do título com base em decisão pro-ferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso deverá se basear nos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do codex de 1973. Em outras pala-vras, o executado ainda poderá valer-se de impugnação ao cumprimento de sentença, embargos à execução contra a Fazenda Pública ou ação rescisória, conforme o caso, mas sem ter prazo dilatado para propositura da rescisória.

O art. 1.057 visa a afastar eventual insegurança jurídica na contagem do prazo para a ação rescisória na hipótese ora tratada, pois, caso contrário, ter-se-ia eventual alteração de um prazo decadencial já em curso.

II. Julgados

“1. O art. 741, parágrafo único, do CPC, atribuiu aos embargos à execução eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Por tratar-se de norma que excepciona o princípio da imutabilidade da coisa julgada, deve ser interpretada restritivamente, abarcando, tão somente, as sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que: (a) aplicaram norma declarada inconstitucional; (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional; ou (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional.

1670

Lilian Patrus Marques Art. 1.057

2. Em qualquer desses três casos, é necessário que a inconstitucionalidade tenha sido declara-da em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso e independentemente de resolução do Senado, mediante: (a) declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto; ou (b) interpretação conforme a Constituição.

3. Por consequência, não estão abrangidas pelo art. 741, parágrafo único, do CPC as de-mais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação firmada no STF, tais como as que: (a) deixaram de aplicar norma declarada cons-titucional, ainda que em controle concentrado; (b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem autoaplicabilidade; (c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou autoaplicável; e (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revo-gado ou não recepcionado.

4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à vigência do dispositivo” (STJ, 1ª Seção, REsp nº 1189619/PE, Recurso submetido ao regime dos recursos repetitivos do art. 543-C do CPC/1973, Rel. Min. Castro Meira, j. em 25/8/2010).

“Não podem ser desconsideradas as decisões do Plenário do STF que reconhecem constitucio-nalidade ou a inconstitucionalidade de diploma normativo. Mesmo quando tomadas em controle difuso, são decisões de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ (CPC, art. 481, § único: ‘Os órgãos fracioná-rios dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucio-nalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão’), e, no caso das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com força de inibir a execução de sentenças judiciais contrárias, que se tornam inexi-gíveis (CPC, art. 741, § único; art. 475-L, § 1º, redação da Lei 11.232/05)” (STJ, 1ª T., REsp nº 819.850/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 1º/6/2006).

“A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âm-bito de fiscalização incidental de constitucionalidade. A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ‘ex tunc’ – como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) –, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, ‘in abstracto’, da Suprema Corte. Dou-trina. Precedentes. O significado do instituto da coisa julgada material como expressão da pró-pria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito” (STF, 2ª T., AgRg no RE nº 592912, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 3/4/2012).

1671

Lilian Patrus Marques Arts. 1.058 e 1.059

Art. 1.058 - Em todos os casos em que houver recolhimento de importância em dinheiro, esta será depositada em nome da parte ou do interessado, em conta especial movimentada por ordem do juiz, nos termos do art. 840, inciso I.

I. Depósito de importância em dinheiro

Trata-se de dispositivo semelhante ao art. 1.219 do Código de Processo Civil de 1973. Dispõe sobre o recolhimento de depósito em dinheiro, que deverá ser feito em nome da parte ou do inte-ressado, e em conta mantida preferencialmente nas instituições financeiras mencionadas no art. 840, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015 (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal ou em banco do qual o Estado ou o Distrito Federal possua mais da metade do capital social in-tegralizado, ou, na falta desses estabelecimentos, em qualquer instituição de crédito designada pelo juiz).

Art. 1.059 - À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1º a 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009.

I. Medidas de urgência contra o Poder Público

O Código de Processo Civil de 2015 manteve o regime diferenciado dispensado à Fazenda Pública no que se refere às tutelas provisórias requeridas em seu desfavor. Portanto, permanecem em vigor as disposições da Lei nº 8.437/1992 e da Lei nº 12.016/2009, que instituem diversos obstáculos à concessão de tutelas provisórias em desfavor da Fazenda Pública, como, por exem-plo, a proibição à concessão de liminar de natureza satisfativa contra a Fazenda Pública (Lei nº 8.437, art. 1º, § 3º), a vedação à concessão de medidas que tenham por objeto a compensação de créditos tributários e à entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a vedação à reclassificação ou equiparação de servidores públicos e proibição à concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza (Lei nº 12.016/2009, art. 7º, § 2º). Ademais, a Fazenda Pública goza da prerrogativa de se valer da suspensão do cumprimento da liminar pelo presidente do tribunal respectivo (Lei nº 8.437, art. 4º); e, no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, tem o direito de ser ouvida antes da apreciação da medida de urgência (Lei nº 8.437, art. 2º).

