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compilaes doutrinais

VERBOJURIDICO

verbojuridico

______________

ABRIL 2008

A VENDA A RETRO (EM GARANTIA) DE UM DIREITO DE CRDITO

TITULARIDADE DO DIREITO AOS JUROS NA VIGNCIA DO CONTRATO

___________

LOURENO DE CARVALHO E LEME CRTE-REAL

ESTUDANTE FINALISTA DE DIREITO

2 : A VENDA A RETRO [EM GARANTIA] DE UM DIREITO DE CRDITO VERBOJURIDICO

Ttulo: A VENDA A RETRO (EM GARANTIA) DE UM DIREITO DE CRDITO.

TITULARIDADE DO DIREITO AOS JUROS NA VIGNCIA DO CONTRATO

Autor: Loureno de Carvalho e Leme Crte-Real Estudante Finalista de Direito Universidade Catlica Portuguesa Centro Regional do Porto (Plo da Foz) Trabalho realizado para a cadeira de Garantias das Obrigaes. Orientadora: Sra. Dra. Maria Joo Tom

Data de Publicao:

Abril de 2008

Classificao

Direito das Obrigaes

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LOURENO DE CARVALHO E LEME CRTE-REAL TITULARIDADE DE DIREITO A JUROS NA VIGNCIA DO CONTRATO : 3

Sumrio

Sumrio ................................................................................................................................. 3Apresentao () .................................................................................................................... 51. Introduo. Noo de venda a retro e regime geral. ................................................. 72. Distino de figuras prximas. .................................................................................. 113. A venda a retro de um crdito. .................................................................................. 13

Os juros do crdito. Noo. ........................................................................................... 15Anlise sumria das vrias modalidades da obrigao de juros. .............................. 17Os juros na venda a retro. Titularidade. ..................................................................... 20

4. Concluses. .................................................................................................................. 22Bibliografia. ........................................................................................................................ 24Jurisprudncia citada. () ................................................................................................... 24


Apresentao (1)

Este trabalho apresentado no mbito da avaliao contnua da cadeira de Garantias das

Obrigaes.

Visa-se ao longo da exposio explicar o regime geral da venda a retro, bem como

distingui-la de algumas figuras prximas, como por exemplo o direito de preferncia

convencional que vem regulado pelo nosso Cdigo Civil nos arts. 414 e seguintes, aos

quais se aplicam algumas disposies especiais, como por exemplo o art. 1410, a

propsito do que se dispe sobre a aco de preferncia, como meio de reaco violao

do direito (no caso de ter natureza convencional creditcio , mas que seja um bem ao qual

tenha sido atribuda eficcia erga omnes ou real, no sentido de direito legal de preferncia,

dado que estes tm por objecto bens imveis, e como tal, so j dotados daquela eficcia

perante terceiros) de preferncia, por parte do obrigado a comunicar o projecto de venda

que tenha acertado com terceiro ao preferente art. 416 e 1410 do Cdigo Civil.

Com este trabalho temos tambm em mente verificar quais os campos de aplicao da

venda a retro, desde logo explicando a sua funo de garantia, bem como analisar os seus

principais campos de aplicao, ou seja, verificar-se- se esta tem que ter por objecto

coisas fsicas sejam estas mveis ou imveis ou se, pelo contrrio, poder incidir sobre

um simples direito de crdito por exemplo, uma conta bancria, ou qualquer outro direito

de crdito. Admitindo-se, como veremos, a venda a retro sobre direitos de natureza

creditcia, veremos se estes produzem ou no juros, figura a propsito da qual daremos a

sua noo, bem como alguns exemplos de modalidades que esta obrigao pode revestir.

Por ltimo, veremos qual a esfera jurdica dos sujeitos em que nasce a titularidade do

direito aos juros e qual o papel da autonomia privada neste domnio, dada a especial

natureza da obrigao de juros, que autnoma da obrigao de capital, mas que a

pressupe, conforme veremos adiante.

No entanto, apesar de termos procurado bastante no encontrmos quaisquer referncias

jurisprudenciais ao problema da obrigao de juros e a sua ligao com a venda a retro de

um direito de crdito. No , contudo, por este motivo que devemos assumir que a figura

(1) Alerta-se o Leitor para a ausncia de uma lista de siglas e abreviaturas. No se juntou tal lista, pois que estas foram utilizadas em nmero reduzido, tendo sido explicitadas quer no corpo de texto, quer em nota de p de pgina.


em causa no levanta problemas na sua resoluo, podendo vir a ser objecto de

jurisprudncia dos tribunais superiores.

Aproveita-se esta nota introdutria para agradecer Sra. Dra. Maria Joo Tom algumas

luzes sobre a forma como poderia desenvolver esta temtica, no mbito de mais uma figura

em que o direito de propriedade desempenha uma funo de garantia do cumprimento da

obrigao, sem que, no entanto, estejamos perante uma garantia real, como a hipoteca ou o

penhor de coisas.


1. Introduo. Noo de venda a retro e regime geral.

A venda a retro um dos contratos que encontra-se prevista no Livro das Obrigaes do

Cdigo Civil (2), mais concretamente da parte que trata dos contratos em especial, vindo

regulada pelos artigos 927 e seguintes do CC. O seu regime mantm-se inalterado desde a

entrada em vigor, em 1967, do Cdigo Civil.

Este um contrato que assenta sobre o regime do contrato de compra e venda, que

constitui, sem margem para dvidas, o principal contrato que ocupa o direito civil e que

serve de modelo e paradigma para outros contratos, que sobre este so construdos. Temos

desde logo o exemplo da venda a retro, cujos efeitos so os mesmos do contrato de compra

e venda art. 879: transmisso da propriedade, obrigao de entregar a coisa, obrigao

de pagar o preo.

O contrato de compra e venda a retro no novo entre ns. Pelo contrrio j era objecto de

regulamentao em pocas histricas recuadas, se bem que tenha sido abolido pelo Cdigo

de Seabra, por ser entendido que este contrato poderia servir os interesses da usura. Da

que o legislador de ento o tenha abolido (3) / (4).

Este contrato aquele em que o vendedor se reserva a faculdade de resolver o contrato,

sem que para isso tenha que dar ao comprador qualquer motivo para fundamentar a sua

pretenso cfr. art. 927. H, desta maneira, um poder discricionrio do vendedor em

exercer o direito de resoluo que prprio do contrato de compra e venda a retro (5).