Além dos diplomas citados expressamente no art. 1.059, a Lei nº 9.494/1997 também disci-plina, de maneira restritiva, a concessão de medidas antecipatórias contra a Fazenda Pública. Embora seu art. 1º faça remissão a leis revogadas (Leis nº 4.348/1964 e nº 5.021/1966), algumas ressalvas ali previstas ainda estão em vigor, como a proibição de execução provisória em desfa-vor da Fazenda Pública (art. 2-B).

Todas as restrições presentes nesses diplomas, somadas à obrigatoriedade de remessa neces-sária prevista no Código de Processo Civil de 1973 (art. 475), corroboram a conclusão de que é praticamente vedada em nosso ordenamento a concessão de medidas provisórias contra a Fazenda Pública.

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Lilian Patrus Marques

Em duas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal analisou, em controle concentrado, a constitucionalidade das restrições à concessão da tutela provisória em desfavor da Fazenda Pública.

A primeira vez foi na ADI-MC nº 223, proposta em 28 de março de 1990, e que foi extinta após o exame da liminar, por perda de objeto (STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, Relator p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, j. em 5/4/1990). Posteriormente, por meio da ADC nº 4, o Supremo Tribunal Federal reputou constitucional o art. 1º da Lei nº 9.494/1997 (STF, Tri-bunal Pleno, ADC nº 4, Rel. Min. Sydney Sanches, j. em 1º/10/2008), chancelando a criação de um regime próprio para a concessão de medidas provisórias contra a Fazenda Pública.

O art. 1.059 do Código de Processo Civil de 2015, de certa forma, afasta-se do espírito que norteou redação do novo diploma. De fato, o legislador de 2015 extirpou vários benefícios pro-cessuais do Poder Público, como o prazo quádruplo para contestar (CPC/2015, art. 183), bem como reduziu as hipóteses de remessa necessária (CPC/2015, art. 496, § 3º). O art. 496 também afasta o duplo grau de jurisdição obrigatório quando a decisão for calçada em súmula de tribunal superior, acórdãos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em recursos repetitivos, em entendimento vinculante do próprio ente público, em resoluções de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Art. 1.060 - O inciso II do art. 14 da Lei nº 9.289, de 4 de julho de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:“Art. 14 - [...]II - aquele que recorrer da sentença adiantará a outra metade das custas, comprovando o adiantamento no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção, observado o disposto nos §§ 1º a 7º do art. 1.007 do Código de Processo Civil; [...]” (NR).

I. Custas recursais na Justiça Federal

O art. 1.060 do Código de Processo Civil de 2015 visa a harmonizar o disposto no art. 14, inciso II, da Lei nº 9.289/1996 com o art. 1.007 do novo diploma processual. De acordo com a redação primitiva do referido art. 14, na Justiça Federal de primeiro e segundo grau, a parte autora deveria adiantar metade das custas no momento de ajuizamento da demanda. A segunda metade das custas seria paga pela parte que apelasse da sentença, em até 5 (cinco) dias após a interposição do recurso.

Porém, de acordo com o art. 1.007, caput, do Código de Processo Civil de 2015, o preparo deve ser comprovado no ato de interposição do recurso.

Desse modo, o art. 14, inciso II, da Lei nº 9.289 apenas foi harmonizado com o referido art. 1.007, para que, na Justiça Federal, a segunda metade das custas seja adimplida pela parte recor-rente e tal pagamento comprovado no ato de interposição do recurso.

A não comprovação do recolhimento do preparo recursal e do referido adiantamento das cus-tas ensejará a intimação do recorrente, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção (CPC/2015, art. 1.007, § 4º). Por outro lado, eventual insuficiên-

Art. 1.060

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Lilian Patrus Marques

cia no valor do preparo implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias (CPC/2015, art. 1.007, § 2º).

Art. 1.061 - O § 3º do art. 33 da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem), passa a vigorar com a seguinte redação:“Art. 33 - [...]§ 3º - A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser requerida na impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos dos arts. 525 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial” (NR).

I. Adequação na Lei de Arbitragem

O art. 1.061 do Código de Processo Civil de 2015 adapta a Lei de Arbitragem à disciplina do cumprimento de sentença. Como a Lei nº 9.307/1996 é anterior à Lei nº 11.232/2005, que inseriu os arts. 475-A a 475-R no Código de Processo Civil de 1973 e instituiu novo procedimento para cumprimento de decisões inseridas em títulos judiciais, ela previa, em seu art. 33, § 3º, que a nulidade da sentença arbitral também poderia ser requerida por meio de embargos do devedor.

Contudo, como a sentença arbitral é título executivo judicial (CPC/1973, art. 475-N, inciso IV, e CPC/2015, art. 515, inciso VII), a forma correta de defesa do executado é a impugnação ao cumprimento de sentença. Portanto, trata-se de mero ajuste terminológico do art. 33, § 3º, da Lei de Arbitragem para que reflita as últimas alterações processuais.

Art. 1.062 - O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais.

I. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e os Juizados Especiais

O procedimento previsto na Lei nº 9.099/1995 para os Juizados Especiais é orientado pelos princípios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade. Nesse contexto, os in-cidentes processuais praticamente não são admitidos, com exceção da arguição de suspeição e impedimento do juiz, que são processadas em autos apartados e observando o rito do Código de Processo Civil. Todas as demais matérias de defesa devem ser arguidas na contestação (art. 30).

Assim, o legislador de 2015 visou a instituir mais uma exceção ao disposto no art. 30 da Lei nº 9.099, ao prever a aplicabilidade, ao procedimento sumaríssimo, do incidente de desconsidera-ção da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015.

Art. 1.063 - Até a edição de lei específica, os juizados especiais cíveis previstos na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, continuam competentes para o processamento e julgamento das causas previstas no art. 275, inciso II, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Arts. 1.061, 1.062 e 1.063

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I. Extinção do procedimento sumário e a competência dos Juizados Especiais

O Código de Processo Civil de 2015 extingue o procedimento sumário, previsto nos arts. 275 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973. Assim, para que não haja dúvidas quanto à in-terpretação do art. 3º, inciso II, da Lei nº 9.099/1995, o art. 1.063 em comento é expresso quanto à manutenção da competência dos Juizados Especiais para processar e julgar as causas previstas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973.

Lembre-se, contudo, que submissão ou não de determinado litígio ao procedimento dos Juiza-dos Especiais é facultativa (Lei nº 9.099/1995, art. 3º). Logo, as causas enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973 também poderão ser propostas perante a Justiça Comum, submetendo-se ao procedimento ordinário.

Art. 1.064 - O caput do art. 48 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:“Art. 48 - Caberão embargos de declaração contra sentença ou acórdão nos casos previstos no Código de Processo Civil. [...]” (NR).

I. Uniformização entre a disciplina do Código de Processo Civil e da Lei dos Juizados Especiais quanto ao cabimento dos embargos de declaração

O art. 1.064 do Código de Processo Civil de 2015 visa a uniformizar o disposto na Lei dos Jui-zados Especiais e no novo diploma processual quanto ao cabimento dos embargos de declaração. O art. 48 da Lei nº 9.099, em sua redação original, dispunha serem cabíveis embargos de decla-ração “quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida”. Contudo, no Código de Processo Civil de 2015, os declaratórios podem ser opostos para sanar obscuridade, contradição, omissão e corrigir erro material. Nesse contexto, o art. 1.064 ora ana-lisado pôs fim à incongruência entre esses diplomas legislativos e, em termos práticos, excluiu a “dúvida” como hipótese de cabimento dos embargos de declaração, passando a contemplar, por outro lado, o “erro material”, como vício ensejador do recurso integrativo.

Art. 1.065 - O art. 50 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 50 - Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso” (NR).

I. Uniformização entre a disciplina do Código de Processo Civil e da Lei dos Juizados Especiais quanto aos efeitos dos embargos de declaração

O art. 50 da Lei nº 9.099/1995, em sua redação original, assim dispunha: “quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recurso”. Entretanto, de acordo com o art. 1.026, caput, do Código de Processo Civil de 2015, os embargos de declaração possuem efeito interruptivo quanto ao prazo para interposição de recursos impugnativos. Portan-to, o art. 1.065, a exemplo do art. 1.064, tem por objetivo unificar a nomenclatura e a disciplina referente aos efeitos dos embargos de declaração em toda a legislação processual civil.