No h qualquer disposio que diga que tem que ser celebrado por escrito. Por isso de

entender que se aplicam as regras gerais da liberdade de forma (art. 219 do CC)

relativamente a bens mveis, e dever ser celebrada por escritura pblica quando se trate

da alienao de um bem imvel art. 875 do CC. No entanto no necessrio que do

contrato conste expressamente a expresso "venda a retro". Se do contrato se depreender

que este foi celebrado com funo de garantia do capital mutuado e que assenta na

possibilidade do vendedor resolver o contrato sem qualquer motivo, parece que, por

interpretao e integrao da declarao negocial (arts. 238 e 239) este ser

perfeitamente vlido. (2) De ora em diante este diploma legislativo ser unicamente referenciado pela sigla CC. (3) Cfr. neste sentido Fernando Andrade Pires de Lima e Joo de Matos Antunes Varela, Cdigo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1968, em anotao ao art. 927 do Cdigo Civil. (4) Vd. Ac. STJ de 14-06-83, in www.dgsi.pt, segundo o qual " na vigncia do Cdigo de 1867 era proibida a venda a retro e nula a venda realizada contra essa proibio". (5) Esta informao foi adquirida na aula de Garantias das Obrigaes onde esta matria foi leccionada.


Este contrato tem uma eficcia real provisria, porque regra geral celebrado como funo

de garantia do cumprimento da obrigao, na medida em que o preo pago pelo comprador

ao vendedor tende a ser o capital mutuado, servindo o objecto da compra e venda como

garantia do crdito do comprador. Este no quer ficar com o bem para si, nem o vendedor

o quer perder definitivamente, podendo resolver o contrato em qualquer altura, desde que

respeitados os prazos do art. 929 do CC. De acordo com o n. 2 deste preceito "se as

partes convencionarem prazo ou prorrogao de prazo que exceda o limite de dois ou

cinco anos a partir da venda, a conveno considera-se reduzida a este preciso limite", ou

seja, opera-se uma verdadeira reduo do negcio jurdico por fora da lei, sem que seja

necessrio que estejam preenchidos os requisitos constantes do art. 292 do CC.

Vimos j que este o contrato que assenta na possibilidade do vendedor a retro resolver o

contrato em qualquer altura, no tendo que dar ao comprador qualquer motivo para isso

mesmo. Os seus nicos limites para poder resolver o contrato so os que constam do art.

929: em relao aos prazos dentro dos quais pode exercer o seu direito.

Aparentemente isto poderia resultar numa desproteco do vendedor a retro, pelo facto de

o comprador vender o bem ao primitivo vendedor por um preo mais elevado. Ora isto no

possvel por aplicao do disposto no art. 928 que considera nula a clusula pela qual o

vendedor tenha de a readquirir o bem por preo superior quele pelo qual foi feita a venda,

assim como tambm se considera nula a clusula pela qual atribuda ao comprador

alguma vantagem ou contrapartida pelo exerccio do direito de resoluo.

Mas o vendedor no est s protegido por este artigo. Tem outras formas de proteco e

tutela, na medida em que o art. 932, onde se considera que oponvel a terceiros a

clusula de venda a retro, desde que esta incida sobre coisas imveis ou mveis sujeitas a

registo, desde que tenha sido registada, nos termos do Cdigo de Registo Predial ou

Cdigo de Registo de Bens Mveis, em relao ltima hiptese. Aqui no se levantam

quaisquer problemas. Situao que pode ser diferente em relao aos bens mveis no

sujeitos a registo. a clusula oponvel a terceiros? Ou o comprador pode, de m f,

alienar o bem objecto da venda a retro a terceiro de boa f, ou seja, a um terceiro que

desconhece por completo a existncia daquela clusula de venda a retro? A soluo no

fcil e transparente. No entanto parece que a clusula poder ser oposta a terceiros, mesmo

que estes estejam de boa f, por aplicao do regime da venda com reserva de propriedade,

dado que tem sido entendimento maioritrio na doutrina que a clusula de reserva de


propriedade (art. 409) pode ser oposta a terceiros de boa f (6), ainda que isso, de certa

forma, os possa desproteger.

Vamos agora ver o caso de o vendedor decidir resolver o contrato. uma possibilidade que

decorre expressamente do art. 927 e tpica deste negcio jurdico. Para que ele possa

exercer o direito de resoluo vimos j que necessrio que respeite os prazos do art.

929, operando-se uma reduo do negcio jurdico por fora da lei se houver estipulao

de prazo superior ao daquele preceito.

Quando o vendedor exerce o direito de resoluo ter que restituir ao comprador o crdito

mutuado, dado que o preo pelo qual foi feita a venda corresponde ao capital emprestado

pelo credor ao devedor (7). Esta uma forma de obter capital sem que seja necessrio

recorrer s instituies de crdito, evitando-se assim o pagamento de juros (8), porque

resulta do art. 928, n. 1 que nula a clusula pela qual seja atribuda alguma vantagem

ao comprador: quando exercido o direito de resoluo. E neste caso o pagamento de juros

constituiria, sem dvida, uma vantagem atribuda ao comprador, porque ele iria receber

mais do que aquilo a que tinha direito (9). Desta forma evita-se que o contrato de compra e

venda a retro seja um negcio usurrio (10).