Arts. 1.064 e 1.065

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Art. 1.066 - O art. 83 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 83 - Cabem embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão. [...]§ 2º - Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso” [...] (NR).

I. Uniformização entre a disciplina do Código de Processo Civil e da Lei dos Juizados Especiais quanto ao cabimento dos embargos de declaração

Trata-se de mais um dispositivo que visa a uniformizar o tratamento dado aos embargos de declaração no Código de Processo Civil e na Lei nº 9.099/1995. O art. 1.066 do Código de Pro-cesso Civil de 2015 altera o art. 83 da Lei nº 9.099/1995 que trata dos embargos de declaração no procedimento dos Juizados Especiais Criminais, estabelecendo, como hipóteses de cabimento, obscuridade, contradição e omissão, bem como o efeito interruptivo do recurso integrativo.

Art. 1.067 - O art. 275 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), passa a vigorar com a seguinte redação:“Art. 275 - São admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil.§ 1º - Os embargos de declaração serão opostos no prazo de 3 (três) dias, contado da data de publicação da decisão embargada, em petição dirigida ao juiz ou relator, com a indicação do ponto que lhes deu causa.§ 2º - Os embargos de declaração não estão sujeitos a preparo.§ 3º - O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias.§ 4º - Nos tribunais:I - o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente, proferindo voto;II - não havendo julgamento na sessão referida no inciso I, será o recurso incluído em pauta;III - vencido o relator, outro será designado para lavrar o acórdão.§ 5º - Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso.§ 6º - Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a 2 (dois) salários mínimos.§ 7º - Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até 10 (dez) salários mínimos” (NR).

I. Uniformização entre a disciplina do Código de Processo Civil e do Código Eleitoral quanto aos embargos de declaração

O art. 1.067 do Código de Processo Civil de 2015 reflete a preocupação do legislador em uni-formizar as hipóteses de cabimento e os efeitos dos embargos de declaração. O Código Eleitoral,

Arts. 1.066 e 1.067

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em sua redação original, a exemplo da Lei nº 9.099/1995, também arrolava a “dúvida” como hi-pótese de cabimento dos declaratórios. Embora a dúvida deflua da própria obscuridade, trata-se de hipótese dotada de alto grau de subjetividade e que não está prevista no Código de Processo Civil. A nova redação dada ao art. 275 do Código Eleitoral corrige essa incongruência para es-tabelecer que “são admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil”. O dispositivo passa a contemplar ainda diferentes procedimentos para proces-samento e julgamento dos embargos, conforme sejam opostos em primeira ou segunda instância. Por fim, destaque-se o efeito interruptivo dos embargos quanto ao prazo para interposição de recursos impugnativos – em substituição à incorreta menção a efeito suspensivo –, bem como a previsão de multa de dois salários em caso de embargos manifestamente protelatórios.

Art. 1.068 - O art. 274 e o caput do art. 2.027 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 274 - O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles. [...]” (NR).“Art. 2.027 - A partilha é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos. [...]” (NR).

I. Aprimoramento de dispositivos do Código Civil: art. 274

O art. 1.068 do Código de Processo Civil de 2015 visa a aprimorar a redação dos arts. 274 e 2.027 do Código Civil.

No que se refere ao art. 274, sua redação era objeto de críticas, especialmente diante da parte final do dispositivo, que, incongruentemente, afirmava que o julgamento favorável a um dos cre-dores solidários aproveita aos demais “a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve”. Contudo, por razões óbvias, o julgamento favorável ao credor não pode estar fundado em exceção pessoal, pois esta é uma alegação da defesa. Assim, se o julgamento estiver fundado em exceção pessoal, a decisão seria desfavorável e, desse modo, não estenderia seus efeitos aos demais credores.

Nessa senda, o Código de Processo Civil de 2015 aprimora a redação do art. 274 do Código Civil, especialmente de sua parte final, para dispor que, na solidariedade ativa, o julgamento contrário a um dos credores não atinge os demais; porém, o julgamento favorável aproveita-lhes, ressalvado o direito do(s) devedor(es) de invocar(em) exceção pessoal contra qualquer dos credores solidários que se aproveitaram do julgamento. Contra o credor solidário que ajuizou a demanda, nada mais pode ser alegado, em atenção à coisa julgada e sua eficácia preclusiva, nos termos do art. 474 do Código de Processo Civil de 1973 e do art. 508 do Código de Processo Civil de 2015.