(6) Neste sentido vd. Lus Manuel Telles de Menezes Leito, Garantias das Obrigaes, 1 edio, Lisboa Almedina Editora, 2006, pp. 262, bem como Joo de Matos Antunes Varela, Das Obrigaes em Geral, 1 Vol., 10 edio, Almedina Editora, 2005, pp. 306, com os diversos fundamentos em ambos os locais invocados. (7) Neste sentido veja-se o Ac. STJ de 19-09-2006, in www.dgsi.pt. Aqui afirma-se expressamente que, e passamos a transcrever, " a venda a retro prevista nos arts. 927 e ss. do Cdigo Civil compatvel com a existncia de um contrato de mtuo em que o muturio ali vendedor e o mutuante ali comprador, servindo aquela venda de garantia do cumprimento do mtuo, cumprimento este que determinar ou no a resoluo daquela venda". (8) A propsito da obrigao de juros, discorreremos sobre ela, infra, em 3.1. (9) As coisas j no se passam naqueles termos no caso de a compra e venda a retro ter por objecto um direito que, por sua natureza, d lugar ao nascimento de juros. Numa tal situao aqueles juros pertencero ao comprador, conforme veremos mais adiante (infra, n. 3 do presente trabalho), no correspondendo isso a qualquer vantagem atribuda ao comprador a retro, porque quando o direito de crdito for, novamente, transmitido ao vendedor este no ter qualquer dever de pagar mais do que o valor do seu crdito. O mesmo acontece quando o objecto deste contrato no um direito de crdito, mas sim uma coisa corprea, mvel ou imvel, que se valorize ou desvalorize, oscilando em funo do mercado. Em qualquer dos casos o vendedor a retro s ter que pagar ao comprador o preo primitivo, pago aquando da concluso daquele contrato. A hiptese estatuda pelo art. 928 refere-se expressamente aos casos de reaquisio do bem e s a estes. J no aos frutos eventualmente produzidos, que pela sua natureza, pertencem ao comprador porque na sua esfera de direitos nascem. Assim sendo no parece que o artigo 928 do Cdigo Civil se dirija s obrigaes acessrias do capital que tm um regime em tudo diferente, desde logo porque constituem obrigaes autnomas, sobre as quais se podem constituir, validamente, quaisquer tipos de negcios jurdicos. Em relao s obrigaes principais vendidas a retro que o preceito probe que ao primitivo comprador seja atribuda qualquer vantagem especial, ou que o primitivo vendedor tenha que pagar um preo superior quele pelo qual foi efectuado aquele contrato com funo de garantia. este o sentido que parece dever ser dado ao preceito quando este fere de nulidade tais clusulas e vantagens ilegitimamente atribudas ao primitivo comprador. Se este quiser obter vantagens (por exemplo, uma compensao pela impossibilidade de fruio do capital) ento poder recorrer a outro tipo contratual, como seja o caso do contrato de mtuo que, nos termos expressos do art. 1145 presumivelmente oneroso no caso de se levantarem dvidas sobre a vontade das partes subjacente celebrao daquele contrato. Por fora desta disposio h uma interpretao forada daquele negcio jurdico por vontade do legislador no sentido da onerosidade daquele tipo contratual realizado pelas partes. Agora no caso do objecto da venda a retro ser um direito de natureza creditcia que produza, por fora do seu regime, frutos civis, estes pertencero ao comprador, porque este contrato tem os efeitos gerais do contrato de compra e venda. Estamos a pensar no principal: a transferncia da propriedade por mero efeito do contrato (art. 408, n. 1 e art. 879, alnea a) do CC). Assim como a propriedade se transmitiu aqueles frutos nascero na esfera jurdica do proprietrio, havendo, consequentemente, uma verdadeira aquisio originria e no derivada, como poderia parecer daquele direito aos juros produzidos pelo direito vendido a retro e com uma funo de garantia do cumprimento da obrigao


Exercido o direito de resoluo, ento o vendedor tem que restituir ao comprador o preo

pago e este ter que restituir o objecto da compra e venda, cuja propriedade se transmitiu

para a sua esfera jurdica por mero efeito do contrato art. 408 e 879 do CC. por isso

lcito afirmar que o exerccio do direito de resoluo, ao qual se aplicam as disposies dos

arts. 432 e ss. do CC, tem os efeitos da declarao de nulidade do contrato (por remisso

do art. 433): h obrigao de restituio do preo pago e do objecto da compra e venda.

Por este motivo diz-se que este contrato tem uma eficcia real provisria, porque o

vendedor nunca quis despojar-se, definitivamente, da coisa, assim como o comprador

nunca quis na realidade ficar com ela. Mas essa eficcia real permanece enquanto durar a

vigncia do contrato.

Outro problema que se pode pr o seguinte: se o vendedor no exercer o direito de

resoluo ou deixar passar o prazo durante o qual o pode exercer, tem o comprador a

faculdade de fazer sua a coisa? Parece que no. E assim parece, porque ser de aplicar

nesta sede o art. 694 que probe o pacto comissrio, ou seja ser nula (art. 286, com os

efeitos do art. 289) a clusula em que o comprador faz sua a coisa objecto da hipoteca,

neste caso, da venda a retro. Tambm obsta a que o comprador fique com a coisa objecto

da venda a retro porque, regra geral, a coisa vendida ter um valor superior ao do crdito

mutuado, pois que, caso contrrio, no haveria qualquer funo de garantia. Desta forma se

o vendedor no quiser reaver a propriedade do bem, este ter que ser avaliado por terceiro

independente, havendo lugar restituio do excesso, em ordem a evitar um

enriquecimento sem causa, isto no caso de no considerarmos aplicvel o disposto no art.

694 venda a retro, dado que literalmente aquele preceito no se refere a este contrato. No

entanto o mesmo parece ser aplicvel, dado que aqui h uma certa analogia entre esta

figura e as garantias reais, onde sempre proibido o pacto comissrio (11).

Outra alternativa verificao do pacto comissrio que admitimos como vlido a

propsito da venda a retro e esta no uma garantia real a seguinte: se o vendedor no

quiser reaver o bem e se o comprador no ficar com ele, sem que se faa a avaliao por

terceiro independente, ento parece que o bem poder ser alienado, restituindo-se o

excesso ao vendedor, sob pena de enriquecimento sem causa do comprador, porque, como

relacionada com o objectivo (legtimo) que as partes quiseram ao celebrar aquele contrato, naqueles termos precisos. J quanto aquisio do objecto principal do contrato a estaremos perante uma simples aquisio derivada, porque o direito nasce na esfera do comprador, nos mesmos termos em que este pertencia ao vendedor a retro. (10) Cfr. neste sentido Fernando Andrade Pires de Lima e Joo de Matos Antunes Varela, Cdigo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1968, em anotao ao art. 928 do Cdigo Civil. (11) Cfr. Neste sentido vd. Lus Manuel Telles de Menezes Leito, Garantias das Obrigaes, 1 edio, Lisboa Almedina Editora, 2006, pp. 274.


referimos, o bem vendido a retro pode ter, e normalmente tem, um valor superior ao do

crdito mutuado. H lugar liquidao do bem vendido a retro.

Em alternativa, se o vendedor decidir resolver o contrato ter que recomprar o bem ao

primitivo comprador pelo preo pelo qual foi feita a primeira compra , reavendo, deste

modo, a propriedade do bem.

A funo de garantia desta figura reside nisto mesmo. O devedor no quer ficar

definitivamente sem o bem, nem o comprador quer ficar com ele a ttulo definitivo. No

entanto, como o bem est na esfera jurdica do comprador, o devedor , por este modo,

compelido a cumprir a sua obrigao, restituindo ao primeiro o capital mutuado.

2. Distino de figuras prximas.

Este contrato um contrato tpico dado que se encontra previsto na lei civil portuguesa.

Como apresenta, no entanto, algumas semelhanas com outros tipos contratuais tpicos do

nosso ordenamento jurdico, seja em sede geral, seja em alguns pontos especficos, cumpre

fazer algumas distines entre as vrias figuras jurdicas que podem entrar em confronto,

quando as tentamos qualificar.