A nova redação dada ao art. 274 corresponde à interpretação que vinha sendo feita do disposi-tivo pela doutrina e jurisprudência. A coisa julgada, neste caso, é secundum eventum litis no que se refere a sua extensão aos demais credores solidários.

Art. 1.068

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II. Aprimoramento de dispositivos do Código Civil: art. 2.027Quanto ao art. 2.027 do Código Civil, seu caput foi alterado também diante da criticável

redação de 2002. Com efeito, o art. 2.027, em sua redação original, dispunha que “a partilha uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos”. A expressão “feita e julgada” gerava dúvidas quanto ao alcance do dispositivo, pois dava a entender que este se aplicaria tanto para partilhas promovidas amigavelmente como para partilhas judiciais, decretadas por sentença em procedimento litigioso.

Todavia, se a partilha for judicial, com decisão de mérito quanto à divisão do espólio, e a sentença apresentar vício, deve ser desconstituída por ação rescisória. Mas, se a partilha for ami-gável, a decisão judicial é meramente homologatória e, desse modo, sua invalidação se dá por demanda anulatória. Caso o vício seja grave, cominando o ato de nulidade absoluta, a propositura da demanda não se sujeita a prazo decadencial. Porém, se o vício for de mera anulabilidade, a demanda visando à invalidação deve ser ajuizada no prazo decadencial de um ano. Essa interpre-tação coaduna-se com o disposto nos arts. 1.029 e 1.030 do Código de Processo Civil de 1973, correspondentes aos arts. 657 e 658 do Código de Processo Civil de 2015.

Por fim, embora o art. 1.068 ora analisado não tenha mencionado expressamente que apenas a redação do caput do art. 2.027 do Código Civil estaria sendo alterada, é razoável se entender que o parágrafo único teria sido mantido, especialmente porque ele se coaduna com os art. 657, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015.

Art. 1.069 - O Conselho Nacional de Justiça promoverá, periodicamente, pesquisas estatísticas para avaliação da efetividade das normas previstas neste Código.

I. Conselho Nacional de Justiça e a realização de pesquisas estatísticasO Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um órgão de controle do Poder Judiciário, criado pela

Emenda Constitucional nº 45/2004. O art. 1.069 do Código de Processo Civil de 2015 contempla um comando para o CNJ para que este levante subsídios para auxiliar o aprimoramento e a evo-lução da prestação jurisdicional no país.

Nos termos da Lei nº 11.364/2006, já funciona junto ao CNJ o Departamento de Pesquisas Jurí-dicas (DPJ), com sede em Brasília (art. 5º). Os objetivos do DPJ são (i) desenvolver pesquisas destinadas ao conhecimento da função jurisdicional brasileira; (ii) realizar análise e diagnóstico dos problemas estruturais e conjunturais dos diversos segmentos do Poder Judiciário; e (iii) for-necer subsídios técnicos para a formulação de políticas judiciárias.

Art. 1.070 - É de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição de qualquer agravo, previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal.

I. Prazo para interposição de agravo interno

O Código de Processo Civil de 2015 unificou todos os prazos recursais, que passarão a ser

Arts. 1.069 e 1.070

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de 15 (quinze) dias, com exceção do interregno para oposição de embargos de declaração, que permanece de 5 (cinco) dias (art. 1.003, § 5º).

Nessa mesma linha, o art. 1.070 dispõe que o prazo para interposição de qualquer agravo pre-visto em lei ou regimento interno dos tribunais passará a ser de 15 dias.

Ressalte-se, todavia, que o Código de Processo Civil de 2015 não pode simplesmente modificar os regimentos internos dos tribunais. Esses atos normativos são editados pelo Poder Judiciário e, embora não possam contrariar a lei, devem ser alterados pelo próprio órgão que os elaborou.

Na verdade, os regimentos internos nem sequer poderiam prever recursos em sentido contrá-rio ao que dispõe a legislação. Portanto, bastaria o Código de Processo Civil de 2015 dilatar o interregno para interposição de agravos internos, como fez no art. 1.003, § 5º, para que esse novo prazo prevaleça sobre qualquer interregno mencionado nos regimentos internos dos tribunais.

Certamente a intenção do legislador foi evitar qualquer controvérsia quanto ao prazo para agravo interno após a entrada em vigor do novo diploma, especialmente diante da larga utiliza-ção em todo país dos chamados “agravos regimentais”, que nem sequer poderiam existir diante da impossibilidade legal de os regimentos internos dos tribunais criarem recurso não previsto na legislação federal.