Desde logo um contrato que se distingue do pacto de preferncia (12), ou se preferirmos,

do direito de preferncia convencional, previsto e regulado pelos arts. 414 e seguintes do

CC. Distingue-se deste tipo contratual, porque nele nenhuma das partes se obriga a

celebrar nenhum contrato. A obrigao de dar preferncia a outrem na venda de

determinada coisa (art. 414) nasce quando o sujeito passivo se decide a contratar, ficando

a obrigado a comunicar o projecto de venda que tenha sido celebrado com terceiro ao

preferente. Este ltimo no se obriga a contratar, pois que pode optar por no preferir, ou

deixar o seu direito caducar, ficando o obrigado preferncia livre para celebrar contrato

com quem quiser, desde que respeitadas as condies que foram propostas ao preferente.

certo que, no caso do negcio entre o obrigado preferncia e o terceiro vier a decair por

qualquer motivo, o direito do preferente no renasce, podendo o antigo devedor celebrar

novo contrato com outrem, nos termos e condies que s partes aprouver.

A venda a retro tem uma natureza diferente. Aqui celebrado um contrato de compra e

venda, com transmisso da propriedade (art. 408, n. 1 e art. 879, alnea a)). A diferena

(12) Vd. Joo de Matos Antunes Varela, Das Obrigaes em Geral, ob. cit., pp. 377.


resulta no facto de a venda a retro assentar numa condio resolutiva (13) arts. 270 e

927, contrariamente ao que sucede no direito de preferncia de natureza convencional (e

tambm real!), que assenta, este sim, numa condio suspensiva art. 270 e art. 414 -:

na condio de o obrigado preferncia se decidir a contratar. Nada o obriga a tal. Apenas

a sua deciso em tal sentido far nascer o direito na esfera jurdica do preferente. Na venda

a retro o vendedor pode resolver o contrato, sem que para isso tenha que dar qualquer

motivo ao comprador.

A proximidade das duas figuras reside no facto de ambas assentarem em condies. Num

caso, a condio resolutiva (no sentido de que o devedor no tem que invocar qualquer

fundamento para o exerccio do seu direito de resoluo) e a estaremos face a uma venda

retro; no outro, estaremos face a uma condio suspensiva, pelo que se figurar a um

direito de preferncia.

Outra situao semelhante a esta figura a do negcio celebrado sob condio suspensiva

ou condio resolutiva. Se pensarmos no caso de algum vender um terreno a outrem, na

condio desta construir l seja o que for, no estamos perante uma venda a retro, mas sim

face a um negcio condicional, em que a propriedade s se transmitir quando e se for

construdo o prdio sobre esse terreno. No o sendo a propriedade nunca se transmite, dado

no ter sido construdo nada sobre ele no verificao da condio. S quando vier a ser

construdo o prdio que o comprador ficar constitudo no direito de propriedade sobre o

terreno (14).

Desta forma, se o vendedor tiver a inteno de resolver o contrato s o poder fazer nos

termos previstos nos arts. 432 e seguintes do Cdigo Civil.

A idntica soluo deve chegar-se no caso de o negcio ser celebrado sob a condio

resolutiva: assim se o negcio for celebrado na condio de no ser construdo nada sobre

esse terreno em vida do vendedor, se for construdo, este ltimo tem ento o direito de

resolver o contrato, por verificao da condio. Para que haja uma venda a retro

necessrio que a possibilidade de resoluo do contrato resulte de um poder discricionrio

do vendedor resolver o contrato, ainda que esta parte seja uma verdadeira condio

resolutiva. Isto decorre do prprio regime da venda a retro (15). Naquele negcio no h um

(13) Idem, ibidem. (14) Cfr., neste sentido, Ac. TRP de 11-07-94, in www.dgsi.pt, segundo o qual "no constitui venda a retro a venda sob condio suspensiva de falta de cumprimento da obrigao de construir, visto que a falta de cumprimento dessa obrigao , afinal, o prprio fundamento de resoluo". (15) Isto de acordo com a informao recebida na Aula de Garantias das Obrigaes, no dia 01 de Maro de 2007, bem como Fernando Andrade Pires de Lima e Joo de Matos Antunes Varela, Cdigo Civil Anotado, ob. cit. Vol. II, em anotao ao art. 927. No mesmo sentido veja-se tambm o Ac. STJ de 24-06-99, in www.dgsi.pt, segundo o qual se no se reconhecer " parte, a faculdade na sua inteira disponibilidade de resolver o contrato", mas se essa resoluo ficar, isso sim,


poder discricionrio. Verificado que seja aquele evento haver ento fundamento para o

exerccio da resoluo. Esse evento futuro e incerto, para alm de resolutivo, ser, no

mais, a construo feita sobre o terreno objecto daquele contrato tpico.

Em jeito de concluso refira-se que caracterstica do contrato de compra e venda a retro

que o direito de resoluo daquele tem que assentar num poder discricionrio. No

havendo tal poder ento poderemos estar sobre um negcio condicional, mas nunca face ao

instituto previsto pelos artigos 927 e seguintes do Cdigo Civil.

3. A venda a retro de um crdito.

Regra geral o contrato de compra e venda incide sobre coisas mveis, ou imveis, mas

estas costumam ser corpreas, coisas fsicas perceptveis pelos sentidos.

Por este contrato transmite-se a propriedade do bem (art. 408 do CC), ficando o

comprador obrigado a entregar o preo e o vendedor obrigado a entregar a coisa (cfr. art.

879 do CC). Este assim um negcio sinalagmtico tpico, na medida em que as

prestaes em causa esto em relao de dependncia, ainda que no obste transmisso

da propriedade a falta de pagamento do preo ou a no entrega da coisa, para alm de que

ser sempre possvel invocar uma excepo de no cumprimento nos termos gerais do art.

428 do CC ou ainda activar quaisquer outros mecanismos de reaco ao incumprimento

Este o regime tpico do contrato de compra e venda: incidir sobre bens corpreos, sejam

estes mveis ou imveis. Mas no tem necessariamente que ser assim. As partes, ao abrigo

da sua autonomia privada e da sua liberdade contratual (art. 406 do CC), podem celebrar

quaisquer contratos, sobre qualquer objecto, respeitados que sejam os limites do art. 280

do Cdigo Civil, sob pena de, se assim no for, estes poderem ficar feridos de nulidade.

Desta forma perfeitamente possvel que as partes estabeleam um contrato de compra e

venda incidindo sobre crditos. Isto no contraria o esprito do sistema, pois que admitida

a cesso de crditos a terceiros, assim como possvel adquirir participaes sociais de

sociedades annimas cotadas em bolsa de valores, ou mesmo que estas no estejam cotadas

em bolsa possvel adquirir as participaes aos diversos scios dessa pessoa colectiva.

Outro reflexo da possibilidade de transmisso de crditos encontramo-lo no direito

comercial, a propsito das letras de cmbio, matria regulada pela Lei Uniforme de Letras

e Livranas: quando o sacador saca a letra com clusula no ordem, sobre determinada

pessoa a favor de outrem, no por isso que a letra no poder ser transmitida pelo "dependente do no cumprimento tempestivo da contraprestao acordada", no estaremos perante uma venda "a retro", do artigo 927 mas uma permuta ou troca, sob condio resolutiva.


beneficirio. Simplesmente se este a ceder a um terceiro passa a ser visto como um cedente

e o terceiro como um cessionrio, o que significa que se este se dirigir ao sacado e este no

pagar a letra, o terceiro pode dirigir-se ao sacador para que este lha pague. S que este,

como devedor, pode opor ao cessionrio todos os meios de defesa que poderia opor ao

cedente, que responde pela existncia e exigibilidade do crdito, mas no pela

solvabilidade do devedor, conforme o que se dispe, a propsito da figura da cesso de

crditos, nos arts. 577 e seguintes do CC.

Admitindo-se, como se admite no nosso sistema jurdico, a compra e venda de crditos,

tambm ento possvel que esta seja feita a retro, com funo garantistica do

cumprimento de uma obrigao. Basta pensar num caso relativamente simples:

determinado comerciante casado no regime da separao de bens, em ordem a evitar que

pelas dvidas do comerciante, respondam os bens comuns do casal. No entanto como a sua

situao actual no a mais confortvel em termos financeiros no lhe possvel recorrer

ao crdito bancrio para realizar obras de ampliao no seu estabelecimento comercial.

Tambm no lhe interessa celebrar o contrato de empreitada ficando a pagar durante certo

tempo. Assim celebra com um amigo seu um contrato de compra e venda a retro de certa

aplicao financeira que produz juros taxa supletiva do que estiver estipulado por

portaria (16). preciso notar que aquela conta bancria tinha capital suficiente para o

pagamento da empreitada, mas ao comerciante isso no interessa, pois que ao seu amigo

poder pagar mais tarde, quando exercer (e se exercer) o seu direito de resoluo do

contrato, respeitados que sejam os prazos do art. 928 do Cdigo Civil.

Vejamos agora a posio do comprador a retro: este poder ter todo o interesse em realizar

tal contrato, pois que a quantia entregue corresponde ao capital mutuado e ele est

garantido por uma conta bancria de valor superior (normalmente assim o ser, porque de

outra forma, no haveria qualquer efectivao da garantia) e ainda para mais ir receber

juros (remuneratrios) por naquele momento ser titular da aplicao financeira transmitida

atravs do contrato de compra e venda a retro.

Atravs deste mecanismo poder-se-o evitar determinadas formalidades legais, que

existiriam se as partes tivessem celebrado um contrato de mtuo puro e simples, porque, de

acordo com o art. 1143 do Cdigo Civil, para que o contrato de mtuo cujo valor seja

superior ao montante de 20.000 s vlido se constar de escritura pblica e se este for

superior a 2000, ento s ser vlido se constar de documento escrito assinado pelo (16) Actualmente, no mbito dos juros civis, seja qual for a modalidade que estes assumam, est em vigor a portaria 291/2003 de 8 de Abril que fixa o valor (supletivo) da taxa de juros legal em 4%. Sempre que se fizer referncia taxa legal de 4% pelo facto desta ser a que est em vigor data da celebrao deste trabalho.


muturio, havendo aqui uma excepo ao princpio geral da liberdade de forma, constante

do art. 219.

Para alm disto se as partes tivessem recorrido a um simples contrato de mtuo, o

mutuante no se encontraria garantido quanto ao cumprimento da obrigao. Seria

necessrio que o muturio recorresse a qualquer garantia real, onde se inclui o penhor de

conta bancria, para que a posio do mutuante ficasse por este motivo mais tutelada.

Isto no acontecer se for celebrada uma compra e venda a retro de uma aplicao

financeira, se esta for celebrada com uma funo garantistica do crdito do comprador,

porque, em caso de incumprimento (ou no exerccio do direito de resoluo) por parte do

referido comerciante, aquele poder ficar com a aplicao financeira vendida, desde que

restitua ao outro a diferena, para mais, do valor da conta bancria ao vendedor a retro, em

ordem a que no se verifique um enriquecimento sem causa por parte do comprador, nos

termos gerais dos arts. 473 e seguintes do CC. Esta soluo perfeitamente possvel no

sendo sequer contrria aos interesses do vendedor a retro, porque a este ser restitudo o

excesso, para alm de que o valor com que o comprador ficar ir corresponder ao capital

mutuado. Desta forma, o comprador fica na exacta situao em que estaria se no tivesse

celebrado qualquer contrato a retro com o vendedor.

O problema que pode colocar-se em relao obrigao de juros o de saber em qual a

esfera jurdica que nasce o direito acessrio do originariamente vendido a retro, porque o

vendedor, ao transmitir a propriedade da sua aplicao financeira, se nada tiver sido

convencionado em contrrio, transmite tambm a obrigao de juros para a esfera jurdica

do comprador. Assim sendo quem passar a ser titular daquele direito ser o comprador. A

nica coisa que este ter que restituir ser a diferena, para mais, entre o crdito mutuado e

o valor da conta bancria transmitida. Isto resulta da natureza jurdica da obrigao de

juros, conforme veremos de seguida (infra n. 3.1).

Os juros do crdito. Noo.

A obrigao de juros um tipo de obrigao que o nosso legislador previu e regulou no

Cdigo Civil, no captulo reservado s modalidades das obrigaes. Esta obrigao no

unicamente tpica do direito civil, porque a encontramos tambm prevista no Cdigo

Comercial, a propsito dos juros moratrios de que seja titular um comerciante (17).

(17) Veja-se neste sentido o art. 102 do Cdigo Comercial onde se remete para o que se dispe no Cdigo Civil, a propsito da sua regulamentao.


Aparece-nos regulada pelos arts. 559 e seguintes do CC, quanto sua forma de

estabelecimento. Antes disso cumpre referir que os juros constituem frutos civis, nos

termos do art. 212, n. 2 que prescreve que so "frutos civis as rendas ou interesses que a

coisa produz em consequncia de uma relao jurdica". Por esta noo constante daquele

preceito possvel afirmar, com o Prof. Almeida Costa, que os juros constituem o

rendimento de um crdito pecunirio (18).