Por fim, no que se refere aos recursos de agravo previstos em outras leis anteriores ao Códi-go de Processo Civil de 2015, o art. 1.070 está correto e a uniformização feita por ele deve ser elogiada.

Art. 1.071 - O Capítulo III do Título V da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A:“Art. 216-A - Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente.IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Art. 1.071

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§ 1º - O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.§ 2º - Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.§ 3º - O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.§ 4º - O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.§ 5º - Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.§ 6º - Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.§ 7º - Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.§ 8º - Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.§ 9º - A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.§ 10 - Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum”.

I. Procedimento extrajudicial de usucapião

O Código de Processo Civil de 2015 introduz no ordenamento brasileiro, como uma opção ao jurisdicionado, o procedimento extrajudicial de usucapião, que se processa perante o Cartório de Registro de Imóveis.

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A concessão da usucapião, pela via administrativa, foi instituída no Brasil por meio da Lei nº 11.977/2009, em seu art. 60. Contudo, esse diploma é aplicável apenas para usucapião especial urbano, previsto no art. 183 da Constituição Federal, e no contexto especial de projetos de regu-larização fundiária.

A usucapião extrajudicial prevista no Código de Processo Civil de 2015, por outro lado, terá ampla abrangência, podendo ser aplicada para qualquer espécie de usucapião prevista na legis-lação brasileira.

O dispositivo insere-se no contexto de diversas mudanças legislativas que visam a desjudi-cializar a solução de situações não litigiosas e que, no entanto, demandariam a intervenção do Poder Judiciário para produção de efeitos. Assim, alguns procedimentos vêm sendo atribuídos a notários visando a garantir uma solução célere, tais como retificação extrajudicial de registro imobiliário (Lei nº 10.931/2004), divórcio e inventário extrajudiciais (Lei nº 11.441/2007), con-signação em pagamento extrajudicial (art. 890 do Código de Processo Civil de 1973, com reda-ção da Lei nº 8.951/1994, e art. 539 do Código de Processo Civil de 2015).

Como se depreende do art. 216-A, que será inserido na Lei de Registros Públicos, a usucapião extrajudicial imprescinde do consenso entre o titular do direito, o proprietário do bem indicado no registro imobiliário, eventuais titulares de outros direitos mencionados na matrícula do bem e os proprietários de imóveis confinantes. Diante da imprescindibilidade do consenso, pode-se prever que a usucapião extrajudicial será um instrumento com maior utilização em casos de re-gularização fundiária, como, por exemplo, diante de negócio jurídico realizado que não pôde ser registrado por questões formais.

O requerimento de usucapião deverá ser instruído com: (i) ata notarial atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores; (ii) planta e memorial descritivo assinado por profis-sional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos regis-trados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; (iii) certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; e (iv) justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a con-tinuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Recebida a petição, devidamente instruída, o oficial de registro procederá à prenotação no livro de protocolo e a autuará. Se falta algum documento, formulará nota devolutiva entregue ao requerente, para que supra a ausência. Caso algum dos interessados mencionados no item (ii) anterior deixe de assinar a planta e o memorial descritivo, será notificado para dar sua anuência em 15 dias, interpretando-se o silêncio como discordância.

União, Estado, Distrito Federal e Município também serão notificados do procedimento ins-taurado para se manifestarem em 15 dias. O oficial do registro de imóveis deverá publicar edital em jornal de grande circulação para ciência de terceiros interessados. Admitem-se diligências para solucionar eventuais dúvidas, a serem realizadas pelo oficial do registro de imóveis.

Se toda a documentação estiver em ordem e na ausência de impugnação por parte dos titulares de direitos indicados na matrícula do imóvel, bem como dos demais interessados, o pedido será deferido e a usucapião será averbada no registro imobiliário. Caso contrário, o oficial do regis-tro de imóveis rejeitará o pedido e essa rejeição não impede a propositura de ação de usucapião perante o Poder Judiciário.

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Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.

Como se verifica, a principal vantagem do procedimento extrajudicial de usucapião é sua cele-ridade. Como se assemelha ao procedimento de retificação consensual, previsto nos arts. 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, não é equivocado estimar que deva durar entre 90 e 120 dias.