Para alm disto a obrigao de juros tem um carcter autnomo face obrigao de capital,

conforme resulta do artigo 561 do CC, ainda que decorra deste preceito que a obrigao

de juros pressupe uma obrigao de capital anterior. Depois de constituda passa a ter

vida prpria, porque as duas so autnomas, o que significa que, em relao a cada uma

delas podem ser celebrados os mais diversos negcios jurdicos, desde que estes no

contrariem a lei, a ordem pblica ou os bons costumes, para alm de no deverem violar

normas imperativas cfr., respectivamente, arts. 280 e 294, ambos do Cdigo Civil.

Regra geral a obrigao de juros tem um carcter pecunirio, mas nada h na lei que a isso

obrigue, podendo incidir sobre uma variedade de coisas fungveis, sem que isso contrarie a

natureza jurdica da obrigao em causa. Neste sentido esto de acordo os Profs. Antunes

Varela e Almeida Costa. O primeiro (19) considera que, por via de regra, na grande massa

dos casos, tanto o capital, como os juros consistem em valores pecunirios, () mas nada

exclui, em princpio, a possibilidade de coisas fungveis, ou mesmo as coisas no

fungveis". J o segundo (20) fundamentando a sua posio no art. 1145, n. 2 do Cdigo

Civil, afirma que "o nosso legislador visou principalmente o que, de facto, se apresenta

comum na prtica: capital e juros pecunirios. Todavia, existe previso expressa da

possibilidade de juros relativos ao mtuo que no verse sobre dinheiro".

Como esta obrigao se encontra ligada a outras, parece ser necessrio que a obrigao

principal seja de carcter oneroso, da que o seu principal campo de aplicao se encontre

no contrato de mtuo que alis se presume oneroso, em caso de dvida (cfr. art. 1145, n.

1 do CC).

A obrigao de juros pode revestir diversas modalidades, sendo as principais as seguintes:

Juros compensatrios; Juros remuneratrios; Juros moratrios; Juros indemnizatrios;

(18) Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigaes, 9 edio, Almedina Editora, 2001, pp. 694 e seguintes. (19) Cfr. deste autor, Das Obrigaes em Geral, ob. cit., p. 870). (20) Cfr., deste autor, Direito das Obrigaes, ob. cit., p. 696.


Ser a propsito das duas primeiras modalidades que esta obrigao pode revestir, que

discutiremos mais a questo da titularidade do direito aos juros na vigncia do contrato de

venda a retro.

De qualquer forma, antes de avanarmos, cumpre referir um pequeno aspecto. J vimos

que esta obrigao tem um carcter autnomo e que pode revestir diversas modalidades

diferentes. No entanto o legislador no nos deu qualquer noo do que se deve entender

por obrigao de juros, como o fez, por exemplo, a propsito das obrigaes solidrias e

alternativas (arts. 512 e 543, respectivamente). certo que as noes dadas pelo

legislador valm o que valm, mas, apesar disso, permite balizar o intrprete em certos

aspectos que sejam queridos pelo legislador e permitem que seja mais facilmente

compreendido o esprito legislativo subjacente natureza da obrigao em causa. Somos

de entender que neste aspecto h uma lacuna da lei, pois que as vrias noes da obrigao

de juros que temos foram construdas pela doutrina, no havendo por isso uma relativa

homogeneizao do conceito em apreo. Assim, h autores que consideram certos e

determinados aspectos, mas que outros no o fazem. Isso seria evitado se o legislador nos

tivesse dado uma noo, por muito curta que esta fosse, do que se deve entender por

obrigao de juros, que, como vimos, pode revestir aquelas diversas modalidades e formas.

Anlise sumria das vrias modalidades da obrigao de juros.

Referimos no nmero anterior que a obrigao de juros pode revestir diversas

modalidades. Vamos comear pelas duas ltimas, porque a propsito das primeiras que

iremos desenvolver um pouco mais a temtica, por se relacionarem directamente com o

problema objecto do nosso estudo.

Os juros moratrios so aqueles que so devidos pelo no cumprimento tempestivo de uma

obrigao (21), derive esta do incumprimento do contrato, ou derive do atraso no

cumprimento de uma sentena judicial transitada em julgado e que posteriormente seja

necessrio recorrer a uma aco executiva para que o sujeito activo da relao jurdica

possa satisfazer os seus crditos. Esta modalidade de juros vem prevista no art. 806 do

CC, de acordo com o qual " nas obrigaes pecunirias a indemnizao corresponde aos

juros a contar do dia da constituio em mora." Assim sendo lcito afirmar que os juros

moratrios tm por fim reparar a mora pelo no cumprimento tempestivo da obrigao,

(21) Cfr. neste sentido Almeida Costa, Direito das Obrigaes, ob. cit., pp. 696.


havendo lugar ao vencimento desta modalidade quer nos casos de mora do devedor, quer

nos casos de mora do credor (art. 813 do CC).

Quanto aos juros indemnizatrios: estes so devidos aquando do incumprimento definitivo

de uma obrigao. Ou seja, imaginando que celebrado determinado contrato entre duas

pessoas, se alguma delas no o cumprir tempestivamente haver lugar ao vencimento de

juros moratrios, no caso de o credor no transformar a mora em incumprimento

definitivo, por ainda ter interesse no cumprimento da obrigao. Se entretanto perder o

interesse naquela obrigao ter direito a ser indemnizado nos termos da responsabilidade

contratual (cfr. art. 817 do CC), montante ao qual acrescero juros indemnizatrios. Estes

podero ser devidos, tal como os juros moratrios, desde a data da citao do ru para

contestar a aco (nos termos do Cdigo de Processo Civil), no repugnando ainda que

sejam devidos desde a data da transformao da mora em incumprimento definitivo do

contrato.

Tambm os juros moratrios podero ser devidos desde a data em que o ru ficou

constitudo em mora, sem que o credor (e autor para os termos processuais) no tenha

perdido o interesse no cumprimento da obrigao. A distino vale o que vale, porque a

taxa de juro devida ser a mesma em qualquer dos casos, isto no caso de ser a supletiva

(4%, nos termos da Portaria 291/2003 de 8 de Abril, por remisso do art. 559 do CC, em

vigor data da realizao deste estudo), mas a preciso terminolgica parece ser de fazer

em ordem a que se distingam correctamente as duas figuras em causa.

Os juros indemnizatrios, para alm de serem devidos em caso de incumprimento

definitivo de uma obrigao contratual podem ser tambm devidos nos casos de

responsabilidade civil extracontratual, prevista pelos artigos 483 e seguintes do CC.