Art. 1.072 - Revogam-se:I - o art. 22 do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937;II - os arts. 227, caput, 229, 230, 456, 1.482, 1.483 e 1.768 a 1.773 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);III - os arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950;IV - os arts. 13 a 18, 26 a 29 e 38 da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990;V - os arts. 16 a 18 da Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968; eVI - o art. 98, § 4º, da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.

I. Disposições revogadas

O último dispositivo do Código de Processo Civil de 2015 trata das disposições que ficam revogadas por contrariarem artigos do novo diploma, porque as matérias nelas previstas foram tratadas pelo Código, ou porque o legislador optou por retirar tais normas do sistema.

Com efeito, o direito de preferência da União, dos Estados e dos Municípios na alienação de bens tombados, previsto no art. 22 do Decreto-Lei nº 25/1937, passará a ser regulado pelos arts. 889, inciso VII, e 892, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015.

No que se refere ao Código Civil, foram revogados dispositivos relacionados à disciplina do direito probatório (arts. 227, caput, 229 e 230), ao exercício do direito do adquirente em caso de evicção (art. 456), ao direito de remir (arts. 1.482 e 1.483) e ao procedimento de interdição (arts. 1.768 a 1.773). Essas questões estão reguladas de modo diverso no Código de Processo Civil de 2015. A prova testemunhal, no novo diploma, será admitida para a prova de qualquer contrato independentemente do valor (arts. 442 e seguintes). O disposto no art. 229 do Código Civil está regulado de modo diverso nos arts. 388 e 448 do Código de Processo Civil de 2015. No que se re-fere ao art. 230 do Código Civil, o legislador simplesmente preferiu excluí-lo do sistema. Como o Código de Processo Civil de 2015 pôs fim ao entendimento de que a denunciação da lide seria obrigatória em caso de evicção, o art. 1.072 revogou o art. 456 do Código Civil, que corroborava tal interpretação. No que se refere aos arts. 1.482 e 1.483, a mesma matéria está regulada nos arts. 826, 877, § 4º, e 902, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015. Por fim, todo o procedimento da interdição passou a ser disciplinado pelo Código de Processo Civil de 2015, nos arts. 747 e seguintes, justificando-se assim a revogação dos arts. 1.768 a 1.773 do Código Civil.

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Além disso, diversos dispositivos da Lei nº 1.060/1950 foram revogados, pois a matéria neles regulada passou a ser prevista no Código de Processo Civil de 2015, nos arts. 98 e seguintes, sob o título da Gratuidade da Justiça.

A Lei nº 8.038/1990 trata de determinados procedimentos perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Foram revogados os artigos que tratam da reclamação (arts. 13 a 18), dos recursos extraordinário e especial (arts. 26 a 29) e dos poderes do relator (art. 38), pois tais matérias foram disciplinas no Código de Processo Civil de 2015, nos arts. 988 a 993, 1.029 a 1.044 e 932, respectivamente, ainda que com abrangência maior.

Diante das mudanças promovidas pelo legislador na execução de alimentos (CPC/2015, art. 528 a 533), foram revogados os arts. 16 a 18 da Lei nº 5.478/1968.

Por fim, foi revogado também o art. 98, § 4º, da Lei nº 12.529/2011. Referido dispositivo instituiu ônus processual para a parte que almejasse discutir em juízo determinada decisão admi-nistrativa do Cade. Vale dizer, competia ao autor, na demanda que tivesse por objeto decisão do Cade, “deduzir todas as questões de fato e de direito, sob pena de preclusão consumativa, repu-tando-se deduzidas todas as alegações que poderia deduzir em favor do acolhimento do pedido, não podendo o mesmo pedido ser deduzido sob diferentes causas de pedir em ações distintas, salvo em relação a fatos supervenientes”. Eventuais causas de pedir não alegadas como funda-mento para a desconstituição do ato não poderiam ser invocadas posteriormente, nem mesmo em demanda futura, caso a primeira fosse julgada improcedente. Ficavam excluídos da abrangência do dispositivo apenas fatos supervenientes. A norma visava a solucionar definitivamente a con-trovérsia em torno da validade ou não de determinada decisão do Cade. Como o Código de Pro-cesso Civil de 2015 não adotou ônus semelhante, a manutenção do art. 98, § 4º, da Lei nº 12.529 criaria uma incongruência no sistema, fazendo com que o autor de demanda que tenha por objeto decisão do Cade tenha que cumprir ônus não imposto em nenhum outro tipo de demanda. Por esse motivo, optou-se pela revogação.

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