Estamos a pensar nos casos em que a restaurao natural no possvel, pelo facto de o

bem destrudo ser nico. Assim a indemnizao devida ter que ser feita em dinheiro,

conforme resulta expressamente do art. 566, n. 1 do CC. A este crdito indemnizatrio

podero acrescer juros indemnizatrios, pelo menos a contar da data da citao do ru para

contestar a aco, admitindo-se tambm que estes sejam devidos desde a data em que o

dano foi causado, se esta for possvel de precisar, conforme o que tenha sido pedido na

petio inicial (art. 467 e 264, n. 1 do CPC).

Vamos agora ver as diferenas entre os juros remuneratrios e juros compensatrios:

quanto aos primeiros, estes tendem a exprimir o rendimento do capital em termos

financeiros, ou seja, o capital visto como um factor produtivo (22). Assim quando feita

(22) Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigaes, ob. cit., pp. 696.


uma aplicao financeira num banco (e isto interessa-nos justamente para o nosso tema) os

juros que essa aplicao render sero juros remuneratrios, precisamente porque essa

retribuio funciona como o rendimento do capital investido que tem um significado

financeiro pleno e o capital tido como um factor produtivo. Remunera-se o capital

investido e, no silncio do contrato, aplicar-se- a taxa de juro supletiva para o direito civil

ou seja, a taxa de 4% nos termos apontados pela Portaria 291/2003 de 8 de Abril (em

vigor data de celebrao deste trabalho).

Cumpre fazer um pequeno apontamento. Menezes Leito (23) considera que os juros

remuneratrios so aqueles que correspondem ao "preo do emprstimo do dinheiro",

dando como exemplo o caso do contrato de mtuo. No concordamos com o Professor de

Lisboa. E no concordamos porque consideramos que o contrato de mtuo rende juros

compensatrios, porque estes se destinam a satisfazer o credor pela impossibilidade de

fruio do capital. Ora tendo os juros remuneratrios uma funo financeira e sendo vistos

como factor de produo, no podemos concordar. Concordamos com a sua noo de juros

compensatrios, assim como com a hiptese que o autor d para referir um exemplo de um

contrato que produza esta modalidade de juros: o contrato de mandato (art. 1167). Aqui

visa-se satisfazer o credor pela impossibilidade de fruio do capital. O contrato de mtuo,

emprstimo de dinheiro numa terminologia usada pelos no juristas, tambm dever render

juros compensatrios, porque quando o mutuante cede ao muturio determinada quantia

ele no ir poder fruir daquele capital. Merece por isso ser compensado. E essa

compensao faz-se atravs do vencimento de juros de carcter compensatrio. O mesmo

em relao aos juros que se pagam a um banco, em cumprimento do contrato de crdito

que este conceda ao devedor. Ao entregar aquele dinheiro ao devedor no poder fruir do

capital mutuado. Haver, assim, lugar compensao do banco por impossibilidade de

fruio do capital.

Desta forma entendemos que s haver lugar ao vencimento de juros remuneratrios nos

casos de aplicaes financeiras. Assim, a modalidade de juros compensatrios tem um

carcter mais abrangente do que esta forma de juros.

Esta distino interessa-nos directamente para o nosso estudo, porque o vendedor a retro

vende ao comprador uma aplicao financeira. E esta rende juros. Juros remuneratrios,

precisamente porque o capital visto como factor de produo. H, assim uma certa

analogia entre a prestao do contrato de trabalho e a retribuio: o trabalho um factor

(23) Cfr., deste autor, Direito das Obrigaes Vol. I, "Introduo, Da constituio das obrigaes", Lisboa, Almedina Editora, Novembro de 2000, pp. 145 e 146.


produtivo. A retribuio devida o outro lado da prestao de trabalho, subordinado ou

mesmo autnomo.

Para o nosso caso se aquela aplicao vencesse juros compensatrios estaria a ser atribuda

uma vantagem ao comprador a retro, proibida pelo art. 928 do Cdigo Civil.

Assim, a venda a retro de um crdito que vena juros s ser admissvel no caso de esta

vencer juros remuneratrios. A compra feita a retro acaba por funcionar como um

investimento de capital. Como tal h lugar a essa retribuio.

Para que houvesse lugar ao vencimento de juros compensatrios seria necessrio que

estivssemos perante um contrato de mtuo, que as partes manifestamente tero querido

afastar, porque de outra forma compensar-se-ia o comprador pela impossibilidade de

fruio do capital.

Os juros na venda a retro. Titularidade.

Incidindo a venda a retro sobre uma aplicao financeira, esta produzir juros. E estes

sero juros remuneratrios, conforme vimos no nmero anterior.

Isto perfeitamente possvel, porque lcito afirmar que a compra feita pelo credor

corresponde constituio de uma aplicao financeira. Assim como ele passa a ser o

titular daquela aplicao financeira vendida a retro, porque a propriedade se transmitiu por

mero efeito do contrato nos termos gerais, ainda que esta seja uma propriedade

funcionalizada, dado que se destina a garantir o cumprimento da obrigao, o direito aos

juros nasce na esfera do comprador.

H, desta forma, uma aquisio originria daquele direito aos juros que, enquanto se

mantiver o contrato, a ele pertencero. J quanto obrigao principal, esta ser derivada,

porque o direito se transferiu para a sua esfera jurdica tal e qual como ele pertencia ao

vendedor a retro. Vimos isto acima na nota 9.

Ora, como a obrigao de juros autnoma da de capital (art. 561) lgico que o

comprador a retro, como legtimo proprietrio daquele direito poder fazer dele o que

quiser. Poder cede-lo a terceiro. Poder reinvestir esse montante. Poder realizar todos os

negcios jurdicos que lhe seja permitido efectuar. No parece que ele possa cancelar o

vencimento de juros a ttulo definitivo, porque a venda a retro tem uma eficcia real

provisria: o vendedor, a qualquer momento, poder resolver o contrato desde que

respeitados os prazos, sem que para isso tenha que dar qualquer fundamento ao comprador.

E este ter que lhe retransmitir a propriedade daquele bem, no caso, daquela aplicao

financeira pelo preo pelo qual a comprou: o capital mutuado.


Quanto aos juros: este direito nasceu na esfera jurdica do comprador a retro quando foi

celebrado o contrato. Operando-se a resoluo, a obrigao de juros acompanhar o crdito

principal, reentrando na esfera jurdica do primitivo vendedor, continuando a obrigao

principal a produzi-los. Reentrando na sua esfera jurdica poder o primitivo vendedor

fazer deles o que quiser, nos mesmos termos em que o comprador o podia fazer, quando

era titular da obrigao principal. Com uma diferena: vimos acima que o comprador a

retro no podia cancelar o vencimento de juros, enquanto que a aplicao financeira se

mantivesse na sua esfera de direitos, ainda que pudesse celebrar quaisquer negcios sobre

esse direito autnomo. Isto assim porque a venda a retro constitui no comprador um direito

de propriedade com uma eficcia real limitada: s visa garantir o cumprimento da

obrigao e, como tal, exercido o direito de resoluo, ele ter que retransmitir a obrigao

principal, assim como as obrigaes autnomas, ainda que no tenha que restituir o crdito

de juros que a obrigao principal venceu, quando este era o proprietrio da aplicao

financeira, ainda que de forma limitada e provisria. E o vendedor primitivo? Poder este

cancelar o vencimento dos juros? No plano terico no h nada que o impea de fazer,

como tambm no h nada que o impea no plano prtico. Claro que no o far, ou

tendencialmente no o far. Mas como este o proprietrio verdadeiro e no meramente

provisrio poder fazer o que bem entender com qualquer das duas obrigaes, inclusive

liquidar ambas e constituir novas aplicaes financeiras, que venam juros remuneratrios

mais ou menos elevados do que aquela. um enorme reflexo da autonomia da vontade a

funcionar.


4. Concluses. Por tudo quanto se exps ao longo de todo o trabalho e como quisemos demonstrar,

perfeitamente possvel que a venda a retro incida sobre um crdito. A autonomia

privada e a liberdade contratual para isso bastam. Assim como tambm so suficientes

para a afirmao de que a titularidade do direito aos juros do crdito nasce na esfera

jurdica do comprador a retro. Mas no s. Vimos que a obrigao de juros uma

obrigao autnoma, mas que pressupe a existncia de uma obrigao de capital. E

esta existe. A compra que feita acaba por funcionar como um mtuo. Se a venda a

retro tivesse incidido sobre um objecto corpreo (por exemplo, um relgio valioso) o

mtuo seria o preo. Aqui incidiu sobre um crdito. E este produz juros. Juros que so

de carcter remuneratrio: porque o capital visto em termos financeiros e como factor

de produo. No so juros compensatrios, conforme tivemos o cuidado de assinalar e

deixar claro. E como estes ([juros remuneratrios]) so frutos civis, nascem na esfera

jurdica de quem titular do objecto produtor desses mesmos frutos.

Desta forma, incidindo a venda a retro sobre um direito de natureza creditcia mais

prximos de um puro e simples contrato de mtuo estamos, por fora do nascimento da

obrigao de juros. H uma obrigao de capital e uma correspondente obrigao de

juros, que, por fora do seu regime, autnoma, nos termos do artigo 561 do CC. E

sendo autnoma pode ser cedida, dada em cumprimento de uma obrigao, remida, etc.

No entanto o comprador a retro no poder cancelar o vencimento de juros, porque ele

titular a ttulo provisrio daquela aplicao financeira vendida a retro. No obstante,

por estes motivos decorrentes do seu regime, ento poder aquela obrigao de juros

constituir-se validamente na esfera jurdica do comprador a retro. E mesmo no caso de

resoluo do contrato no ter o comprador que devolver esses juros. Como frutos que

so e que na sua esfera jurdica nasceram poder ficar com eles. Ter, isso sim, a

obrigao de restituir ao vendedor o crdito que este lhe vendeu. Claro que aqui,

resolvido o contrato, o direito aos juros renascer, novamente, na esfera jurdica do

vendedor, podendo, este sim, cancelar o vencimento dos juros.

Repetimos: no esquecemos que a venda a retro sobre um crdito que produza juros se

aproxima do contrato de mtuo, que , por sua natureza, um contrato oneroso. Oneroso

como , ento haver que compensar o mutuante pela impossibilidade de fruio do

capital.


Isto no contraria minimamente a posio do vendedor a retro, nem mesmo por ficar

sem aquele capital de juros, pois que se a venda a retro no tivesse sido celebrada

provavelmente teria ele que recorrer ao crdito bancrio, com todas as (des)vantagens

que isso possa ter. Desde logo a constituio de uma garantia real, mais onerosa.

Tambm no h lugar a uma vantagem acessria atribuda ao comprador a retro. Seria

uma vantagem se se convencionasse o vencimento de juros compensatrios. A essa

clusula estaria ferida de nulidade por fora do art. 928 do CC. Mas como o

vencimento dos juros remuneratrios decorre da natureza do direito de crdito

transmitido, nenhuma vantagem h, para efeitos do art. 928, atribuda ao comprador a

retro, proprietrio, provisoriamente da aplicao financeira, mas proprietrio a ttulo

definitivo do montante dos juros vencidos que nasceram na sua esfera jurdica at

dar em que se operou a resoluo do contrato, nos termos do art. 927 do CC.

Para alm disso, mesmo que a venda a retro tivesse incidido sobre um objecto

corpreo, o vendedor no poderia fruir dele, se este tivesse sido entregue ao

comprador, a quem a propriedade pertence, ainda que de forma funcionalizada, dado

que o comprador no quer ficar definitivamente com a coisa, nem o vendedor quer

despojar-se dela de forma definitiva.


Bibliografia.

COSTA, Mrio Jlio de Almeida, Direito das Obrigaes, 9 Edio revista e

actualizada, Coimbra, Almedina Editora, Outubro de 2001.

LEITO, Lus Manuel Telles de Menezes, Direito das Obrigaes Vol. I, "Introduo, Da constituio das obrigaes", Lisboa, Almedina Editora,

Novembro de 2000.

LEITO, Lus Manuel Telles de Menezes, Garantias das Obrigaes, 1 edio, Lisboa, Almedina Editora, 2006.

LIMA, Fernando Andrade Pires de, e VARELA, Joo de Matos Antunes, Cdigo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 1968.

VARELA, Joo de Matos Antunes, Das Obrigaes em Geral, Vol. I, 10 Edio, Coimbra, Almedina Editora, Julho de 2005.

Jurisprudncia citada. (24)

Ac. STJ de 14-06-83 Proibio da venda a retro no Cdigo Civil de 1867. Ac. STJ de 19-09-2006 Compatibilidade da venda a retro com o contrato de

mtuo oneroso ou gratuito.

Ac. TRP de 11-07-94 Distino da venda a retro do negcio sob condio suspensiva.

Ac. STJ de 24-06-99 Distino da venda a retro do negcio sob condio resolutiva.

(24) Os acrdos aqui referidos aparecem, no por ordem cronolgica, mas sim pela ordem em que foram usados no texto, podendo, todos eles, ser encontrados em www.dgsi.pt.

código civil

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